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Ramiro Marques
Uma outra distinção que interessa fazer é destacar a diferença entre bens
internos e bens externos associados às práticas. Os bens internos são bens que o
agente considera bons em si. Os bens externos são bens que apenas têm valor
instrumental. Ao contrário dos bens internos, que não se esgotam e cuja posse
pelo sujeito não impede a posse deles por outros sujeitos, os bens externos são
sempre propriedade de alguém e quanto mais bens externos um sujeito tem,
menos bens dessa natureza há para distribuir pelos outros. Aristóteles não
dispensa a utilidade dos bens externos. No entanto, considera que devem estar
ao serviço dos bens internos. Da mesma forma, as práticas eficazes e as
actividades que servem objectivos exteriores, as quais são necessárias ao
cumprimento das funções das instituições, devem estar ao serviço e depender
das práticas excelentes e das actividades que servem objectivos internos ao
agente. Essa é a única forma de evitar que o poder corrupto das instituições,
intimamente ligado à competição, à eficácia e à criação de produtos com valor de
mercado, não impeça os agentes de desenvolverem práticas excelentes e
actividades boas em si, as quais são condição necessária à construção da
eudaimonia e do florescimento pessoal do agente. A escola como instituição e o
ensino como prática vivem imersos nessa tensão. A escola é uma comunidade
com um grande poder de intervenção no processo de aquisição das virtudes
intelectuais e das virtudes do carácter. É uma instituição que produz bens
interiores. Não pode, portanto, ser encarada como uma qualquer instituição da
economia capitalista. Tem de ser vista como uma comunidade onde se forja o
carácter das novas gerações e realiza o desenvolvimento intelectual das pessoas.
Daí que tenha de ser uma instituição onde as práticas de eficácia sirvam as
práticas excelentes e onde os bens exteriores estejam dependentes dos bens
interiores. Só servindo essa hierarquia, a escola evita ser uma instituição corrupta
e pode aspirar a ser uma instituição ao serviço do florescimento pessoal de alunos
e professores. É também por essa razão que a escola não deve estar inteiramente
à mercê do mercado e não deve ser gerida como se fosse uma instituição
capitalista, cujo objectivo fosse a produção e o lucro. A escola é uma instituição
de outra natureza. Não visa apenas nem sobretudo a produção. Não visa,
certamente, a produção de bens exteriores. Visa, principalmente, o
desenvolvimento de práticas críticas e de actividades com objectivos internos,
isto é, que se bastam a si próprias e que dão prazer, independentemente do
resultado ou do produto. Ainda que consideremos que cabe à escola, também, a
gestação de um produto (a aprendizagem dos alunos), temos de perceber que o
produto que a escola cria é constituído por bens interiores, isto é, virtudes
intelectuais e virtudes do carácter, sem valor de mercado (embora possam ter
retorno económico e estatutário a longo prazo), ao contrário dos produtos criados
pelas empresas que operam na economia capitalista, que, como é sabido,
colocam no mercado bens exteriores, ou seja, bens materiais, através da
realização de práticas eficazes e de actividades com objectivos externos ao
agente. É por essa razão que as políticas educativas preocupadas apenas com a
eficácia nunca conseguirão criar verdadeiras comunidades educativas onde seja
possível o desenvolvimento de práticas excelentes e de actividades com
objectivos internos ao agente. As políticas educativas que visam retirar
autonomia às escolas e aos professores e que pretendem tornar o acto educativo
refém dos interesses empresariais e pôr o currículo ao serviço da economia, estão
condenadas ao insucesso e mais não fazem do que criar professores e alunos
descontentes, sem entusiasmo e desmotivados. É por estas razões que a política
educativa actual não serve uma escola que vise o desenvolvimento de práticas
excelentes e das virtudes intelectuais (inteligência, sabedoria e prudência) e das
virtudes do carácter (justiça, generosidade, amizade, esperança, compaixão,
temperança, coragem, etc.). Por mais propaganda e por mais malabarismos
estatísticos e demagogia que os governantes façam, a realidade está à vista de
todos: os professores nunca estiveram tão desmotivados e nunca foi tão penoso
exercer as práticas pedagógicas.
Bibliografia básica
Lannstrom, A. (2006). Loving the Fine: Virtue and Hapinnes in Aristotle`s Ethics.
Indiana: University of Notre Dame