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080 CONTOS
SELECIONADOS

MIDU GORINI
Volume 4 – Contos 46 a 61
midugorinibook 2010 © primeira edição
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T

MIDU GORINI

080 CONTOS
SELECIONADOS
Volume 4 – Contos 46 a 61
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MIDU GORINI
080
CONTOS SELECIONADOS
Primeira edição ® 2010 ©

midugorinibook

As imagens foram captadas em sítios da


Internet que permitem a livre utilização
delas, portanto são de domínio público.

Brasil. Catalogação na fonte


midugorinibook.
midugorini@bol.com.br
2010 ©
Midu / Gorini, Romildo Filho, 1955.
080 CONTOS SELECIONADOS ®
primeira edição
l. literatura brasileira. ll. título
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080
CONTOS SELECIONADOS

Epígrafe Indispensável

― Quem sabe respirar o ar de meus escritos sabe


que e um ar da altitude, um forte ar. E preciso ser
feito para ele, senão o perigo de se resfriar não e
pequeno. O gelo esta perto... , mas com que
tranqüilidade esta todas as coisas, a luz, com que
liberdade se respira... , o autentico livro do ar das
alturas.

Friedrich Nietzsche.

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080
CONTOS SELECIONADOS

Preâmbulo

― Um livro de contos para adultos, que possui o ar


forte da altitude, o gelo esta ao lado, resta saber
se você e feito para ele e sabe respirar o ar forte
das alturas. Um ar com pouco oxigênio e
fragmentos de fatos verídicos, regados a sangue
frio, dominados por violenta emoção. E de quebra
alguns contos de humor intercalados aos outros,
boa leitura e boa sorte ♣.

Midu Gorini.

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Índice

Ж 08 – Crime e castigo.
Ж 17 – A beira do abismo.
Ж 23 – Olho por olho, dente por dente.
Ж 31 – Um drink no inferno.
Ж 38 – Meu eterno namorado.
Ж 43 – A revelação.
Ж 46 – O flagrante.
Ж 48 – Infidelidade.
Ж 51 – Amor imperfeito!
Ж 52 – O julgamento final.
Ж 61 – Love Store – Uma estória de amor.
Ж 65 – O veredicto.
Ж 73 – No silêncio da noite.
Ж 79 – A amante que castrava.
Ж 87 – O assassinato da Maria Chuteira.
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Conto 47

Crime e castigo
SE BOCAGE fosse vivo certamente
descreveria Valdo, vulgo Vadão assim: calvo,
magro de olhos azuis, carão moreno, bem
servido de pés, meão na altura, triste de facha,
o mesmo de figura. Nariz alto no meio, e não
pequeno; incapaz de amar, mais propenso a
tortura do que à ternura, seu corpo o templo do
pecado, sua mente o lugar da perdição onde se
inflamava os espíritos do mal.
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A infância de Vadão não foi das
melhores, abandonado logo após o seu
nascimento pela mãe, na porta de um convento
de freiras. Foi encaminhado aos seis anos para
o seminário dos padres, onde ficavam
temporariamente os meninos abandonados nos
conventos e nos seminários da região, para
serem adotados pelas famílias cristãs
interessadas.
Vadão nunca foi adotado, ficou no
seminário anos após anos, ele teve uma
educação de supressão e sublimação dos
instintos sexuais, a abstinência, a libido
represada.
As impressões infanto-juvenis rebeldes
do mundo, o erotismo por ele imaginado
espiando às escondidas as freiras e padres se
banharem, a masturbação desenfreada, a
infidelidade aos ensinamentos recebidos, a
precocidade sexual com outros meninos. Mais
a escravidão ao hedonismo, onde ele buscava o
prazer a todo custo dentro de uma rígida moral
cristã, além da própria liberdade sexual
desmedida e desvairada causaram-lhe uma
anomalia psíquica.
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Alterando de forma irreversível o seu
comportamento sexual na busca pelo prazer,
expressos sem controle pela sua sexualidade
bissexual ativo sadomasoquista,
transformando-o em um pervertido,
desmoralizado e depravado, motivos pelos
quais ele foi expulso do seminário pelo bispo,
aos dezesseis anos, por pratica de ato
libidinoso ativo com vários meninos.
Vadão vagou por ruas e avenidas, se
prostituindo de forma ativa e passiva,
praticando pequenos furtos, sentindo a todo o
momento a cada respiração, o confronto
instalado dentro de sua cabeça, na sua mente
entre o desejo do prazer pela dor e a moral
cristã.
Ele nunca apresentou uma imagem
escrachada do perverso e cruel que era, pelo
contrario, tinha razoável nível cultural, se
comportava de forma cordial, se mostrava
saudáveis, sedutor, educado, inteligente e
astuto. Com essas características conseguiu
aos dezoitos anos o seu primeiro emprego, a
criminalidade passava despercebida no âmbito
da comunidade em que vivia e trabalhava.
10
Quando ele completou vinte e cinco anos,
veio o descalabro, a moral cristã perdeu o
enraizado confronto mental. Então Vadão sem
sentir um pingo de culpa ou remorso começou
sistematicamente a torturar estuprar e
assassinar com prazer as suas vítimas, além de
roubá-las.
Deixando a imprensa aos gritos dos seus
estardalhaços espalhafatosos, os policiais de
todas as delegacias em alerta máximo, toda a
policia militar na rua em prontidão, a
população da capital paulista apavorada.
Corpos de jovens, entre vinte a trinta
anos, eram encontrados nos mais diversos e
ermos locais da cidade, removidos para o
Instituto Médico Legal local, já totalizavam
vinte em quatro anos. Homens, mulheres, até
casais de namorados, todos mutilados,
seviciados, estuprados, roubados e mortos com
requintes de crueldade, sugerindo um ritual
inominável de magia negra para uns, cruel
latrocínio para outros, mas todos concordavam
que se tratava de um louco varrido.
Vadão se divertia com tudo aquilo, sentia
uma enorme gratificação sexual no ato do
11
crime, no qual normalmente conseguia o seu
orgasmo mais pela violência do que pelo coito
em si, desafiava a polícia, praticava crimes
cada vez mais ousados. Acreditava piamente
que nunca seria preso, mesmo deixando a
assinatura do seu “modus operandi” na cena
do crime.
Quanto mais a polícia mergulhava na
investigação dos assassinatos do Vadão, mais
fácil se torna imaginá-los com os olhos de
Valdo. O que ele sentia horas antes de matar,
enquanto procurava as suas vítimas? Talvez
ele brincasse com as vítimas, pagando-lhes
bebidas em bares e depois as encontrava
novamente mais tarde na mesma noite. Talvez
ficasse fascinado com o poder, acreditando
que tinha em suas mãos o destino de cada uma
desses homens e mulheres.
O método utilizado em cada um dos
cruéis assassinatos estava claro, para os
investigadores. Ele atacava suas vítimas
apenas nas primeiras horas da madrugada e
somente aos fins de semana. Esses fatos são
reveladores, sugerem que Vadão era solteiro,
uma vez que era capaz de sair a altas horas
12
sem levantar suspeitas. Em segundo lugar, eles
apontam para a idéia de que ele tinha um
emprego fixo durante a semana, o que gerava a
sua inatividade de segunda a sexta-feira.
A forma que Vadão assassinava suas
vítimas também continha pistas, todas foram
seviciadas, estupradas e mortas por
estrangulamento, depois a vítima era colocada
cuidadosamente sobre o chão, e tinham a sua
garganta cortada, o que esgotava seu sangue
antes que ele começasse o ritual de
evisceração. A maior parte da remoção de
órgãos ocorria de forma suja, indicando que
Vadão não tinha conhecimento anatômico ou
em cirurgia.
Os ferimentos à navalha também indicam
que ele era destro e o foco das mutilações
rituais era direcionado a genitália feminina e a
masculina, caracterizando-o como um
assassino de intenso desejo sexual perverso. A
perícia policial encontrou vários fios de
cabelos dele nas diversas cenas de crime,
indicando um assassino em processo de
calvície, pois a queda de cabelos nos locais
dos crimes era significante. O exame de DNA
13
desses fios comprovou que se tratava de um
homem e se transformou em uma robusta
prova material no inquérito policial
investigatório.
No entanto na vigésima primeira vítima,
Vadão comete um erro fatal, abandonou o seu
“tradicional modus operandi” e abordou uma
jovem mãe com sua filha de três anos no colo,
em plena luz do dia. Naquela tarde de sábado,
ele as leva até um terreno baldio, ao lado da
linha do trem, estupra cruelmente a mãe, a
criança chora, chamando a atenção de um
transeunte que cuidadosamente adentra no
terreno e consegue imobilizar Vadão, a mãe
pelo celular, desesperada chama os policiais.
Preso em flagrante delito por estupro,
sem resistir à prisão Vadão foi encaminhado e
encarcerado em uma delegacia distrital. A cela
possuía capacidade para vinte presos, mas
tinha um efetivo real de oitenta. Quando
anoiteceu, Vadão foi imediatamente submetido
às regras do cárcere, onde vige a lei do mais
forte, a lei da selva. Como primeira medida
interna ele apanhou muito, foi espancado
incessantemente pelos companheiros de cela.
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Após algumas horas de “animada
diversão” e com algumas costelas trincadas
passou-se a segunda fase. Vadão foi
violentado sexualmente das maneiras mais
perversas que nós humanos podemos imaginar,
depois foi transformado em “mulherzinha”,
sendo seviciado por diversos agressores de
uma só vez. Que diziam a ele “Ah faz assim,
porque às puta da zona também faz...”
enquanto era depilado, maquiado e tatuado,
ficando apenas de calcinha e sutiã
improvisado, para mais uma sessão de
sevícias. Algo animalesco, indelével, ele
sofreu com juros e correção monetária, o que
as vítimas haviam sofrido em suas mãos.
O sádico estuprador Vadão foi
barbarizado, passou de violentador a
violentado, de algoz a vítima, de dominador a
dominado, de ativo a passivo sendo
encontrado agonizando na cela pelo carcereiro
do turno da manhã, antes de morrer a caminho
do hospital, confessou os seus crimes.
No dia seguinte exatamente, ao meio dia,
horário em que a sombra é mais curta, o mais
longo dos erros da mente humana era
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enterrado como indigente, no cemitério
municipal. Nenhum amigo compareceu no
Instituto Médico Legal local, para reclamar o
corpo dele.
Um exame de DNA foi feito nos cabelos
de Vadão e comprovou aos policiais que a sua
confissão era sincera e verdadeira.

Nota do autor: O próximo conto intitulado “A


beira do abismo”, foi inspirado em fatos reais,
porém os nomes citados são fictícios, qualquer
semelhança com nomes reais será mera
coincidência.
16
Conto 48

A beira do abismo
O MEU QUERIDO avô paterno chamava-se
Caio Cesar Rocha Pinto o avô materno
Rolando de Souza e Silva e para aumentar a
minha infelicidade o sobrenome do meu
amado pai Orlando é da Rocha Pinto. Portanto
o cartorário achou muito natural, quando o
meu pai me registrou com o nome de Rolando
Caio da Rocha Pinto, minha mãe que não sabia
de nada, ficou desesperada com a surpresa,

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mas já era tarde o meu nome não poderia mais
ser mudado.
Depois desse dia todos familiares
queriam me arranjar um apedido, que pegasse
e disfarçasse o meu verdadeiro nome, Lando,
Roca, Nenê, RC, nada disso pegou, Rolando
Caio da Rocha Pinto era mais forte e quando
tive consciência do meu nome, me senti caindo
eternamente em um abismo, nas escolas virei
piada.
Pejorativamente os colegas perguntavam
entre si, quando eu passava: “Um menino caiu
da rocha pinto, qual o nome dele? Rolando
Caio”, ai o pau comia, eu partia para cima
deles, mas como eu era minoria
invariavelmente apanhava e mudava de escola,
contudo de um jeito ou de outro essa infame
piada também mudava de escola junto comigo.
Com o passar do tempo eu fui crescendo
forte e aprendendo a lutar, até que um dia as
brigas cessaram, pois eu sabia atacar e me
defender muito bem, mesmo estando em
minoria. Então as coisas melhoraram um
pouco para o meu lado não apanhava mais,
também descobri que existiam outras pessoas
18
com o mesmo nome que o meu isto de certa
forma me confortava.
Depois veio a fase “Como alguém nessa
humanidade pode colocar esse nome no seu
próprio filho? Não acredito?”, assim como
vieram tantas outras fases, oh! Infância, oh!
Juventude e mocidade, estreito cárcere,
quantas vezes junto as tuas grades estive em
pranto, até que afinal o rompi e encontrei a
plena liberdade, me transformei no Dr. Rocha
Pinto juiz e depois desembargador do tribunal
de justiça. Acabaram-se definitivamente as
brincadeiras com meu honrado nome, pois
assim se alguém se atrevesse eu o mandaria
prender na hora.
Lembro-me bem da primeira petição que
chegou as minhas mãos como desembargador.
Tratava-se de um problema que na realidade
começou, quando Maria José nasceu, e lhe
escolheram esse belo nome bíblico, porém
como toda pessoa para se tornar um cidadão
brasileiro precisa ter um registro de
nascimento, os seus pais a registraram com
sobrenome Pau, ficando logicamente Maria
José Pau.
19
Fato que mais tarde acabou aborrecendo a
nossa querida Maria José que não gostou do
sobrenome Pau, levando-a a fazer um
requerimento ao Tribunal de Justiça de Porto
Alegre alegando que ela queria abolir o
sobrenome Pau do seu nome. Pois a presença
do Pau estava lhe causando constrangimentos
em várias situações da vida cotidiana.
Particularmente, em foro intimo, eu não
achei o belo nome Maria José com sobrenome
Pau constrangedor. Seria constrangedor se o
nome fosse Maria Jacinto Pau, por exemplo,
só sei que esse pedido mexeu fundo e
estranhamente comigo, na verdade nem sei
explicar o que realmente aconteceu me senti à
beira do abismo, que tantas vezes cai
eternamente, um sentimento de desabafo
surgiu espontaneamente e assim o fiz. Em
resposta o Tribunal, através da minha
avaliação do caso, como Excelentíssimo Juiz
lhe enviei a seguinte mensagem padrão:

“ Cara Senhora Maria José Pau


Sobre a sua solicitação de remoção do nome
Pau gostaríamos de lhe dizer que a nova
20
legislação permite a retirada do seu Pau, mas o
processo é complicado. Se o Pau tiver sido
adquirido após o casamento, a retirada é mais
fácil, pois afinal de contas, ninguém é
obrigado a usar o Pau do marido se não quiser.
Se o Pau for do seu pai, se torna mais difícil,
pois o Pau a que nos referimos é de família, e
vem sendo usado por várias gerações. Se a
senhora tiver irmãos ou irmãs, a retirada do
Pau a tornaria diferente da família. Cortar o
Pau do seu pai pode ser algo que vá chateá-lo.

Outro problema, porém, está no fato do seu


nome conter apenas nomes próprios e poderá
ficar esquisito caso não haja nada para colocar
no lugar do Pau. Isso sem falar que, caso tenha
sido adquirido com o casamento, às pessoas
estranharão muito ao saber que a senhora não
possui mais o Pau do seu marido. Uma opção
viável seria a troca da ordem dos nomes. Se a
senhora colocar o Pau atrás da Maria e na
frente do José, o Pau ficaria escondido, pois a
senhora passaria a assinar o seu nome como
Maria P. José. Nossa opinião é a de que esse
preconceito contra esse nome já acabou há
21
muito tempo e que, já que a senhora já usou o
Pau do seu marido por tanto tempo, não custa
mais usá-lo um pouco mais.

Eu mesmo possuo Pinto, sempre o usei e


muito poucas vezes o Pinto, que poucas vezes
me causou embaraços.
Atenciosamente, Dr. Rocha Pinto.
Desembargador do Tribunal de Justiça – Porto
Alegre/RS”

Depois desses fatos nunca mais neguei


um pedido de mudança de nome a alguém, e
me arrependo profundamente de não te
ajudado a Dona Maria José, mas a vida é assim
mesmo, nem sempre a gente acerta.
Contudo a males que vem para o bem,
Dona Maria José me procurou pessoalmente
para questionar os meus conselhos escritos
com certa dose de ironia e humor de gosto
duvidoso. Isto ao invés de nos separar, nos
aproximou ficamos bons amigos, depois
namoramos e hoje Dona Maria José se chama
Maria José Rocha Pinto.

22
Conto 49

Olho por olho, dente por dente

SILVA sempre quis ser juiz criminal, odiava


os bandidos hediondos, não conseguiu sequer
entrar na faculdade de direito, mas nem por
isso deixou de ser juiz, passou em um
concurso público para carcereiro da
penitenciária local.
Em suas mãos estavam o destino de
centenas de pessoas que cumpriam a pena que
lhes foi imposta por um juiz de verdade,
determinada pelo voto de culpado dos
senhores jurados em um tribunal, onde a ampla
possibilidade de defesa jamais foi cerceada,
por quem quer que seja.
23
O problema consistia no fato de Silva
achar a pena imposta pelo juiz togado ao crime
hediondo muito branda. Ele era totalmente
favorável à pena de morte, coisa impossível no
Brasil, mas não impraticável.
Se aproveitando da “lei das massas
carcerárias”, onde os próprios detentos
impõem a sua lei à mão de ferro não tolerando
alcagüetes, estupradores, pedófilos entre outras
situações a mais. Silva criou a sua própria lei e
se transformou em juiz, decidindo qual preso
deveria viver cumprindo a pena que lhe foi
imposta ou morrer dentro do sistema
penitenciário, onde ele assumiu o seu cargo
público de carcereiro.
Homens muitos homens esta foi à
imagem que Silva encontrou quando chegou
ao seu primeiro dia de trabalho na
penitenciária. Eram homens de todas as idades,
de todas as cores, das mais diversas regiões,
acusados dos mais variados delitos, primários
ou reincidentes, chefões ou subordinados,
dominantes ou dominados.
Porém a grande maioria era “inocente”
segundo eles mesmos e constituía juntamente
24
com uma minoria que se declarava culpada a
massa carcerária, no meio dessa população
prisional Silva procurava um grupo específico,
os que praticaram crimes hediondos.
A penitenciária se dividia em quatro
pavilhões, um da administração, o maior para
presos de alta periculosidade, denominado
“universidade do crime”. Outro, para os presos
de baixa periculosidade, apelidado de “creche”
e um pequeno, chamado “seguro”, onde
ficavam os presos jurados de morte pelos
demais detentos, geralmente alcagüetes,
estupradores e matadores de crianças entre
outros.
Internamente os pavilhões universidade
do crime e creche eram divididos por
corredores batizados pelos presos de “ruas”,
onde ficavam as celas rigorosamente trancadas
às 18 horas e abertas na manhã seguinte, todas
com superlotação, resultando em uma grande
movimentação de presidiários pelo corredor.
Cada rua um síndico, geralmente o preso mais
antigo que orientava os recém chegados de
como se comportar, seguido a lei criada por
eles, ele também possuía uma função de
25
xerife, mantendo a ordem na rua.
O seguro nunca foi área de interesse de
Silva, pois ele sabia que na primeira rebelião
todos os presos que lá estivessem, morreriam
com requintes de crueldades, então ele
concentrava as suas energias nas ruas e nelas
ele impunha a sua sentença de morte.
A primeira vez que isso aconteceu, foi na
rua 2 da creche, um estuprador foi aceito nesta
rua, vivia lá como “mandado”, na verdade um
escravo dos demais presos que fazia tudo o
que eles pediam de bom grado, lavava,
passava, cozinhava, costurava etc., em troca
não era sodomizado, seviciado ou espancado,
mas Silva resolveu sentenciá-lo.
Um plano simplista foi elaborado e posto
em prática na rotineira revista semanal das
celas, enquanto os presidiários tomavam banho
de sol no pátio da penitenciária, Silva
“plantou” um estilete artesanal nos pertences
do sindico da rua 2.
Em seguida chamou os outros carcereiros
e mostrou o artefato pseudo encontrado,
imediatamente o diretor foi noticiado e
determinou que o carcereiro Silva fosse até o
26
pátio e encaminhasse o sindico da rua 2 até a
solitária, ele deveria permanecer lá por sete
dias, como medida sócio-educativa.
No percurso até a solitária, o sindico da
rua 2 se defendeu alegando que se tratava de
uma armação contra ele, Silva apenas lhe
respondeu: “Se armaram eu não sei, mas tome
cuidado com o “mandado” da sua rua”, oito
dias depois o estuprador estava morto, jogado
ao chão do corredor nu, esquartejado, como
sempre acontece nesses casos, ninguém viu
nada, ninguém ouviu nada e o caso foi
arquivado como sendo mais uma rixa entre
presos sem solução.
A última sentença de morte de Silva foi
para um assaltante de táxi, que matou dois
motoristas, para ele quem mata para roubar
dois, mata três quatro, cinco..., Silva deixou o
rapaz afeito a praticar latrocínio na entrada da
rua 4 da universidade do crime, o preso entrou,
a porta do corredor foi trancafiada, em seguida
Silva gritou “aí vai entrando um duzentão dos
bravo aí”, fazendo alusão ao artigo 213 do
Código Penal (estupro).

27
Todo um processo foi liberado, o rapaz
apanhou muito durante o dia, a noite foi
seviciado, aplacando as necessidades sexuais
de mais de oitenta presos, pela manhã Silva
encontrou o rapaz agonizando jogado no
corredor, imediatamente o carcereiro fingiu
que ligava pelo celular dizendo “venham logo,
venham que tem um rapaz agonizando na rua 4
da universidade”. Como o esperado ninguém
apareceu, e a lenta agonia prosseguiu até a
morte, mais um caso de rixa entre preso
arquivado sem solução.
Essa era a lei de Silva, a lei de Talião
“Olho por olho, dente por dente...”, sempre se
utilizando de planos simples ele impunha a sua
lei, era advogado, promotor, júri e juiz, todos
ao mesmo tempo, assim ele liquidou mais de
duzentos criminosos, que praticaram crimes
hediondos.
Até chegar o seu tempo de aposentadoria,
quando o carcereiro Silva foi para a sua casa
descansar com a consciência tranqüila da
missão cumprida. Quantas vidas ele salvou
evitando que esses crápulas retornassem às
ruas? Com certeza muitas. Após um mês de
28
aposentadoria, Silva se despediu dos amigos
retornando provavelmente para a sua terra
natal, no nordeste, depois disso ninguém soube
de mais nada.

Nota do Autor: Quando li pela primeira vez


Rosa Righetto disse são palavras lavradas
cravadas no coração, se o um dia o mestre
Pablo Neruda lesse Rosa Righetto, com
certeza diria: ― São poemas que foram
arrancados à natureza de tal modo que do
primeiro ao último, se ouve como transcorre a
água e como baila o vento e como se sucedem
douradas ou floridas as estações e seus frutos.
29
Eu digo de peito aberto de coração aberto,
não existe poesia mais romântica. Ela foi de
coração a coração com o aroma das pétalas das
graciosas rosas preciosas, repousou esse amor
na ardência da paixão até chegar a fragrância
perfeita, até chegar a uma gota divina da
natureza, brilhante como os grandes
diamantes.
Seus poemas são talhados no fogo do
leito na opala do peito, no rubi do desejo, na
perola do beijo, na ametista dos corações
incendiados pelo triste adeus. Seus poemas são
feitos de água cristalina e ar das montanhas
edificados na transparência do cristal, que não
quebra, não trinca, não risca apenas revela a
verdade cristalina do amor
Eu tenho o privilégio de conviver com a
Rosa, dia a dia de mão dadas, eu tenho o
privilégio de ler primeiro os seus poemas,
eu tenho o privilégio de buscar a mais bela
palavra para celebrar a mais bela das flores e
depois dizer Rosa, Eu te amo, te admiro, sou o
seu fã numero 1.
Os dois próximos contos são em parceria
com Rosa Righetto.
30
Conto 50

UM DRINK NO INFERNO
Rosa Righetto & Midu Gorini
31
O CARNAVAL me causa um tremor
estranho, o samba de bamba a alegria dos
meus pés, as marchinhas o suor do meu canto
palhaço, madrugada à dentro, sem descanso
dia a fora, até tudo se acabar na quarta-feira.
Mas por cinco dias “eu sou rei, sou
patrão, sou coração, no meu samba de bamba,
sou carnaval, eu sou imortal” e assim cantando
eu caio morto no sambódromo.
Eu gostaria de dizer que foi uma morte
emocionante igual aquelas que se assiste
lacrimejando nos filmes dramáticos de
sucesso, mas não foi, foi um corriqueiro
enfarte do miocárdio, quase nem deu tempo de
gritar.
Todavia eu estava ali morto, mortinho da
silva, é interessante como a alma pula rápida
fora do corpo, eu me senti tão leve. Não é ruim
assim estar morto, mas quando a esmola é
demais até o santo desconfia, só faltava me
mandarem pro inferno, mas eu não fiz nada
para ir para lá também.
Por outro lado ir para o céu devia ser uma
chatice, cheio de anjinhos de asinhas cantando
de mãozinhas postas, naquela insustentável
32
leveza do ser. Porém não aparecia ninguém
para me dizer o que fazer, nem pra onde ir
afinal de contas eu era marinheiro de primeira
viagem.
Se eu tiver que ir para o céu, vai ser um
saco, um porre, ir para o inferno comer o pão
que o diabo amassou, seria a outra opção, mas
só se for o inferno brasileiro, pois lá um dia
deve faltar pão, no outro dia quem faz, no
outro quem amassa, no seguinte quem trás,
estava decidido, nada de céu.
Purgatório nem pensar, na vida eu nunca
fiquei em cima do muro, não era agora que iria
ficar entre o céu e o inferno, entre a cruz e a
espada, coisa mais sem graça acendendo uma
vela para o diabo e outra para Deus, até que
um dos dois decidisse quem me levaria para o
seu reino.
Contudo a coisa estava esquisita, do lado
lá, uma equipe médica fazia uma desesperada
massagem cardíaca no meu peito, agora o
desfibrilador, em seguida a injeção de
adrenalina, tudo em vão. Do lado de cá nada
acontecia, será que eu estava no céu brasileiro

33
e o anjo da guarda se atrasou preso no
congestionamento da Avenida Brasil.
Nada disso pura sacanagem de quem eu
não sei, mas esqueceram de mim, nem anjo da
guarda, nem diabo a coisa tava feia, mas algo
mudou, sim mudou mesmo agora eu sentia a
morte dançar em minha volta, meu corpo nem
morria nem ressuscitava, uma verdadeira
agonia. Olhei então para os lados e vi uma
grande porta branca fechada, onde a chave era
a minha própria alma, passei por ela.
Sem abandonar as esperanças de
ressuscitar, com medo de olhar para trás e
perceber que tudo havia acabado, nem sabia o
risco que corria entre os vários caminhos que
encontrei pela frente, segui o menos tortuoso,
acabei entrando no umbral.
Labaredas de fogo entram em cena e
todos os habitantes do umbral na maior orgia.
Pulando gritando, pensei: Oba! Vim no lugar
certo, o carnaval continua por aqui, bebidas
grátis à vontade, literalmente tomei um drink
no inferno e assim cai no samba, à noite era
longa, uma algazarra dos diabos, tudo muito
doido, afinal era carnaval, um eterno carnaval,
34
não acabava nunca. Do outro lado o meu corpo
não morria e nem ressuscitava, o cansaço
dominou minha alma, juntamente com uma
dor de cabeça insuportável, ela me levou aos
gritos, efeito da bebida.
Foi ai que dei conta de que o lugar era
estranho, muito estranho, as pessoas pareciam
zumbis. Seriam quatro cinco horas da
madrugada? Eu já não tinha mais noção do
tempo, gemia muito. Caminhei junto a um
fogo aceso defronte da porta de uma pequena
casa que encontrei no meio do nada onde pude
me sentar, depois de muito tempo a fortíssima
enxaqueca melhorou, decidi levantar e achar a
saída,
Adentrei em um emaranhado de árvores
retorcidas, horríveis, vi vários tipos de cipós
assustadores, pareciam querer me amarrar
junto aos troncos, o chão era encharcado de
água, provindas de um manancial, situado na
floresta com forte cheiro de enxofre. Olhando
com maior precisão era possível ver um rio
nauseoso de água pútrida.
A floresta era aterrorizante eu já não
sabia se eram reais ou fantasiosas as cenas que
35
meus olhos cansados enxergavam. Eu estava
gelado com muito medo do ambiente tétrico e
infernal, seres demoníacos saltavam de dentro
das valas que se abriam atrás de mim, um
susto atrás do outro, me diziam coisas
horrendas. Então eu compreendi que o umbral
era mais que purgatório e menos que inferno.
Apelei para a minha devoção e com Fé
exclamei! “Valha-me Nossa Senhora e todos
os Santos do Reino Celeste! Livre-me de todos
os males, ajude-me a achar a saída deste
umbral”. Não vou negar que gosto de viver a
vida, um samba de bamba, mulher boa, futebol
e cachacinha de leve, sou um pouco egoísta,
porém sou uma pessoa do bem, acho que não
merecia passar por isso.
Quando então os meus olhos se cobriram
de uma nuvem acinzentada, minha cabeça
girava, fiquei tonto por alguns momentos,
depois tudo parou me senti aliviado. Uma alma
caridosa apareceu do nada na figura de um
velho com cara de pouca conversa, mas
simpático, vestindo roupas claras, ele se
aproximou, dizendo: “houve um equívoco,
você criatura é do bem, não devia estar aqui,
36
entrou pela porta errada seu moço! Sendo
assim vou encaminhá-lo a outro plano”, e o
velho em mais completo silêncio me conduziu
ao portal da saída.
Mais que depressa atravessei o portal
chegando a um lindo jardim florido e perfume
sublime, borboletas mil, de repente um frio na
espinha, e os meus pés começaram a correr,
sem que nada pudesse impedir. Assim depois
de passar pelo umbral e sobreviver à terrível
aventura espiritual, cheguei ao outro portal e
este se abriu imediatamente, passei por ele.
Vi-me deitado na maca no sambódromo,
o médico, bombeiros e as enfermeiras todos do
meu lado, foi então que pedi pela minha vida,
uma nova chance me foi dada, sem pestanejar
retornei ao meu corpo com alguns
ensinamentos e nenhum egoísmo pelo resto da
minha vida.
Com isso aprendi que a vida é o bem mais
valioso que tenho, e que devo viver bem em
todos os aspectos, aproveitando cada segundo.
Pois, nem sempre se tem uma segunda chance.

37
Conto 50

Meu eterno namorado


Rosa Righetto & Midu Gorini
38
VILMA MARIA, filha única, veio de um lar
afetivamente destruído, o pai era dado ao vício
do álcool e agredia física e verbalmente a mãe
dela, que não derramou uma lágrima sequer
quando ele morreu de cirrose hepática depois
de completarem doze anos de casados. Em
pouco tempo a mãe de Vilma Maria lhe
arranjou um padrasto, um homem horroroso
que lhe assediava sexualmente com
freqüência, mas nunca chegou às vias de
consumar o ato.
Certo dia não suportando mais a situação,
Vilma Maria abriu o jogo com a sua mãe, ela
não acreditou em uma só palavra da filha, o
que levou a jovem com dezoito anos morar
definitivamente com a avó, mãe de sua ainda
querida e cada vez mais distante mãe. A
convivência com a avó também não foi fácil,
existia um explícito conflito de gerações,
tornando-a uma pessoa afetivamente muito
carente.
Com medo de tudo, das incertezas das
noites vazias transtorno e agonia da revolta da
vida dolente, da frieza cortante das pessoas, do
olhar ausente e dos maus pensamentos.
39
Sobrava o desalento da solidão nas noites frias
dos sonhos banidos, da ausência da ternura
anuente, das madrugadas solitárias, da perda
do bem sonhado, da frieza e do vazio do viver
sem sentido sem nexo e razão de jamais ter
existido ter sido na vida apenas uma ilusão.
Vilma Maria começou a estudar
compulsivamente, dia e noite, passou no
vestibular, os estudos eram a sua vida. Anos
depois quando estava se formando em
Medicina na Universidade Estadual, conheceu
Aguiar, um homem dez anos mais velho que
ela, anestesista do Hospital Universitário,
charmoso, bonito, desejado pelas mulheres que
o conheciam.
Quando Vilma Maria o viu pela primeira
vez todos os seus sentidos se excitaram e pela
primeira vez às suas fantasias mais intimas
pegaram fogo, os seus instintos mais
primitivos vieram à flor da pele. Acreditava ter
encontrado o homem dos seus sonhos, porém
quando soube que ele era casado, censurou
veementemente os desejos aflorados, contudo
tornaram-se bons amigos. Vilma Maria viu os
seus sonhos amputados, castrados pelas forças
40
do matrimônio dele, esquartejados na falta de
coragem que enfraquece o peito na tristeza
contida, seu coração um céu sem estrelas, seus
olhos ressentindo a falta do brilho como um
riacho secando, o seu corpo uma flor
murchando.
Os seus dias eram cristais que se
quebravam quando era polido, a vida um
grande nada, um deserto contido nos sonhos
perdidos. Vilma Maria sentia medo, das suas
incertezas, do próprio medo que caminha ao
lado da sua incompreensão, sobrava desilusão,
do vazio decepção. Medo ruim do
imperceptível mundo interior. Medo de perder-
se em si própria, na vastidão dos seus desejos.
Duas pessoas um mesmo local de
trabalho e uma grande amizade, às vezes eram
puro romantismo com líquido e certo erotismo,
pode acontecer com qualquer um, em qualquer
idade, pensava Vilma Maria. Apesar de toda
luz e claridade encabulavam-se no mais puro
sensualismo, evitando a todo custo o
sexualismo, tentando cristalizar a amizade na
sua doída virgindade.

41
Amigo e amiga com instintos abraseados,
dois corações compulsivos condenados a
serem por toda eternidade, só amigos! Até que
um dia entregam-se aos seus fustigos, se
beijaram e amaram-se com os corpos
incendiados. E a vida seguiu a amizade
também, levando os seus antigos segredos,
nunca mais fizeram amor...

42
Conto 52

A revelação
ACORDA meu amor algo aconteceu comigo,
acordei inebriado com a revelação de um
sonho que começou como um pesadelo, um
flagelo com violentos ventos uivantes e nuvens
negras fazendo os movimentos das grandes
tempestades.
Após um relâmpago azul rumo ao sul
curto como à hora mais incerta fez o céu se
abrir, trouxe toda a paz da natureza sem a
natureza humana, sem o egoísmo humano.
Lentamente, gota a gota o flagelo do pesadelo
foi se transformando com graça, charme e
43
beleza em um risonho sonho prateado, branco
e vermelho.
Eu surgi no horizonte estendido ao
comprido com uma enorme lança prateada na
mão, ao lado de um alazão branco igual à
brancura do amor, arisco como a loucura da
paixão. Imediatamente me auto-batizei “O
Senhor da Lança de Prata” e andei pelos
jardins do mundo, conheci todas as flores,
todos os perfumes, todas as cores.
Andei pelos jardins do Paraíso e conheci a
Rainha das Flores uma formosa Rosa vermelha
e meu peito se repartiu em dois, antes e depois
do seu perfume. Uma das suas pétalas
preciosas tocou o meu coração e só então
entendi o significado da beleza, do desejo, da
paixão e do amor
Acordei com o peito repartido no leito,
senti todo o perfume da formosa Rosa preciosa
e com brilho nos olhos e aroma perfumado nos
meus lábios, solitário comecei a procurar um
dicionário e no vocabulário das palavras
lavradas encontrei o significado dos nomes.
Regina significa Rainha, Rosa significa
flor. E só então lembrei que Midu é o meu
44
apelido, Romildo é o meu nome que significa
O Senhor da Lança de Prata.
E só então descobri a revelação do sonho.
Acorda amor, algo aconteceu comigo, acorda
Rosa Menina, Rosa Mulher, Rosa Regina,
acorda descobri que te amo, que te amo muito,
Rainha das Flores.

45
Conto 53
53

O flagrante
- Te peguei com a mão na botija velho
ancião, posso ouvi-lo no silencio tranqüilo da
noite. Feres a madrugada com maldade seu
ladrão, apossas do que não é teu, o estoque é
da loja.
- Calma na alma seu vigia lembre-se que
sou o seu ganha-pão. Sem mim vagarás pelas
ruas estampando a flor do rosto a falta do
trabalho e o peso do pão. Portanto me deixe ir
prometo que voltarei a cada ano e assim
garantiras o teu pão.
46
- Estas caducando velho ancião ladrão, e
o prejuízo do patrão?
- Ora seu vigia garanta a sua
aposentadoria, a seguradora paga de bom
grado, depois fará propagandas mil e lucrará
com a paga. O patrão também lucrará, esse
estoque está encalhado, fora de moda e de uso.
- Cale a boca velho ancião, vou chamar a
polícia.
- Veja só seu vigia tudo em liquidação,
promoção pra mocinha e pro ancião. Prometo
que venderei tudo bem baratinho e o povão
andará bem vestidinho.
- Não tem choro nem vela, muito menos
fita amarela, vai para a cadeia ladrão.
- Pense bem seu vigia, deixe-me ir,
depois chame a polícia que policia mas não te
preocupes, que ela não me prenderá. Apenas
reivindicará melhores salários, armas e
viaturas, não passará nem perto do meu rastro
e todo mundo ficará feliz.
- Pensando bem velho ancião ladrão, tens
razão, vá sorrateiramente e volte o ano que
vem com a sua lógica do ilógico.

47
Conto 54
54

Infidelidade
O primeiro encontro.
A madrugada bem nascida com o aroma
da chuva fina, acalento suave que diminuiu o
calor em volta da lagoa prateada, onde a lua
deitava o seu beijo sobre a pele d’água. Os
ruídos da noite feriam a madrugada sem
maldade, de mãos dadas Paulo e Paula, trocam
olhares, palavras, trocam bocas, gostos.
A mão dele acariciava as costas dela com
malícia, os seus dedos descansam suaves nos
48
lábios da loira doce de doce abrigo. Paulo
sentia o desejo nos lábios de Paula como um
vulcão em erupção. Mas ela relutou e lhe disse
com voz languida: - Sou casada.
Paulo lhe respondeu suavemente: - Eu vi
a sua aliança, mas porque temes a traição se
minha boca convida o teu desejo com dentes
de marfim, aroma e água, bela e pura, nua e
crua para o amor perfeito.
Sem uma palavra Paula não resistiu aos
encantos sedutores que fizeram o seu coração
bater enamorado e com um abraço abrasado se
entregou com movimentos ardentes, ofegantes,
alucinantes às vezes leves suaves e tentantes,
às vezes violentos como os movimentos das
grandes tempestades.
Paulo penetrou Paula como um amante
errante, fez-lhe tremer em suas carnes, abriu-
lhe como uma rosa preciosa, rasgou-lhe como
folha de papel, ejaculou em suas pernas ternas,
para depois se perder nas gotas de suor que
serpentiavam o corpo da amada com passos
embriagados de prazer.
Paula respirou com gosto a natureza sem
censura daquela intimidade, transpirou com
49
gozo o destino sem futuro daquela
infidelidade, prometendo a si própria que
nunca mais trairia o seu marido, que nunca
mais marcaria um encontro, com um
desconhecido, pela internet. Doce ilusão, Paula
adorava trair o seu marido.
O segundo encontro.
Saciada nos seus instintos mais primitivos
em suas fantasias mais intimas Paula voltou
para o seu apartamento e dormiu o sono dos
justos, até ás sete horas da manhã, quando o
marido chegou de viagem com Flávia, a filha
única do casal.
À tarde Paula ficou sabendo da grande
novidade, Flávia traria o seu novo namorado
para jantar e antecipou à grande notícia, ela
estava grávida e eles pretendiam casar-se o
mais breve possível.
À noite Paula desconsertada e enciumada
conheceu o futuro genro Paulo, o mesmo que
tinha levado ela ás nuvens na noite anterior.
Jantaram normalmente e meses depois
teve que engolir os seus ciúmes à seco, quando
Paulo se casou com Flávia lhe prometendo
amor eterno.
50
Conto 55
55

Amor imperfeito!

O SOL quente de aroma e amor incendiando


no acalento lento do vento o coração da Rosa
branca, que rubra logo ficou. Mas no jardim
carmim o Sol, arde soberano na tarde
aquecendo uma pálida Margarida, que amarela
logo ficou.
Rosa vermelha de raiva, pétalas aveludas
de amor, folhas de esperança mansa e espinhos
agudos de ciúmes, fez o amor sangrar mais
uma vez. O Sol saiu ferido no peito imperfeito,
a Rosa despetalada no leito perfeito. Mais uma
vez não souberam se amar.
51
Conto 56
56

O julgamento final

ESTAVA esperando a chegada do meu


cliente, junto com o agente penitenciário,
Ernesto Gordo, na sala dos advogados da
penitenciária, quando Ernesto apavorado saca
sua arma e me diz “Doutor o barulho interno
da penitenciária sumiu”. Em menos de dois
minutos a porta se abre, o silêncio era
mórbido, entra o meu cliente Daniel com as
mãos sobre a cabeça, parado na entrada da
sala; o carcereiro fala do corredor, com a voz
trêmula “Ernesto Gordo abaixe a arma, que eu
estou com um 38, encostado na minha nuca”.
52
Ernesto coloca seu revolver 38 em cima
da mesa e se encosta, na parede, o carcereiro
entra na sala, que é invadida por quatro
elementos. Entre eles, Jorginho da Vila Nova,
chefão do tráfico na capital, com seu boné
vermelho na cabeça; ele vai até a mesa e
coloca o 38 em sua na cintura, olha para mim,
e me diz “Eu te conheço, bota-fora
(advogado), você é aquele cara que apareceu
na TV, e este é o seu cliente malucasso que
matou a nega dele na praça do correio”.
Concordei com a cabeça e ele pergunta
para o Daniel “Quanto esse coió (idiota) tá te
cobrando, para defendê-lo”. Daniel nervoso
responde “nada”. Jorginho ordena “Zé leva o
carcereiro e o Ernesto Gordo e amarra junto
dos outros, nos botijões de gás, lá na cozinha,
e você bota-fora vai viver porque não tá
cobrando nenhuma bufa (dinheiro) desse
migué (otário); agora de joelhos, beije a minha
bondosa mão e me agradeça por te deixar
viver”. Sem alternativa, ajoelhei-me e beijei-
lhe a mão direita, as gargalhadas dos
amotinados na sala foi generalizada, “calados”
berra Jorginho, o silêncio é imediato e
53
complementa “quero ouvir o bota fora”, beijei-
lhe novamente a mão direita, para não
aumentar o meu risco de morte e falei em alto
e bom som “senhor Jorginho, agradeço
sinceramente essa grande oportunidade, graças
a sua benevolência, de me deixar continuar a
viver”.
“Até parece a minha Tchôla (amante de
bandido) resmungando”, disse Jorginho, as
gargalhadas se generalizaram de novo, até
Daniel gargalhou, só que este último
gargalhou de nervoso misturado com pânico.
Jorginho levanta a mão, as gargalhadas cessam
imediatamente e me ordena com o dedo em
riste “Pode levantar bota fora bundão, fique
encostado do lado dele na parede e nenhum
píu, fique caladinho ou corto sua língua”. Fui
até a parede e fiquei onde Jorginho ordenou
com o dedo em riste, ao lado de Daniel.
A sirene de alerta de rebelião soa por toda
penitenciária, Jorginho de posse de um celular
liga para o diretor da penitenciária e fala “é
uma rebelião, logo te devolvo a faculdade
(penitenciária) com uma única condição, não
ter esculacho, volto a ligar mais tarde;
54
esculacho da tropa de choque é a violência
contra os presos que geralmente ocorre após as
rebeliões”, me explica Jorginho após desligar
o celular, como se eu não soubesse e
complementa “hoje você, bota-fora bundão,
vai aprender muito da lei dos presos”. Gritos
de pavor cada vez mais altos são escutados por
todos dentro da sala, um forte cheiro de
queimado, vai tomando conta do ar, vários
presos entram na sala, uns armados outros com
as mãos sobre a cabeça.
Um deles fala, para o Jorginho “Tá
dominado, tá tudo dominado, chefe”, que
pergunta “Joel e os otário do seguro?”, “tudo
morto chefe, um duquequartoze (estuprador de
homem), um duquetreze (estuprador) e um
dedo duro (delator)”.
Jorginho ordena “vamos começar o
julgamento”. Os oito presos que entraram na
sala, como reféns, são despidos e colocados de
pé, com o rosto colado na parede. O barulho
de vandalismo é enorme, Jorginho, vai até a
porta e berra para todo mundo calar a boca, no
corredor, o silêncio é imediato. Jorginho senta,
calmamente na cadeira dos advogados junto à
55
mesa e diz “caso um”. Joel vai até a parede, e
trás quatro presos reféns e diz “chefe esses
quatro otário, invadiram nosso território, lá no
centro da cidade, pra vende coisa (maconha),
que roubaram lá na mercearia da “vovó do
tráfico”, eles falaram que foi o Pedrinho que
mandou”.
“E cadê o Pedrinho?” perguntou Jorginho
“Tá bordejando ai, elas esquinas”. “Tá feito
(morto), manda um braço (pessoa de
confiança) faze uma casinha (armadilha) antes
dele canelar (fugir) e leva esses quatro otário
pro corredor e volta aqui”, sentencia Jorginho.
Os quatro implorando piedade são levados
para o corredor, Joel retorna e Jorginho fala
em voz alta “mata os cara devagar, só na
porrada”. E o massacre começa, a gritaria é
geral no corredor, em menos de quinze
minutos, volta a reinar o silêncio.
Jorginho fala “caso dois”. Joel vai até a
parede e trás três presos, que chegam perto da
mesa em desespero, pedindo desculpas. Joel
manda-os calarem a boca e fala “esses três
otário, são aqueles que no ano passado, foram
espiantar (furtar se aproveitando de um
56
descuido) a quirela (dinheiro), lá na boca de
fumo da Marlene Sapatona e caíram (foram
presos) num cabrito (carro roubado), no
estacionamento do shopping. Jorginho ordena
“Tranca os três, na cela do fim do corredor,
junto com um monte de colchão e taca fogo”.
O desespero dos três é tão grande que tiveram
que ser carregados até a cela. Em poucos
minutos gritos horripilantes ecoam pela sala e
continuaram ecoando por aproximadamente
dez minutos com um fortíssimo cheiro de
carne queimada, que não desapareceu mais.
Quando o silêncio volta a reinar no
corredor, Jorginho se levanta vai até a parede e
pega o último preso refém pela orelha e diz
"seu ôta (otário) você quis talaricar (paquerar)
a minha feinha (esposa)”, leva-o até a mesa. O
rapaz implora Jorginho o coloca deitado, de
barriga para cima, sobre a mesa, pega uma
faca e corta-lhe a orelha direita, o rapaz berra
de dor, Jorginho enfia a orelha na boca do
rapaz e ordena "coma tudo", comeu a orelha
em estado de choque. Jorginho fala, "você
olhou para a minha namorada, escolha um
olho para eu furar", o desespero do rapaz e
57
total, vou furar os dois insiste Jorginho, o
rapaz fala agoniado e baixinho, "o esquerdo".
Assim foi feito o rapaz com o olho esquerdo
vazado, rola da mesa e cai no chão, à dor se
torna insuportável, ele desmaia, Jorginho
manda chamar o Tião Boiadeiro.
Após quinze minutos, o rapaz vai
recuperando, lentamente, os sentidos e começa
agonizar de dor, rola pelo chão, se arrasta em
desespero, implora piedade, beija os pés de
Jorginho, que diz “você falou com a minha
namorada, mas eu não vou cortar sua língua,
eu quero que o povo escute suas eternas
lamentações”. E ordena para o Tião Boiadeiro
“Capa esse vagabundo como você capava os
bois lá na roça”. Tião pega a faca, pede para
cinco companheiros, imobilizar o rapaz, que
aos gritos implora clemência, mas não adianta
calmamente Tião Boiadeiro, extirpa-lhes os
dois testículos e o rapaz volta a desmaiar de
dor. Jorginho pergunta a Joel, "mais alguma
pendência", Joel diz que "não", e o julgamento
termina.
Jorginho olha para mim e diz “Bota-fora
bundão eu vou te liberar, você vai sair com
58
esse otário capado, eu não quero que ele
morra, nem aqui, nem no hospital, se ele
morrer você fica jurado de morte, entendeu ou
preciso explicar de novo?”, “Entendi”,
respondi com voz em choque. Jorginho me
ordena “Diga ao diretor da faculdade, que dez
presos morrerão no acerto de contas, a rebelião
acabou e a tropa de choque pode entrar de
manhã, às dez horas, mas sem esculachar os
presos, deixe o seu melzinho (celular) em cima
da mesa e saia daqui, bota-fora bundão, com o
seu cliente migué”.
Eu e Daniel saímos da sala dos
advogados, levando o rapaz desmaiado para
receber atendimento médico, meu cliente,
quase sem fôlego esbraveja “Ta vendo Doutor,
porque sempre disse pra nega, que sou
totalmente favorável a pena de morte, pena
que ela não acreditou e me traiu”. Não tinha a
menor disposição de dizer nada, mas disse
simplesmente para distrair o meu pânico “eu
sou contra, mas de hoje em diante sou
totalmente favorável a lobotomia, inventada
pelo português Antônio Egas Moniz, premio
Nobel de medicina, pela invenção”; “Mas que
59
diabo de coisa é essa?”; “Lobotomia é uma
cirurgia do lóbulo pré-frontal do cérebro, que
se faz em doentes mentais perigosos, ou
criminosos violentos, isto os deixa em estado
de apatia grave crônica”; “Deixa como
Doutor?”; “Mansinhos, mansinhos, pelo resto
da vida”; “Então de hoje em diante, também
sou favorável, a esse negócio, Doutor, esse
premio que o portuga ganhou, é igual aquele
do cinema?”; “É quase igual, mais rápido
Daniel, senão esse coitado morre em nossos
braços”. Assim que chegamos a ultima porta
de ferro, fomos resgatados pelo diretor da
penitenciária, que não permitiu a saída de
Daniel.
O rapaz foi logo socorrido pelo SIATE e
levado às pressas para o Hospital
Metropolitano, transmiti o regado de Jorginho
para o diretor, que apenas comentou “é a lei
das massas, você nasceu de novo advogado”.

60
Conto 57
57

LOVE
LOVE STORE – Uma estória de amor

Ah! no velho e bom grêmio me disperso desse


mundo de sandice, lá só tem gente bamba que
faz samba p'ra boêmio. Lá o meu olhar
repousa feliz em sua fina meiguice, espreito o
seu corpo lindo loira! A beleza te bendiz
“aceita uma vodka com tamarindo?” disse-lhe
sorrindo.
61
De repente do nada, um sintoma, um sinal
e a suspeita do mal, feito um raio que reluz
corri para a fila do SUS. Consulta inevitável
com exame intolerável e a verdade, desvelou-
se sobre a vida, diagnóstico esclarecido, o mal
está bem estabelecido e o futuro descortinou-
se sobre a vida. Estou cardíaco, a loira
despedaçou meu coração em mil pedaços de
paixão, me chamou de “velho centenário”. Eu
só tenho 65! Dentro do peito.
Sofri preconceito! Fui rezar no igrejário,
quatro sinos coralinos anunciam a Santa
Missa, na celebração o padre a madre e o
coroinha insatisfeito. A solidão da Palavra
lavra o conceito, os féis com fé cega e rostos
caídos, imóveis como anjos subtraídos
deliciavam-se no imaginário.
Quando se vêem desafiados no
doutrinário na medida dos pesos e na medida
das forças. Exibindo suas belas coxas, a loira
lá do grêmio com o seu rosário entrou
perfumando o igrejário, balançando como um
líquido colorido, desfilando um vestido
distraído, sentou-se sem reza nem defesa. E foi
retalhada em pedaços de tristeza, pela madre
62
que soltou todo o bestiário feio, frio e farto no
relicário, pondo fogo no povo e na religião.
As mulheres histéricas gritavam vai
embora, vai embora... loira de íntima extração.
Os homens boquiabertos admiravam,
devorando com os olhos o anjo decaído, o
coroinha bem ouvido murmurando rebola
mais, rebola mais...
De queixo caído, a loira afrodisíaca como
um relâmpago azul se retirou cardíaca, rumo
ao sul. Não vai, não vai... suplicavam
hipnotizados os homens perdidamente
apaixonados, com sede de sangue e fome de
sexo as mulheres espumam ódio perplexo.
Com ciúmes do padre e desejo reprimido a
madre tem seu coração remoído, ruborizado e
satisfeito com o pecado o coroinha
murmurando um beijo, um beijo...
De rosto caído o padre faz o sinal da
Cruz, teme que não lavrou a Palavra com Luz,
de alma em alma Eu preconceito voei como
um vil pássaro virgem me retirei para o velho
e bom grêmio, lá só tem gente bamba que faz
samba p'ra boêmio.

63
Lá encontrei a mulher da minha vida bem
vivida, uma festiva flor nativa com aroma e
beleza crua, encantou-me nua, minha ruiva
doce, de doce abrigo, olhos da cor dos meus
desejos com sua beleza crua mostra-se nua em
suas formas mais delicadas. Pois brilho nos
meus olhos, água em minha boca e aroma nos
meus lábios.
Ela respira com gosto a natureza sem
censura, tem 25! Eu transpiro com gozo o
presente com futuro, tenho 65! Ainda há
tempo, que não insiste mais em passar triste no
acalento lento do vento, feito um cisne de
plumagem tisne.
Ruiva doce de doce abrigo, para o meu
encantamento, você basta! Para o meu
coração, você basta! Em você está os amores,
as paixões e os prazeres de alguma madrugada,
que amanhece eterna dentro do peito.

64
Conto 58
58

O veredicto
O JUIZ criminal, Dr. Plácido me aguardava
junto com o promotor de justiça, Dr. Miguel e
a delegada Dra. Aldira, imperdível em seu
taieur laranja em tom pastel, o juiz me diz: -
Bem vindo a nossa reunião, Dr. João, te
chamei em caráter de emergência, porque você
é um eminente advogado criminalista que
tanto honra a nossa comarca e vai ser de
grande valia para me ajudar, conjuntamente
com o promotor e a delegada, a tomar uma
decisão muito difícil para mim.
65
Em seguida, Dr. Plácido começa a relatar
o motivo de nossa reunião: - O Dr. Leônidas,
médico chefe da penitenciária local, me
mandou um recado pelo meirinho, que dizia
“Plácido preciso lhe falar agora em sua
residência”. Logo entendi a gravidade da
situação, pois se o assunto não fosse grave de
urgência urgentíssima ele jamais procederia
assim comigo, suspendi a seção do julgamento
que presidia e me dirigi imediatamente para
cá.
Ele me aguardava, aqui neste escritório, e
me entregou esse gravador dizendo “escute a
fita e decida, eu espero a sua resposta, até hoje
às duas horas da tarde”. Mas o fato é que
durante toda a minha vida eu segui o que os
jurados decidiam, e peço para cada um, depois
que escutarem a fita um veredicto de foro
íntimo, eu vou ligar o gravador para você
escutarem a gravação e decidam o destino da
vida desse homem.

Dr. Plácido liga o gravador.


#

66
Eu sou o Dr. Leônidas, médico chefe do
serviço médico penitenciário, diretor clínico
do hospital penitenciário.
Nunca comparei a ficha criminal de um
detento com sua ficha médica, não me
interessava o que ele tinha feito, por vinte e
oito anos, eu sempre fiz de tudo, que estava ao
meu alcance para a sua reintegração na
sociedade. E quando algum detento conseguia
se reintegrar e deixava para sempre uma vida
de crimes, eu realmente ficava feliz.
Mas no dia da rebelião que acabou em
massacre, na penitenciária, fui com Júlio, o
diretor chefe, até o seguro (local onde ficam os
presos jurados de morte pelos demais
detentos). E observei aqueles homens mortos
com várias perfurações, ele me contou dos
crimes cometidos por aqueles corpos, em vida,
eu gostei do que vi.
Depois fui com Júlio até a cela onde
haviam três corpos carbonizados e Julio me
falou, dos crimes horríveis daqueles
indivíduos, eu gostei do que observava. Logo
após chegamos ao corredor, onde haviam
quatro corpos linchados, a chutes e a murros, e
67
Júlio me disse o que eles tinham feito de mal à
sociedade, eu gostei do que vi.
Depois Júlio me falou que o rapaz
mutilado havia matado quatro motoristas de
táxi, pais de família, e quando vi aquele rapaz
mutilado no Hospital Metropolitano, eu gostei
do que vi.
Mas quando eu retornei, poucos dias
depois, ao hospital, para visitar minha filha, a
minha querida filha caçula Suzana, de
quatorze aninhos apenas, na flor da idade
violentamente estuprada e seviciada quase até
a morte, por um fugitivo da rebelião que
acabou em massacre, eu não gostei do que vi.
Depois falei com os quatro médicos, que
a operaram, o ginecologista, o proctologista, o
cirurgião plástico e por fim o cirurgião geral,
eu não gostei do que escutei.
Sai do hospital com a certeza que mais
cedo ou mais tarde, eu atenderia este facínora
com a mente degenerada, um verdadeiro
psicopata, no ambulatório da penitenciaria
Dois anos se passaram desde então, até
que o estuprador fosse cumprir a sua pena na
minha penitenciária. E com pouco tempo de
68
espera, recebi do carcereiro, a solicitação de
uma consulta médica. O facínora se queixava
de enjôos, ele achava que havia comido algum
alimento deteriorado, mandei trazê-lo ao
ambulatório, para poder examiná-lo melhor, à
hora dele tinha chegado.
Preparei uma injeção, em uma seringa
descartável, contendo uma solução fortíssima
de cloreto de potássio, depois abri uma ampola
de Plasil, e coloquei seu conteúdo em outra
seringa descartável e em seguida a esvaziei na
pia, deixando em seu interior, apenas algumas
gotas do Plasil, para serem identificadas pela
perícia.
Joguei a agulha no lixo das agulhas, a
ampola vazia, no dos vidros e limpei o lixo dos
plásticos descartáveis, deixando-o vazio,
depois coloquei estrategicamente a seringa,
contendo algumas gotas do medicamento no
lixo dos plásticos.
O mal aventurado chegou escoltado por
dois agentes penitenciários, que permaneceram
na sala. Fiz um exame clínico e lhe falei que ia
aplicar uma injeção, para acabar com aquele
mal estar.
69
Peguei a seringa com cloreto de potássio,
e apliquei na veia do mentecapto, depois
rapidamente, joguei a agulha no lixo das
agulhas, virei de costas para os agentes e fingi
ter jogado a seringa no lixo, dos plásticos
descartáveis.
Mas na verdade, eu escondi a seringa em
uma gaveta, que eu havia deixado entreaberta,
fechei-a quando me virei, enganando-os com
perfeição.
A aberração humana começou a passar
mal, e eu disse em voz alta, o detento deve
estar tendo um infarto do coração.
Fiz de tudo para salva-lo, mas nem o
melhor cardiologista do mundo conseguiria,
falei para os agentes isolar os lixos da sala,
pois eu havia lhe aplicado uma injeção, e não
queria dúvidas sobre o meu procedimento.
O potássio matou o demente
desclassificado, e é impossível diagnosticar
que a causa do infarto foi provocada pelo
potássio, ele não deixa sinais no coração ou no
organismo. E para facilitar as coisas, o enjôo é
um dos sintomas que podem preceder um
infarto do coração, no atestado de óbito
70
constará apenas que o facínora estuprador
morreu de morte natural.
Estou esperando vocês no ambulatório da
penitenciaria, até às duas horas desta tarde, se
por ventura você não me responder, destrua a
fita, que às três horas entregarei o meu pedido
de aposentadoria.
#

Dr. Plácido desliga o gravador e diz com


voz firme: - Fim da gravação, senhora e
senhores. Dra. Aldira seu veredicto, por favor.
- Deixe o Dr. Leônidas se aposentar.
- Dr. Miguel seu veredicto, por favor.
- Devemos usar a fita como prova e
indiciá-lo pelo crime.
- Dr. João seu veredicto, por favor.
- A justiça foi feita hoje na penitenciária,
deixe-o aposentar
- Por dois votos a um, a minha decisão foi
tomada, caso encerrado, agradeço aos meus
caros amigos, por me aconselharem em hora
tão difícil.
Em seguida o Dr. Plácido, liga para o Dr.
Leônidas e diz em alto e bom som para todos
71
na sala ouvirem: - Leônidas tire umas férias eu
sei que você tem férias vencidas e quando
melhor lhe convier, entregue o seu pedido de
aposentadoria, agora aguarde a Dra. Aldira e o
Dr. Miguel, chegarem até aí, para divulgarem
a morte, na imprensa. Desliga o telefone e
utilizando um pouco de álcool, para acender o
fogo, queima a fita cassete em um vaso de aço
inox.
Observei bem a fisionomia de
insatisfação, no rosto de Miguel com o
veredicto final do Dr. Plácido, mas com a
prova do crime destruída ele ficou com as
mãos atadas e em silêncio, teve que se
conformar com o resultado. Depois de a fita
cassete ser complementa consumida pelo fogo,
o juiz diz a todos: - Esta reunião nunca existiu.
Uma boa tarde para todos e muito obrigado
por vocês terem vindo, vou acompanhá-los até
a porta.

72
Conto 59

No silêncio da noite
QUANDO Isabel engravidou sem querer, por
um descuido no uso das pílulas
anticoncepcionais, foi uma surpresa recebida
com parcimônia pelos seus pais, eles não
gostavam do namorado da filha. Porém o
choque para toda a família veio com a decisão
de Isabel abandonar o curso de Odontologia e
constituir sua própria família se casando com
73
Rafael, subgerente de vendas de relativo
sucesso em uma empresa imobiliária se
mantinha no cargo mais pelo puxa-saquismo e
servidão que pela sua competência
profissional.
No dia que Isabel completou o quinto
mês de gestação, o casamento se deu com os
nubentes irradiando felicidade em uma
discreta cerimônia seguida por modesta festa.
Logo depois uma curta viagem de lua de mel,
onde as tensões do casal começaram acumular,
grávida Isabel perdeu grande parte do seu
desejo e prazer sexual, fato que irritou
profundamente o marido, contudo o casal não
brigava seriamente apenas uma ou outra
discussão.
Depois do nascimento da filha Ana, veio
para Isabel à depressão pós- parto, o
agravamento da falta da libido e o medo de
Rafael procurar outra mulher, por esse motivo
ela cedia às investidas sexuais do marido.
Contudo por motivos quase sempre
irrelevantes a tensão entre eles aumentou e as
discussões intensificaram-se, a irritabilidade

74
de Rafael cada vez maior, a falta de respeito
também, fugindo da compreensão da esposa.
Não demorou muito para Isabel receber
indignada a primeira agressão verbal e
consternada o primeiro tapa no rosto. Rafael
passou a chegar tarde ao apartamento, muitas
vezes com sinais de embriaguês, passava dias
calado, exigia sexo alheio a vontade dela, não
dava a menor atenção a filha, perdeu
completamente o respeito pela esposa,
demonstrando sua total superioridade a
mulher.
Humilhada Isabel já não agüentava mais,
pediu ajuda ao pai sem êxito, ele não se
conformava com o fato dela ter abandonado o
curso de odontologia no meio, depois de
pesadas mensalidades pagas com sacrifício de
toda a família, no entanto a sua mãe
sensibilizou-se e falou energicamente com
Rafael.
O casal entrou em uma nova fase, em
uma espécie de lua de mel, perdoado pela
esposa, Rafael se esforçou para entrar
definitivamente nos eixos, no entanto as
cicatrizes não se apagam. Uma mulher
75
espancada é como uma lamparina quebrada,
depois de consertada nunca mais emite a
mesma chama, pois ela foi ferida em sua alma,
então depois de algum tempo a tensão entre
eles começaram a se acumular novamente,
repetindo um novo ciclo de agressão.
Isabel pensou em separar-se do esposo,
mas ela era cem por cento dependente
financeiramente dele, procurou a Delegacia da
Mulher e fez um boletim de ocorrência, foi
informada que a polícia não tinha estrutura de
garantir a sua integridade física em caso de
separação, a delegada chamou Rafael e o
colocou abaixo de zero, o casal novamente
entrou em uma fase de lua de mel.
Porém uma coisa não mudava nunca, o
sentimento de posse dele, ele se considerava
dono de Isabel e em pouco tempo começou um
novo ciclo, a tensão, as discussões, as
agressões verbais, depois as físicas, ele fazia
de Isabel o que bem queria. Até que naquela
noite enluarada de verão, Rafael também
agrediu violentamente a filha Ana de apenas
três anos, depois de estuprar a esposa, pela

76
primeira vez Isabel temeu por sua vida e de
sua filha.
Resignada Isabel mais uma vez atendeu o
interfone, ouvindo as reclamações dos
visinhos, relatadas pelo porteiro do prédio a
mando do síndico, em seguida ela se deitou ao
lado da filha na sala, esperou ela entrar em
sono profundo, depois através da porta entre
aberta do quarto escutou o ronco discreto de
Rafael.
Pouco depois da meia noite, ela foi à
cozinha pegou uma faca tipo peixeira, retornou
à sala pegou o travesseiro que estava sobre o
sofá e entrou no quarto colocou o travesseiro
na cabeceira da cama e com as duas mãos
gravou fundo a faca no peito de Rafael,
atingindo em cheio o coração, o grito de terror
emitido por ele foi imediatamente sufocado
pelo travesseiro, a morte quase instantânea.
E depois silencio, um silencio mortal, o
silencio total, não se ouvia o menor suspiro
como se todo o apartamento, o andar, o prédio
com sua centena de moradores tivessem sido
enterrados sob a superfície da terra.

77
O silencio permanecia madrugada à
dentro, não se assemelhava de forma nenhuma
ao silencio da solidão, quando o silêncio sobre
uma montanha, sobre um lago ou em uma
floresta, onde os ruídos da noite abandonam o
seu sopro para repousar e talvez sonhar.
Não havia mais gritos, violência
doméstica, nem súplicas verdadeiras, morto os
sonhos de felicidade, morto os conselhos dos
amigos, morta a voz dos familiares, dos
policiais, nenhum sinal dos mesmos. Apenas o
silencio, um silencio que pesava como
chumbo, terrível e implacável silencio, que
enchia os ouvidos e a alma aliviada de Isabel
com o seu indefinível terror.
Nasce o dia renasce às esperanças de uma
vida melhor, com a filha no colo, Isabel sai à
procura de um bom advogado criminalista,
deixando para trás um cadáver e uma história
de vida.

78
Conto 60
60

A amante que castrava


ALDIRA era uma brilhante delegada de
polícia, jovem, bonita e competente,
desvendava qualquer crime dito insolúvel, com
isso rapidamente conseguiu o respeito e a
79
admiração dos colegas de profissão. Por outro
lado conseguiu o ódio dos criminosos, que
viam as suas ações irem por água abaixo, os
prejuízos acumulados no crime organizado
local, eram significativos, a imprensa adorava
e endeusava a delegada.
Aldira acordava sempre às seis e meia da
manhã e às oito horas em ponto chegava à
delegacia, impecavelmente vestida com seu
taiêr de cores fortes. Mas naquela manhã
ensolarada de setembro, ela acordou cansada,
como se não tivesse dormido nada, na sua
cabeça veio flashes do terrível pesadelo, um
homem de meia idade, moreno, alto, morto
sem os órgãos genitais, sangrou lentamente até
a morte.
Impressionada com o pesadelo, Aldira
chegou às oito horas em ponto na delegacia e
abismada recebeu a notícia do detetive Paulo
“Dra. acharam o corpo de um homem moreno,
alto de meia idade mutilado, lá na estrada dos
eucaliptos”.
Imediatamente a delegada foi até o local
do crime, e lá estava o homem que apareceu
no seu pesadelo. Aldira tomou todas as
80
medidas cabíveis ao caso e retornou a
delegacia.
Ela chegou ao seu apartamento por volta
das nove horas da noite, exausta tomou um
banho e caiu na cama. Acordou às seis e meias
da manhã, flashes de um terrível pesadelo lhe
vieram à cabeça, outro homem de meia idade,
moreno, alto, morto sem os órgãos genitais,
sangrou lentamente até a morte. Às nove e
meia a confirmação “Dra. acharam outro corpo
de um homem moreno, alto de meia idade
mutilado, lá na estrada dos eucaliptos”. A
delegada foi até o local do crime, e lá estava o
homem que apareceu no seu novo pesadelo.
Aldira tomou todas as medidas cabíveis
ao caso e foi direto para o escritório do seu
grande amigo João, renomado advogado
criminalista. Chegando lá, depois dos
cumprimentos cordiais, ela perguntou ao
advogado: - João se uma pessoa sonha com um
crime e ele realmente acontece no outro dia é o
que?
- Coincidência Aldira.
- Mas, João se essa pessoa sonha de novo e o
crime acontece no outro dia?
81
- Premonição Aldira.
- E se essa pessoa que sonhou lhe disser João,
que foi violentada quando tinha 9 anos, por um
estuprador com as características físicas das
vítimas dos crimes sonhados, que realmente
aconteceram.
- Eu lhe diria Aldira, que essa pessoa que
sonhou com os crimes pode tê-los praticado.
- Exatamente isso que pensei João. Só que
quem sonhou fui eu, mas eu não me lembro de
ter matado ninguém. Em seguida Aldira
esclarece todos os fatos ocorridos até então,
eles decidem procurar o Miguel, psiquiatra e
amigo de confiança de João.
No consultório do médico, Aldira e João,
o coloca a par da situação, ele decide de
comum acordo monitorar o sono de Aldira,
para ver o que estava acontecendo. Para esse
fim, Miguel utilizaria um aparelho de
polissononografia portátil e uma câmera de
vídeo, o exame seria realizado a noite na casa
de Aldira, local mais adequado para se obter
melhores resultados.
Às dez horas da noite Aldira permite a
entrada em sua residência do João e de Miguel
82
com toda a sua aparelhagem. Uma hora depois
Aldira estava preparada para o exame, deitada
na sua cama com toda aquela parafernália de
fios ligados ao seu corpo, a câmara ligada
filmava tudo, em poucos minutos adormeceu.
João e Miguel permaneceram na casa,
confortavelmente sentados na sala, Miguel
observava os dados do aparelho de
polissononografia em seu notebook enquanto
João observava as imagens com som do
quarto.
Quarenta minutos depois Miguel alerta: - João
tem algo acontecendo, veja os dados do
computador, Aldira está com intensa atividade
cerebral, o coração disparou, a respiração está
um caos, olhe as imagens ela se movimenta
intensamente na cama. Mas isto não é um
pesadelo, porque não existem os movimentos
oculares característicos, isto é... Isto é “pavor
nocturnus”.
- Que é isso Miguel?
- Você já vai ver é um distúrbio do sono,
também conhecido como “terror noturno”. Em
seguida Aldira começa a se agitar cada vez
mais na cama, sua expressão é de pavor, chora
83
copiosamente ainda dormindo, assume a
posição fetal na cama e solta um grito aflito,
acordando imediatamente. Ela se levanta da
cama desvencilhando bruscamente dos fios e
começa a se vestir, como se fosse uma amante
sensual, depois coloca nos olhos um par de
lentes de contato azuis e uma peruca loira.
Miguel exclama: - Tem coisa muito
estranha neste “pavor nocturnus”, o esperado
seria ela voltar a dormir e não se vestir, esta
Aldira que estou vendo não é a mesma pessoa
que eu conheci. Um caso complicado e
simples ao mesmo tempo, João. O estupro
sofrido por Aldira aos nove anos provocou
nela uma síndrome pós-traumática, que a
levou ao “pavor nocturnus”, daí ela passou a
sofrer uma crise de personalidade dissociativa
de identidade, desenvolvendo uma dupla
personalidade que se revela quando ela acorda
depois do grito.
Aldira sai do quarto para a sala e
assustada pergunta: - Quem são vocês? Miguel
responde com muita calma: - Somos amigos,
estamos aqui para ajudá-la, qual o seu nome?
“Fátima, a sedutora” responde Aldira, depois
84
disso com muito custo Miguel a convenceu a
tomar um leve sedativo e voltar para cama.
No dia seguinte Aldira se lembrava
apenas de ter visto no seu pesadelo uma
mulher exoticamente vestida de olhos azuis e
cabelos loiros.
Quando ela tomou ciência de todos os
fatos ocorridos perguntou: - Miguel se eu
estivesse sozinha em casa, a Fátima poderia ter
saído pelas ruas, assassinar uma pessoa e
depois retornar e dormir tranquilamente,
acordando como Aldira?
- Infelizmente sim, Aldira? Em seguida ela
pergunta ao João: - Qual o seu conselho
advogado criminalista?
- Aldira se você realmente matou esses
homens, besteira assumir esses crimes, frente a
tudo que aconteceu aqui, você não é
responsável por esses assassinatos. Não seria
condenada por ser considerada inimputável,
mas pode dizer adeus à carreira de delegada,
além do risco de passar uma temporada grande
internada no manicômio judiciário, a “casa dos
mortos vivos”, portanto vamos escutar o que
Miguel tem a dizer.
85
Miguel concorda com o João e explica
para Aldira que não existe um remédio
específico para os seus males, mas com a
medicação disponível associada à psicoterapia,
a chance de cura era uma perspectiva real para
ela.
E assim foi feito, Aldira entrou de licença
médica naquele mesmo dia, por quinze dias,
iniciando o tratamento e depois de um ano e
meio, recebeu alta do Miguel, que lhe disse: -
É com o fogo que o ferreiro subjulga o ferro,
em limpa forma à imagem de seu pensamento,
sem o fogo como pode o artista dar ao ouro
sua imaculada pureza de cor, nem a fenix
fabulosa reviveria sem se queimar, está curada
Aldira, vá para casa.
Passados quatro anos dos assassinatos, os
crimes continuam sem solução, nenhum outro
homem foi encontrado morto sem os seus
órgãos genitais, na estrada dos eucaliptos.

86
Conto 61

O assassinato da Maria Chuteira

A DENÚNCIA ANÔNIMA feita por um


telefone público, naquela manhã de domingo
ensolarado, para a delegacia de homicídios
chefiada pela Dra. Aldira foi aterrorizante, o
corpo de uma jovem e bela mulher estava
sendo devorado por urubus-rei em um lixão
próximo ao aeroporto.
A policial atendente a princípio suspeitou
tratar-se de um trote, pediu mais informações
ao denunciante anônimo e ele com sua voz
87
envelhecida que provavelmente cheirava a
álcool foi incisivo.
Disse que viu estacionar um carro preto
provavelmente importado nos fundos do lixão,
isso lhe chamou atenção, curioso
sorrateiramente se aproximou as escondidas,
então a policial atendente lhe interrompeu e
perguntou sobre as placas do veículo, mas elas
ficaram ilegíveis pela posição do carro
estacionado.
Ele continuou o seu relato, em surdina viu
o corpo de uma linda jovem nua com um saco
plástico transparente envolvendo toda a sua
cabeça e rosto, amarrado no pescoço.
Impedindo-a de qualquer possibilidade de
respiração, ser retirada do porta-malas do
veículo morta com as mãos e os pés amarrados
entre si pelas costas, o corpo ainda flexível não
apresentava rigidez significativa, indicando
que a morte se deu a menos de 36 horas.
A moça foi colocada ao chão de bruços
retiraram as amarras, o saco plástico que a
asfixiou e a retalharam a faca do tipo peixeira,
facilitando o trabalho dos urubus. Serviço feito
por dois homens altos de óculos escuros e
88
chapéu de palha, tudo feito sob a supervisão de
uma mulher de estatura mediana com óculos
escuros e lenço na cabeça.
Em seguida a mulher e os homens se
afastaram do corpo e com calma na alma
esperaram no acalento lento do vento os
urubus chegarem, dezenas deles, depois
centenas, todos atacando furiosamente ao
mesmo tempo. A mulher deu a ordem e
partiram deixando o corpo da jovem a sua
própria sorte, momento em que o denunciante
saiu da cena do crime em segurança sem ser
visto por eles, a procura de um telefone
público.
Novamente a policial atendente insiste
quanto às placas do veículo, mas o carro partiu
em disparada deixando muita poeira para traz,
sem mais informações uma equipe policial
completa chefia pela delegada Aldira
imediatamente se deslocou para o local.
Quando chegaram ao lixão os urubus-rei
já estavam se dispersando e os cachorros, a
maioria vira-latas se aglomerando as dezenas,
a cena do crime era terrível do corpo apenas
ossos carcomidos espalhados pelo chão, em
89
uma vasta área do tamanho de dois campos de
futebol.
A perícia recolheu os ossos, para
posterior exame de DNA, porém faltaram
muitos para completar um esqueleto, os
cachorros acabou com eles. A arcada dentária
destruída pelos bicos fortes dos urubus-rei
ávidos para comerem a língua e lábios da
vítima, impossibilitando a identificação dela
por esse meio, sem dúvida se não fosse à
denúncia anônima o corpo desapareceria
rapidamente, sem deixar vestígios da vítima.
Em seguida a perícia periciou as marcas
encontradas no local da desova do corpo,
primeiro as dos pneus, eram compatíveis com
pneus não fabricados no país da marca Dunlop
AT20 que equipavam os carros Honda CR-V
importados do México com muitas unidades
vendidas no Brasil.
Depois as marcas dos sapatos, números
43, 41 e 36, onde foram feitos moldes e
fotografias das pegadas, o calçado número 43
possuía um solado compatível com tênis da
marca Nike, modelo Dunk, finalizando assim o
trabalho pericial no local.
90
Dra. Aldira pode então iniciar a sua linha
investigativa. A veracidade da denúncia
anônima permitia concluir com grande chance
de acerto que a causa da morte foi sufocação
criminosa provocada por um saco plástico
amarrado suavemente ao pescoço da vítima,
depois dela ser devidamente amarrada e
imobilizada, levando-a a uma lenta, dolorosa e
fatal asfixia.
Tratava-se, portanto de homicídio
triplamente qualificado, crueldade,
premeditação e impossibilidade de defesa da
vítima que morreu por asfixia, nestes casos o
sangue se acumulam nos órgãos, facilitando o
processo da putrefação corpórea, que ocorre
em menos de 24 horas da morte.
Como ninguém levaria um corpo nu em
putrefação em um carro preto ou em qualquer
outro veículo, pois os odores seriam
insuportáveis, a Dra. Aldira concluiu que a
vítima foi assassinada na madrugada de sábado
para domingo, deveria surgir uma queixa de
desaparecimento em breve.
Mas a eficiente delegada resolveu ampliar
a sua linha investigativa, como o carro
91
envolvido na cena do crime era um modelo
automotivo muito visado por ladrões, ele
deveria ter um sistema de GPS. Na segunda
feira de manhã Dra. Aldira entrou em contato
com todas as firmas da capital que
trabalhavam com rastreamento veicular por
satélite e com um mandato judicial, pediu um
relatório do destino de todos os carros pretos
da marca Honda modelo CR-V no domingo,
dentro dos limites do município.
A imprensa não deu muita importância ao
caso, apenas divulgou que ossos humanos
foram achados e recolhidos no lixão pela
perícia policial, a delegada não divulgou para
os jornalistas a existência de uma testemunha
anônima e nem o conteúdo dos seus relatos.
As pessoas envolvidas no bárbaro crime não
contavam com a possibilidade de existir uma
indesejável e inoportuna testemunha ocular
dos fatos em local tão ermo do lixão, não
estavam preparados para ela, deixaram muitas
pistas.
A tarde veio a confirmação, um Honda
CR-V preto cuja proprietária era Maria Emilia
de Sousa Silva Nesau, esposa do famosíssimo
92
centro avante Pedro Paulo Nesau, mais
conhecido nos meios futebolísticos como
Nescau, “o matador”. O Honda CR-V dela
ficou estacionado por exatos 40 minutos no
lixão, no domingo das 08h30min às 09h10min.
Na terça feira de manhã uma denuncia de
desaparecimento foi feita por uma mãe
desesperada carregando uma netinha de dois
meses no colo na delegacia central, o fato
chamou a atenção da delegada Aldira, pois se
tratava de Larissa Strecke. Ela movia uma
ação de paternidade contra Alfredino, também
jogador de futebol, para reconhecimento de
sua filha de dois meses de idade, como sendo
filha legítima dele.
Um cerco investigativo sigiloso começou
a se fechar ainda mais sobre o casal Nesau,
quando a delegada Aldira descobriu que
Nescau calçava 43, a esposa Maria Emilia 36,
o motorista, e amigo de infância dele Eduardo,
mais conhecido como Dudu, usava sapatos 41,
todos possuíam a estatura descrita pelo
denunciante anônimo.
Mas nem tudo que reluz é ouro, Nescau
estava fora do país com o seu time de futebol,
93
participando de um jogo decisivo pela Taça
Libertadores da América. Portanto a pegada 43
não podia ser dele, a pegada 36 também não
era da sua esposa Maria Emilia, pois ela estava
internada há dois dias em um hospital da
capital, se recuperando de uma cirurgia
plástica, porém neste período Dudu ficou com
o Honda CR-V, prestando serviços à família
do centro avante.
Então a delegada passou a investigar
Larissa, dada como morta assim que o exame
de DNA dos ossos encontrados ficou pronto,
ela vinha de uma família operária
completamente desagregada, pai aposentado
alcoólatra, vivia cambaleando de boteco em
boteco. Mãe afeita a ter amantes, nem sempre
às escondidas, qualquer um que se dispusesse
a consumir o seu corpo sofrido que ainda
guardava traços de boniteza com carinho,
palavras suaves e algum dinheiro para as
despesas da casa.
Filha única, Larissa tinha somente o que
Deus lhe deu, um ótimo corpo com um
rostinho lindo, uma vontade enorme de viver e
ambição, muita ambição, queria mudar
94
rapidamente de vida. A sua primeira opção foi
tentar ser modelo, mas descobriu com tristeza
que lhe faltava altura e lhe sobravam três
quilinhos, justamente os que deixavam o seu
corpinho mignon, contudo ela queria ser muito
rica, pois a pobreza ela já conhecia.
O acaso em um shopping Center a levou a
conhecer Dudu, motorista e amigo íntimo do
craque Nescau. Assim Larissa começou a
participar de uma combinação quase sempre
explosiva que ocorre nas relações entre
jogadores de futebol, suas mulheres legítimas,
amantes e afins, começando pelas orgias, coisa
corriqueira que faz parte do universo do
futebol. Em uma delas Larissa acabou
encantado Alfredino, craque do meio campo,
cérebro da equipe de Nescau.
Enfim a bela moça visualizou um
horizonte melhor para a sua vida, Larissa
queria tudo de Alfredino, carinho, afeto,
conforto, e principalmente um casamento de
papel passado e tudo mais, só tinha um senão.
O gênio do meio campo era casado com
Flávia, atriz talentosa e modelo de sucesso que
tomava conta das capas e páginas das revistas
95
quando desfilava no carnaval carioca, como
sendo a mais bela rainha da bateria.
Para azedar essa relação Alfredino-
Flávia, Larissa engravidou em vão dele, para a
surpresa geral dela o casal aparentemente não
se abalou, nem se separou quando ela disse a
toda imprensa da capital paulista que o filho
era dele. Na época a imprensa chamava
Larissa de “Maria Chuteira”, dentro do
vestiário do time de Alfredino, “bagaço”,
assim Nescau e os outros jogadores se
referiam a esse tipo de mulher interesseira,
criticando o descuido do companheiro que
engravidou sem querer o bagaço.
Dra. Aldina não condenou a conduta de
Larissa, apenas lamentou, pois Larissa estava
no papel dela, cabia ao craque saber onde
estava se metendo, uma coisa era ter relações
com uma porção de mulheres, viver na
gandaia, outra completamente diferente era a
mulher que você vai colocar dentro da sua
casa. No seu lar o jogador tinha que ter uma
mulher de verdade, como Flávia, não um uma
aventura, por isso a delegada aprovou os
esforços exitosos de Alfredino salvando o seu
96
casamento, embora ela condenasse
veementemente a traição cometida.
Alfredino não viajou para o exterior com
a delegação futebolística, cumpria suspensão
automática pela expulsão do último jogo,
também não estava presente no lixão naquela
manhã, pois calçava chuteiras 39, a esposa
Flávia muito menos, gravava um filme no
exterior. Dra. Aldira resolveu ter uma conversa
informal com Dudu, interceptaram ele quando
saia ao raiar do sol de sua residência dirigindo
o Honda CR-V.
Levaram o veículo e o rapaz para lugar
ermo e desconhecido, depois o fizeram abrir o
bico e como ele abriu, nem precisou de muita
ameaça de tortura. Receoso de ter um herdeiro
indesejável para dividir o seu enorme
patrimônio, Alfredino convidou Larissa para ir
sozinha a sua chácara fazer um acordo. Lá ele
ofereceu dinheiro para ela desaparecer de vez,
Larissa não aceitou queria o reconhecimento
da paternidade e a respectiva pensão mensal. O
jogador se descontrolou e acabou desferindo
um violento soco no queixo dela, Larissa
desmaiou Alfredino a despiu, amarrou e
97
colocou o saco plástico na cabeça e no rosto
dela e viu atônito a bela moça morrer.
Em seguida Alfredino ligou para Dudu e
pediu a sua presença urgente na chácara, sem
saber do que se tratava o rapaz chegou até lá,
encontrou o jogador ao lado do casal que
trabalhava na chácara como caseiro e o corpo
da moça nua estendido no chão. Alfredino
pegou a maleta onde estava o dinheiro que ia
ser destinado a Larissa e disse aos três, em alto
e bom som, desapareçam com esse corpo sem
deixar vestígios e dividam o dinheiro.
Com a promessa de ser beneficiado por
uma delação premiada, Dudu assinou o seu
extenso depoimento na delegacia, mandatos de
prisão foram imediatamente expedidos pelo
juiz. Com grande estardalhaço da imprensa o
jogador foi preso e aguarda julgamento em
liberdade juntamente com os outros
envolvidos no crime, um crime que causou
grande comoção social.

¥¥¥

98
99
MIDU GORINI
080 CONTOS SELECIONADOS
Volume 4 – Contos 46 a 61

midugorinibook
100

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