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PUC-SP
Wojciech Mittelstaedt
São Paulo
2017
Pontifícia Universidade Católica de São Paulo
PUC-SP
Wojciech Mittelstaedt
São Paulo
2017
Banca Examinadora
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A conclusão de meu programa doutoral e desta
tese não seria possível sem a bolsa integral de
estudos CAPES - PROSUP/SP por meio da
FUNDASP, no período de 01/04/2014 a
31/03/2017, conforme contrato: 1301696.
AGRADECIMENTOS
Agradeço:
A Deus;
As pessoas da Fazenda da Esperança - fundadores, diretoria, colaboradores,
responsáveis e acolhidos;
Ao meu orientador Prof. Edenio Valle, aos professores do programa Ciência da
Religião e a querida secretária Andreia;
Aos amigos e colegas do grupo de pesquisa Psicologia e religiosidade:
peculiaridades da PUC-SP;
Aos amigos e colegas do Instituto Acolher – ITA;
Aos meus confrades da Congregação do Verbo Divino e irmão Nelson, pela
correção do meu português;
Aos amigos da paróquia São Marcos Evangelista – Parque São Rafael;
A todos que me ajudaram realizar este projeto...
RESUMO
This research seeks to illustrate the specificities in the process of recovery from chemical
dependency in the therapeutic community of religious nature, where the religiosity is
encouraged and lived becomes the primary tool in the fight against the addiction. This study
wants to contribute to the recovery methods of the chemical dependents, showing that the
religiosity as a method of therapy. As the hypothesis was considered the religiosity as a
source of existential sense and psychological forces, with which the chemical dependent
has got a greater possibility to abandon the addiction and to protect himself better from a
relapse. Through the reports of the psychological care of four clinical cases during the
addiction treatment, the changes occurred during the time of treatment were analysed in the
religious and existential sense, through the methods of confrontation and life satisfaction.
To realise this purpose have introduced: the complexity of the problem of dependence on
psychoactive substances and those aspects of religiosity, which provide the existential
meaning and greater resilience. The transformations were examined in the light of the
concepts of religious experience, existential sense, conversion and theories of religious and
moral development. The character of the bond formed with God was evaluated by the
attachment theory. The particularities of a religious explication were considered according
to the theory of attribution. Those methods of confrontation to bring meaning, control,
spiritual comfort and closeness with others, were analysed by the coping religious theory
of Pargament. The elements of well-being and life satisfaction, such as positive emotions,
forces of character and positive relationships, were contemplated in the light of the concepts
of positive psychology. It has been verified that the religiosity transformations take to a
significant change of direction and develop positive psychological forces. In this way, this
research has verified the positive influence of religiosity in the recovery process, increasing
the resilience of dependent and supplying many protective elements.
INTRODUÇÃO .............................................................................................................. 12
PARTE I - REVISÃO DE LITERATURA .................................................................. 24
FE - Fazenda da Esperança
Quadro 5.2 - Casos classificados conforme os estágios da fé de Oser e Gmünder ....... 150
INTRODUÇÃO
A seguir, gostaria de justificar esta pesquisa, como parte das minhas inquietações
pessoais e modo de buscar as respostas mais objetivas possível para o melhor entendimento
das questões religiosas no processo de recuperação dos dependentes químicos.
dessas ferramentas? Como ajudar a usar a religiosidade da pessoa atendida sem ser
influenciado pela minha própria religiosidade?
Justificativa
Em busca das respostas dessas e doutras perguntas parecidas, resolvi ampliar o meu
conhecimento e divulgá-lo através da presente pesquisa, entendendo que esta tese poderá
contribuir significativamente na prática do trabalho de recuperação dos dependentes
químicos, ajudar os profissionais da saúde na compreensão da variedade da religiosidade
de cada pessoa, respeitando a e ajudando a usá-la como ferramenta. Espero que essa
pesquisa possa: (1) defender e justificar a inclusão da religiosidade, como autêntico método
terapêutico; (2) mostrar a religiosidade como forte recurso psíquico, que não deveria ser
desperdiçado na prática da psicologia clínica; (3) equipar tecnicamente os psicólogos a
respeito da religiosidade; (4) apresentar os aspectos da religiosidade, que a constituem
como força psíquica, e seus funcionamentos na luta pela abstinência dos dependentes
químicos; (5) fornecer novas fontes de estudo para a comunidade acadêmica.
Apresentação do problema
psicoativas, o autor insere esse aspecto no “modelo do princípio moral”, sobre o qual
descreve:
Modelo do princípio moral: relaciona o uso de drogas à condenação moral e ética.
Está associado, geralmente, a grupos religiosos ou movimentos políticos.
Atualmente, sua utilidade e pertinência têm sido negadas por profissionais da área,
havendo estudos que concluem serem os resultados contraproducentes, na maioria
dos casos (ibidem, p. 543).
Os estudos nessa área, feitos pela Organização Mundial da Saúde, associam a
religião a um discurso maçante que procura provocar no adicto a culpabilidade pelo uso de
drogas e todas as consequências desse ato. A OMS justifica a sua posição afirmando que
uma pessoa com problemas de abuso de substâncias químicas deve sempre receber apoio,
não deve ser ameaçada de punição ou subordinada, precisa evitar gerar nela os sentimentos
de culpa ou indignidade (HERREL, 1985). Nesse contexto, podemos nos perguntar:
Nas questões religiosas as mais importantes são as demandas morais? No modelo religioso
do princípio moral, existem só as questões ligadas à “autoculpabilidade”? Será que a
religiosidade sempre se manifesta como contrária a liberdade humana? São mais algumas
questões em que existem lacunas de respostas as quais investiguei mais profundamente na
minha tese.
Estado da arte
Quando, nos últimos anos, o tema da dependência química tomou as manchetes dos
noticiários em todo o país, começou-se a procura por resoluções urgentes. A ineficácia dos
métodos habituais, como compulsão e repressão trouxe um desapontamento e, do ponto de
vista prático, reparou-se a importância dos estudos que devem ser realizados. O desamparo,
diante dos problemas sociais causados pelos adictos, começou a abrir espaço para traçar
novos caminhos em busca das resoluções. Nesse âmbito, a divulgação da experiência das
instituições religiosas, no tratamento de vícios, deve abrir espaço para estudos que
envolvem o fator da religiosidade.
Objeto
Problema
Objetivo
Hipóteses
- Uma religiosidade firme e bem formada pode oferecer para o adicto um novo sentido
existencial e satisfação de vida e, assim, protege-o contra decisões que podem levá-lo à
recaída.
Método
O método de meu trabalho surge, partindo da experiência clínica, que procura a sua
explicação na teoria, e esclarecida, fundamenta os resultados na pesquisa eminentemente
clínica. Fiz uma pesquisa qualitativa a partir da análise de alguns casos clínicos, que escolhi
para representar as variedades de religiosidade dos adictos. Usei os recursos como
entrevista inicial, escuta terapêutica, observação, anotações, gravações, análise,
interpretação e avaliação dos dados.
Bases bibliográficas
Estrutura
Na segunda parte do trabalho, composta por capítulos três e quatro, são apresentados
os dados empíricos da pesquisa do campo, mostrando o contexto religioso da instituição,
o ambiente da comunidade pesquisada e estudo dos casos clínicos.
REVISÃO DE LITERATURA
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Capítulo 1
Muitas pessoas se perguntam: O que leva alguém a usar drogas? É impossível dar
uma resposta, generalizando as particularidades pessoais, até é muito difícil achar uma
única resposta para cada usuário. As nossas motivações são sempre muito complexas e mais
ainda quando estamos diante de uma tremenda ambiguidade, como no caso de uso da droga.
Nesse paradigma da complexidade, precisamos sempre preservar a singularidade das
situações, a subjetividade do sujeito e o seu sofrimento psíquico, sem deixar de considerar
a existência de particularidades sociais de cada indivíduo, como: família, escola, rede de
amigos, comunidade, participação nas instituições, redes sociais, etc.
O destaque das condições externas que podem influenciar para drogadição, leva a
dois outros modelos: sistêmico e de comportamento aprendido. No primeiro, a estrutura
social (familiar): os relacionamentos, equilíbrio, regras e metas contribuem
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Parece que podemos ter na mão uma resolução definitiva, é só criar as condições
favoráveis e tudo pode ser resolvido. Se fosse fácil assim, poderíamos resolver não só os
problemas de drogadição, mas também de violência, criminalidade, pobreza, fome e todos
os males que atingem a humanidade. Entretanto, precisamos lembrar que, primeiro, o ser
humano, com sua subjetividade, projeções, medos e desejos, não é uma máquina e não se
ajusta tão fácil, até através das mais acertadas intervenções; segundo, criar estas condições
na prática já é uma utopia. Todavia, a construção teórica é um passo muito importante para
explicar e procurar a resolução do problema.
Seria uma generalização muito grande, falar que todos procuram na droga uma
liberdade (e acabam por encontrar um aprisionamento). Porém, se se tratar a busca pela
liberdade como uma procura por uma escolha melhor, podemos concluir que essa procura
é sempre mais conturbada nas pessoas que, ou sentem que a escolha delas não é a melhor,
ou sentem-se presos à própria escolha, ou sentem que não têm escolha. Muitas vezes, o
dependente químico que passou pelo processo de recuperação, reconstruiu a sua vida e se
sente feliz.... Vai e recai. Não só por causa que sente a falta da droga, mas por causa que
começa a duvidar se esta escolha é dele mesmo, ou se é a melhor, ou sente que a escolha
dele de rejeitar a droga o prende demais... e busca na droga a mesma sensação de liberdade
que já experimentou.
Para algumas pessoas, com essa percepção da realidade, parece que não há saída,
ou seja, a melhor escolha é a fuga da escolha. E a fuga nas drogas também é uma escolha,
escolha muito parecida com a escolha da morte, pois nega-se de participar na realidade
vivida.
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Falamos de uso nocivo (abuso) quando alguém usa uma substância psicoativa de
um modo abusivo e, em consequência, provoca alguns danos para si próprio ou para os
outros. Existe uma diferença conceitual entre o uso nocivo das substâncias psicoativas e a
dependência dessas substâncias. O próprio uso de drogas, lícitas ou ilícitas, não
necessariamente é nocivo ou leva a dependência. Alguém pode tomar bebidas alcoólicas,
utilizar uma certa substância psicoativa, por exemplo no uso ritual, sem que isso prejudique
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a sua saúde (física e psíquica) ou provoque danos no ambiente social. Também alguém
pode ficar bêbado ou drogado e não ser uma pessoa dependente dessas substâncias. Por
exemplo, muitas pessoas abusam frequentemente das bebidas alcoólicas, mas não são
dependentes, pois não sentem uma falta significativa na abstinência.
Uso de uma substância psicoativa tem um efeito sobre o nosso estado psíquico e,
em consequência, no nosso comportamento. Os mecanismos neurobiológicos vão ser
apresentados mais para frente, nesse momento, vemos só os efeitos perceptíveis das
diversas drogas sobre o nosso organismo. Segundo o Centro Brasileiro de Informações
sobre as Drogas Psicotrópicas (CEBRID), as drogas, dependendo da sua interferência no
sistema nervoso central do organismo, são divididas em três grupos: depressoras,
estimulantes e perturbadoras.
muito usado nos rituais religiosos. Algumas drogas possuem efeito duplo, por exemplo,
ecstasy (derivada da anfetamina) possui tanto propriedades estimulantes como
alucinógenas.
Muitas vezes, usando uma substância química, estamos conscientes dos prejuízos
que isso pode causar. Por exemplo, motorista que toma uma bebida alcoólica, sabendo que
vai dirigir, está ciente que isso diminui o seu reflexo ou, pelo menos, calcula que pode ser
pego pela polícia, no entanto, decide se embriagar e depois dirigir um veículo. Em outras
circunstâncias, não percebemos os possíveis prejuízos. Por exemplo, alguém fuma muito
não acreditando que isso pode provocar câncer ou alguém não percebe que depois de beber
álcool se torna violento. Em todos os casos de abuso de substâncias psicoativas, elas se
mostram mais fortes do que a nossa percepção da realidade e dominam as decisões do
usuário. Cada vez que abusamos da droga, nós nos rendemos a ela, ou seja, ela ganha uma
pequena batalha contra a nossa consciência. Começamos a perder as batalhas, mas ainda
não estamos perdendo a guerra. Isso acontece na dependência.
fixos; 2. Saliência do uso, que prioriza droga acima de outras atividades; 3. Aumento de
tolerância – necessidade de ingerir maior quantidade de substância para obter o mesmo
efeito; 4. Sintomas de abstinência, resultantes de adaptação feita pelo cérebro, que
provocam diversas manifestações de sofrimento no caso de abstinência; 5. Alívio ou
evitação dos sintomas de abstinência pelo aumento do consumo; 6. Percepção subjetiva da
compulsão para o uso - não poder controlar o próprio hábito de uso, mesmo sabendo que
isso provoca grandes prejuízos; 7. Reinstalação após a abstinência – até após um período
prolongado de abstinência, a necessidade de uso emerge dando impressão de que é
irreversível (EDWARDS, 1997, p. 318)).
A dependência química pode ser compreendida como uma mudança nas diversas
regiões do sistema nervoso central (SNC), que surge em consequência direta do uso de
droga. Diante do uso de uma substância psicoativa o equilíbrio do sistema cerebral é
abalado, produzindo alterações que provocam gradativamente a dependência. Nessa visão,
entendendo como as drogas agem no SNC, podemos entender as alterações
comportamentais, o aumento progressivo do uso e as decorrências ambientais, para
estabelecer ações de tratamento.
Para apresentar explicação neurobiológica das drogas, fazemos uma revisão breve
sobre o funcionamento celular, sobre o sistema de recompensa cerebral (SRC), e
estabelecemos uma correlação entre as ações das principais drogas de abuso no SNC com
as alterações psicopatológicas delas decorrentes. Precisamos ter em vista que, o uso
repetitivo de drogas provoca uma instabilidade da função de recompensa cerebral, mediante
alterações nos mecanismos relacionados, apropriando-se dos circuitos antes estabelecidos
para o mecanismo de recompensa natural.
Até a mesma droga pode ter vários efeitos, dependendo do modo como é liberada
no organismo, da sua quantidade e do tempo de uso. Por exemplo, o derivado de cocaína,
crack, por ser uma droga absorvida pelos pulmões, precisa menos tempo para entrar na
corrente sanguínea do que a cocaína inalada, que entra no sangue através das membranas
nasais. A quantidade de dopamina liberada no uso de crack é maior num pequeno espaço
de tempo e por isso a sensação de prazer é mais intensa e sua falta mais sentida. Mascar
uma folha de coca desperta o ânimo e a força, sem levar a dependência.
uma pessoa doente, então o que precisa ser tratada é a doença, sem necessidade de
participação ativa do doente, e nesse caso pode ser visto como uma pessoa que continua
doente porque não quer se tratar. Ou ele é considerado uma pessoa perversa, de mal caráter,
que deve ser “reformada” moralmente e socialmente, querendo ou não. As duas posições
prejudicam o processo de tratamento, pois colocam o dependente na posição de objeto
passivo, diante das mudanças necessárias. Para entender o problema da drogadição precisa-
se ver o problema a partir do sujeito usuário de droga, ver na drogadição o sintoma de uma
necessidade do indivíduo barrada pela incapacidade pessoal ou pelo ambiente social.
mais internos, aparece um pouco mais tarde, no final da adolescência. Nessa idade, as
carências psicoafetivas se revelam do mesmo jeito em qualquer ambiente social, por
exemplo, no caso dos jovens das classes mais altas, geralmente superprotegidos, o tédio
pode ser gerado pela falta de motivação.
Conforme Campos (2009), o adolescente busca um modelo ideal para a própria vida,
por isso, procura rejeitar tudo o que lhe parece incoerente, falso ou injusto e toma posição
contrária a esse tipo de realidade. Essas atitudes não são expressões de altruísmo, pois o
próprio adolescente coloca-se no centro da atenção, visando à sua realização. Nesse
momento da vida, aparecem as frustrações devido às descobertas das incoerências nas
atitudes das pessoas que eram até agora vistas como referências. Surgem sentimentos
confusos e ambivalentes sobre valores da vida. O amor e afeto recebidos quando criança,
agora desaparecem e jovem começa a experimentar na própria pele a rejeição e a negação
da sua individualidade. Cada vez são mais sentidas as exigências da responsabilidade e as
críticas dos mais próximos. Nesse ambiente, o adolescente se torna mais permissivo para
consigo mesmo e busca satisfazer os próprios desejos que agora não são mais realizados
pelos cuidadores.
ser reprimido, e o prazer que proporciona a droga. No próprio uso, ele é recompensado por
essa escolha. Becker (2008) descreve como, para aniquilar uso de drogas, foram construídas
as imagens repugnantes dos usuários. Por isso, na ocasião de uso, o adolescente é visto
socialmente (e, às vezes, até por si mesmo) como problemático, doente ou delinquente, o
que mais ainda dificulta a procura pela ajuda.
Todos sabemos que a droga faz mal à saúde, mas precisamos olhar os exatos
prejuízos que o uso da droga causa à saúde humana. No presente trabalho, estou
concentrado no problema da dependência química, portanto, pretendo só apresentar
insanidades na área da saúde mental do indivíduo, omitindo danos nos outros órgãos do
organismo, como fígado, pulmões, etc. que também são atingidos pela intoxicação do uso
contínuo.
As sensações que droga proporciona para um dependente químico durante o uso (na
intoxicação), na abstinência são percebidas como falta, por isso, os efeitos sentidos no uso
de droga e os efeitos sentidos na abstinência são geralmente opostos. Portanto, os
transtornos mentais são as consequências de intoxicação ou são gerados por sua falta no
tempo de abstinência, provocados pelo uso contínuo de uma substância psicoativa, como
fruto do desequilíbrio químico no organismo.
Uma pessoa que foi diagnosticada como dependente químico, então portador de um
transtorno, pode ser diagnosticada por outro transtorno induzido por primeiro. Ratto (2010,
p. 199) explica, que este transtorno associado é conhecido como comorbidade e “é capaz
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Outra desordem psíquica associada a dependência e que faz parte dos transtornos
de humor é transtorno afetivo bipolar. É um transtorno mais frequentemente encontrado
junto ao consumo de substâncias. As mudanças de humor, da euforia para depressão e
contrário, são efeitos da desregulação química no SNC e acontecem no uso de todo o tipo
de droga. Essa instabilidade de ânimo reflete muito negativamente no processo de
recuperação, provocando as recaídas inesperadas. Portanto, uma das técnicas na Terapia
Cognitivo-Comportamental para aprender lidar com essas mudanças é observar o próprio
estado de humor, para tentar “surfar na onda” (JUNGERMAN, 2007).
autocensura. Deixando à solta as suas raivas, mágoas e outras emoções reprimidas, ficam
alterados, tornando-se difíceis na convivência. Também as dificuldades de realizar as suas
atividades cotidianas e a percepção comprometida do ambiente e das próprias ações fazem,
que, tanto o alcoólatra quanto usuário de drogas ilícitas, encontrem fortes críticas e entrem
facilmente em conflitos.
Uso de drogas afeta o ambiente social, começando pelos mais próximos, a família.
Rapizo (2012) descreve as conexões de uso de drogas e a desestruturação familiar.
A importância da família coloca a nós três níveis de influência pela drogadição. Família é
um fator de risco para uso, um fator de proteção contra uso, mas também é a primeira vítima
do uso das substâncias psicoativas. O uso de drogas e a família disfuncional são duas
situações que se influenciam, como causas ou como consequências um do outro,
potencializando a sua ocorrência.
Segundo Ziberman (2005), o uso de álcool e de outras drogas são a causa mais
frequente da violência doméstica. O álcool funcionando como desinibidor, os estimulantes,
como cocaína e anfetamina, reduzindo capacidade de controle e oferecendo sensação
persecutória (expressada pela palavra “noia”) facilitam a violência. São observadas duas
vias: o uso de drogas pode promover abuso físico e sexual na família e o abuso físico e
sexual na infância facilita o posterior desenvolvimento de transtornos por uso de
substâncias (cf. TONDOWSKI et al., 2012). Violência dos usuários pode ser também o
resultado de transtornos induzidos por substância ou das comorbidades psiquiátricas que
aparecem junto com dependência.
seu fim. Para grande parte dos dependentes, os roubos e furtos tornam-se uma maneira
corriqueira para conseguir a droga.
Existem ainda outras áreas da sociedade onde o uso de álcool e de outras drogas é
um dos fatores de risco. Disso resultam, por exemplo, os acidentes domésticos, no trabalho
e no trânsito gravidez precoce, abandono da escola pelos adolescentes, desemprego, etc.
No ato do uso, o indivíduo pode perder parcialmente o controle do corpo e da mente, noção
moral e em consequência não consegue dar conta das responsabilidades sociais, como
família, escola, emprego, etc. Todos os problemas mencionados acima não acontecem
separadamente, eles se influenciam. Os problemas mentais, individuais, familiares e sociais
interferem um no outro mutualmente, agravando a situação do dependente e do seu
ambiente. Como sair dessa situação?
partir dos anos setenta do século XX, o uso dessas drogas se popularizou. Nos últimos anos,
o grande impacto provocado pela drogadição na sociedade, colocou o problema de uso de
drogas em destaque e despertou interesse pelas soluções urgentes. Os problemas ligados ao
uso das substâncias psicoativas abrangem várias áreas. A busca desesperada pela resolução
imediata, diante deste desafio, faz que não se consiga tratar o problema na sua
complexidade (cf. ALBUQUERQUE, 2010).
mudar as predisposições biológicas, que na maior parte são genéticas. No entanto, podemos
tratar as insanidades e transtornos mentais provenientes dessas predisposições ou prevenir,
que eles se desencadeiam. Descrevendo o problema das comorbidades, ligadas à
dependência química, mencionei que a drogadição pode ser provocada por vários
transtornos mentais. Tratar um problema mental existente, antes que o indivíduo afetado
comece a procurar um antídoto por conta própria, no meio das substâncias psicoativas, é
uma das atitudes de proteção muito importantes.
altruísmo, amor, generosidade, perdão, habilidades interpessoais, etc. No nível grupal, são
as virtudes que levam ao reconhecimento social, como: altruísmo, tolerância,
responsabilidade e ética. Todas essas características, percebidas em si mesmo, fazem a
pessoa sentir o seu valor próprio e alimentar a autoestima. Aqui podemos perceber, que as
virtudes mencionadas correspondem, em grande parte, aos valores ligados à religiosidade,
o que vai ser destacado nos capítulos posteriores.
O ser humano, como ser social, se espelha nos outros, portanto, precisa se relacionar
com outros e se sentir aceito. Existem várias aptidões individuais que levam a melhor
relação com outras pessoas e ajudam criar os vínculos sociais satisfatórios. As habilidades
individuais nesse aspecto influem diretamente nas relações interpessoais e, portanto, na
satisfação pessoal.
Pereira (2010) mostra, que a escola tem um papel imprescindível na proteção das
crianças e adolescentes. Esse ambiente deve oferecer cuidado e apoio, promovendo a
participação, responsabilidade e envolvimento nas atividades. A escola, com seus
funcionários e professores envolvidos, tem a tarefa de proporcionar padrões consistentes
para os comportamentos adequados. Sem dúvida, o outro meio, que oferece uma função
respeitável de proteção, é a comunidade. A atuação nas atividades em um ambiente
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Gordon (1987) divide três modelos principais de prevenção, conforme o foco de sua
ação: universal, seletiva e indicada. A prevenção universal é dirigida à população em geral
e pode ser aplicada na comunidade, na escola, nos postos de saúde, na mídia, nas redes
sociais, etc. São geralmente as campanhas que tem intenção de atingir maior número de
pessoas. Precisam ser claras, de fácil entendimento e acessíveis. Tendo um caráter geral,
oferecem as informações básicas, envolvem baixo número de profissionais, ao mesmo
tempo, ampliando as áreas de atuação.
As estratégias da prevenção seletiva são dedicadas aos grupos de risco para uso de
drogas, por isso precisam um estudo prévio da população para quem são indicadas.
Selecionando o público-alvo e traçando o perfil do grupo, são aplicadas com mais
dedicação, geralmente por especialistas habilitados na área de prevenção. Requerem mais
tempo para atingir os objetivos concretos, compatíveis com a população-alvo, para diminuir
a sua vulnerabilidade. Geralmente, tentam trabalhar com seus participantes, de forma
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especifica, com suas habilidades e informações, que fornecem os recursos individuais para
evitar o consumo de drogas (cf. PEREIRA, 2010).
A prevenção de uso de drogas pode ser feita no nível individual ou grupal. No nível
individual, é realizada a prevenção indicada. Pode ser feita na família ou em caráter de um
atendimento pedagógico, psicológico ou médico. No nível grupal, a prevenção pode ser
realizada em todos os ambientes onde tem acesso a população-alvo, por exemplo, jovens,
famílias, educadores, etc.
Segundo Pereira (2010), a prevenção tenta ser baseada no aumento dos elementos
de proteção. Portanto, deve-se destacar o fortalecimento psíquico do indivíduo, os trabalhos
que aumentam autoestima e bem-estar, sucesso escolar, competência social e capacidade
para resolver problemas. Outros elementos, que devem ser trabalhados, são os laços
familiares. É necessário fortalecer os vínculos paternos e aumentar a presença dos pais no
acompanhamento da vida de seus filhos, com regras claras de conduta. Deve-se buscar o
apoio social: da comunidade, das instituições sociais, da escola, das organizações religiosas
e de outros grupos.
Por último, vamos analisar as políticas públicas baseadas no modelo social, que no
Brasil são muito confusas e, por isso, insignificantes. Precisamos pontuar, que o Ministério
da Assistência Social, não constrói no Brasil as políticas ligadas com drogadição, devido a
responsabilidade do problema assumida pela área da saúde. As políticas sociais
concentram-se “a proteção social, que visa à garantia da vida, à redução de danos e à
prevenção da incidência de riscos” dos diversos grupos, visando garantir a sua dignidade e
direitos (BRASIL, 2011, Art. 2º). Entretanto, no meio das possíveis problemas e riscos, a
lei não menciona a questão de drogadição.
Como referimos, a organização das atividades educativas, esportivas, recreativas, etc. com
jovens, faz parte da prevenção de uso de drogas.
Mais uma vez percebemos, que a busca pelas resoluções é um tema complexo, que
deve envolver várias entidades, instituições públicas e a sociedade, no modo geral.
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Capítulo 2
Como foi exposto na introdução, este trabalho possui um enfoque psicológico e por
isso ocupa-se especificamente da análise dos atos psíquicos ligados aos fenômenos
religiosos vivenciados pelas pessoas com problemas de dependência química. Por isso, o
objeto de pesquisa não tanto é a religião na sua totalidade, mas a religiosidade, entendida
como crença e prática dos fundamentos propostos por uma religião, isso inclui atos mentais
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que formam uma relação individual com objetos da própria fé, bem como as posições e
atitudes tomadas que representam esses fatos (cf. VERGOTE, 1969; KOENIG et al., 2001;
MILLER, 1998).
Precisamos também mais uma vez destacar, que a nossa análise é realizada num
ambiente stricto senso religioso, numa casa de recuperação de cunho cristão-católico, onde
as práticas e doutrinação religiosa fazem parte do processo de recuperação, como escolha
dos próprios internos. Por isso, a espiritualidade (como busca pessoal de sentido) dos
internos é focada nos preceitos de uma religião concreta e, portanto, no ambiente
pesquisado, não se diferencia da religiosidade.
O ser humano, como homo sapiens sempre buscava explicações. Durante séculos, a
procura pelo saber teve diversas formas. Dependendo de determinadas épocas, as coisas
eram interpretadas de modo diferente. Também as questões religiosas tiveram várias
interpretações e significados. Nas épocas e lugares, onde o conhecimento está ligado à
intuição e compreendido dentro da cultura e crenças (Mitos), a sabedoria religiosa e mística
ganha valorização. Nos ambientes, que apreciam objetividade e razão (Logos), os
comportamentos religiosos costumam ser vistos como: superstição, loucura, doença ou
ignorância. Esta última visão começou a ser dominante na modernidade, valorizando cada
vez mais o pensamento lógico e objetivo, até se tornar a referência para avaliar a maturidade
e saúde psíquica. Logos e pensamento lógico ficaram supervalorizados, em oposição aos
Mitos e ao comportamento religioso (cf. FOUCAULT, 1997).
Esse fato fez que as experiências religiosas, antes valorizadas, fossem explicadas
por alguns psicólogos como distúrbios psíquicos e as visões místicas interpretadas com a
impulsividade sexual reprimida. Nessa visão, por exemplo, Santa Teresa de Ávila é
considerada como pessoa histérica, que, por não ser capaz de dominar os próprios impulsos,
fugia da realidade para uma onipotente realidade divina, que a protegia dos inimigos
imaginários, ou Santa Catarina de Siena seria uma pessoa, que, sofrendo esquizofrenia, se
tornou sadomasoquista anoréxica (cf. GŁAZ, 1998; VALLE, 1998).
são explicadas pela crise epiléptica do lobo temporal com aura emocional, que, talvez, tenha
evoluído para generalização secundária, que foi assustadora e dramática, seguida de
cegueira cortical pós-ictal (cf. JAMES, 1995 [1902]; LANDSBORROUGH, 1987).
Apesar de que o ser humano busque ser cada vez mais racional e realista, as
experiências chamadas aqui como “místicas” ou “religiosas” fazem parte do cotidiano de
muitas pessoas. Geralmente, essas experiências constituem a religiosidade do indivíduo,
gerando-a e/ou reforçando-a.
William James (1995) foi um dos pioneiros que buscou entender a religiosidade,
não como religião institucional ou a religiosidade observada por um observador externo,
mas como uma experiência religiosa subjetiva, um sentido individual e único. Diante dessa
experiência, o indivíduo toma uma posição pessoal, identifica-se com ou rejeita uma
determinada religião, assume ou abomina os valores que ela prega. James, nos estudos da
religiosidade, interessa-se principalmente: das emoções individuais, da unificação do self,
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Para o Allport (1950) uma experiência religiosa forte, ligada a uma vivência pessoal
muito intensa, pode deixar na memória o rastro inapagável. Por isso, a religião pode se
tornar um elemento necessário e motivar o indivíduo a manter um estilo de vida doutrinado
pela fé. Allport destaca sobretudo a força motivadora da religiosidade na organização e
integração de toda a personalidade. A experiência religiosa madura impulsiona a formação
de personalidade, proporcionando unificação interior e complementa a compreensão da
realidade, resultando em comportamentos cada vez mais coerentes (cf. ÁVILA, 2007).
Ralph W. Hood (1995, p. 189, apud. VALLE, 1998, pp. 262-263) apresenta quatro
orientações teóricas no estudo da experiência religiosa, que estão compostas por diversas
teorias: 1. Psicologias de profundidade (teorias: freudiana, junguiana e das relações
objetais); 2. Orientações mais clássicas (teorias: de desenvolvimento, da afetividade,
behavioristas e cognitivista); 3. Perspectivas psicológicas especificas (teorias: do vínculo,
da atribuição e dos papéis); 4. Pontos de vista especiais (teorias: feminista, fenomenológica
e transpessoal). Percebemos, que a busca pela explicação da religiosidade depende da teoria
psicológica adaptada e pode se concentrar no afeto, na cognição, nas sensações ou nas
experiências. Cada teoria pode contribuir para explicação de algum aspecto da
religiosidade.
Edênio Valle (1998) relata que existem centenas teorias sobre a experiência
religiosa e apresenta, sobretudo, seis delas como mais representativas. Primeiro são
mencionadas três abordagens clássicas da psicologia da religião: “pragmática” de W.
James, “introspeccionista” de K. Girgensohn e “ideográfica” de G. W. Allport. Segundo
Allport a religiosidade de cada pessoa é um caso singular, o que justifica a importância dos
estudos de casos desse aspecto, e coloca em dúvida a generalização dos fenômenos
religiosos. Posteriormente, na mesma obra, Valle traz três abordagens representativas dos
autores contemporâneos: “psicanalítica” de A. Godin, “quantitativa” norte-americana e
“atribucionista” de B. Spilka. Esta última vai ser desenvolvida nesse capítulo na descrição
sobre a questão da explicação religiosa.
felicidade, que é alcançada pela satisfação dos desejos corporais e espirituais. Por isso a
Psicologia Humanista ajuda-nos a entender melhor o caráter da religiosidade, como
caminho para realização pessoal.
existência, (7) alocentrismo, (8) estabilidade. Todas essas peculiaridades apontam que a
religiosidade pessoal leva a um engajamento responsável do indivíduo.
David Wulff (1996), traz três tipos de visões, que abordam os aspectos práticos de
religiosidade. Primeiro, analisa a concepção de religiosidade como responsabilidade e
dever, depois, religiosidade como recurso e, finalmente, religiosidade como potencialidade
dupla, que pode levar às direções opostas.
Esse entendimento está apresentado por James Leuba (1925), que estudava as
anomalias e comportamentos irracionais durante as experiências místicas. Pesquisando a
religiosidade dos cientistas, chegou a uma conclusão que a busca da perfeição moral,
inclusa na religiosidade numa forma irracional, é um tipo de impulso espiritual, que
apresenta os mesmos valores morais que possuem os ateus esclarecidos.
George Vetter (1958) critica a religiosidade como uma forma de opressão e fonte
de conflitos, entretanto, destaca a religiosidade como resposta automática diante das
situações imprevisíveis e incontroláveis. Identificou duas grandes classes de
comportamento religioso, que diminuem os anseios e ajudam descarregar a energia
corporal: súplica e “orgia”.
Sigmund Freud (1974 [1913], 1974 [1927]) deu começo a uma interpretação de
religiosidade mais estudada e desenvolvida na literatura, a psicanalítica, que desenvolveu
várias ramificações de pensamento. Tinha uma visão muito negativa da religião e a
considerava como uma imaturidade, uma fantasia infantil. Forneceu o entendimento de
religiosidade como uma forma de realização do desejo infantil: de realizar o desejo do pai
(Deus). Para Freud, essa realização é acompanhada por sentimento de culpa e medo de
castigo.
64
Carl Gustav Jung considera que cada religião é positiva para a psique humana e a
religiosidade tem uma função essencial para a integridade psíquica. As formas de
religiosidade, os rituais, credos e dogmas, presentes na sociedade, desde os tempos mais
antigos da humanidade, possuem os “códigos” culturais que ajudam a pessoa a entender a
sua existência (cf. FORDHAM, 1990).
Lawrence Kohlberg propôs uma teoria dos estágios do desenvolvimento moral, que
assim como a de Piaget é estrutural e universalista. Nas diversas etapas da vida, o indivíduo
motiva ou justifica a sua conduta através de um princípio. Kohlberg esquematiza sua teoria
em três níveis de julgamento moral, cada um com dois estágios motivacionais: Nível pré-
convencional: 1º punição-obediência; 2º troca instrumental. Nível convencional: 1º
expectativas interpessoais; 2º consciência da lei. Nível pós-convencional: 1º acordo social;
2º princípios éticos universais; (cf. CAMINO, 1998).
Os estágios que mostram a relação com Deus, são paralelos aos estágios de
desenvolvimento psicossocial de Erikson, em que, em cada estágio, o ego fica mais
fortalecido e as novas virtudes são alcançadas. Paralelamente, Kolhberg mostra, que, nos
mesmos estágios, aumenta a responsabilidade moral, então as relações sociais se tornam
mais maduras.
Mauro Martins Amatuzzi, através das suas pesquisas (2000a, 2000b, 2001, 2015)
constrói um esboço da teoria do desenvolvimento religioso de modo descritivo, apontando
1
No presente trabalho usamos palavra Deus onde autor fala da Ultimate Being.
71
os períodos de idade nos quais as mudanças estão acontecendo. Numa das suas obras,
chama desenvolvimento religioso, como:
(...) um caminho em direção à sabedoria (...). É em meio aos acontecimentos
concretos uma vida cambiante que ele vai se dando. E entre esses acontecimentos
estão certamente os encontros com propostas de orientação de sentido (...). Estamos
aqui propondo descrever o desenvolvimento religioso justamente como um
aspecto desse caminho evolutivo do eu, de qualquer forma intimamente
relacionado com ele. (AMATUZZI, 2001, p. 33)
Allport (1950) descreve que conversão pode ser originada pelos fatores endógenos
ou exógenos, os primeiros mais destacados na psicologia clínica e os segundos mais na
psicologia social. As mudanças provocadas pela conversão, envolvem diversos campos
mentais do indivíduo. Girgenson (apud. VALLE, 2013) fala sobre as mudanças psíquicas
72
propósito da vida, nas atitudes e valores, nas metas, nas sensibilidades, nas
preocupações finais e no comportamento. (PALOUTZIAN, 2005, p. 334).
Para Frankl (1989 [1946]) a busca de sentido é inerente à psique humana e a falta
de sentido provoca uma “angústia existencial”. Frankl apresenta três princípios na busca de
sentido: primeiro - liberdade da vontade, que traz a possibilidade de escolha; segundo -
vontade de sentido, que constitui a motivação; terceiro - sentido da vida, que corresponde
a um sistema, uma filosofia ou religião. Para algo fazer sentido, precisa uma explicação, e
geralmente a explicação racional não dá conta de tudo.
aspecto, da relação com Deus, destaca-se nas religiosidades ligadas às religiões, nas quais
as divindades são personificadas, e o avaliamos pelo prisma da teoria do apego. Em seguida
apresentamos, à luz da teoria de atribuição, como a religiosidade fornece explicação para
as perguntas existenciais do ser humano. Finalmente, aproveitamos os modelos de
enfrentamento de Kenneth Pargament, para explicar, como a religiosidade pode oferecer
suporte na resolução dos problemas.
O significado global está traduzido na vida cotidiana pelos esforços que a religião
motiva realizar: orações, rituais, ações, ou também pelos atos de renúncia dos próprios
desejos, como jejum e abstinência. Geralmente, a explicação religiosa e a realização dos
preceitos da religiosidade trazem um estado de bem-estar subjetivo, geram emoções
positivas e um sentimento de realização.
Muitas vezes acontece que o indivíduo quer realizar as suas metas e objetivos,
entretanto, o envolvimento e as preocupações cotidianas parecem não refletir essa busca.
Esses fatos revelam que os sistemas globais de significado nem sempre são construídos
conscientemente e para descobri-los é necessário desvendar os “sentimentos subjetivos”
inconscientes. Para isso, precisamos fazer uma interpretação dos acontecimentos cotidianos
do indivíduo, observando sua sensação de bem-estar e satisfação (PARK, C. L., 2005).
e perda de controle. Geralmente, nesse momento, a pessoa precisa de uma outra explicação,
uma orientação ou um suporte, para obter um significado mais coerente. Nesse caso de
“crise”, o significado global passa por uma revisão e, eventualmente, reformulação das
crenças e objetivos. O sentimento de angústia só desaparece se recuperamos a coerência do
significado global.
Para decifrar se a pessoa realmente possui o apego seguro, Mary Ainsworth (1989)
delineou os cinco atributos das relações sociais significativas; caracterizam-se por: (1)
procura de proximidade, (2) sofrimento por separação inexplicável, (3) prazer ou alegria na
reunião, (4) dor por perda, e (5) comportamento de base segura (conforto e exploração
corajosa na presença de pessoa significativa). Para identificar a figura de apego, o sujeito
77
precisa vê-la como alguém que tem um compromisso duradouro, que deve estar disponível,
se necessário, independentemente do tempo e do contexto.
A teoria do apego, foi adaptada à psicologia da religião por Lee Kirkpatrick e Pehr
Granqvist, como uma teoria explicativa do comportamento religioso. A questão, que a
imagem de Deus, formada no processo de desenvolvimento, está associada às relações
significativas na infância, era sempre reconhecida por psicólogos de desenvolvimento
religioso. A imagem cristã de Deus como “Pai”, confirma simbolicamente essa relação.
Porém, conforme Kirkpatrick (2005, pp. 1-24), só a teoria do apego permitiu desenvolver
esse pensamento como uma teoria cientifica na psicologia da religião.
Ralph Hood e seus colaboradores (HOOD, HILL e SPILKA, 1996) destacam que
as pessoas estão mais procurando a Deus quando estão em situação de crise, por exemplo,
devido à doença, à acidentes, à morte ou a outras situações que causam sofrimento. Nessas
situações, as pessoas querem sentir segurança, procuram um consolo, alguém que é mais
forte que elas. Geralmente, quem se mostra como mais forte e alguém sempre disponível,
é Deus e, a ele, as pessoas religiosas recorrem.
sensível e carinhoso; apego evitante – Deus é visto como impessoal, distante, indiferente a
elas; apego ansioso – Deus é percebido como, às vezes, carinhoso e disponível, às vezes,
não.
Spilka e Ladd (2013) mostram a oração, como um tipo mais comum de relação com
Deus, principalmente quando buscamos seu apoio. Segundo eles, o tipo de oração, feito
pela pessoa, deve ser interpretado dentro de seu esquema epistemológico e que revela uma
maneira pessoal de se relacionar com Deus. As pessoas valorizam mais alguns tipos de
orações, achando que são melhores.
Abrão, Moisés, Nossa Senhora, São Paulo, etc., são valorizadas pela sua fé e confiança em
Deus.
(1984) avaliaram esses comportamentos como mais flexíveis e conscientes, orientados para
o futuro, que ajudam na adaptação psíquica ao ambiente nos momentos de estresse,
ativando os recursos cognitivos e emocionais.
Para Pargament, o enfrentamento religioso tem várias dimensões e pode ter muitas
funções: pode proporcionar conforto, incentivar o crescimento pessoal, levar à intimidade
com Deus, promover a proximidade com os outros ou oferecer significado e propósito na
vida.
O enfrentamento religioso também tem muitas formas. Pode ser passivo (espera por
Deus para resolver a crise), ativo (uma força que motiva as pessoas a melhor o
mundo), pessoal (buscando amor e cuidado divino), interpessoal (buscando apoio
do clero e dos membros da comunidade), focado no problema (ajuda na resolução),
ou focado na emoção (buscando em Deus o alívio). (PARGAMENT e BRANT,
1998, p. 118).
2. Ajuda religiosa – procura por fornecer apoio espiritual e conforto aos outros;
3. Questionamento religioso interpessoal - expressando confusão e insatisfação com o
clero ou membros da comunidade, numa situação individual estressante;
A outra contestação foi referida ao grupo, que mais buscava o coping religioso. Foi
atestado, que a religião é mais útil para os grupos mais vulneráveis: idosos, viúvas, pessoas
abandonadas, com baixa renda ou baixo nível de escolaridade. Parece que as pessoas, que
estão com dificuldades, provocadas por situações externas, mais procuram a religiosidade
como enfrentamento. O mesmo acontece com as pessoas mais engajadas na fé e os mais
fundamentalistas. Podemos concluir que as pessoas que mais investem na fé, são as que
mais recebem o benefício dela (ibidem).
Para apresentá-lo, vamos analisar alguns fatos que relatam a sua teoria.
2
Positive psychology.
3
Tradução do autor.
85
O estudo de Krause e Hayward (2015) confirma uma relação forte de três elementos:
gratidão a Deus, generosidade e o sentido de vida. Sabemos, que na maioria dos
ensinamentos religiosos existe uma sabedoria em procura de equilíbrio entre as buscas
individuais e coletivas. Na sabedoria milenária das religiões, a busca pela própria perfeição
86
A psicologia clínica sempre usava esse tipo de abordagem, por procurar ajudar o
indivíduo reconhecer as suas habilidades individuais e coletivos, para identificar os
melhores caminhos para realização e felicidade. Porém, nos estudos de psicologia, não se
dava muita consideração às emoções positivas, aos traços individuais ou aos
relacionamentos positivos.
Conforme Seligman (2000b, p. 5), a psicologia positiva, através das suas pesquisas
procura o que realmente traz o bem-estar no nível subjetivo e como alcançar esse estado.
As emoções positivas representam “as valiosas experiências subjetivas: bem-estar,
contentamento e satisfação (do passado); esperança e otimismo (para futuro); engajamento
87
e felicidade (no presente) ”.4 Primeiro analisaremos os três grupos das emoções positivas
mostrando, como as pessoas conseguem alcançá-las.
Yone Fonseca (2016) mostra as diversas técnicas para aprender exercer a gratidão
no dia-dia para aumentar o bem-estar. A autora mostra, que essas intervenções podem ser
proveitosas na prática clínica com os pacientes com problemas de depressão, ansiedade,
transtornos de sono, insuficiência cardíaca, câncer, tendências suicidas e no campo dos
relacionamentos afetivos e conjugais.
4
Tradução do autor.
5
Tradução do autor.
88
No livro “Psicologia positiva: teoria e prática”, organizado por Andréa Perez (2016),
que reúne obras de 35 pesquisadores e pesquisadoras brasileiras, podemos achar três textos
sobre o otimismo e esperança. Lilian Coelho (2016, pp. 290-296) apresenta definições do
otimismo e as técnicas para desenvolvê-lo. Marcia Fernandes (2016, pp. 328-334) mostra
89
O artigo de Peterson, polemizando com Freud sobre o otimismo e a ilusão, faz uma
alusão direta à questão da crença religiosa. A esperança, que é mais do que uma expectativa
das pessoas de alcançar os seus objetivos, é uma crença disso e uma disposição. Autor
destaca a valor da esperança, que é também uma das três virtudes teologais do cristianismo,
ao lado da fé e do amor. Ser otimista, acreditando na divina providencia e na vitória do bem
sobre o mal, também é uma das importantes características da religiosidade.
O terceiro grupo das emoções positivas se refere aos sentimentos diante da situação
do presente: alegria, amor, engajamento e atenção plena (mindfulness). As duas primeiras
estamos analisando aqui, só como emoções, então, os estados psíquicos vivenciados, sem
dar peso nos elementos cognitivos ou volitivos. As duas últimas, são mais ligadas com uma
participação cognitiva e consciente do indivíduo.
Experiência ideal é, portanto, algo que fazemos acontecer (...). Obter o controle da
vida nunca é fácil, e às vezes pode ser definitivamente doloroso. Mas, a longo
prazo, as experiências ótimas somam um senso de domínio - ou talvez melhor, um
sentimento de participação na determinação do conteúdo da vida - que se aproxima
do que geralmente se entende por felicidade como qualquer outra coisa que
possamos imaginar (CSIKSZENMIHLYI, 1990, pp. 3-4).6
Segundo Helder Kamei (2016), a emoção de flow está acompanhada pela: ativa
sensação de controle, concentração profunda, experiência autotélica, foco temporal no
presente, distorção de experiência temporal, perda da autoconsciência reflexiva e
transcendência das fronteiras do Self. As pessoas que entram em estado de flow levantam
sua autoestima, que permanece alta depois da experiência.
Seligman (2011) afirma flow como parte de um dos caminhos para felicidade pelo
engajamento, no qual usamos abundantemente as nossas forças e virtudes. Ficamos
envolvidos na atividade sem esforço e queremos, depois, repetir a experiência. Para entrar
em estado de flow, é necessário que as nossas habilidades estejam num equilíbrio com a
tarefa exercida. Quando a habilidade é muito superior à tarefa, existe probabilidade de
ficarmos com tédio. Quando o desafio é bem maior do que a habilidade, fica fácil desanimar
e desistir.
6
Tradução do autor.
92
emoções positivas, que alargam modos habituais de pensar e construir recursos pessoais
duradouros, melhorando a saúde e o bem-estar.
Pesquisa feita por Nansook Park, Christopher Peterson e Martin Seligman (2004)
analisou as caraterísticas pessoais valorizadas em várias culturas, filosofias e religiões, e
criou inventário de virtudes e forças de caráter.7 Foram identificadas 24 forças de caráter,
que formam 6 caraterísticas centrais, chamadas de virtudes principais: Sabedoria e
Conhecimento, Coragem, Humanidade, Justiça Temperança e Transcendência. O teste,
composto por 240 itens, 10 itens por cada força de caráter mensurada, foi validado em três
amostras para 5.299 pessoas. Segundo autores, essas forças foram escolhidas por causa que
são reconhecidas entre várias culturas; contribuem para realização pessoal; são moralmente
valorizadas; não são depreciativas; possuem antônimos; apresentam diferenças individuais;
são mensuráveis; podem ser distintas; servem como modelos; têm caráter de prodígios;
podem estar ausentes em alguns indivíduos; são cultivadas nas sociedades e instituições.
7
Values in Action Inventory of Strengths.
93
• Esperança: Acreditar que o futuro pode ser bom e trabalhar para realizá-lo. Ser
otimista.
• Humor: Gostar de rir e mostrar a alegria da vida. Ser brincalhão, oferecendo sorrisos
para outras pessoas.
“positivo” ou “negativo”, que parecem dar um valor moral, de ser coisa “boa” ou “ruim”,
o que não cabe à ciência positiva. Esse tipo de valorização era tratado como não profissional
e não cientifico. Também, pelo fato, de que algumas características individuais “positivas”
ou “negativas” são tratadas como natas ou culturais, esse modo de abordagem pode ser
visto como discriminação de algumas pessoas, grupos ou culturas. Porém, os psicólogos
positivos argumentam que os termos valorativos usados por eles, não correspondem às
questões éticas e morais, mas ao valor para a saúde psíquica. Além disso, esses valores são
pesquisados e apresentados no contexto de uma cultura concreta, e o valor é dado a uma
disposição de adaptação (ou não) do indivíduo ao seu ambiente social. O ser humano adere
ao bem-estar psicossocial, por viver certas virtudes e forças de caráter, mantendo as
emoções positivas, relacionando-se bem com outros, engajado e realizado (SELIGMAN,
2011).
PARTE II
DADOS EMPÍRICOS
99
Capítulo 3
Cenário da pesquisa
(...) são unidades que têm por função fornecer suporte e tratamento aos usuários de
substâncias psicoativas, em ambiente protegido, técnico e inserido no âmbito da
ética profissional. A convivência entre os pares é o principal instrumento
terapêutico que tem por finalidade resgatar a cidadania desses usuários, por meio
da reabilitação física, psicológica e da reinserção social (SÃO PAULO, 2011, p.
10).
diversas tarefas e práticas, dependendo da sua proposta programática. Nas suas atividades,
realizam o resgate da dignidade do adicto através de princípios éticos e morais, propondo
uma espiritualidade, frequentemente ligada com alguma denominação religiosa. Nesses
casos, as práticas religiosas são propositais, como elemento educativo, e fazem parte da
programação da casa.
As CTs tendem a dar ênfase à honestidade dos seus membros, na partilha sincera
das próprias experiências e nos relacionamentos abertos, em que cada um pode manifestar
a sua opinião, compartilhando os seus sentimentos e experiências. O estilo aberto da
comunidade ajuda o dependente a sentir-se livre diante da proposta apresentada e facilita
assimilação ao estilo da CT. A prática dos valores vivenciados na comunidade, relacionar-
se num jeito diferente, no estilo tocante de comportamentos e atitudes, e, finalmente na
oferta de uma crença “do bem”, que oferece um sentido completo, facilitam recuperando
identificar-se com a proposta da CT.
No Brasil, as CTs, por vários anos, se tornaram uma opção barata e mais acessíveis
de tratamento ao dependente químico. Não tinham fundamentos legais no Brasil e não
existia nenhum modelo de seu funcionamento. A partir da Resolução 101 da ANVISA, de
30 de maio de 2001, o nome “Comunidade Terapêutica” tornou-se oficial e seu trabalho
103
definido como, “serviço de atenção a pessoas com problemas decorrentes do uso ou abuso
de substâncias psicoativas, segundo modelo psicossocial” (ANVISA, 101/2001, artigo 1º).
Existem várias outras publicações, que alertam sobre o tratamento inadequado nas
CTs, conforme a postura que vai na contramão da reforma psiquiátrica, pelas propostas
higienistas e pela sua metodologia manicomial. (cf. BOLONHEIS-RAMOS e BOARINI,
2015; PERRONI, 2014).
104
Por outro lado, os representantes das CTs queixam-se de desinteresse pelo problema
do poder público, por insuficiência de ajuda que recebem, pelas exigências irrealizáveis
impostas por órgãos da vigilância sanitária, etc. Argumentam que a maneira de buscar a
recuperação pelo dependente químico é a livre escolha, demonstrada explicitamente no
contrato assinado pelo interno (e sua família) no momento de internação e, por isso, não se
pode falar sobre violação de direitos. O outro argumento apontado é a automanipulação
inflexível do dependente, que acontece principalmente no primeiro período da recuperação
nas crises de abstinência, que impossibilita uma autoavaliação fidedigna da própria
condição. Por isso, algumas CTs sugerem, que, nesses momentos, é necessário restringir a
possibilidade de escolha do adicto internado.
8
Evangelho – no contexto da FE, significa a mensagem bíblica dos ensinamentos de Jesus.
105
dias para na “esquina”, como era chamado lugar onde se agrupavam os usuários, e conversa
com eles. Alguns sabem que ele é “da Igreja”, porém, demora algum tempo até o grupo
aceitar a sua presença e começar a se abrir a dele. Sua atenção e dedicação traz fruto e
Nelson torna-se amigo dos rapazes, que começam o chamar carinhosamente de “Maninho”
(cf. SANTOS, 2009).
Graças à postura de Nelson, um dos meninos do grupo, Antônio, que usava drogas
desde 12 anos de idade, começa se questionar. Ele conta a sua experiência no Boletim
Retorno à Vida:
Isso me impressionou mais ainda: eu era tido como ladrão, marginal, e como podia
um rapaz (de poder aquisitivo, da sociedade) estar interessado na gente? Não
conseguia entender qual o interesse dele. Cada vez mais se solidificava nossa
amizade (...). Chamei-o para conversar, longe dos outros, e lhe pedi que me
ajudasse a sair desse mundo, por causa do meu sofrimento sobretudo com a família
(apud. SANTOS, 2009, pp. 58-60).
Antônio para de usar drogas e logo depois outros cinco rapazes da “esquina”, um por um,
juntam-se ao Nelson e Antônio com propósito de mudar a vida.
9
Palavra – o termo muito usado na FE, que quer dizer Palavra de Deus e se refere a um fragmento da
Bíblia ou, no modo geral, a mensagem bíblica dos ensinamentos de Jesus.
106
Ao mesmo tempo, chegaram os primeiros voluntários, que, como Nelson, não tinham
problemas com drogas, mas queriam viver o Evangelho, de jeito mais concreto e autêntico.
próprio e são ligados fortemente à motivação religiosa, segundo os seus criadores, não tanto
para doutrinar, mas para praticar o Evangelho, o que apresentamos através da sua história.
bíblia, que seria a ideia fundamental da Palavra meditada, fica escrito no ponto central da
casa e também é repetido por todos em coro antes das refeições. Esse tipo de exercício tem
um caráter educativo. São as palavras, que convidam acolher o irmão, amar Jesus nele,
aproximar-se ao outro, abrir-se, pedir perdão, vencer preconceito, procurar entender o outro
nas suas limitações, etc. A finalidade dessa espiritualidade é promover a mudança do
“Homem Velho” para o “Homem Novo”, conforme o Evangelho de Jesus.
10
Celebração católica, onde a hóstia consagrada é colocada no lugar destacado para ser vista e adorada por
todos os presentes, que rezam diante dela.
109
mas abrir-se diante deles, formar um hábito de ajudar e buscar ajuda, colocar o Evangelho
em prática.
Na prática, todas as pessoas que trabalham e ajudam na FE são consideradas como membros
dessa família. As pessoas que ajudam financeiramente para mantê-la, também.
Existem ainda outros projetos desenvolvidos atualmente pela FE: moradia para as
famílias carentes, reciclagem de lixo inorgânico, posto médico e odontológico, livraria
“Tabebuias” e um bazar, que realiza atividades de prevenção de uso de drogas e
110
Para abrir uma nova unidade da FE, a comunidade local precisa oferecer pelo menos
o terreno e ter convite do bispo da diocese local, com garantia de acompanhamento
espiritual por um padre. O terreno deveria ser bastante grande, para uma horta, atividades
esportivas e para poder disponibilizar espaço aberto onde os jovens não vão e sentir presos.
Se existe uma estrutura pronta para morar, o processo de abertura da casa fica mais fácil,
se não, procura-se junto com coordenação central da FE obter os recursos para construir a
casa e outros edifícios, como oficinas, curral, capela, etc.
11
As anotações pessoais do autor os dados obtidos através das palestras no Encontro para Sacerdotes e
Religiosas(os), Fazenda da Esperança 2017, em Guaratinguetá, 18-21 de abril de 2017.
111
Segundo fundador da Fazenda da Esperança, Frei Hans, 80% dos acolhidos nas
comunidades da FE, que terminam o processo de recuperação de 12 meses, conseguem uma
mudança radical e libertar-se de drogas. Infelizmente, apesar de procurar os dados
estatísticos mais concretos sobre a eficiência do tratamento na FE nas várias publicações e,
até, fazendo um pedido para departamento do Serviço Social da FE, não foi possível obter
as informações sobre números mais exatos, seja por falta de estudos, seja por falta de
divulgação desses resultados. Para os seus idealizadores, o propósito da FE, não é só a saída
das drogas, mas muito mais - é uma mudança radical do estilo de vida. Se alguém depois
do tratamento recai, mas logo volta a procurar a sobriedade, continua a ser considerado
como “recuperado”.
GEV é uma célula da FE, semelhante ao grupo de terapia, que reúne várias pessoas,
entre elas: os que já se recuperaram na FE, seus familiares e amigos. Para participar no
GEV também são convidados os parentes dos que estão em processo de recuperação, os
dependentes que querem entrar na FE e seus familiares, contudo, as reuniões estão abertas
para todas as pessoas. O grupo ajuda a realizar um processo de ressocialização para os que
saíram da recuperação, enfrentar os problemas e conservar o modo de viver conforme a
espiritualidade aprendida. Nas reuniões, os pais podem entender melhor as dificuldades de
seus filhos e conhecer melhor os aspectos que sustentam a sua sobriedade.
Segundo padre Eslavo, como é chamado pelos amigos no Brasil, na paróquia existia
uma consciência, que a bondade do Bom Jesus não deveria ser experimentada somente no
templo, mas precisaria ultrapassar os portões do santuário. Na paróquia, já existiam vários
trabalhos realizados pelas pastorais sociais, porém, a comunidade queria responder mais
concretamente às preocupações voltadas ao nosso tempo. A fundação e construção da FEBJ
foi o fruto dessa preocupação. Por coincidência, padre Eslavo conhece o projeto da FE e,
junto com alguns leigos, fazem visita a Guaratinguetá onde, conversam com Frei Hans e
Nelson. Recebem convite para realizar seu anseio junto com a FE. Em 2008, abrem a casa
de recuperação FEBJ, inicialmente, com capacidade para doze pessoas.
12
No texto, usando termos: “FEBJ”, “Fazenda”, “Comunidade” ou “Casa”, em letra maiúscula (sem aspas),
estamos nos referindo a obra mencionada, na sua totalidade, o seu espaço físico, o seu funcionamento e os
seus moradores.
113
No começo, a FEBJ possuía uma velha casa de família, que foi adaptada para as
necessidades da Fazenda: foram feitos cinco quartos, três banheiros, uma pequena sala,
cozinha e uma capelinha improvisada. O espaço em volta da casa já tinha uma cobertura,
com cerca de três metros de largura, o que contribuía muito para vida comunitária. Ali, os
moradores poderiam sentar-se a sombra nos dias ensolarados ou abrigar-se da chuva, no
tempo chuvoso. O espaço na frente da casa foi aplainado, para formar uma quadra esportiva,
para jogar vôlei e futebol. Perto da casa, ficava um barracão, no começo usado como
oficina, depósito de ferramentas e academia de musculação. Do lado dele, foi construída
uma área coberta, de cerca de 70 metros quadrados, que servia como capela e refeitório
durante os encontros mensais das famílias dos internos, quando o número dos visitantes
chegava a mais de 50 e para acolhê-los necessitava-se um lugar maior. Assim, a casa
funcionava por mais de dois anos.
A partir de 2010, com ajuda do Governo do Estado de São Paulo, ficou realizado
um projeto de ampliação da estrutura da FEBJ. Através dele, em 2011, foi aberta mais uma
casa, para 14 acolhidos e construída uma outra casa, dividida em três espaços: cozinha e
depósitos, sala de reuniões com uma parte dedicada a capela, e o refeitório, com capacidade
de cerca de 80 pessoas, junto com espaço utilizado como sala de TV. Também foram
construídas das dependências, como chiqueiro e galinheiro. Em seguida, em 2012, foi
reformada a primeira casa, aumentando a capacidade de internação para 28 pessoas.
livre. No espaço compartilhado para as duas casas, ficam cozinha, refeitório, capela e sala
de televisão.
No terreno da Fazendo, existe horta, onde são plantadas verduras e frutas, uma parte
é usada na alimentação da casa e outra é vendida. A comercialização dos produtos naturais
ajuda na manutenção da casa. Dependendo do momento da colheita são vendidos: legumes
e frutas, ou seus derivados, principalmente geleias, doces e polpas. Algumas dessas coisas
vão para as cestas compradas pelas famílias, outras são adquiridas pelas pessoas da
comunidade local. A Fazenda vende também as produções pecuárias. Os outros produtos
são feitos nas oficinas. Fora dos mencionados, a FEBJ já produziu e comercializou:
camisetas estampadas, velas, terços, pulseiras e outros produtos artesanais de madeira e de
bambu.
O terreno fica do lado da estrada de terra, com pouca movimentação de carros, onde
passa um ônibus circular da cidade Iguape. Nesse lado, o terreno é cercado, há o portão de
entrada, que praticamente fica aberto 24 horas. Do outro lado da estrada, mora uma família
com qual os moradores da FEBJ mantêm uma relação de amizade. Numa distância de dois
quilômetros, seguindo a estrada, fica bairro Icapara, onde passa a estrada de asfalto, que vai
de Iguape para um bairro turístico, chamado Jureia. Então os internos têm dois quilômetros
para um comércio mais próximo.
A Fazenda Bom Jesus possui uma pick-up, que serve para deslocação para cidade,
como também para a compra e venda dos produtos. Numa das casas fica o escritório, que
mantem o contato com mundo externo por telefone rural e internet, bastante precária.
O sinal de telefone celular é muito fraco, porém, isso não é um problema, tendo em vista,
que só o responsável e o padrinho podem possuir celular. Os outros internos só podem usar
o telefone nos casos de emergência, com autorização do responsável. Também não se pode
115
sair do terreno da Fazenda sem autorização, essa atitude é entendida como desistência e
abandono do processo de recuperação.
Como a FEBJ fica bastante isolada e carente dos eventos socioculturais, qualquer ocasião
é aproveitada para crescimento dos recuperandos e uma oportunidade de amadurecimento
no seu propósito de mudança.
Uma vez por mês, no domingo, acontece a visita das famílias, é o momento mais
esperado. Muitas vezes, por conta da distância, nem todos podem vir. São convidados os
familiares mais próximos, pois o intuito do encontro não é fazer festa, mas estreitar os laços,
dar atenção, conversar, muitas vezes, reaproximando-se depois do tempo de brigas e
confusões, provocadas pelo vício. Os familiares dos acolhidos podem se conhecer, se
aproximar e trocar as experiências. Os novos acolhidos, nos primeiros dois meses, não
recebem visitas, mas participam nos encontros, servindo como apoio e refletindo sobre a
sua própria relação familiar. Nesses dois meses, os parentes que não participam na visita
são convidados encontrar-se com os responsáveis num outro lugar, fora da Fazenda, para
passar as informações sobre o processo de recuperação dos seus filhos, irmãos e cônjuges.
por transtornos de abstinência, outros vêm sem o desejo próprio, trazidos à Fazenda por
familiares, que procuram livrar-se do “problema”. Precisamos lembrar, que antes de entrar
na FE, cada um dos acolhidos tinha um modo diferente de vida, alguns desfrutaram muitas
regalias nas próprias casas, outros viviam abandonados na rua, num clima antissocial e de
rebeldia. Muitos estavam na margem do convívio social, praticando crimes, como furtos,
roubos e tráfico de drogas.
Esse último lugar tem grandes vantagens, os meninos ficam mais concentrados, mais
quietos e conseguem interiorizar melhor a sua situação.
Percebo, que, nas conversas, alguns me tratam mais como padre outros como
psicólogo, por isso, sempre explico, qual é a minha função. Contudo, as questões espirituais
continuamente entram na conversa e muitas vezes ocupam o lugar central. Os assuntos, de
121
A droga possui um enorme poder de atração para o adicto e, na maioria das vezes,
as recaídas têm sua origem na subestimação da força de dependência diante das próprias
vontades. Assim, no tratamento de dependente químico, a percepção da própria limitação
tem um valor terapêutico muito grande. Entretanto, esse precisa de perspectiva da cura.
A religiosidade madura pode ajudar em dois aspectos, reforça a responsabilidade e, diante
dos fracassos, não deixa de perder a esperança.
Sendo padre e psicólogo possuía recursos para lidar com as duas questões: psíquica
e religiosa. Essa posição proporcionava-me, no atendimento na Fazenda da Esperança, a
capacidade de perceber e promover cura para o sofrimento provocado pela impotência
diante de um inimigo invisível, que amedronta, paralisa e priva de todas as possibilidades
de resolução com a própria força. Não me importava, como era chamada tal força: demônio,
inimigo, conflito emocional, desejo de prazer, convulsividade ou obsessão. Ouvia e deixava
cada um fazer a própria explicação do seu sofrimento.
Na maioria dos casos que atendia, os problemas de drogadição, e tudo que era
associado com ela, eram interpretados espiritualmente. Só alguns rapazes, que já
anteriormente fizeram um diagnóstico psiquiátrico ou psicológico, associavam o seu vício
a um transtorno psíquico. Esses se dirigiam a mim com a dúvida, se a dificuldade era
psíquica ou espiritual, querendo a minha opinião. Eu respondia que não sabia e juntos
procurávamos dar um significado disso e, refletindo sobre a causa, buscar o antídoto.
122
Capítulo 4
Neste capitulo, apresentamos os quatro casos clínicos, selecionados pelo autor para
melhor apresentar a representatividade e variedade das pessoas que buscam a sua
recuperação na FE. Para permitir mostrar a totalidade do problema, a escolha dos casos foi
conduzida pelos seguintes critérios: (1) representação de: pessoa evangélica, pessoa com
dependência de álcool, pessoa que retornou para FE, pessoa que passou na FE pela
experiência de conversão religiosa; (2) apresentar a metade dos casos, que não terminaram
o processo de doze meses na FE; (3) pessoas que passaram por, pelo menos, quatro
conversas terapêuticas. Por esses critérios passaram sete casos. Quatro foram escolhidos na
base da quantidade das minhas anotações, que nos casos descartados eram mais escassos.
Homem de classe social média-alta, de 35 anos, caçula, tem dois irmãos bem mais
velhos, casado, pai de uma filha, evangélico engajado na igreja, usuário de cocaína, crack
e maconha.
Jó chegou à Fazenda da Esperança como um homem que parecia saber o que queria.
Sério e, ao mesmo tempo, aberto para conversas. Manifestava a própria opinião claramente,
escutando com atenção as opiniões diferentes. Apresentava-se como evangélico, mas não
demostrava nenhum preconceito com outras religiões.
No primeiro atendimento, fiquei surpreso com a sua abertura diante de mim. Para a
nova triagem, eu sempre fui apresentado como padre e psicólogo. Dada a minha experiência
13
Nome fictício, como todos os outros nomes citados na análise dos casos.
124
Contou que tem 35 anos, é casado, tem uma filha de dois anos e participa ativamente
na Assembleia de Deus. Tinha iniciado os estudos acadêmicos no curso de Direito, mas
interrompeu. Ultimamente, trabalhava como autônomo, administrando seu próprio tempo.
Relatou que sempre era uma pessoa ativa e bem-sucedida, mas que atualmente está muito
desanimado, recaindo depois de 15 anos de sobriedade, por causa da depressão.
Jó foi criado numa família católica, fez primeira comunhão e crisma, participava
nas missas, confessava regularmente, porém, segundo ele, tudo era feito para agradar os
pais. A família dele era muito tradicional e valorizava os comportamentos religiosos
católicos, como pedir bênção, rezar terço, etc. Jó, não gostava muito de ir à missa, preferiria
jogar bola, sair com amigos, mas sentia uma obrigação própria de cumprir os deveres
religiosos.
Praticamente, foi criado como filho único, tinha dois irmãos mais velhos, mas eles
já tinham saído de casa. Como adolescente tinha muita liberdade, “ficava muito na rua”
(sic). O pai dele tinha uma compulsão pelos jogos de bar, sobretudo por sinuca. A mãe
gostava de bebidas, nos finais de semana se encontrava com amigos, abusando do álcool.
Ela “não era alcoólatra, mas tinha cabeça fraca” (sic) e depois de beber entrava em conflito
com seu esposo.
Jó relatou que, com quinze anos, começou a cheirar cocaína e frequentar os lugares
dos usuários de drogas. Trabalhava no centro de São Paulo e todos os dias pegava o
caminho pela Cracolândia. Logo, começou também a usar crack, o que o descontrolou,
como disse. Desde então, usava todos dos dias. Já no trabalho estava ansioso para terminar
o expediente, sair do trabalho e fumar crack. Perdeu medo de usar drogas nos lugares
públicos, pois na Cracolândia todo mundo usava drogas abertamente.
Comprava tantos cracks quanto dava com dinheiro que tinha. No começo, era mais
controlado, depois começou a vender a própria roupa do corpo, tênis, pequenos pertences,
etc., para comprar drogas. Tudo girava em volta de uso da droga. Jó contou que nesse tempo
usava um terço no pescoço. Era um amuleto, mais como proteção do que para rezar.
Nessa época, foi pego duas vezes pela polícia e ficou na Febem. A primeira vez, só
de passagem, depois de um furto no semáforo. A segunda vez, recebeu uma condenação
por roubo com mão armada, ficando 45 dias detido na Febem e depois por um ano
cumprindo a pena de liberdade assistida. Nesse tempo, os pais estavam muito preocupados,
mas nem imaginavam que ele estava usando drogas. Jó acha que os pais dele não eram
muito atentos, pois nunca perceberam um comportamento estranho do filho, quando ele
usava drogas.
Só depois de algum tempo, um amigo de infância, preocupado com Jó, contou para
os pais dele que ele era usuário de drogas. Toda a família se mobilizou para ajudar resolver
o problema. Decidiram mudar da cidade onde moravam para o interior, mas, segundo Jó,
isso só piorou a situação. Ele perdeu os amigos que tinha e, afastado das pessoas que o
conheciam, não tinha mais vergonha da sua conduta no novo ambiente.
Jó ficou curioso com atitude das pessoas da igreja que falavam diferente, se vestiam
diferente e tinham diferentes modos de agir. Relatou que, nas pregações que ouvia,
percebeu que o comportamento dele estava errado. Na época, ele falava usando gírias e
126
palavrões, se vestia como os “manos”, andava gingando. Por isso, recebia instruções dos
irmãos, como se deve falar, vestir, andar, agir. Apesar de que, na época, Jó fosse muito
rebelde, percebeu que as advertências e os ensinos a ele dados eram um cuidado que nunca
antes sentiu. Conheceu um pastor que tinha uma condenação de cento e cinco anos, mas
estava tranquilo e confiante. Jó não conseguia entender como esse homem podia ser tão
sereno, sabendo que ia ficar por, pelo menos, trinta anos na prisão. Admirava isso.
Jó contou que, nesse tempo, foram restaurados nele os valores da família. Um dia,
ele ouviu uma pregação sobre um texto que falava de honrar pai e mãe, como o primeiro
mandamento com promessa. Ele entendeu, que como não tinha honrado seus pais, em
consequência, a vida dele não era abençoada por Deus. Agora, ele começou se relacionar
com pais de modo diferente, com respeito.
Lembra que na primeira visita, ainda antes de conhecer os irmãos da igreja, seus
pais estavam muito desesperados. Depois da visita, a mãe até tentou suicídio e precisava
fazer tratamento psiquiátrico. Já na segunda visita, a situação mudou. Jó estava diferente e
os pais perceberam isso. Falou para a mãe, que agora ia ter um filho que sempre esperava.
Já estava cansado do seu jeito de vida e acreditou que ele poderia mudar.
Conhecendo a igreja, começou se comportar diferente usar roupas diferentes. Como relatou,
viu o resultado da sua conversão. Nesse momento, ele ainda não tinha um vínculo com
Deus, mas as atitudes dos irmãos da igreja o fizeram mudar o pensamento. Ele ouvia falar
que precisava conhecer Jesus e achava isso muito estranho, pois já era católico e conhecia
ensinamentos de Jesus.
Estava fascinado com as pessoas que ficaram por horas rezando ajoelhadas e ele nem
conseguia ficar assim por dez minutos.
Jó descreveu que, a primeira vez que sentiu de verdade a presença de Deus, foi
durante uma pregação. Ele estava muito angustiado da própria vida, dos próprios erros, se
sentia muito culpado pela sua conduta. A pregação era sobre um filho que tinha se perdido,
mas decidiu voltar para casa do pai e o pai o recebeu com alegria. Nesse momento, ele
sentiu como se fosse no mundo só ele e Deus. Não entendia o que estava acontecendo e
ficava impressionado como o pastor que pregava, poderia conhecer a sua vida. No termino
do culto, os irmãos fizeram apelo para abrir seu coração. Ele deu um testemunho da sua
vida e a partir desse momento, por quinze anos, não usara mais drogas.
Jó relatou que desde então sempre está sentindo a presença de Deus na vida dele.
Construiu sua vida em torno da igreja, lá conseguiu os amigos e conheceu sua esposa.
Passou a ser um membro ativo, ajudando nas atividades e tarefas. Nessa época, ficou
convencido de que a droga não apresentava mais um perigo na vida dele. Entretanto,
começaram se acumular diversas coisas na vida dele. Trabalhava, fazia faculdade, servia
na igreja, sentia muita responsabilidade, devido ao casamento e nascimento da filha. Sentia
muita pressão, estresse, cansaço.... Não aguentou. Depois de quinze anos limpo, recaiu.
O uso das drogas piorou ainda mais a situação psíquica dele. Guardava um segredo
vergonhoso diante da família e dos amigos. Sentia-se muito culpado diante das pessoas, da
igreja e do próprio Deus. Entrou em depressão. Como relata, esse um ano e meio, quando
usava droga depois da recaída, foi o pior período da vida dele. Tinha duas úlceras,
emagreceu quarenta quilos, foi diagnosticado com depressão e tomava medicamentos
antidepressivos. Passou por três psicólogos diferentes, mas não conseguia cumprir
o propósito da terapia.
Com tempo, a família descobriu que ele estava se drogando e junto decidiram que
precisava fazer um tratamento sério. Foi internado numa casa de luxo, com valor alto, e
com toda assistência, inclusive médica. Jó diz que ficou deitado na cama não fazendo nada,
era insuportável. No segundo dia da internação, fugiu pulando muro. Foi internado mais
uma vez numa casa evangélica de recuperação, onde a proposta de tratamento era de nove
meses. Depois de dois meses, achou que já estava curado e saiu. Passaram-se dois dias e já
teve nova recaída. Culpava-se muito por não resistir à tentação da droga. Pensava algumas
128
vezes na possibilidade de suicídio, mas ensinado que Deus condena os suicidas não tinha
coragem de se matar. Segundo Jó, a religião mais uma vez salvou a vida dele.
Não acreditava mais em si mesmo, condenava-se como traidor de Deus. Parecia não
ter saída dessa situação, não queria mais ser internado, pois não acreditava que isso poderia
o ajudar. Entretanto, foi obrigado pela família a procurar internação, como relata, quase
compulsoriamente. A mãe, católica, conseguiu para ele uma vaga na Fazenda da Esperança.
Nos nossos encontros, percebia que Jó tinha para mim muitas perguntas. Queria
tirar dúvidas referentes a dependência química e a sua condição de dependente. Porém,
expressava também as suas dúvidas espirituais e religiosas, perguntando-me mais como um
padre, do que como um psicólogo. A pergunta que mais soava nos atendimentos era: “O
que acontece, depende de nós ou de Deus? ”. Sentia a sua impotência diante do vício que o
fez recair depois de uma vida estruturada e bem-sucedida por quinze anos. Eu sentia a sua
angústia de não poder mandar na própria vida.
padre era meu trunfo, e Jó confiava em mim, como numa pessoa religiosa e na minha
experiência religiosa.
Não era minha tarefa dar a Jó os concelhos religiosos. Precisava que ele mesmo
achasse uma resposta para as suas dúvidas espirituais, principalmente, para não se
autocondenar por suas falhas. No final do nosso primeiro encontro, pedi para Jó ler o Livro
do Jó, da Bíblia14. Não sabia se isso ia ajudar, mas pensei: ele precisa sentir e aceitar os
próprios limites, compreender que o sofrimento faz parte da condição humana e até pode
servir para o crescimento. Se ele procurava resposta para seu sofrimento e se condenava
diante de Deus, precisava ouvir a resposta, que ele fosse tratar como dada por Deus.
Jó agora viu a questão do uso de drogas com outra perspectiva, sem se condenar.
Para ele, a droga era “coisa humana”, é a “fraqueza humana” e, por isso, como falava,
precisa a força Divina para recuperação. Dizia que Deus quer que o dependente se recupere,
“Ele faz tudo para que não recaia, mas Ele não muda com a pessoa que recai, continua
14
Este é o motivo que me levou dar o nome fictício de Jó para o meu paciente.
130
amando-a”. “Deus ama do mesmo jeito um drogadicto, como qualquer pessoa, ou ainda
mais. Deus não muda, mudam as pessoas da família, da igreja...” (sic). Jó, antes se
condenava, se autopenalizava, quase se “autoexecutou”. Agora, ele entendeu que deve amar
a si próprio, até na condição de dependente químico. Falava que agora sentia mais amor,
mais compaixão com outro, não conseguia mais condenar. Tornou-se muito sensível ao
sofrimento do outro.
Como ele próprio falava, aprendeu que “Deus não é católico, nem evangélico” (sic).
Tinha amigos, que eram católicos e um era budista. Jó, conversava muito com ele e viu que
o jeito como ele praticava a sua religião era “totalmente aceito” (sic). Jó viu, que todas as
pessoas das outras denominações religiosas, que encontrou na FE, viviam na sua fé os
mesmos valores de amor e de respeito ao próximo. Falava que todos somos pecadores e
todos procuramos um caminho para Deus.
Até hoje estamos mantendo contato, às vezes, Jó manda para mim as mensagens de
saudações. Encontrei com ele um ano depois da sua saída da casa de recuperação.
Conversamos longamente. Comentou que agora se sente mais livre, mais consciente do que
durante os quinze anos em que estava limpo, antes da recaída. Hoje, não sente que tudo é
perfeito, mas acha que está muito melhor, agora conhece bem as suas fraquezas,
necessidades, etc. Explicou que as experiências do passado, fizeram que ele estivesse com
muita tendência à melancolia, porém, a vivência na Fazenda da Esperança trouxe para ele
um pensamento positivo. Aprendeu também, que não se pode compartilhar as suas
fraquezas com todos, pois isso espalha um pensamento negativo, as pessoas começam a
ficar preocupadas e duvidar na sua capacidade de ficar longe das drogas.
Jó continua as suas atividades na Igreja. Conta que ele precisa muito da Igreja, do
contato com Deus para vencer o vício. Segundo ele, a religiosidade dá valor para família,
para trabalho, para amigos e todas as responsabilidades que exerce. “A pessoa precisa de
orientação e a religião a traz” (sic). Jó continua a viver sem uso de drogas, como ele próprio
define - sustentado pela sua religiosidade.
Menino de classe social média-baixa, de 23 anos, solteiro, tem irmão mais novo, pai de
uma filha, católico não praticante, usuário de cocaína.
Homem forte com corpo de esportista, de 23 anos. Quando conversou comigo pela
primeira vez estava muito triste, mostrava-se vergonhoso e com remorso. Parecia ser pessoa
muito humilde, pode ser que por seu estado deprimido, não conseguia olhar nos meus olhos.
No começo estava calado, mas depois, quando começou a falar, falava bastante, sem parar,
preocupado para que as suas palavras fossem bem compreendidas.
Contou que estava com muita tristeza e tinha vontade de chorar. De algum jeito se
sentia fracassado... por não conseguir dominar o seu vício... por envergonhar a família...
por seu irmão que também era usuário.... Dizia que tem dificuldade de expressar os seus
sentimentos e de confiar nas pessoas. Depois percebi que, na verdade, ele tinha vergonha
de mostrar às pessoas que tem suas fraquezas, queria ser visto como super-homem.
132
Estava muito preocupado com irmão que também usava drogas, com sofrimento da
mãe que os dois provocaram. Contava sobre a sua sensibilidade com os outros, que sentia
como a pessoa está, se ela é sincera ou não, que tinha um tipo de ligação telepática com
pessoas, que até muitas vezes pressentia alguns acontecimentos.
Hulk ouvia dos pais, que a família é lugar de harmonia e apoio, que deveria sempre
procurar ter paz com irmão dele, porque “o irmão não briga com irmão” (sic). Idealizava
muito a família e ficava bem triste quando tinha algum desentendimento. Por exemplo,
contou, que ficou muito abalado por causa de briga dos tios dele.
Sempre tinha em mente o ideal de amor e responsabilidade pelos próximos. Era uma
pessoa carinhosa e gostava de receber carinho. Lembrava que, até usando drogas, ficava
atento a quem estava do lado dele, quem cuidava dele e o ajudava. Quando mais sóbrio e
arrependido, sempre pedia perdão e recebia apoio da família.
133
Hulk contou que sempre era um líder, procurava agradar os outros, identificando a
própria felicidade com contentamento dos outros. Dava muita importância ao seu
desempenho físico, aos resultados nos treinos, as reações dos treinadores.
Quando namorava, conseguiu por seis meses ficar limpo. Nesse tempo, sentia-se
frustrado, desanimado ou com raiva e sentia a falta da droga. Estava descontente, que
mesmo sem usar droga não era pessoa boa. Essas decepções e os problemas da família
ajudaram na recaída. A mãe de Hulk, católica praticante, procurando ajuda para seu filho,
deparou-se com a proposta da Fazenda da Esperança. Conversando com Hulk, conseguiu
convencê-lo para se internar na FE.
No segundo encontro, Hulk estava mais animado do ambiente da FE, contando que
não tem vontade de usar drogas e que aqui pode ajudar os outros internos. Tentei levar Hulk
na direção mais introspectiva. Conversamos sobre a identificação com pai exigente, que dá
apoio sem mostrar fraqueza, e sobre modelo de ser, que ele adotou. Hulk gostava muito de
falar, partilhar a sua vida, dar apoio na forma de concelhos oferecidos para outros. Quando
ouvido, ficava feliz com sua autoestima bem elevada. Sentia-se responsável pelos outros,
pela caminhada deles. Como professor de artes marciais, gostava de organizar os treinos
para os internos. Sempre tinha uma turma que fazia exercícios físicos com sua supervisão.
No quarto encontro, Hulk, que já estava com tarefas de cuidar de alguns trabalhos
na FE, contava que tem muita dificuldade de chamar atenção dos outros ou de expressar o
seu descontentamento. Não aguentava os desentendimentos. Se alguém se afastava dele,
ficava bravo e desanimado. Questionava que as coisas não estão certas, como, segundo ele,
deveriam ser. Jogava a culpa nos outros, sentia ingratidão e reclamava da falta de
sinceridade. Conversamos sobre a empatia, necessidade de partilha e da fala. Desta vez,
seguindo a técnica cognitivo comportamental, dei algumas dicas como ser mais assertivo
no diálogo.
Estava muito preocupado com outras pessoas, muito impaciente, queria mudar as
coisas, voltar para casa para dar apoio à mãe, arrumar a vida dos outros, mas estava sem
força para consertar a sua própria vida. Para ele, olhar a própria vida era perda de tempo,
ficava na FE motivado pela ajuda aos outros rapazes. Aproximava-se deles, querendo
conhecer seus problemas e ajudar, mas não conseguia fazer a própria introspecção ou expor
as próprias dificuldades e procurar ajuda. Tinha muita dificuldade de mostrar sua fraqueza.
Sempre queria saber se a pessoa estava do lado dele ou não. Essa mesma atitude,
ele mesmo já tinha percebido na drogadição, quando estava se drogando ou quando
precisava apoio para parar, observava com quem podia contar como verdadeiro amigo.
Questionado, por que ele esperava tanto de apoio, respondia que todos devem se ajudar,
mas ficava muito na defesa, não conseguindo assumir a própria fraqueza e questionar si
mesmo.
No sexto encontro, pedi a Hulk para que avaliasse o seu uso de drogas. Entendia
que a droga ajudava-o quando se sentia desanimado e para fugir das dificuldades. Sabendo
da fragilidade da sua autoconfiança e dificuldade de fazer autorreflexão, busquei dar a ele
algumas dicas como trabalhar a autoestima: sempre procurar a destacar, para si mesmo as
135
pequenas conquistas; tentar olhar as coisas do lado positivo; avaliar o próprio desempenho
e não o reconhecimento.
Depois de oito meses na FE, Hulk, junto com alguns outros internos, entrou num
conflito com as pessoas responsáveis pela Casa. Por desobedecer à direção foi convidado a
retirar-se da Fazenda.
Pessoa de classe social média, de 31 anos, terceiro de cinco filhos, casado, católico
pouco praticante, usuário de álcool e cocaína, viciado em jogos de azar.
Quando encontrei Saulo pela primeira vez, era recém-chegado na FE, magro e
miúdo, me deu impressão de ser uma pessoa rebelde, porém, controlada. Tinha 31 anos,
mas parecia bem mais novo. Com seu olhar analisava as pessoas ao seu redor, parecia
calculando como deveria se comportar. Nas conversas com outros internos, mostrava
sempre seu descontentamento com situação ou alguma atitude deles, isso mais pela mímica
do que pelas palavras. Expressava as frases do tipo: “que é isso?”, “você viu?”, “não é
assim”, “deveria me ouvir”, “melhor não falar”, “deixa quieto”, “sempre é o mesmo”, etc.,
raramente em voz alta.
Segundo Saulo, os pais dele eram pessoas simples. Ele era um filho do meio dos
cinco irmãos. Família era grande e o ambiente de casa sempre bem agitado, muitos bate-
bocas, bebida e cigarros. Os pais não tinham uma religião definida, mas perguntados se
consideravam católicos e batizaram seus filhos na Igreja Católica. A mãe sempre buscava
uma ajuda divina, principalmente nos momentos difíceis. Participava de diversas Igrejas,
sempre deixando-se levar pelos testemunhos das pessoas, que narravam como através da
religião melhoraram a sua vida. Porém, não se afirmou em nenhuma denominação.
tinham as mães carinhosas e protetoras, se sentia excluído. Recebia mais afeto do pai, que
parecia ser muito mais tolerante, e que alegava, que a mãe não tinha equilíbrio emocional.
Com 14 anos de idade, começou a beber e fumar cigarros com amigos da escola. A
mãe brigava com ele por causa disso, mas ele sempre respondia, que como ela bebe e fuma,
por que ele não pode. Estudava à noite e, muitas vezes, tinha visto os meninos usando droga
no banheiro da escola. Recebeu convite para cheirar cocaína, gostou da sensação que sentiu
e logo também começou a usar com eles.
Como relata, em casa, sempre ouvia muitas críticas, mas não sentia que alguém
quisesse ajudá-lo de verdade. Sentia-se sozinho, como não tinha ninguém com quem
poderia contar de verdade, fechou-se no mundo dele. Fez curso profissionalizante e
começou a trabalhar, tornando-se independente da família. Cansado das críticas, queria
logo sair de casa e construir a própria vida.
Com 24 anos de idade, começou a namorar uma moça de 17 anos. A menina, que
namorava, era de uma família católica tradicional, e por ela decidiu seguir alguns preceitos
da religião. Também pelo amor à namorada, fez catequese, onde se preparou para primeira
comunhão e crisma. Desde o começo do namoro, parou de usar cocaína e “bebia bem
pouco” (sic). Depois de três anos de namoro, se casaram. Saulo não queria ajuda dos pais,
com dinheiro que os dois ganhavam, alugavam casa, pagavam todas as despesas.
Segundo Saulo, naquela época, ele não sabia como construir uma família e como
mostrar o seu amor à esposa. Não tinha exemplo na própria família, onde sempre precisava
lutar por si mesmo e nunca recebia cuidado. Na nova família, só reivindicava o amor da
mulher. Gostava que tudo fosse do jeito dele e “não abria mão da própria vontade”, com
ele “não tinha diálogo, não tinha meio termo” (sic). Precisava mostrar que ele tinha razão
e ele decidia. Se a mulher pedisse alguma coisa, ele até fazia, mas se sentisse que ela queria
impor a ele a sua vontade, não fazia. Começaram os desentendimentos e brigas. Não zelava
mais pela casa, culpando a mulher de querer o escravizar. Os problemas contribuíram para
ele voltar a beber e jogar jogos de azar. Gostava principalmente das maquininhas, onde
estava sozinho, desafiando a própria sorte. Logo depois, recomeçou cheirar cocaína, mas
desta vez sem controle.
A situação em casa piorou muito, quase não conversava com a mulher. Encontrando
as pessoas conhecidas, principalmente os pais da esposa, se sentia condenado, pela fala ou
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só pelo olhar. Comentava isso com a mulher e ela negava alegando que ele estava
inventando. Brigavam por isso. Como já antes não gostava de ser contrariado, agora, ainda
mais, reclamava que ninguém se deve meter na vida dele. Nervoso saia da casa e ia ao bar.
Não queria mais o casamento, mas por vergonha não queria voltar para casa da família.
Na primeira conversa comigo, falava baixo, mas com uma convicção interna, dando
credibilidade à suas histórias. Culpando as pessoas e as situações, observava se eu estava
acreditando, como se estivesse querendo me convencer para as suas ideias. Parecia que tudo
o irritava, porém não queria mostrar os seus sentimentos e, tentando conter as suas
emoções, ficava tenso. Via tudo como negativo. Expressava as reclamações de modo muito
racional, querendo mostrar, de jeito mais objetivo possível, a sua razão.
Contou que sempre fora considerado como uma pessoa inteligente e criativa, com
muitas ideias. Entretanto, na Fazenda sente-se desprezado e não reconhecido. Não consegue
dialogar com outros internos, principalmente com os que são muito ignorantes. Depois de
algum tempo de nossa conversa, percebendo que fora acolhido e seguro, diminuiu a sua
defesa e abriu-se. Comentou que se sente mal, não acredita nem mesmo em si, na sua
própria força. O seu lado fraco, só podia mostrar nas conversas comigo e nunca mostrava
isso diante dos companheiros na Comunidade.
A nossa segunda conversa vai ser relatada mais para a frente. Para manter a ordem
do processo terapêutico, estou descrevendo, a seguir, os acontecimentos relatados no nosso
terceiro encontro.
Segundo Saulo, depois de estar alguns dias na Casa tentou se matar. Como me
contou depois, pegou uma faca na cozinha e foi para o meio do mato. Decidido de se matar,
começou a brigar com Deus. Perguntava-se revoltado: “Por que Deus não me ajuda? ”; “Por
que tantas pessoas conseguem superar as dificuldades e eu não?”; “Por que acontecem
milagres, que eu vejo na televisão, e comigo não acontecem?”; “O que eu fiz de tão grave
que Deus não quer me ajudar?” (sic). Depois de descarregar as suas mágoas, sentiu a
138
presença de Deus e ficou mais calmo. Esse exato momento, Saulo identifica como uma
revelação e conversão. Apesar de que não tinha recebido resposta das suas perguntas, sentiu
que na Bíblia deve buscar as respostas de Deus e começou a lê-la.
Todo dia, nas horas livres, ia ao mesmo lugar “no mato”, onde se encontrou com
Deus, para lá ler a Bíblia. O trecho que, no começo, mais o animou era do primeiro capítulo
da Primeira Carta aos Coríntios: “Deus escolheu o que no mundo não tem nome nem
prestígio, aquilo que é nada, para assim mostrar a nulidade dos que são alguma coisa”
(BÍBLIA, 1Cor 1,28). Saulo identificou-se com a pessoa rejeitada pelo mundo e entendeu,
que para Deus ele tem valor. Desde então, procurou se empenhar mais no conhecimento de
Deus.
No nosso segundo encontro, já estava bem diferente, estava mais alegre, os olhos
dele brilhavam de ânimo, queria agir. Falou, que antes, via Deus como “Deus punitivo” e
agora encontrou ”Deus de amor”. Nas orações e missas, memorizava a palavra do dia,
frases, as leituras bíblicas, mostrando depois para os companheiros, que eles precisavam
prestar mais atenção; que todos precisam se dedicar mais para procurar a vontade de Deus;
que eles estão errados de participar nas orações e depois brigar, falar palavrões, etc. Disse,
que tem muita disposição de participar em todas as atividades da Casa, levantar, rezar,
trabalhar; tem prazer de “ajudar a ovelha perdida” (sic). Durante a conversa, eu estava
bastante desconfiado dessa grande mudança, com um pouco mais de um mês na FE. Depois
de encontra-lo, pela primeira vez, como pessoa depressiva, agora, diante de mim, estava
um rapaz muito empolgado.
Ponderava que muitos católicos são pessoas relaxadas na fé, que não se importavam
viver nos conceitos da religião. Que ele antes era assim. Agora, depois de “descobrir a
Fazenda”, “descobrir a religião”, começou realmente a viver a fé, “descobriu a verdade”,
lendo o Evangelho e precisa testemunhar. Disse que quando fez catequese, estava pensando
que era convertido, mas “vivia a religião só externamente e não por dentro”, “sabia que
Deus existia, mas não o procurava de coração”, “mostrava a sua fé por fora, mas realmente
não era essa pessoa” (sic).
Depois de passar três meses na FE, Saulo achou que estava pronto para sair, pois
agora precisava ir para dar testemunho da sua conversão, trabalhar numa igreja, ajudar ao
próximo. Tomou a decisão, depois de pedir a Deus uma palavra, que o ajudasse a
determinar o que deveria fazer. Nos próximos dias, leu na Bíblia, onde, no oitavo capitulo
dos Atos dos Apóstolos, Deus envia Felipe para evangelizar. Também leu a história de
Paulo, que depois da conversão, foi enviado para pregar o evangelho. Agora entendeu, que
realmente Deus o envia para evangelizar as outras pessoas.
Conversou com o responsável pela Casa, e com o padre, e decidiu que estava pronto
para sair. Pediu a um outro padre, o mesmo que o trouxe para FE e que era conhecido da
família da esposa, para morar na paróquia em troca de trabalho na igreja. Achou que assim
vai ficar mais perto de Deus e trabalhando na igreja vai o conhecer melhor, tendo muitas
oportunidades para fazer a Sua vontade.
Encontrei de novo com Saulo na FE depois de três meses da saída dele, quando,
junto com o padre que o acolhia, trouxe um adicto para Fazenda. Conversamos brevemente.
Estava muito animado, falando, que tem oportunidade de dar testemunho trabalhando com
padre na paróquia. Contou que fica muito emocionado quando, na missa, recebe a
eucaristia, às vezes fica chorando. Cada vez que faz uma caridade, uma bondade, vive a
experiência do céu. Disse que já conseguiu “tirar da rua” três rapazes e leva-los para FE.
Do jeito que falava, parecia fazer questão de mostrar que tinha razão, saindo da Fazenda e
que os outros deveriam segui-lo.
Um mês depois, Saulo voltou para FE porque tinha tido uma recaída, procurava se
recompor e tomar decisão sobre seu futuro. Segundo ele, na paróquia onde estava, ficou
fazendo muitas coisas e, como vivia ás custas da paróquia, sentia muita cobrança do povo.
140
Participava nas diversas pastorais na paróquia, dava testemunhos nas escolas e diversos
encontros, fazia parte do grupo de liturgia e foi convidado para se tornar ministro da
eucaristia. Também começou a trabalhar e fazer faculdade.
Recaída e volta a FE
Segundo Saulo, ele “começou a viver muito na carne”. Ficava muito voltado ao
mundo. Admitiu que sentia a raiva e ódio diante da sua esposa, que quando ele estava na
Fazenda, arrumou o outro homem. Como relatou, “esqueceu que quem tinha de tomar conta
dos sentimentos era Jesus” (sic), não ele. Diante das dificuldades “se fechou e ficou quieto”
(sic), não procurou ajuda, achava que conseguia sozinho. Sem querer, voltou a ser
“o homem velho”, ficou cego. Foi ao bar, tomou cerveja, jogou na “maquininha”, usou
droga. Segundo ele, já durante o uso, ficou percebendo que estava fazendo mal. Sentia o
peso na consciência, uma voz interior que desaprovava sua atitude. No terceiro dia,
procurou ajuda e contou para padre, onde morava, sobre a sua recaída. O padre trouxe-o de
volta para FE.
Quando Saulo conversou comigo, parecia muito deprimido. Achava que estava
forte, mas passou por experiência de derrota. Pelas suas falas e gestos, mostrava que estava
vivendo um conflito interior. Falava sobre a luta do corpo, que é o lado negativo do ser
humano, contra o espirito, que é a parte positiva. Disse que “precisamos viver com pé no
chão e cabeça no céu” (sic). Percebi, que se referia à sua empolgação com a vontade de
evangelizar, esquecendo da existência do perigo. Culpava-se por não estar bastante forte e
resistir à tentação. Usava palavra “ele”, falando da força que o levou a recair.
Discorria que Deus conhece a fraqueza do homem e sempre quer o ajudar. Trouxe
a imagem do pai da parábola do Evangelho sobre o Filho Pródigo, porém, falando da
história, não usava a palavra “pai”, mas falava “Homem” (sic), no sentido de “chefe”. Na
sua fala, parecia, que, não conseguia ver Deus como pai amoroso, ou se identificava com o
Filho Pródigo e sua fala ao pai: “Pequei contra o Céu e contra ti; já não sou digno de ser
chamado teu filho” (BÍBLIA, Lucas, 15, 22). Quando perguntei como ele entende a questão
de culpa, Saulo discorria: “Tudo na vida depende da sua escolha, mas a graça de Deus é
para todos” (sic).
A sua volta para FE parecia ser um ato de expiação diante de Deus. Precisava arcar
com as consequências da sua decisão, recuperar os bens espirituais que perdeu, tirar das
141
costas o peso de recaída e receber o perdão de Deus. A maior penitência para ele era assumir
o erro, dar razão aos, que antes o alertavam, que três meses na Fazenda é pouco tempo e
ainda não se está pronto para sair do processo de recuperação. Era mais fácil assumir uma
derrota diante de Deus do que diante das pessoas.
Entendeu que ainda não está bastante forte, que “tem seus defeitos”, que “precisa
melhorar”. “Conversão é todo dia, todo dia tem que fazer entrega, ofertar a sua vida para
Deus” (sic). Depois de sua conversão, sempre observava, ponderava e julgava as pessoas,
apontando os erros delas, definindo o que elas precisam e o que ele deve oferecer a elas,
num ato de amor. Agora percebeu que não tem direito de julgar os outros. Que precisa olhar
os próprios erros e não o dos outros.
Como a regra da Fazenda da Esperança determina que o acolhido não pode voltar
para a mesma comunidade, antes de seis meses após de abandono do tratamento, Saulo foi
transferido para outra casa da FE. Eu não segui mais acompanhar a sua história.
Pessoa de classe social baixa, de 53 anos, casado, tem uma filha, participava por um
tempo na igreja evangélica, mas se declarava como católico (não praticante), usuário de
álcool.
Quando encontrei Sileno pela primeira vez, parecia ser um velho morador de rua,
com cabelo grisalho espetado, barba não feita por alguns dias e de roupa muito velha. Na
nossa conversa, Sileno estava bastante fechado, tinha dificuldade de se movimentar e falar.
Com um olhar triste, comentou que não podia trabalhar, mostrando a perna toda preta do
joelho para baixo. Disse que o problema dele é álcool e que gosta de beber, porque quando
bebe, fica mais sociável e as pessoas gostam mais dele. Porém, não pode mais beber por
causa da saúde e que o médico deu a ele dois meses de vida. Fizemos oito conversas
terapêuticas, nas quais contava-me a sua vida e suas dificuldades.
Como conta, sempre era fechado, trabalhava e cuidava de seu pai doente. Nesse
tempo não estava bebendo. Perto da casa dele, ficava um bar onde o dono era amigo dele.
Com quase 40 anos de idade, começou passar tempo no bar, bebendo. O bar era também a
“biqueira” e Sileno algumas vezes fumou crack, mas, conforme conta, não se viciou.
Percebendo que estava perdendo muito tempo no bar, decidiu parar. Foi convidado por um
amigo, que antes era traficante e vendia droga para ele, para participar na igreja evangélica.
Começou a frequentar a igreja, parou de ir ao bar e beber.
Depois de seis meses, devido a problemas que apareciam, ficava nervoso e voltou a
beber. Dessa vez bebia sem nenhum controle, pois, segundo Sileno, “na recaída é muito
pior” (sic). Nesse tempo, trabalhava em adega, onde, quando ficava sozinho, tomava quase
todas as bebidas que estavam lá: uísque, conhaque, pinga, vodca, vinho, cerveja, etc., como
dizia, juntando dava mais um litro por dia. Quando tinha 47 anos, começaram os problemas
de saúde. Foi internado no hospital com cirrose hepática. Devido às complicações, o médico
não quis fazer cirurgia e receitou remédios. Porém, Sileno não tomava medicamentos
prescritos, pois continuava bebendo e sabia que não deve misturar remédio com álcool.
Discorria que quando tomava ficava mais alegre, mais social, contava piadas, estava
mais solto. Quando voltava para casa, a mulher e a filha brigavam com ele, alegando, que
ele não podia beber, e não só por causa da saúde, mas também porque ficava mais bobo e
deixava-se enganar pelos outros. A mulher preparava para ele comida dietética por causa
da saúde dele. Sileno brigava com ela, reclamando que se sente preso, controlado, que não
quer que ninguém cuide dele.
Uma vez, Sileno foi convidado para participar no GEV (Grupo de Esperança Viva)
na cidade. Participou e, por causa dos testemunhos de alguns integrantes do grupo, pensou
sobre a internação na Fazenda da Esperança. Para sua decisão contribuiu o fato, de que,
nesse tempo, o médico deu para ele dois meses de vida, por causa do fígado e trombose,
143
que estava tomando conta da perna dele. A internação era o último recurso, que poderia
protegê-lo da morte.
Chegou à FE muito acabado, estava com uma perna toda preta, não poderia ficar
em pé, caminhava com dificuldade, não conseguia se alimentar bem. Tinha dificuldades de
participar nas atividades; nas primeiras semanas, ficava sem trabalhar ou com trabalhos
artesanais. Ficava angustiado com tantas atividades, tantas rezas, missas, etc. Achava que
não ia aguentar, queria só ficar em paz no seu cantinho.
Irritava-se muito fácil com os outros internos, mais jovens, que gostavam de
bagunçar, faziam barulho, atrapalhavam a dormir. Algumas vezes, entrou na discussão e se
sentiu ofendido. No nosso segundo encontro, me falou: “As palavres doem mais que o
tapa”, referindo-se às palavras que o outro interno usou no confronto. Estava fechado,
resmungava e reclamava muito.
Falava que acredita em Deus e rezava, mas não sabe se Deus o escuta. Na oração,
às vezes fica fechado, não consegue pedir nada, acha que Deus está bravo com ele.
A relação de Sileno com Deus assemelhava-se a um casal, que está brigando em silêncio.
Parecia, que Sileno passava por uma luta interior diante da sua fé. Não sabia como
interpretar as suas derrotas, sentia que Deus o quer punir e, às vezes, vinculava a culpa dos
seus problemas a Deus.
Nos encontros com ele, trabalhamos sobre questões: como ser dono da própria vida, como
expor as próprias convicções e ser assertivo na conversa.
Depois de meio ano, conseguia ficar mais tranquilo diante das “conversas fiadas e
provocações” (sic), começou a entrar nas brincadeiras. Sileno contava que a oração, as
missas e outros momentos espirituais dão para ele um grande alívio. Recorria a Deus com
prazer, “chorava calado” (sic) e saia da capela com uma “leveza de alma” (sic). Tinha mais
disposição, estava “com coração aberto” (sic), tanto para aceitar os acontecimentos, que
não dependiam dele, quanto para ajudar os outros.
Após nove meses, Sileno ficou como coordenador da casa. Quando era preciso,
conseguia chamar atenção dos outros, cuidando para não machucar ninguém com suas
palavras. Tornou-se uma pessoa que mostrava a própria opinião e ouvia os outros, sempre
procurando ajudar. Tinha um prazer em conversar e aconselhar. Usava as frases: “Quem
não se apega a Deus, não pode reclamar que Deus não o ajuda”; “Deus ama tudo mundo,
mas você precisa mostrar seu amor para Ele”; “Vai se apegar com Ele, oferecer o que pode
e Ele a você dá o que precisa”; “Deus vai tentar com você e você não vai fazer nada?” (sic).
Passando um ano, pediu para ficar mais um tempo na FE. Comentava que ali
conseguia ter a mente sempre ocupada. A sua religiosidade e seu apego à fé em Deus,
mostram-se nas frases: “Deus ensina a gente ter mais ânimo, deixar as coisas e problemas
para trás”; “Com Deus você acredita e você consegue”, “Lembrando o que estava no
passado, você quer buscar a vida nova, diferente, sóbria, ter amizades, viver as coisas, não
pensar na maldade, ódio” (sic).
Desde que Sileno saiu da Fazenda da Esperança, não tenho mais contato com ele,
porém, segundo as informações recebidas, ele está bem, participando na comunidade e no
Grupo da Esperança Viva.
PARTE III
Capítulo 5
Veja, Álcool em Latim é “spiritus” e usamos a mesma palavra para a mais alta experiência religiosa assim
como para o mais depravador dos venenos. A fórmula benéfica, portanto, é: spiritus contra spiritum.
A experiência religiosa inspira uma mudança que pode acontecer de modo gradativo
levando a pessoa modificar seu jeito de ser ou na forma abrupta, sentida como momento de
conversão religiosa, o fenômeno que já conhecemos. Essa última forma de uma mudança
radical, encontramos em dois casos clínicos: de Jó e de Saulo.
15
Na psicologia, compreensão repentina, em geral intuitiva, de suas próprias atitudes e comportamentos, de
um problema, de uma situação. (cf. FERREIRA, 1986).
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Nos casos de Hulk e de Sileno, não temos registros de a passagem por uma
conversão religiosa, entretanto, a religiosidade deles, no processo de recuperação na FE,
sofreu algumas mudanças.
Jó, depois da sua recaída, precisava reconstruir de novo seu sistema de significado,
a sua fé. Na FE, passou por uma transformação, ou, pelo menos, alguns reajustes da sua
religiosidade, que lhe proporcionaram base de autoconfiança, diminuição dos conflitos
internos por aceitando a sua fragilidade. A transformação da imagem de Deus punitivo, que
possuía antes, para imagem de Deus de amor, provocou a reinterpretação da sua fé e da sua
recaída.
Saulo, antes da sua conversão, possuía uma fé convencional, via Deus, como um
criador e legislador, que com sua onipotência pode fazer tudo, mas é distante e impessoal.
150
Através da sua conversão, conheceu um Deus próximo, cuidador, que quer a felicidade para
cada homem e sofre com desobediência humana. Transformou-se, de uma pessoa que
estava sempre descontente e reclamava de tudo, em um exemplo de dedicação para os
outros acolhidos na Fazenda. Ficou amoroso, sempre disposto a ajudar, primeiro nas
atividades e aberto para entender as dificuldades do outro. Sua fé começou a ter um grande
sentido para sua vida. Depois de três meses, decidiu sair da casa de recuperação para dar
testemunho da sua transformação.
Sileno, como Hulk, chegou à FE fechado e deprimido. Tinha uma fé em Deus, mas
com sentimento de vergonha e frustração. Deus estava distante, escondido, sem revelar a
sua face. No processo de recuperação aproximou-se de Deus, começou a confiar a ele a sua
vida e seus problemas. Com a força da devoção, aceitou a sua fragilidade e abriu-se para as
pessoas. Primeiro, a sua religiosidade começou a ter um significado, como uma forma de
entender o mundo, no segundo momento, a sabedoria divina tornou-se um jeito natural de
viver.
Resumindo, podemos dizer, que Saulo, Hulk e Sileno, quando chegaram na FE,
possuíam uma fé mais ou menos consistente, com as crenças e valores definidos, mas sem
uma posição própria em termos de sentido e com uma mentalidade de troca. Durante o
processo terapêutico, a religiosidade deles começou a ter um caráter individual, com um
pensamento crítico diante da sua própria identidade religiosa e com a fé de serem
instrumentos de Deus no mundo. Entretanto, o Sileno deu mais um passo, conseguiu
unificar as controvérsias da própria fé e da realidade vivida, diminuindo bastante seus
conflitos interiores. O mesmo, aconteceu com Jó, esse, porém, já chegou na FE com uma
fé individualizada e refletiva, com seu dever de servo de Deus. Na FE integrou a sua fé com
a vida e procurando, não só a fazer vontade de Deus, mas ser uma manifestação dele no
151
mundo. As mudanças da fé, durante o processo terapêutico na FE, são apresentados nos
quadros 5.1 e 5.2.
Quadro 5.1
Casos classificados conforme os estágios da fé de Fowler
Quadro 5.2
Casos classificados conforme os estágios da fé de Oser e Gmünder
Quadro 5.3
Casos classificados conforme os estágios do desenvolvimento moral de Kohlberg
Hulk, saiu da FE, antes do tempo, ao pedido dos responsáveis, por não seguir as
regras da instituição. A imagem de Deus amoroso, mas exigente, continuava a provocar um
conflito interno. Entretanto, esse conflito está dando para ele um forte suporte. Com a
convicção de que não deve ser ingrato a Deus, um ano e meio depois da saída da FE,
continua sóbrio.
Jó, conforme seus relatos, depois da sua conversão, estabeleceu uma forte relação
com Deus. A sua recaída o mobilizou para procurar o auxílio na sua religiosidade, contudo
o sentimento da indignidade impediu-o de uma aproximação a Deus. Podemos avaliar, que
Jó chegou à FE com um apego forte a Deus, porém, inseguro, chamado por Hall (2007),
como apego temeroso. Durante do seu tratamento conseguiu mudar a sua relação com Deus,
alterando o entendendo da própria indignidade. Aceitou a própria fraqueza, como parte
humana, pedindo o apoio de Deus. Adquiriu um apego seguro na sua religiosidade.
Hulk, chegando à FE, possuía a fé em Deus, mas sem apego forte e, com certeza,
não era um apego seguro. Pelo fato, de Deus parecia-lhe distante, podemos concluir que
era um apego do tipo evitante. No processo de tratamento, aproximou-se de Deus, porém,
só conseguiu ver Deus na forma de próprio pai dele. Não se permitia de queixar diante de
Deus, falava que a reclamação é uma ingratidão a Deus. Provavelmente esta atitude era a
consequência da visão de Deus como pai, que preza um filho forte e não quer ouvir filho
chorando ou reclamando. Estabeleceu com Deus uma relação ambivalente, insegura, tipo
de apego ansioso.
Saulo, quando chegou à Fazenda, tinha visão de Deus distante. Falava que sabe que
Deus existe, mas não sentia a presença dele na sua vida. Esse tipo de apego podemos
154
chamar de distante ou evitante. Depois da sua conversão, contava, que Deus parecia estar
muito próximo, que sentia a presença dele na sua vida. Ponderava, que agora encontrou o
Deus de amor, ficou mais seguro na sua fé, buscando o auxílio de Deus, “Deus te dá força,
mas escolha é sua” (sic). Saiu da FE, parecendo possuir um apego seguro, porém, depois
de quatro meses recaiu. Quando voltou estava se condenando por causa de recaída. Parecia
que estava em conflito, mais pela própria insegurança do que por não confiar no perdão de
Deus. Podemos levantar a tese, de que tinha um apego seguro, com pequena dose de
ansiedade de merecer o amor de Deus.
Conforme os relatos de Sileno, quando chegou à FE, ele “estava brigado” com Deus.
Provavelmente, depois de tentar se recuperar, até mudando de Igreja, sentiu que Deus não
quer ajudá-lo. Podemos interpretar, que Sileno antecipa a rejeição de Deus, evitando o seu
envolvimento afetivo. Portanto, teria desenvolvido um apego forte, mas inseguro, do tipo
evitante. Durante o tempo de tratamento na Fazenda, mudou a sua visão de Deus, discorria:
“Com Deus você acredita e você consegue” (sic). A sua religiosidade tornou-se um porto
seguro, onde agora estava procurando apoio. Aderiu a um apego seguro.
Jó, apesar de que possuía uma religiosidade bem atuante, na prática, ela não
conseguia responder de modo satisfatório os problemas encontrados. Buscava as resoluções
155
por outros meios, fez tratamento psiquiátrico e terapia no atendimento psicológico; tomava
remédios e até ficou internado, porém, não ficava satisfeito com tratamentos e resultados
obtidos. Buscou resolução pelo tratamento religioso numa comunidade terapêutica
evangélica, porém, também sem efeito. Decidiu ir para Fazenda da Esperança.
Hulk, com a influência da mãe, decidiu procurar ajuda na luta contra seu vício, na
religião, pois, apesar de não praticar nenhuma religião, possuía uma forte fé em Deus.
As dificuldades dele de resolver as inquietações existenciais eram mais visíveis, tanto no
momento de chegada dele à FE, como também durante o tratamento. A sua posição
depressiva mostrava que estava totalmente perdido diante da própria fragilidade. Depois de
algum tempo na Casa, quando se aproximou de Deus, começou a ver nele o amor, porém,
continuava com sensação da própria indignidade. Com a imagem de Deus exigente, a sua
religiosidade não respondia: “Por que ele não consegue?”. Com a falta de resposta,
continuava com autoestima baixa. A busca pela segurança, também, no início era baseada
com a própria força e parecia ser condenado ao fracasso. Porém, a fé em Deus, adquirida
na FE, e em seu plano, assegurava a frágil esperança, que a vontade de Deus ia vencer.
Desde a chegada à FE, Hulk estava com muito medo de não conseguir dominar o seu vício.
No processo de recuperação, aprendeu que necessita confiar em Deus e no seu poder,
entretanto, provavelmente por não ter certeza de merecer, a percepção de controle
permanecia instável e ambíguo.
156
Saulo, chegou à FE muito desanimado. Sem a força própria, queria “testar” a força
de Deus. Não possuía explicação para sua impotência diante do vício; se sentia inseguro
com a imprevisibilidade do futuro; sentia, que não tinha controle sobre a sua vida. Tentava
segurar a sua baixa autoestima pela postura rígida, mas evidentemente não conseguia. Já
no começo de tratamento, passou pela experiência de conversão religiosa e desde então a
sua expectativa mudou. A explicação religiosa deu conta de todas as perguntas existenciais.
Pela crença no amor divino e que ele é escolhido por Deus, sua autoestima aumentou
bastante. Confiava, que agora, com Deus está seguro e, que com a divina providência,
consegue ter domínio sobre seu vício. Acreditava, que pelo cumprimento das suas
obrigações religiosas, de amar, rezar, evangelizar, etc., Deus o ia proteger. Com a força da
religiosidade, superava todos os medos existenciais. Infelizmente, depois de quatro meses,
recaiu e perdeu de novo autoestima, segurança e controle. Podemos arriscar a hipótese de
que as suas explicações existenciais religiosas não estavam bastante maduras e, com a
empolgação da sua fé em Deus, não estava preocupado suficientemente com seu lado
humano.
Sileno, como todos os outros casos, começando seu tratamento na Fazenda, estava
com autoestima muito baixa. Os testemunhos no grupo GEV despertaram nele a esperança
de encontrar a sua força na religião. Tinha medo do seu futuro, não só por causa do vício,
mas também pelo perigo de morte, anunciada pelos médicos. Não conseguia dominar a
situação, não via jeito, como resolver os seus problemas. Pela aproximação a Deus, pela fé
na sua misericórdia e seu amor, começou a vencer os seus medos. Cada vez mais confiava
em Deus, no seu amor, nos seus planos e na sua providência. Dizia: “Vai se apegar com
Ele, oferecer o que pode e Ele dá a você o que precisa” (sic). No final da sua recuperação,
comentava que estava vivendo a vontade de Deus. As respostas dos seus problemas
passaram pelo lento processo de amadurecimento e por isso parecem ser fortes.
Segundo autores citados, que estudam coping religioso, a religião traz uma visão de
mundo em que existem as forças opostas nas quais o ser humano está envolvido. Por
exemplo, na religião cristã existe uma luta do bem e do mal, apresentada pelas forças
personificadas de Deus e do Diabo. Para encontrar o significado, que oferece apoio
religioso, acontece uma avaliação das situações estressantes, interpretando, como e essas
forças interferem na vida.
Jó
malignas e explicava isso com a sua fraqueza. Não entendia por que Deus não o estava
ajudando, se isso era uma prova ou uma punição.
Na FE, mudou a sua visão sobre si mesmo, sobre o castigo divino e sobre a ação de
Deus no mundo. Segundo Jó, Deus tem seu plano e tudo que acontece pode ser aproveitado
para o bem. Deus não castiga, mas as pessoas se castigam, quando não confiam no poder
de Deus. Quando alguém busca realizar o bem, com a força divina, pode derrotar o mal.
Hulk
Antes de Hulk entrar na FE, o significado dos problemas, que a religião podia
oferecer, era o castigo de Deus ou as obras das forças do mal. Era bem claro para ele, que
não estava conseguindo vencer as tentações do mal, ao mesmo tempo, interpretava que
Deus não estava contente com ele.
Na casa de recuperação, aprendeu que Deus o ama, porém não poderia enxergar,
nas suas situações estressantes, alguma coisa boa. O demônio estava muito forte e ele
mesmo fraco. Aumentou a crença no poder divino e começou a se entregar à sua vontade.
Saulo
No caso do Saulo, não temos muito dados, que, antes de se internar na FE, passando
pelos problemas, usava a religião para encontrar o significado da vida. Os primeiros
indícios dessa busca, aparecem quando queria se matar. Já estava alguns dias na casa de
recuperação e acreditamos que isso despertou o uso de enfrentamento religioso. Sua
conversão foi antecipada pela reivindicação do poder divino e, sabemos pelas suas queixas,
que se sentia punido por Deus.
Depois da sua recaída, Saulo interpretava que a sua recaída era pelo poder do
demônio, de quem ele deixou de tomar conta. A história do Filho Pródigo, mostra que via,
junto com a sua recaída, uma força de Deus, que estava disposto acolhê-lo. Parecia fazer
uma leitura levemente positiva do seu erro pela possibilidade de isso fazer parte do plano
de Deus.
Sileno
Sileno decidiu se internar na Fazenda da Esperança por causa dos testemunhos que
ouviu no GEV. Olhava a sua realidade como uma derrota diante das forças do mal e,
acreditando no poder de Deus, viu na religião a sua chance de superação. Estava avaliando
que a sua situação poderia ser castigo pelas suas fraquezas e não sabia como aproximar-se
de Deus punitivo.
No tratamento na FE, pouco a pouco, abriu seu coração pelas orações e aproximou-
se de Deus. Compreendeu que, apesar das suas escolhas erradas, Deus o amava e pôde,
através dos erros cometidos por ele, levá-lo o caminho certo. Mudou a sua visão de punição
divina, avaliando-a, não mais como uma retaliação, mas como a consequência da escolha
humana, que pode servir para o bem.
Jó
Jó, já usava o enfrentamento religioso, antes de chegada à FE. Nessa etapa buscava
dominar as situações estressantes esperando que Deus desse-lhe força. Confiava em Deus,
porém, tinha dificuldade de confiar a Deus os seus problemas, por causa da vergonha que
160
sentia de não dar conta. Estava perdido, não sabendo onde buscar a força: “O que acontece,
depende de nós ou de Deus?” (sic). Por isso, o seu enfrentamento não era colaborativo, ou
esperava passivamente que Deus resolvesse os seus problemas, ou tentava mostrar a sua
própria força e resolver as situações por direção própria. Tentava entregar a sua vida nas
mãos de Deus, despreocupado das dificuldades, o que aprendeu na igreja e na clínica
evangélica, onde ficou por dois meses. Isso não dava resultados. Buscava, fora da religião,
fazer tratamento psiquiátrico, mas ficou decepcionado e o abandonou isso.
Hulk
Hulk acreditava em Deus e, diante das derrotas, esperava passivamente que Deus
fosse mudar a situação. Assumindo a culpa, nem se aproximava de Deus para pedir ajuda.
Estava com vergonha e nem conseguia colaborar com Deus.
Depois de algum tempo na Fazenda, Hulk aprendeu que podia pedir de Deus a
intercessão. Começou mais intensamente a oferecer o controle dos seus problemas ao poder
divino. Por causa da vergonha, usava o enfrentamento colaborativo com muita resistência.
A religiosidade tornou-se uma forma mais visível na procura de dominar as situações,
porém, mais do tipo de entrega ativa e súplica.
Saulo
Antes de ser acolhido na casa de recuperação, Saulo estava totalmente fechado para
ajuda, seja por parte de pessoas, seja por parte de Deus. Discursava, que sozinho pode dar
conta de controlar a sua situação. Percebendo que não conseguia, decidiu passivamente
esperar pela vontade de Deus, internando-se na FE.
Sileno
Sileno não sabia como dominar as suas dificuldades e, apesar de que acreditasse em
Deus, não pensava sobre a possibilidade de seu próprio fortalecimento pela religiosidade.
Esperava passivamente por Deus: se Ele quiser, podia fazer milagres, mas deve ser que não
queria. Sileno se sentia abandonado.
Jó
Jó, como pessoa religiosa, desde a sua conversão, buscava na religião a orientação
e conforto espiritual. Entretanto, nas situações estressantes, tinha vergonha de pedir apoio
a Deus ou procurar o seu amor. Em vez disso, pedia perdão por ser fraco, expressando
diante de Deus a sua insatisfação consigo mesmo. Quando recaiu, se sentia desprezível e
até a sua aproximação com Deus provocava o desconforto.
Na casa de recuperação compreendeu que Deus está com o ser humano sempre e,
principalmente, nos momentos de dificuldades. Começou a pedir a Deus ajuda e cuidado,
acreditando que podia vencer as próprias faltas através da ligação com o poder divino.
Solicitava a orientação na caminhada dia a dia. Reconheceu a importância de envolvimento
nas atividades religiosas, para obter a força espiritual. Os limites religiosos, que antes eram
externos e impessoais, agora se tornaram uma ajuda amiga. Dizia: “A pessoa precisa de
orientação e a religião a traz” (sic).
162
Hulk
Nas primeiras conversas com Hulk, percebi, que se sentia indigno de se aproximar
a Deus, sentindo-o como muito exigente. A única coisa que orientava Hulk eram os limites,
que a religião proporcionava. Com o tempo, a sua abertura, diante de Deus amoroso,
promoveu a procura pelo apoio espiritual e cuidado.
Nas atividades religiosas e orações, começou a sentir alívio e buscar perdão das suas
faltas. Continuava a demarcar fortemente os limites do seu comportamento, procurando
sempre a orientação religiosa. Mas, não poderia reclamar diante de Deus, pois “a ingratidão
a Deus é a pior coisa” (sic). Seu aproveitamento do enfrentamento para ganhar o conforto
espiritual era limitado.
Saulo
Saulo não tinha proximidade com Deus e, por isso, não procurava nele orientação
ou conforto espiritual. O único conforto, que experimentava, acontecia no uso de droga,
mas esse era momentâneo e, depois, só trazia desconforto. Chegando à FE, ouviu que devia
confiar em Deus e lhe oferecer a sua vida. Sentindo-se abandonado por todos e por Deus,
começou a reclamar e questionar com Ele. Buscou o apoio espiritual e recebeu.
Sileno
A religiosidade de Sileno não lhe oferecia nem a proximidade com Deus, nem o
conforto espiritual. Apontava apenas algumas referências de comportamento e, por isso,
Sileno, apesar de que guardasse as mágoas, nunca fez nenhum mal a ninguém.
Jó
Jó tinha vergonha de assumir os seus problemas diante das pessoas da igreja e, por
isso, seu enfrentamento religioso pela proximidade com outros irmãos era limitado.
Entretanto, lembrando do apoio que recebeu quando estava na prisão, sempre estava
disposto a ajudar, oferecendo ajuda e conforto espiritual aos outros.
Hulk
Na Fazenda Esperança, abriu-se muito para outros. Gostava de conversar com quem
o ouvia e buscava apoio com as pessoas de confiança. Começou a reclamar bastante e
criticar as atitudes que não achava certas, porém, não expressava os seus problemas ou
questionamentos religiosos. Tinha dificuldade de assumir a própria fragilidade e também
não aceitava erros dos outros.
Saulo
Antes de ingressar na FE, Saulo evitava aproximação com outras pessoas, sentindo
desaprovação e crítica. Não conhecia ninguém, a quem pudesse confiar os seus problemas
e dúvidas. Fechado para as pessoas, só criticava atitude dos outros. Na sua conversão,
164
entendeu que Deus quer que ele seja o instrumento do seu amor. Mudou radicalmente o
jeito de se relacionar.
Sileno
Sileno não usava métodos de enfrentamento religioso, para proximidade com outras
pessoas. Tinha autoestima baixa e evitava contato com outros, a não ser quando bebia.
Nesses momentos, ficava alegre e conversador. A bebida servia como modo de se abrir e
buscar aproximação.
No tratamento na FE, descobriu que podia ser sociável sem usar álcool; que com a
força da religiosidade, também conseguia ser alegre e aberto; que pode obter ajuda dos
outros e oferecer a sua; que no meio das pessoas da família, da igreja e da comunidade,
podia receber orientação ou desabafar, quando estivesse insatisfeito.
A busca religiosa pelo apoio das pessoas, baseia-se nos nossos casos na abertura
diante do próximo e no fato de que o amor de Deus se revela nas relações interpessoais.
Avaliamos que as pessoas analisadas buscam o apoio religioso para proximidade na medida
em que assumem as suas limitações pessoais.
para o futuro. Várias habilidades individuais podem levar a melhor relação com outras
pessoas e ajudam criar as relações sociais satisfatórias.
16
Park, N.; Peterson, C.; Seligman, M. P. Strengths of character and well-being. In: Journal of Social and
Clinical Psychology, vol. 23, n. 5 (2004), pp. 603-619.
166
Jó
Hulk
Hulk, era uma pessoa amorosa, mas não parecia ser feliz. Sentia-se ingrato diante
dos pais e não conseguido perdoar-se dos próprios erros, também não se percebia realizado.
Reclamava da ingratidão dos outros diante da sua dedicação. Com a relação ao futuro, não
mostrava otimismo. Apresentava o amor pelas pessoas, mas não pela própria vida. O seu
estado emocional era muito instável, por isso, não percebia seu engajamento como algo
completo.
Saulo
No caso de Saulo, temos uma clareza das suas emoções negativas no momento de
entrada na FE. A sua leitura do passado era completamente negativa, não existia um
sentimento de gratidão e generosidade. Guardava as mágoas. Sensação do futuro também
era pessimista, com uma pequena esperança em Deus, como uma luz no fim do túnel.
Andava amargurado e revoltado com mundo.
Sileno
Na análise dos casos, aparece o aumento das emoções positivas, como elementos
correlacionados com sentido religioso, que oferece o significado positivo de vida. Podemos
168
Jó
Antes da sua internação na FE, não temos muitos dados sobre se Jó vivia com
sabedoria e conhecimento. Percebemos até uma certa resistência de lidar com as nova ideias
e pensamentos. Mais fácil foi-nos avaliar as suas forças de vontade diante dos obstáculos.
Jó relata que na recaída, não teve coragem de revelar o fato à sua mulher ou aos irmãos da
igreja. Não conseguia ser sincero, assumir a responsabilidade arriscando-se à de
desaprovação. Não possuía entusiasmo e energia para viver plenamente.
Conforme os relatos de Jó, depois da sua conversão na prisão, ele estava muito
sensível ao sofrimento dos outros. Gostava de cuidar e ajudar as pessoas, porém, muitas
vezes interpretava as necessidades alheias, o que outro precisava, através de próprios
valores. O senso de justiça, principalmente a honestidade, também era sempre a virtude
forte de Jó, mas faltavam-lhe elementos de sociabilidade para trabalhar bem em equipe.
17
Nesse estudo a palavra “forças de caráter” tem o mesmo significado que “virtudes”.
169
perdoar. Era uma pessoa religiosa, com a espiritualidade que lhe fornecia um propósito
maior de vida, contudo, sua alegria dependia muito dos seus sucessos e derrotas.
No seu tratamento na Fazenda, o próprio Jó comenta que a mente dele se abriu para
contemplar as questões diferentes do seu pensamento antigo. Procurava ler diversos livros,
conhecer a vida dos santos da igreja católica e os diferentes tipos de espiritualidades.
Aceitava o valor das outras religiões e olhava para as pessoas sem preconceito, por
exemplo, os homossexuais. Aderiu a uma força de vontade, que o deixava firme diante dos
obstáculos. Não tinha mais medo de assumir a sua fraqueza. Vivia de todo o coração,
entusiasmado pela vida.
Seu amor estava mais aberto para procurar a suprir as necessidades das pessoas sem
ressalvas. Aprendeu a exercer a liderança, estimular os outros acolhidos na FE, para fazer
as coisas. Conseguiu não quadrar mais as suas emoções negativas e com prudência
expressar seus sentimentos. Graças a isso voltou ao equilíbrio emocional e melhorou
autocontrole. Aumentou a sua força espiritual através de melhor autoconhecimento.
Tornou-se pessoa mais bem-humorada.
Hulk
O seu senso de justiça de Hulk era forte, porém, instável por causa das fortes
emoções. Não sabia trabalhar em equipe. Não dominava os próprios sentimentos, que saiam
sempre do seu controle, levando aos conflitos. Diante da pressão interna, não sabia regular
as suas ações, guardava os sentimentos ruins, que depois apareciam de modo impulsivo.
Gostava da natureza e desde início apreciava a beleza da Fazenda, sentindo nesse lugar a
presença de Deus.
Durante do tratamento da dependência química, Hulk ficou mais criativo, abriu sua
mente a novas ideias e gostava de aprender as coisas novas. Tornou-se mais animado e
passava essa animação para os outros internos, contudo, seu entusiasmo dependia do
170
Na FE, aprendeu ter mais autocontrole sobre seus sentimentos, combatia a raiva e
mágoa com amor e misericórdia. Ficou mais prudente, tomando muito cuidado com suas
palavras e ações. A sua força da fé em Deus pai, que ama, mas fica decepcionado com erros
dos seus filhos, motivava-o para não desistir manter a esperança e sempre ser grato. Não
conseguiu aceitar as ambiguidades existenciais.
Saulo
Segundo Saulo, ele sempre era considerado uma pessoa inteligente. Desde o começo
da sua estada na FE, gostava de dar palpite e corrigir outros, entretanto, o seu conhecimento
não gerava soluções, mesmo para os próprios problemas. Ficava desanimado diante das
dificuldades. Não se interessava para ajudar, estava preocupado demais com consigo
mesmo para reconhecer as necessidades das outras pessoas. Reivindicava a justiça só para
si ele, não conseguindo assumir a visão do grupo.
Depois da sua conversão na FE, Saulo tornou-se uma pessoa muito criativa,
ajudando, com facilidade, resolver os diversos problemas na Casa. Abriu-se para dominar
as novas habilidades e conhecer novos assuntos. A sua força de vontade aumentou
imensamente, as dificuldades não lhe desanimavam, era persistente, enfrentava os desafios
cotidianos com entusiasmo e energia. Aprendeu a trabalhar mais em equipe e praticando a
compaixão, tornou-se um líder, capaz de fazer os outros mais envolvidos.
o seu ânimo através da fé em Deus, que lhe dava o sentido para vida e entusiasmo para
viver o Evangelho, como ensinava a Fazenda. Seu otimismo sustentava todas as atividades,
de jeito, que começou a esquecer dos problemas reais.
Sileno
No momento do seu ingresso na FE, Sileno estava muito fechado e não mostrava as
suas virtudes. Era difícil perceber nele algum tipo de sabedoria. Pelo contrário, mantinha
mente fechada às novas experiências e perspectivas. Só o fato da existência dos obstáculos,
gerava nele o desânimo. Começava a resmungar e perder o resto da coragem para enfrentar
a vida.
Não possuía uma capacidade de dar e receber amor. Sentia-se injustiçado pela vida,
porém, se considerava uma pessoa honesta. Era exigente com outros, ficava bravo diante
dos erros cometidos por outros acolhidos. Guardava sentimento de mágoa quando alguém
o feriu. Não controlava as suas emoções, mas as escondia. Não possuía um sentido maior
da sua vida, sentia-se bem com aceitação dos outros, porém, na maioria das vezes, se sentia
desprezado. Em relação ao futuro, era muito pessimista.
elementos como generosidade, perdão, engajamento, gratidão etc., estão presentes nos
propósitos da FE.
Não possuímos dados sobre o retorno dos nossos casos para as suas famílias e dos
relacionamentos vivenciados depois de recuperação. Porém podemos confirmar a
existência dos novos meios para uma convivência melhor.
A Fazenda da Esperança convida sempre os que não estão vivendo nas casas de
recuperação, a participar nos grupos GEV. Isso é uma proposta para manter os laços de
amizade no meio das pessoas que tem o mesmo propósito de se manter sóbrios, mas
também para os seus familiares, para incluir ativamente a família no processo de
recuperação e manutenção da abstinência.
Segundo Peterson (2000), a religião possui um valor muito grande para satisfação
de vida, pois além de oferecer o significado existencial, fornece o sentido de pertencimento
e apoio social. A religião, geralmente é praticada em comunidade onde o indivíduo sente
apoio espiritual de “almas gêmeas”, que são ligadas entre si pelo mesmo espirito de amor.
Na comunidade, as pessoas podem confrontar e direcionar a sua fé, alimentando as suas
convicções e comprovando, para si mesmas, as suas certezas existenciais.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
mudanças religiosas nem sempre conseguem ajudar na superação das fragilidades pessoais,
como no caso de Hulk, ou podem ser instáveis, sujeitos de declínio, como no caso de Saulo.
No mundo cada vez mais secularizado, a religiosidade tende de ser vista como um
elemento arcaico, que precisa ser superado. No campo científico, costuma ser banalizada
ou ignorada. Na psicologia clínica, é vista como um elemento privado e reservado, colocada
junto com as convicções políticas e ideológicas nas quais o psicólogo clínico não deve
entrar (cf. CPF, 2014, Art. 2º, “b”).
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191
ANEXO 1
Caro Amigo,
Solicito sua colaboração e participação na pesquisa sobre a importância da
religiosidade no processo de recuperação de dependentes químicos, que faz
parte da minha tese de doutorado pelo Programa de Pós-Graduação em
Ciências da Religião na PUC São Paulo, sob a orientação do prof. João Edênio
dos Reis Valle.
Após ser esclarecido sobre as informações a seguir, no caso de aceitar fazer
parte do estudo, assine ao final deste documento, que está em duas vias. Uma
delas é sua e a outra é do pesquisador responsável.
Desde logo fica garantido o sigilo das informações. Em caso de recusa você não
será penalizado de forma alguma.
ANEXO 2
Nome: _____________________________________________
Assinatura: ____________________________________
196
ANEXO 3
O ____________________________________________________________
CNPJ _________________________________________________________
declara consentir a realização da pesquisa científica intitulada "A importância da
religiosidade no processo de recuperação de dependentes químicos: o
Atendimento Psicoterápico dos adictos internados na casa de recuperação de
cunho religioso", um estudo de autoria do doutorando Wojciech Mittelstaedt, sob
a orientação do Prof. João Edênio dos Reis Valle. (PUC/São Paulo).
Afirma ter ciência que os procedimentos consistirão na aplicação, pelo
pesquisador, de questionário de múltipla escolha e auto aplicado, adictos
internados na casa de recuperação da referida instituição.
As respostas e resultados serão analisados, com posterior redação do trabalho,
de tal forma que as pessoas que responderem as questões não sejam
identificadas, portanto será mantido sigilo sobre a identidade dos respondentes.
Representante legal
Nome: ________________________________________________________
Ass/carimbo: ___________________________________________________