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Essa
que justifica a existência do jornalismo. É polarização quanto aos usos da fotografia permite
importante ressaltar que tem havido divergência que se pense acerca do hiato entre aquilo que se
quanto a essa capacidade, ora vista como chama “realidade” e suas representações, ou
absoluta1, ora com parcimônia, uma vez que todo melhor, as possibilidades de representação do real2.
relato constitui uma versão dos fatos. O uso da Para Floch (1986, p.16), quando a fotografia
fotografia, por exemplo, despontou como assume um caráter testemunhal, ela é investida de
importante ferramenta para a construção de efeitos valores práticos, sendo vista como documento,
de sentido de real, o que é conseguido pela prova e lembrança; na perspectiva das artes, é
plasticidade fotográfica e seu caráter de investida de valores utópicos3, representando a
testemunho imagético. É interessante ressaltar, beleza e as buscas a ela associadas.
ainda, que a fotografia pode ser vista como fazendo Aqui, na tentativa de lançar vários olhares
parte de um duplo movimento: por um lado, sobre os processos de construção de efeito de
entendida como um regime de significação; de sentido de real e de como ele é agregado ao discurso
outro, a fotografia tal como apropriada pelo jornalístico, duas tradições semióticas são
discurso jornalístico. apresentadas. De um lado Floch, que toma a
Numa perspectiva histórica, a fotografia vertente do pensamento greimasiano, advindo, por
tem se apresentado como capaz de se aproximar sua vez, das contribuições de Saussure. A ênfase
do real, pois concilia natureza e cultura, presença aí está nos processos de significação e de leitura,
e ausência; é capaz de marcar tanto a continuidade como proposto por Saussure pela dicotomia entre
quanto a descontinuidade. A fotografia tem a língua (fato social) e fala (ato individual) (DUBOIS,
capacidade de repetir aquilo que jamais irá se 1997, p.261).
reproduzir, fazendo o objeto desaparecer (FLOCH, Numa outra corrente estão os estudos a
1986, p.14). partir da chamada “tríade sígnica” ou os três
De maneira dicotômica, a fotografia pode modos de funcionamento do signo em relação ao
ser tanto vista como auxiliar das ciências e das objeto ou referente. Estes, nomeados por Peirce
como ícone, índice e símbolo colaboram Dessa feita, são vários os efeitos de sentido
sobremaneira para o entendimento das categorias possíveis: de realidade, de surrealidade, de
de representação do real. O índice diz respeito a irrealidade, de hiper-realidade etc. Ao jornalismo,
um mecanismo de indicação, mantendo com o torna-se basilar a busca de efeito de sentido de
elemento representado uma relação de realidade.
proximidade. Dessa forma, fumaça é a Num artigo seminal, intitulado “O efeito
representação indicial do fogo; não há, portanto, de real”, Barthes (1984, p.131) discute a inclusão
semelhança nem convenção com o representado de elementos na narrativa que façam parecer ou
(DUBOIS, 1997, p.338). O símbolo representa simular o real. Para ele, de maneira paradigmática,
uma relação numa determinada cultura, resultando podem ser observadas duas obras: num texto de
de uma convenção, como a balança que simboliza Flaubert aparece um barômetro; numa descrição
a justiça (DUBOIS, 1997, p.549). histórica de Michelet, aparece uma delicada porta4.
Barthes chama a atenção para o fato de que, na
lógica de uma análise estrutural, os referidos
elementos podem parecer estranhos, visto não
O relato jornalístico, quanto mais apresentarem uma relação direta com a seqüência
tenta se aproximar do real, simula dos acontecimentos, podendo parecer até mesmo
supérfluos ou soltos.
este real, na medida em que é capaz Qual seria, então, a função dos elementos
apontados pelo autor em cada uma das narrativas?
de oferecer as provas do real
Por meio da inclusão de objetos aparentemente
retratado. estranhos, dissonantes, visto não serem da ordem
do previsível, confere-se um tom de realismo aos
textos, ou maior realidade, no caso do texto
Dentre as formas de representação, a que histórico. A representação direta do relato, ou o
mais parece se aproximar do real é o ícone, pois real tal como acontecido, aparece como uma
estabelece uma relação com seu objeto, pautada resistência ao sentido ou à possibilidade de gerar
pela semelhança, ainda que não seja uma vários sentidos, devendo indicar o vivido. Para
reprodução ponto por ponto. Já não há limite de Barthes (1984, p.135), é
separação entre o signo e seu objeto, visto que,
em função da semelhança, os limites são borrados como se, por uma exclusão de direito, aquilo
e eles se misturam. Como diz Santaella (2000, que vive não pudesse significar – e
p.115), “num lapso de tempo, o sentimento é reciprocamente. A resistência do “real” [...]
sentido como se fosse o próprio objeto”. à estrutura é muito limitada na narrativa
É nesse sentido que a iconicidade é vista fictícia, construída, por definição, de acordo
como o resultado da produção de um efeito de com um modelo que, nas suas grandes
sentido do “real”. A iconicidade é a representação linhas, não conhece outras exigências para
pretensamente direta do objeto em questão e que, além das do inteligível; mas esse mesmo
por esta passagem direta, sem uma mediação que “real” torna-se a referência essencial da
afasta o signo de sua representação, pode-se dizer narrativa histórica, que supostamente relata
que ela seja a simulação do real. “É no interior de “aquilo que aconteceu realmente”: que nos
uma cultura, no quadro de uma economia de importa então a infuncionalidade de um
atitudes em relação a diferentes sistemas de pormenor, a partir do momento em que ele
expressão e de significação, que pode se denote “aquilo que aconteceu”?
compreender a iconicidade” (FLOCH, 1986, p.28,
trad. nossa). Dentre as posições ocupadas pela
Para Floch (1986, p.31), nos caminhos fotografia, segundo Floch (1986, p.20-24),
da semiótica, interessa mais a iconização, em destacam-se a referencial, a oblíqua, a mítica e a
detrimento da iconicidade. A iconização tem por substancial. Para as reflexões ora propostas,
base os procedimentos de fazer parecer “real”, torna-se mais relevante situar a fotografia
tendo na relação enunciativa uma forma particular referencial, por ser vista como resultado de uma
de contrato fiduciário, fazendo que o enunciatário técnica que busca dar fala ao mundo, oferecendo
julgue ser a “realidade” o elemento enunciado. ao leitor uma posição testemunhal. A fotografia é
entendida como mediadora entre o público e outras
realidades. A ilusão referencial, ou a simulação de
Para Barthes (1984, p.153), dentre os ancoragem no real, possibilita envolver o fato
elementos que podem “autenticar” o real de forma narrado numa aura de realidade, assegurada pelos
objetiva está a fotografia, pois ela pode apresentar elementos que indicam a ligação entre aquilo que
um testemunho “bruto”, da mesma forma, a é relatado e sua configuração, na forma de
reportagem5, a exposição de objetos antigos etc. narrativa. Como resultado, tem-se a ilusão de estar
O que se afirma, por meio desses exemplos, em diante do real ou a ilusão da presença do objeto/
última instância, é que o real se basta a si mesmo. questão reportada.
Os elementos enunciam a sua própria história, No caminho das simulações, o efeito de
sendo suficiente o ter-estado-ali das coisas. real também pode ser estimulado pela iconização,
O ter-estado ou a idéia de ter-estado visto ser esta a capacidade de representação direta
também pode ser conseguido pela função do signo. À narrativa jornalística compete a busca
referencial, que se refere à mensagem centrada de uma representação clara daquilo que é
no contexto (DUBOIS, 1997, p.513). A relação reportado, permitindo que o fato apresentado
direta com o real é construída pela semiose pois, esteja o mais próximo possível do real. Por vezes,
como lembra Compagnon (2001, p.109), o a noção de realidade está intrinsecamente associada
referente não é um dado preexistente, mas um ao universo midiático, em que, num
produto dos processos de significação/da semiose. escalonamento da mídia quanto à apresentação do
real, a televisão tem supremacia, por exemplo,
Estamos perante aquilo a que se poderia sobre o impresso, pela exibição de imagens. A
chamar a ilusão referencial. A verdade desta partir do senso comum, é freqüente se ouvir: “sim,
ilusão é a seguinte: suprimido da enunciação é verdade, eu vi na TV”.
realista a título de significado de denotação; O relato jornalístico, quanto mais tenta se
com efeito, no preciso momento em que aproximar do real, simula este real, na medida em
estes pormenores parecem notar que é capaz de oferecer as provas do real retratado.
directamente o real, eles não fazem mais, Além do testemunho de quem relata, a fotografia
sem o dizerem, do que significá-lo; o permitiu avanços nesta seara. Da mesma forma, a
barômetro de Flaubert, a portinha de televisão, pela oferta de imagens, mostra o real
Michelet não dizem afinal de conta senão com maior detalhamento. Numa perspectiva de
isto: nós somos o real; é a categoria do real convergência midiática, tanto a ilusão referencial
[...] que é então significada; em outras quanto a inconização despontam como
palavras, a própria carência do significado, características determinantes de novas narrativas.
em proveito exclusivo do referente, torna-
se o próprio significante do realismo:
produz-se um efeito de real, fundamento SIMULAÇÃO DE CONTATO – SIMULAÇÃO DO ATUAL
desse verossímil inconfessado que forma a
estética de todas as obras correntes da Sobre o discurso jornalístico, quanto a sua
modernidade (BARTHES, 1984, p.136, organização no intuito de promover um efeito de
grifo do autor). real, é importante notar os vários estratagemas,
REFERÊNCIAS
BARROS, Diana Luz Pessoa de. Teoria semiótica do
texto. São Paulo: Ática, 1990.