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marxista Antonio Negri e o triste fim do Arnicos “operarismo” italiano MARIA TURCHETTO * Nao € dificil, 2o menos na Itélia, encontrar um acordo linglifstico sobre 0 termo “operarismo”. Nao hé dtividas sobre as principais revistas em torno das quais formou-se este filso de pensamento nos anos 60 € 70 (Quaderni Rossi, Classe Operaia, Potere Operaio), nem sobre 0s autores que so os seus principais expoen- tes (Raniero Panzieri, Mario Tronti e Antonio Negri tém sem diivida uma destaca- da posigo sobre muitos outros que deram também contribuigdes muito impor- tantes!), Sobretudo, é impossivel nao reconhecer um “operarista” quando se en- contra com um deles: hd quarenta anos de seu nascimento (que considero coinci- dir com a publicagio do primeiro nuimero dos Quaderni Rossi, em junho de 1961), 0 “operarismo” sedimentou-se em mentalidade, atitude e léxico. De fato, nao obstante desenvolvimentos, corregbes, viradas e varidveis te- nham j4 produzido em seu interior uma variedade de posig6es, o “operarismo” manteve, sendo uma auténtica coeréncia te6rica, a0 menos uma fisionomia bem definida, Alguns assuntos de fundo, tornados com o passar do tempo, verdadeiros cacoetes, 0 uso de certas passagens de Marx (0 fragmento sobre as maquinas dos a ar *Professora do Departamento de Estudos Historicos da Universidade de Veneza, presidente da Asso- ciagéo Cultural “Louis Althusser” e integrante do Conselho de colaboradores internacional de Cri- tica Marxista. E-mail: turchetto@interfree.it A tradugio que publicamos ¢ de autoria de Guilherme Cavalheito Dias. + Concordo, neste sentido, com Damiano Palano, “Cercare un centro di gravith permanente? Fabbrica, societa, antagonismo”. Intermarx. Rivista virtwale di analisi e critica materialisea, leep:I! wwww.intermarx.com/. Neste ensaio, 0 autor, que co-divide wlguns pressupostos do operaricmo mes- ‘mo tomando-0s criticamente, apreseata o percurso do operarisme propondo uma boa sintese ¢ um interessante balango. 84 © ANTONIO NEGRI E O TRISTE FIM DO “OPERARISMO” ITALIANO, Grundrisse, citagao jé ritualizads?), alg-umas “palavras-chave” (general intellect, com- posigo de classe, autonomia) funciona ainda hoje como um forte dispositivo de reconhecimento. Dispositivo talvez meris lingtiistico que teérico, mais evocativo que realmente propositivo, e que todavia serve de referéncia a varias tendéncias daquilo que foi o “movimento” (outra palavra-chave) dos anos 70. Hoje, o “operarismo” italiano é sobr'etudo uma referéncia, empobrecida, uma coleta de palavras que tem a aparéncia de tima teoria e que agrega unidade e iden- dade aparente a posig6es confusas, refém de modas culturais ou da nostalgia. Todavia, essa resistencia, essa capacidade de sobreviver e de oferecer um pensa- mento diverso nos tempos negtos do pensamento Unico, sinalizam uma forga ori- ginditia que € levada a sério. Os anos 60: 0 “operdrio massa” Entio, partamos das origens: os anos 60, anos da experiéncia dos Quaderni Rosi e do grupo de jovens tedricos (Panzieri, Tronti, Alquati) que animam esta revista. Os.anos 60 véem as organizagées histdricas da classe operdria submissas & idéia ortodoxa do progressivo “desenvolvimento das forcas produtivas”, motor do caminho da humanidade para o comunismo, provisoriamente barrado pela “anar- quia do mercado” e deformado pela infqua distribuigao da riqueza social que ca- racterizam o capitalismo. Esta idéia, que entende 0 capitalismo como propriedade privada e mercado ¢ os contrapde um socialismo entendido como propriedade publica e planificagéo, comporta a aceitagao substancial da organizagao capitalista da produgéo. A elaboragéo de Raniero Panzieri pée algumas premissas tedricas decisivas para uma critica radical desta proposig&o, colocando seriamence em dis- cussio a visio apologética do progresso técnico-cientifico carateristica da tradigio marxista, Em “Plususvalore e pianificazione”, escreve: 2 Do “fragmento”, o trecho ritualmente citado é o seguinte: “O roubo do tempo de trabalho alheio, sobre o qual se apéia a riqueza odierna, apresenta-se como uma base miserivel com relagio & nova base que foi criada pela mesma grande indiscria, No apenas o trabalho em sua forma imediata deixou de ser a grande forma da riqueza, o tempo de trabalho deixa de ser e deve deixar de ser a sua medida, e assim o valor de troca deixa de ser medida do valor de uso. A mais-valia da massa deixou de sera condigio do desenvolvimento da riqueza geral, assim como 0 nZo-irabalho de poucos deixou de ser condigio do desenvolvimento das forcas gerais da mente humana. Com isto a produgio bascada sobre o valor de troca arruina-se, ¢ 0 processo de produgio material imediato perde também a forma da miséria e de antagonism, (...) 0 livre desenvolvimento da individualidade...” (K. Marx, Lineamenti fondamentali della critica dell economia politica, Plorenga, La Nuova Italia, 1978, vol. Il, p. 401.) Para quem hoje se identifica com o operarismo, este breve texto representa a referéncia de Marx mecessdria cc suficientes é tudo © que se precisa saber de Marx. CRITICA MARXISTA © 85 Diante do encontro capitalista de técnica e poder, a perspectiva de um uso alternative (operitio) das méquinas nao pode, evidentemente, fundar-se na inversfo pura e simples das relag6es de produgio (de propriedade), concebi- das como invélucro que a um certo grau de expanséo das forcas produtivas seria destinado a cair simplesmente porque tornado muito restrito: as rela- ses de produgio esto dentro das forsas produtivas, estas sao “plasmadas” pelo capital’, Nessa perspectiva, a ciéncia, a técnica, a organizacao do trabalho vinham retiradas do limbo de um “desenvolvimento das forgas produtivas” racional em si mesmo e separado das determinages sociais, para se configurarem como local fundamental do dominio “despético” do capital‘. E bom sublinhar a importancia tedrica desta critica: a sua originalidade faz do “operarismo” italiano daqueles anos um ponto alto da elaboracdo marxista européia. De um lado, realmente, trata-se de uma verdadeira “revolugdo copernicana” no que diz respeito ao marxismo oficial de matriz na III Internacio- nal, de outro, nao segue as vias “filosdficas” (o humanismo, como dir Althusser) da Escola de Frankfurt ¢ do chamado “marxismo ocidental”, até entao a tinica voz dissonante da ortodoxia no panorama europeu, estreitando bem mais os lagos com a luta operéria. A reviravolta de Panzieri conduz, antes de mais nada, a reavaliar algumas partes das andlises marxianas largamente negligenciadas pela tradigéo martista. Nao somente 0 jé citado fragmento sobre as m4quinas dos Grundrisse, destinado a se tornar nos anos subseqiientes “O texto” por exceléncia®; mas também (e sobre- tudo nessa fase) as temdticas da IV segao do Livro I de O Capital e 0 Capitulo VI inddito. Algumas categorias fundamentais utilizadas por Marx nas andlises da in- distria mecanizada (os conceitos de subsuncao formal e subsungao real do traba- Iho ao capital, a idéia de expropriagio “subjetiva” dos produtotes em relagdo &s “po- usvalore e pianificazione. Appunti di leccura del ‘Capitale™, in: Quaderni Rossi, n° 4, 1964; depois in: S. Merli (Org,), Spontancita e organizeazione. Gli anni dei "Quaderni Rossi* 1959-1964. Pisa: BFS Edizioni, 1994, pp. 54-55. “ As duas faces do capital, para Panzieri, sio “despotismo (plano) na fabrica” e “anarquia na socieda- de” (idem, p. 55). +O fragmento vem citado pela primeira vez por Panzieri em “Plusvalote e pianificazione” e publica- dono mesmo niimero 4 dos Quaderni Rossi na tradugio de Renato Solmi. Talver seja o caso de notar que Panzieri assinala em nota como o “modelo de ‘passagem’ do capitalismo direramente 20 comu= nismo” delineado no fragmento est em contradigg0 com “numerosos trechos do Capical” (idem p. 68, in nota). 86 * ANTONIO NEGRI E O TRISTE FIM DO “OPERARISMO” ITALIANO réncias mentais da produgio” etc.) so recuperadas ¢ aplicadas ao estudo do “neocapitalismo” e da flbrica fordista® ‘Abre-se a perspectiva para a idéia de que a expressto “modo de produgéo” empregada por Marx deve ser tomada muito mais ao “pé da letra” do que tenha feito o marxismo tradicional e, a partir dessa interpretagio, as modalidades con- cretas pelo qual o trabalho é contingenciado dentro de uma organizagao tendo como objetivo a extragao de mais-valia passam a ser 0 coragio do problema. Por- tanto, o capitalismo nao coincide com a propriedade privada ¢ com 0 mercado, mas 6, antes de mais nada, um tipo de organizagao do trabalho que encontra plena expresso nos cinones do taylorismo e do fordismo. ‘Nem se trata apenas de um “retorno” a Marx, pois que a instrumentalizagio analitica reencontrada nos textos marxianos serve, acima de tudo, para ler os pro- cessos em realizagio na Itélia — 05 efeitos do desenvolvimento econdmico do pés- guerra e da migragio do sul para as capitais do norte — para desenvolver novas € originais categorias interpretativas. Nascem aqui os conceitos de “composigéo de classe” e de “operdrio massa”, destinados a se tornar palavras-chave nos sucessivos desenvolvimentos do operarismo (mas também a ser amplamente acolhidos fora do Ambito marxista) e j& presentes num ensaio de Romano Alquati sobre forga de trabalho na Olivetti’ de Ivrea®. O “operdrio massa’ ¢ 0 novo sujeito produtor do “neocapitalismo”, tecnicamente desqualificado com relagio & figura precedente do “operatio especializado”, é “subjetivamente expropriado”, “realmente subordina- do” ao capital, erradicado socialmente ¢ politicamente privado de tradigio. Toda- via, € considerado portador de uma fortissima potencialidade de conflito. A “com- posigdo de classe”? quer exprimir 0 nexo entre caracteristicas ronicas, objetivas, que a forca de trabalho apresenta em um dado momento histérico pela sua coloca- (fo na organizacao capitalista do processo produtivo, e aquelas que sio, diferente- mente, suas caracterfsticas politicas, subjetivas: de fato, a sintese desses aspectos determinam o potencial da luta de classe. © Cf. Raniero Panzieri, “Plusvalore e pianificazione”, pp. 47-54. 7 Romano Alquati, “Composizione organica del capitale ¢ forza-lavoro alla Olivetti”, is Quaderni Rossi, n® 2, 1962, pp. 63-98. De maneira oportuna, Palano nota a ampla aquisigéo, nos anos 70, da categoria de “operério massa”: “AS ironias sobre ‘sociologismo idealista do operaio massa’, depois da explosio de conflitos dos anos setenta, deixaram lugar a uma verdadeira aceitagio daquela abstracio também da parte das cincias sociais oficial, dando espaco a uma espécie de legitimagao da velha heresia.” (Damiano Palano, “Cercare un centro di gravita permanente?”, op. cit). ® Cidade poucos quilémetros ao Norte de Turim. N. doT. 9 No original, “operaio di mestiere”. N. doT. 1 Este conceito imita claramente o conceito marxiano de “composigio orginica do capital” como sintese de “composigio técnica” e “composigao de valo:". CRITICA MARXISTA ® 87 Essa elaboragao tedrica encontra um referencial preciso na prética da luta de fabrica dos anos 60. Sao os anos nos quais se forma uma forte oposicgo contra a linha sindical oficial direcionada na defesa da “profissao” operétia, linha que tinha se consolidado nos anos 50 como tentativa de defender a forga de negociacio com as lutas do primeiro pés-guerra. Os limites dessa batalha defensiva, que se baseava sobre uma no problematizada identificacéo da “profissio” com as “qualificagoes” ditadas pela organizacao capitalista do trabalho, emergem quando esta tiltima é grandemente alterada pela introdugao em larga escala dos métodos tayloristas das linhas de montagem. Diante destas transformagGes, que so acompanhadas pela insergao de milhares de jovens sulistas enquadrados como operirios comuns, 2 palavra de ordem da “profissao” se transforma cm instrumento que enfraquece € divide a classe operdtia, defende posigbes adquiridas de um contexto produtivo que nfo existe mais na realidade, termina forcosamente com uma alianga entre as novas filosofias empresariais que defendem a colaboracio entre trabalhadores € empreendedores ea integracao do trabalhador na empresa. Como escreve Panzieri, na posicéo oficial do sindicato. A substdncia dos processos de integracéo é aceita, reconhecendo-se neles uma necessidade intrinseca que surgiria fatalmente do caréter da producéo “moderna” (...). Nem mesmo se suspeita de que 0 capitalismo possa servir-se das novas “bases técnicas” oferecidas pela passagem dos estigios precedentes aquele de mecanizacao estimulada (c automagio) para perpetuar e consoli- dar a estrutura autoritéria da organizagio fabri”. A destnistificagao da palavra de ordem da “profissio”, a retomada dos temas da alienagio e da desqualificagéo do trabalho, o processo que individualiza a ho- mogeneizaco do proletariado por baixo e os fendmenos que neles esto acoplados tém nessa fase um evidente uso pratico. O instrumento de pesquisa, no qual o gtupo de Quaderni Rossi acredita fortemente, ajuda seu trabalho nesta direcao conjuga elaboragao tedrica com pesquisa de campo. Esse “operarismo” das origens — em substincia, a elaboragio dos primeiros Quaderni Rossi — parece ter as credenciais para ser uma boa teoria: uma teoria que possui um forte catalisador critico, que produz instrumentos analiticos e que ori- enta a prixis, " Ranicro Panzieri. “Sull'uso capitalistico delle machine nel neocapitalismo”, in: Quaderni Rossi, n® 1, 1961. Publicado também em “Spontaneita e organizzazione”, p. 30. 88 * ANTONIO NEGRI E O TRISTE FIM DO “OPERARISMO” ITALIANO Fabrica e sociedade A onda de lutas operdtias que culmina no “outono quente” de 1969 parece fornecer as premissas tedricas do operarismo uma extraordindria confirmagio. O “operdtio massa” dé prova no somente de sua prépria existéncia, mas igualmente de sua acalentada poténcia conflitual. E uma figura socialmente real ¢ um sujeito poli- ticamente forte, capaz de se colocar como ponto de referéncia para os outros movi- mentos que naqueles anos se exprimem na sociedade. Mais do que isso, o “operério massa” poderia tornar-se a vanguarda de um movimento revolucionério italiano. Na verdade, sobre o nexo entre as lutas de fbrica ¢ o projeto revolucionario jéexistiam divisdes no interior de Quaderni Rossi. Em julho de 1963, Tronti, Negri, Alquati ¢ outros saem da redagio de Quaderni Rossi para dar vida, no ana seguinte, a revista Classe Openiria. A propésito dessa ruptura, com alusao critica & posi¢go de Tronti, Panzieri escreve: Um aspecto importante na situagao atual é 0 perigo de trocar de modo imediato a “feroz” critica implicitae freqiientemente explicita nos comportamentos operdtios as organizagées. (..) por uma imediata possibilidade de desenvolvimento de uma estratégia revolucionéria global, ignorando o problema dos contetidos espectficas e dos instrumentos necessétios & construcio de tal estratégia', A continuidade institufda por Tronti entre lutas operdtias ¢ revolugao, contes- tada por Panzieri, funcionava em dois sentidos: de um lado, a peculiar teoria do nexo entre fabrica e sociedade que este autor propunha jd no ensaio “La fabbrica ¢ la societi” que representa 0 né central de toda a sua elaboragio; de outro lado, a ida de que a légica da fAbrica estende-se progressivamente a toda a sociedade, idéia em boa medida compartilhada também por Panzieri e destinada a ser co-dividida, mesmo com diversas diferengas, por todos os sucessivos desenvolvimentos do operarismo. Segundo Tronti, entre fabrica e sociedade coloca-se antes de mais nada uma relacao de oposigéo: a verdadeira contradicao do capitalismo, para este autor, nao é aquela entre “forgas produtivas” e “relag6es de producio” teorizada pelo marxismo ortodoxo, mas aquela que opée 0 “proceso produtivo” que se desenvolve na fabri- caao “processo de valorizagao” que se desenvolve na sociedade'*. Na sociedade, 2 ® Raniero Panzieri. “Spontancita ¢ organizzazione”, pp. XLVII-XLVII. 8 Mario Tronti. “La fabbrica e la societa", in: Quaderni Rossi, n* 2, 1962. Publicado também em Mario Tronti. Openti e eapitale. Tarim: Einaudi, 1971. ¥ Com um uso discutivel da terminologia marxiana, ‘Tronti entende por “processo produtivo” a esfera da produgio por “procesto de valorizagio” a ecfera da circulagéo das mercadorias ¢ do dinheiro. CRITICA MARXISTA © 89 forca de trabalho apresenta-se como valor de troca: nesse papel, o trabalhador é vitima do mercado, atomizado, inofensivo, consumidor passivo, incapaz de de- senvolver qualquer resisténcia ao capital. Na fabrica, inversamente, a forga de tra- balho € valor de uso: enquanto tal, mesmo adquirida pelo capitalista, nao cessa de pertencer ao mesmo trabalhador que, nessa base, conserva a prépria capacidade de ser um antagonista e, inserido no mecanismo da produgéo cooperativa, a desen- volve em formas de acéo coletiva. Somente a fébrica, portanto, produz antagonismo. Se isto é verdade, um pro- blema de estratégia revoluciondria mais complexa em relacao & espontaneidade das lutas de fabrica, como aquele projetado por Panzieri na citagao precedente, nem sequer € colocado. Por exemplo, nao se apresenta o problema de ligagio entre lutas operirias e outras formas de protesto emergentes da sociedade, Como nota Palano: O esquema de‘Tronti nfo deixava nenhum espaco A comunicagio teciproca das lutas entre fabrica e sociedade: (...) os conflitos que tinham agentes nao assalariados fora dos setores da produgao imediata — em primeiro lugar os estudantes — somente poderiam ter um papel de simples sustentacio ideol6- gica ou de suporte organizativo”. Na formulagéo trontiana, diziam, o problema da ligagao entre lutas de fabri- ca ¢ lutas sociais nao se coloca. Por qué? Simplesmente porque ele @ priori esté resolvido, O desenvolvimento capitalista, de fato, estende-se progressivamente da fabrica a sociedade, “fabrica” a sociedade"®, Assim, a oposicao incial entre fabrica e sociedade é destinada a se resolver na prevaléncia do primeiro termo sobre o se- gundo. Como tinha jé dito Panzieri: “Quanto mais se desenvolve 0 capitalismo, tanto mais a organizagio da produgao estende-se & organizago da sociedad”, Tronti reforca: Ao nivel mais alto do desenvolvimento capitalista, a relagio social torna-se um momento da relagdo de produgio, a sociedade inteira torna-se uma arti- culagio da produgio, isto é, toda a sociedade vive em fungao da fabrica ea fabrica estende o seu dominio exclusivo sobre toda a sociedade'*. * Damiano Palano, “Sogni incubi visioni. Immagini della politica nella crisi della societa del lavoro”, in: Michel Hardr, Antonio Negri e Damiano Palano. Sogni incubi visions, Politica e conflict nella crisi della societa del lavoro. Milao: Lineacoop, 1999, p. 60. 4 expressio é de Palano, ef: “Sogni incubi visioni”, p. 57. ” Raniero Panzieri, “Plusvalore e pianificazione”, p. 68. * Mario Tronti, “La fabbrica e la societa”, p. 51. 90 * ANTONIO NEGRI E O TRISTE FIM DO “OPERARISMO” ITALIANO. Na realidade, a semelhanga geral das formulac6es citadas esconde diferencas significativas. Para Panzieri, a extensio da Idgica da fibrica & sociedade consiste fandamentalmente no crescimento dos aspectos da planificagio econdmica que caracterizam 0 “neocapitalismo” em relagao as fases precedentes mais “andrqui- cas”, Deste ponto de vista, Panzieti acaba filiado ao marxismo ortodoxo que lé 0 desenvolvimento histérico do capitalismo como uma sucesséo de “estdgios” nos quais o primeiro, representado pelo capitalismo de concorréncia, é seguido por formas sempre mais “teguladas”: 0 capitalismo mono-oligopolistico primeiro, na época em que é teorizado por Lénin e Kautsky, ¢ 0 “capitalismo planificado” (con- ceito nao diversci daquele de “capitalismo monopolista de Estado” empregado pelo marxismo oficial) na época contemporinea. A tinica critica, feita com freqiiéncia naqueles anos & formulagio tradicional, consiste em negar que, nesse desenvolvi- mento em estégios, possa ser identificado um “estégio final”: A planificagao autoritéria como expresso fundamental da lei da mais-valia e a tendéncia & sua extensio & produgio social so intrinsecas ao desenvoly mento capitalista: na fase atual, esse processo surge com maior evidéncia, como aspecto distintivo da sociedade capitalista, em formas que s4o irreversiveis. Naturalmente, isto nao significa que haje se realize o “estdgio final” do capitalismo, expresso ademais, sem sentido”, Em todo caso, permanece fundamental (...) a capacidade do sistema capitalista em reagir 4s con- seqiiéncias destrutivas do funcionamento de certas “leis”, passando a um estégio “superior”, introduzindo novas leis, destinadas a gatantir a sua continuidade”, Na formulagéo de Tronti, a idéia da progressiva “fabricagao” da sociedade tem, bem entendida, um significado diverso: nao indica tanto 0 aumento de regu- ago e planificagao, quanto a crescente funcionalidade de esferas de aco social diferenciadas da produgio. Os dois autores, com formulagées aparentemente si- milares, indicam fenémenos diversos: em Panzieri, a idéia de “plano” que da fibrica se estende & sociedade refere-se, substancialmente, ao fendmeno da crescente con- centracao capitalista ¢ aos seus efeitos (com tons que evocam algumas vezes 0 “superimperialismo” de kautskiana meméria)", em Tronti, a idéia da extensio da " Raniero Panzieri, “Plusvalore e pianificazione”, p. 70 (in nota). * Idem, p. 69. *" Thidem, pp. 57-70. CRITICA MARXISTA © 91 fibrica alude, de modo diferente, principalmente ao fendmeno da crescente terciavizagio (= expansio do setor de servigas, isto é, tercidtio) da economia. Con- tra a interpretagio moderada corrente, que entende o crescimento do setor de empregados e de servigos como aumento das classes médias ¢ consegiiente dimi- nuigio da classe operdria, Tronti vé em tals processos a “(...) transformagio de todo trabalho em trabalho industrial”; xé, portanto, a generalizagao da relagio de trabalho assalariado, a proletarizagio de vastas camadas da populacio, a sub- missio direta as exigencias da produgio de setores tradicionalmente considerados improdutives. © fundamento tedrico desta andlise reside numa leitura “hegeliana” de algu- mas indicagoes:contidas na Insredugdo tle 1857 de Marx, onde a produgao pode ser considerada, de um lado, como momento “particular” junto a outros momen- tos particulares do processo econdmico (distribuiigao, troca, consumo) e, de outro Jado, como momento “geral” que “(...) comporta e supera tanto a si prépria (...) quanto osoutros momentos.” Tronti interpreta esta passagem néo como distin- $40 conceitual, mas como processo histbrico™: com.a ocorténcia do desenvolvimen- to capitalista, a ptodugao engloba progressivamente os outros momentos do pro- cesso econémico, no qual era originariamente distinca: Quanto mais avanga o desenvolvimento capitalista, quanto mais penetra ese estende a produgao de mais-valia relativa, tanto mais necessariamente encer~ ra-se o circulo produgio-distribuigéo-troca-consume, tanto mais, faz-se or- gAnica a relagdo entre producio capitalista e societlade burguesa, entre fibri- cae sociedade, entre sociedade e Estado”. Esta interpretagao é decisiva para os desenvolvimentos posteriores do operarismo. De fato, é dessa premissa que nasce a idéia de “operério social”, uma forte intuigio, mas, também, uma fonte de equivoces ¢ sobretudo, em suas con- clusées derradeitas, uma fuga da realidade. Se a Fabrica engloba a sociedade ¢ es- tende para onde quer que sejaa sua propria légica, se 0 proceso social é, desde jd, % Mario Trond, “La fabbrica ela sociend”, p. 53. 2 Karl Marx, Jntroduzione a Perla critica dellconomia politica, Roma: Editori Riuniti, 1974, p. 187. 4 Nisto consiste o “hegelianismo” do qual dizi is discuttvel, na medida em que a mesma Introdugio de 1857 contém aadverténcia ~ explicitamente dirigida por Marx em relagio a Hegel —a anto m nfo confundir“o modo pelo qual o pensamento se apropria do concreto” com “o processo de formagio do mesmo concreto”: “é por isto que Hegel caiu no erro de conceber o real como o resultado do pensamento” (K. Marx, Jntroduzione, p. 189). % Mario Tronti, “La fabbrica ela societ3”, p. 51. 92 © ANTONIO NEGRI £ O TRISTE FIM DO “OPERARISMO® ITALIANO. int egrado num tinico ¢ organico processo de produgio-reproducao, entio todos 0s membros subordinados da sociedade fazem parte de um complexo “operério so: cial” contraposto a um capital que encarna todo “comando”” Os anos 70: “operdrio social” Em todo caso, nao seré Tronti que tirarard essas conclusdes. A categoria de “ operdrio social” toma forma nos anos 70, tempos de crise, da reestruturagao ¢ da 1 epresso politica, Esse conceito est4, sobretudo, no centro da elaboracio de Anto- nio Negri. Antes de mais nada, vejamos 0 novo contexto. Depois de 1973, 0 ciclo de lutas operdtias entra em fase descendente. O espectro da recessio econémica, que se torna evidente com a crise do petréleo, funciona como potente instru- mento de chantagem para forcar passagem a uma nova reestruturagéo produti- va. As novas tecnologias de informatica e eletrénicas nao estao ainda no hori- zonte ou mal comegam a surgir; das virtudes do “modelo japonés” ainda nao se fala; aquilo que no momento se projeta é uma reestruturagio compreendida sobretudo como racionalizagao e redimensionamento das estruturas produtivas existentes, com um pesado prego a se pagar em termos de salério e de ocupacao paraa classe operdria. A reestruturagéo, dentre outros pontos, redefine um siste- ma de atribuicao ¢ qualificagées (o chamado “Enquadramento tinico” da FIAT é emblemético) que desmancha o igualitarismo das lutas dos anos 60 ¢ devolve félego a velha linha sindical de defesa da “profissio”: esta tiltima, de uma fungio defensiva passa a ter um valor marcadamente reacionario, tornando-se 0 veiculo por onde passa una nova divisive operdtia ¢ subretudy para obter « mobilidade da forca de trabalho. Junto com os processos que acompanham a reestruturacao — reorganizagio de segées, mobilidade, demissdes — passam, naturalmente, a eliminaggo dos quadros operirios mais ativos, a “normalizacao” das segoes mais turbulentas, em uma palavra, o que podemos definir como uma consciente “de- composigio de classe”: o desmantelamento séenico das antigas ordens produtivas ao mesmo tempo desmantelamento politico da forca operéria conquistada no ciclo de lutas precedente. No plano politico mais geral, as organizagées histéricas da esquerda conti- nuam figis & velha idéia ortodoxa do “desenvolvimento das forgas produtivas”. Mais do que isto, o proletariado é chamado a desfraldar a bandeira da “produtivi- dade” deixada de lado por uma burguesia cada vez mais “parasitaria”. O PCI da- queles anos defende essa ideologia até a aceitagio integral de varios aspectos do capitalismo, compativeis com 0 projeto politico do partido até palavra de ordem da “alianga de produtores” (classe operiria e “capital produtivo” contra as chages parasitdtias do capitalismo), da “austeridade” e da “linha dos sacrificios” que tanta CRITICA MARXISTA © 93 responsabilidade terio na pesada derrota operdtia dos anos 80". Ainda mais grave éacumplicidade do PCI com a estratégia de criminalizagio do dissenso que chega em fins dos anos 70 através das leis especiais que surgem apés 0 caso Moro. O terrorismo € 0 dlibi para reprimir tudo aquilo que se move fora da esquerda parla- mentar, O Poder Operdtio ¢ outros movimentos que se filiam as posigées do operarismo sio as principais vitimas. Neste clima, 0 complexo operarista divide-se em duas linhas que, na tentati- va de responder & crise, tornam-se verdadeitas formas de escapismo: inicialmente, faga para outras realidades, diferentes da fabrica; mais tarde, fuga da propria reali- dade, através de dimensées sempre mais ut6picas ¢ imagindrias. A primeira linha é aquela tomada por Tronti: a “autonomia do politico”. Diante de crescentes dificuldades ¢ da previsivel paralisagao das lutas operdrias, Tronti corta 0 né gérdio da relagéo fibrica-sociedade atribuindo ao Estado uma imprevista “autonomia” em relagio a sociedade. Trata-se de reavaliar a acéo politica com relagao & ago reivindicativa ¢ de retomar o terreno do Estado onde o “partido operdrio” (também cle “relativamente” auténomo com relacéo 4 classe) podia con- seguir as conquistas das lutas de fabrica no nivel institucional. A linha da “autono- mia do politico” tem vida breve ¢ serve sobretudo para conduzir uma parte dos militantes ¢ dos tedricos operaristas (Cacciati, Asor Rosa, para lembrar os nomes mais ilustres) para a seguranga da politica parlamentar e da academia oficial. O resultado dessa znaigio dos sacerdotes” em massa foi a extingao de qualquer veleida- de revolucionéria e de toda originalidade teérica. Allinha tomada por Negri, aquela do “operério social”, revela-sea mais dura- doura, O nascimento desta nova categoria, destinada a suplantar a categoria de “operirio massa’, em geral é atribuida ao ensaio “Crisi dello Stato-piano” de 1971. mas com certeza a idéia se define principalmente na segunda metade dos anos 70. Nio obstanteo termo “Estado-plano” evocar 0 “capitalismo planificado” de Panzieri, a claboracao de Negri € bem mais préxima de Tronti com relagio a tema da * Q ano de 1980 apresenta uma reviravolta nas telagées de forca entre as classes. Na Fiat, hi o ancincio de 14.469 demissoes. Entre 1980 e 1986 a ocupagio cai 40% enquanto a produtividade aumenta, no mesmo perfodo, mais de 50% (cf. G. Bonazei, Lasciare la fubbrica: casa integrazione e mobiitte negli ‘anni Ottanta, Milio: Feltrinell, 1989, pp. 34 ess). ”” No original “tuhison des clers”. N. do T. % Assim Palano, Ceraare un centro di gravit: permanente? ¢ F. Berardi, La nefista weopia di Potere operaio, Lavoro tecnica movimento nel laboratorio politico del Sessantorto italiano, Roma: Castelvecchi- DeriveApprodi, 1998. O ensaio de Negri, “Crisi dello Stato-piano. Comunismo ¢ organizzazione rivoluzionatia”, foi publicado primeito ua vevista Pusere Operaiv, n° 43, 1971 e, depois, Felzrinelli — Milo, 1974. 94 © ANTONIO NEGRI E O TRISTE FIM DO “OPERARISMO” ITALIANO.

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