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GEOTEMÁTICA

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Belém – PA. n. 01. v. 01. jan./jun. 2009

A IMPLEMENTAÇÃO DE UMA ZEIS NA ORLA DE BELÉM: ESTUDO DE


CASO: A VILA DA BARCA – BELÉM – PA

Carlos Henrique Marinho Branco


Licenciado Pleno em Geografia - FIBRA
Esp. Geografia da Amazônia – FIBRA
henriquembranco@gmail.com

RESUMO
Este artigo visa discutir o processo de produção espacial pelo Estado capitalista. Ao
longo do trabalho apresenta-se fundamentações teóricas no que diz respeito ao
entendimento das práticas de produção espacial nas cidades. O referido artigo procurou
abordar o processo de valorização da orla de Belém e a constituição de uma Zona
Especial de Interesse Social (ZEIS) na ocupação Vila da Barca, e as consequências que
essa regularização poderá acarretar aos moradores que residem naquela localidade.

Palavras-chave: Planejamento Urbano. Políticas Públicas. Produção Espacial. Estado.

ABSTRACT
This paper discusses the process of production space by the capitalist state. Throughout
the work it is presented the theoretical arguments regarding the understanding of the
practices of production space in cities. The article sought to address the process of
recovery of the edge of Bethlehem and the establishment of a Special Zone of Social
Interest (ZEIS) in Vila da Barca occupation, and the consequences that may lead to
settlement residents living in that locality.

Keywords: Urban Planning. Public Policies. Spatial Production. State.

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1 INTRODUÇÃO

O processo de produção espacial nas cidades cria diversas finalidades e formas


de apropriação e uso nesses espaços. A formulação de planos de ordenamento e
planejamento visam inserir estudos técnicos no espaço, a fim de utilizá-lo de outras
formas, lhe atribuindo diversos usos e significados. Neste contexto se insere discursos
políticos, ações e formas de análises espaciais para compreender e futuramente prover
aquela localidade de equipamentos urbanos buscando (re)criar novas identidades e
outras finalidades de incorporação e uso do solo.
A proposta deste artigo é analisar o processo de produção espacial a partir da
intervenção do Estado na orla de Belém e a constituição de uma Zona Especial de
Interesse Social (ZEIS) na ocupação Vila da Barca através do projeto de habitação e
urbanização. Tem-se como base de discussão a importância de se discutir a forma de
(re) produção e uso do espaço urbano no modo de produção capitalista e seus
desdobramentos, para dar subsídios teóricos para um melhor entendimento do processo
de utilização da orla de Belém assim como a nova intervenção estatal na área da
ocupação Vila da Barca.
Algumas indagações são necessárias na produção deste trabalho. Será que a
ZEIS, através do Estatuto da Cidade, pensada para a área da Vila da Barca garante a
permanência dos moradores naquela localidade? De fato o interesse social irá prevalecer
frente ao interesse econômico? A ZEIS implementada na Vila da Barca conseguirá
resistir ao intenso processo de valorização da orla da cidade? Ou será mais um
instrumento de coerção utilizado pelo Estado? A fim de promover uma nova
funcionalidade – agora mais valorizada – para futuras aquisições pelos agentes
imobiliários? Essas foram as indagações que originaram a produção deste artigo e seus
desdobramentos, pois através dele, tentaremos responder ou discutir no
desenvolvimento deste trabalho.
Na primeira parte iremos analisar a produção no espaço e as diversas formas de
uso, resultantes desta intervenção pelo Estado capitalista que através de modelos e
projetos urbanísticos aprofunda a segregação sócio-espacial nas cidades regidas por esse
modo de produção. A discussão teórica entre diversos atores que estudam as
transformações ocorridas no espaço urbano, espaço este de intenso processo de
mudança e modificações. O espaço geográfico é o resultado do processo de
transformações historicamente ocorridas, pode-se se dizer que o espaço é socialmente
produzido (LEFEVRE apud TRINDADE JR., 1993).
Em um segundo momento, abordaremos a criação de uma ZEIS dentro da
exigência do Estatuto da Cidade e do Plano Diretor, neste caso na área que abrange a
ocupação Vila da Barca, comunidade esta que se localiza próximo ao centro da cidade,
sendo um enclave para a apropriação espacial por parte do capital e para a própria
lógica de incorporação pensada para a orla, que em nosso entendimento atende
interesses particulares em detrimento ao restante da população, que através de um
intenso processo de valorização e uso do solo, (re)criando funcionalidades para a
mesma.

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2 A (RE)PRODUÇÃO DO ESPAÇO URBANO E USO DO SOLO NO MODO DE


PRODUÇÃO CAPITALISTA

Ao se analisar a forma de como ocorre o processo de (re)produção do uso do


solo no sistema capitalista, percebeu-se o intenso processo de transformações ocorridas
neste espaço. O desenvolvimento industrial ocorrido a partir do século XVII
intensificou essa dinâmica espacial. A partir desse momento, a cidade teve um papel de
destaque, pois começou a concentrar essa dinâmica, produzindo mudanças significativas
na forma de uso de (re)produção do espaço urbano.
Conforme afirma Trindade Jr. (1998), o espaço é socialmente produzido,
ocorrendo paralelamente com a necessidade humana de produzir os bens materiais para
sua própria sobrevivência. Neste sentido, podemos entender a forma de como ocorre a
(re)produção espacial nas cidades capitalistas:
O urbano capitalista, por sua vez, como um espaço social, é o lócus de
produção e circulação intensiva de mercadorias, realização e repartição da
mais-valia, manifestação de um modo de vida próprio e da produção
ideológica expresso na forma espacial da cidade [...] O conceito de
equipamento coletivo corresponde, no saber funcionalista de origem
européia, ao de qualidade de vida urbana, que tem origem recente,
englobando aspectos relacionados com o provimento de infra-estrutura de
lazer, recreação, cultura, com os desgastes e desequilíbrios gerados pela
poluição sonora, física e química, com as tensões humanas, sociais e os
fenômenos de anomalia e alienação freqüentemente encontrados nos grandes
centros (RODRIGUES, 1998, p. 28).

Com a intensificação e a concentração das relações capitalistas de produção nas


cidades, houve então, a necessidade de ordenar1 a forma urbana, buscando aperfeiçoar a
forma de produção e uso do solo, pela própria necessidade do capital:
Relacionado à reprodução das relações sociais, a dinâmica do espaço é
inerente à dinâmica da sociedade. Cada sociedade constrói um espaço para
si, de acordo com suas necessidades ou de acordo com os interesses
dominantes nessa sociedade. Nesse sentido, pode-se falar de várias
organizações espaciais, definidas a partir de suas várias organizações
sociais. As mutações das sociedades pressupõem igualmente, mudanças no
espaço, não como uma relação mecânica, mas como uma dimensão da
sociedade, sendo aquele produto desta, mas também um meio e uma
condição necessária para que as suas relações existam e se perpetuem
(TRINDADE JR., 1998, p. 6).

A apropriação e o uso do solo nas cidades capitalistas podem ser


compreendidos, pela própria dinâmica da sociedade, que carrega consigo uma
diferenciação, entre elas, contradições, por conta do conflito entre os interesses do
capital e as demandas das classes sociais. Assim, para Souza (2006), a apropriação e o

1
De acordo com Trindade Jr. (1998, p. 23), a forma urbana e, por conseguinte, a forma metropolitana é a
exteriorização espacial de processos, através de objetos ou conjunto ordenado de objetos (residências,
indústrias, áreas de lazer, comércio etc.) no território, obedecendo a uma determinada racionalidade e
exteriorizando a dimensão espacial de uma determinada sociedade.
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uso do solo nas cidades capitalistas, não podem ser vistos como consequência ou
resultado unicamente do sistema econômico. Deve combinar os sistemas econômicos e
sociais. Para a autora, a economia determina as diretrizes do sistema de produção, mas
há necessidade para compreender as relações estruturais urbanas, que o sistema social
seja levado em consideração. Para Corrêa (1995), o espaço será (re)definido pela
dinâmica do capital. Os processos espaciais definem a forma desigual de organização
nas cidades capitalistas. O processo de (re)produção espacial ocorre através do
movimento de transformação social, compreendido como o próprio processo,
redefinindo-se sua espacialidade na sociedade.
Para Castells (1983), a divisão social do espaço é compreendida como sendo um
espaço na produção do espaço social. Pode-se identificar que no espaço urbano, a
segregação sócio-espacial2 se intensifica, sendo que a (re)produção e o uso do solo se
dará de forma diferenciada. Neste sentido, podemos identificar espaços antagônicos,
diferenciados, representados classicamente como centro e periferia3. Nas cidades
capitalistas a apropriação e o uso do solo estão relacionados diretamente com a questão
econômica, ou seja, a questão da renda, que irá influenciar na localização e
acessibilidade no espaço. Desta forma podemos entender como ocorre a construção de
espaços segregados nas cidades, assim como, as divisões de classes:
A segregação é o resultado da desigual distribuição do produto entre os
sujeitos e que irá determinar o produto moradia no espaço. A abordagem de
Castells enfatiza a estruturação da sociedade, tanto das formas urbanas,
quanto da distribuição dos indivíduos nesta [...] A sociedade é definida
como sendo um “sistema de relações entre partes funcionalmente
diferenciadas e que estão localizadas territorialmente”. Assim a organização
urbana caracteriza-se como sendo toda expressão espacial, que representa
complexidades em relação ao seu ambiente imediato (CASTELLS, 1983, p.
181).

Enquanto agente modelador do espaço urbano, a compreensão sobre a


intervenção do Estado no uso e na apropriação do espaço, torna-se também fator
determinante, haja vista que sua ação promove verdadeiras transformações no espaço
urbano, que se concretizam através da:
Atuação nas mais diferentes formas: como empresário, consumidor de
espaços e locações públicas, proprietário fundiário, promotor imobiliário e
agente regulador do uso do solo urbano. Pode atuar também de forma direta,
através da construção de moradias, por exemplo, e indiretamente, buscando
auxiliar a instituição financeira, incorporadora e na indústria da construção
civil. Age também na isenção de impostos, garantindo lucros e eliminado
2
As abordagens sobre a segregação sócio-espacial são oriundas das reflexões e produções de Flávio
Villaça, considerando-a como um processo amplamente dialético. Para o referido autor essa segregação
remonta à luta de classes, cabendo aos vencedores as melhores parcelas do espaço urbano. Em sua obra
“O espaço intra-urbano no Brasil”, Villaça, afirma que: a segregação é produzida pelas classes
dominantes, exercendo sua dominação através do espaço urbano. Trata-se, portanto, de um caso de efeito
do espaço sobre o social. Evidentemente que o espaço produzindo já é social (VILLAÇA, 1998, p. 360).
3
Para Villaça (1998), na discussão entre centro e periferia, o primeiro como sendo um ponto central da
gestão do território, centro de posição e de poder. A segunda é considerada como sendo um espaço
segregado, sendo destinada a atividades secundárias, absorvendo o excedente populacional que as áreas
centrais não tiveram o suporte para manter.
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riscos. O Estado promove sua ação ao espaço também em programas de


zoneamento no território (TRINDADE JR., 1998, p. 247).

Para entendermos melhor a construção do espaço, recorrermos à obra de Corrêa


(1995), cujo objetivo é explicar a formação do espaço urbano. De acordo com este
autor, o espaço urbano se compõe de diversos momentos. No primeiro momento, o
espaço da cidade se apresenta como um conjunto de usos diferenciados da terra
justapostos entre si. Esse uso diferenciado produz uma marca de identidade com o local.
Podemos, assim, observar na cidade um complexo uso do espaço intraurbano: espaços
destinados ao comércio e à prestação de serviços, espaços de lazer, centros industriais
etc., que caracterizam a fragmentação espacial da cidade. Por outro lado, essa
fragmentação necessita da articulação espacial, configurando, desta forma, o segundo
momento. Assim, temos um espaço fragmentado e articulado ao mesmo tempo. Essa
articulação manifesta-se através das relações espaciais envolvendo a circulação de
decisões e investimento de capital, mais-valia, salários, juros, rendas, envolvendo ainda
a prática do poder e da ideologia (CORRÊA, 1995).
É pelas relações espaciais que integram o espaço intra-urbano, tornando a cidade
um espaço fragmentado e ao mesmo tempo articulado. A produção do espaço da cidade,
dividido e articulado, sendo resultado de amplos processos sociais, isto é, da
materialidade das relações constituídas na sociedade capitalista. Temos, então, o
terceiro momento, o espaço apresentado por Corrêa (1995) que é o reflexo da sociedade.
Em função desta realidade, apresenta-se dividido em áreas residenciais segregadas. É
reflexo de uma complexa estrutura social baseada em classes. O espaço, então, mostra-
se com a característica que é própria do sistema capitalista: a desigualdade social. O
espaço apresenta-se, ainda, como um condicionante da sociedade, através do papel que
as obras fixadas pelo homem, as formas espaciais, desempenham na reprodução das
condições de produção e das relações de produção um papel importante. Este é o quarto
momento de apreensão do espaço urbano capitalista (CORRÊA, 1995).
O espaço será então, definido sobre a influência e a dinâmica do capital. Corrêa
(1995) enfatiza que os processos espaciais definem a organização desigual e imutável
inerente às cidades capitalistas. O referido autor define como processo as respectivas
formas espaciais: centralidade, área central, descentralização e os núcleos secundários,
coesão e áreas especializadas, segregação e áreas sociais, dinâmica espacial da
segregação, inércias e áreas centralizadas. Atrelados a estes processos temos os agentes
sociais4 condicionadores do espaço, sendo estes: os proprietários dos meios de
4
Tais agentes, conforme Corrêa (1995) distinguem-se como: - Proprietários dos meios de produção: são
os grandes proprietários industriais e das grandes empresas comerciais, agentes estes grandes
consumidores do espaço; - Proprietários fundiários: são os proprietários de terra, que se empenham em
obter a maior renda fundiária de suas propriedades, seja no uso comercial ou residencial, haja vista que as
terras nos centros urbanos são mais valorizadas que a terra rural, devido à grande gama de serviços de
infraestrutura existentes nas cidades. Significa dizer que estes estão mais preocupados com o valor de
troca da terra e não de seu uso; - Promotores imobiliários: é um conjunto de agentes que realizam parcial
ou totalmente as seguintes operações: incorporação, financiamento, estudo técnico, construção ou
produção física do imóvel e comercialização ou transformação do capital mercadoria em capital dinheiro;
- Estado: Enquanto agente modelador do espaço urbano capitalista, [...] atua na organização espacial da
cidade como grande industrial, consumidor de espaço e de localizações específicas, proprietário fundiário
e promotor imobiliário, sem deixar de ser também um agente de regulação do uso do solo e alvo dos
chamados movimentos sociais urbanos; - Grupos sociais excluídos: são parcelas da população que não
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produção, os proprietários fundiários, os promotores imobiliários, o Estado e os grupos


sociais excluídos.
A urbanização capitalista nos dias atuais, para alguns autores é considerada
como sendo o instrumento que potencializa a divisão sócio-espacial nessas cidades.
Para Castells (1983), a divisão social do espaço é um processo de luta inerente ao
conjunto da produção social. Identifica-se no espaço urbano, que a segregação sócio-
espacial5 multiplica-se conforme a intervenção estatal e das próprias relações sociais.
Nas cidades capitalistas a apropriação e a forma de uso do solo estão atreladas às
diferenciações de renda, sendo que determinará a acessibilidade ao espaço, por ser
diretamente vinculada à lei do mercado. Este condicionante econômico é o fator
preponderante para justificar os espaços segregados no espaço urbano, ou em especial
nas cidades, bem como a dicotomização da sociedade em duas classes bem distintas.
A segregação espacial, para Castells (1983), é compreendida pela agregação do
espaço em zonas de forte homogeneidade social interna, onde predominam as
disparidades entre elas, as quais se processam tanto em termo de diferença como em
hierarquia. Dentro desta forte homogeneidade social, a segregação é entendida como
sendo a divisão espacial de uma determinada população em áreas específicas que
permitem entendê-las e destituí-las, da sua composição social, das demais áreas de seu
entorno.
Neste sentido podemos entender a forma de como ocorre o processo de
segregação espacial nos grandes centros capitalistas, a ação do Estado, como indutor de
transformações espaciais nessas cidades produzindo – de certa forma – as relações
sociais. Para Villaça (1998), o Estado atua através da legislação urbanística, esta é
sabido, feita e pensada para a classe burguesa. Isso se revela pelo fato de se colocar na
clandestinidade e na ilegalidade a maioria dos bairros e das edificações. Desta forma, é
um processo que origina a tendência a uma organização espacial em áreas de forte
homogeneidade social interna e de forte disparidade entre elas. A segregação residencial
configura-se como uma expressão espacial das classes sociais. A segregação cria áreas
excluídas e fora do âmbito político, jurídico e de ação do Estado, que a priori as renega,
deixando-as à própria sorte. Sobre esse processo, afirma-se:
A questão da segregação ganha sob este ponto de vista um conteúdo
político, de conflito: a luta cada vez mais incessante pelo espaço urbano.
Para os membros da classe dominante, a proximidade do território popular
representa um risco permanente de contaminação, de desordem. Por outro
lado, o próprio processo de segregação acaba por criar a possibilidade de
organização de um território popular [...] esta reorganização espacial,
introduzida pela necessidade de segregação na cidade, tem uma base
econômica e política para sustentá-la. Do ponto de vista econômico, ela está
diretamente relacionada à mercantilização ou monetarização dos bens

possuem no que concerne à moradia, acesso aos bens e serviços produzidos socialmente.
5
As abordagens sobre a segregação sócio-espacial aqui definida são oriundas das análises de Flávio
Villaça, que a considera como um processo dialético, ou seja, é uma só, independente do contexto a que
ela se refere. Deriva da luta de classes, na qual ao vencedor cabem as melhores parcelas do espaço
urbano. Flávio Villaça, em toda sua obra, mostra que “a segregação é uma determinada geografia,
produzida pela classe dominante, e com o qual essa classe exerce sua dominação através do espaço
urbano. Trata-se, portanto, de um caso de efeito do espaço sobre o social. Evidente que esse espaço
produzido é, ele próprio, social. Só o social pode constranger ou condicionar o social” (VILLAÇA, 1998,
p. 360).
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necessários para a produção da vida cotidiana. A moradia passa a não ser


mais uma unidade de produção, porque os bens que nela eram produzidos se
compram no mercado [...] a terra urbana é uma mercadoria (ROLNICK,
1999, p. 51).

3 A FORMAÇÃO DA VILA DA BARCA

A formação espacial na Vila da Barca foi ocasionada por uma variedade de


transformações, ocorridas na cidade de Belém, sobretudo, a partir das décadas de 50 e
60 do século passado, em que as modificações culturais, econômicas, políticas e sociais
formaram essa área de ocupação.
A Vila da Barca situa-se as margens da baía do Guajará, tendo esse nome, por
conta da história, da apreensão por parte da Capitania dos Portos, de uma grande
embarcação portuguesa na área. Segundo Silva (2006), a formação populacional inicial
da Vila da Barca, se deu pela vinda de diversas famílias das ilhas próximas de Belém e
de cidades ribeirinhas como: Abaetetuba, Cametá e outros próximos, que vieram se
estalar a partir da década de 30 do século passado. Sobre esse processo de ocupação e
em seguida permanência e afirmação local dessas famílias, em que Silva (2006, p. 64)
descreve da seguinte maneira:
A fonte de renda dos moradores, nesta época, estava vinculada à
comercialização de produtos agrícolas (que eram mandados por parentes e
amigos para serem comercializados em Belém), à pesca artesanal e ao
mercado de trabalho. Este último se consolidou por meio das diversas
fábricas construídas no período da Belle-Époque, merecendo destaque as
fábricas de sabão, botão, óleos, cal, louças de barro, vinho de caju,
chocolate, beneficiamento de arroz, café, artefatos de borracha, curtume,
olarias e serrarias.

A partir da segunda metade da década de 1940, houve um aumento significativo


do número de habitantes na Vila da Barca. Este adensamento pode ser justificado pela
segunda crise da borracha, que intensificou a migração para a capital do Estado. As
limitações de habitação, haja vista que as áreas de cotas altas passaram a serem
ocupadas por pessoas de alto poder aquisitivo, levaram a população pobre a ocupar as
baixadas. Dentro desse contexto, a Vila da Barca passou a ser vista como ponto
estratégico para as diversas famílias oriundas do interior do estado. Estas passaram a
construir seus “imóveis” nesta área, devido a sua localização “privilegiada” (próximo ao
centro comercial), que era visto como espaço propício para obtenção de emprego,
devido a sua grande rede de serviços. Com o aumento da densidade demográfica, novos
arruamentos foram formando-se na Vila da Barca, a exemplo das travessas: Padre
Julião, Profº Nelson Ribeiro e Republicana6. O avanço das habitações sobre a baía
tornou-se constante. A Vila da Barca surge a partir das necessidades de moradia da
população de baixa renda, que na maioria dos casos vinha do interior do estado, que não
tinham condições de residir em áreas que tivessem o mínimo de infraestrutura, restando
a essas famílias as áreas de baixadas. Conforme afirma Trindade Jr. (1998), os terrenos

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As passagens citadas foram às primeiras vias de entrada e saída da comunidade naquele espaço. Delas
originou ruas e vielas. São considerados como “troncos” de acesso.
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que ficavam à margem da baía do Guajará, ou seja, ao longo da orla de Belém, a partir
da década de 40 do século passado começaram a ser ocupados.
A ocupação Vila da Barca pode ser considerada como um grande bolsão de
pobreza, com uma diferença: sua localização. Diferentemente da lógica capitalista de
apropriação do espaço urbano, na qual, empurra as classes de menor renda para as áreas
mais afastadas do centro, a Vila da Barca encontra-se a menos de dez minutos do centro
da cidade, ou seja, está situada em uma área privilegiada, na qual seus moradores
dispõem de equipamentos urbanos que moradores do centro podem utilizar.

3.1 Caracterização da Vila da Barca

A Vila da Barca está localizada no município de Belém do Pará, no bairro


próximo ao centro chamado Telégrafo. Limita-se a norte com a baía do Guajará, a sul
com a avenida Pedro Álvares Cabral, a leste com o bairro do Barreiro e a oeste com a
travessa Djalma Dutra. Encontra-se em um bairro periférico da cidade de Belém, com
uma área territorial de abrangência de 2.317 km², conforme a imagem abaixo:

Atualmente a Vila da Barca conta com mais de 4 mil pessoas, residindo em sua
maioria em área de estivas7, segundo dados estatísticos da Prefeitura Municipal de
Belém (PMB), através de sua Secretaria Municipal de Habitação (SEHAB), sendo
7
Denominação utilizada para caracterizar as principais vias de circulação dos moradores das áreas de
baixadas, onde o acesso é efetivado por meio da construção de pontes (estivas) em madeira sobre as áreas
alagadas.
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49,76% do sexo feminino e 50,24%, do sexo masculino. O levantamento sócio-


econômico realizado pela PMB, por meio da SEHAB, no período de julho a agosto de
2003, comprovou também que a maioria da população possui um baixo poder
aquisitivo. O precário nível de escolaridade dos moradores, somado à crise estrutural do
emprego, oriunda da política neoliberal das últimas administrações da União, impede o
ingresso da maioria dos moradores da área no mercado formal de trabalho.
Neste sentido, a principal fonte de renda dos moradores da área está quase que
em sua maioria vinculada ao setor informal de trabalho. Grande parte dos moradores
está desempregada; outros vivem de trabalhos esporádicos, o que intensifica a
vulnerabilidade da maioria das famílias. Segundo Silva (2006), o número de
trabalhadores com carteira assinada é insignificante; são poucos os aposentados e
pensionistas. A principal atividade econômica na comunidade é o comércio, sendo
comum a venda de ovos, farinha, frutas, açaí, peixes e enlatados. A mão-de-obra
autônoma é constituída por carpinteiros, pedreiros, encanadores, empregadas
domésticas e uma ínfima quantidade de pescadores que ainda sobrevivem do rio.
Desde o início de sua ocupação, o espaço da Vila da Barca esteve associado ao
estigma de pobreza, violência, prostituição etc. Sendo que residentes de fora desta área
sempre tiveram uma visão equivocada desta realidade. A violência urbana, na área, é
igual ou inferior aos demais bairros de Belém, apesar do estereótipo pejorativo,
construído ao longo dos anos acerca deste lugar. Os moradores da área são penalizados
por esta situação e acabam sofrendo diversas discriminações.
Segundo Silva (2006), os meios de comunicação, ao mesmo tempo em que
instigam o poder público a realizar uma política de intervenção na área, promovem uma
ação de sentido contrário, ao divulgar manchetes que comprometem a vida de quem tem
uma relação de amor com a comunidade do lugar. No entanto, para muitos moradores
da localidade, a Vila da Barca é o local onde a vida se reproduz, toma forma, age, vive,
rir, chora, englobando o universo de todos os atores sociais que em nela habitam:
Neste lugar, as relações individuais e coletivas são muito próximas e os
vínculos afetivos entre os moradores são muito fortes se perpetuando. A
união, a solidariedade, o amor ao próximo, o saber cuidar, são encontrados
em todos os cantos. A união, a solidariedade, o amor ao próximo, o saber
cuidar, são encontrados em todos os cantos, em cada casa, em cada rua, em
cada pedaço de estiva (SILVA, 2006, p. 91).

A rede de relações sociais, existente na área, é muito grande. Ela se intensifica


nos momentos em que os moradores passam por dificuldades ou doenças. Neste
momento, há uma mobilização de vizinhos, amigos, compadres, comadres e parentes
próximos em prestar apoio para todos que fazem parte desta rede. Esta reciprocidade é
constante entre os moradores da área. A temporalidade do lugar, apesar de estar inserido
no espaço metropolitano de Belém, é concebida de forma diferenciada de como
concebemos o tempo na atualidade, pautado no instante dos relógios. Na Vila da Barca,
o tempo da vida ainda permanece, pois a memória social é preservada. A identidade
ribeirinha do caboclo amazônida resiste na área. Também é possível, apesar do
emaranhado de estacas que sustentam as palafitas, encontrarem pequenos trapiches,
onde os pescadores da comunidade atracam suas canoas para comercializar seus
produtos. Assim, observa-se que a vida cotidiana se reproduz, a cada instante, na Vila

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da Barca. Este espaço, na atualidade, se revela como o espaço do possível, o lugar do


encontro dos moradores, ou seja, o lugar do uso, o lugar do palpável, do real e do
concreto.

4 VILA DA BARCA: CONSTITUIÇÃO DE UMA ZONA ESPECIAL DE


INTERESSE SOCIAL (ZEIS)

Nos últimos quinze anos a orla de Belém passou por um processo intenso de
intervenção do Estado, a fim de produzir novas “funcionalidades” para esta área que por
muito tempo foi renegada e desprezada pelo Poder Público, tornando-se facilmente
ocupada para interesses particulares para fins econômicos, materializados em portos,
estâncias, lojas, marcenarias e outras modalidades de caráter privado.
Por muito tempo se disse que a “cidade tinha virado de costas para rio”, pois
com a implantação das rodovias e a interligação como o interior do continente, a orla
perde seus valores: cultural, histórico e econômico. Sendo apropriada por diversos
atores sociais da cidade. O projeto “Janelas para o Rio”, implantado na gestão do
prefeito Edmilson Rodrigues (1996 a 2004) tinha como objetivo criar espaços públicos
na orla para que a sociedade belenense pudesse utilizá-los para lazer e outros fins
sociais. Neste sentido foram construídos primeiramente, o complexo Ver-o-Rio e a
Praça Princesa Isabel, servindo como atrativo para a população. Com o processo de
valorização e apropriação de áreas próximas à orla da cidade, o Poder Público, seguindo
a determinação do Estatuto da Cidade (lei federal nº 10257 /2001) que determina que
sejam criadas zonas especiais de interesse social, conhecidas como ZEIS. Conforme
assinala Branco (2008, p. 20):
A fim de proteger determinadas áreas da ocupação desordenada, além de
contribuir para determinar uma função social da terra, o Estatuto da Cidade
via Plano Diretor, cria as Zonas Especiais de Interesse Social (ZEIS). Essas
zonas visam justamente destinar áreas para atender populações de baixa
renda com a construção de moradias populares. Essa regra facilita também, a
regulamentação e a melhoria de áreas de ocupação precária e loteamentos
construídos de forma irregular. Um terreno vazio, por exemplo, no centro da
cidade, poderá virar uma ZEIS e servir para a construção de centenas de
casas populares.

Para entendermos qual o objetivo deste projeto na Vila da Barca, assim como
suas conseqüências, deve-se levar em consideração as pretensões e os interesses
políticos e ideológicos nos quais este projeto está inserido (VILAR, 2008). Neste
sentido, refletir sobre as conseqüências desta intervenção aos moradores daquela
localidade.
No bojo de discussão da reforma urbana, a criação de mecanismos que possam
tornar a cidade menos excludente e mais justa, garantindo o direito à cidade, que o
Estatuto da Cidade (2001), que tem como objetivo melhor o processo de gestão das
cidades brasileiras, tornando-as mais acessíveis para as diversas classes sociais, não
apenas as classes mais abastadas e que podem usufruir de equipamentos urbanos. Neste
sentido criam-se as ZEIS, como instrumentos jurídico-institucionais visando o combate
à especulação imobiliária e a apropriação privada desigual dos investimentos públicos,
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em especial em áreas de intenso processo de segregação sócio-espacial (VILAR, 2008).


Sobre esse processo de implementação, afirma-se:
Assim, as ZEIS apresentam-se como um instrumento fundamental, pois se
institucionaliza os elementos básicos do bem-estar produzido pela espoliação
urbana, legitimando esses parâmetros, dentro e fora dos territórios regularizados.
As ZEIS podem instituir novos padrões de urbanização e bem estar, através da
participação popular com novos direitos para todos, isto é, novos elementos básicos
essenciais para toda a cidade. Neste sentido, ao considerar-se a Vila da Barca
enquanto uma ZEIS, tais objetivos devem ser levados em conta, e,
conseqüentemente, devem ser concretizados (VILAR, 2008, p. 76).

Reconhecer a diversidade de ocupações existentes na cidade permite integrar


áreas tradicionalmente marginalizadas e melhorar a qualidade de vida da população.
Tradicionalmente a legislação urbanística produz formas homogêneas e padrões de
ocupação de determinadas áreas da cidade. Entretanto as cidades, diante dos enormes
níveis de desigualdade social, concentração de renda e pobreza, esses padrões de
urbanização adotada pelo Estado, cria supervalorizações na terra, excluindo a maioria
da população de poder usufruir desses equipamentos urbanos. Dessa forma, as camadas
mais pobres se veem obrigadas a ocupar as terras que estejam à margem da legislação,
dando origem a favelas, ocupações espontâneas. Esses locais – em sua maioria – são
impróprios para habitação, como no caso da Vila da Barca, localizada em área de igapó,
às margens da baía do Guajará.
A possibilidade legal (ZEIS) de se estabelecer um plano próprio, que se adéque
às especificidades locais, que respeite e trate de forma diferenciada os espaços na qual
esteja sendo implementada. Além de reconhecer a diversidade de ocupação, a função
social da cidade, as ZEIS criam um processo de regularização fundiária, possibilitando
o exercício da cidadania desses moradores.
Conforme o Estatuto da Cidade (2001), as Zonas Especiais de Interesse Social
(ZEIS) têm como objetivos principais:
• Permitir a inclusão de parcelas da população que foram marginalizadas no
processo de constituição da cidade, por não terem condições de ocupar
determinados espaços urbanos dentro das regras legais;
• Permitir a introdução de serviços de infraestrutura urbana nos locais aonde
eles antes não chegavam, visando a melhoria da qualidade de vida da
população;
• Regular o conjunto do mercado de terras urbanas, pois reduzindo-se as
diferenças de qualidade entre os diferentes padrões de ocupação, reduzindo
também as diferenças de preços entre elas;
• Introduzir mecanismos de participação direta dos moradores no processo de
definição dos investimentos públicos em urbanização para consolidar os
assentamentos;
• Aumentar a arrecadação do município, pois as áreas regularizadas passam a
poder pagar imposto e taxas que antes não eram possíveis sem a regularização
jurídica desses assentamentos;
• Aumentar a oferta de terras para os mercados urbanos de baixa renda.

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4.1 O Projeto de Habitação e Urbanização da Vila da Barca: Uma ZEIS?

O Projeto de Habitação e Urbanização da Vila da Barca foi idealizado pela


PMB, no ano de 2000, ainda na primeira gestão do ex-prefeito Edmilson Rodrigues,
com o orçamento na época no valor de R$22.806.760,21. A SEHAB ficou encarregada
de coordená-lo, tendo como principal parceiro o Governo Federal, por meio do
Ministério das Cidades. O projeto teve como objetivo principal elevar as condições
socioambientais da população da Vila da Barca, através de uma ação de
desenvolvimento local sustentável, que envolveu as áreas de habitação, saúde,
educação, geração de renda, segurança, trabalho e projeto social.
O Projeto de Urbanização da Vila da Barca faz parte de um programa de âmbito
nacional, que visa a erradicação das áreas alagadas ou alagáveis em todo o país,
promovendo a melhoria da qualidade de vida das populações residentes nestas áreas,
sendo norteado pela Política Nacional de Habitação do Governo Brasileiro. No
município de Belém, o Projeto de Habitação e Urbanização da Vila da Barca visa a
recuperação da área, que consiste em intervenções físicas de habitação, urbanização e
infra-estrutura. A área de abrangência de intervenção do projeto é de 73.170.097m².
Para a realização desse projeto, a verba estava (2004) disponível na Caixa
Econômica Federal (CEF), dispondo de 46% de todo o orçamento para o projeto. Em
seu cronograma de execução (SEHAB), que consiste em uma primeira etapa a
construção de 256 apartamentos para os moradores da comunidade, que seriam retirados
das palafitas que existem no local.
Para a efetivação da segunda fase do projeto, que consiste no restante das 610
unidades habitacionais e demais obras de infraestrutura, faz-se necessária a elaboração
de um novo projeto para ser enviado ao Governo Federal, visando pleitear o recurso
financeiro necessário na segunda fase do projeto. Atualmente o projeto encontra-se
apenas em sua primeira etapa, buscando a capitação de recursos para o início da
segunda fase e futuramente de uma terceira, ainda em estado de estudos técnicos. A
ação do Poder Público naquele espaço, (re)criando novos espaços e criando novas
perspectivas de uso do solo urbano na Vila da Barca, conforme podemos entender:
O modo de produção capitalista promoveu profundas alterações no espaço
urbano. Ao longo dos anos, observamos as diversas configurações pelas
quais passaram as cidades. Novas formas espaciais surgiram e ressurgem a
cada instante e a cidade se transforma constantemente. Com o avanço do
capital, antigos espaços se reconfiguram, sendo que estes ganham forma
com o processo de Renovação Urbana, estratégia utilizada pelo capitalismo
para assegurar sua ocupação e domínio sob o uso do espaço urbano. Porém,
o processo de renovação urbana nem sempre acompanha as relações sociais
que ocorreram nestes espaços, provocando impactos negativos, em especial,
à população de baixa renda. Esta, infelizmente, não consegue acompanhar a
dinâmica da renovação, principalmente quando o lugar contemplado torna-
se alvo dos agentes produtores do espaço (SOUZA, 2006, p. 100).

Conforme a afirmação de Souza (2006), podemos entender a forma de como o


capital age (quase sempre como auxílio do Estado), que através desses “projetos
urbanísticos” (re)criam condições para que o capital possa se apropriar e (re)criar

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condições de ações dos agentes imobiliários em um futuro próximo. O processo de


valorização da área é irreversível, ocasionado quase sempre com a expulsão desses
“novos” moradores para outras áreas, já que sofrem com a pressão dos agentes
imobiliários para a apropriação daquele espaço para outros fins.
Neste sentido o que parecia ser um projeto de melhoramento e de habitação
digna passa a ser um instrumento de sobrevalorização daquele espaço para aquisição de
grupos imobiliários e que o tornaram fins para outras formas de uso do solo 8. Além do
mais, muitos desses moradores que receberam seu imóvel na primeira etapa, não
dispõem de renda alguma, ou pelo menos minimamente de alguma fonte de renda, estão
vendendo ou comercializando seus imóveis para adquirir outros imóveis em locais mais
afastados do centro, ficando com algum recurso na transação.
Conforme a afirmação de Carlos (2001, p. 83):
A dinâmica de reprodução das cidades (Renovação Urbana) se consolida através da
substituição do espaço de uso pelo espaço de troca. Este processo provoca
antagonismos profundos nas relações sociais. A vida cotidiana, nestes espaços, é
alterada de forma brusca e são poucos moradores que conseguem acompanhar estas
transformações. São poucos os que conseguem se adaptar ao novo cenário, onde o
tempo lento (tempo da memória social, das relações sociais) é substituído pelo
tempo rápido ou tempo da velocidade, no qual a morfologia da cidade se
transforma pelas mudanças bruscas ou não.

Percebe-se explicitamente que há uma clara tendência e política pública de ação


na orla de Belém para apropriação pelo capital, através de ações que visam o
“embelezamento” da área para posteriormente sua valorização em prol do turismo e do
lazer. Nos últimos anos (TRINDADE JR., 1998) a orla de Belém recebeu diversas ações
por parte dos poderes público estadual e municipal com espaços: Estação das Docas,
Casa das Onze Janelas, Mangal das Garças, Ver-o-Rio e o Projeto Feliz Lusitânia. O
projeto urbanístico na Vila da Barca segue essa lógica de reprodução do capital e o uso
do solo urbano na orla de Belém.
Utilizando-se do discurso do desenvolvimento, o Estado ratifica seu poder sob o
espaço e passa a mediar os interesses da classe dominante. Logo, é necessário
desobstruir as pedras que se encontram no meio do caminho; é preciso remover os
entulhos (palafitas) que enfeiam a orla; é preciso dar continuidade ao “embelezamento”
da cidade; é preciso arrumar a casa para receber o turista, para que este viaje com uma
boa impressão e, posteriormente, retorne à cidade.

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

8
Sobre esse assunto ver: Trindade Jr. (2000; 2002), em que o referido autor desenvolve uma ampla
pesquisa sobre o processo de apropriação por questões econômicas da orla da cidade de Belém. Em um
segundo momento o autor analisa a forma de uso do solo da orla de Belém por outra perspectiva: a ação
de agentes imobiliários, que através de ações do Estado criam condições de valorização dessas áreas
através de projetos de infraestrutura e de habitação que criam condições para novas formas de uso do solo
na orla de Belém. Atualmente percebe-se que a orla da cidade está sofrendo um processo de
“revitalização” através de espaços públicos e aquisições de grandes grupos econômicos que irão investir
na expansão do mercado imobiliário naquela área.
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No presente texto procurou-se analisar a constituição de uma ZEIS na orla de


Belém, especificamente na ocupação Vila da Barca e os desdobramentos que essa forma
de produção do espaço pelo Estado pode acarretar, não só para aqueles moradores, mas
para cidade como um todo. A constituição de uma Zona de Interesse Social deve
contemplar regularização, melhoramentos, condições de inclusão de cidadãos na cidade,
que em seu caráter capitalista, exclui e reproduz desigualdades cotidianamente.
Com o processo de valorização da orla de Belém, de que forma a ZEIS poderá
conseguir manter sua proposta inicial: condição digna de moradia e inclusão cidadã?
São questões que esse artigo pode não ter dado conta de responder, primeiramente pela
complexidade da questão, segundo pela própria dinâmica do capital e seu processo de
apropriação do solo urbano.
Neste sentido, constatou-se que as intervenções que serão efetivadas pelo Poder
Público promoverão na área da Vila da Barca, processo dinâmico de renovação
intraurbana. Isto intensificará o processo de segregação sócio-espacial, já que a
dispersão dos moradores residentes, neste espaço, será inevitável. Neste sentido, pode-
se verificar que o projeto não considerou a totalidade dos moradores residentes na área,
o que por si só pode conduzir a um processo de segregação na área (VILAR, 2008).
Assegurar a permanência dos moradores da Vila da Barca, no seu local de
origem, após o processo de renovação urbana, é hoje a principal luta que deve ser
travada no espaço público belenense, não apenas pelos moradores da área, mas por
todos aqueles que acreditam que é possível efetivar de forma coletiva, uma maior justiça
social nas cidades, sem, contudo perder de vista os fatores econômicos e políticos que
regem o país, em seus mais diferentes níveis de escala.

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