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A PESQUISA EM MEMORIA SOCIAL Ecléa Bosi Instituto de Psicologia Universidade de Sao Paulo 0 artigo propoe uma reflexdo sobre a pesquisa em psicologia social da ‘meméria, tanto do ponto de vista da orientagao geral quanto das téticas articulares de investigacdo. As bases teéricas sao a teoria da Gestalt e 4a filosofia bergsoniana do tempo. Os processos memorativos sdo relacio- rnados a campos de significado na vida do sujeito que recorda. O artigo aaborda a influéncia dos grupos sociais na formagdo das lembrangas. Descritores: Meméria. Métodos de pesquisa, Autobiografia. Psicologia Social O interesse em sondar as formas da meméria social, despertado nos ‘anos 70, tornou-se intenso nas ciéncias humanas e isso nos dé o que pensar. Seré o resgate da meméria como que uma Histéria alternativa? Ou serd um método diverso de abordar a Histéria, que complementa as fontes escritas? Logo de inicio o pesquisador deve enfrentar 0 fato de que uma historia de vida, ou mil histérias de vida jamais substituirdo um conceito ou uma teoria da Histéria. Depoimentos colhidos, por mais ricos que sejam, néo podem tomar lugar de uma teoria totalizante que elucide estruturas e transformagdes econémicas, ou que explique um processo social, uma revolugao politica, Muito mais que qualquer outra fonte, 0 depoimento oral ou escrito necessita esforgo de sistematizagao e claras coordenadas interpretativas. Psicologia USP, S. Paulo, 4(1/2), p. 277 - 284, 1993 27 Ecléa Bosi Registrando as lembrangas da minha cidade, procurei recolher aque- la evocagaio disciplinada que chamei meméria-trabalho, tao diversa da livre rememoragao!. ‘Tento aqui discutir problemas relativos pesquisa buscando respon- der algumas das muitas questdes que ela tem suscitado. sae Quando se pergunta pelo método de um trabalho cientifico a resposta tem de ser procurada em, pelo menos, dois niveis: 1. A orientag&o geral da pesquisa, “tendéncia tedrica” que guiou a hip6tese inicial até a interpretagao final dos dados colhidos. II A técnica particular da pesquisa, 0 procedimento. E claro que esses dois niveis se cruzam na mente do estudioso que sempre reflete enquanto observa ou colhe dados, pois a tarefa do conhe- cimento nao se cumpre sem a escolha do campo de significagdo e sem a insergao das informagdes obtidas nesse campo. Desde o passo inicial, no encaminhar de uma simples questio, jd se revela a filosofia que subjaz ao trabalho. ideal sempre é que o intérprete seja a mesma pessoa que proceda Acolheita de dados. Findo o trabalho, este néo pode ser submetido a exame ou desmon- tado como a engrenagem de um relogio, mas podem-se rememorar os caminhos trilhados para auxilio dos futuros investigadores. Em todo o meu trabalho sobre meméria ¢ sociedade operou como um modelo exemplar de conhecimento psicolégico o pressuposto mais geral da Teoria Gestiltica, aquele que enlaga estruturalmente as formas de comportamento a complexos vivos de significagdo. O prineipio funda- mental de que existem CAMPOS DE SENTIDO niio sé no psiquismo Ecléa Bosi, Memsria e Sociedade, Lembrangas de Velhos. Sa Paulo, das Letras, 3a edigdo, 1994. ‘ompanhia 278 A Pesquisa em Meméria Social individual - como 0 demonstram os estudos célebres de Koffka ¢ Wert- heimer sobre percepgdo de objetos - mas também na rede interpessoal de que so exemplo as experiéncias do espago social topolégico de Lewin. Nao fui em vao aluna de D. Annita Marcondes Cabral, bebendo a teoria da Gestalt em suas aulas e, mais tarde, Bergson, autor com que ela iniciava sua pés-graduag: Mas € preciso convir que essa orientag0, embora me desse o suporte genérico das nogdes de campo significativo ou de totalidade, no esgota- va as possibilidades de uma area como meméria social. 0 objeto a ser compreendido esta constituido de substrato mével e fluido, o fempo; nao o tempo abstrato da Fisica Matematica, mas o tempo conereto ¢ qualificado das lembrangas. Precisava apreender em primeiro lugar uma fotalidade de sentido em curso (e que nao sofre, sem violéncia, a metafora lewiniana do espago) embora sempre me fosse inspiradora a hipétese gestiltica das configuragdes. Recorti por isso a doutrina bergsoniana da meméria que ¢, funda- mentalmente, uma doutrina psicolégica pois parte da experiéncia indivi- dual do perceber e do lembrar. Bergson, que escreveu antes dos gestaltistas (Wertheimer 6 apare- cerd em 1912), fez uma critica do atomismo psicofisico ¢ falou em “cfrculos da meméria” e em “ fluxo da consciéncia” , certamente influen- ciado por William James. Sua distingo entre meméria pura e meméria-hAbito € preciosa por- que abre caminho para enfrentar 0 problema-chave da socializagio da meméria, ainda que seu interesse estivesse mais na energia espiritual autnoma, como vitalista que era, O real - bloco continuo de diferenciagdes temporais - tem que ser visto através das modificagdes de uma consciéncia vivendo os diversos ritmos da duragao. Se 0 tempo é a esséncia do psiquico, a ciéncia o espacializa e reduz © movente ao imével. O fato da consciéneia é movente. 279 Ecléa Bosi ‘Acestrutura do comportamento ¢ uma relagdo entre a consciéncia e 0 mundo, jamais cortada por pontos finais. Sendo um trago de uniao entre © que foi e o que sera, é antes de tudo meméria. ‘A Duragiio (durée) é 0 tempo vivido, o tempo do espirito anterior as divisdes da percepgdo. A divisibilidade € uma operagdo da percepsao utilitéria sobre a matéria continua, Nés sé intuimos a durag4o quando pomos de lado 0 pratico-utilitirio. Para Bergson, mais vale intui-la; quem define ja corre o perigo de espacializar 0 que é, por sua natureza, tempo. Nem 6 necessirio defini-la: quando compreendemos jé estamos dentro do objeto a conhecer. O papel da consciéneia é ligar com o fio da meméria as apreensdes instantaneas do real. A meméria contrai numa intuigdo tinica passado- presente em momentos da duragao. ‘No processo de socializagao tem lugar a meméria-hdbito, repetigao do mesmo esforgo, adestramento cultural No outro polo, a lembranga pura traz & tona da consciénci momento tinico, singular, irreversivel, da vida. Dessa breve evocagdo bergsoniana fique-nos a idéia da Meméria como atividade do espirito, nao repositério de lembrangas. Ela é, segundo 0 fil6sofo, “a conservagao do espirito pelo espirito”. sae ‘No entanto, seria preciso encontrar uma orientago tebrica que anco- rasse o fluxo infinito da meméria em certos quadros de referéncia sociais ¢ historicamente determinados que so também campos de significagao ndo estiticos. Aqui vali-me da Psicologia Social classica e da linha durkheimiana francesa através da “meméria coletiva” estudada por Maurice Halb- wachs. Dediquei minha tese a esse professor de Psicologia Social que morreu em 1945 no campo de Buchenwald. 280 A Pesquisa em Meméria Social ‘A Meméria, é sim um trabalho sobre o tempo, mas sobre o tempo vivido, conotado pela cultura e pelo individuo. tempo ndo flui uniformemente, 0 homem tornou o tempo humano em cada sociedade. Cada classe o vive diferentemente, assim como cada pessoa. Existe a noite serena da crianga, a noite profunda e breve do traba- Ihador, a noite infinita do doente, a noite pontilhada do perseguido, E verdade, porém, que nossos ritmos temporais foram subjugados pela sociedade industrial, que dobrou a tempo a seu ritmo, “racionalizan- do” as horas de vida. E 0 tempo da mercadoria na consciéncia humana, esmagando o tempo da amizade, o familiar, 0 religioso... A meméria os reconquista na medida em que é um trabalho sobre o tempo, abarcando também esses tempos marginais e perdidos na vertigem mercantil. Tal como o tempo social acaba engolindo o individual, a percepgio coletiva abrange a pessoal, dela tira sua substancia singular e a estereotipa ‘num caminho sem volta. 86 08 artistas podem remontar a trajetéria © recompor 0 contorno borrado das imagens, devolvendo-nos sua nitidez. Mas a rigor, a apreensdo plena do tempo passado ¢ impossivel, como 0 € a apreensfio de toda a alteridade. A passagem pela sociologia da meméria é esclarecedora na hora de entender porqué de alguns recordadores fixarem melhor suas experién- cias de infancia do que da vida adulta. ‘A comunidade familiar ou grupal exerce uma fungdio de apoio como testemunha e intérprete daquelas experiéncias. O conjunto das lembran- gas é também uma construgdo social do grupo em que a pessoa vive ¢ jem elementos de escolha e rejeigdo em relago ao que serd E claro que essa descoberta pode ser retomada em termos de “for- macdes ideolégicas” que reagrupam e interpretam num sentido ou em outro as lembrangas individuais, 281 Ecléa Bosi No caso da recordacdo de acontecimentos politicos que escutei (revolugées, crises, figuras notiveis...) essa fusdio ou aglutinagdo de lembrangas factuais ¢ valores ideolégicos est muito presente. Estudei Iongamente como a lembranga se corporifica levando em conta a locali- zagio de classes ¢ a profissio do sujeito, Nesse contexto, a marginalidade politica a que se relegam os estratos pobres da populagao ¢ causadora do espantoso vazio memorativo do brasileiro. Notavel também é a gama de matizes da lembranga vinculada ao trabalho, préxima ou distante da produg&o material que opera no interior da matéria recordada Todas essas consideragdes respondem & questo do método, entendi- da em senso lato como orientagao teérica. Resumindo: hd um pressuposto tacito de que existem campos de significado na vida subjetiva e na vida inter-subjetiva; hiptese que devo a teoria da Gestalt; ‘+ hd um embasamento bergsoniano que encarece a dimensio temporal inerente 4 meméria (E porque ndo buscar a fonte hegeliana para a qual © passado concentrado no presente é que cria a natureza humana?); ‘+ hao momento propriamente psico-social lastreado na pesquisa ¢ inspi rado em Halbwachs e outros autores que acentua as relagdes com a familia, o grupo cultural, a classe, a comunidade - momento que se dé abertamente na hora da interpretagao; ha enfim o suporte da teoria da ideologia, que busquei em Benjamin e Adorno, pensadores dialéticos que, como se sabe, so extremamente sensiveis a complexidade dos fendmenos psicolégicos; No tocante as técnicas de pesquisa, estas devem ser adequadas ao objeto: € a lei de ouro, Nao conhego outra. O objeto visado era meméria como totalizagdo? Vamos dar ao sujeito a possibilidade de lembrar como evocagao sistemitica. 282 A Pesquisa em Meméria Social Dai decorre um dilema de metodologia enquanto téenic rio fechado ou explorages abertas? A segunda técnica provoca um estilo de resposta mais adequado & autobiografia, que é 0 estilo narrativo. Em termos académicos de técnica de pesquisa, na verdade se combi- nam bem os procedimentos de histéria de vida e perguntas exploratérias desde que deixem ao recordador a liberdade de encadear e compor, & sua vontade, os momentos do seu passado, Aqui se revela a mestria do pesquisador: uma pergunta traz em seu bojo a génese da interpretagao final; é uma verdade que ndo se pode negar. E no entanto a liberdade do depoimento deve ser respeitada a qualquer preco. E um problema sério de ética da pesquisa. Se a meméria é, nao passividade, mas forma organizadora, é impor- tante respeitar os caminhos que os recordadores véo abrindo na sua evocagiio porque so mapa afetivo e intelectual da sua experiénciae da experiéncia do seu grupo - no caso, até mesmo da sua cidade, a S4o Paulo dos primeiros decénios do século XX - que é justamente 0 quadro espago-temporal comum daqueles que entrevistei Quanto mais o pesquisador entra em contacto com o contexto hist6- rico preciso onde viveram seus depoentes, cotejando e cruzando informa Ses e lembrangas de varias pessoas, mais vai-se configurando a seus olhos a imagem do campo de significagdes jé pré-formada nos depoimen- tos. Para os depoimentos que so autobiografias vale considerar que . além de testemunho histérico, a evolugo da pessoa no tempo. esta Segundo Angyal nos seus Fundamentos para uma ciéncia da perso- nalidade, um estudo em corte transversal da personalidade deixa muitos vazios, Somente através de estudo biogrifico perceberiamos a pessoa historicamente. Pode-se ento tentar reconstruir uma sucesso de conste- lagdes compreensiveis que conduzem ao estado e situago atual da pes- soa. A propria pessoa vé sua vida - ou procura vé-la - como uma configu- ragéio, com um sentido. Eis ai conciliadas uma teoria do tempo e a Gestalt. 283 Ecléa Bosi Finalmente, confirmando por outras vertentes essa tese, um historia- dor de ideologias como Lucien Goldmann insistiu muito na pertinéncia de totalidades histérico-culturais” significativas, escorando-se também em categorias de classe ou de estrato social. Num trabalho sobre a histéria de Sao Paulo construido através da meméria de seus velhos, a nogdo de “ momentos histérico-culturais” com sua dindmica ideolégica (e contra-ideoldgica peculiar) poderia sempre ser um fio condutor na hora da interpretago. Mas isso esta apenas no horizonte final da tese. O miolo € psico-social, imanente ao texto dos recordadores. BOSI, E. Research on social memory. Psicologia USP, S. Paulo, v4 n.1/2, p.277 - 284, 1993, Abstract: A reflexion on the research on the psychology of social memo- 1yis proposed, both from the point of view of general orientation and from that of individual tactics of investigation. The theoretical bases are Gestalt theory and the Bergsonian philosophy of time. The memorative processes are related to ‘fields of significance’ in the life of the subject who remembers. The influence of social groups on the formation of memories is discussed. Index terms: Memory. Research method. Autobiography: Social psycho- logy. 284

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