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II Congresso Internacional Spinoza & Nietzsche
Departamento deFilosofia
Chefe: Moacyr Ayres Novaes Filho
Vice-Chefe: Caetano Ernesto Plastino
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II Congresso Internacional Spinoza & Nietzsche
Patrocínio
CAPES
FAPESP
Projeto CAPES-COFECUB n. 611/08
Crises e anátemas da modernidade filosófica: Spinoza e Nietzsche como
sismos na metafísica da subjetividade
Projeto Temático FAPESP-USP n. 07/56080-1
Ruptura e continuidade: Investigações sobre a relação entre Natureza e
História
FFLCH-USP
Consulado Geral da França em São Paulo
Comitê científico
Laurent Bove
Marilena Chauí
Oswaldo Giacoia Jr.
Christian Lazzeri
André Martins
Scarlett Marton
Patrick Wotling
Comissão organizadora
André Martins – UFRJ – Coordenador
Homero Santiago – USP
Luís César Oliva – USP
Equipe de organização
Danilo Bilate, Ana Cláudia Gama Barreto, Renato Bittencourt, Pablo
Azevedo, Hugus Félix (UFRJ),
Tiago Barros (UERJ)
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Sumário
Programação do evento
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II Congresso Internacional Spinoza & Nietzsche
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II Congresso Internacional Spinoza & Nietzsche
2ª feira, 28/09/2009
9:h-10:40h - Comunicações da manhã (20’ cada; 20’ debate)
MM1 (Prédio de Filosofia/Ciências Sociais, sala 8)
30’ Pausa
11:10h-12:30h - Conferências da manhã (30’ cada; 20’ debate)
14:40h-16:20h
Conferências da tarde (40’ cada; 20’ debate)
CT1 (Prédio de História/Geografia, Auditório de História)
Mediador: Wilson Frezzatti / UNIOESTE
Céline Denat / Reims
A concepção nietzschiana do “homem moderno”, ou a
modernidade como momento “crítico” da história
Homero Santiago / USP
O corpo da gramática, a gramática do corpo: os hebraísmos
de João Evangelista
20’ Pausa
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II Congresso Internacional Spinoza & Nietzsche
40’ Pausa
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II Congresso Internacional Spinoza & Nietzsche
3ª feira, 29/09/2009
9h-10:40h - Comunicações da manhã (20’ cada; 20’ debate)
30’ Pausa
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II Congresso Internacional Spinoza & Nietzsche
20’ Pausa
40’ Pausa
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II Congresso Internacional Spinoza & Nietzsche
4ª feira, 30/09/2009
9h-10:40h - Comunicações da manhã (20’ cada; 20’ debate)
30’ Pausa
20’ Pausa
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II Congresso Internacional Spinoza & Nietzsche
5ª feira, 01/10/2009
9h-10:40h - Comunicações da manhã (20’ cada; 20’ debate)
30’ Pausa
11:10h-12:30h - Conferências da manhã (30’ cada; 20’ debate)
20’ Pausa
40’ Pausa
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lógica que pode ser conhecida pela razão. Qual é essa lógica da imaginação?
Se a imaginação não é ilógica, por que não é racional? A imaginação seria no
fundo redutível à memória? A questão é importante em Spinoza, que
compreende a gênese da imaginação a partir dos traços do passado, dos
hábitos contraídos desde a infância. Que a imaginação tradicionalmente
chamada produtora, ou criativa, não possa se conceber sem uma dimensão
reprodutora, que seja: é preciso ter percebido certas coisas para poder
imaginá-las de novo. Mas imaginar de novo não é imaginar o novo – como
explicar então, na perspectiva do spinozismo, essa força que a imaginação
possui de combinar o antigo para produzir o novo? De onde ela tira sua
potência de invenção?
Título a confirmar
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Amor como caridade e homem livre que está além do bem e do mal:
apontamentos problemáticos em torno das doutrinas de Spinoza e
Nietzsche
O presente texto tem como objetivo levar a cabo uma análise de
diversas afinidades e diferenças entre Nietzsche e Spinoza a partir da revisão
da figura presente na doutrina, de ambos autores, do homem livre que se
encontra além do bem e do mal. Neste sentido, toda vez que se assinalar a
forma do próprio homem livre como foco em que se condensa a crítica que
Nietzsche e Spinoza lançam contra o resultado da moral heterônoma (a
servidão voluntária no caso de Spinoza; a moral de rebanho no caso de
Nietzsche), dando satisfação a um vitalismo metafísico (vontade de poder,
no caso de Nietzsche; imanência no caso de Spinoza), sublinhar-se-á como
que a
a própria concepção do homem livre que está além do bem e do mal na
doutrina espinosana supõe uma radical diferença com relação à nietzschiana:
a cabal afirmação do homem livre a partir do conhecimento do terceiro gênero
ou amor Dei intellectualis. A partir dessa radical diferença, pretende-se
estabelecer um campo problemático com relação ao alcance das afinidades
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tenha sido reivindicado pelo expressionismo não soluciona uma questão básica
de método: quase seus contemporâneos, não podemos esperar dos artistas
alemães tal percepção “filosófica” capaz de compreender um pensador tão
extemporâneo, e só com cuidado podemos usar juízos de comentadores
atuais retrospectivamente. Resta, então, uma discrepância entre o Nietzsche
ao qual Foucault credita uma das perspectivas de crítica da modernidade e o
“Nietzsche” forjado post-mortem pela tradição, aquele profeta-poeta-rebelde
cujos desígnios atendiam ao gosto dos jovens vanguardistas.
Os estudos sobre artes geralmente tratam com cuidado as
formulações filosóficas, atentos ao desvão que irremediavelmente marca a
passagem do plano teórico para o empírico. Tratar de artes visuais, mais do
que de qualquer outra modalidade artística, é tratar de objetos-de-arte (obras-
de-arte) e não de Arte, objeção enraizada na gênese desta disciplina “História
da arte”, pois ela remonta à Arqueologia. Em um de seus aforismos de Humano,
demasiado humano, Nietzsche marca a distinção entre as obras e a arte:
depois da grande, da gigantesca tarefa da arte para a vida, “a assim chamada
arte propriamente dita, a das obras de arte, é somente um apêndice”
(Humano, demasiado humano, II, § 174). Entender a arte pela obra de arte
é entendê-la pelo fim, pendurar-se a sua cauda, a seu apêndice, pois o
processo, o movimento que impele à embriagues, ao impulso lúdico de
conceber as obras é “uma arte superior à arte das obras de arte: a invenção
de festas”. Uma história da arte de matiz nietzschiano seria, então, um contra-
senso, um “verme que morde o rabo”, já que ruminaria sobre os apêndices
da manifestação artística, disciplina esvaziada e doentia como l’art pour l’art.
Entretanto, se tratamos de uma filosofia que se pretende a crítica
aos discursos abstratos, aos falsos fundamentos, de um pensamento que
não teme usar as armas da Filologia (e atentemos para o parentesco destas
ciências com a Arqueologia) para desmascarar todos os fundos erigidos sobre
o abismo, o descompasso entre empírico e teórico é um dos cernes do
próprio empreendimento de Nietzsche. Todo o pensamento acerca das artes
modernas que se quer não-idealista ou dogmático pode valer-se da crítica
nietzschiana da “modernidade” romântica. A perspectiva filosófica de
Nietzsche, longe de ser um “sistema” fechado, é um instrumento de
diagnóstico para os desdobramentos da modernidade, portanto, perspectiva
justificável também para a compreensão dos processos artísticos que
sucederam as poéticas fim-de-século.Ou seja, pretendemos olhar a partir de
Nietzsche os momentos artísticos posteriores ao “romantismo” (pensado como
aquela poética demarcada pelo próprio filósofo em Gaia Ciência, § 370),
principalmente o expressionismo.
Para tanto, seguimos uma terceira margem interpretativa do trabalho de
Nietzsche, em contraponto às já clássicas interpretações de Heidegger e
Foucault, empreendida pelo comentador contemporâneo Müller-Lauter e
seu discípulo Jörg Salaquarda. Esse outro caminho dá um caráter de suma
importância aos fragmentos finais da obra do filósofo, desfazendo os equívocos
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Quanto ao poeta, por mais que ele pense, por mais que as idéias façam
parte da sua criação e por mais que as suas frases ou os seus versos carreguem
sentidos, a escrita lhe é tão valiosa que a sua arte pode ser definida como o
primado da composição de palavras, considerando-lhes as propriedades visual,
sonora e imagética. Sob o regime das palavras e das suas dimensões, as
idéias poéticas se subordinam ao imperativo de uma escrita possante, que é
fim e não meio. As idéias que um poema apresenta só dizem de sentidos
porque, para tanto, dizem de formas, sons e imagens. Por mais distintos que
sejam os estilos, o poeta tem um zelo especial pelas palavras, uma a uma, ao
ponto de elas lhe serem muito caras e de podê-las livres das exigências
lógicas da linguagem enunciativa. O filósofo, por sua vez, dá-se com freqüência
ao direito de desprestigiar significativamente as palavras ao reduzi-las à
condição de utensílios lingüísticos estruturais.
Como invenção mais livre de jogos de palavras, a poesia revela uma
qualificação essencial que a distingue ainda mais fortemente da filosofia. Trata-
se do ritmo. A poesia exige o ritmo como o seu leitmotiv, sua forma maior, a
sua intensidade concentrada, resultado que se obtém com a arquitetura das
palavras. A arte poética é a escrita que melhor traduz as emoções e idéias
em uma arquitetura de palavras. O ritmo é essa arquitetura, a espinha dorsal
da alma poética, que encontra nas palavras a sua carne, o seu sangue e a
sua voz. A força performática das palavras é o poder da boa solução rítmica.
A filosofia, por seu turno, segue o ritmo mental da trama das idéias, com
maior ou menor carga emocional, mas certamente com menor encanto.
Nesta, as palavras servem essencialmente como peças de frases, voltadas
que estão para a composição enunciativa, enquanto servem ao poeta como
tais, seja na sua particularidade seja na sua aglutinação, mas sempre voltadas
para uma composição rítmica.
Friedrich Nietzsche foi um filósofo porquanto a sua obra é
essencialmente a produção de sentidos e de avaliações, ou seja, revela-se
como um exercício de edificação de idéias dotadas de força interpretativa.
São idéias sobre uma multiplicidade de temas que, por sua vez, dizem respeito
a questões maiores, relativas ao homem, ao conhecimento, à cultura, à
moral, à vida. Mas esta definição, sem dúvida suficiente para o enquadramento
do pensamento nietzschiano no âmbito dos estudos filosóficos, é insuficiente
e não dá conta da magnitude da obra, especialmente quando se busca
examinar o estilo de elaboração das idéias e, sobretudo, as pretensões do
autor a respeito da linguagem escrita. Tal exame levará à negação de um
enquadramento filosófico convencional. Ver-se-á que o filósofo esteve muito
mais próximo de um ensaísta da estirpe de Montaigne ou de um narrador
poético como o foi por vezes Platão do que de um sistematizador kantiano
de conceitos, ao conduzir a escrita para bem distante dos sistemas e arranjos
conceituais.
A relação diferenciada com a escrita se verifica em vários momentos
da obra nietzschiana, mas, de forma paradigmática, no livro Zaratustra, em
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que esta grande obra da filosofia, a Ética, interesse tanto a leitores filósofos
quanto a leitores não-filósofos. O modo como este livro é escrito traz os mais
diferentes efeitos para quem tem a oportunidade de lê-lo.
Deleuze é um grande admirador de Espinosa e encontra na Ética um
pensamento potente que trata dos modos de vida e dos afectos que
compõem um indivíduo. Com Deleuze, encontramos nesta filosofia do século
XVII uma preocupação que permanece atual; trata-se de um modo de pensar
o indivíduo por seus afectos.
Poderíamos chamar Espinosa de vidente, pois além de ser um bom
polidor de lentes para telescópio, ele observava com cuidadosa atenção a
experiência de vida dos homens de sua época e o modo pelo qual estes
homens buscavam bons ou maus encontros. Espinosa via o que ninguém
via, ele percebia como alguém se fazia escravo ou se fazia livre.
Uma preocupação como esta interessa muito ao campo da Psicologia.
Trata-se de uma perspectiva filosófica com uma potência clínica no modo de
pensar. Podemos dizer que há uma clínica na filosofia de Espinosa, no que diz
respeito a uma atenção ao corpo, pelos afectos que ele experimenta. Espinosa
apresenta estes modos de afetar e ser afetado, quando trata dos três gêneros
do conhecimento na Ética. Num primeiro gênero viver-se-ia ao acaso dos
encontros, sem conhecer os corpos com que se relaciona; num segundo
gênero já se seria capaz de conhecer os corpos que se compõem e os que
não se compõem com o seu corpo, o que levaria a escolher encontros alegres,
e um terceiro gênero que ele chama de estado de beatitude, que remete a
um amor a Deus, pelo qual é possível reconhecer os bons afectos e construir
uma vida alegre e livre.
Estes gêneros do conhecimento entram em diálogo com a Psicologia quando
se fala em processos de subjetivação e individuação. O modo como o indivíduo
vive seus encontros, subjetivando-se e individuando-se através deles, traça
um diagnóstico das suas tristezas e alegres. Os graus de sofrimento de um
corpo podem ser pensados através do que Espinosa apresenta com os três
gêneros do conhecimento.
Nesse sentido, este pensamento da imanência, como podemos
chamar o pensamento espinosano, interessa a uma certa clínica da Psicologia,
pois traz dispositivos potentes para operar um encontro terapêutico.
Esta filosofia da liberdade e da alegria interessa em absoluto as práticas
clínicas ocupadas com a subjetividade contemporânea. Poderíamos dizer que
na Ética é explicitada a subjetividade presente numa Holanda do século XVII,
que continua vigorando com outros gestos e outras caras no mundo
contemporâneo. Por isso fica a questão de saber como a neurose, as patologias
e os modos de sofrer de hoje, saem desta diminuição de potência de vida
para alcançar um estado de beatitude.
A clínica se ocupa inteiramente desta questão, não só nos settings
terapêuticos, como também em suas muitas variações, no caso por exemplo,
de uma análise da subjetividade contemporânea, de uma análise de instituições
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retornarei a Peirce para mostrar, também com brevidade, que a partir dessas
aproximações em torno da mente experimentalista, surge e se evidencia um
elo conceitual mais arrojado que merece exame futuro. Trata-se da hipótese
de que há certa vizinhança entre a tese do paralelismo ontológico em Espinosa
e o importante conceito peirceano de continuidade, com o qual Peirce definiu
a principal e mais abrangente tarefa de seu pensamento. De fato, Espinosa
se dedica, com afinco, à construção do chamado paralelismo ontológico entre
corpos e idéias. Sendo esta uma das teses centrais de sua Ética, o referido
paralelismo estabelece, decisivamente, um elo prático entre o conhecimento
(idéias) e o mundo da ação (corpos). Com Peirce, temos o sentimento de
satisfação sempre que se passa da dúvida à crença, de modo que novos
hábitos mentais são também a garantia epistemológica de que algo novo
surgiu no mundo da existência dos corpos. Outra importante concordância,
do lado de Espinosa, se encontra do ponto de vista dos modos de conhecer.
De acordo com ele, o surgimento de uma nova relação entre corpos impõe
a necessidade de conhecimento, já que novas relações precisam de novas
idéias. Da mesma forma, para Peirce, novas relações desencadeiam crenças
que se estabelecerão, configurando uma nova que há de gerar uma
modificação quanto à conduta da vida.
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Em 1859, Nietzsche leu Novalis, e nessa mesma época ele chega a confessar
que o “pensamento filosófico” do romântico despertou seu interesse. Mas
salvo raras exceções, Nietzsche não volta a mencionar o nome de Novalis
em seus escritos ulteriores. Em outubro de 1861, no início do quarto ano
em Pforta, Nietzsche redige o ensaio Brief an meinen Freund, in dem ich
ihm meinen Lieblingsdichter zum Lesen empfehle. O “poeta favorito” do
título era Hölderlin. Todavia, assim como no caso de Novalis, não há nenhum
indício de que o interesse pelo poeta tenha persistido nos anos seguintes.
Em Ecce Homo, Nietzsche não esconde seu repúdio a Schleiermacher, um
dos nomes que compõe o cenário de pensadores alemães “fabricantes de
véus” (Schleiermacher). Entretanto, não se trata aqui do colaborador do
Athenäums, e tampouco do autor de Rede über die Religion, mas do tardio
Schleiermacher, o teólogo de Glaubenslehre. No que diz respeito a Friedrich
Schlegel, o maior entusiasta do movimento romântico, e visto por muitos
como o seu fundador, tudo leva a crer que Nietzsche nunca o leu, apesar
de August-Wilhelm Schelegel, o irmão de Friedrich, ter exercido uma
influência decisiva sobre os seus escritos de juventude acerca da tragédia.
Por conseguinte, a posição de Nietzsche em relação aos primeiros românticos
não é clara, razão pela qual muitos de seus comentadores se dividem. Para
alguns, existem notáveis similitudes entre Nietzsche e os românticos. Por
exemplo, Nietzsche compartilha com Friedrich Schlegel o ceticismo pós-
kantiano que capacita o surgimento de uma filosofia norteada pela ironia e
a crítica da verdade. Ademais, caberia citar outros pontos de interesse em
comum, como a proposta de retorno aos gregos, a nova concepção de
tragédia, a revelação dos impulsos dionisíaco e apolíneo, etc. Para outros,
no entanto, esse vínculo é marcado por inegáveis diferenças. Alguns desses
intérpretes se preocupam em mostrar a incompatibilidade entre a afirmação
nietzschiana do instante com o progresso histórico pregado pelos românticos.
Há também quem diga que a ironia nietzschiana é ambivalente, e que se
por um lado o deixa próximo de românticos como Schlegel, por outro lado
o distancia. Por fim, tendo em vista essas considerações, o nosso trabalho
será dividido em dois momentos. Primeiramente, procuraremos separar a
“imagem do romantismo” de Nietzsche dos primeiros românticos. Em seguida,
apresentaremos as discussões dos comentadores na esperança de avaliar a
proximidade entre alguns dos principais temas românticos e nietzschianos.
Com isso, esperamos poder situar o lugar dos primeiros românticos na filosofia
do autor de Zaratustra.
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pois ela, a carne, não está fora dele, Deus. Ela traz seu quinhão divino. “É
entre os homens que é preciso procurar Deus”, diz Novalis (Ibidem, p. 70),
completando que “nos acontecimentos humanos, nos pensamentos e nas
sensações humanos revela-se com a maior claridade o espírito celestial”. Não
seria necessária a tradicional transcendência para chegar a Deus. Ele se
ofereceria nas próprias coisas: na carne, nas sensações, no corpo, no
pensamento – na imanência da vida.
Partindo da ontologia de Spinoza, segundo a qual nós, seres finitos,
fazemos parte da substância infinita, os primeiros românticos alemães
conceberam que a criação artística só existe, então, na medida em que nela
age a mesma força divina que testemunhamos pela natureza naturante, que
cria a todo o tempo as coisas que constituem a natureza naturada. É a
própria natureza que é poesia original.
Segundo eles, só porque a natureza é, ela mesma, criadora, nós
mesmos podemos ser também, pois somos feitos dela e nela, logo, jaz em
nós a mesma força criadora, que, desse ponto de vista, é divina. Em outras
palavras, só escrevemos poemas, narramos romances, pintamos quadros,
construímos esculturas, compomos músicas, encenamos peças e, por fim,
somos capazes de fruir essa produção estética, porque fazemos parte do
todo divino da natureza que é, ele mesmo, criador. “Nós todos, humanos,
não temos nenhum outro objeto e nenhuma outra matéria de toda ação e
alegria, sempre e eternamente, que não o poema único da divindade, de
que somos também parte e flor – a terra”, afirmou Friedrich Schlegel (Conversa
sobre a poesia. São Paulo: Iluminuras, 1994, p. 30).
É, ainda, neste sentido que a apreciação da arte, ou da filosofia, ou
da vida, não poderia ser, para os primeiros românticos alemães, apenas passiva.
Ela deveria ser, para empregar sua palavra predileta, crítica. Para Friedrich
Schlegel, (O dialeto dos fragmentos. São Paulo: Iluminuras, 1997, p.23).
“crítico é um leitor que rumina” e que, “por isso, deveria ter mais de um
estômago”. Essa tarefa não é simples, pois vai contra a pressa da técnica
moderna que nos faz correr com as leituras, ao invés de remastigá-las ou
remoê-las. “É certo que, a praticar desse modo a leitura como arte, faz-se
preciso algo que precisamente em nossos dias está bem esquecido […],
para o qual é imprescindível ser quase uma vaca, e não um ‘homem moderno’:
ruminar”, escreveu Nietzsche. Ler assim, por fim, seria ter com as coisas
aquilo que Spinoza chamava de paixão alegre, ou seja, um bom encontro,
que nos faz passar de passivos a ativos.
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O maquiavelismo de Spinoza
Quanto mais as instituições política distanciarem-se da vontade
popular, tanto mais os magistrados temerão a multidão. (Cf. CRISTOFOLINI,
P. Spinoza e l’acutissimo fiorentino, p. 11 e MAQUIAVEL, N. Discorso per
rassetare le cose di Firenze doppo la morte del ducha Lorenzo, p. 985). Com
efeito, Spinoza e Maquiavel concordam que um povo que atemoriza seu
governante acaba por induzi-lo a comportamentos ferozes e, por outro lado,
um governante feroz tem muitos motivos para temer o povo. Desse modo,
aquele que, sendo potente, vive sob o medo, é induzido a provocar medo.
Dá-se, portanto, a reprodução do medo, o que, inexoravelmente, leva ao
fim da liberdade e à servidão. O medo é, dentro dessa concepção, o principal
obstáculo à liberdade e não pode ser elevado, em hipótese alguma, a alicerce
de um bom governo. Pois a servidão não é simplesmente estar a ferros, mas
sim estar separado daquilo que se pode e não existe abismo mais profundo
do que o medo. Assim, Spinoza afirma: “uma cidade em que a paz não possui
outra base senão a inércia dos súditos, os quais se deixam conduzir como um
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rebanho e não são habituados senão com a servidão, merece mais o nome
de solidão do que o de cidade”.
Para Spinoza, o medo é exatamente o índice da distância entre a
vontade da civitas e a vontade das instituições políticas. Para Hobbes, o
medo é a paixão domesticadora que permite a convivência entre o dispositivo
passional do homem e os imperativos sociais. Com efeito, Hobbes reduz os
homens-lobos a individualidades silenciosas, coisa que não ocorre em Spinoza.
No Discurso sobre a reforma, Maquiavel afirma a necessidade de se
adotar o regime republicano em Florença. Tal conselho deriva de dois fatos.
O primeiro refere-se à tese de que, sendo a liberdade fundada
necessariamente na igualdade, e sendo Florença um espaço
reconhecidamente de igualdade, sua constituição é avessa à instauração
de um principado, restando apenas a opção republicana. Tentar transigir
com esta realidade inescapável seria o mesmo que decretar a ruína do governo.
A verdadeira conservação do Estado depende desta postura. O segundo
motivo, que deriva e constitui o primeiro, envolveria a dinâmica própria do
medo, ou seja “ao manter-se a cidade de Florença nas bases aturais, corre-
se, em caso de acidente, muitos perigos”. Mais à frente, Maquiavel corrobora
tal parecer ao afirmar que os Medici devem descentralizar o poder político
de modo que não necessitem arcar com o ônus de uma responsabilidade
que poderia submetê-los a graves perigos por parte da população, sendo
mais prudente “organizar o Estado de modo que por si mesmo se administre”.
Tampouco podemos conceber a política spinozana senão a partir
de uma física social, como fica claro na Carta 50, o que nos leva novamente
a Maquiavel. Ao falar dos aragoneses (Cf. BOVE, L., Direito de guerra e
direito comum na política spinozista.), Spinoza afirma que esses, após levarem
a cabo uma guerra de libertação contra os árabes, puderam instituir o
governo que bem entendessem. Eles desejaram, portanto, introduzir uma
monarquia. Contudo, eles não podiam se decidir quanto às condições que
deveriam ser impostas ao futuro rei, de modo a preservar sua liberdade
recém conquistada.
O povo aragonês mantém, no seio mesmo do Estado recém criado, o direito
natural que detinham durante a guerra de libertação. Expressamente, os
aragoneses preservam este direito que é inalienável, pois “a justiça, articulada
à soberania da potência da multidão, ultrapassa o quadro jurídico-político
instituído” (Ibidem, p. 09). Estamos muito mais próximos do modelo
maquiaveliano de guerra do que do modelo hobbesiano do contrato, como
bem nota Bove. O direito de guerra define o direito civil e promove, inclusive,
a sua racionalidade.
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tanto pode suceder uma composição para formar um todo mais potente,
como é possível também que um decomponha o outro destruindo a coesão
das suas partes. Embora não possamos nos apropriar exatamente do que
nos acontece no nível do jogo entre as forças, como afirma Spinoza:
“concebe-se mais facilmente do que se observa” (Ética, esc. da prop. 44),
podemos, no entanto, nos apropriar dos efeitos das composições e
decomposições que acontecem nesse jogo: sentimos alegria quando um
corpo se encontra com o nosso e com ele se compõe; sentimos tristeza, ao
contrário, quando um corpo ou uma idéia ameaçam a nossa própria coerência.
Um bom encontro então é aquele que nos provoca alegria, que nos faz
sentir alegria. É, portanto, na relação que se estabelece no encontro dos
corpos que se dá a interpretação ética. Uma boa interpretação é aquela
que no campo de afetação entre os corpos promove um aumento, uma
intensificação dos poderes dos corpos, uma interpretação ruim é a que
empobrece ou degrada, os poderes corporais. Sabemos da consideração
que Nietzsche nutria em relação a Spinoza, que o considerava declaradamente
como um companheiro e precursor. Sabemos também da centralidade da
questão ética em sua obra, principalmente na Genealogia da moral. Para
Nietzsche, os valores possuem uma origem que os contextualiza histórica e
socialmente. Mas, nesta origem existem avaliações que remetem à vida:
origem de valor e valor de origem dirigem o procedimento genealógico.
Sendo vontade de poder, a vida possui uma necessidade intrínseca de se
expandir, aumentar sua força: “uma criatura viva quer antes de tudo dar
vazão à sua força – a própria vida é vontade de poder” (Além do bem e do
mal, §13). Ou seja, a vida enquanto “vontade de poder encarnada, quererá
crescer, expandir-se, atrair para si, ganhar predomínio” (Além do bem e do
mal, §259). Sendo assim, o critério de avaliação da vida se pautará por esta
sua necessidade intrínseca: é bom o que favorece a sua expansão e mau o
que a interdita. A estes dois modos básicos de ser do vivente, correspondem
dois modos de interpretar a existência: nobre e escravo, uma moral de
senhores e uma moral de escravos. Nietzsche, portanto, faz uma diferenciação
dos homens em dois tipos: o nobre, afirmador da vida, o que quer expandi-
la, e o escravo, que quer conservá-la. Não se tratam, no entanto, de dois
tipos que se excluem reciprocamente, mas antes de estilos de vida, ou de
formas de disposição das forças do corpo que co-habitam inclusive em um
mesmo homem, em um mesmo corpo. De forma semelhante à Spinoza,
Nietzsche compreende que não se podem constatar estas forças do corpo,
ou observá-las, mas que podemos concebê-las. No esforço de descrever
sua forma de conceber a atividade da vontade de poder, o termo afeto
parece ocupar lugar semântico indispensável para Nietzsche. Na busca por
uma terminologia que melhor expressasse seu entendimento da atividade
corporal, Nietzsche elabora um universo semântico em que os termos instinto
(instinkt), pulsão (trieb) e afeto (affekt) são os mais recorrentes em toda a
sua obra e desempenham um papel fundamental para a compreensão dos
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todas as coisas se unem em uma espécie de raiz, sendo a música sua cópia
mais fiel; e pelo outro, ao mundo de aparências, sim, de representação,
onde se desenrolam os fenômenos, por onde a vida se manifesta repartida
em individualidades. A palavra aparece, nesse momento, como um artifício
de proteção do indivíduo por ter a capacidade de unir música e imagem: “a
música, exteriorizando as imagens, e as palavras, transpondo essas imagens
em sons” (DIAS, R. M. Nietzsche e a Música. São Paulo: Unijuí, 2005, p. 12).
A música dionisíaca é apresentada como o principal elemento estético
responsável pela dissolução da individualidade. Para Nietzsche, é justamente
a partir do canto ditirâmbico, ou seja, da música, que nasce a Tragédia.
Inicialmente como louvor ao deus da fertilidade, onde em procissão seguiam
mulheres e homens como sátiros, munidos de suas flautas, em êxtase coletivo
provocado pela música. Somente os que faziam parte desse cortejo poderiam
observar tal cena através de olhos destituídos de individualidade, imersos no
Uno-primordial. Aquelas pessoas não possuíam mais identidade com o que
julgavam ser no seu cotidiano, suas personalidades eram agora destituídas
de suas lembranças de vida, sendo eles próprios, nesse momento, os seres
mágicos da natureza, possuídos pela melodia e harmonia, eram a pura
expressão da vida, eram a manifestação do deus Dionísio, inseridos na “única
individualidade verdadeiramente existente e eterna, que jaz no âmago de
todas as coisas” (Ibidem, p. 47).
A individuação concebida a partir de uma ótica estética, ou seja,
compreendida a partir de seus traços aparentes, perceptíveis a um observador,
coloca em segundo plano a discussão metafísica acerca dessa questão. Ao
referir-se à restituição da individualidade do extático dionisíaco, enquanto
promovida por um caráter imagético, próprio do estado apolíneo, Nietzsche
nos leva a crer que o princípio de individuação seja correlato a um princípio
de atualização da aparência, por onde, a partir de uma imersão espaço-
temporal, caracterizada pela percepção de um objeto, pode o indivíduo
reconhecer-se como tal. Parece-nos que, para Nietzsche, o princípio de
individuação se apresenta por meio de formas delimitadas, sendo isso o que
resulta da conjunção entre tempo e espaço, que talvez assuma aqui o caráter
de precondição para o princípio de individuação.
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múltiplas formas, sem finalidade e sem moral, sem mesmo nenhuma categoria
extrínseca que cumpra o papel de um fundamento incondicionado (nem
mesmo o conceito de substância cumpre esse papel) e que determine
necessariamente a gênese e a manutenção política.
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não apenas o desmascaramento dos ideais morais que se ocultam por detrás
dos discursos “humanitários” de nosso tempo, mas que também se arroga
a tarefa de superar o niilismo, o qual é considerado pelo pensador alemão
como o “autêntico problema trágico do nosso mundo moderno”.
Tomando em diálogo algumas dentre as críticas desenvolvidas por
Ansell-Pearson como exemplo de um tipo de leitura que aparentemente
desconsidera esta dimensão moral do discurso da Grande Política,
buscaremos em nosso trabalho mostrar que os elogios de Nietzsche ao
aristocratismo e suas críticas às principais formas políticas contemporâneas
(democracia, socialismo e, de modo menos explícito, mas não menos
significativo, também ao anarquismo) extrapolam o âmbito de uma mera
discussão acerca das práticas e objetivos políticos de seu tempo e remetem
antes às origens e filiações morais da política contemporânea.
A partir de uma compreensão da modernidade ocidental como um
tempo marcado pelo fenômeno do niilismo, objetivamos mostrar como
Nietzsche pode afirmar que a crença na política enquanto instância
supostamente capaz de garantir o bem-estar dos homens nada mais seria
do que uma tentativa de substituir o antigo fundamento do Deus
transcendente por um ideal laicizado, que em nada se diferencia dos princípios
da moralidade cristã dos homens de rebanho, e que, portanto, apenas
reproduz com outros termos a condição de mediocridade dos últimos
homens, dependentes de algo exterior que seria capaz de garantir
segurança e sentido às suas existências, bem como uma justificativa para o
sofrimento.
Para isso, faz-se necessária a distinção entre dois sentidos principais
em que a expressão Grande Política aparece nos escritos do filósofo: o
primeiro deles, tendo sua primeira aparição ainda à época de Humano,
demasiado humano, é empregado por Nietzsche no sentido de crítica ao
modelo predominante de política do ocidente, quando o pensador se refere
de maneira irônica às práticas políticas de sua época chamando-as de “Grande
Política”, quando na verdade objetiva significar justamente o contrário.
Contudo, para além de uma expressão meramente irônica, a Grande
Política também quer significar o contradiscurso nietzscheano que tem por
objetivo instaurar um espaço de conflito entre perspectivas nos moldes do
agon grego. Vale ressaltar que tal discurso não tem em vista provocar a
derrocada definitiva da moralidade cristã, mas ao contrário, acolhe-a enquanto
uma perspectiva necessária para o estabelecimento de um “saudável
combate”. Nesse sentido, acreditamos ser possível afirmar que o objetivo
principal de Nietzsche com o projeto da Grande Política seria antes o de
inserir o germe da perturbação em meio à passividade bovina do rebanho
moderno, de modo a desestabilizar a crença na unilateralidade da perspectiva
moral cristã, mostrando que aquilo que até então se julgava como a moral
por excelência na verdade nunca deixou de ser apenas uma moral possível,
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temporais) precisas que frequentamos com nossa vida, ali mesmo onde
forças possam fazer de nosso pensamento algo ativo e afirmativo.
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sujeito da hipocrisia, como alguém que engana e que, com plena “consciência
de si”, “esconde-se atrás de uma máscara”. Desfeita a idéia de uma
“consciência”, defendemos que os processos conscientes, agora situados
em um plano artístico, vêem a coadunar-se com uma concepção de hipocrisia
associada ao manuseio artístico de máscaras e compreendida como processo
fictício, embora reconhecido como tal, de constituição de um eu. Nosso
problema estaria então em compreender como é possível, a partir do
esfacelamento do “sujeito” em uma pluralidade de máscaras constituídas ao
longo do tempo; e da dissolução da “consciência de si” em uma pluralidade
de interpretações às quais não temos acesso, sustentar ainda uma idéia de
hipocrisia e de hipócrita e, ainda mais, de uma hipocrisia em relação a si
próprio. Centrando o foco em nos textos do chamado “período intermediário”
e em Além do bem e do mal procuraremos, inicialmente, expor em linhas
gerais o teor das críticas nietzscheanas às idéias modernas de “consciência”,
“livre-arbítrio” e “sujeito” e as conseqüências a que estas críticas conduzem
no pensamento nietzscheano – em particular às idéias de interpretação e
máscara – procurando compreender de que maneira essas idéias influem na
concepção nietzscheana de eu. Na segunda parte da exposição,
aproximando-nos do foco de nossa análise, procuraremos expor em que
sentido uma reavaliação do conceito de hipocrisia, não só resistiria às críticas
nietzscheana acima apontadas, como forneceria chaves de interpretação
para as questões acima levantadas, tornando possível a restituição de uma
determinada concepção de eu, situada agora em um plano artístico, à qual
associamos a figura do hipócrita.
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são ilusões das quais se esqueceu que elas assim o são” (NIETZSCHE, F.
Sobre verdade e mentira no sentido extra-moral. São Paulo: Hedra, 2008,
p.37).
Uma das tarefas da filosofia de Nietzsche é criticar o legado platônico,
relembrando quão ilusória e metafórica é a verdade. Crítica esta que encontra
na ironia uma parceira poderosa para realizar os seus objetivos. Nesse sentido,
concordamos com Oswaldo Giacóia Jr. ao reconhecer Nietzsche como um
mestre da ironia. A “ambição do filósofo” lembra Giacóia, “consiste em tomar
superfície o que é profundidade, restituir a graça ao peso da seriedade
filosófica. Opositor ferrenho da dialética socrática, Nietzsche reedita, no mundo
moderno, o gesto irônico do pai fundador da filosofia ocidental” (GIACÓIA
JR., O. Nietzsche. São Paulo: Publifolha, 2000, p.10). Enquanto a ironia
socrática critica as ilusões, em prol de uma verdade, Nietzsche tem como
alvo a verdade, em prol das ilusões: “A sentença deve ser declarada: vivemos
somente através de ilusões, sendo que nossa consciência dedilha a superfície.
Há muita coisa que se esconde diante do nosso olhar. Também nunca se
deve temer que o homem termine por se conhecer inteiramente, que ele,
a todo instante, penetre em todas as leis da impulsão, da mecânica, bem
como em todas as fórmulas da arquitetura e da química que são necessárias
à sua vida. É bem possível que tudo se torne conhecido por meio de esquemas.
Isso não altera em quase nada nossa vida. Ademais, trata-se apenas de
fórmulas para forças absolutamente desconhecidas” (NIETZSCHE, F. Sobre
verdade e mentira no sentido extra-moral., p.57).
A ironia nietzscheana nos alerta dos perigos do enrijecimento das
metáforas em conceitos, denunciando a tentativa de atribuir significados
únicos e verdadeiros as coisas. Ao jogar com a linguagem, a ironia escancara
o jogo de máscaras que está por trás da existência, pois só a ironia, nas
palavras de Vladimir Safatle, “é capaz de afirmar sem, com isto, petrificar as
afirmações em explicações sobre a positividade do estado do mundo. Só a
ironia coloca o mundo como uma ficção que se afirma como uma ficção
criadora” (SAFATLE, V. Nietzsche e a noção de ironia em música. Cadernos
Nietzsche, São Paulo, v. 21, 2006, p.22).
Safatle dedica dois importantes artigos a respeito da noção de ironia
em Nietzsche: Duas formas de amor pela superfície: sobre os usos da metáfora
e ironia em Lacan (1999) e Nietzsche e a ironia em música (2006). O autor
chama atenção para a observação de Behler (1990) de que Nietzsche evitou
o termo “ironia” em sua obra devido ao atravessamento do romantismo,
preferindo assim “a clássica noção de dissimulação, que é traduzida por
máscara”. Pensamos que tal evitamento também se deve ao fato da figura
da ironia carregar consigo o nome de Sócrates e o cheiro de instrumento
científico-racional. Talvez por isso no prefácio de O Nascimento da Tragédia
Nietzsche se pergunte: “É a cientificidade talvez apenas um temor e uma
escapatória ante o pessimismo? Uma sutil legítima defesa contra – a verdade?
E, moralmente falando, algo como covardia e falsidade? E, amoralmente,
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A Religião em Nietzsche
Objetivo do presente estudo é situar a religião no pensamento de Nietzsche.
Embora, como é de um modo geral conhecido, nosso A. se oponha a
qualquer manifestação que se apresente como transcendente, de um
“mundo além”, bem como a toda forma de monoteísmo, seria incorreto
afirmar que ele, simplesmente, propõe o ateísmo como alternativa. Isso
porque, para ele, a religião se mostra como parte essencial de toda cultura
saudável, ou seja, daquelas do passado e, especialmente, da Antigüidade
grega mais recuada, sendo exatamente uma tal saúde que se perdeu na
Modernidade, e que ele espera possamos alcançar superando-a, reatando
vínculos perdidos com uma tradição, mais do que apostando em um
progresso para melhorar, no que teria um papel importante a desempenhar
novos deuses, forjados de acordo com uma ordem natural - “o sentido da
Terra”, como ele diversas vezes menciona em seu Zaratustra –, para atender
aos anseios maiores de uma humanidade que se pretende, buscando-os,
também superar, para que viva o “além do homem”. É para semelhante
cura da cultura que seria necessário mobilizar a filosofia, pondo-a no comando
da ciência, da política e também da religião. A tão propalada “morte de
Deus” é apresentada por Nietzsche como um evento terrível – após anunciá-
la, Zaratustra se retira para a solidão do topo da montanha por dez anos -
, mas graças ao qual se pode descobrir a vontade como um fato natural
que em nós resulta na capacidade de produzir o sobrenatural enquanto
ficção, novos deuses, ilusões que nos auxiliam a favorecer o engrandecimento
da vida. Sim, porque para quem fora um (grande) filólogo, desistente dessa
forma de teologia secularizada que é a filologia, convertido em poeta do
pensamento, tendo percebido o mundo verdadeiro como uma fábula e a
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Imaginação e Superstição
Na obra Tratado Teológico Político, Espinosa cerca a região do
sagrado,de forma que filosofia e religião devem permanecer separadas.No
entanto,o filósofo não pretende uma distinção para evitar ou minimizar
meramente a influência da Igreja instituída na produção do saber;mas sim
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entendida como uma superação de tal metafísica, quer seja entendida como
uma radicalização da mesma.
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reter, é anticientífica, ela nos liberta, embora não escape da lupa e dos
bisturis dos cientistas.
A educação para arte possibilitaria ao jovem: contestar a pretensão
científica de tudo saber; conduzir o conhecimento de modo a fazê-lo servir a
uma melhor forma de vida; devolver à vida as ilusões confiscadas; restituir a
arte o direito de continuar a cobrir a vida com os véus que a embelezam. A
universidade alemã do séc. 19 não soube, ou não quis, utilizar de um
“adestramento artístico”, não teve interesse em conter, por meio da arte, as
tendências cientificistas.
A retomada de tal problemática é extremamente pertinente e
profícua como ponto de pauta para compreendermos a gênese e rumos da
universidade hoje, em meio a uma série de transformações, embates, crises
de paradigmas e financeiras, etc. que culminaram em diversos modelos de
educação superior em nosso país.
Atualmente, aqui no Brasil a universidade, não no contexto tal
exatamente como na Alemanha do séc. 19, mas tal qual está contaminada
pela tendência histórico-científica e profissionalizante. Não que Nietzsche
tenha, ou haveremos de ter, algo contra as escolas de ensino técnico
profissionalizante, pelo contrário, elas por sinal cumprem com seus objetivos.
Agora, qual seria o objetivo primordial da universidade? Treinar? Formar?
Qualificar para o mercado? Fornecer quadros para o estado? Criar doutos
especialistas?
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