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revista bioetica.

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ARTIGOS
A função dos comitês de ética institucionais ao uso
de animais na investigação científica e docência
Anamaria Gonçalves dos Santos Feijó

Neste trabalho a autora procura enfatizar a importância da existência de comitês de ética institu-
cionais ao uso de animais no contexto científico e educacional atual, onde os progressos da técnica
e tecnologia exigem parâmetros cada vez mais claros para um agir eticamente adequado. A análise
das funções de comitês de ética voltados à pesquisa com seres humanos serve de fundamento para
a defesa de princípios entendidos como importantes quando da implantação e implementação de
comitês de ética voltados à temática animal.

Unitermos: ética animal, bioética,


Anamaria Gonçalves dos
Santos Feijó comitês de ética
Bióloga, professora da Faculdade
de Biociências da PUCRS e doutora
em Filosofia pela Universidade de
Buenos Aires (área de Concentração
em Ética e Animais) Introdução

No estado atual das investigações sobre o emprego dos


animais para experimentação científica e docência,
emerge a necessidade de se clarificar a importância e
função de um comitê de ética ao uso de animais, salien-
tando sua responsabilidade em países que, como o Brasil,
não apresentam legislação orientadora específica para a
temática em questão.

A busca pela definição dos limites de atuação dos seres


humanos para com os animais e pela fundamentação do
porquê destes limites é considerada parte da denominada
Bioética 2004 - Vol. 12, nº 2

Animal Ethics. O tema “ética dos animais” constitui


hoje em dia um capítulo particular da bioética.
Recorrendo a Clotet pode-se relembrar o conceito plura-
lista de bioética: “O termo Bioética pretende centrar a
reflexão ética em torno do fenômeno vida. Como se sabe,
existem formas diversas de vida e também modos dife-
rentes de consideração dos aspectos éticos relacionados
com a mesma. As áreas de estudo e aplicação da bioética,

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por conseguinte, têm um caráter plural. A Este contexto, então, pede a presença de
ética ecológica, os deveres para com os ani- comitês de ética institucionais ao uso de ani-
mais, a ética do desenvolvimento e a ética da mais, que hoje deveriam ser expoentes na
vida humana seriam alguns de seus grandes implementação de certos conceitos que delinea-
temas” (1). riam o uso dos animais e definiriam os limites
desta atuação pelo menos na investigação bio-
Duas abordagens contemporâneas foram muito médica e a docência, área escolhida para este
importantes para o tratamento do tema “ani- trabalho.
mais”: a obra Animal liberation (1990), de
Peter Singer, que salientava principalmente a A reflexão sobre a atuação dos comitês de
aceitação generalizada da tese da descon- ética em pesquisa com os seres humanos pode
tinuidade entre o homem e os animais con- ser o ponto inicial da caminhada rumo a
duzindo a doutrinas e práticas “especiesistas” e, ampliação de nosso limite de responsabilidade
em conseqüência, ao maltrato e a crueldade para com o agir moralmente adequado, abar-
gratuitas em relação aos animais (2), e The case cando também os animais não-humanos e,
for animal rights (1983), de Tom Regan, onde conseqüentemente, entendendo a importân-
este defende enfaticamente, dentro de critérios cia e função de um comitê de ética dedicado
próprios propostos por ele, os direitos dos seres ao tema animais.
vivos que apresentam valor intrínseco no
âmbito individual (3). As obras destes dois filó- Os comitês de ética
sofos, entre outras, permitiu a formulação de
uma questão básica: o que haveria de teorica- Pode-se aceitar e entender um comitê de ética
mente importante e interessante no tema ani- como um corpo interdisciplinar de pessoas que
mais para a filosofia prática? Questões como buscam pesquisar, ensinar, prestar consultorias
essa passaram a subsidiar um amplo debate no ou propor normas institucionais no que tange
século XX, que englobava diversas posições na aos aspectos éticos (4). Esta ampla definição
tentativa de justificar a condição moral dos ani- aplica-se a comitês de ética hospitalar, para
mais, seus discutíveis direitos e interesses e os pesquisa com seres humanos e também para os
deveres dos seres humanos para com eles. comitês que se preocupam com a utilização de
animais na investigação científica e na docên-
Atualmente, encontram-se posições diversas cia, entre outros. A literatura distingue, por
também nos campos alimentício, recreativo, exemplo, muitas e diversas funções a um
científico e de ensino, onde os animais vêm comitê de ética, das quais se pode destacar:
sendo usados pelo ser humano e onde este aconselhar, prognosticar, examinar e revisar
vem intervindo, inclusive, na alteração e protocolos e alocar recursos (5).
destruição dos habitat naturais de muitos
destes animais e contribuindo para a extinção Os comitês de ética não são novos! O primeiro
de muitas espécies. comitê foi formado em 1971, nos EUA.

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Durante a década de 1980, as discussões éticas casos tornam-se muito específicos é normal-
tomaram grande vulto em freqüência e com- mente aceito o parecer ad hoc de um especia-
plexidade. Respondendo a isto, as instituições lista convidado;
relacionadas ao cuidado com a saúde facili-
taram e encorajaram a formação dos comitês de c) Consultoria de casos – Esta função suscita
ética (6). A composição e funcionamento de questionamentos e leva a uma regra geral: os
um comitê de ética são variados e não carecem modelos de consultoria, que tratam dos limites
de problemas, alguns dos quais surgem da de atuação e de resposta do comitê, precisam
matéria mesma tratada pelo comitê. ser decididos em nível da própria instituição.

As diversas atividades de um comitê de ética são Com respeito aos comitês de ética em geral
salientadas por Singer, Pellegrino e Siegler (6), também há de se fazer a pergunta fundamental
dentre as quais três são destacadas: sobre o papel que a ética desempenha nos
comitês de ética. Para dar uma resposta perti-
a) Responsabilidade de oferecer com freqüên- nente, Bertomeu (7) assinala que o esquema
cia programas educacionais cujos resultados quase universalmente aceito para os comitês de
só são sentidos depois de um ou dois anos – ética é “o diálogo e a cooperação de especialis-
Esta educação engloba a auto-educação dos tas e interessados”, a tal ponto que na biblio-
membros do comitê e é essencial se existe a grafia sobre comitês de ética, com freqüência
preocupação do comitê com a competência de aparecem expressões como diálogo, discussão,
seus componentes e o estabelecimento de sua consulta e comunicação.
credibilidade na instituição em que se insere.
Engloba também a coordenação de progra- Seguindo com Bertomeu (7), pode-se distin-
mas educacionais dirigidos a todos os seg- guir três aspectos problemáticos que devem ser
mentos de pessoas que compõem a instituição considerados em relação à composição dos
sede do comitê. Estes programas podem abar- comitês de ética:
car atividades como palestras, mesas-
redondas, seminários, entre outras onde a) É necessário e possível que todos os interes-
ocorre a discussão de problemas que emergem sados sejam também participantes? Com
do cotidiano comum dos participantes e de respeito a este aspecto, a presença pessoal de
suas atividades; todos os envolvidos, sem dúvida, é impossível
em um comitê de ética, dadas às atuais circuns-
b) Desenvolvimento de políticas institucionais tâncias de nossas sociedades superpopulosas.
relacionadas com a ética – Esta tarefa implica Ainda que se conseguisse eliminar as diferenças
na transparência de critérios levados em conta sociais e culturais para a designação de repre-
na avaliação dos problemas e projetos pelo sentantes legítimos, não se poderia eliminar as
comitê, muitas vezes impostos por legislação desigualdades naturais que brotam da incapaci-
nacional e outros regulamentos. Quando os dade de discernimento;

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b) Os interlocutores representativos têm real interesses controvertidos e diferentes tipos de


capacidade para defender os interesses de todos atitudes” (ibidem).
os envolvidos sem a intervenção de distorções
ideológicas, condicionamentos culturais e auto- Outro fato a ser ressaltado é o que se pode
enganos? Com pertinência a esta questão, chamar de níveis de consenso em um comitê
embora não exista um critério material objetivo de ética. O consenso, como se sabe, é o maior
para determinar que pessoas podem ser desig- objetivo de um comitê para uma deliberação
nadas como representantes legítimos, há que se ética. Na opinião de Moreno (8), a busca de
indicar que, segundo as funções e objetivos a consenso pode envolver a aplicação de princí-
que se proponha um comitê de ética, os repre- pios, o que não significa que exista o consen-
sentantes designados de cada setor envolvido so sobre estes princípios ou sobre o mérito
devem oferecer garantias morais de que não vão dos mesmos por parte dos integrantes de um
interpor seus interesses subjetivos ou arbitrários comitê.
nas discussões, bem como garantias com
respeito à capacidade de argumentação requeri- Comitês de ética institucionais
da e ao saber profissional ou técnico, depen- ao uso de animais
dendo do caso;
Especificamente em relação aos comitês de
c) Os leigos no tema podem alcançar um ética institucionais ao uso de animais, estes
nível de informação que lhes permita com- órgãos, nos moldes dos comitês de ética volta-
preender adequadamente os problemas em dos à pesquisa com seres humanos, também
jogo e elaborar opiniões sólidas como funda- devem ser formados por grupo multidiscipli-
mento de suas tomadas de decisão? Em nar com profissionais oriundos de diversas
relação à incapacidade dos não-especialistas áreas.
para compreender a complexidade científica
ou técnica dos problemas, pode-se fazer duas Os comitês de ética institucionais ao uso de
observações: não se deve perder de vista que animais precisam iniciar seu trabalho dis-
se tratam de comitês de ética e, como assinala cutindo com seus membros e clarificando
Bertomeu, “é necessário considerar que, se os questões específicas sobre o respeito à vida
critérios para tomadas de decisão e as animal em geral, o status moral do animal,
opiniões com que esses se expressam devem os seres abarcados no conceito “animal” e
ser realmente éticos, então os leigos no tutelados oficialmente pelas regulamen-
assunto não são necessariamente menos tações, entre outras, para ajudar a funda-
capacitados que os cientistas, porque a avalia- mentar sua ação como um comitê voltado a
ção dos fatos e as conseqüências de nossas esta temática.
atuações em prol da vida humana somente
constituem uma parte, imprescindível, de um Os comitês de ética institucionais não podem
conflito moral genuíno; a outra parte supõe ser apenas órgãos burocráticos criados com o

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objetivo de oficializar o que já vem sendo feito homem, tutor destes animais e seu represen-
na instituição, mas sim órgãos comprometi- tante nas situações dialógicas, demonstrar
dos e engajados na busca por uma atitude condições de ampliação de seu horizonte
moralmente adequada para utilização dos ético. Isto porque haveria a necessidade deste
animais dentro de seu limite de atuação. São homem assumir uma relação de simbiose
os comitês de ética que estabelecem as políti- com a natureza, assumindo, respeitando e
cas institucionais que assegurarão a obser- entendendo o valor intrínseco desta (engloban-
vação de estritas normas éticas no trabalho do os animais), como já vem assumindo o
com os animais à luz da legislação vigente, se valor intrínseco da espécie humana (9).
esta existir, ou dentro de limites estabelecidos Habermas fala de um cenário de responsabili-
pelo próprio comitê para aquela instituição dade, de vinculação ética aceita e assumida, de
onde ele atua. onde emergiria o sujeito da ética discursiva
que defenderia, de forma argumentativa, seus
Ficam os questionamentos: em um comitê de tutelados. Os homens seriam os únicos seres
ética ao uso de animais de uma instituição de em condições de ajudar os animais, pois
ensino e pesquisa, como uma universidade, seriam os seres mais capazes de transformar a
por exemplo, seus membros devem defender si e ao mundo através da ética do discurso, na
os interesses dos pesquisadores e professores concepção habermasiana, evitando graves
que utilizam animais em seu trabalho? problemas que podem advir de uma noção
Devem também defender os interesses dos estreita de moral. A concepção de Habermas,
animais? Na teoria habermasiana é aberto então, entende que os animais teriam voz em
um espaço para a reflexão sobre esse proble- um comitê de ética, através dos seres
ma. Como afirma o próprio Habermas, é difí- humanos. Esta é, sem dúvida, uma questão
cil responder a pergunta fundamental da ética polêmica cuja discussão e reflexão deve ter
ecológica: o que dizer ante a vulnerabilidade lugar nos próprios comitês.
da criatura muda, uma teoria que se limita a
um cálculo de destinatários formados Em relação aos aspectos práticos, as respon-
por sujeitos capazes de falar e agir? (9) sabilidades mínimas dos comitês direcionados
Habermas vê a comunicação como uma à manipulação de animais pelos seres
forma de legitimar uma norma cuja validação humanos foram lembradas por Osório e
será conseguida pela competência argumenta- Rosenkranz e consistem, entre outras: a)
tiva dos integrantes do grupo. As interações revisar os programas das instituições de
entre o homem e o animal estão mediadas cuidado e uso humanitário dos animais; b)
por gestos não-lingüísticos Os animais não revisar e aprovar ou reprovar protocolos de
podem exigir a própria libertação ou o investigação que irão iniciar ou já iniciados,
respeito por seus direitos. Então, só se pode avaliando os itens referentes ao bem-estar
encontrar espaço para uma ética discursiva animal; c) aprovar o uso de animais com
que englobe o trato com os animais se o patologia experimental por longo tempo;

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d) avaliar métodos adequados de eutanásia, Nos Estados Unidos, a existência de comitês


trauma excessivo, dor e sofrimento. Os de ética institucionais para o cuidado com
comitês precisam ficar atentos aos procedi- animais está regulamentado, por exemplo,
mentos que causem mal-estar e/ou dor aos pelo Animal Welfare Act –AWA (13) e pelos
animais (10). Government Principles for the Utilization
and Care of Vertebrate Animals Used in
Para Einstein (11), os comitês são particu- Testing, Research, and Training (PHS
larmente sensíveis ao impacto de experi- Policy) (14).
mentos tradicionalmente associados com
dor e distress, orientando a um acompa- A profundidade de revisão de um protocolo
nhamento mais cuidadoso destas investi- experimental deve depender da natureza dos
gações. Discorrendo sobre as funções dos procedimentos nos animais. Osório e
comitês de ética institucionais ao uso de Rosenkranz (10) propõem a adoção de um
animais, a mais importante delas seria a sistema classificatório de dor, já existente na
avaliação de procedimentos para com os Suécia e Holanda, por exemplo, e que vem
animais, pesando o avanço do conhecimen- servindo de modelo para outros países. Estes
to ou o valor educacional de uma técnica sistemas classificatórios vão desde procedi-
contra o impacto destes procedimentos em mentos que não provocam dor até procedi-
termos de dor e sofrimento, confinamento e mentos que produzem fortes dores em ani-
outras situações de stress ou morte do ser mais conscientes não anestesiados (15). Os
vivo (11). Esta defesa vem ao encontro dos sistemas classificatórios chamados “escala de
princípios que fundamentam a legislação de dor” podem servir de suporte aos comitês de
países como Austrália e Nova Zelândia. O ética institucionais. A Inglaterra também
comitê de ética seria o órgão que precisaria adotou um sistema de categorização de dor
decidir quando o conhecimento justifica o com quatro níveis. Lá, o pesquisador precisa
impacto no animal. É necessário calcular os fundamentar muito bem para os comitês, em
meios e fins. Este experimento é neces- seu protocolo, tanto a utilização dos animais
sário? É relevante? Não será uma repetição como a necessidade de infringir desconforto,
desnecessária? É a partir deste cálculo onde dor moderada ou dor severa. Como pode ser
de um lado está o sofrimento animal e do constatado a Inglaterra é um país que esta-
outro o benefício advindo da pesquisa que o belece limites de atuação humana para com
comitê precisará decidir. Dependendo do os animais fundamentados na sensibilidade
desenvolvimento destas políticas nos países, (15). Na Austrália, quando a dor é necessária
os comitês podem remeter seus pareceres a no procedimento investigativo, os Comitês
instâncias superiores, nos moldes do que já (chamados neste país de Animal Ethics
acontece em países como a Inglaterra, por Committees – AEC) exigem um monitora-
exemplo, em relação à pesquisa com ani- mento adequado de todas as etapas da
mais (12). pesquisa, a fim de ser alcançada a minimiza-

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ção da dor e do stress dos animais envolvidos. A composição de um comitê de ética ao uso
Podem ser também citados países como de animais é fator importante, muitas vezes
Canadá e Nova Zelândia, que adotam pro- explicitado em legislações nacionais. O
cedimento similar. número de componentes de um comitê de
ética depende do tamanho da instituição ou
Abordando o aspecto da inclusão dos animais da demanda de projetos que precisam ser
no limite de abrangência das legislações, não avaliados. Esta variedade numérica, assim
se pode deixar de comentar que a legislação como a formação profissional de seus mem-
americana contempla e protege apenas ani- bros, pode ser verificada nas mais variadas
mais vertebrados e ainda discrimina algumas composições dos comitês. O AWA (13), em
espécies, o que levanta polêmica entre o go- sua seção 2.3.1, define os comitês como
verno e os cientistas e filósofos que defendem órgãos oficiais cujos membros devem ser indi-
critérios claros e fundamentação séria para as cados pelo chefe da instituição, por suas
legislações. Orlans (15), por exemplo, acusa a experiências comprovadas. Este documento
não inclusão de animais como aves, ratos e exige um número mínimo de três compo-
camundongos no AWA como uma atitude de nentes para integrar os comitês de ética insti-
interesse governamental de caráter econômi- tucionais ao uso de animais: um deve ser o
co que agrada às empresas de engenharia coordenador responsável pelo funcionamento
genética que utilizam estes animais em suas do comitê; o outro deve ser a pessoa com a
pesquisas. A revista The Animal Welfare experiência prática no manejo dos animais e
Institute Quarterly (16) já vem chamando a o terceiro deve ser a pessoa sem vínculo com
atenção para o descaso das autoridades em a instituição e que represente o interesse da
relação a esta exclusão de pássaros, ratos e comunidade no que se refere aos cuidados
camundongos do conceito de animal, con- com os animais e seu bem-estar.
templado no AWA, há muitos anos. A
pressão pela inclusão destes animais no docu- No Guide (18) americano, os comitês de
mento também vem sendo feita por órgãos ética institucionais ao uso de animais têm
que não se aliam a movimentos de defesa ani- função institucional oficial e devem ser com-
mal. É o caso da American Association for postos: 1) por um médico veterinário que seja
Laboratory Animal Science (Aalas), que afir- reconhecido pelo Colégio Americano de
ma ser a exclusão destes animais do AWA, Medicina de Animais de Laboratório (Aclam)
que constituem a maioria dos animais uti- ou que tenha experiência na ciência e medici-
lizados em pesquisa nos EUA, uma política na de animais de laboratório ou no uso das
eticamente indefensável; ou da American espécies em questão; 2) por pelo menos um
College of Laboratory Animal Medicine cientista com experiência prática em investi-
(Aclam), que afirma não identificar razão gações que envolvam animais; 3) por pelo menos
filosófica ou científica para excluir estes ani- um membro da comunidade que tenha inte-
mais da legislação (17). resse em proteger os animais. Este membro

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não pode utilizar animais de laboratório em co de um procedimento versus os efeitos no


suas atividades e não pode ter vínculo com a bem-estar dos animais envolvidos na experi-
instituição ou relações familiares com pessoas mentação e na relevância da pesquisa, para
vinculadas à instituição onde a pesquisa será aprová-las ou não. A preocupação com o
realizada. A presença de um elemento da bem-estar animal é demonstrada pela cons-
sociedade que atua de forma ativa na defesa tante inspeção dos locais de alojamento dos
dos animais é uma presença muito importante animais e laboratórios. Esta exigência das
dentro do comitê, pois defenderá sempre o boas condições física e de higiene dos locais
interesse do animal e nunca os da instituição onde as experiências serão realizadas acar-
ou do pesquisador. Sua atuação, em nível de retou a detenção de um alto padrão de quali-
sociedade, já corrobora com esta posição e sua dade nestes locais referidos (11).
presença garantirá o princípio de justiça que se
busca quando da tomada de decisões em Esta mesma visão é aceita na Nova Zelândia,
comitês sérios e bem intencionados. onde, em 1999, o Parlamento neozelandês
oficializou a nova lei de proteção aos animais,
Na Austrália, para ser dado outro exemplo, que proíbe a utilização de “hominídeos não-
os comitês de ética devem ser formados em humanos” (chimpanzés, gorilas, orangotan-
centros que se vinculam oficialmente aos gos, etc.) em experimentos cujo fim não seja
chamado Australian Code of Practice for the claramente beneficiar também os próprios
Care and Use of Animals for Scientific sujeitos da experimentação ou a sua espécie
Purposes, conhecido como The Code (19). (21). Observa-se, aqui, que o termo sujeito
Por este Code os comitês devem ser compos- está sendo usado para designar animais –
tos por membros de quatro categorias: usualmente, na maioria dos países (no Brasil
Categoria A - veterinários; Categoria B - pes- inclusive), costuma ser utilizado apenas para
soa com experiência em experimentação ani- designar seres humanos que participam de
mal; Categoria C - pessoa não vinculada à projetos de pesquisa.
instituição e comprovadamente engajada em
uma organização que lute pelo bem-estar ani- No Canadá, a composição dos comitês de
mal; Categoria D - pessoa não vinculada à ética ao uso de animais, bem como os princí-
instituição e nem vinculada a pesquisa com pios de utilização de animais são baseados nos
animais. Na legislação australiana o uso de dois volumes do Guide to the Care and Use
animais em pesquisa é considerado um pri- of Experimental Animals (22).
vilégio (que pode ser permitido ou revogado a
qualquer momento, desde que comprovado o Atualmente, a avaliação e acompanhamento,
abuso ou falta de seriedade nos procedimen- pelos comitês, dos projetos de pesquisa que
tos) e não um direito (20). Os comitês de utilizam animais estão sendo muito respeita-
ética australianos, reforçados por esta legis- dos e até exigidos por alguns editores de revis-
lação, medem o valor educacional ou científi- tas de alto impacto, para publicação. Muitas

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destas revistas, inclusive, pedem a indicação de ética ao uso de animais ampliam-se pois
das normas de conduta ou legislação que serão os responsáveis pelo estabelecimento das
estão sendo seguidas, ou até mesmo indicam políticas institucionais que assegurarão a
que legislação querem que seja obedecida. observação de normas éticas ao trabalho com
Muitos trabalhos já foram rejeitados porque a os animais (limites). Estes comitês precisarão
conduta eticamente adequada do investigador revisar os protocolos de pesquisa orientando os
em relação ao número de animais utilizados autores a ações moralmente adequadas para
na amostra, ou em relação à preocupação e com os animais, garantindo um clima de diá-
cuidado com a analgesia e anestesia para com logo. Mais do que isto, os comitês dos países
os animais, estava questionável. Este proce- sem legislação para a temática apresentam
dimento por parte dos editores caracteriza-se uma função prioritária: assumir o papel de
como um aspecto educacional que precisa ser órgão educativo para o uso eticamente adequa-
ressaltado. É uma maneira de educar a do dos animais dentro da instituição que os
comunidade científica no respeito ao animal criou. O uso moralmente adequado dos ani-
como ser sensível e passível de sentir dor. mais, por parte dos investigadores e edu-
Como a etapa da publicação é importante cadores, deve ser entendido por todos os
para a divulgação de experimentos e con- envolvidos no processo. Isto deve ser ampla-
clusões, certamente problemas devem ser evi- mente debatido na instituição, ficando mais do
tados na mesma, o que de certa maneira leva que entendido, aceito por todos os envolvidos,
os investigadores a se preocuparem com os a importância do tema e a importância do esta-
aspectos éticos na manipulação do animal. belecimento dos limites. A abertura ao debate
de todos os segmentos envolvidos no processo
Nos países onde há legislação específica ao (utilização de animais) também deve ser pro-
manuseio de animais (mesmo incluindo piciada pelo comitê. Este diálogo sobre os
como animal passível de tutela e proteção animais é uma temática bem atual e já foi
apenas os vertebrados), a realização de work- tratada antes neste trabalho, inclusive citando-
shops para os membros dos comitês e mem- se a posição de Habermas.
bros oriundos das associações de bem-estar
animal são e devem continuar sendo incenti- Conclusão
vadas. Na Austrália, reuniões desta natureza
são feitas anualmente objetivando a troca de Como se pode verificar, a experimentação
experiências, idéias e conhecimentos mas, animal tornou-se um dilema moral que
mais importante, buscando o consenso entre ganha espaço quando se aborda a ética na
os membros dos comitês australianos através investigação científica, ou a ética animal pro-
do diálogo (11). priamente dita (23). Questões como a ade-
quada postura em relação aos animais não-
Nos países em que o uso de animais não está humanos, na prática, aparecem como um dos
oficialmente legislado, as funções dos comitês pontos centrais da ética aplicada.

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Dentro deste cenário, a determinação da função Acredita-se que no Brasil a coerência entre as idéias
dos comitês de ética institucionais ao uso de ani- propostas e os meios para atingi-las, conseguida
mais, abarcando também a utilização de animais através de contínuo diálogo, resultará na caminha-
na docência, além de seu uso na investigação da exitosa dos comitês de ética institucionais ao uso
científica, é demonstração de consciência da de animais (quer na pesquisa, quer na educação),
responsabilidade que temos como agentes morais auxiliando a utilização eticamente adequada dos
para com os animais não-humanos. animais no país como um todo.

RESUMEN

La función de los comités de ética institucionales en el uso de animales para la


investigación científica y docencia

En este trabajo la autora se propone enfatizar la importancia de la existencia de comités de ética insti-
tucionales para el uso de animales dentro del contexto científico y educativo actual, donde el progre-
so de la técnica y tecnología exigen parámetros cada vez más claros para una actuación éticamente
adecuada. El análisis de las funciones de los comités de ética dirigidos a la investigación con seres
humanos sirve de fundamento para la defensa de principios entendidos como importantes cuando se
trata de la implantación e implementación de comités de ética dirigidos a la temática animal.

Unitérminos: ética animal, bioética, comités de ética

ABSTRACT

The role of institutional ethics committees in regard to the use of animals in


scientific investigation and teaching

In this work the author sets out to emphasize the importance of the existence of institutional ethics
committees in regard to the use of animals in the present context of scientific investigation and edu-
cation where technological and technical progress demand increasingly clearly defined parameters
for an ethically adequate performance. The analysis of the role of ethics committees dealing with
research on human beings provides the foundation for the defense of principles that are held to be
important in implanting and implementing ethics committees dealing with animal-related issues.

Uniterms: animal ethics, bioethics, ethics committees

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