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OS SABÁS
Conforme dissemos, a Roda do Ano é marcada por oito pontos nodais, que
reúnem os equinócios e solstícios (auge das estações) e os pontos de transição, ou
início de cada uma das quatro estações do ano. Para uma compreensão melhor, vale
dizer que o momento que atualmente, no calendário civil, é considerado como o
início de cada uma das estações, corresponde realmente ao seu auge.
Exemplificando, quando nos reportamos ao início da primavera, comumente, por
volta do dia 20 de setembro, este é, na realidade, o equinócio de primavera, ou
seja, quando a estação está plenamente estabelecida.
Logo de início, preciso ressaltar que a ordem que descrevi acima leva em
consideração o suceder das estações no hemisfério sul. A maior parte dos livros de
Wicca que encontramos no mercado se baseia no hemisfério norte, uma vez que são
escritos por autores americanos ou ingleses, sendo que mesmo alguns autores
nacionais defendem que essa ordem deveria ser mantida, por uma questão de
"tradição". No entanto, isso é indefensável, se levarmos em consideração que o
principal objetivo dessas celebrações é estabelecer um vínculo, uma conexão com
os ciclos naturais. Obviamente, não faz nenhum sentido essa conexão com uma
natureza diferente da que nos cerca.
Conforme citamos no tópico anterior, os quatro festivais que marcam o
início real das estações, ou o momento de transição entre elas (Lughnasad,
Samhain, Imbolc e Beltane), provém especialmente da tradição celta insular, sendo
essencialmente festivais do fogo, ou festivais solares, relacionados principalmente
com a figura de deuses como Lugh e Belenus. Conforme nos narra Barry Cunliffe6,
no entanto, há relativamente poucas referências arqueológicas diretas a esses
festivais, o que impossibilita sabermos com maior segurança como eles se davam
originalmente. Na verdade, no Calendário de Coligny, datado do século I a.C. e
principal referência arqueológica à divisão celta do tempo, estão indicados apenas
os festivais de Beltane e Lughnasad, o que parece indicar que, nessa época, os
velhos costumes já estavam sendo abandonados na parte mais civilizada do mundo
celta. No entanto, por remeterem diretamente à tradição celta - e dessa forma
ter uma certa "ligação ancestral" com os fundadores - esses quatro festivais são
denominados, na Wicca, de Grandes Sabás.
Os quatro outros festivais (Mabon, Yule, Ostara e Litha) - os Pequenos
Sabás - parecem ser simplesmente um amálgama de diversas tradições de ritos
equinociais e solsticiais, com elementos tirados de ritos nórdicos e de outras
tribos bárbaras da antiga Europa, bem como de outras tradições não-européias,
como a própria Páscoa judia. Como já citamos, festivais marcando os equinócios e
solstícios são ritos cuja antiguidade é imensa, e são comuns a quase todas as
sociedades agrícolas ao redor do mundo.
Para sermos exatos, é difícil precisar em que momento começa a haver uma
sistematização desses festivais dentro da Wicca. No primeiro livro de Gardner,
"Bruxaria Hoje", há referências aos sabás mais ou menos nos moldes das "reuniões
de bruxas" descritas pela Inquisição, mas apenas uma breve alusão a uma cerimônia
específica, em verdade um Yule, ao qual o autor teria assistido7. Obras
posteriores, no entanto, como o "Oito Sabás Para Bruxas", do casal Farrar8, já
trazem uma imagem acabada do que seriam essas cerimônias, o que reflete
certamente a forma como as idéias de Gardner foram sendo consolidadas e outras
fontes folclóricas foram incorporadas à doutrina, ao longo das décadas de 1960 e
1970, principalmente.
De qualquer maneira, vale ressaltar que, embora dentro da Wicca haja uma
tentativa de resgate dos valores originais associados a essas cerimônias, elas não
são, de forma alguma, estranhas ao nosso próprio calendário civil ou mesmo àquelas
datas que, comumente, associamos à cristandade. Pelo contrário, tanto os sabás
quanto as festas religiosas que se integraram à tradição cultural do Ocidente
possuem uma base folclórica comum e significados semelhantes. O que ocorreu, na
realidade, foi uma incorporação ou ainda uma "releitura" sob a ótica cristã, de
datas, ritos e festividades "pagãs", como veremos a seguir.
Imbolc
Beltane
O dia mais longo do ano marca o auge do poderio do sol. Em Litha, o Deus
atinge a maturidade e prenuncia o seu declínio, ao passo que a Deusa, grávida,
assume a face da futura mãe. Como no solstício de inverno, o solstício de verão
marca uma pausa, um momento de repouso entre as duas metades da Roda do Ano.
Aqui, o período não é o repouso forçado pelo inverno, mas sim o repouso prazeroso
do verão, o intervalo entre o plantio e a colheita. É de se notar que até hoje, se
considerarmos os calendários escolares, teremos férias justamente nesses dois
períodos (auge do inverno e auge do verão).
Segundo uma das tradições ligadas ao solstício de verão, esse seria o
momento em que o Rei do Carvalho, aspecto do Deus que reinou durante a primeira
metade do ano (a fase de crescimento, ou seja, do nascimento à maturidade), seria
derrotado e substituído pelo Rei do Azevinho, que governará a outra metade (da
maturidade à morte). Há aqui um interessante sincretismo apontado por Robert
Graves, conforme citado por Stewart Farrar11: ocorrendo sempre em torno de 20
de junho, no hemisfério norte, a data deste sabá praticamente coincide com o Dia
de São João Batista. É interessante notar que, segundo a mitologia cristã, João
Batista, o feroz pregador, foi substituído em sua missão por "aquele que veio
depois dele", ou seja, o sábio e manso Jesus. Eis aqui, portanto, uma assimilação ou
um notável paralelo na doutrina cristã da derrota do impetuoso Rei do Carvalho
pelo sábio Rei do Azevinho.
Lammas ou Lughnasad
Samhain
O Samhain costuma ser considerado pela Wicca, hoje, como o sabá mais
importante. Se formos buscar razões "tradicionais" para isso, dificilmente as
encontraremos, uma vez que, como já dissemos anteriormente, esse festival ao
menos era citado no calendário de Coligny, principal referência que temos à
contagem do ano celta. No entanto, se formos buscar tais razões no simbolismo
específico desta data, sua prevalência talvez se justifique.
O Samhain era o ano-novo celta. Num aspecto puramente prático, isto
significava que as colheitas estavam encerradas, os animais domésticos guardados
em seus abrigos de inverno, e as provisões estocadas. Um ciclo de vida estava
encerrado, portanto, e restava aguardar o início do novo ciclo. No aspecto místico,
no entanto, esta data é carregada de significações.
Apesar do Samhain ser celebrado como o final do ano, supõe-se que não se
comemorava o início de um novo ano até o próximo Yule, haja visto esse período
entre os dois sabás ser considerado como sendo um tempo fora do tempo, um
período de suspensão da vida, repleto de magia e de perigos. A relação com os
perigos do inverno, com o recolhimento exigido nessa estação nos países de clima
frio, com a duração das longas noites invernais, é patente. O próprio nome gaélico
significa, literalmente, "fim do verão", evocando o final dos dias de calor. Assim, o
momento de maior fartura relativa, em todo o ano, marcava igualmente o momento
de maior comedimento, já que os estoques deveriam durar até a próxima
primavera.
Na noite de Samhain, considerava-se que o véu entre os mundos estaria em
seu momento mais tênue, possibilitando a comunicação com os antepassados.
Lanternas eram acesas e colocadas nas janelas, para guiar os que já partiram até
suas antigas casas. As mesas eram postas com lugares extras para os
antepassados, e comida era ofertada a estes. A própria celebração do sabá tem a
característica de ser um misto de pesar pela morte e alegria pelo renascimento
vindouro - refletindo o que seria o momento da morte do Deus solar e do auto-
exílio da Deusa no submundo, aguardando o seu retorno.
De uma forma geral há, nesse período de inverno e nas celebrações que
surgiram a partir do tema, uma característica geral de inversão, ou de subversão
da realidade. Os mortos convivem com os vivos, a autoridade (simbolizada pelo
poder divino) está ausente, e assim por diante. No entanto, essas características,
que se encontram em todas as festividades (muitas das quais permanecem até
hoje) que abrangem o período de novembro à fevereiro, no hemisfério norte, são
por si só um assunto por demais extenso para tratarmos dele aqui13.
Nos atendo ao nosso ponto de interesse, essa dualidade do Samhain nos fala
justamente do tema central da Wicca, da revelação do mais profundo dos
mistérios. O momento da morte do Deus é o momento do conhecimento que ele
gera a si mesmo, pois é ele a criança que gesta no útero da Deusa e nascerá no
Yule. O simbolismo da perpetuação da vida, da cadeia circular que se auto-sustenta,
da natureza que é inextinguível pois está continuamente gerando a si própria, se
expressa aqui tanto no plano divino quanto no plano humano. A mensagem passada é:
somos eternos pois aqueles que partiram continuam vivos em sua descendência, e
poder-se-ia dizer que o encontro com nossos antepassados é o próprio encontro
com nossos filhos.
Ecos desse festival estão ainda bastante presentes no imaginário popular. O
Dia das Bruxas, o Halloween, tão tradicional nos países de língua inglesa, mostra-
nos isso na forma de crianças fantasiadas de seres fantásticos - fantasmas - o que
seria uma forma distorcida de se interpretar os antepassados mortos e mesmo,
como dissemos acima, de representar as crianças como continuadoras da presença
dos que se foram. Além disso, a tradição cristã associou a essa data tanto o Dia de
Todos os Santos (01/10) quanto o Dia de Finados (02/10). Pode-se ver nas duas
celebrações cristãs o culto aos antepassados, tanto na forma de "santos" -
antepassados protetores - quanto na forma direta, ou seja: a reverência aos
mortos.