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Pontifícia Universidade Católica de São Paulo

PUC-SP

Wojciech Mittelstaedt

A religiosidade como um método terapêutico


de recuperação de dependentes químicos:
Um olhar clínico

Doutorado em Ciências da Religião

São Paulo
2017
Pontifícia Universidade Católica de São Paulo
PUC-SP

Wojciech Mittelstaedt

A religiosidade como um método terapêutico


de recuperação de dependentes químicos:
Um olhar clínico

Doutorado em Ciências da Religião

Tese apresentada à Banca Examinadora da


Pontifícia Universidade Católica de São Paulo,
como exigência parcial para a obtenção do
título de Doutor em Ciências da Religião, sob a
orientação do Prof. Dr. João Edênio Reis Valle.

São Paulo
2017
Banca Examinadora

___________________________________________________

___________________________________________________

___________________________________________________

___________________________________________________

___________________________________________________
A conclusão de meu programa doutoral e desta
tese não seria possível sem a bolsa integral de
estudos CAPES - PROSUP/SP por meio da
FUNDASP, no período de 01/04/2014 a
31/03/2017, conforme contrato: 1301696.
AGRADECIMENTOS

Agradeço:
A Deus;
As pessoas da Fazenda da Esperança - fundadores, diretoria, colaboradores,
responsáveis e acolhidos;
Ao meu orientador Prof. Edenio Valle, aos professores do programa Ciência da
Religião e a querida secretária Andreia;
Aos amigos e colegas do grupo de pesquisa Psicologia e religiosidade:
peculiaridades da PUC-SP;
Aos amigos e colegas do Instituto Acolher – ITA;
Aos meus confrades da Congregação do Verbo Divino e irmão Nelson, pela
correção do meu português;
Aos amigos da paróquia São Marcos Evangelista – Parque São Rafael;
A todos que me ajudaram realizar este projeto...
RESUMO

A presente pesquisa procura ilustrar as especificidades do processo de recuperação da


dependência química na comunidade terapêutica de cunho religioso, onde a religiosidade
incentivada e vivenciada se torna a ferramenta principal na luta contra a dependência. Essa
tese quer contribuir na prática do trabalho de recuperação dos dependentes químicos,
mostrando a religiosidade como método de terapia. Como hipótese foi considerada a
religiosidade como fonte de sentido existencial e das forças psíquicas, com as quais o
dependente químico tem maior possibilidade de abandonar o vício e proteger-se melhor da
recaída. Através de relatos dos atendimentos psicológicos dos quatro casos clínicos, foram
analisadas as mudanças ocorridas durante a internação, no sentido religioso e existencial,
nos métodos de enfrentamento e na satisfação de vida. Para realizar esse propósito foram
apresentadas: a complexidade do problema da dependência das substancias psicoativas e
os aspectos da religiosidade, que fornecem o significado existencial e maior resiliência.
As transformações foram examinadas a luz dos conceitos de experiência religiosa, sentido
existencial, conversão e teorias de desenvolvimento religioso e moral. O caráter do vínculo
formado com Deus foi avaliado pela teoria de apego. As particularidades da explicação
religiosa foram ponderadas conforme da teoria de atribuição. Os métodos de enfrentamento
para buscar significado, controle, conforto espiritual e proximidade com outros, foram
analisados pela teoria de coping religioso de Pargament. Os elementos do bem-estar e
satisfação de vida, tais como emoções positivas, forças de caráter e relacionamentos
positivos, foram contemplados em luz dos conceitos da psicologia positiva. Foi constatado,
que as transformações de religiosidade levam uma mudança significativa de sentido e
aumentam as forças psíquicas positivas. Nesse modo, a pesquisa verificou a influência
positiva da religiosidade no processo de recuperação, aumentando a resiliência do
dependente e fornecendo vários elementos protetores.

Palavras-chave: dependência química, casa de recuperação, religiosidade e drogadição.


ABSTRACT

This research seeks to illustrate the specificities in the process of recovery from chemical
dependency in the therapeutic community of religious nature, where the religiosity is
encouraged and lived becomes the primary tool in the fight against the addiction. This study
wants to contribute to the recovery methods of the chemical dependents, showing that the
religiosity as a method of therapy. As the hypothesis was considered the religiosity as a
source of existential sense and psychological forces, with which the chemical dependent
has got a greater possibility to abandon the addiction and to protect himself better from a
relapse. Through the reports of the psychological care of four clinical cases during the
addiction treatment, the changes occurred during the time of treatment were analysed in the
religious and existential sense, through the methods of confrontation and life satisfaction.
To realise this purpose have introduced: the complexity of the problem of dependence on
psychoactive substances and those aspects of religiosity, which provide the existential
meaning and greater resilience. The transformations were examined in the light of the
concepts of religious experience, existential sense, conversion and theories of religious and
moral development. The character of the bond formed with God was evaluated by the
attachment theory. The particularities of a religious explication were considered according
to the theory of attribution. Those methods of confrontation to bring meaning, control,
spiritual comfort and closeness with others, were analysed by the coping religious theory
of Pargament. The elements of well-being and life satisfaction, such as positive emotions,
forces of character and positive relationships, were contemplated in the light of the concepts
of positive psychology. It has been verified that the religiosity transformations take to a
significant change of direction and develop positive psychological forces. In this way, this
research has verified the positive influence of religiosity in the recovery process, increasing
the resilience of dependent and supplying many protective elements.

Keywords: chemical dependency, rehabilitation house, religiosity and drug addiction.


SUMÁRIO

INTRODUÇÃO .............................................................................................................. 12
PARTE I - REVISÃO DE LITERATURA .................................................................. 24

Capítulo 1 - Dependência das substâncias psicoativas: problemas e soluções .......... 25


1.1 Características principais de adicção ....................................................................... 27
1.1.1 Nocividade e efeitos de uso das substâncias psicoativas .................................. 28
1.1.2 Dependência das substâncias psicoativas e seu diagnóstico ............................. 30
1.1.3 Neurobiologia da dependência química ............................................................ 33
1.2 Problemas ligados com a drogadição ....................................................................... 34
1.2.1 Adolescência e uso de drogas ........................................................................... 35
1.2.2 Dependência como problema de saúde mental ................................................. 38
1.2.3 Dependência como problema social .................................................................. 42
1.3 Em busca de soluções ............................................................................................... 44
1.3.1 Elementos protetores de uso das substâncias psicoativas ................................. 45
1.3.2 Prevenção de uso das substâncias psicoativas .................................................. 48
1.3.3 Programas terapêuticos e políticas públicas na luta contra a dependência
química ............................................................................................................. 51

Capítulo 2 - Religiosidade e psique humana: aspectos motivacionais e


sentido da vida ........................................................................................... 54
2.1 Abordagens psicológicas sobre a experiência religiosa e religiosidade ...................... 55
2.1.1 Experiência religiosa e as suas interpretações .................................................. 56
2.1.2 Estudos sobre a religiosidade ............................................................................ 59
2.1.3 Teorias de influência da religiosidade na vida psíquica .................................... 62
2.2 Constituição da psique humana e religiosidade ....................................................... 66
2.2.1 Teorias do desenvolvimento psíquico ............................................................... 66
2.2.2 Teorias de desenvolvimento religioso ............................................................... 69
2.2.3 Teorias da conversão religiosa .......................................................................... 71
2.3 Religiosidade como construção de sentido .............................................................. 73
2.3.1 A necessidade do significado ............................................................................ 74
2.3.2 Sentido religioso na teoria do apego ................................................................. 76
2.3.3 Explicação religiosa na teoria de atribuição ..................................................... 78
2.3.4 Teoria de enfrentamento - coping religioso ...................................................... 80
2.4 Psicologia positiva e religiosidade ........................................................................... 84
2.4.1 Sentido da vida .................................................................................................. 85
2.4.2 Emoções positivas ............................................................................................ 86
2.4.3 Forças de caráter e relacionamentos positivos .................................................. 92
PARTE II - DADOS EMPÍRICOS ................................................................................ 98

Capítulo 3 - Cenário da pesquisa ................................................................................... 99


3.1 Comunidades terapêuticas no atendimento dos dependentes químicos ................... 99
3.1.1 Espaço físico e vida comunitária ..................................................................... 100
3.1.2 Modelos e métodos ..........................................................................................101
3.1.3 Dificuldades, limites e desafios ....................................................................... 102
3.2 História, carisma, estrutura e conquistas da Fazenda da Esperança ....................... 104
3.2.1 Origem e carisma ............................................................................................ 104
3.2.2 Doutrina religiosa e espiritualidade ................................................................ 106
3.2.3 Família da Esperança – funcionamento e estrutura da obra ............................ 109
3.3 O ambiente da casa pesquisada - Fazenda da Esperança Bom Jesus ..................... 112
3.3.1 O espaço físico e a estrutura da casa ............................................................... 113
3.3.2 As atividades da casa ...................................................................................... 115
3.3.3 Os relacionamentos, a espiritualidade e a atmosfera da casa .......................... 117
3.4 As experiências pessoais no atendimento na Fazenda da Esperança ..................... 119
3.4.1 O processo de atendimento ............................................................................. 119
3.4.2 As observações do pesquisador-terapeuta ...................................................... 120

Capítulo 4 - Experiência clínica - especificidades na dinâmica da religiosidade


em quatro casos ....................................................................................... 123
4.1 Caso de Jó .............................................................................................................. 123
4.1.1 As primeiras impressões ................................................................................. 123
4.1.2 História de vida ............................................................................................... 124
4.1.3 Processo terapêutico ....................................................................................... 128
4.2 Caso de Hulk .......................................................................................................... 131
4.2.1 As primeiras impressões ................................................................................. 131
4.2.2 História de vida ............................................................................................... 132
4.2.3 Processo terapêutico ....................................................................................... 133
4.3 Caso de Saulo ......................................................................................................... 135
4.3.1 As primeiras impressões ................................................................................. 135
4.3.2 História de vida ............................................................................................... 135
4.3.3 Processo terapêutico ....................................................................................... 137
4.3.4 Depois da saída da Fazenda da Esperança ...................................................... 139
4.4 Caso de Sileno ........................................................................................................ 141
4.4.1 As primeiras impressões ................................................................................. 141
4.4.2 História de vida ............................................................................................... 141
4.4.3 Processo terapêutico ....................................................................................... 143
PARTE III - ANÁLISE OS DADOS .......................................................................... 146
Capítulo 5 - Religiosidade e processo de recuperação da dependência química .... 147
5.1 Transformações do sentido existencial pela religiosidade .................................... 148
5.1.1 Religiosidade como inspiração para mudança ............................................... 148
5.1.2 Religiosidade como forma de apego a Deus .................................................. 153
5.1.3 Religiosidade como explicação existencial .................................................... 154
5.2 Métodos de enfrentamento ..................................................................................... 157
5.2.1 Em busca do significado ................................................................................. 157
5.2.2 Em busca por domínio e controle ................................................................... 159
5.2.3 Em busca do conforto espiritual ..................................................................... 161
5.2.4 Em busca da proximidade com outros ............................................................ 163
5.3 Bem-estar e felicidade ............................................................................................ 164
5.3.1 Emoções positivas .......................................................................................... 165
5.3.2 Forças de caráter ............................................................................................. 168
5.3.3 Família e relacionamentos positivos ............................................................... 172

CONSIDERAÇÕES FINAIS ....................................................................................... 175


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ....................................................................... 178

ANEXOS ....................................................................................................................... 193


ANEXO 1 - Termo de consentimento livre e esclarecido para pesquisa ....................... 194

ANEXO 2 - Consentimento da participação da pessoa como sujeito ............................ 195


ANEXO 3 - Termo de consentimento institucional pós-esclarecido ............................. 196
LISTA DE ABREVIATURAS

CT(s) - Comunidade(s) Terapêutica(s)

FE - Fazenda da Esperança

FEBJ - Fazenda da Esperança Bom Jesus

GEV - Grupo de Esperança Viva

SNC - Sistema nervoso central

SRC - Sistema de recompensa cerebral


LISTA DE QUADROS

Quadro 5.1 - Casos classificados conforme os estágios da fé de Fowler ...................... 150

Quadro 5.2 - Casos classificados conforme os estágios da fé de Oser e Gmünder ....... 150

Quadro 5.3 - Casos classificados conforme os estágios do desenvolvimento moral


de Kohlberg ....................................................................................................... 151
12

INTRODUÇÃO

O problema abordado, no presente trabalho, surgiu a partir da minha experiência


pessoal. Desde o ano de 2009, estou acompanhando, como psicólogo-terapeuta, os
dependentes químicos internados numa instituição, de cunho religioso, denominada
Fazenda da Esperança, onde a base de recuperação está alicerçada em três pilares:
Espiritualidade, Convivência e Trabalho. Venho atendendo os adictos nessa instituição a
mais de sete anos e nesse ambiente realizei a minha pesquisa de campo.

A seguir, gostaria de justificar esta pesquisa, como parte das minhas inquietações
pessoais e modo de buscar as respostas mais objetivas possível para o melhor entendimento
das questões religiosas no processo de recuperação dos dependentes químicos.

Após terminar curso de psicologia, comecei a atender os dependentes químicos,


aprofundando, ao mesmo tempo, os meus estudos nessa área. Deparei-me com uma grande
variedade de programas destinados a recuperação dos adictos. Contudo, percebi, que, na
prática, a maioria das clínicas, sobretudo as chamadas “casas de recuperação”, que se
dedicam a esse tipo de trabalho, têm caráter religioso. E mais, que o tratamento oferecido
por organizações religiosas é muito mais procurado do que o tratamento na rede pública de
saúde. Diante de tal constatação, comecei a perguntar-me: Por que a religião tem tanto
destaque no processo de recuperação dos dependentes químicos? As pessoas acreditam
mais no “poder” da religião do que, por exemplo, da medicina? Qual é a especificidade da
religiosidade nesse processo do ponto de vista da psicologia? Será que a religiosidade
proporciona uma motivação capaz de uma pessoa dependente de substâncias tóxicas
abandonar seu vício?

A outra minha inquietação partiu da minha própria experiência como psicólogo


clinico. Fui convidado para atender as pessoas que procuravam superar as suas dificuldades
através da força de fé e de religiosidade e, justamente, fui procurado sendo considerado
como “psicólogo que compreende essas questões”. Ao mesmo tempo me recordei da minha
própria formação universitária em psicologia, segundo qual a religiosidade não deve ser
usada como instrumento clínico de psicólogo profissional. Surgiram outras perguntas:
Como acompanhar clinicamente e dar apoio a uma pessoa, que escolheu como sua
ferramenta de recuperação os preceitos religiosos, sem apoiá-la explicitamente no uso
13

dessas ferramentas? Como ajudar a usar a religiosidade da pessoa atendida sem ser
influenciado pela minha própria religiosidade?

Justificativa

Em busca das respostas dessas e doutras perguntas parecidas, resolvi ampliar o meu
conhecimento e divulgá-lo através da presente pesquisa, entendendo que esta tese poderá
contribuir significativamente na prática do trabalho de recuperação dos dependentes
químicos, ajudar os profissionais da saúde na compreensão da variedade da religiosidade
de cada pessoa, respeitando a e ajudando a usá-la como ferramenta. Espero que essa
pesquisa possa: (1) defender e justificar a inclusão da religiosidade, como autêntico método
terapêutico; (2) mostrar a religiosidade como forte recurso psíquico, que não deveria ser
desperdiçado na prática da psicologia clínica; (3) equipar tecnicamente os psicólogos a
respeito da religiosidade; (4) apresentar os aspectos da religiosidade, que a constituem
como força psíquica, e seus funcionamentos na luta pela abstinência dos dependentes
químicos; (5) fornecer novas fontes de estudo para a comunidade acadêmica.

Apresentação do problema

O problema das drogas e da dependência química no Brasil não é nenhuma


novidade, porém, nos últimos tempos, a questão tornou-se mais urgente. Faz alguns anos
que nas mídias ouvimos falar sobre a epidemia de crack no Brasil, uma droga que vicia
muito rápido (às vezes, depois de só um único uso) e tem uma consequência devastadora,
tanto para o indivíduo, como para a sociedade.

Burke (2005) e colaboradores, em sua pesquisa, apontam que a dependência


química destrói não só o adicto, mas também as relações familiares e sociais.
Principalmente no caso de crack: a compulsão para usar a droga é tão avassaladora que o
usuário se torna extremamente agressivo e paranoico, perde facilmente a noção moral e
começa a apresentar um grande perigo para outras pessoas. Ocorre que, o uso de drogas,
incluindo o álcool, pode levar ao comprometimento da saúde, aos problemas sociais, esses
evidenciados pela violência, acidentes de trânsito, homicídios, suicídios, morbidade, sexo
desprotegido, abuso infantil, violência doméstica, estupros, roubos e assaltos, entre os
outros.

O consumo de drogas ilícitas incentiva a existência e manutenção de um mercado


negro bilionário, conhecido como narcotráfico, que sustenta poderes paralelos e o crime
14

organizado no Brasil e no mundo. Por exemplo, segundo a pesquisa realizada pela


Secretaria da Fazenda do Governo do Rio de Janeiro, “o mercado de drogas é uma das
principais razões da violência no Rio de Janeiro” (RIO DE JANEIRO, 2008, p. 3). O
problema de narcotráfico não pode ser desvinculado do assunto da dependência química,
não só por causa do acesso fácil, mas também devido ao fato de que muitos dependentes
químicos sustentam seu vício com dinheiro proveniente do tráfico e entram no mundo da
criminalidade.

Estamos testemunhando que o problema de drogadição se tornou um desafio para


diversas áreas da sociedade: para Saúde Pública, para Assistência Social e para Segurança
Pública, influenciando negativamente no nosso dia a dia e dando muita dor de cabeça para
os governantes. As autoridades procuram a resolução dessa situação, acionando força
policial (expulsão dos usuários dos lugares frequentados), poder judiciário (internação
compulsória), serviço social, psicólogos e psiquiatras (CAPS). Com todas essas
intervenções, na maioria das vezes, depois de certo período de tratamento, os adictos voltam
a drogadição e todo o esforço parece ser em vão.

Para achar um caminho mais adequado de resolução do problema, precisa-se


primeiro compreendê-lo. Entender a dinâmica do uso de substâncias psicoativas não é uma
tarefa fácil, pois as pessoas experimentam drogas por razões muito diferentes: por
curiosidade, porque os amigos fazem isso, para “curtir” um momento, para aliviar um
problema, para aliviar estresse, contra ansiedade ou depressão, etc. O uso da droga não leva
necessariamente a um abuso (uso nocivo) ou a um vício. O abuso ou a dependência de
substância tóxica pode ter outros diversos motivos. Ao decifrar essa dinâmica, pode-se ter
respostas úteis, tanto para prevenção quanto para intervenção, diante do problema de uso
de drogas.

Muitas vezes, os dependentes químicos apresentam distúrbios psicológicos.


O principal problema dessas pessoas é a percepção inadequada de si e do meio ambiente:
na abstinência - devido a um foco exclusivo no consumo, no uso – por causa da ação da
droga. Algumas características são comuns aos adictos: não reconhecer os riscos existentes,
a falta de confiança em si e no ambiente, ver o mundo como hostil, ameaçador, e a si próprio
como indefeso e exposto a falhas constantes e retrocessos. Os problemas psíquicos
associados ao quadro de dependência química são chamados de comorbidades, que podem
ser desencadeados pelo uso de droga ou impulsionar a drogadição. Nesses casos, para o
15

sucesso na recuperação, o distúrbio psíquico precisa ser reconhecido e tratado


simultaneamente com a dependência.

Numa visão psicológica, os fatores motivacionais podem ajudar, em grande parte,


tanto para aderir voluntariamente à terapia, quanto na prevenção de recaída.
A religiosidade, a espiritualidade e as crenças pessoais, fazendo parte dos elementos
motivacionais devem ter o seu peso nessa questão. Geralmente, o fator da religiosidade é
ignorado pelas autoridades civis, devido a sua dimensão confessional. Aproveitar uma
crença religiosa na terapia pode ser visto como uma ação parcial. Porém, segundo os
estudos quantitativos realizados, a religiosidade e a intervenção religiosa têm uma
influência significativa na recuperação dos dependentes químicos (SANCHEZ e NAPPO,
2008; DALGALARONDO et al, 2004).

Apesar de o assunto da dependência química e da sua problemática, nos últimos


tempos, parecerem ser muito explorados nos meios de comunicação social, existem poucos
estudos científicos feitos no Brasil que ligam esse assunto à religiosidade. Diversas
pesquisas analisam a relevância da prática de uma religião e da fé para o bem-estar físico e
mental do ser humano (KOENING, 2001; MOREIRA-ALMEIDA, 2006). Porém, os
estudos que buscam o entendimento da relação de uso de drogas e a prática religiosa são
ainda poucos, ou não são bastante divulgados, o que pode ter a sua causa no distanciamento
entre a academia e a religião.

Como psicoterapeuta, trabalhando com dependentes químicos em casa de


recuperação de um instituto religioso, procuro sempre me atualizar, aperfeiçoando as
minhas ferramentas. Estudando diversas publicações de caráter científico que proponham
programas para intervenção e prevenção do uso de drogas, me deparei com a falta de
menções sobre da importância da religiosidade nesses aspectos.

No livro, que aproveito bastante no meu atendimento clínico: “Aconselhamento em


dependência química” (FIGLIE, BORDIN e LARANJEIRA, 2010), na parte sobre a
prevenção, encontrei uma citação em que os autores descrevem:
Fortes laços com a família, escola, trabalho, instituição religiosa e outros aspectos
da sociedade tradicional favorecem o engajamento dos jovens em comportamentos
responsáveis (PEREIRA et al., 2010, pp. 541-542).
Mas, logo depois, o autor duvida da utilidade das questões religiosas. Tomando uma
posição diante dos vários modelos de prevenção contra consumo das substâncias
16

psicoativas, o autor insere esse aspecto no “modelo do princípio moral”, sobre o qual
descreve:
Modelo do princípio moral: relaciona o uso de drogas à condenação moral e ética.
Está associado, geralmente, a grupos religiosos ou movimentos políticos.
Atualmente, sua utilidade e pertinência têm sido negadas por profissionais da área,
havendo estudos que concluem serem os resultados contraproducentes, na maioria
dos casos (ibidem, p. 543).
Os estudos nessa área, feitos pela Organização Mundial da Saúde, associam a
religião a um discurso maçante que procura provocar no adicto a culpabilidade pelo uso de
drogas e todas as consequências desse ato. A OMS justifica a sua posição afirmando que
uma pessoa com problemas de abuso de substâncias químicas deve sempre receber apoio,
não deve ser ameaçada de punição ou subordinada, precisa evitar gerar nela os sentimentos
de culpa ou indignidade (HERREL, 1985). Nesse contexto, podemos nos perguntar:
Nas questões religiosas as mais importantes são as demandas morais? No modelo religioso
do princípio moral, existem só as questões ligadas à “autoculpabilidade”? Será que a
religiosidade sempre se manifesta como contrária a liberdade humana? São mais algumas
questões em que existem lacunas de respostas as quais investiguei mais profundamente na
minha tese.

Segundo Wilson e Kalander (1997), podemos identificar algumas classes de fatores


de proteção contra uso de substâncias psicoativas: 1. Âmbito individual – autoestima,
inteligência, senso de responsabilidade, habilidades sociais, religiosidade, fortes vínculos
familiares, escolares e comunitários; 2. Âmbito familiar – relacionamento afetivo positivo
com os pais, acolhimento familiar, envolvimento dos familiares nas atividades sociais;
3. Âmbito escolar - apoio e cuidado, padrões claros para responsabilidade e
comportamentos apropriados; 4. Âmbito sociocultural - leis e normas sociais de proibição
ou controle do uso, baixa criminalidade, opções de lazer, etc.

A religiosidade do indivíduo é frequentemente abordada como o fator de prevenção


proveniente dos grupos de participação. A religiosidade, como uma atitude existencial da
pessoa diante do mundo, que gera a proteção, é pouco estudada. Sabendo, que a partir de
adolescência, a visão de mundo direciona a escolha dos grupos sociais de participação,
queremos destacar o alcance da posição religiosa nessa etapa de vida.

Um dos importantes fatores de proteção contra uso de drogas é a “resiliência”. Figlie


(et al, 2009, p. 98) explica, que: “Em saúde, ‘resiliência’ refere-se a uma condição
17

diferencial que permitirá que determinadas pessoas, mesmo submetidas a condições


extremamente adversas, mantenham condições aceitáveis de saúde, qualidade de vida etc.”.
Alguns autores apontam que essa força psicológica pode ser gerada pela religiosidade, mas
é pouco estudada, especialmente, no que tange à característica qualitativa da religiosidade
no aspecto de proteção contra a dependência de substâncias tóxicas.

Estado da arte

Várias pesquisas, que indicam um efeito importante da religiosidade sobre a


diminuição do uso das drogas, foram feitas nos últimos anos nos EUA e abrangem
principalmente os jovens e adolescentes (PARFREY, 2002; STROTE, 2002). No Brasil, no
ano 1998, foi feita no FCM-UNICAMP por Paulo Dalgalarrondo e colaboradores, uma
pesquisa quantitativa, incluindo respostas de 2.287 adolescentes. As drogas, objeto do
estudo, foram: álcool, tabaco, solventes, medicamentos, maconha, cocaína e ecstasy. Os
questionários incluíam questões de: filiação religiosa, frequência de ida ao culto/missa por
mês, considerar-se pessoa religiosa e educação religiosa na infância. O resultado da
pesquisa mostra as evidências da existência de uma associação positiva entre o não
consumo de drogas e os altos índices de religiosidade, em particular, no meio das pessoas
que tinham uma educação religiosa na infância (DALGALARRONDO, 2004).

Outros importantes estudos brasileiros desse campo se concentram na Universidade


Federal de São Paulo (UNIFESP), onde, em 1994, Prof. Dr. Ronaldo Laranjeira com o
apoio do Departamento de Psiquiatria fundou a Unidade de Pesquisa em Álcool e Drogas
(UNIAD). No Departamento de Medicina Preventiva, dessa universidade funciona também
o Centro Brasileiro de Informações sobre Drogas Psicotrópicas (CEBRID), que organiza
pesquisas e reuniões científicas sobre o assunto drogas, publica livros e levantamentos
sobre o consumo de substância psicoativas e mantém um banco de trabalhos científicos
brasileiros sobre o abuso delas. Sanches e Nappo (2007), junto com CEBRID, fizeram uma
pesquisa intitulada: A religiosidade, a espiritualidade e o consumo de drogas, em que
realizaram uma revisão da literatura do tema. Das 80 posições da referência bibliográfica
citadas nesse trabalho, só quatro são estudos brasileiros.

As pesquisas brasileiras realizadas sobre o tema, na maior parte são quantitativas e


têm certa dificuldade para estabelecer um padrão medidor da religiosidade (SANCHES,
2007, p.74). Nesse sentido, faltam estudos qualitativos, sobretudo os com um olhar clínico
de psicólogo, que analisam a religiosidade dos dependentes químicos em processo de
18

recuperação; ponderando a influência da religiosidade sobre o próprio processo;


investigando o caráter particular e complexo da religiosidade na busca de cura do vício.
Ademais, um dos aspectos pouco estudados é o tipo de fé e de religiosidade, que pode
ajudar na recuperação. Nos momentos críticos do ser humano, nas dificuldades,
sofrimentos, situações de desespero, como, por exemplo, no processo de recuperação,
a religiosidade da pessoa passa por várias alterações, que devem ser estudadas para melhor
entendimento do assunto, principalmente, pelos profissionais da área de saúde psíquica.

Quando, nos últimos anos, o tema da dependência química tomou as manchetes dos
noticiários em todo o país, começou-se a procura por resoluções urgentes. A ineficácia dos
métodos habituais, como compulsão e repressão trouxe um desapontamento e, do ponto de
vista prático, reparou-se a importância dos estudos que devem ser realizados. O desamparo,
diante dos problemas sociais causados pelos adictos, começou a abrir espaço para traçar
novos caminhos em busca das resoluções. Nesse âmbito, a divulgação da experiência das
instituições religiosas, no tratamento de vícios, deve abrir espaço para estudos que
envolvem o fator da religiosidade.

É necessário provocar uma discussão mais ampla a respeito da influência da


religiosidade sobre o ser humano, abrindo os horizontes intelectuais sobre essa questão.
O que na prática parece ser um consenso, devido ao grande papel das religiões no trabalho
de assistência social, incluindo o acompanhamento dos dependentes químicos, é ainda
muito pouco explorado pela ciência. A investigação desse tema no contexto brasileiro é de
grande relevância para a saúde mental, em particular na luta contra a dependência das
substâncias psicoativas e abriria mais espaço para os futuros estudos.

Objeto

O objeto de meu trabalho é a religiosidade dos dependentes químicos e sua forma


de influenciar o processo de recuperação, assim como a percebo no meu atendimento
psicoterapêutico. Dentro desse objeto, situam-se as experiências religiosas a dinâmica da
religiosidade, cujas singularidades podem ser observadas a partir do atendimento
psicológico.

No presente estudo, estou observando as transformações psíquicas acontecidas no


ambiente dominado pelo comportamento religioso. Assim, como o aspecto de
espiritualidade está privilegiado pela própria instituição de internação e as práticas
19

religiosas fazem parte do processo, percebo que as vivências religiosas se destacam no


atendimento e nelas mesmas, estou observando as alterações, dentro de um processo de
recuperação. Dei uma atenção especial para as mudanças motivacionais durante o processo
de recuperação, desde motivações mais simples para abandonar vício, contadas e
observadas nas primeiras sessões psicoterapêuticas, até chegar às motivações existenciais
mais elaboradas. Analisei detalhadamente os métodos de enfrentamento e o estado do bem-
estar psíquico dos acolhidos, desde começo, até o termino de tratamento na casa de
recuperação.

Problema

Analisando o problema principal da pesquisa: “Qual é o papel da religiosidade


no processo de recuperação de dependentes químicos numa perspectiva da clínica
psicológica?”, averiguei o caráter dessa influência. Investiguei o possível estilo terapêutico
da religiosidade e de que forma ela pode ajudar na capacidade de o indivíduo lidar com
problemas, superar obstáculos, resistir à vontade de usar droga.

Pergunto-me: Qual é o caráter da religiosidade no processo de recuperação? A fé e


a religiosidade alteram-se durante esse processo? E se sim: Quais tipos de transformações
psíquicas ocorrem e se elas ajudam ao indivíduo a manter o seu propósito? Os aspectos
motivacionais crescem junto com o amadurecimento da religiosidade? A própria
religiosidade: É útil no processo de abandono do vício? Motiva para aderir e prosseguir na
recuperação? Auxilia para enfrentar e superar os problemas? Ajuda a tomar decisões mais
maduras e responsáveis? Torna o adicto uma pessoa mais integrada psiquicamente? Protege
contra a recaída? Do ponto de vista psicológico: Pode ser justificável “usar” a religiosidade
no processo de recuperação?

Objetivo

O objetivo geral desta pesquisa é o de esclarecer especificidades do processo de


tratamento da dependência química, em adictos internados numa casa de recuperação de
cunho religioso, e as suas dimensões, tanto a espiritual, quanto a religiosa, percebidas a
partir da clínica psicológica. Assim, o meu estudo examina a influência da religiosidade
sobre a saúde psíquica e as questões motivacionais na literatura científica. Analisa o
problema da dependência química e suas nuances, mostrando a sua especificidade e
complexidade de recuperação. Estuda a função da religiosidade no processo de
20

recuperação. Busca as características particulares da religiosidade dos adictos. Olha a


influência da religiosidade para as mudanças psíquicas dos adictos. Compara esta influência
com algumas teorias psicológicas. Esclarece como a religiosidade no processo de
recuperação pode levar à mudança: de motivação e de modo de enfrentamento do problema
da dependência química, tal como a satisfação de vida.

Hipóteses

Levanto as seguintes hipóteses que pretendo sustentar através da minha pesquisa:

- As transformações e o amadurecimento da religiosidade, acontecidos no processo de


recuperação de dependentes químicos, influenciam diretamente o desenvolvimento
motivacional e, desse modo, ajudam no abandono do vício.

- A religiosidade trabalhada e madura tem um papel importante no processo de integração


psíquica, ajudando o adicto compreender a sua condição de ser dependente químico,
aderindo melhor ao processo de abandono do vício, levando-o a mais responsabilidade
sobre a própria vida.

- Uma religiosidade firme e bem formada pode oferecer para o adicto um novo sentido
existencial e satisfação de vida e, assim, protege-o contra decisões que podem levá-lo à
recaída.

Método

O meu trabalho visa não só à relevância de religiosidade em processo de


recuperação de um adicto, mas também à sua importância no processo do amadurecimento
psíquico desse sujeito.

O método de meu trabalho surge, partindo da experiência clínica, que procura a sua
explicação na teoria, e esclarecida, fundamenta os resultados na pesquisa eminentemente
clínica. Fiz uma pesquisa qualitativa a partir da análise de alguns casos clínicos, que escolhi
para representar as variedades de religiosidade dos adictos. Usei os recursos como
entrevista inicial, escuta terapêutica, observação, anotações, gravações, análise,
interpretação e avaliação dos dados.

O meu atendimento inclui intervenção terapêutica para estimular o


autoconhecimento e levar a pessoa a vivenciar melhor as questões de sentido que aparecem
espontaneamente. Como terapeuta, ajudo o adicto na sua busca de significado, acolhendo
21

a emergência da sua experiência religiosa e buscando compreendê-la na sua originalidade.


Nesse modo, não assumo só uma posição de observador, mas estou participando ativamente
nas mudanças decorrentes do processo terapêutico. Apresento os relatos de modo coerente,
mesmo sabendo tratar-se de um viés: a visão do pesquisador e psicoterapeuta.

Os dados recolhidos, analiso conforme o referencial teórico apresentado, no modo


descritivo, analisando as mudanças mentais e comparando as especificidades de cada caso,
principalmente, no começo e no final do tratamento na casa de recuperação.

Gostaria de anotar, que na prática de atendimento psicológico, na comunidade


terapêutica de cunho religioso, tomei cuidado para manter uma postura ética conforme
Código de Ética Profissional do Psicólogo. Também realizando a minha pesquisa busquei
manter a metodologia da exclusão do transcendente, procurando não valorizar as minhas
próprias convicções religiosas, mas compreender o fenômeno estudado, conforme “os 10
mandamentos” do pesquisador apresentados por Zangari e Machado (2016).

Bases bibliográficas

Buscando entender melhor o que observei na prática clínica, procurei me


fundamentar na literatura científica de psicologia, dedicada ao tema de religiosidade e
espiritualidade. Ampliei os meus conhecimentos e interesses, baseando-me na autoridade
dos pesquisadores brasileiros que se dedicam a uma abordagem psicológica e
psicoterapêutica da religiosidade, como: João Edênio Reis Valle, Geraldo José de Paiva,
Mauro Martins Amatuzzi, entre os outros. Usei também os trabalhos científicos do campo
da psiquiatria dedicados a dependência química, principalmente os vinculados ao Centro
Brasileiro de Informações sobre Drogas Psicotrópicas (CEBRID) e à Unidade de Pesquisa
em Álcool e Drogas (UNIAD), coordenados pelo professor Ronaldo Laranjeira.

Explicei os conceitos estudados e utilizados na minha pesquisa, como:


religiosidade, dependência química, amadurecimento psíquico, integração psíquica,
resiliência, enfrentamento, felicidade, satisfação de vida, etc. Minha análise vai incluir as
seguintes teorias: experiência religiosa de William James, psicologia da personalidade de
Gordon Allport; hierarquia das necessidades de Abraham Maslow; análise de sentido
existencial de Viktor Frankl; teorias de desenvolvimento religioso de Fowler, e de Oser e
Gmünder; teorias de apego e de atribuição aplicadas a religiosidade de Kirkpatric,
Granqvist, Spilka e Shaver; teoria de enfrentamento religioso de Pargament; considerações
22

da psicologia positiva, divulgada principalmente por Csikszentmihaly e Seligman, que


contém os elementos da religiosidade contribuintes na recuperação da dependência
química.

Estrutura

Para alcançar o propósito da pesquisa, foi realizado o estudo dividindo o texto em


três partes principais – referencial investigativo, pesquisa empírica e análise dos dados -
conforme a seguinte estrutura:

Na primeira parte, nos capítulos um e dois, através da revisão da literatura, é


arquitetada uma fundamentação teórica, que vai introduzir o leitor nos temas: da
dependência química e da religiosidade. Nessa parte, usarei várias referências científicas,
para dar mais consistência e fidedignidade à minha tese.

No primeiro capítulo, é explorado o problema da drogadição, como tal, os


problemas vinculados, e algumas tentativas de resolução. No início, são trazidas as bases
teóricas da adicção: como a dependência química se constitui no corpo e na mente humana.
Em seguida, exponhamos os problemas que a drogadição traz: a vulnerabilidade na
adolescência, os problemas mentais e sociais gerados por ela. A final, mostramos as pistas
de resoluções, elementos protetores e alguns programas existentes de prevenção e de
intervenção contra a dependência química.

No segundo capítulo, investigamos a religiosidade, como uma parte importante da


psique humana, observando as influências mútuas. Apresentamos algumas teorias
psicológicas, que contemplam a religiosidade como parte integral do pensamento e modo,
como elas interpretam a força das experiências religiosas, para enfrentar os desafios
cotidianos. Exploramos a religiosidade, no aspecto psicológico, como elemento, que ajuda
no amadurecimento psíquico, cria os valores morais estabelecendo uma postura de
responsabilidade, mobiliza o ser humano para buscar a sua realização e dá um significado
maior à sua existência. Para mostrar o papel auxiliador da religiosidade no enfrentamento
das vivências perturbadoras, apresentamos a teoria de coping religioso. No final, trazemos
os conceitos da psicologia positiva, mostrando a sua contribuição na divulgação da
importância dos elementos psíquicos positivos para o bem-estar humano e a religiosidade
como geradora desses elementos.
23

Na segunda parte do trabalho, composta por capítulos três e quatro, são apresentados
os dados empíricos da pesquisa do campo, mostrando o contexto religioso da instituição,
o ambiente da comunidade pesquisada e estudo dos casos clínicos.

Capítulo terceiro expõe a ambiente da pesquisa, que é a casa de recuperação dos


dependentes químicos, onde acontece o acompanhamento psicoterápico. Vamos conhecer
as comunidades terapêuticas, que atendem os dependentes químicos, que na grande maioria
são de cunho religioso. Em seguida, contemplamos a estrutura e a organização da obra
chamada Fazenda da Esperança, a sua história e carisma. No final do capítulo, observamos
o espaço físico da casa de recuperação em Iguape, onde foi realizada a pesquisa do campo,
com as ressalvas críticas diante das experiências pessoais e clínicas do pesquisador.

No quarto capitulo, apresentamos os casos clínicos, selecionados pelo autor para


proporcionar melhor a representatividade e variedade das pessoas que busca a sua
recuperação na FE. Os estudos dos casos baseiam-se nas anotações clínicas e a memória de
pesquisador. Algumas conversas foram gravadas, com devida autorização, principalmente
essas onde os acolhidos contam as suas trajetórias. Em cada caso, analisamos as primeiras
impressões do pesquisador, a história de vida da pessoa analisada e as observações clínicas
diante dos relatos narrados no atendimento terapêutico. Em um caso, por razão do retorno
para FE, analisamos também a sua recaída.

Na terceira parte do trabalho, que contém o capítulo cinco, apresentamos a análise


dos dados, comparando os dados teóricos da literatura e empíricos da pesquisa do campo.

Capítulo quinto avalia a forma da religiosidade, vivenciada pelos nossos casos na


Fazenda da Esperança, em luz das teorias apresentadas, ajuizando o seu papel na luta contra
vícios. Analisamos as alterações de sentido geral da vida e modificações psíquicas,
realizando três tipos de avaliações. Ponderamos as mudanças no tratamento religioso:
(1) na leitura existencial, (2) nos métodos de enfrentamento, adaptados para o novo
entendimento da realidade, (3) nos objetivos gerais e sentimentos subjetivos, que levam a
determinado nível de satisfação de vida.
PARTE I

REVISÃO DE LITERATURA
25

Capítulo 1

Dependência das substâncias psicoativas: problemas e soluções

É uma alegria estar escondido, mas um desastre não ser achado...


D. W. Winnicott

Muitas pessoas se perguntam: O que leva alguém a usar drogas? É impossível dar
uma resposta, generalizando as particularidades pessoais, até é muito difícil achar uma
única resposta para cada usuário. As nossas motivações são sempre muito complexas e mais
ainda quando estamos diante de uma tremenda ambiguidade, como no caso de uso da droga.
Nesse paradigma da complexidade, precisamos sempre preservar a singularidade das
situações, a subjetividade do sujeito e o seu sofrimento psíquico, sem deixar de considerar
a existência de particularidades sociais de cada indivíduo, como: família, escola, rede de
amigos, comunidade, participação nas instituições, redes sociais, etc.

Nas condições individuais do sujeito, podemos destacar as questões orgânicas e


psíquicas nativas, na maior parte genéticas. Além disso, podemos enfatizar as condições
psíquicas atuais, como os transtornos psíquicos ou a fase do desenvolvimento, por exemplo,
a adolescência. As características adquiridas do sujeito, já são relativas aos traumas e às
condições sociais no processo de desenvolvimento e contêm a mesma complexidade ligada
à história individual. Por último, podemos ver as condições ambientais atuais nas quais o
sujeito se encontra no momento da decisão de uso.

As condições individuais (internas) do sujeito que podem levar a drogadição


formam dois modelos de dependência: modelo de doença e modelo psicanalítico. No
primeiro, a dependência é entendida como transtorno primário, livre de outras condições,
ligado diretamente à bioquímica do organismo e tratado com medicamentos. O segundo
modelo, o psicanalítico, destaca o uso de drogas como procura de retornar aos estados
prazerosos da infância e, como o próprio nome diz, pode ser tratado no atendimento
psicanalítico.

O destaque das condições externas que podem influenciar para drogadição, leva a
dois outros modelos: sistêmico e de comportamento aprendido. No primeiro, a estrutura
social (familiar): os relacionamentos, equilíbrio, regras e metas contribuem
26

fundamentalmente para manutenção do uso de substâncias. Aqui, a família e o ambiente


social são colocados no foco de intervenção. No segundo, os comportamentos são
aprendidos ou condicionados, incluindo aqui as crenças, modo de pensar, de procurar os
prazeres e as recompensas. Nesse modelo, a resolução é buscada pelo recondicionamento
com reforços positivos ou negativos, pela modelagem dos hábitos, pela reformulação dos
pensamentos automáticos.

Os modelos de dependência ajudam analisar as condições em que o problema


surgiu. Se existe algo em comum nas condições que levam à dependência química, em
consequência, existe uma expectativa, que, mudando as condições, podemos proteger e tirar
o indivíduo do vício, criando diversos padrões de intervenção.

Parece que podemos ter na mão uma resolução definitiva, é só criar as condições
favoráveis e tudo pode ser resolvido. Se fosse fácil assim, poderíamos resolver não só os
problemas de drogadição, mas também de violência, criminalidade, pobreza, fome e todos
os males que atingem a humanidade. Entretanto, precisamos lembrar que, primeiro, o ser
humano, com sua subjetividade, projeções, medos e desejos, não é uma máquina e não se
ajusta tão fácil, até através das mais acertadas intervenções; segundo, criar estas condições
na prática já é uma utopia. Todavia, a construção teórica é um passo muito importante para
explicar e procurar a resolução do problema.

No primeiro capítulo, exploro o problema da drogadição, tanto no uso nocivo como


na própria dependência das substâncias psicoativas, e apresento algumas tentativas de
resolução. No início, exponho um tópico sobre as bases teóricas da adicção: o que é a
dependência química, como se constitui e quais são os fundamentos neuropsíquicos. Em
seguida, descrevo os principais problemas que a drogadição atinge: a adolescência, como
tempo de vulnerabilidade, as insanidades individuais, as comorbidades psíquicas e os
problemas sociais gerados por ela. Depois de apresentar os problemas, vou passar para as
possíveis resoluções. Mostrarei a existência dos elementos protetores tanto internos
(psíquicos) como externos (ambientais). Explorando esses elementos, investigarei como
eles são aproveitados (ou não) para os programas de prevenção da dependência química e
para os programas terapêuticos e clínicos de recuperação.
27

1.1 Características principais de adicção

Na minha prática clínica com dependentes químicos, encontrei todo o tipo de


pessoas, das diversas classes sociais, com diferentes personalidades e histórias de vida.
Muitas dessas pessoas passaram na vida por enormes dificuldades, ligadas ao ambiente
desfavorável ao seu desenvolvimento emocional, como tutores perturbados, que não
conseguiram providenciar-lhes, na infância, um cuidado saudável. Como dizia Winnicott
(1983), não tiveram a mãe suficientemente boa. Penso em Winnicott pois esse psicanalista
ressaltava que não só as faltas na escassez do cuidado materno podem prejudicar o filho,
mas, no mesmo grau, os prejuízos podem surgir devido aos excessos de cuidado. Muitos
dos adictos que acompanhei tinham os tutores que os superprotegiam, mas não se pode
colocar toda a culpa nas costas dos tutores.

Seria uma generalização muito grande, falar que todos procuram na droga uma
liberdade (e acabam por encontrar um aprisionamento). Porém, se se tratar a busca pela
liberdade como uma procura por uma escolha melhor, podemos concluir que essa procura
é sempre mais conturbada nas pessoas que, ou sentem que a escolha delas não é a melhor,
ou sentem-se presos à própria escolha, ou sentem que não têm escolha. Muitas vezes, o
dependente químico que passou pelo processo de recuperação, reconstruiu a sua vida e se
sente feliz.... Vai e recai. Não só por causa que sente a falta da droga, mas por causa que
começa a duvidar se esta escolha é dele mesmo, ou se é a melhor, ou sente que a escolha
dele de rejeitar a droga o prende demais... e busca na droga a mesma sensação de liberdade
que já experimentou.

Vivemos numa época de procura pela felicidade. As propostas, de como alcançá-la,


são tantas que muitas vezes se excluem. De um lado, a ideologia do prazer, proveniente da
filosofia hedonista, de curtir, aproveitar, gozar, etc. (e não preocupar-se com o passado nem
com o futuro) parece ao final, não trazer o bem-estar prometido. Do outro lado, existem os
caminhos mais sofridos e exigentes, que não são atraentes. Como achar a melhor escolha,
e se mesmo eu posso fazer essa escolha livremente?

Para algumas pessoas, com essa percepção da realidade, parece que não há saída,
ou seja, a melhor escolha é a fuga da escolha. E a fuga nas drogas também é uma escolha,
escolha muito parecida com a escolha da morte, pois nega-se de participar na realidade
vivida.
28

Podemos falar que algumas pessoas têm a percepção da realidade muito


comprometida. A própria droga, ao mesmo tempo, compromete essa percepção e parece
ser a única saída diante dela. A sensação que a pessoa tem, quando está sob efeito de droga,
é a imensa sensação da liberdade de não precisar de escolher nada, uma liberdade até da
escolha. Quando termina o efeito de drogadição, volta, com intensidade ainda maior, a
sensação de aprisionamento. Alguns dos recuperandos, que atendi na clínica, identificaram-
se com os escritos do psiquiatra Augusto Cury, no seu livro “Superando o cárcere da
emoção” (2006), onde a sensação de aprisionamento na dependência é bastante explorada.

Comecei a descrever o problema da adicção pelo aspecto da liberdade porque, na


minha prática clínica com pessoas que já reconheceram as suas dificuldades e querem se
livrar das drogas, esse parece ser um elemento crucial. Porém, mais forte e poderosa no uso
de drogas é a sensação de prazer, proporcionada pelos neurotransmissores que atuam no
sistema límbico do cérebro. Portanto, para viver bem no tempo presente, o dependente
químico precisa aprender sentir prazer fora da droga. Enquanto a droga representa um
objeto de encanto, é impossível ser feliz sem usá-la.

Para um dependente químico, a droga distorce a visão da realidade trazendo uma


imagem de felicidade perfeita no uso. A essa imagem, o usuário prende seu pensamento, as
suas emoções, seu futuro. Ela parece trazer um prazer tão imenso, que é impossível deixá-
la de lado e não a buscar. A busca pela droga se torna uma rotina de realização. No
imaginário do dependente, ela completa todo seu sentido existencial, ela dá um sentido de
vida. Usando a droga, o dependente sai por um momento de um estado permanente de
angústia. Como então abandoná-la, viver sem ela? Existe alguma coisa maior que poderia
tirá-la do pedestal imaginário e, ao mesmo tempo, preencher um enorme tédio que ela
deixa?

1.1.1 Nocividade e efeitos de uso das substâncias psicoativas

Falamos de uso nocivo (abuso) quando alguém usa uma substância psicoativa de
um modo abusivo e, em consequência, provoca alguns danos para si próprio ou para os
outros. Existe uma diferença conceitual entre o uso nocivo das substâncias psicoativas e a
dependência dessas substâncias. O próprio uso de drogas, lícitas ou ilícitas, não
necessariamente é nocivo ou leva a dependência. Alguém pode tomar bebidas alcoólicas,
utilizar uma certa substância psicoativa, por exemplo no uso ritual, sem que isso prejudique
29

a sua saúde (física e psíquica) ou provoque danos no ambiente social. Também alguém
pode ficar bêbado ou drogado e não ser uma pessoa dependente dessas substâncias. Por
exemplo, muitas pessoas abusam frequentemente das bebidas alcoólicas, mas não são
dependentes, pois não sentem uma falta significativa na abstinência.

Uso de uma substância psicoativa tem um efeito sobre o nosso estado psíquico e,
em consequência, no nosso comportamento. Os mecanismos neurobiológicos vão ser
apresentados mais para frente, nesse momento, vemos só os efeitos perceptíveis das
diversas drogas sobre o nosso organismo. Segundo o Centro Brasileiro de Informações
sobre as Drogas Psicotrópicas (CEBRID), as drogas, dependendo da sua interferência no
sistema nervoso central do organismo, são divididas em três grupos: depressoras,
estimulantes e perturbadoras.

As drogas depressivas promovem uma sensação de relaxamento, diminuem


sensação de dor, capacidade de raciocínio e de concentração, deixam mais lento o
metabolismo, retardando assim o funcionamento do organismo. Principais exemplos dessas
drogas são: álcool, heroína, morfina e as solventes. Essas drogas são muito usadas, pois
aliviam tensão causada pelos conflitos internos e facilitam a uma pessoa expressar os seus
sentimentos. Antigamente, esse tipo de droga era muito popular e usado na medicina,
devido às suas propriedades analgésicas e sedativas. O álcool, como droga lícita, com
relativamente baixo potencial de dependência, tornou-se a mais popular substância
psicoativa do mundo.

As drogas estimulantes aumentam a frequência cardíaca e a atividade cerebral,


acelerando o pensamento e provocando sensação de euforia. Entre as drogas mais
conhecidas desse grupo, encontram-se a cocaína com os seus derivados e a anfetamina. São
procuradas por acelerar o pensamento, reforçar atenção, diminuir sono e apetite. No meio
dessas drogas, encontram-se as lícitas, populares por ação psicoativa bem leve, como
nicotina e cafeína.

Já as drogas perturbadoras do sistema nervoso central, chamadas também


alucinógenas, provocam delírios e alucinações, além de dificultar a funções mentais. As
mais conhecidas deste grupo são: maconha, haxixe, LSD e ecstasy. Essas drogas são muito
perigosas, pois desregulam do funcionamento cerebral, e podem levar a quadros psicóticos.
A mais popular, maconha, causa alterações cognitivas e de humor e pode desencadear o
pânico agudo e paranoia. Esse tipo de droga, como chá de Santo Daime, era, e ainda é,
30

muito usado nos rituais religiosos. Algumas drogas possuem efeito duplo, por exemplo,
ecstasy (derivada da anfetamina) possui tanto propriedades estimulantes como
alucinógenas.

Como vimos, as drogas influem diretamente no nosso estado psíquico e, justamente


por isso, são procuradas e usadas. As pessoas se drogam ou para relaxar ou para “sentir
adrenalina”, para inibir os sentimentos ou para poder expressá-los, para tirar as dores ou
para aumentar percepção prazerosa. As sensações provocadas pelas substâncias psicoativas
são tão atraentes que queremos repeti-las. Para algumas pessoas, essas podem ser as poucas
ou até as únicas sensações prazerosas de que elas se lembram.

Muitas vezes, usando uma substância química, estamos conscientes dos prejuízos
que isso pode causar. Por exemplo, motorista que toma uma bebida alcoólica, sabendo que
vai dirigir, está ciente que isso diminui o seu reflexo ou, pelo menos, calcula que pode ser
pego pela polícia, no entanto, decide se embriagar e depois dirigir um veículo. Em outras
circunstâncias, não percebemos os possíveis prejuízos. Por exemplo, alguém fuma muito
não acreditando que isso pode provocar câncer ou alguém não percebe que depois de beber
álcool se torna violento. Em todos os casos de abuso de substâncias psicoativas, elas se
mostram mais fortes do que a nossa percepção da realidade e dominam as decisões do
usuário. Cada vez que abusamos da droga, nós nos rendemos a ela, ou seja, ela ganha uma
pequena batalha contra a nossa consciência. Começamos a perder as batalhas, mas ainda
não estamos perdendo a guerra. Isso acontece na dependência.

1.1.2 Dependência das substâncias psicoativas e seu diagnóstico.

Dependência de drogas é um problema muito grave, que possui as suas próprias


características e requer um tratamento especial. Podemos definir a dependência como: uma
doença crônica que afeta diversos circuitos cerebrais; provoca a incapacidade de manter a
abstinência e controlar o comportamento; compromete o reconhecimento dos problemas;
possui ciclos de recaída e remissão; leva à danos cerebrais e intoxicação; pode provocar a
morte prematura (BORDIN, 2010a).

Em 1976, os psiquiatras Griffith Edwards e Milton Gross propuseram um conceito


de síndrome de dependência alcoólica, colocando algumas das suas distinções. Os
elementos chaves para esse diagnóstico podem servir para constatar a dependência de
outras drogas. São estes: 1. Estreitamento do repertório de uso, com padrões cada vez mais
31

fixos; 2. Saliência do uso, que prioriza droga acima de outras atividades; 3. Aumento de
tolerância – necessidade de ingerir maior quantidade de substância para obter o mesmo
efeito; 4. Sintomas de abstinência, resultantes de adaptação feita pelo cérebro, que
provocam diversas manifestações de sofrimento no caso de abstinência; 5. Alívio ou
evitação dos sintomas de abstinência pelo aumento do consumo; 6. Percepção subjetiva da
compulsão para o uso - não poder controlar o próprio hábito de uso, mesmo sabendo que
isso provoca grandes prejuízos; 7. Reinstalação após a abstinência – até após um período
prolongado de abstinência, a necessidade de uso emerge dando impressão de que é
irreversível (EDWARDS, 1997, p. 318)).

O Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais (DSM-V) dedica uma


parte significativa, mais de um décimo do manual, para os Transtornos Relacionados às
Substâncias. Em 104 páginas o DSM-V descreve as características desses transtornos e
coloca critérios para diagnosticá-los. São aqui especificados os transtornos provocados por
dez classes de diversas substâncias, como: álcool, cafeína, cannabis, alucinógenos,
inalantes, opioides, sedativos, hipnóticos, ansiolíticos, estimulantes, tabaco e as outras
substâncias.

No manual anterior – DSM-IV-TR (2002, pp. 212-213) constam os seguintes


critérios para dependência de substâncias:

Um padrão mal adaptativo de uso de substância, levando a comprometimento ou


desconforto clinicamente significativo, manifestado por três (ou mais) dos
seguintes critérios, ocorrendo em qualquer momento no mesmo período de 12
meses:
(1) Tolerância, definida por um dos seguintes aspectos: (a) uma necessidade
de quantidades progressivamente maiores da substância para adquirir a intoxicação
ou efeito desejado; (b) acentuada redução do efeito com o uso continuado da mesma
quantidade de substância;
(2) Abstinência, manifestada por um dos seguintes aspectos: (a) síndrome de
abstinência característica para a substância (consultar os Critérios A e B dos
conjuntos de critérios para Abstinência das substâncias específicas); (b) a mesma
substância (ou uma substância estreitamente relacionada) é consumida para aliviar
ou evitar sintomas de abstinência;
(3) A substância é frequentemente usada em grandes quantidades, ou por
período mais longo do que o pretendido;
(4) Existe um desejo persistente ou esforços malsucedidos no sentido de
reduzir ou controlar o uso da substância;
(5) Muito tempo é gasto em atividades necessárias para a obtenção da
substância (por ex., consultas a múltiplos médicos ou fazer longas viagens de
32

automóvel), na utilização da substância (por ex., fumar em grupo) ou na


recuperação de seus efeitos;
(6) Importantes atividades sociais, ocupacionais ou recreativas são
abandonadas ou reduzidas em virtude do uso da substância;
(7) O uso da substância continua, apesar da consciência de ter um problema
físico ou psicológico persistente ou recorrente que tende a ser causado ou
exacerbado pela substância (por ex., uso atual de cocaína, embora o indivíduo
reconheça que sua depressão é induzida por ela, ou consumo continuado de bebidas
alcoólicas, embora o indivíduo reconheça que uma úlcera piorou pelo consumo do
álcool);
Especificar se:
Com Dependência Fisiológica: evidências de tolerância ou abstinência (isto é,
presença de Item 1 ou 2).
Sem Dependência Fisiológica: não existem evidências de tolerância ou abstinência
(isto é, nem Item 1 nem Item 2 estão presentes).

O DSM-5 removeu a divisão presente no DSM-IV entre os diagnósticos de Abuso


e Dependência de Substâncias. Reuniu-os como Transtorno por Uso de Substâncias, que
somou os antigos critérios para abuso e dependência, conservando-os com mínimas
alterações. Assim, o diagnóstico não possui mais os critérios diretos de Dependência, mas
passou mencionar os critérios para: Intoxicação, Abstinência e Transtornos Induzidos por
Medicação/Substância. O DSM-5 exige dois ou mais critérios para o diagnóstico de
Transtorno por Uso de Substância e a gravidade do quadro passou a ser classificada de
acordo com o número de critérios preenchidos: dois ou três critérios indicam um transtorno
leve, quatro ou cinco indicam um distúrbio moderado e seis ou mais critérios indicam um
transtorno grave. A atual versão do manual passou a incluir os diagnósticos de Abstinência
de Cannabis e Abstinência de Cafeína e excluiu o diagnóstico de Dependência de Múltiplas
Substâncias. O Transtorno por Uso de Nicotina foi substituído pelo Transtorno por Uso de
Tabaco. O DSM-5 removeu os especificadores Com Dependência Fisiológica / Sem
Dependência Fisiológica e reorganizou os especificadores de remissão, reconhecendo
como Remissão Precoce um período de pelo menos três meses no qual nenhum dos critérios
para o uso da substância (exceto o desejo) é atendido e Remissão Sustentada quando o
período é superior a doze meses. O manual também incluiu os especificadores que
descrevem indivíduos “em um Ambiente Controlado” e aqueles que estão “em Terapia de
Manutenção” (DSM-5, 2014).
33

1.1.3 Neurobiologia da dependência química

A dependência química pode ser compreendida como uma mudança nas diversas
regiões do sistema nervoso central (SNC), que surge em consequência direta do uso de
droga. Diante do uso de uma substância psicoativa o equilíbrio do sistema cerebral é
abalado, produzindo alterações que provocam gradativamente a dependência. Nessa visão,
entendendo como as drogas agem no SNC, podemos entender as alterações
comportamentais, o aumento progressivo do uso e as decorrências ambientais, para
estabelecer ações de tratamento.

Para apresentar explicação neurobiológica das drogas, fazemos uma revisão breve
sobre o funcionamento celular, sobre o sistema de recompensa cerebral (SRC), e
estabelecemos uma correlação entre as ações das principais drogas de abuso no SNC com
as alterações psicopatológicas delas decorrentes. Precisamos ter em vista que, o uso
repetitivo de drogas provoca uma instabilidade da função de recompensa cerebral, mediante
alterações nos mecanismos relacionados, apropriando-se dos circuitos antes estabelecidos
para o mecanismo de recompensa natural.

Durante o processo evolutivo, as espécies adaptaram-se ao seu ambiente, formando


comportamentos que garantem a continuação da espécie e mantêm vivo o próprio
organismo. Segundo Guyton (1989), esses comportamentos estão associados ao SRC,
também chamado de circuito da motivação, e incluem a capacidade de reforçar estímulos
utilitários prazerosos e se esquivar dos estímulos nocivos. O SRC é sempre estimulado
quando sentimos um prazer físico ou psíquico, referente, por exemplo, à comida, ao sexo,
aos sons ou às imagens, que trazem benefícios. Segundo os estudos, o mesmo prazer
proporcionado naturalmente pelos comportamentos, que tem suas funções vitais, pode ser
gerado numa forma não natural, pelo uso de substâncias psicoativas.

O SRC é formado essencialmente por duas vias do SNC. É um sistema complexo,


que vou apresentar resumidamente através da seguinte descrição (MICHELI et al., 2012,
p. 120):

A primeira, chamada via mesolímbica, é composta por projeções dopaminérgicas


que partem da Área Tegmentar Ventral (ATV), localizadas no mesencéfalo, que
inervam a região do estriado ventral, também denominado Núcleo Accumbens
(NACC). A ATV também envia importantes projeções dopaminérgicas para a
amídala, septo e núcleos da estria terminal. A segunda via, chamada de
mesocortical é constituída por projeções dopaminérgicas da ATV para Córtex Pré-
34

Frontal (CPF). A liberação de dopamina (DA) no NACC e no CPF é um dos


principais preditores da magnitude dos efeitos reforçadores dos estímulos naturais
e das drogas de abuso. Os neurônios dopaminérgicos destas vias (mesolímbica e
mesocortical) processam e integram informações de importantes aferências
glutamatérgicas provenientes do CPF e de outras regiões límbicas (amídala e
formação hipocampal).
Os neurónios do SRC se comunicam principalmente pela liberação de dopamina, uma das
centenas de neurotransmissores que transmitem os sinais entre as células nervosas.
Portanto, o que hoje sabemos, a liberação de dopamina no SRC é a causa principal das
sensações prazerosas.

Silva e Laranjeira (2010), explicando o funcionamento de drogas no SNC, destacam


que cada droga possui um mecanismo de ação especifico, mas todas essas drogas agem em
via de circuitos neuronais responsáveis pelo SRC. A droga tem capacidade de regular a
disponibilidade sináptica de dopamina sobretudo na região do NACC. O que diferencia as
sensações adquiridas por meio de drogas distintas é a capacidade de alternar a quantidade
de neurotransmissores na fenda sináptica, agindo como inibidores ou aceleradores na
recepção de dopamina em vários sistemas de neurotransmissão. Por exemplo, o álcool é
considerado uma droga depressora do SNC, porque a sua ingestão aguda “estimula o
sistema ácido gama-aminobutírico (GABA), que é o maior sistema inibitório cerebral, e
inibe o sistema glutamatérgico, que é o maior sistema estimulante do cérebro” (ibidem, p.
25).

Até a mesma droga pode ter vários efeitos, dependendo do modo como é liberada
no organismo, da sua quantidade e do tempo de uso. Por exemplo, o derivado de cocaína,
crack, por ser uma droga absorvida pelos pulmões, precisa menos tempo para entrar na
corrente sanguínea do que a cocaína inalada, que entra no sangue através das membranas
nasais. A quantidade de dopamina liberada no uso de crack é maior num pequeno espaço
de tempo e por isso a sensação de prazer é mais intensa e sua falta mais sentida. Mascar
uma folha de coca desperta o ânimo e a força, sem levar a dependência.

1.2 Problemas ligados com a drogadição

O problema de drogadição no Brasil é, na maioria das vezes, tratado como patologia


psicossocial e como uma questão de saúde ou de justiça. Assim, existem dois extremos em
que o dependente químico é visto dum modo preconceituoso. Ou ele é considerado como
35

uma pessoa doente, então o que precisa ser tratada é a doença, sem necessidade de
participação ativa do doente, e nesse caso pode ser visto como uma pessoa que continua
doente porque não quer se tratar. Ou ele é considerado uma pessoa perversa, de mal caráter,
que deve ser “reformada” moralmente e socialmente, querendo ou não. As duas posições
prejudicam o processo de tratamento, pois colocam o dependente na posição de objeto
passivo, diante das mudanças necessárias. Para entender o problema da drogadição precisa-
se ver o problema a partir do sujeito usuário de droga, ver na drogadição o sintoma de uma
necessidade do indivíduo barrada pela incapacidade pessoal ou pelo ambiente social.

1.2.1 Adolescência e uso de drogas

A pessoa, que é dependente das substâncias psicoativas, sente um grande tédio de


viver sem droga, mas já antes que ela se vicie, existem vários pequenos tédios e dificuldades
que, provavelmente, a levaram usar as drogas. Vitalle (2012) descreve os problemas e
vulnerabilidades que começam a aparecer na adolescência, destacando os riscos nessa etapa
de vida. Uma pessoa jovem que busca definir a sua identidade e seu papel na sociedade,
muitas vezes não consegue se destacar em seu ambiente ou aceitar a si mesma. Por isso,
nessa etapa da vida, os jovens ficam muito vulneráveis a cometer erros e prejudicar o
próprio futuro. Podemos confirmar que hoje os adolescentes chegam a se tornar
dependentes químicos sabendo que uso das drogas traz risco de dependência. O ato de se
drogar é uma decisão, que pode ser chamada imatura, pode sofrer pressões, mas é uma
escolha própria. A maioria dos dependentes químicos começa o uso de drogas na
adolescência ou até na pré-adolescência. O que leva a um adolescente a fazer uma escolha
tão arriscada de começar a se drogar?

Se nos perguntamos sobre o ambiente socioeconômico dos jovens mais vulneráveis,


podemos dizer, que, de modo geral, os mais desfavorecidos socioeconomicamente
começam mais cedo. Isso acontece principalmente, por falta de proteção familiar.
A importância da família nessa fase da vida é descrita por Eroy Aparecida da Silva (2012).
A proteção inclui, tanto o espaço físico, como o psíquico. A segurança em ambos os
espaços ajuda uma pessoa vulnerável a livrar-se dos sofrimentos traumáticos e das “más
influências”. Podemos levantar tese, que os jovens das classes sociais mais baixas são mais
carentes de um ambiente físico adequado, onde podem realizar as suas aspirações, e são
expostos, desde cedo, à influência direta dos seus colegas socialmente mais debilitados. A
necessidade de um espaço psíquico, onde jovem pode viver e expressar os seus anseios
36

mais internos, aparece um pouco mais tarde, no final da adolescência. Nessa idade, as
carências psicoafetivas se revelam do mesmo jeito em qualquer ambiente social, por
exemplo, no caso dos jovens das classes mais altas, geralmente superprotegidos, o tédio
pode ser gerado pela falta de motivação.

Conforme Campos (2009), o adolescente busca um modelo ideal para a própria vida,
por isso, procura rejeitar tudo o que lhe parece incoerente, falso ou injusto e toma posição
contrária a esse tipo de realidade. Essas atitudes não são expressões de altruísmo, pois o
próprio adolescente coloca-se no centro da atenção, visando à sua realização. Nesse
momento da vida, aparecem as frustrações devido às descobertas das incoerências nas
atitudes das pessoas que eram até agora vistas como referências. Surgem sentimentos
confusos e ambivalentes sobre valores da vida. O amor e afeto recebidos quando criança,
agora desaparecem e jovem começa a experimentar na própria pele a rejeição e a negação
da sua individualidade. Cada vez são mais sentidas as exigências da responsabilidade e as
críticas dos mais próximos. Nesse ambiente, o adolescente se torna mais permissivo para
consigo mesmo e busca satisfazer os próprios desejos que agora não são mais realizados
pelos cuidadores.

Numa visão psicanalítica, Levisky (1998) descreve a adolescência como um tempo


de buscar os próprios caminhos, sem ainda os conhecer. O tédio pode surgir tanto por
descoberta que o buscado não oferece o prometido, como por ser barrado na busca. O
primeiro aparece pelas experiências precoces, na falta de proteção. Nessa situação, os erros
constantes que o adolescente comete causam sofrimento e desilusão. Se a droga não é ainda
nesse momento uma escolha, o tédio posterior, gerado pelos diversos fracassos, pode levar
ao uso. O segundo tipo de tédio acontece, quando não há espaço para as descobertas e pode
provocar um anseio tão grande, que cada vez quando aparecem pequenas ocasiões para
experimentar a própria liberdade, o adolescente quer aproveitar essa oportunidade ao
máximo.

Para um adolescente, a escolha pelo proibido traz uma sensação de realização da


própria liberdade. Quebrar as regras sociais e entrar na ilegalidade, isso faz parte de
contestar as normas estabelecidas. Esse era um dos motivos de uso de drogas do movimento
“hippie”, que surgiu nos anos 60 do século XX e popularizou o uso das substâncias
psicoativas. O adolescente que usa drogas, possui os sentimentos bem dicotômicos. Sente,
ao mesmo tempo, a vergonha de revelar a sua escolha, sabendo que isso é malvisto e vai
37

ser reprimido, e o prazer que proporciona a droga. No próprio uso, ele é recompensado por
essa escolha. Becker (2008) descreve como, para aniquilar uso de drogas, foram construídas
as imagens repugnantes dos usuários. Por isso, na ocasião de uso, o adolescente é visto
socialmente (e, às vezes, até por si mesmo) como problemático, doente ou delinquente, o
que mais ainda dificulta a procura pela ajuda.

Adolescência é um tempo perigoso, no sentido da vulnerabilidade à droga, não só


por causa do estado psicossocial do sujeito, mas também pelas consequências devastadoras
que o uso nesse período causa. Micheli (2014) enfatiza, que, segundo os neurologistas, a
maturidade neurológica (do SNC) ocorre por volta dos dezoito anos de vida. Uso de
substâncias psicoativas antes dessa idade deixa as sequelas irreversíveis no funcionamento
cerebral. Os neurônios passam a aceitar essas substâncias como parte produzida pelo
próprio corpo, portanto, como naturais e necessárias. Portanto, o funcionamento cerebral
pode ficar comprometido permanentemente e combater o síndrome de abstinência fica mais
difícil.

Conforme Scivoletto (2012), o período da puberdade biológica e psicológica e em


que acontece a formação da identidade sexual, que acontece na adolescência, gera também
vulnerabilidades. Nesse tempo, aumenta a produção dos hormônios e a sexualidade aflora.
Aparece uma necessidade de relações afetivas, que muitas vezes, provoca decepções e
sofrimentos. Surgem várias dúvidas a respeito da própria beleza, desempenho sexual,
necessidade de se mostrar atraente. Aparecer como corajoso e desinibido, pode ser um jeito
de seduzir sexualmente.

O abuso de álcool e de outras drogas é considerado um fator facilitador para uma


vida sexual precoce. Segundo a pesquisa, feita por Aerts (et al., 2014) e seus colaboradores,
que confirma as outras pesquisas anteriores (CRUZEIRO et al., 2010; MIOZZO et al.,
2013; TAQUETTE, VILHENA e PAULA, 2004), existe uma correlação clara entre uso de
substâncias psicoativas e atividade sexual no meio de adolescentes. Essa coincidência pode
ser interpretada como resultado de uma permissividade que atinge os dois comportamentos.
O uso de drogas pode levar aos comportamentos sexuais levianos e à prostituição. E como
ressalta Abdo (2010, p. 517):
Prostituição pode ser a fonte de recursos para manutenção da dependência química.
A idade de início dessa prática sexual em mulheres, costuma coincidir com a idade
em que o uso da droga passa a ser diário.
38

Outro aspecto importante que pode influenciar o uso de drogas na adolescência é a


entrada na vida social, pois nesse campo, o adolescente encontra vários desafios e
frustrações. Na busca do seu lugar no mundo social, o adolescente procura responder às
exigências do seu meio. Muitas vezes, esse meio, de outros jovens, cobra uma certa rebeldia
aos padrões da sociedade. O adolescente precisa provar que não tem medo, que não é
”careta”, que não se deixa dominar pelo consenso social. De outro lado, precisa ingressar
na mesma sociedade que ele mesmo abomina, no mundo competitivo, no mercado de
trabalho. Precisa mostrar a sua responsabilidade, conquistar confiança dos chefes e procurar
a independência financeira. Segundo Curto (2012), a dificuldade de arrumar emprego,
principalmente para um dependente químico, pode facilitar a entrada no mundo do crime e
tráfico de drogas.

Como podemos perceber, a adolescência aumenta a vulnerabilidade para o uso de


drogas devido à grande instabilidade emocional e insegurança pessoal. O jovem não possui
ainda uma maturidade que o ajudaria a fazer as escolhas certas, apesar essas escolhas serem
exigidas. Diante das diversas dificuldades e incertezas, a droga, uma vez experimentada,
traz uma sensação de ter superpoderes, ser invencível, ser melhor, poder de conquistar todos
os seus alvos. A droga parece ser uma porção mágica e o jovem, que a usou, passa a
acreditar que precisa dela para ser feliz na vida. A droga se apresenta como uma proteção
contra o tédio, a angustia e qualquer tipo de sofrimento.

1.2.2 Dependência como problema de saúde mental

Todos sabemos que a droga faz mal à saúde, mas precisamos olhar os exatos
prejuízos que o uso da droga causa à saúde humana. No presente trabalho, estou
concentrado no problema da dependência química, portanto, pretendo só apresentar
insanidades na área da saúde mental do indivíduo, omitindo danos nos outros órgãos do
organismo, como fígado, pulmões, etc. que também são atingidos pela intoxicação do uso
contínuo.

O DSM-5 (2014) divide os transtornos relacionados à substância em dois grupos:


transtornos por uso de substância e transtornos induzidos por substância. O primeiro grupo
apresenta os transtornos, que são consequências de uso contínuo de droga, alterando os
circuitos cerebrais, então os que caracterizam a própria dependência química. O segundo
39

grupo inclui as síndromes específicas para determinada substância ou desencadeadas por


ela, na intoxicação e/ou abstinência.

Os transtornos por uso de substâncias e seu diagnóstico, que se baseiam no padrão


patológico de comportamentos relacionados ao seu uso, descrevi na parte anterior, citando
os critérios para dependência de substâncias do DSM-IV-TR (2002). Esses transtornos
provocam danos devido: ao baixo controle sobre uso da substância, ao prejuízo social, ao
uso ariscado e às síndromes de abstinência. De modo geral, são eles comuns para todo o
tipo de substâncias psicoativas.

Os transtornos mentais induzidos pelas substâncias, mencionados no DSM-5, são:


transtornos psicóticos, transtorno bipolar e seus transtornos relacionados, transtornos
depressivos, transtornos de ansiedade, transtorno obsessivo-compulsivo e seus transtornos
relacionados, transtornos do sono, disfunções sexuais, delirium e transtornos
neurocognitivos. Esses transtornos, dependendo da droga usada, podem aparecer durante a
intoxicação, durante a abstinência, ou nos dois momentos.

As sensações que droga proporciona para um dependente químico durante o uso (na
intoxicação), na abstinência são percebidas como falta, por isso, os efeitos sentidos no uso
de droga e os efeitos sentidos na abstinência são geralmente opostos. Portanto, os
transtornos mentais são as consequências de intoxicação ou são gerados por sua falta no
tempo de abstinência, provocados pelo uso contínuo de uma substância psicoativa, como
fruto do desequilíbrio químico no organismo.

A dificuldade de diagnosticar um usuário de drogas, vem da incerteza, se os


sintomas apresentados são decorrentes da situação atual (intoxicação ou abstinência) ou se
é um quadro permanente. Por exemplo, os sintomas de psicose induzida por droga
(alucinações, etc.) podem ser facilmente confundidos com quadros de esquizofrenia.
Porém, muitas vezes, junto com transtorno por uso de uma substância coexistem os diversos
transtornos mentais, que não são mais induzidos pelas substâncias, mas representam
transtornos adicionais. Segundo Cohen (1997) e muitos outros autores, o diagnóstico
correto só pode ser feito depois de um certo tempo de abstinência.

Uma pessoa que foi diagnosticada como dependente químico, então portador de um
transtorno, pode ser diagnosticada por outro transtorno induzido por primeiro. Ratto (2010,
p. 199) explica, que este transtorno associado é conhecido como comorbidade e “é capaz
40

de alterar a sintomatologia, interferindo no diagnóstico, no tratamento e no prognóstico da


primeira doença”. Pessoa diagnosticada com dependência de uma determinada droga, pode,
ao mesmo tempo, ser diagnosticada com, por exemplo, transtorno bipolar, que é uma
consequência do uso contínuo dessa droga. Nesse caso, podemos falar de comorbidade
psiquiátrica na dependência química. Segundo os dados estatísticos (ZALESKI et al.,
2004), 37% dos usuários das substâncias psicoativas são diagnosticados com outros
transtornos psiquiátricos. O DSM-5 relata os transtornos relacionados a cada tipo de droga,
na intoxicação e na abstinência, especificando as possíveis comorbidades ligadas ao uso
dessas substâncias.

Existem várias teorias que procuram esclarecer a coexistência de outro transtorno


na dependência. Algumas teorias explicam comorbidades pela causalidade, então um
transtorno é necessário para o desenvolvimento do outro. Outras teorias esclarecem o
aparecimento de dois transtornos pelos mesmos fatores que os resultam, por exemplo, a
mesma combinação de genes. O uso de substâncias psicoativas pode desencadear um
transtorno já preexistente e esse pode reforçar anseio da necessidade do uso. Na maioria
das vezes, é difícil definir qual dos transtornos se desenvolveu primeiro, então qual é
transtorno originário ou qual é a causa de dois transtornos. A causalidade é notada por
Caballo (2011), apontando que um transtorno de personalidade na adolescência dobra o
risco de uso de droga nos primeiros anos de vida adulta.

A esquizofrenia é um dos mais graves e complexos transtornos associados a


dependência química, que se caracteriza mais frequentemente pelas alucinações e
percepções delirantes do pensamento. Alguns esquizofrênicos consomem as drogas para
minimizar os efeitos da doença ou os efeitos colaterais dos remédios utilizados, por
exemplo, sonolência ou falta do sonho. O surgimento da esquizofrenia pode também ser
associado ao uso de droga, que despertou a doença latente. Na minha prática clínica,
encontrei alguns dependentes que relataram sofrimento de delírios e alucinações ainda
muito tempo depois de parar de usar drogas, não tendo esses sintomas antes de usar.

Segundo Laranjeira (1996), a depressão representa outro transtorno associado a


dependência, principalmente ao álcool. Nos alcoólatras, que sofrem de depressão, é muito
difícil determinar o transtorno primário e o secundário. A depressão pode ser também
associada ao uso de cocaína, das anfetaminas e a cafeína. Sintomas de depressão podem ser
explicados pelas alterações nos neurotransmissores que, com o efeito da tolerância,
41

“acostumaram-se” com a liberação de dopamina pelo uso de droga. Mas o próprio


transtorno pode ser desenvolvido pelo uso de droga na infância e adolescência. Estas drogas
também podem ser usadas para amenizar a depressão primária.

Outra desordem psíquica associada a dependência e que faz parte dos transtornos
de humor é transtorno afetivo bipolar. É um transtorno mais frequentemente encontrado
junto ao consumo de substâncias. As mudanças de humor, da euforia para depressão e
contrário, são efeitos da desregulação química no SNC e acontecem no uso de todo o tipo
de droga. Essa instabilidade de ânimo reflete muito negativamente no processo de
recuperação, provocando as recaídas inesperadas. Portanto, uma das técnicas na Terapia
Cognitivo-Comportamental para aprender lidar com essas mudanças é observar o próprio
estado de humor, para tentar “surfar na onda” (JUNGERMAN, 2007).

O transtorno de défice de atenção e hiperatividade (TDAH) faz parte dos transtornos


cognitivos e do neurodesenvolvimento. Mais comum é ser identificado na infância, mas
pode ser identificado na vida adulta devido às certas perturbações no desenvolvimento do
SNC. Por volta de 20 a 40% das crianças com TDAH, têm na vida adulta problemas com
drogas e cerca de um terço dos adultos, com esse transtorno, possuem problemas
relacionados com uso das substâncias. O uso de drogas e TDAH são muito confundidas no
diagnóstico por terem os sintomas muito parecidos. Difícil também identificar qual é o
problema primário e qual o secundário no caso de comorbidade (RATTO, 2010).

Outros transtornos associados à dependência são: transtornos de ansiedade e


transtornos alimentares. As drogas provocam transtornos de ansiedade por seu efeito
estimulante no SNC, por um quadro de abstinência a depressores desse sistema ou por
efeito perturbador do SNC, por exemplo, no caso de pânico. As drogas atuando no SRC,
provocam a falta de apetite e, por isso, o uso dessas drogas é associado aos transtornos
alimentares. Por exemplo, a cocaína é usada para inibir o apetite e todos os seus usuários
emagrecem rápido. Contudo, na minha prática clínica, também encontrei pessoas que
relataram não conseguir se alimentar sem antes tomar uma dose de álcool.

Os transtornos que mais influem nos relacionamentos sociais são transtornos de


personalidade. Esses transtornos apresentam os comportamentos mal adaptativos,
percepções errôneas e desvios graves das normas sociais do ambiente do indivíduo, que
geram conflitos nos relacionamentos com os outros. Dois tipos de transtornos se destacam
na dependência química. No transtorno de personalidade antissocial, observamos
42

discrepância significativa entre comportamento do indivíduo e as normas sociais


predominantes. No transtorno de personalidade Borderline, ressaltamos constantes
instabilidades emocionais e grandes incertezas sobre a próprios sentimentos, preferências,
autoimagem, etc. Essas características mostram uma dificuldade na adaptação das normas
o que facilita o consumo de drogas. A falta de uma referência interna, nesses casos, pode
ser substituída por uma motivação externa como: punição pela lei, punição de Deus ou seu
agrado, etc.

Comorbidades dos transtornos psiquiátricos associados ao uso de drogas


apresentam um problema muito grave no diagnóstico, no tratamento e na prevenção. Os
dependentes com essas comorbidades possuem muito mais dificuldades no progresso da
recuperação e usualmente passam por muitas internações. O trabalho de recuperação com
essas pessoas necessita de um acompanhamento médico e um tratamento adequado. O
diagnóstico só pode ser adequado depois de um tempo de abstinência e o tratamento
medicamentoso precisa ser acompanhado restritamente devido a tendência de um uso
abusivo. A sensação de não conseguir dominar a própria mente, diminui mais ainda a
autoestima do dependente. Desacreditando em si, ele precisa uma referência externa, uma
força a que ele possa se apegar, acreditar, confiar totalmente.

1.2.3 Dependência como problema social

O abuso e a dependência de drogas provocam rupturas nas redes sociais do


dependente. São as rupturas progressivas com a família, os amigos, a escola, o trabalho, a
comunidade, etc. O usuário de substâncias psicoativas pode não apresentar o transtorno de
personalidade antissocial, mas, para realizar seu desejo pela droga, “sacrifica” as relações
humanas, até com as pessoas mais próximas. Consumindo as drogas, principalmente as
ilícitas, o usuário tenta esconder a sua conduta, encobrir a verdade, o que faz que as relações
abertas e sinceras deixem de existir. Ele engana os outros, porque ele mesmo sabe que como
“usuário” será tratado como pessoa menos confiável e precisará enfrentar as críticas.

Uso de droga ilícita coloca o sujeito na posição de delinquente e o fato tornando-se


público o faz carregar um estigma pesado. Popularmente, o dependente químico é visto
como vagabundo, irresponsável, “noia”, “marginal”. Por causa do preconceito, as pessoas
afastam-se dele e ele afasta-se delas. Apesar de o álcool ser considerado como uma bebida
social, os alcoólatras têm uma forte tendência antissocial, isso acontece devido à perda de
43

autocensura. Deixando à solta as suas raivas, mágoas e outras emoções reprimidas, ficam
alterados, tornando-se difíceis na convivência. Também as dificuldades de realizar as suas
atividades cotidianas e a percepção comprometida do ambiente e das próprias ações fazem,
que, tanto o alcoólatra quanto usuário de drogas ilícitas, encontrem fortes críticas e entrem
facilmente em conflitos.

Uso de drogas afeta o ambiente social, começando pelos mais próximos, a família.
Rapizo (2012) descreve as conexões de uso de drogas e a desestruturação familiar.
A importância da família coloca a nós três níveis de influência pela drogadição. Família é
um fator de risco para uso, um fator de proteção contra uso, mas também é a primeira vítima
do uso das substâncias psicoativas. O uso de drogas e a família disfuncional são duas
situações que se influenciam, como causas ou como consequências um do outro,
potencializando a sua ocorrência.

Segundo Ziberman (2005), o uso de álcool e de outras drogas são a causa mais
frequente da violência doméstica. O álcool funcionando como desinibidor, os estimulantes,
como cocaína e anfetamina, reduzindo capacidade de controle e oferecendo sensação
persecutória (expressada pela palavra “noia”) facilitam a violência. São observadas duas
vias: o uso de drogas pode promover abuso físico e sexual na família e o abuso físico e
sexual na infância facilita o posterior desenvolvimento de transtornos por uso de
substâncias (cf. TONDOWSKI et al., 2012). Violência dos usuários pode ser também o
resultado de transtornos induzidos por substância ou das comorbidades psiquiátricas que
aparecem junto com dependência.

Segundo Golgstein, os crimes relacionados com drogas ocorrem em três diferentes


contextos: 1. Os efeitos psicoativos das drogas podem tornar o usuário violento;
2. O usuário pratica a violência para obter recursos que mantem seu vício; 3. A dinâmica
do tráfico de drogas está ligada de modo sistemático à violência (apud. SAPORI, 2010, p.
40). O primeiro contexto da violência, ligado diretamente à ação orgânica do dependente,
já analisamos brevemente, o segundo e o terceiro, descrevemos a seguir.

A violência como método de conseguir os recursos necessários ao financiamento do


consumo está ligada tanto aos caóticos efeitos psicoativos da droga, como às questões
socioeconómicas do dependente. O usuário experimenta uma sensação física similar à fome
chamada craving ou fissura (cf. BORDIN, 2010b). Essa sensação leva o sujeito a procurar
a droga a qualquer custo. Ao mesmo tempo, os recursos para conseguir droga sempre têm
44

seu fim. Para grande parte dos dependentes, os roubos e furtos tornam-se uma maneira
corriqueira para conseguir a droga.

Segundo Bizzotto (2010), a prática da violência devido à fissura atinge o próprio


usuário, sendo um tipo de suicídio. O dependente químico é consciente da autodestruição,
as consequências na saúde física que a droga traz. No meu atendimento clínico, ouvi muitas
vezes relatos dos dependentes de procurar droga arriscando totalmente a própria vida, que,
neste momento (sem droga), parecia não valer nada. Perigo de morte no momento do crime,
pela polícia ou pelos próprios traficantes, junta-se a perigos pela contaminação com HIV,
como resultado do sexo desprotegido ou uso das agulhas compartilhadas.

O motivo econômico leva os usuários a participar, ou criar e manter, as estruturas


que praticam violência de modo estruturado. As organizações criminosas mantêm-se do
narcotráfico. A violência ligada ao consumo de drogas tem aqui inúmeras faces: disputas
dos traficantes com a polícia e entre traficantes rivais, eliminação de devedores e
informantes, violência como conduta para manter hierarquia no grupo, etc. Pesquisa feita
pelo grupo de Sapori (2010) analisa os casos de violência na cidade Belo Horizonte – MG
nos anos 1997-2004. Os resultados da pesquisa mostram que “o crescimento das
ocorrências de homicídios (...) pode ser explicado, em grande medida, pela intensificação
dos conflitos relacionados ao tráfico de drogas” (SAPORI, 2010, p. 41).

Existem ainda outras áreas da sociedade onde o uso de álcool e de outras drogas é
um dos fatores de risco. Disso resultam, por exemplo, os acidentes domésticos, no trabalho
e no trânsito gravidez precoce, abandono da escola pelos adolescentes, desemprego, etc.
No ato do uso, o indivíduo pode perder parcialmente o controle do corpo e da mente, noção
moral e em consequência não consegue dar conta das responsabilidades sociais, como
família, escola, emprego, etc. Todos os problemas mencionados acima não acontecem
separadamente, eles se influenciam. Os problemas mentais, individuais, familiares e sociais
interferem um no outro mutualmente, agravando a situação do dependente e do seu
ambiente. Como sair dessa situação?

1.3 Em busca de soluções

A drogadição, como problema existe na nossa sociedade já algum tempo,


principalmente com a droga mais popular - o álcool. O uso de outras substâncias psicoativas
era muito restrito aos pequenos grupos que tinham acesso a elas. Nas últimas décadas, a
45

partir dos anos setenta do século XX, o uso dessas drogas se popularizou. Nos últimos anos,
o grande impacto provocado pela drogadição na sociedade, colocou o problema de uso de
drogas em destaque e despertou interesse pelas soluções urgentes. Os problemas ligados ao
uso das substâncias psicoativas abrangem várias áreas. A busca desesperada pela resolução
imediata, diante deste desafio, faz que não se consiga tratar o problema na sua
complexidade (cf. ALBUQUERQUE, 2010).

Os médicos concentram-se na desintoxicação e procuram pelos remédios que


poderiam prevenir o uso, diminuir desejo do uso na dependência, diminuir os efeitos
colaterais ou substituir a droga pelo medicamento. Os psicólogos e outros terapeutas, que
baseiam sua atuação na mente humana, buscam através das suas intervenções atingir: o lado
comportamental, esfera cognitiva ou afetiva, ou inconsciente da pessoa. Os assistentes
sociais focam as suas intervenções nas questões da promoção socioeducativa. Os agentes
de segurança buscam combater a criminalidade e narcotráfico. Os líderes religiosos
despertam o sentido da responsabilidade moral, propondo, como antidoto contra
drogadição, as práticas espirituais. As formas de combater o uso de drogas variam de
acordo com a visão de mundo, a perspectiva profissional, ideológica e religiosa das pessoas
que atuam nessa área.

As decorrências do problema trazem os prejuízos com consequências irrecuperáveis


e, por isso, a importância de buscar a resoluções, começando já pela prevenção do uso das
substâncias psicoativas. Nessa parte do trabalho, busco identificar os elementos protetores,
mostrar algumas estratégias de prevenção e apresentar os diversos programas terapêuticos
e as políticas públicas de atendimento dos dependentes químicos.

1.3.1 Elementos protetores de uso das substâncias psicoativas

Segundo Pereira (2010) e colaboradores, os elementos de proteção contra uso de


drogas precisam ser procurados em todas as áreas do funcionamento do ser humano, na sua
dimensão biológica, psíquica e social. Os fatores biopsicossociais de proteção são
analógicos dos fatores de risco, ou seja, diminuindo os elementos de risco conseguimos
ampliar os elementos de proteção, e vice-versa. Apresento aqui alguns tipos de benefícios,
de caráter individual e social, que ajudam prevenir a drogadição.

Na dimensão biológica, os fatores de proteção estão dentro da condição física do


indivíduo. No presente momento do desenvolvimento da medicina, ainda não podemos
46

mudar as predisposições biológicas, que na maior parte são genéticas. No entanto, podemos
tratar as insanidades e transtornos mentais provenientes dessas predisposições ou prevenir,
que eles se desencadeiam. Descrevendo o problema das comorbidades, ligadas à
dependência química, mencionei que a drogadição pode ser provocada por vários
transtornos mentais. Tratar um problema mental existente, antes que o indivíduo afetado
comece a procurar um antídoto por conta própria, no meio das substâncias psicoativas, é
uma das atitudes de proteção muito importantes.

A dimensão psíquica está ligada diretamente à biológica. Os problemas mentais


podem ter a sua causa por falta de cuidados com a higiene psíquica do ser humano. Berlim
e Fleck (2003) ressaltam a importância de zelar pela saúde psíquica, evitar estresse, ter
momentos de descanso mental, relaxamento e diversão, cuidar da qualidade de sono, etc.
São as medidas que protegem o indivíduo do desequilíbrio psíquico e evitam possíveis
colapsos. Diversos autores (COSTA NETO e ARAUJO, 2003; BUSS, 2000; MINAYO et
al., 2000) apontam, que, para uma mente saudável, são indispensáveis cuidados, como:
alimentar a própria autoestima, treinar as habilidades de disciplina e autocontrole, buscar
desenvolver as capacidades de flexibilidade e assertividade, etc. A projeção positiva de
vida, junto com habilidades treinadas, para obter autonomia e confiança, própria e das
outras pessoas, são meios que protegem contra diversas vulnerabilidades, como uso de
drogas.

A condição psíquica, da capacidade de enfrentamento de situações difíceis, é


chamada de resiliência. É a força que sustenta o indivíduo nos momentos de fragilidade,
considerados como fatores de risco. Os estudos da psicologia positiva (cf. SELIGMAN E
CSIKSZENTMIHALYI, 2000) investigam e procuram compreender diversas
características do ser humano, no nível subjetivo, individual e grupal, que levam a uma
resiliência maior. Os pesquisadores do Laboratório de Mensuração da Universidade Federal
do Rio Grande do Sul, principal centro de pesquisa em psicologia positiva (HUTZ, 2014),
ressaltam que cada pessoa possui suas próprias experiências subjetivas, que lhe oferecem o
bem-estar, a satisfação de vida e o olhar positivo para o futuro. Porém, no meio dessas
características subjetivas, que levam atitudes positivas, existem vários elementos comuns,
que podem servir como avaliação.

Southwick (2011) e colaboradores descrevem algumas vias, por onde as pessoas


alcançam a maior resiliência. No nível individual, esses são, antes de tudo: otimismo,
47

altruísmo, amor, generosidade, perdão, habilidades interpessoais, etc. No nível grupal, são
as virtudes que levam ao reconhecimento social, como: altruísmo, tolerância,
responsabilidade e ética. Todas essas características, percebidas em si mesmo, fazem a
pessoa sentir o seu valor próprio e alimentar a autoestima. Aqui podemos perceber, que as
virtudes mencionadas correspondem, em grande parte, aos valores ligados à religiosidade,
o que vai ser destacado nos capítulos posteriores.

O ser humano, como ser social, se espelha nos outros, portanto, precisa se relacionar
com outros e se sentir aceito. Existem várias aptidões individuais que levam a melhor
relação com outras pessoas e ajudam criar os vínculos sociais satisfatórios. As habilidades
individuais nesse aspecto influem diretamente nas relações interpessoais e, portanto, na
satisfação pessoal.

Na dimensão social, o elemento de proteção mais forte, sobretudo na cultura


brasileira, é a família (cf. FIGLIE et al, 2009). Nesse espaço, geralmente, o indivíduo forma
a sua personalidade, desenvolve o caráter e as habilidades psíquicas. Aqui, as relações de
acolhimento e apoio geralmente são muito intensas. O vínculo afetivo, que se desenvolve
entre os pais e filhos, tem uma força extraordinária, através dela é possível estabelecer as
regras claras e autodisciplina. Para isso, é necessário um clima onde exista um espirito de
confiança e corresponsabilidade, e onde o indivíduo possa participar nas decisões. Sanchez
(et al, 2004), aponta a religiosidade familiar como ponto forte de proteção na família.

Outro elemento de proteção, no nível social, principalmente na vida dos


adolescentes, é o grupo de convivência. Existem vários grupos e organizações que
envolvem jovens com diversos tipos de atividades. São as instituições, como escola, igreja,
clubes, academias, que proporcionam, não só o preenchimento de tempo, mas, acima de
tudo, os valores, controle interno e senso de autoeficácia. Monje (2009) ressalta, que, na
população pesquisada por ela, um dos fatores de proteção mais relevantes é a participação
nos grupos de jovens e nas atividades religiosas nas igrejas.

Pereira (2010) mostra, que a escola tem um papel imprescindível na proteção das
crianças e adolescentes. Esse ambiente deve oferecer cuidado e apoio, promovendo a
participação, responsabilidade e envolvimento nas atividades. A escola, com seus
funcionários e professores envolvidos, tem a tarefa de proporcionar padrões consistentes
para os comportamentos adequados. Sem dúvida, o outro meio, que oferece uma função
respeitável de proteção, é a comunidade. A atuação nas atividades em um ambiente
48

comunitário, que oferece ajuda e atenção é de extrema importância para desenvolvimento


de uma consciência cívica.

Todas as dimensões fatores de proteção: as características individuais, os laços


familiares e o apoio social externo, se completam na contribuição para o fortalecimento do
indivíduo nas situações de risco. Conhecendo os domínios em que a proteção se estabelece,
podemos pensar melhor nas possíveis prevenções, construir estratégias e programas, que
vão ajudar a evitar os problemas de drogadição e de seus efeitos colaterais.

1.3.2 Prevenção de uso das substâncias psicoativas

Na prevenção, se constrói as estratégias, que ajudam evitar os futuros problemas.


A prevenção de uso das substâncias psicoativas procura antecipar as ações que fortalecem
o indivíduo para o enfrentamento de eventuais dificuldades, que possam gerar prejuízos à
sua integridade biopsicossocial e, em consequência, à sociedade. A maioria dos programas
de prevenção são de caráter informativo e tentam conscientizar as pessoas com um
determinado problema. Em geral, são focados só num problema concreto, por exemplo,
doença contagiosa, criminalidade, drogadição, etc.; trabalham com numa só dimensão do
problema, dependendo da como ele é visto. Além disso, os programas de prevenção podem
ser direcionados para os grupos específicos e trabalhados em diferentes ambientes. Aqui
analiso os modelos de prevenção contra uso de substâncias psicoativas.

Gordon (1987) divide três modelos principais de prevenção, conforme o foco de sua
ação: universal, seletiva e indicada. A prevenção universal é dirigida à população em geral
e pode ser aplicada na comunidade, na escola, nos postos de saúde, na mídia, nas redes
sociais, etc. São geralmente as campanhas que tem intenção de atingir maior número de
pessoas. Precisam ser claras, de fácil entendimento e acessíveis. Tendo um caráter geral,
oferecem as informações básicas, envolvem baixo número de profissionais, ao mesmo
tempo, ampliando as áreas de atuação.

As estratégias da prevenção seletiva são dedicadas aos grupos de risco para uso de
drogas, por isso precisam um estudo prévio da população para quem são indicadas.
Selecionando o público-alvo e traçando o perfil do grupo, são aplicadas com mais
dedicação, geralmente por especialistas habilitados na área de prevenção. Requerem mais
tempo para atingir os objetivos concretos, compatíveis com a população-alvo, para diminuir
a sua vulnerabilidade. Geralmente, tentam trabalhar com seus participantes, de forma
49

especifica, com suas habilidades e informações, que fornecem os recursos individuais para
evitar o consumo de drogas (cf. PEREIRA, 2010).

A prevenção indicada é dirigida aos indivíduos, que mostram sinais de


comportamento perigoso, ligado diretamente ao uso de drogas ou, que tenham tido contato
com drogas. Esse tipo de prevenção, avalia os problemas existentes e, a partir dos
problemas de comportamento e das situações de risco individuais, propõe uma intervenção.
A prevenção indicada tenta interromper os comportamentos que levam a dependência,
proporcionando motivação, pelas mudanças cognitivas (de pensamento disfuncional),
desenvolvimento das habilidades sociais, autocontrole, conscientização, etc. (cf. NIDA,
2003).

A prevenção de uso de drogas pode ser feita no nível individual ou grupal. No nível
individual, é realizada a prevenção indicada. Pode ser feita na família ou em caráter de um
atendimento pedagógico, psicológico ou médico. No nível grupal, a prevenção pode ser
realizada em todos os ambientes onde tem acesso a população-alvo, por exemplo, jovens,
famílias, educadores, etc.

Um importante lugar para fazer prevenção de dependência química é a escola.


Basicamente, existem nas escolas três tipos de programas de atuação: 1. Aumento do
controle social; 2. Oferecimento de alternativas; 3. Educação. A primeira linha inclui um
monitoramento das atividades dos jovens. O exercício de vigilância é geralmente
compartilhado com os outros educadores, a família e a comunidade.

O segundo tipo de prevenção baseia-se na organização das atividades para os


jovens, nas alternativas culturais, esportivas ou de lazer. Escola pode organizar os grupos
de jovens para discutir os problemas e realizar as diversas atividades, ou promover o
funcionamento de outras organizações, que ajudam envolver a juventude nas propostas dos
seus programas, como, por exemplo, escotismo, etc.

A terceira linha de prevenção da dependência química são os modelos educacionais.


Vários autores (COTRIM, 1992; LIMA, 2003; MOURA, 2004), fizeram levantamentos que
permitem distinguir os seguintes modelos educacionais de prevenção: 1. Modelo do
princípio moral; 2. Modelo do amedrontamento; 3. Modelo do conhecimento cientifico; 4.
Modelo da educação afetiva; 5. Modelo do estilo de vida saudável; 6. Modelo da pressão
positiva do grupo. Cada um desses modelos possui sua especificidade e eficiência,
50

dependendo de como é trabalhado e do envolvimento dos outros setores, como família,


comunidade, etc. Olhando a questão da religiosidade, podemos afirmar que nela estão
presentes todos esses modelos. A religiosidade de cada pessoa destaca mais ou menos
alguns dos elementos apresentados.

Segundo Pereira (2010), a prevenção tenta ser baseada no aumento dos elementos
de proteção. Portanto, deve-se destacar o fortalecimento psíquico do indivíduo, os trabalhos
que aumentam autoestima e bem-estar, sucesso escolar, competência social e capacidade
para resolver problemas. Outros elementos, que devem ser trabalhados, são os laços
familiares. É necessário fortalecer os vínculos paternos e aumentar a presença dos pais no
acompanhamento da vida de seus filhos, com regras claras de conduta. Deve-se buscar o
apoio social: da comunidade, das instituições sociais, da escola, das organizações religiosas
e de outros grupos.

Moraes (2010) destaca que uma das questões importantes no propósito da


sobriedade é a motivação, que precisa ser despertada e fortalecida. A questão motivacional
é muito individual e envolve tanto as questões afetivas, quanto as cognitivas. Os mais fortes
elementos motivacionais para recuperação da dependência química são a família e a
religião, mas existem outros: saúde, situação socioeconômica, respeito social, etc.

A prevenção de uso de drogas tem diversas funções: aumenta a resiliência,


conscientiza, sensibiliza, diminui interesse de uso e criam um ambiente adequado para
abstinência. Deve-se olhar os diferentes aspectos do uso indevido de drogas lícitas ou
ilícitas, procurando desencorajar o uso inicial e promover a interrupção do consumo
ocasional, mostrando seu lado pernicioso e desvantajoso. A religiosidade abrange todos os
elementos mencionados acima. Além disso, os vínculos religiosos fortalecem o sentido de
pertencimento, no nível social e de autossatisfação, no nível moral.

As estratégias e os programas de prevenção têm uma função extraordinária na busca


de soluções do problema da dependência química. Como esse problema abrange
principalmente os jovens, a prevenção tem mais alcance quando acontece no âmbito
familiar, escolar e comunitário. É importante que seja realizada de modo integrativo,
olhando o ser humano como ser que busca a sua realização e felicidade. Para o sucesso da
prevenção, precisa-se sempre tratar a pessoa, olhando as suas dimensões: físicas, psíquicas,
cognitivas, afetivas e volitivas.
51

1.3.3 Programas terapêuticos e políticas públicas contra a dependência química

Na luta contra a dependência química, os modelos institucionais, mais populares no


Brasil, são: jurídico, médico, religioso, e, menos usado, modelo social. Até a década de
1960, no Brasil, os problemas de drogadição eram tratados como um “caso de polícia” e os
dependentes químicos eram considerados pessoas com transtornos psiquiátricos, ficavam
presas e/ou internadas compulsivamente nos manicómios. Com a mudança da consciência
social e democratização dos direitos humanos, esse modelo começou a desaparecer, porém
o novo modelo adotado pelo estado, o psicossocial, não assumiu as concretas formas
tratamento.

Como o tema da droga é abordado, demostra o fato, que a Secretaria Nacional


Antidrogas (SENAD), que foi criada em 1998 para coordenar as políticas antidrogas por
meio da articulação e integração entre governo e sociedade, estava diretamente vinculada
à, então, Casa Militar da Presidência da República. Em 2004 SENAD, mudou nome para
Secretaria Nacional de Políticas sobre Drogas e desde 2011 faz parte do Ministério da
Justiça (BRASIL, MJ, s. d.).

Percebemos, que o modelo jurídico, na realidade continua sendo mais forte no


Brasil, no sentido de que, a última palavra sempre é do juiz, por exemplo, na questão de
internação. Lembrando, que não estamos falando sobre a delinquência, mas sobre
dependência química. Foi tirada da lei a questão de obrigatoriedade de internação da criança
que é usuária de droga, mas existe o juiz da Vara da Infância e da Juventude e ele pode
mandar internar crianças e adolescentes nas comunidades terapêuticas. Juiz pode fazer
diagnóstico e prognóstico para tempo de internação da criança, sem consultar nenhum
profissional da saúde ou educação. Percebemos, que na questão de uso de drogas, juiz é a
autoridade máxima (CPF, 2010).

No Brasil, ação prática antidroga do estado adotou o modelo médico e concentra se


nos Centros de Atenção Psicossocial Álcool e Drogas (CAPS AD), que estão sob a
responsabilidade do Ministério da Saúde. Segundo Portal da Saúde do Governo Federal, no
Brasil existe 268 unidades de CAPS AD, queatendem “pessoas de todas as faixas etárias
que apresentam intenso sofrimento psíquico decorrente do uso de crack, álcool e outras
drogas” (BRASIL, SUS, s. d.). Considerando, que em 2016, no Brasil tinha 5.570
municípios, o número das unidades é bem pequeno.
52

Nos CAPS AD, apesar do nome “psicossocial”, as decisões da equipe


multidisciplinar são prevalecidas pelas opiniões dos médicos. Os outros profissionais,
queixam se que no Sistema Único de Saúde, não sobra muito espaço para eles e “quando a
discussão sobre os casos e os planos de intervenção terapêuticos individuais fica mais
intensa, são os psiquiatras que sustentam a discussão teórica” (CPF, 2010, p. 55). Por causa
de grande demanda para receber o tratamento da dependência química pelo SUS e diante
dos outros problemas apresentados, a terapia nos CAPS AD baseia-se no tratamento
medicamentoso, que é mais imediato e quer dar conta de número maior dos pacientes.

Devemos notar a existência de algumas clínicas das toxicomanias na rede pública


de hospitais psiquiátricos e das faculdades de medicina, porém são poucas e difícil acesso.
Como alternativa, existem clínicas terapêuticas particulares. Essas, geralmente, têm um
caráter hospitalar e, funcionando na base de assistência médica e enfermaria, são muito
caras, como toda a rede particular de saúde.
Sobre o modelo religioso, dominado no Brasil pelas comunidades terapêuticas, que
surgiram na escassez das políticas públicas sobre as drogas, dedicamos mais atenção no
capítulo três, apresentando o ambiente da nossa pesquisa do campo. Esse modelo encontra
bastante oposição a ser implantado como política pública, pelo fato, que as instituições
públicas não devem apoiar um grupo religioso ou uma ideologia. Entretanto, na prática,
muitas comunidades terapêuticas são subsidiadas pelos programas governamentais.

Por último, vamos analisar as políticas públicas baseadas no modelo social, que no
Brasil são muito confusas e, por isso, insignificantes. Precisamos pontuar, que o Ministério
da Assistência Social, não constrói no Brasil as políticas ligadas com drogadição, devido a
responsabilidade do problema assumida pela área da saúde. As políticas sociais
concentram-se “a proteção social, que visa à garantia da vida, à redução de danos e à
prevenção da incidência de riscos” dos diversos grupos, visando garantir a sua dignidade e
direitos (BRASIL, 2011, Art. 2º). Entretanto, no meio das possíveis problemas e riscos, a
lei não menciona a questão de drogadição.

Existe uma participação significativa dos agentes sociais na prevenção de riscos de


uso de drogas, porém são projetos elaborados pelos órgãos da saúde ou segurança pública.
Devemos dar a importância a atuação dos programas sociais ligados com a combate de
pobreza e apoio a família. Também o MEC, procura entrar nos programas sobre a questão
do uso e do usuário de drogas nas escolas, juntando os seus esforços com outras entidades.
53

Como referimos, a organização das atividades educativas, esportivas, recreativas, etc. com
jovens, faz parte da prevenção de uso de drogas.

Na realidade, o sucesso de vários projetos depende da atuação dos profissionais que


dirigem e atuam nas instituições públicas, que não conseguem mobilizar a população local.
O problema apontado por Medeiros (2010, pp. 193-194), consiste em, que:
(...) a instituição neutraliza a mobilização social, o protagonismo, a autonomia, a
participação política e o exercício da cidadania e reproduz a dinâmica do
explorador/dominado. Em decorrência, os profissionais passam a ter experiências
de impotência e fracasso e, por temer a visibilidade de suas frustrações e
(in)segurança, se fecham em suas próprias identidades, dificultando a troca, a
abertura para outros saberes, para o contato com outras instituições, para as
diferentes possibilidades de atenção ao usuário e para a visualização da realidade
fora do âmbito dos muros institucionais.

Mais uma vez percebemos, que a busca pelas resoluções é um tema complexo, que
deve envolver várias entidades, instituições públicas e a sociedade, no modo geral.
54

Capítulo 2

Religiosidade e psique humana: teorias psicológicas da religiosidade.

Religião é a relação consciente do self humano com o self divino,


isto é, com um self visto como maior que o self humano.
M. W. Calkin

O presente capítulo apresenta várias teorias, que explicam como a religiosidade


influencia a psique humana, em vários aspectos da vida. Vamos conhecer como é abordada
a religiosidade, os diversos métodos de estudo e as interpretações da religiosidade nas
teorias psicológicas. No segundo momento, são apresentadas as teorias, que analisam as
mudanças de religiosidade, no processo de desenvolvimento psíquico individual, na
construção da personalidade e diante de uma experiência religiosa significativa. Em
seguida, examinamos as teorias, que explicam como a religiosidade pode contribuir na
construção de um sentido existencial mais profundo e fornecer apoio. No final, através da
abordagem da psicologia positiva, analisamos como a religiosidade influi no bem-estar
psíquico e na satisfação da vida.

Começamos com esclarecimento como, no presente trabalho, são entendidos alguns


conceitos, como: religião, religiosidade e espiritualidade. Aproveitamos o texto de Clarissa
de Franco, que juntou alguns elementos subjacentes e algumas ideias referentes de cada
conceito:
 Religião: rituais, doutrinas, mitos, símbolos, cultos, orações, crença/fé.
 Religiosidade: vivência e experiência religiosas, inquietação ou senso
religioso, campo ou fenômeno religioso, desenvolvimento religioso,
adesão e comprometimento religioso, crença/fé.
 Espiritualidade: busca pessoal de sentido, autorrealização, autonomia em
relação às instituições, autenticidade, espontaneidade, criatividade,
liberdade, mal-estar em relação à materialidade do mundo, crença/fé.
(Franco, 2013, pp. 401-402)

Como foi exposto na introdução, este trabalho possui um enfoque psicológico e por
isso ocupa-se especificamente da análise dos atos psíquicos ligados aos fenômenos
religiosos vivenciados pelas pessoas com problemas de dependência química. Por isso, o
objeto de pesquisa não tanto é a religião na sua totalidade, mas a religiosidade, entendida
como crença e prática dos fundamentos propostos por uma religião, isso inclui atos mentais
55

que formam uma relação individual com objetos da própria fé, bem como as posições e
atitudes tomadas que representam esses fatos (cf. VERGOTE, 1969; KOENIG et al., 2001;
MILLER, 1998).

Precisamos também mais uma vez destacar, que a nossa análise é realizada num
ambiente stricto senso religioso, numa casa de recuperação de cunho cristão-católico, onde
as práticas e doutrinação religiosa fazem parte do processo de recuperação, como escolha
dos próprios internos. Por isso, a espiritualidade (como busca pessoal de sentido) dos
internos é focada nos preceitos de uma religião concreta e, portanto, no ambiente
pesquisado, não se diferencia da religiosidade.

Ainda no contexto da pesquisa apresentada, vamos seguir a orientação do Koenig


(2001), entendendo a religiosidade como maneira de apropriar-se dos conceitos de uma
religião e vivenciá-la no contexto de crenças, sem necessariamente reproduzir essas crenças
rigidamente.

A “experiência religiosa” é um termo muito usado na literatura da psicologia da


religião. Vou usar essa expressão em sentido diferente da “vivência religiosa”, conforme
escreve Mauro Amatuzzi (2000, p. 17):
Vivência religiosa vem a ser a experiência da pessoa no campo religioso, ou seja,
no campo das indagações pelo último. Cada um pode ter uma história a contar
quanto a isso; seja um ateu, um budista, ou um evangélico. No entanto para alguns,
nessa história ocorreram experiências religiosas num sentido mais específico.
Trata-se de acontecimentos marcantes para a tomada de posição em relação a um
sentido último, e que foram assumidos com esse significado. Uma experiência
como essa pode se dar a propósito de acontecimentos ordinários, mas vistos sob
nova luz, ou de acontecimentos extraordinários que são vividos como símbolos.

2.1 Abordagens psicológicas sobre a experiência religiosa e religiosidade

Antes de apresentar as teorias psicológicas da religiosidade, vamos conhecer várias


interpretações da religiosidade e da experiência religiosa. Podemos afirmar que a
experiência religiosa é entendida como uma experiência única e subjetiva de uma realidade
transcendental, que pode gerar ou reforçar a religiosidade do sujeito. A religiosidade é um
conceito mais amplo, que possui diversos aspectos, apresentados mais tarde neste capítulo,
e dos quais a experiência religiosa faz uma parte muito importante na abordagem
psicológica.
56

2.1.1 Experiência religiosa e as suas interpretações

O ser humano, como homo sapiens sempre buscava explicações. Durante séculos, a
procura pelo saber teve diversas formas. Dependendo de determinadas épocas, as coisas
eram interpretadas de modo diferente. Também as questões religiosas tiveram várias
interpretações e significados. Nas épocas e lugares, onde o conhecimento está ligado à
intuição e compreendido dentro da cultura e crenças (Mitos), a sabedoria religiosa e mística
ganha valorização. Nos ambientes, que apreciam objetividade e razão (Logos), os
comportamentos religiosos costumam ser vistos como: superstição, loucura, doença ou
ignorância. Esta última visão começou a ser dominante na modernidade, valorizando cada
vez mais o pensamento lógico e objetivo, até se tornar a referência para avaliar a maturidade
e saúde psíquica. Logos e pensamento lógico ficaram supervalorizados, em oposição aos
Mitos e ao comportamento religioso (cf. FOUCAULT, 1997).

No final do século XIX, que é considerado o início da psicologia moderna, a


religiosidade ocupava um lugar importante nos estudos da psique humana, mas sempre se
apresentava como um componente muito polêmico. Por alguns, era vista como elemento
positivo (W. James), por outros, como negativo (S. Freud). Criador da psicanálise, Sigmund
Freud, considerava religião como um elemento ilusório, que distancia o ser humano da
realidade. Segundo ele, os princípios da religião e da moralidade religiosa estão no
Complexo de Édipo - todas as ideias religiosas representam as ilusões humanas de realizar
seus mais íntimos e irresistíveis desejos (FREUD, 1974 [1929]).

Esse fato fez que as experiências religiosas, antes valorizadas, fossem explicadas
por alguns psicólogos como distúrbios psíquicos e as visões místicas interpretadas com a
impulsividade sexual reprimida. Nessa visão, por exemplo, Santa Teresa de Ávila é
considerada como pessoa histérica, que, por não ser capaz de dominar os próprios impulsos,
fugia da realidade para uma onipotente realidade divina, que a protegia dos inimigos
imaginários, ou Santa Catarina de Siena seria uma pessoa, que, sofrendo esquizofrenia, se
tornou sadomasoquista anoréxica (cf. GŁAZ, 1998; VALLE, 1998).

O desenvolvimento das neurociências, no século XX, trouxe outras explicações da


experiência religiosa. Os neurocientistas, que adotam uma visão fisicalista da psique
humana, interpretam a religiosidade como puros fatos orgânicos e neuronais, retirando todo
o seu caráter sui generis. Por exemplo, as experiências de São Paulo no caminho a Damasco
57

são explicadas pela crise epiléptica do lobo temporal com aura emocional, que, talvez, tenha
evoluído para generalização secundária, que foi assustadora e dramática, seguida de
cegueira cortical pós-ictal (cf. JAMES, 1995 [1902]; LANDSBORROUGH, 1987).

Será que a existência, ou não, dos distúrbios psíquicos anula a autenticidade ou o


próprio valor da experiência religiosa? Podemos confirmar que a religiosidade é fruto dos
problemas psíquicos ou neurológicos? Existe outra visão desse mesmo fenómeno, onde ele
é tratado como um componente de vida psíquica não patológica ou até elemento, que ajuda
ao indivíduo na integração psíquica, trazendo uma explicação subjetiva da sua existência.

A experiência mística, considerada como experiência religiosa extraordinária, por


ser mais profunda e intensa, é muitas vezes classificada como patológica. Para contestar
esse pensamento, convém, neste momento, trazer um texto do livro “Psicologia e
experiência religiosa” de Edênio Valle, que fala sobre a experiência mística e a experiência
religiosa:
A pessoa chamada “mística” é usualmente a que tem ou julga ter uma capacidade
fora do comum para captar e entrar em contato – por meio de insights, “terceiras
visões” e “dons preternaturais” – com os segredos do conhecimento, da vida íntima
e do poder de Deus (...). Tais estados de mente eram vistos, até pouco tempo, como
algo totalmente excepcional, como algo diferente da experiência “religiosa” do
homem comum, considerada normal e mais ou menos acessível a todos. Será que o
são realmente? Com Parrinder e Poloma, penso que a experiência “mística” e a
experiência “religiosa” são parte de um só e mesmo fenômeno (...). Não seria
exagerado dizer que todos podem em algum momento ou situação experimentar de
forma direta o que chamamos de místico, entendido em sua acepção mais geral
(VALLE, 2010, pp. 59-60).

Apesar de que o ser humano busque ser cada vez mais racional e realista, as
experiências chamadas aqui como “místicas” ou “religiosas” fazem parte do cotidiano de
muitas pessoas. Geralmente, essas experiências constituem a religiosidade do indivíduo,
gerando-a e/ou reforçando-a.

Um marco importante para estudos da experiência religiosa foi a obra do famoso


cientista da religião Rodolfo Otto, intitulada “Das Heilige”, em português “O Sagrado”.
Segundo ele, é uma experiência sui generis, onde a presença divina no objeto experienciado
é sentida como algo fascinante e, ao mesmo tempo, tremendo. A pessoa que vive essa
experiência, sente uma coisa totalmente diferente. Para viver essa experiência, o indivíduo
possui um poder especial chamado sensus numinis.
58

A vertente fenomenológica que surgiu, era uma reação contra psicologismo e


subjetivismo na interpretação da religiosidade e tentava descrever tudo que envolve a
experiência religiosa, sem julgá-la previamente. Na psicologia da religião, a experiência
religiosa começa a ser referida como um conjunto de vários elementos psíquicos, como:
imaginação, atos volitivos, emoções, definições e elementos de conhecimento.

Os psicólogos de orientação existencial, como Victor Frankl e outros, mostram


influência da experiência religiosa para a realização da própria existência, numa relação
com o mundo e com Deus. Para eles, o homem na sua natureza está aberto para o mundo,
particularmente, para uma realidade transcendental, nela, procura o sentido da sua
existência e sua vida. Viktor Frankl (1992 [1948]) considera a experiência religiosa como
uma voz da consciência, que para a pessoa tem um caráter transcendental. Portanto, a
experiência religiosa é uma fonte da consciência moral e gera a responsabilidade humana.
A pessoa religiosa acredita que a sua consciência lhe traz algo fundamental para seu próprio
ser e a trata como a última instância e referência para suas ações.

A psicologia humanista, em contraposição com a psicanálise freudiana e o


behaviorismo, trata o ser humano como um sujeito autônomo, que busca entender a
realidade e adapta-se ao mundo que o molda. O papel da experiência religiosa é valorizado,
como um fator que potencializa o ser humano, trazendo os recursos para sua construção
psíquica. Os psicólogos dessa vertente basearam-se nas ideias de existencialismo,
personalismo e da fenomenologia. Concordam que a experiência religiosa e a religiosidade
devem ser avaliadas numa análise psicológica subjetiva internalizada, na qual o indivíduo
realiza e atualiza sua própria existência.

Vamos ponderar as ideias de alguns psicólogos humanistas, que destacam essas


experiências, como fonte de mudanças construtivas no processo de integração psíquica do
indivíduo (cf. VALLE, 1998; ÁVILA, 2007).

William James (1995) foi um dos pioneiros que buscou entender a religiosidade,
não como religião institucional ou a religiosidade observada por um observador externo,
mas como uma experiência religiosa subjetiva, um sentido individual e único. Diante dessa
experiência, o indivíduo toma uma posição pessoal, identifica-se com ou rejeita uma
determinada religião, assume ou abomina os valores que ela prega. James, nos estudos da
religiosidade, interessa-se principalmente: das emoções individuais, da unificação do self,
59

do sentimento de pertença, do fenômeno de conversão e das suas consequências práticas


(cf. VALLE, 1998).

Para o Allport (1950) uma experiência religiosa forte, ligada a uma vivência pessoal
muito intensa, pode deixar na memória o rastro inapagável. Por isso, a religião pode se
tornar um elemento necessário e motivar o indivíduo a manter um estilo de vida doutrinado
pela fé. Allport destaca sobretudo a força motivadora da religiosidade na organização e
integração de toda a personalidade. A experiência religiosa madura impulsiona a formação
de personalidade, proporcionando unificação interior e complementa a compreensão da
realidade, resultando em comportamentos cada vez mais coerentes (cf. ÁVILA, 2007).

Segundo Maslow, algumas pessoas têm capacidade de vivenciar estados psíquicos


específicos, parecidos com a experiência mística, chamadas de experiências culminantes
(peak-experience). Descreve que a experiência culminante é vivenciada pelo indivíduo
como um momento “autojustificante e autovalidante” (MASLOW, s. d., p. 72). Essa
experiência é tão valiosa que uma tentativa de justificação tira o valor e excelência dela.
Nesses momentos, a pessoa alcança a mais profunda camada da sua identidade, está mais
próxima de si e mais natural; se sente mais integrada, unificada, eficaz e organizada. As
experiências culminantes têm valor terapêutico. Podem mudar a opinião do indivíduo sobre
si mesmo, sobre a sua vida, sobre os outros e o mundo. Liberam do ser humano maior poder
criativo, de expressão e espontaneidade.

As posições mencionadas, hoje, são consideradas clássicas, e mostram a influência


positiva da religiosidade na psique humana, mas como analisamos, as mesmas experiências
religiosas podem ter várias interpretações e diversos significados. Podem ser vistas como
um privilégio ou uma doença, um recurso ou uma alienação. A seguir, vamos conhecer,
mais concretamente as pesquisas atuais desenvolvidas ultimamente na psicologia da
religião, com variedade de suas abordagens.

2.1.2 Estudos sobre a religiosidade

Existem inúmeros estudos sobre a religiosidade com várias definições da


religiosidade, vários tipos de abordagem utilizadas e diversos métodos empregados pelos
pesquisadores. As posições científicas, que interpretam a religiosidade e sua origem, são
influenciadas por múltiplos fatores, principalmente psicobiológicos e socioculturais.
60

Zdzisław Chlewiński (1982) menciona sete tipos de tendências básicas de pesquisa


sobre o fenômeno da religiosidade: fenomenológico-introspectiva antirreducionista,
introspectiva reducionista, histórico-psicológica, sociológico-funcional,
comportamentalista, psicanalítica e de alienação. Cada uma dessas correntes tem ainda suas
vertentes e muitas vezes elas se misturam, buscando mais ou ao menos a complexa visão
da religiosidade.

Ralph W. Hood (1995, p. 189, apud. VALLE, 1998, pp. 262-263) apresenta quatro
orientações teóricas no estudo da experiência religiosa, que estão compostas por diversas
teorias: 1. Psicologias de profundidade (teorias: freudiana, junguiana e das relações
objetais); 2. Orientações mais clássicas (teorias: de desenvolvimento, da afetividade,
behavioristas e cognitivista); 3. Perspectivas psicológicas especificas (teorias: do vínculo,
da atribuição e dos papéis); 4. Pontos de vista especiais (teorias: feminista, fenomenológica
e transpessoal). Percebemos, que a busca pela explicação da religiosidade depende da teoria
psicológica adaptada e pode se concentrar no afeto, na cognição, nas sensações ou nas
experiências. Cada teoria pode contribuir para explicação de algum aspecto da
religiosidade.

Edênio Valle (1998) relata que existem centenas teorias sobre a experiência
religiosa e apresenta, sobretudo, seis delas como mais representativas. Primeiro são
mencionadas três abordagens clássicas da psicologia da religião: “pragmática” de W.
James, “introspeccionista” de K. Girgensohn e “ideográfica” de G. W. Allport. Segundo
Allport a religiosidade de cada pessoa é um caso singular, o que justifica a importância dos
estudos de casos desse aspecto, e coloca em dúvida a generalização dos fenômenos
religiosos. Posteriormente, na mesma obra, Valle traz três abordagens representativas dos
autores contemporâneos: “psicanalítica” de A. Godin, “quantitativa” norte-americana e
“atribucionista” de B. Spilka. Esta última vai ser desenvolvida nesse capítulo na descrição
sobre a questão da explicação religiosa.

Rodrigues e Gomes (2013), em Compêndio de Ciência da Religião, apresentam um


capítulo sobre as Teorias clássicas da Psicologia da Religião, onde distinguem três
principais abordagens: Psicologia Comportamental-Cognitivista, Teorias da Psicologia
Profunda ou Psicodinâmica e Teorias da Psicologia Humanista. Nos escritos dos psicólogos
humanistas percebemos a importância da autorrealização do ser humano e da busca pela
61

felicidade, que é alcançada pela satisfação dos desejos corporais e espirituais. Por isso a
Psicologia Humanista ajuda-nos a entender melhor o caráter da religiosidade, como
caminho para realização pessoal.

A literatura psicológica menciona as seguintes possíveis fontes da religiosidade


surgidas por autores clássicos da área (cf. CHLEWIŃSKI, 1982; GŁAZ, 1998):
1. Instinto religioso – de fonte genética, fundamentado nos argumentos
antropológicos, que provam a existência do fenômeno religioso em todas culturas e
sociedades (cf. CLARK, 1968; OTTO, 2007; WINDHOLZ, 1986).
2. Experiência numinosa – para Rudolf Otto (2007) é o encontro com “Sagrado”
que é sentido como “terrível e fascinante”. É um estado psíquico único e incompreensível,
sentimento da presença de algo distinto da realidade, o totalmente “Outro”. Possui as
mesmas características de “numinosidade” que a manifestação arquetípica do Carl Gustav
Jung (1984; cf. CLARK, 1968).
3. Angústia existencial e medo da morte – uma das mais populares opiniões sobre
gênese da religiosidade. Ser humano desamparado e não conformado com a morte, para
satisfazer a necessidade de segurança, cria uma resposta construindo a ideia da
religiosidade (cf. FEUERBACH, 2009; KRAUSE, 2005; SPILKA, 2003).
4. Projeção do pai e complexo de Édipo – teoria construída por Sigmunt Freud e
propagada pela psicanálise. O ser humano diante dum conflito das exigências socioculturais
(Superego) com os próprios impulsos instintivos (Id), projeta imagem de Deus-Pai, que
oferece amor e segurança, mas espera o respeito e a obediência. Desta ideia de Deus nasce
a religiosidade (cf. FREUD, (1974 [1913], 1974 [1927], 1974 [1929]).
5. Construção da identidade e do valor próprio – teoria de que o ser humano sempre
procura confirmar e aumentar a própria importância, quer ser excepcional, privilegiado por
Deus criador. Graças à religiosidade, o homem identifica-se com um grupo privilegiado,
por exemplo, dos filhos de Deus (cf. RIZZUTO, 2006).
6. Motivos cognitivos, necessidade de controle, previsão e sentido – baseada nas
teorias motivacionais de sentido de tais clássicos como Gordon Allport e Viktor Frankl, e
depois na teoria de atribuição, segundo a qual o ser humano procura sempre relações de
causa-efeito, para ter uma segurança epistemológica e para dar um sentido para os
acontecimentos (cf. ALLPORT, 1988; GROM, 2009, SPILKA, 1985).
62

7. Necessidade de proximidade e segurança – baseada na teoria de apego de John


Bowlby e adaptada por Lee A. Kirkpatrick para analisar o fenômeno da experiência
religiosa. O homem necessita de uma relação de proximidade, apoio e segurança, que tinha
como criança. Na religiosidade, procura esta relação com Deus, sempre acessível e todo-
poderoso (cf. KIRKPATRICK, 2005, GRANQVIST, 2008).
8. Religião como herança – teoria que abrange os elementos herdados socialmente
e geneticamente. Algumas opiniões destacam a influência do processo de socialização,
principalmente na relação com os pais, na aquisição e formação de religiosidade
(BANDURA, 1969). Outras teorias mostram que o comportamento religioso foi
desenvolvido no processo adaptativo da espécie humana e sofre a influência dos elementos
genéticos que foram herdamos (cf. BORTOLINI e YAMAMOTO, 2013).

Das fontes psicológicas de religiosidade citadas acima, apreciaremos as teorias, que


destacam a procura pela: autovalorização e construção da identidade; realização das
necessidades cognitivas de segurança, controle e sentido; satisfação das necessidades
afetivas de proximidade e segurança.

David M. Wulff (1996) fala sobre duas inclinações fundamentais de abordar a


religiosidade em psicologia da religião: uma descritiva e outra explicativa. A primeira,
preocupa-se mais com as variedades de tipos da experiência religiosa, mostrando as
consequências dessa, como compromisso, e está representada por tais autores, como: Edwin
Starbuck, James Pratt e Gordon Allport. A segunda busca uma explicação natural da
experiência religiosa, na psicologia, na biologia e na esfera sociocultural. Nessa linha de
pensamento, é adotada por tais clássicos, como: James, Leuba, Freud e Skinner.

Seguindo a proposta de Wulff, vamos ponderar a seguir, como as teorias


psicológicas mostram as consequências práticas de mudanças na psique humana
ocasionadas pela religiosidade.

2.1.3 Teorias de influência da religiosidade na vida psíquica.

Analisando os trabalhos de Allport, Maslow e Spilka, entre os outros, Romuald


Jaworski (1989) destaca dois tipos de religiosidade: pessoal e apessoal. Conforme esse
autor, a religiosidade pessoal possui as caraterísticas: (1) atividade e participação,
(2) espontaneidade e criatividade, (3) abertura, (4) autonomia do comportamento religioso,
(5) sentido de liberdade e responsabilidade, (6) consciência de propósito da própria
63

existência, (7) alocentrismo, (8) estabilidade. Todas essas peculiaridades apontam que a
religiosidade pessoal leva a um engajamento responsável do indivíduo.

David Wulff (1996), traz três tipos de visões, que abordam os aspectos práticos de
religiosidade. Primeiro, analisa a concepção de religiosidade como responsabilidade e
dever, depois, religiosidade como recurso e, finalmente, religiosidade como potencialidade
dupla, que pode levar às direções opostas.

Religiosidade como dever:

Esse entendimento está apresentado por James Leuba (1925), que estudava as
anomalias e comportamentos irracionais durante as experiências místicas. Pesquisando a
religiosidade dos cientistas, chegou a uma conclusão que a busca da perfeição moral,
inclusa na religiosidade numa forma irracional, é um tipo de impulso espiritual, que
apresenta os mesmos valores morais que possuem os ateus esclarecidos.

Burrhus Frederic Skinner (1953) trata religião como um comportamento mecânico


determinista, que funciona como reforço dos estímulos para os comportamentos aceitos
pela sociedade como moralmente corretos. Apesar da crítica dos reforços negativos
aplicados por religiões, Skinner admite que a religiosidade ajuda a renunciar a gratificação
individual para conseguir um bem comum.

George Vetter (1958) critica a religiosidade como uma forma de opressão e fonte
de conflitos, entretanto, destaca a religiosidade como resposta automática diante das
situações imprevisíveis e incontroláveis. Identificou duas grandes classes de
comportamento religioso, que diminuem os anseios e ajudam descarregar a energia
corporal: súplica e “orgia”.

Sigmund Freud (1974 [1913], 1974 [1927]) deu começo a uma interpretação de
religiosidade mais estudada e desenvolvida na literatura, a psicanalítica, que desenvolveu
várias ramificações de pensamento. Tinha uma visão muito negativa da religião e a
considerava como uma imaturidade, uma fantasia infantil. Forneceu o entendimento de
religiosidade como uma forma de realização do desejo infantil: de realizar o desejo do pai
(Deus). Para Freud, essa realização é acompanhada por sentimento de culpa e medo de
castigo.
64

Religiosidade como recurso:

William James (1902 [1985]), criticando uma abordagem comportamental


unilateral, fornece uma forma mais equilibrada de estudo da religiosidade. Procurou
entender a religiosidade como uma experiência religiosa subjetiva, um sentido individual e
único, uma maneira de buscar a excelência humana. Nesse sentido, a religiosidade é um
caminho, que pelas práticas do bem, faz o mundo melhor e oferece um sentimento de
realização individual.

Carl Gustav Jung considera que cada religião é positiva para a psique humana e a
religiosidade tem uma função essencial para a integridade psíquica. As formas de
religiosidade, os rituais, credos e dogmas, presentes na sociedade, desde os tempos mais
antigos da humanidade, possuem os “códigos” culturais que ajudam a pessoa a entender a
sua existência (cf. FORDHAM, 1990).

A teoria de relações objetais foi desenvolvida pela escola Britânica, representada


por Donald Winnicott. Na teoria de relações objetais, segundo Rizzuto (1979), a
religiosidade apresenta uma relação com cuidadores (os pais), construída na primeira
infância. Nesse sentido, a religiosidade torna-se uma relação terapêutica, pois, o ser humano
realiza nela a necessidade de uma relação afetiva incondicional e de dedicação total.

A psicologia de self de Heinz Kohut descreve que um self nascente de um bebê


necessita de um ambiente com self-objetos, que respondem às suas necessidades
psicológicas. O bebê realiza as suas necessidades pela fusão com objeto onipotente, que lhe
garante uma segurança e amparo. A religiosidade representa um self grandioso e idealizado,
criado como consolo pela perda de narcisismo primário (cf. RANDALL, 1984).

Erik Erikson (1976) encontrou as raízes da religiosidade na matriz materna


estabelecida na infância, porém, isso, para ele, não comprova a religiosidade como forma
imatura de enfrentamento, mas demonstra que ela ajuda administrar os medos, anseios e as
outras necessidades fundamentais do ser humano. Nesse sentido, a religiosidade é uma
forma sábia de fortalecer o ego, depois da faze infantil de desenvolvimento, promovendo a
esperança, que vai oferecer suporte para a velhice. Erikson aponta as sete qualidades que
ajudam na integridade do ego e estão presentes na religiosidade, como uma sabedoria:
esperança, vontade, propósito, capacidade, fidelidade, amor e cuidado.
65

Religiosidade como potencialidade dupla (psicologia humanista):

Gordon Allport estudou o processo de amadurecimento psíquico e da religiosidade,


como seu componente, e criou os requisitos de avaliação da religiosidade. Analisou a
religiosidade intrínseca e extrínseca e construiu conceito de religiosidade madura, com seus
traços: (1) é diferenciada - engloba grande variedade de questões, (2) é dinâmica – adapta-
se às necessidades psíquicas, (3) é consciente dos propósitos, (4) é abrangente - envolve a
totalidade existencial, (5) é integral - agrega os seus elementos num sistema harmonioso,
(6) possui qualidade heurística - busca explicação e entendimento (ALLPORT, 1950).

Erich Fromm, formado em psicanalise freudiana e influenciado pela teoria da


evolução e pensamentos sociais de Karl Marx, desenvolveu a chamada psicanálise
humanista. Segundo Fromm (1966), os seres humanos desprovidos dos instintos e adotados
por autoconsciência, vivem no meio de dicotomias existenciais, como: vida versus morte,
autorrealização versus tempo curto de vida, sentimento de solidão versus ansiedade de
isolamento. Para evitar a loucura, cada pessoa procura um quadro de orientação e um objeto
de devoção. O sistema, que pode fornecer esses recursos, Fromm chama de religião. Postula
por uma religiosidade humanista, contrária a religião autoritária, com amor e compaixão,
com forte ligação à natureza e a outros seres humanos.

Abraham Maslow, apresenta o pensamento parecido com Fromm, advertindo na


religiosidade um grande potencial de realização humana. Estuda pessoas que vivenciaram
estados psíquicos específicos, parecidos com a experiência mística, que chama de
experiências culminantes (peak-experience). Nesses momentos, a pessoa alcança a mais
profunda camada da sua identidade. Eles têm valor terapêutico, promovendo sentimentos
profundos de integração e de totalidade. A religiosidade como efeito de uma experiência
culminante é contrária a uma religiosidade utilitária com suas parafernálias de tradições
(cf. MASLOW, s. d.).

Reunindo os diversos aspectos da religiosidade percebemos seu caráter multifocal.


Ela pode nos motivar como um sentimento de obrigação, pode nós inspirar despertando
diversas atitudes pessoais, pode ser tratada como um auxílio que ajudará resolver os nossos
problemas e, dependendo de sua leitura e prática, pode se mostrar como um elemento, que
liberta e potencializa, ou escraviza e prende a capacidade do ser humano.
66

Passamos para analisar, como a religiosidade influi para os processos psíquicos e


qual caráter pode assumir na vida do indivíduo.

2.2 Constituição da psique humana e religiosidade

Existem várias teorias que explicam a complexidade de formação psíquica no


processo de desenvolvimento do ser humano. O estudo científico do desenvolvimento
psíquico começou junto com a psicologia como ciência. Os psicólogos começaram a
analisar as mudanças psíquicas relacionadas com a idade, ambiente sociocultural,
desenvolvimento neuronal, cuidados, vínculos, questões hereditárias, etc. Nesse ambiente,
formou-se a Psicologia do Desenvolvimento, como um ramo importante da psicologia
moderna. Os aspectos estudados incluíram grande variedade de tópicos, tais como:
habilidades motoras e cognitivas, aquisição de linguagem, entendimento moral,
sociabilidade, formação da identidade e personalidade. Cada um desses elementos,
dependendo da teoria, são mais ou menos destacados, como determinantes no processo de
desenvolvimento humano e sua personalidade.

2.2.1 Teorias do desenvolvimento psíquico

Nas teorias psicológicas de desenvolvimento, a construção psíquica é entendida, de


modo geral, como um caminho, que começa com dependência total, uma fusão psíquica de
um bebê recém-nascido com a mãe, e prossegue rumo à independência. O indivíduo se
constitui num processo de assimilação e adaptação, lutando pelo seu lugar no mundo, forma
a sua identidade e integra-se com seu ambiente, assumindo uma posição relativamente
autônoma.

O desenvolvimento psíquico é guiado pelos diversos propósitos, que são destacados


nas diferentes teorias. Jung, Maslow e Rogers falam em termos de autorrealização, aprender
a suprir as necessidades e buscar os próprios objetivos. Para Allport (1975), a maturidade
pode ser adquirida junto com o processo de autopercepção e uma abertura consciente, com
devido ajuste, diante do outro. Segundo Viktor Frankl (1989 [1946]) a psique humana se
constrói e fortalece através de integridade bio-psico-espititual, em busca de sentido
existencial. A psicanalise define esse processo, como fortalecimento do ego diante dos
conflitos internos.
67

Uma das vertentes psicanalíticas, chamada de teoria de relações objetais, considera


que ego só pode existir em relação a outros objetos, internos ou externos. Os principais
representantes dessa linha são britânicos, Melanie Klein e Donald Winnicott. Teoria de
Winnicott merece mais atenção nesse estudo, pois é fundamental para a teoria de
desenvolvimento religioso de Fowler e para a teoria de apego, que vão ser empregadas na
análise da religiosidade dos casos clínicos apresentados.

A proposta de Donald W. Winnicott (2001) acentua a importância do


desenvolvimento criativo do indivíduo, num ambiente favorável. Ao nascer, o bebê não
possui uma identidade própria e não se distingue da mãe. Começa um processo de separação
psíquica, em que o bebê consegue, cada vez mais, suportar as falhas maternas. A mãe
“suficientemente boa” acompanha esse processo, possibilitando que filho, por meio do
suporte e das “falhas” da mãe, desenvolva sua autonomia. A “mãe” para Winnicott é a
pessoa com quem o bebê entra numa relação objetal. Através dessa relação o indivíduo
alcança a maturidade psíquica, que garante: confiança do mundo exterior, sentimento de
continuidade e individualidade, domínio sobre si mesmo, criatividade, autoconfiança,
espontaneidade, iniciativa de diferenciar a ilusão e a realidade.

Winnicott (1975), em sua teoria, afirma a necessidade de existência de “objetos


transicionais”, que, no processo da passagem do bebê da “dependência absoluta” para a
“dependência relativa”, exercem uma essencial função de amparo. Esses objetos auxiliam
o bebê a desenvolver a capacidade de esperar pela mãe, sem desespero, representando-a,
na sua ausência. São eles que originam o pensamento simbólico, como uma representação
presencial de um objeto ausente. Winnicott apresenta a sua teoria de desenvolvimento como
etapas de integração do self e de adaptação da realidade. Nesse processo, o indivíduo
interpreta a realidade, até essa para ele misteriosa, conforme seu amadurecimento psíquico.
(cf. BLEICHMAR e BLEICHMAR, 1992).

A outra visão de desenvolvimento psíquico, que tem fundamentos psicanalíticos,


porém, enfatiza a influência das relações sociais, é a teoria psicossocial do desenvolvimento
de Erik Erikson (1998). O autor destaca que a cada etapa de vida aparece nova qualidade
de interação com ambiente, que gera conflito e crise. A adequada resolução do conflito,
fortalece o ego com novas virtudes. Erikson apresenta oito estágios de desenvolvimento do
ego, nos quais cada nova virtude é alcançada por um conflito e, o que deve acontecer numa
68

idade determinada: 1º Esperança: confiança/desconfiança (0-2 anos); 2º Vontade:


autonomia/vergonha e dúvida (2-3 anos); 3º Propósito: iniciativa/culpa (3-6 anos);
4º Competência: diligência/inferioridade (6-12 anos); 5º Fidelidade: identidade/confusão
(13-20 anos); 6º Amor: Intimidade/isolamento (a partir de 21 ano); 7º Cuidado:
generatividade/estagnação (a partir de 35 anos); 8º Sabedoria: Integridade/desespero (a
partir de 60 anos); (cf. WULFF, 1999).

Um dos mais renomados estudiosos do desenvolvimento do século XX, que


indiretamente contribuiu para entendimento do processo de desenvolvimento religioso, foi
Jean Piaget. Observando as crianças, descobriu a existência das estruturas psíquicas, que
possibilitam o conhecimento. No processo de desenvolvimento, o indivíduo passa
naturalmente pelos períodos de pensamento, cada vez mais elaborados, adquirindo certas
habilidades: sensório-motoras, cognitivas e afetivas, que também promovem a integração
social. Piaget (1990) estudou a importância da capacidade de simbolizar, que, primeiro,
possibilita à criança brincar “como se fosse” e, depois, no nível do pensamento hipotético-
dedutivo, criar na mente problemas hipotéticos e as suas resoluções. A interpretação
religiosa pode ser tratada como um conjunto de símbolos construídos mentalmente para
resolver hipoteticamente os problemas existenciais.

Lawrence Kohlberg propôs uma teoria dos estágios do desenvolvimento moral, que
assim como a de Piaget é estrutural e universalista. Nas diversas etapas da vida, o indivíduo
motiva ou justifica a sua conduta através de um princípio. Kohlberg esquematiza sua teoria
em três níveis de julgamento moral, cada um com dois estágios motivacionais: Nível pré-
convencional: 1º punição-obediência; 2º troca instrumental. Nível convencional: 1º
expectativas interpessoais; 2º consciência da lei. Nível pós-convencional: 1º acordo social;
2º princípios éticos universais; (cf. CAMINO, 1998).

Analisando as teorias de desenvolvimento, podemos definir, que o processo de


amadurecimento psíquico pode ser entendido como alcance de algumas finalidades. Esse
processo é permanente e continua durante da vida toda, é individual e não linear - pode
sofrer momentos de regressão. A seguir, vamos analisar o processo, como acontece a
compreensão da religião pelo indivíduo e como ele pode identificar nela o caminho para
sua realização pessoal.
69

2.2.2 Teorias de desenvolvimento religioso

Durante o processo de desenvolvimento individual, constitui-se o ego da pessoa e


forma-se a personalidade. O indivíduo adquire a sua identidade e independência na medida
em que acontece uma divisão entre “eu” e “não eu”. Ocorre a interiorização dos valores, ou
seja, transferência deles do meio ambiente para o sistema do próprio ego. Os valores
religiosos fazem parte desse processo.

A interiorização dos valores não é um processo automático e não acontece da


mesma forma para todas as pessoas. Os valores religiosos podem ocupar um lugar
periférico e não ter tanta influência no progresso de formação da personalidade, ou ser
fundamentais e ficar enraizados na personalidade. Quando a religiosidade assume a posição
central, os outros valores ficam subordinados a ela. Nesse caso, a religiosidade não fica na
posição instrumental para efetivar outros planos e ideais, mas faz buscar e realizar o
propósito de vida. Uma religiosidade autêntica e madura ajuda na integração de todos os
aspectos da vida, auxilia a atualizar as suas potencialidades e formar uma personalidade
madura (UCHNAST, 1975).

James W. Fowler procurou entender o processo do amadurecimento psíquico


humano reunindo os estudos de desenvolvimento biológico, emocional, cognitivo e moral.
Construiu sua própria teoria de estágios da fé, baseando-se na teoria de desenvolvimento
cognitivo de Piaget, nas teorias psicanalíticas, principalmente conceito de objeto
transicional de Winnicott, e na teoria de estágios de desenvolvimento moral de Kohlberg.
Fowler interessava-se por analisar a fé no aspecto psicológico, postulando que a fé não pode
ser tratada isoladamente da realidade psíquica. Por isso, os períodos de idade das fazes de
vida, quase fielmente correspondem com os estágios de Erikson, só que os primeiros dois
desse último, correspondam a Fowler ao pré-estágio onde a fé é indiferenciada. Os estágios
da fé segundo Fowler, começam a partir de dois anos e são esses: 1º Fé intuitivo-projetiva;
2º Fé mítico-literal; 3º Fé sintético-convencional (conjunto de crenças e valores sem
aprofundamento); 4º Fé individualizada e reflexiva (significado religioso); 5º Fé conjuntiva
(unificação das ambiguidades da fé e vida); 6º Fé universalizante (realização plena);
(FOWLER, 1992; cf. VALLE, 2010; SILVA, 2013; AMATUZZI, 2015).

Oser e Gmünder (1991) buscam descrever o desenvolvimento do julgamento


religioso, com seus estágios, sem preocupação de encaixá-los na vida cronológica.
70

Diferentemente do julgamento moral de Kohlberg, que é focado nas relações interpessoais,


Oser e Gmünder avaliam o relacionamento do indivíduo com toda a realidade vivida.
Segundo os autores, a religiosidade é um sistema distinto e integral, que se forma em uma
estrutura e que julga as causas dos acontecimentos conforme seu estágio de pensamento
religioso. Para autores, a consciência religiosa é ligada diretamente ao nível da relação com
Deus, chamado nos escritos como a “Realidade Última” 1, para mostrar que essa avaliação
serve não só para os que acreditam na divindade (cf. LEVENSON, 2005, pp. 153-154)

Oser e Gmünder apontam os seguintes estágios: 1º Uma absoluta heteronomia


(Deus faz tudo); 2º Mentalidade de troca (Deus faz se eu...); 3º Absoluta autonomia (Deus
faz sua parte e eu a minha); 4º Autonomia mediada (Deus me faz fazer); 5º Religiosidade
intersubjetiva (Eu posso ser a manifestação de Deus). Nessa teoria, aparece uma avaliação
qualitativa, na qual a religiosidade é tratada como um elemento, que mostra como o
indivíduo interpreta o mundo, se percebe no mundo e como compreende a sua autonomia,
seus deveres e, por fim, o seu significado da própria vida. (cf. TOKARSKI, 2011;
AMATUZZI, 2015)

Os estágios que mostram a relação com Deus, são paralelos aos estágios de
desenvolvimento psicossocial de Erikson, em que, em cada estágio, o ego fica mais
fortalecido e as novas virtudes são alcançadas. Paralelamente, Kolhberg mostra, que, nos
mesmos estágios, aumenta a responsabilidade moral, então as relações sociais se tornam
mais maduras.

Podemos dizer que o amadurecimento da relação com Deus e os descobrimentos na


busca de sentido, estão bem ligados com o amadurecimento psíquico, moral e das relações
interpessoais. Vemos um crescimento paralelo de todos esses elementos. Muito difícil
julgar quais dos elementos apresentados são no processo determinantes: o desenvolvimento
psíquico, moral, das relações ou da religiosidade, mas podemos dizer que eles têm uma
influência mútua.

Mauro Martins Amatuzzi, através das suas pesquisas (2000a, 2000b, 2001, 2015)
constrói um esboço da teoria do desenvolvimento religioso de modo descritivo, apontando

1
No presente trabalho usamos palavra Deus onde autor fala da Ultimate Being.
71

os períodos de idade nos quais as mudanças estão acontecendo. Numa das suas obras,
chama desenvolvimento religioso, como:
(...) um caminho em direção à sabedoria (...). É em meio aos acontecimentos
concretos uma vida cambiante que ele vai se dando. E entre esses acontecimentos
estão certamente os encontros com propostas de orientação de sentido (...). Estamos
aqui propondo descrever o desenvolvimento religioso justamente como um
aspecto desse caminho evolutivo do eu, de qualquer forma intimamente
relacionado com ele. (AMATUZZI, 2001, p. 33)

Um dos “encontros com a proposta de sentido” mais fortes, que acontece no


ambiente religioso, chamamos de conversão. É um tipo de Insight, que leva a pessoa a uma
nova leitura de sua vida e pode mudar drasticamente o seu rumo. A seguir, vamos analisar
esse fenômeno.

2.2.3 Teorias da conversão religiosa

A questão da conversão religiosa é estudada, desde começo da psicologia da


religião, por tais clássicos como: James, Starbuck, Leuba, Girgensohn (cf. VALLE, 1998),
que analisaram esse fenômeno com método intuitivo, procurando compreender as suas
especificidades. Revisando o tema na literatura brasileira, encontramos algumas
publicações mais atuais, principalmente de tais autores como: Edênio Valle (1998, 2002,
2013), Geraldo Paiva (2000, 2002, 2013) e outros. A pesquisa mais atual sobre o tema,
encontramos no livro organizado por Gomes (2013): Psicologia social da conversão
religiosa.

James aborda o fenômeno de conversão religiosa, como um ajuste de vida diante


duma nova visão, em que “as ideias religiosas, anteriormente periféricas em sua
consciência, assumem agora um lugar central, e que metas religiosas formam o centro
habitual da sua energia” (JAMES, 1902 [1995], p. 130). Para o sociólogo canadense Hervé
Carrier, a conversão é "uma adesão total, repentina e frequentemente acompanhada de
crise, aos valores compartilhados com uma dada comunidade; a experiência tenderá à
reunificação da personalidade e à integração social" (apud. VALLE, 2002, p. 63).

Allport (1950) descreve que conversão pode ser originada pelos fatores endógenos
ou exógenos, os primeiros mais destacados na psicologia clínica e os segundos mais na
psicologia social. As mudanças provocadas pela conversão, envolvem diversos campos
mentais do indivíduo. Girgenson (apud. VALLE, 2013) fala sobre as mudanças psíquicas
72

em três esferas: de sentimentos, de imagens e representações, e dos processos volitivos.


Além das mudanças mentais, acontecem mudanças comportamentais, principalmente das
relações e de costumes.

Lewis Rambo (1993), acentua a complexidade da conversão religiosa, que implica


nas mudanças pessoais, culturais, sociais e religiosas. Proporciona ao convertido uma
oportunidade de abraçar uma filosofia que o nutre e orienta, que oferece um foco constante,
com as possibilidades de ação e sentimento de pertença a uma comunidade de fé. A
conversão pode acontecer, como uma passagem de uma tradição religiosa para outra, ou de
uma denominação da mesma religião para outra, contudo, não é o propósito desse estudo
ponderar esse tipo de conversão. Vamos analisar conversão, como um processo de
envolvimento religioso da pessoa.

Raymond Paloutzian (1999), apresentando os estudos sobre a conversão religiosa,


destaca que as mudanças acontecidas nesse processo, não atingem os cinco grandes fatores
de personalidade do indivíduo, que na literatura brasileira são traduzidos como:
Extroversão, Neuroticismo, Socialização, Realização e Abertura à experiência, porém, elas
refletem nos fatores no nível médio, que são mudanças no nível de sistema significativo e
que cogitam em que a pessoa esteja comprometida.

Raymond Paloutzian (2005), exibindo os estudos sobre a conversão religiosa e


transformações da espiritualidade, apresenta a ideia de que as mudanças no processo de
conversão é uma transformação espiritual. Nesse sentido, o conceito de transformação
espiritual é mais amplo (a religiosidade é uma das formas de espiritualidade) e se sobrepõe
parcialmente ao conceito de conversão religiosa. Pauloutzian afirma que a transformação
espiritual constitui uma mudança no sistema de significado assumido pela pessoa como
base para a autodefinição, a interpretação da vida e as preocupações para realizar as
finalidades abrangentes.
O processo geral pode ser resumido assim: as transformações espirituais, religiosas
ou não, ocorrem porque as pessoas são confrontadas com discrepâncias na vida,
que requerem que construam um novo sistema de significado, porque o velho não
funciona mais. Algumas mudanças em um sistema de significado podem ser
parciais e não resultar em efeitos objetivamente identificáveis, uma vez que
algumas mudanças nas pessoas não são expressas em comportamento manifesto.
No entanto, quando as transformações espirituais ocorrem em sua forma mais
completa, haverá mudanças mensuráveis na autopercepção e identidade, no
73

propósito da vida, nas atitudes e valores, nas metas, nas sensibilidades, nas
preocupações finais e no comportamento. (PALOUTZIAN, 2005, p. 334).

Ponderando o processo de conversão como uma mudança transformadora da


mentalidade do indivíduo, focamo-nos especialmente nas suas consequências na vida
pessoal. Consideramos como importantes tais mudanças, que geram o interesse pela busca
de novos caminhos, através da nova identidade, novo sistema de significados, e novo
sentimento de pertença.

Existem várias teorias que destacam os elementos positivos e salutares da


religiosidade ao serviço de uma integração psíquica, e em que ela é vista como um recurso
para obter a força psíquica, superar as dificuldades e que traz um novo sentido existencial.
Buscamos a apresenta-las.

2.3 Religiosidade como construção de sentido

Os primeiros, que começam a se interessar pela religião como elemento terapêutico,


foram os psicólogos humanistas. Allport (1975) sublinha na religiosidade a função
integradora do ego. Nessa mesma linha de pensamento, Viktor Frankl destaca, que a psique
humana se constrói e fortalece através da busca do sentido existencial, na qual a
religiosidade possui um lugar privilegiado.

Para Frankl (1989 [1946]) a busca de sentido é inerente à psique humana e a falta
de sentido provoca uma “angústia existencial”. Frankl apresenta três princípios na busca de
sentido: primeiro - liberdade da vontade, que traz a possibilidade de escolha; segundo -
vontade de sentido, que constitui a motivação; terceiro - sentido da vida, que corresponde
a um sistema, uma filosofia ou religião. Para algo fazer sentido, precisa uma explicação, e
geralmente a explicação racional não dá conta de tudo.

A religiosidade possui elementos, que ajudam na explicação do mundo. As pessoas


se identificam com os sensos religiosos e os ajuntam na construção da própria identidade.
Por exemplo, entendemos isso, analisando, como a conversão religiosa pode alterar o
sistema de significado. Avaliação de religiosidade de Oser e Gmünder (1991) destacou dois
aspectos importantes da religiosidade: o sentido e a relação pessoal (então afetiva) com
divino. Os estudos sobre a psicologia da religião abordam esses dois aspectos. A primeira
questão, o sentido, analisamos através do modelo do “significado global”. O segundo
74

aspecto, da relação com Deus, destaca-se nas religiosidades ligadas às religiões, nas quais
as divindades são personificadas, e o avaliamos pelo prisma da teoria do apego. Em seguida
apresentamos, à luz da teoria de atribuição, como a religiosidade fornece explicação para
as perguntas existenciais do ser humano. Finalmente, aproveitamos os modelos de
enfrentamento de Kenneth Pargament, para explicar, como a religiosidade pode oferecer
suporte na resolução dos problemas.

2.3.1 A necessidade do significado

É muito difícil definir o significado de “significado” na psicologia, pois a definição


não pode ser explicada pelo explicado. Por isso, não temos uma definição concreta ou um
modelo de significado universalmente aceito. Comumente, no meio dos psicólogos da
religião, são destacadas duas ideias de significado, como “sentido da vida” e como “faz
sentido”. A primeira é um significado geral, a segunda inclui os eventos cotidianos e
pensamentos, que representam a primeira.

Park e Folkman (1997) apresentam um modelo de “significado global”


esclarecendo, como ele pode ser expresso no cotidiano. “Significado global”, como sentido
geral da vida, inclui três aspectos principais: crenças, objetivos e sentimentos subjetivos. A
questão das crenças é bem ampla e podem-se incluir nelas os temas, como: benevolência,
honestidade, justiça, controle, coerência, etc. Os objetivos gerais se referem aos planos,
atividades e comportamentos e possuem as metas no nível inferior, mais detalhadas. Os
sentimentos subjetivos mostram um caminho, ou uma direção que a pessoa sente como uma
realização (SILBERMAN, 2005).

Religião como um sistema completo pode responder à necessidade de “significado


global”, pois abrange mais elementos existencialmente satisfatórios do que os sistemas
seculares. Para alguns autores, como Geertz (1989) e Baumeister (2005), a religião foi
criada para preencher a necessidade de compreensão das questões que o ser humano não
consegue entender. Essa conclusão surge do fato de que as religiões se adaptam
perfeitamente às deficiências das respostas existenciais. Quando as outras explicações
falirem, a religião preenche a necessidade de compreender o mundo e ajuda a resolver os
vários problemas que as pessoas enfrentam (PARGAMENT, 2005).

As “crenças globais” religiosas respondem às perguntas mais desafiadoras sobre o


sofrimento, morte, injustiça, dando apoio para uma conduta moralmente correta. Algumas
75

crenças inclusas na religiosidade contêm os valores humanistas ou éticos, amplamente


aceitos por não crentes. Geralmente, as crenças sobre a divindade estão conectadas com as
crenças sobre a natureza humana e do mundo. Entretanto, as crenças religiosas alcançam
terrenos totalmente desconhecidos, como, por exemplo, a crença sobre o destino depois da
morte, e podem promover ou barrar uma conduta específica (SPILKA, 2003).

Os “objetivos globais” religiosos surgem para realizar as crenças, para chegar a um


estado perfeito na vida, como: a iluminação, a perfeição, a santidade ou alcançar um estado
desejado depois da morte. Com os objetivos são relacionados os valores, que servem como
um apontador para chegar às metas, decidindo o que deve ser buscado e o que evitado. Em
muitas culturas a religião é uma fonte mais determinante dos valores, sendo uma poderosa
referência para o estilo de vida (PARK, 2005).

O significado global está traduzido na vida cotidiana pelos esforços que a religião
motiva realizar: orações, rituais, ações, ou também pelos atos de renúncia dos próprios
desejos, como jejum e abstinência. Geralmente, a explicação religiosa e a realização dos
preceitos da religiosidade trazem um estado de bem-estar subjetivo, geram emoções
positivas e um sentimento de realização.

Muitas vezes acontece que o indivíduo quer realizar as suas metas e objetivos,
entretanto, o envolvimento e as preocupações cotidianas parecem não refletir essa busca.
Esses fatos revelam que os sistemas globais de significado nem sempre são construídos
conscientemente e para descobri-los é necessário desvendar os “sentimentos subjetivos”
inconscientes. Para isso, precisamos fazer uma interpretação dos acontecimentos cotidianos
do indivíduo, observando sua sensação de bem-estar e satisfação (PARK, C. L., 2005).

As pessoas geralmente direcionam a realização da sua vida de acordo com suas


crenças e metas, porém, existem situações quando os acontecimentos não correspondem ao
esperado. Quando, numa situação concreta, ocorre algo, que viola as crenças e objetivos
gerais de uma pessoa (por exemplo, um acidente), surge o sentimento de angústia. Se o
acontecimento tem significado muito forte, as crenças globais podem ser questionadas
(“isso é injusto”) e pode acontecer uma crise de significado (“isso não faz sentido”).

Segundo Park e Folkman (1997) as discrepâncias entre o significado situacional e o


global geram um sentimento desagradável, uma sensação de incompreensão, incapacidade
76

e perda de controle. Geralmente, nesse momento, a pessoa precisa de uma outra explicação,
uma orientação ou um suporte, para obter um significado mais coerente. Nesse caso de
“crise”, o significado global passa por uma revisão e, eventualmente, reformulação das
crenças e objetivos. O sentimento de angústia só desaparece se recuperamos a coerência do
significado global.

A religião tem um grande potencial para reinterpretar os fatos positivamente.


Pessoas que não possuem um significado global orientado pela religião, nos momentos de
crise de significado, podem voltar-se para religião como suporte, para ressignificar as suas
vidas. Pode também acontecer um movimento contrário. Uma pessoa religiosa, não
achando uma resposta adequada na religião, pode abandonar a religiosidade.

Acreditamos, que o ser humano possui a necessidade psíquica de afeto, de relação


com um outro próximo, e através dessa relação constrói o seu sistema de significado.
A seguir, apresentamos a teoria de apego, que mostra, como a religiosidade pode responder
a necessidade afetiva e que na relação afetiva com Deus pode se estabelecer sistema de
sentido.

2.3.2 Sentido religioso na teoria do apego

Na psicologia do desenvolvimento, existe um consenso, segundo qual, as pessoas


significativas exercem uma grande influência na formação psíquica do indivíduo. Mais
detalhadamente, essa relação foi estudada, no final dos anos 1970, pelo psicólogo
evolucionista, John Bowlby, e denominada como a teoria do apego.

Segundo Bowlby (2002), o ser humano já nasce com um sistema psicobiológico


adaptativo, que busca a segurança, cuidado e proximidade para ser protegido. Para realizar
isso, cria com seus cuidadores um vínculo muito forte, apega-se a eles, como base segura
para explorar o mundo e depois poder voltar a eles. A reação dos cuidadores forma na
psique da criança os modelos de apego e padrões do funcionamento psicossocial.

Para decifrar se a pessoa realmente possui o apego seguro, Mary Ainsworth (1989)
delineou os cinco atributos das relações sociais significativas; caracterizam-se por: (1)
procura de proximidade, (2) sofrimento por separação inexplicável, (3) prazer ou alegria na
reunião, (4) dor por perda, e (5) comportamento de base segura (conforto e exploração
corajosa na presença de pessoa significativa). Para identificar a figura de apego, o sujeito
77

precisa vê-la como alguém que tem um compromisso duradouro, que deve estar disponível,
se necessário, independentemente do tempo e do contexto.

A partir da teoria de Bowlby, Ainsworth identificou três tipos de apego, um seguro


e dois inseguros chamados de: evitante e ambivalente. O apego seguro se forma na criança
quando seus pais sempre estão dispostos para auxiliá-la. Nesse caso, depois de um período
de separação, a criança busca o contato com seus cuidadores e, encontrando-os, fica
satisfeita e tranquila.

O indivíduo desenvolve o apego evitante, quando os cuidadores não estão


disponíveis quando ele precisar. A criança antecipa a rejeição do cuidador, reprimindo os
sentimentos de apego; aprende evitar envolvimento emocional, limitando a intimidade com
outros, como estratégia de autoproteção. No caso do apego ansioso (ambivalente), a criança
apresenta uma insegurança na busca dos cuidadores. Podem aparecer os sentimentos
ambíguos de: medo/ânimo, tristeza/alegria, conforto/desconforto, etc. Esse tipo de apego
se desenvolve quando os pais se comportam com a criança de maneira imprevisível.

A teoria do apego, foi adaptada à psicologia da religião por Lee Kirkpatrick e Pehr
Granqvist, como uma teoria explicativa do comportamento religioso. A questão, que a
imagem de Deus, formada no processo de desenvolvimento, está associada às relações
significativas na infância, era sempre reconhecida por psicólogos de desenvolvimento
religioso. A imagem cristã de Deus como “Pai”, confirma simbolicamente essa relação.
Porém, conforme Kirkpatrick (2005, pp. 1-24), só a teoria do apego permitiu desenvolver
esse pensamento como uma teoria cientifica na psicologia da religião.

Ralph Hood e seus colaboradores (HOOD, HILL e SPILKA, 1996) destacam que
as pessoas estão mais procurando a Deus quando estão em situação de crise, por exemplo,
devido à doença, à acidentes, à morte ou a outras situações que causam sofrimento. Nessas
situações, as pessoas querem sentir segurança, procuram um consolo, alguém que é mais
forte que elas. Geralmente, quem se mostra como mais forte e alguém sempre disponível,
é Deus e, a ele, as pessoas religiosas recorrem.

Kirkpatrick e Shaver (1992), baseando-se nas teorias de Bowlby e Ainsworth,


apresentam uma pesquisa em que identificam os três estilos de apego do indivíduo por
Deus. As pessoas relataram possuir: apego seguro - Deus é percebido como caloroso,
78

sensível e carinhoso; apego evitante – Deus é visto como impessoal, distante, indiferente a
elas; apego ansioso – Deus é percebido como, às vezes, carinhoso e disponível, às vezes,
não.

Todd W. Hall (2007), baseando-se na sua experiência clínica, acrescenta um quarto


tipo de apego com Deus – temeroso. Esse estilo de apego mostra um indivíduo que gostaria
de se aproximar de Deus, mas, ao mesmo tempo, acha que Ele o condena e não o aceita.
Tem uma relação com Deus ambivalente, parecida com estilo ansioso, porém, aqui os
elementos ambíguos se concentram na dúvida sobre a própria indignidade e não
instabilidade da relação.

A pesquisa de Kirkpatrick e Shaver (KIRKPATRICK e SHAVER, op. cit.)


apresenta também outra possibilidade da formação de apego com Deus, como
compensação. Eles levantam hipótese, que as crianças com um apego inseguro, que não
tinham possibilidade de desenvolver um apego seguro com seus cuidadores, podem
desenvolvê-lo com uma figura substitutiva, como Deus. Na pesquisa realizada, as pessoas
com tipo inseguro de apego, recorriam a Deus, principalmente nas situações extremas,
quando necessitavam de um apoio emocional. Isso acontecia na situação de pouca
religiosidade dos pais.

Spilka e Ladd (2013) mostram a oração, como um tipo mais comum de relação com
Deus, principalmente quando buscamos seu apoio. Segundo eles, o tipo de oração, feito
pela pessoa, deve ser interpretado dentro de seu esquema epistemológico e que revela uma
maneira pessoal de se relacionar com Deus. As pessoas valorizam mais alguns tipos de
orações, achando que são melhores.

2.3.3 Explicação religiosa na teoria da atribuição

Como ponderamos, as pessoas procuram compreender as suas experiências e dar


sentido a elas. No começo desse capitulo, analisando as explicações da experiência
religiosa, apresentamos que o ser humano, como um ser pensante, possui uma necessidade
de explicação. Essa característica foi estudada na psicologia, por Fritz Heider e depois
desenvolvida por Harold Kelley e Bernard Weiner, formando a teoria de atribuição, que
destaca três principais motivos de explicação, na busca por: autoestima (causalidade),
estabilidade e controle (cf. WEINER, 1979).
79

O ser humano procura concentrar a explicação na causalidade para proteger e


fortalecer o valor de si mesmo, ele busca saber para se sentir bem e quando não sabe se
sente fracassado (“eu deveria saber disso”). Os eventos possuem várias causas e, às vezes,
não é possível definir quais são as determinantes. Para decifrá-las e manter uma imagem
positiva de si, o ser humano atribui a elas as intencionalidades e finalidades. Portanto, saber
a causa, aumenta significativamente o sentimento do próprio valor.

A busca pela estabilidade, satisfaz a necessidade de entender o mundo, como algo


que tem sentido maior. Cada pessoa, para sentir a segurança na sua conduta, necessita de
uma explicação clara, procura garantir uma expectativa sobre o futuro. Essa explicação,
leva as pessoas a terem uma opinião fixa sobre os fatos. Pode servir como uma garantia de
segurança para o futuro, mas também pode gerar preconceitos e dificultar se abrir para o
novo. Sentimento de imprevisibilidade gera uma angústia de insegurança (“o que vai
acontecer? ”).

A explicação pode ser determinada pela procura de controlar as situações, que


ocorrem. O sentimento de controle também garante a nossa segurança, mas traz o novo
componente: a nossa vontade de dominar e até mudar a situação. Ele está relacionado às
nossas ambições, por exemplo, quando estamos dependendo do resultado de um
acontecimento aleatório, atribuímos, em algum grau, que somos responsáveis por esse
resultado. Na nossa mente, interpretamos o resultado não esperado, como falha e podemos
sentir raiva ou vergonha.

O papel da religião na teoria de atribuição foi percebido por Spilka, Shaver e


Kirkpatrick (1985). Segundo esse estudo, a explicação religiosa responde perfeitamente às
necessidades psíquicas do indivíduo apresentadas na teoria geral de atribuição. Segundo
autores, as pessoas fazem atribuição religiosa, principalmente quando as explicações não
religiosas parecem não responder às inquietações. Através do estudo do Spilka e seus
colaboradores, vamos apresentar algumas explicações religiosas.

Na interpretação religiosa cristã, a causa da existência humana é o amor de Deus e


tudo está acontecendo segundo os seus planos. A autoestima é garantida pela fé em Deus,
que criou os seres humanos como seus filhos e que ama todos. Portanto, é necessário confiar
nele, pois essa confiança mostra o valor da pessoa. Por exemplo, as personagens, como:
80

Abrão, Moisés, Nossa Senhora, São Paulo, etc., são valorizadas pela sua fé e confiança em
Deus.

Na busca pela estabilidade, o cristianismo responde com sua visão de um mundo


criado por Deus como harmonioso e orientado pela sabedoria e justiça. Os acontecimentos
contrários são explicados como parte de um plano divino, que ao final leva ao bem e a
felicidade de todos os fiéis, ou pela permissão divina, consequente do livre arbítrio. Nesse
caso, a desordem ou injustiça aconteçam por causa do pecado e forças malignas.
A plena estabilidade, segundo várias religiões, retorna junto com a chegada do Reino de
Deus.

A necessidade de controle se revela pela fé em Deus todo-poderoso, que tem


controle sobre tudo o que aconteça. Através da fé, temos certeza na divina providência, que
protege seus fiéis de todo tipo de mal. Deus está no controle e quando confiamos nele,
podemos ter segurança das nossas vidas e sobre o nosso futuro. Nós também podemos
parcialmente controlar as situações dirigindo-nos a Deus. Pelas orações, rituais e
conservando as normas religiosas que ele nos ensina, recebemos o que pedimos ou, se não
recebemos, é porque não era bom para nós.

Geraldo Paiva (2013) destaca, que as atribuições dependem: das características do


atribuidor, do contexto do atribuidor, das características do acontecimento e do contexto do
evento. A escolha pessoal pelas atribuições religiosas se origina na: importância das fontes
religiosas para a autoestima, acessibilidade do sistema de sentido religioso e crença em
eficácia dos mecanismos religiosos de controle.

Mais manifesto costume religioso de controle é a oração. Sobre a maneira como as


pessoas pensam e rezam para influenciar a situação, descrevem Pargament (1988) e seus
colaboradores. Apresentam três tipos básicos de maneiras, que as pessoas usam para rezar,
conforme a sua visão da própria relação com Deus: (1) delegando toda a responsabilidade
a Deus, (2) colaborando com Deus, (3) assumindo toda a responsabilidade. Esses três tipos
de busca do auxílio divino fazem parte da teoria de coping religioso de Pargament.

2.3.4 Enfrentamento religioso

O entendimento dos mecanismos psíquicos de enfrentamento (coping) tem sido


diferenciado dos mecanismos de defesa estudados por psicanalistas. Lazarus e Folkman
81

(1984) avaliaram esses comportamentos como mais flexíveis e conscientes, orientados para
o futuro, que ajudam na adaptação psíquica ao ambiente nos momentos de estresse,
ativando os recursos cognitivos e emocionais.

A teoria do enfrentamento religioso foi desenvolvida e aperfeiçoada por vários


autores. No presente estudo, usamos, principalmente, as considerações de Kenneth
Pargament, que mostra a religião não só como um sistema ético-moral, mas como um
poderoso recurso psíquico para enfrentar as dificuldades e conflitos. Segundo as suas
pesquisas, a religião serve para maioria das pessoas, como um complexo sistema de
orientação para lidar com o mundo. A religião oferece: valores, hábitos, modelos de
comportamento, padrões de relacionamento, uma orientação geral nos momentos de
tensões e um significado, que vai além da existência física (PARGAMENT, 1997).

Para Pargament, o enfrentamento religioso tem várias dimensões e pode ter muitas
funções: pode proporcionar conforto, incentivar o crescimento pessoal, levar à intimidade
com Deus, promover a proximidade com os outros ou oferecer significado e propósito na
vida.
O enfrentamento religioso também tem muitas formas. Pode ser passivo (espera por
Deus para resolver a crise), ativo (uma força que motiva as pessoas a melhor o
mundo), pessoal (buscando amor e cuidado divino), interpessoal (buscando apoio
do clero e dos membros da comunidade), focado no problema (ajuda na resolução),
ou focado na emoção (buscando em Deus o alívio). (PARGAMENT e BRANT,
1998, p. 118).

De modo mais abrangente, as diversas formas de enfrentamento religioso foram


apresentadas no estudo de Pargament, Koenig e Perez (PARGAMENT et al., 2000), em
que através das entrevistas e revisão da literatura, foram percebidos 21 métodos de coping
religioso, reunidos em cinco tipos de finalidades: (1) para encontrar significado, (2) para
ganhar domínio e controle, (3) para alcançar conforto espiritual e proximidade com Deus,
(4) para ganhar proximidade com outros e intimidade com Deus, (5) para conseguir uma
transformação da vida. A seguir, vamos analisar as estratégias que foram usadas para
alcançar essas finalidades (cf. PARGAMENT, KOENIG e PEREZ, 2000; PARGAMENT,
1997 e 2005).

Métodos de enfrentamento religioso para encontrar significado:


1. Reavaliação benéfica - redefinindo através da religião à situação estressante, como
potencialmente favorável;
82

2. Reavaliação penal - redefinindo a situação estressante, como uma punição de Deus


pelos pecados do indivíduo;
3. Reavaliação demoníaca - redefinindo a situação estressante, como um ato das forças
malignas;
4. Reavaliação do poder divino - redefinindo a situação estressante, como influenciado
pelo poder de Deus;

Métodos de enfrentamento religioso para ganhar domínio e controle:


1. Enfrentamento colaborativo - busca da resolução do problema através de uma
parceria com Deus;
2. Adiantamento passivo - espera passiva de Deus para controlar a situação estressante;
3. Entrega ativa - abandono ativo do controle da situação estressante para Deus;
4. Súplica pela intercessão – busca indireta pelo controle da situação estressante, pela
imploração a Deus por um milagre ou intervenção;
5. Enfrentamento por direção própria - busca de controle da situação estressante através
da iniciativa própria, ao invés de esperar pela ajuda de Deus;

Métodos de enfrentamento religioso para ganhar conforto espiritual e


proximidade com Deus:
1. Procura por apoio espiritual – busca por conforto e tranquilidade, numa situação
estressante, através do amor e cuidado de Deus;
2. Foco religioso - envolvimento em atividades religiosas para mudar o foco da
situação estressante;
3. Purificação religiosa - busca por limpeza espiritual através de ações religiosas;
4. Conexão espiritual – busca por um senso de conectividade com as forças divinas;
5. Questionamento espiritual - expressando confusão e insatisfação da relação com
Deus, individualmente, numa situação estressante;
6. Marcando limites religiosos - demarcando claramente o próprio comportamento,
aceitável e inaceitável, para permanecer dentro dos limites religiosos;

Métodos de enfrentamento religioso para ganhar proximidade com os outros e


intimidade com Deus:
1. Apoio do clero ou membros da comunidade - procurando intimidade e tranquilidade
através da convivência e do cuidado dos membros da comunidade religiosa e clero;
83

2. Ajuda religiosa – procura por fornecer apoio espiritual e conforto aos outros;
3. Questionamento religioso interpessoal - expressando confusão e insatisfação com o
clero ou membros da comunidade, numa situação individual estressante;

Métodos de enfrentamento religioso para conseguir uma transformação da vida:


1. Busca com orientação religiosa – tratando a religião, como auxílio e guia na procura
de uma nova direção na vida;
2. Conversão religiosa - procurando na religião por uma mudança radical na vida;
3. Perdão religioso - buscando na religião sentimentos positivos para abandonar a raiva,
a mágoa e o receio, associados com uma ofensa à paz.

Podemos perceber que há algumas formas de coping positivo e negativo. As formas


positivas são compostas por métodos positivos de enfrentamento, que incluem apoio
espiritual, colaboração com Deus, etc. As formas negativas de coping refletem o
descontentamento e são compostas pelas reclamações e autoculpabilidade. Pargament
conclui que maioria das pessoas usa enfrentamento positivo, principalmente nas situações
de tragédias. O coping negativo é mais usado nas situações de descontentamento com outras
pessoas, insensibilidade e maldade (PARGAMENT e BRANT, 1998).

A outra contestação foi referida ao grupo, que mais buscava o coping religioso. Foi
atestado, que a religião é mais útil para os grupos mais vulneráveis: idosos, viúvas, pessoas
abandonadas, com baixa renda ou baixo nível de escolaridade. Parece que as pessoas, que
estão com dificuldades, provocadas por situações externas, mais procuram a religiosidade
como enfrentamento. O mesmo acontece com as pessoas mais engajadas na fé e os mais
fundamentalistas. Podemos concluir que as pessoas que mais investem na fé, são as que
mais recebem o benefício dela (ibidem).

As conclusões das pesquisas sobre enfrentamento religioso mostram que esse


recurso é muito usado pelas pessoas, e os profissionais da área de saúde mental devem
procurar reconhecer esse fato. A força psíquica alcançada pelo coping religioso é essencial
para muitas pessoas e, muitas vezes, é a única forma de receber apoio em situação de crise.
84

2.4 Psicologia positiva e religiosidade

A força psíquica, que sustenta o indivíduo nos momentos de fragilidade, e capacita


para enfrentamento de situações difíceis, é a resiliência. Os estudos da psicologia positiva,
que investigam e procuram compreender diversas características do ser humano para a
maior resiliência, é um campo relativamente novo na psicologia e ainda se encontra no
processo de desenvolvimento e reconhecimento mais amplo na academia.

Para apresentá-lo, vamos analisar alguns fatos que relatam a sua teoria.

Em janeiro do ano 2000, American Psychological Association publicou edição


especial (vol. 55) de sua revista American Psychologist, tendo como editores convidados
Mihaly Csikszentmihaly e Martin Seligman (2000a) e como tema a Psicologia positiva2.
Os editores, na introdução, destacaram, que a psicologia não deve se focar exclusivamente
na patologia, mas precisa oferecer os modelos positivos e saudáveis para o ser humano.
Constataram, que nas últimas décadas, na psicologia científica, as características, como:
“esperança, sabedoria, criatividade, aspiração, coragem, espiritualidade, responsabilidade
e perseverança são ignorados ou explicados como transformações de impulsos negativos”3
(SELIGMAN e CSIKSZENTMIHALY, 2000b, p. 5). Essa edição de American
Psychologist reuniu 15 artigos, de vários estudiosos, apontando as lacunas existentes nas
atuais pesquisas psicológicas, abriu espaço para estudos psicológicos denominados, como
positivos.

Conforme Seligman e Csikszentmihaly (2000b), a chamada psicologia positiva é


um termo, que engloba o estudo de significado de vida, emoções positivas, características
pessoais e engajamento nas atividades. Tem as suas origens nos escritos de William James
e, depois, nos psicólogos humanistas, principalmente em Abraham Maslow. Esse último, é
reconhecido por psicólogos positivos, como fundador, pois destacava a importância de
incluir nas pesquisas psicológicas os aspectos positivos e saudáveis, que motivam o ser
humano e completam as suas necessidades existenciais (cf. MASLOW, 1970).

2
Positive psychology.
3
Tradução do autor.
85

2.4.1 Sentido da vida

A questão de sentido e significado da vida, era desde começo da psicologia positiva


um assunto importante. Na primeira frase da introdução da obra fundadora, Seligman e
Csikszentmihalyi (2000b, p. 5) escrevem que “a ciência da experiência subjetiva positiva,
traços individuais e instituições positivas, prometem melhorar a qualidade de vida e
prevenir as patologias quando a vida é estéril e sem sentido”. No texto, os autores sugerem
que para conquistar o bem-estar e felicidade duradoura, precisamos obter uma satisfação
mais plena de nossa vida, então precisamos dar a ela um significado maior.

Paul T. P. Wong (1998) identificou oito fontes de significado: felicidade, realização,


intimidade, relacionamento, autotranscedência, autoaceitação e justiça. Como a felicidade
é mais usada na definição de bem-estar, mais comumente são aceitos os outros sete
elementos. Podemos afirmar que os são muito semelhantes às principais fontes de
felicidade (cf. MYERS,1993). O mesmo autor (WONG, 2011) apresenta conceito de bem-
estar, como composto por quatro tipos de felicidade: (1) hedônica – vida com emoções
positivas; (2) prudencial – vida totalmente envolvida; (3) satisfatória (eudaimonic) – vida
com valores e virtudes; (4) espiritual (chaironic) – vida com sentido transcendental.

A teoria da felicidade autêntica de Seligman (2002), associada à satisfação com a


vida, como "a vida plena", aborda três caminhos para felicidade: prazer, engajamento e
significado. Esses caminhos são distintos, porém, a procura pela felicidade, pela busca do
significado e do engajamento são mais preditivos da satisfação com a vida do que a busca
do prazer.

Segundo Peterson (2007) e colaboradores, o maior bem-estar e a satisfação de vida


apresentam pessoas que não se contentam com a busca de realização própria, mas que
concentram as suas preocupações fora se si mesmas e, por isso, sentem que a sua vida tem
um plano maior. Esse sentido de realização, por dar a sua contribuição positiva para o
mundo, pode ser realizado dentro de vários projetos de vida, entre outros, da crença
religiosa.

O estudo de Krause e Hayward (2015) confirma uma relação forte de três elementos:
gratidão a Deus, generosidade e o sentido de vida. Sabemos, que na maioria dos
ensinamentos religiosos existe uma sabedoria em procura de equilíbrio entre as buscas
individuais e coletivas. Na sabedoria milenária das religiões, a busca pela própria perfeição
86

ou santidade, sempre é acompanhada pelos atos de bondade e caridade. A chamada regra


de ouro, apresenta a ideia de que deve se tratar a outra pessoa do mesmo jeito como quer
ser tratado. O mandamento cristão do amor representa esse espírito “Tudo aquilo, portanto,
que quereis que os homens vos façam, fazei-o vós a eles” (BÍBLIA, Mateus 7,12).

A psicologia clínica sempre usava esse tipo de abordagem, por procurar ajudar o
indivíduo reconhecer as suas habilidades individuais e coletivos, para identificar os
melhores caminhos para realização e felicidade. Porém, nos estudos de psicologia, não se
dava muita consideração às emoções positivas, aos traços individuais ou aos
relacionamentos positivos.

2.4.2 Emoções positivas

Em várias pesquisas científicas, as emoções positivas são associadas a uma saúde


melhor, a uma vida mais longa e a um maior bem-estar. Por outro lado, a raiva crônica,
preocupação e hostilidade são considerados, como emoções, que aumentam o risco de
desenvolver doenças cardíacas e diminuição da imunidade do organismo. Alguns autores
mostram a dificuldade de manter sempre um estado emocional positivo, devido a que
muitas vezes as pessoas buscam suas alegrias de maneira incorreta, enganando-se sobre o
que as fará felizes e contentes (cf. AI et al., 2006; LYUBOMIRSKY, 2013).

Emoções positivas e sensações prazerosas, como já mencionamos anteriormente,


correspondem à atividade cerebral no sistema de recompensa no SNC. Esse mesmo sistema
está associado aos vícios, nos quais as pessoas desenvolvem os desejos incontroláveis, por
exemplo, por usar drogas. Alcançar a felicidade pelas sensações prazerosas, era uma
bandeira de Epicuro e hedonistas, já aos trezentos anos antes de Cristo. No entanto, a
psicologia positiva destaca, que as emoções positivas podem ser cultivadas através dos
exercícios mentais e assim elas não dependem mais das circunstâncias externas, mas do
próprio pensamento. De tal modo, proporciona ao indivíduo o auxílio para alcançar o
primeiro nível da felicidade, o subjetivo.

Conforme Seligman (2000b, p. 5), a psicologia positiva, através das suas pesquisas
procura o que realmente traz o bem-estar no nível subjetivo e como alcançar esse estado.
As emoções positivas representam “as valiosas experiências subjetivas: bem-estar,
contentamento e satisfação (do passado); esperança e otimismo (para futuro); engajamento
87

e felicidade (no presente) ”.4 Primeiro analisaremos os três grupos das emoções positivas
mostrando, como as pessoas conseguem alcançá-las.

O bem-estar subjetivo representa as avaliações cognitivas e afetivas das pessoas, a


partir de sentimentos com a relação ao passado. Ed Diener (2000) mostra que as pessoas
percebem o seu passado como satisfatório, quando analisam, que conseguiram adaptar-se
às diversas situações, mantendo seus objetivos. Estar contente, ou não, com o passado, não
depende só dos acontecimentos ocorridos, mas da perspectiva, como eles são avaliados, se
concentra a atenção mais nos ganhos, ou nas perdas.

Um dos sentimentos muito valorizados, que muda a nossa perspectiva avaliativa da


realidade, é gratidão. Renata Abreu (2016, p. 276) apresenta várias pesquisas, que
confirmam a grande probabilidade de ganhar o bem-estar satisfatório praticando a gratidão.
“Com gratidão, notamos mais aspectos positivos na vida e aumentamos a formação de boas
experiências para o futuro”. O estudo descreve a gratidão, como reconhecimento de bons
acontecimentos na nossa vida, que não só dependeram de nós.

Yone Fonseca (2016) mostra as diversas técnicas para aprender exercer a gratidão
no dia-dia para aumentar o bem-estar. A autora mostra, que essas intervenções podem ser
proveitosas na prática clínica com os pacientes com problemas de depressão, ansiedade,
transtornos de sono, insuficiência cardíaca, câncer, tendências suicidas e no campo dos
relacionamentos afetivos e conjugais.

O relatório especial sobre a saúde de Harvard Medical School confirma, que:


“a capacidade de sentir e expressar gratidão está intimamente ligada ao maior grau
de felicidade (...). A gratidão ajuda reconhecer que a fonte de bondade está fora de
nós, ajuda conectar-nos com algo maior do que a nossa experiência individual: a
outras pessoas, a natureza, ou um poder superior” (HARVARD, 2009, p. 16)5.
A religiosidade cristã, na maioria das vezes, motiva os fiéis a mostrar sua gratuidade a Deus
pelas graças recebidas. Essa prática religiosa acaba sendo uma das técnicas que ajudam
ganhar o bem-estar subjetivo.

4
Tradução do autor.
5
Tradução do autor.
88

Sonja Lyubomirsky (2008), uma das mais reconhecidas pesquisadoras em


psicologia positiva, examina felicidade humana a partir das emoções. Nas suas pesquisas
demostrou os benefícios da generosidade e do perdão para psique humana. Concluiu que
ao praticar a generosidade, as pessoas sentem uma grande autossatisfação, transferem
atenção dos próprios problemas para as outras pessoas e acalmam a sua consciência de
responsabilidade. Segundo ela, quando somos generosos, mantemos o equilíbrio entre a
mesquinhez e o desperdício, estamos não só contentes de nós mesmos, mas até sentimos
orgulho.

Lyubomirsky considera também os benefícios do outro sentimento, com a relação


ao passado, o perdão. Conforme as palavras dela:
O perdão envolve uma mudança na forma como vemos e nos comportamos em
relação às pessoas que nos magoaram – uma mudança que transforma sentimentos
dolorosos e vingativos em boa vontade (...). Diz-se que ele libera nossa raiva e
nosso ódio, melhora nossos relacionamentos e, finalmente, nos deixa mais felizes
e saudáveis. Na verdade, descobriu-se que o verdadeiro perdão reduz conflitos,
minimiza a intrusão de pensamentos negativos, irritadiços ou depressivos, reforça
o pensamento otimista, estimula a satisfação com a vida, promove o
comprometimento e a satisfação no casamento, melhora a saúde física e, inclusive,
aumenta a produtividade no trabalho (LYUBOMIRSKY, 2013, p. 79).

Precisamos lembrar que o perdão está inteiramente conectado com a fé cristã. Em


vários de seus ensinamentos, Jesus falava da necessidade de perdoar sempre, como escreve
evangelista Mateus: “Então Pedro chegando-se a ele, pergunto-lhe: Senhor, quantas vezes
devo perdoar ao irmão que pecar contra mim? Até sete vezes? Jesus respondeu-lhe: Não
te digo até sete, mas até setenta e sete vezes.” (BÍBLIA, Mateus 18, 21-22).

Outro grupo de sentimentos positivos, são as emoções direcionadas ao futuro: a


esperança e o otimismo. Os dois sentimentos apresentam um estado emocional associado a
uma expectativa mental sobre as ocorrências no futuro. Esse estado pode ajudar as pessoas
enfrentar os problemas, perseverar nas dificuldades e motivar-se para desafios. Porém, ele
pode afastar-lhes da realidade, colocar-lhes em situações de risco e causar que tomam as
decisões erradas (cf. SELIGMAN, 2014).

No livro “Psicologia positiva: teoria e prática”, organizado por Andréa Perez (2016),
que reúne obras de 35 pesquisadores e pesquisadoras brasileiras, podemos achar três textos
sobre o otimismo e esperança. Lilian Coelho (2016, pp. 290-296) apresenta definições do
otimismo e as técnicas para desenvolvê-lo. Marcia Fernandes (2016, pp. 328-334) mostra
89

as diferentes abordagens da esperança e sua implementação na prática clínica. Ana


Bittencourt (2016, pp. 352-358) avalia positivamente uma aplicação concreta do otimismo,
autoeficácia e esperança, na psicoterapia dos portadores do Transtorno do Défice de
Atenção com Hiperatividade.

Taylor (2000) e colaboradores apresentam estudo sobre a influência para a saúde


física tais crenças psicológicas positivas, como otimismo, controle pessoal e senso de
significado. As investigações feitas com as pessoas com HIV revelam que mesmo as
crenças otimistas, pouco realistas, sobre o futuro podem ser protetoras da saúde. Segundo
a pesquisa, os indivíduos têm capacidade, através de uma adaptação cognitiva, de acreditar
nas ilusões positivas, melhorando a sua saúde, ou freando o desenvolvimento da doença.

Christopher Peterson (2000), no mesmo número de American Psychologist,


escreveu o artigo intitulado “O Futuro do Otimismo” (The Future of Optimism),
parafraseando o título da obra do Freud (1974 [1927]) “O Futuro de uma Ilusão”. Nesse
artigo, o autor analisa o otimismo em vários ângulos, como: percepção da realidade,
disposição, explicação, esperança incluída na crença ou na lógica. O texto avalia, que as
crenças, que Freud e outros psicanalistas tinham visto como uma ilusão e a negação da
realidade, hoje, parecem possuir um grande aspecto positivo.

O artigo de Peterson, polemizando com Freud sobre o otimismo e a ilusão, faz uma
alusão direta à questão da crença religiosa. A esperança, que é mais do que uma expectativa
das pessoas de alcançar os seus objetivos, é uma crença disso e uma disposição. Autor
destaca a valor da esperança, que é também uma das três virtudes teologais do cristianismo,
ao lado da fé e do amor. Ser otimista, acreditando na divina providencia e na vitória do bem
sobre o mal, também é uma das importantes características da religiosidade.

O terceiro grupo das emoções positivas se refere aos sentimentos diante da situação
do presente: alegria, amor, engajamento e atenção plena (mindfulness). As duas primeiras
estamos analisando aqui, só como emoções, então, os estados psíquicos vivenciados, sem
dar peso nos elementos cognitivos ou volitivos. As duas últimas, são mais ligadas com uma
participação cognitiva e consciente do indivíduo.

Segundo Barbara Fredrickson (2002), as emoções positivas, como amor e alegria,


não só sinalizam o bem-estar, mas ao mesmo tempo elas produzem o bom funcionando
90

psíquico a longo prazo. No entanto, as emoções positivas raramente ocorrem em situações


que ameaçam a vida, pois, nesses momentos, a vigilância e desconfiança são mais úteis.
Elas oferecem o outro benefício, conforme autora:

(...) as emoções positivas têm um efeito complementar: eles alargam os repertórios


de pensamento-ação momentânea das pessoas, ampliando a matriz dos
pensamentos e ações que vêm à mente. A alegria, por exemplo, de brincar, ampliar
os limites e ser criativo, impulsiona para demonstrar não só o comportamento social
e aparência física, mas também o comportamento intelectual e artístico (...). E o
amor - que eu vejo como um amálgama de emoções positivas distintas (por
exemplo, alegria, interesse e contentamento) experimentado em contextos de
relacionamentos seguros e próximos - cria ciclos recorrentes de desejos de brincar,
explorar e saborear (as relações com) nossos entes queridos (FREDRICKSON,
2002, pp. 122-123).

Podemos ampliar as emoções positivas, saboreando os pequenos prazeres. Na


psicologia positiva, apreciar os momentos, trazendo toda a atenção para tempo presente, se
chama mindfulness, traduzido como: atenção plena, e vem da filosofia budista. Segundo
Menezes e Tatton-Ramos (2016), é uma técnica e, ao mesmo tempo, uma qualidade mental,
que ajuda as pessoas afastar-se mentalmente das preocupações cotidianas, geradores de
sofrimento.

O estudo feito em Harvard (2011) pesquisou os benefícios oferecidos pelo saborear


os momentos simples: exercendo cada tarefa cotidiana sem pensar na outra; desacelerando
nas atividades; comemorando as pequenas conquistas e compartilhando-as com amigos;
tomando as decisões o mais rápido possível, sem ficar por muito tempo pensando na
escolha. Todas essas atitudes são técnicas e habilidades mentais, que podem ser adquiridas
pela prática.

Mihaly Csikszenmihlyi criou a teoria psicológica de flow (fluxo), um estado mental


no meio da satisfação e euforia, em que a pessoa está tão envolvida na atividade exercida,
que deixa de ser levada pela onda de prazer, esquecendo do mundo. Para mostrar melhor o
significado desse sentimento, vamos trazer as palavras do autor:

Todos nós experimentamos momentos em que, em vez de sermos bombardeados


por forças anônimas, sentimos o controle de nossas ações, que somos mentores do
nosso próprio destino. Nas raras ocasiões em que isso acontece, sentimos uma
sensação de alegria, um profundo sentimento de gozo que há muito é apreciado e
que se torna um marco na memória, de como a vida deveria ser (...). Os melhores
momentos geralmente ocorrem quando o corpo ou a mente de uma pessoa é esticada
para seus limites em um esforço voluntário para realizar algo difícil e valioso.
91

Experiência ideal é, portanto, algo que fazemos acontecer (...). Obter o controle da
vida nunca é fácil, e às vezes pode ser definitivamente doloroso. Mas, a longo
prazo, as experiências ótimas somam um senso de domínio - ou talvez melhor, um
sentimento de participação na determinação do conteúdo da vida - que se aproxima
do que geralmente se entende por felicidade como qualquer outra coisa que
possamos imaginar (CSIKSZENMIHLYI, 1990, pp. 3-4).6

Segundo Helder Kamei (2016), a emoção de flow está acompanhada pela: ativa
sensação de controle, concentração profunda, experiência autotélica, foco temporal no
presente, distorção de experiência temporal, perda da autoconsciência reflexiva e
transcendência das fronteiras do Self. As pessoas que entram em estado de flow levantam
sua autoestima, que permanece alta depois da experiência.

Seligman (2011) afirma flow como parte de um dos caminhos para felicidade pelo
engajamento, no qual usamos abundantemente as nossas forças e virtudes. Ficamos
envolvidos na atividade sem esforço e queremos, depois, repetir a experiência. Para entrar
em estado de flow, é necessário que as nossas habilidades estejam num equilíbrio com a
tarefa exercida. Quando a habilidade é muito superior à tarefa, existe probabilidade de
ficarmos com tédio. Quando o desafio é bem maior do que a habilidade, fica fácil desanimar
e desistir.

Podemos alcançar o estado de flow pelas próprias forças e treinamento. Conforme


Harvard Medical School (2011), ele acontece quando: não sentimos uma pressão externa
para exercer atividade, mas ela é um desafio escolhido; na atividade existem elementos
novos de: sentimentos, experiências e percepções; estamos praticando mindfulness; não
paramos por causa dos erros; aceitamos a própria ansiedade e seus sintomas; procuramos
manter o senso de humor e exercer atividade em harmonia com outras pessoas.

Fredrickson (2000) confirma que emoções positivas são resultado de encontrar um


significado positivo. As pessoas encontram um significado positivo nos eventos e
atividades cotidianas diárias, reformulando ou infundindo esses eventos e atividades com
valor positivo. Uma atividade religiosa, por exemplo, pode ser interpretada como realização
pessoal e sentimento de solidariedade com os outros. Encontrando significado positivo
nessa forma, que produz experiências de amor, contentamento, interesse, alegria ou outras

6
Tradução do autor.
92

emoções positivas, que alargam modos habituais de pensar e construir recursos pessoais
duradouros, melhorando a saúde e o bem-estar.

2.4.3 Forças de caráter e relacionamentos positivos

Seligman e Ciskszentmihalyi (2000b, p. 8) afirmam a existência de três principais


correntes de pesquisa na psicologia positiva. Ao lado da experiência positiva, que gera as
emoções subjetivas, estuda-se as características pessoais e “comunidades positivas e
instituições positivas”, como “reconhecimento que as pessoas e as experiências são
incorporadas no contexto social”.

Conforme Massimini e Delle Fave (2000), o nosso pensamento e comportamento


cotidiano depende em grande parte da herança biológica e cultural. Através da nossa carga
biocultural interpretamos a realidade, criando uma hierarquia avaliativa, segundo a qual
nós mesmos nos julgamos. Os estudos multiculturais mostram correlação desses fatos com
apreciação das experiências positivas diárias. Por exemplo, o otimismo e bem-estar estão
enraizados na cultura e influenciam a transmissão seletiva da informação biocultural num
processo evolutivo. Por isso, a grande importância de pesquisar os valores cultivados na
sociedade.

Pesquisa feita por Nansook Park, Christopher Peterson e Martin Seligman (2004)
analisou as caraterísticas pessoais valorizadas em várias culturas, filosofias e religiões, e
criou inventário de virtudes e forças de caráter.7 Foram identificadas 24 forças de caráter,
que formam 6 caraterísticas centrais, chamadas de virtudes principais: Sabedoria e
Conhecimento, Coragem, Humanidade, Justiça Temperança e Transcendência. O teste,
composto por 240 itens, 10 itens por cada força de caráter mensurada, foi validado em três
amostras para 5.299 pessoas. Segundo autores, essas forças foram escolhidas por causa que
são reconhecidas entre várias culturas; contribuem para realização pessoal; são moralmente
valorizadas; não são depreciativas; possuem antônimos; apresentam diferenças individuais;
são mensuráveis; podem ser distintas; servem como modelos; têm caráter de prodígios;
podem estar ausentes em alguns indivíduos; são cultivadas nas sociedades e instituições.

7
Values in Action Inventory of Strengths.
93

A seguir estamos apresentando as seis virtudes principais e as 24 forças de caráter,


o que se entende por cada uma, quais sentimentos, pensamentos e ações (ibidem):

1. Sabedoria e conhecimento: Forças intelectuais que ajudam a obter e usar


informações:
• Criatividade: Usar a imaginação para desenvolver ideias e objetos originais. Eles
podem estar no domínio artístico, mas também podem envolver soluções inventivas para
problemas práticos.
• Curiosidade: Estar fascinado e ansioso por alguma coisa, o que ajuda explorar, ter
novas experiências e aprender.
• Mente aberta: Examinar as questões de todos os lados, sem ser influenciado por
preconceitos. Estar disposto a mudar de ideia à luz de novas evidências.
• Amor de aprendizagem: Procurar aumentar sistematicamente o seu conhecimento e
dominar assim novas habilidades e assuntos.
• Perspectiva: Ser capaz de fornecer conselhos sábios aos outros. Possuir maneiras de
olhar o mundo que fazem sentido para si mesmo e para os outros.

2. Coragem: Forças de vontade que ajudam a realizar metas diante do medo e


obstáculos internos ou externos:
• Integridade: Falar a verdade, agir sinceramente, e apresentar-se de forma autêntica
e sem pretensão. Assumir a responsabilidade por seus sentimentos e ações.
• Bravura: Falar e agir conforme o que se acredita, apesar da hostilidade. Ficar firme
diante de desafios, dificuldades, ameaças ou dor.
• Persistência: Terminar o que se começa, mesmo diante da resistência. Mostrar
perseverança e esforço.
• Vigor: Viver plenamente, de todo o coração, com entusiasmo e energia.

3. Humanidade: Forças interpessoais que ajudam a fazer amizade com os outros e


cuidar dos relacionamentos:
• Inteligência social ou emocional: Conhecer os sentimentos e motivos, próprios e os
dos outros. Saber adaptar-se a várias situações sociais, reconhecendo o que as outras
pessoas desejam.
• Amor: Ter a capacidade de dar e receber amor. Valorizar e manter relações estreitas
com pessoas.
94

• Bondade: Cuidar com dedicação dos outros. Mostrar generosidade, compaixão,


altruísmo e gentileza.

4. Justiça: Forças sociais ou cívicas que ajudam a fortalecer uma comunidade


saudável:
• Trabalho em equipe: Trabalhar bem em um grupo. Mostrar a lealdade e a
responsabilidade apoiando o grupo e fazer a sua parte.
• Honestidade: Tratar a todos com justiça, sem deixar se levar pelos sentimentos,
tomando decisões imparciais.
• Liderança: Estimular um grupo para fazer as coisas. Através de organização e
acompanhamento, fomentar boas relações entre os membros.

5. Temperança: Traços protetores que ajudam a evitar o excesso e a permanecer


firme diante dos impulsos e desejos mal-intencionados:
• Perdão e misericórdia: Perdoar aqueles que lhes têm feito algo de errado ou agiram
contra seus desejos. Abandonar ódio e raiva, não ser vingativo e dar às pessoas uma segunda
chance.
• Humildade e modéstia: Deixar que suas realizações falem por si. Não buscar o
destaque ou tentar parecer alguém especial. Reconhecer com sinceridade quem você é e o
que você faz. A humildade tempera a arrogância.
• Autocontrole: Dominar e regular os sentimentos e ações. Ser disciplinado, não
deixando os desejos e emoções saírem do controle. O autocontrole tempera impulsividade.
• Prudência: Tomar cuidado com as palavras e ações. Não tomar riscos indevidos. A
prudência tempera ações e decisões que podem levar ao arrependimento.

6. Transcendência: Forças de sentido que conectam com o algo maior e fornecem


significado:
• Apreciação da beleza: Perceber e apreciar a beleza, excelência e habilidade expressa
na natureza e sua performance, valorizar várias profissões e experiência cotidiana.
• Espiritualidade: Manter crenças sobre o significado da vida e seu propósito maior.
Saber onde você se encaixa dentro do projeto maior de vida, tomando conforto e direção a
partir desse conhecimento.
• Gratidão: Estar ciente e grato pelas coisas boas que acontecem. Dedicar o tempo
para expressar agradecimentos.
95

• Esperança: Acreditar que o futuro pode ser bom e trabalhar para realizá-lo. Ser
otimista.
• Humor: Gostar de rir e mostrar a alegria da vida. Ser brincalhão, oferecendo sorrisos
para outras pessoas.

Segundo a proposta de Nansook Park e colaboradores (2004), as virtudes têm caráter


dinâmico e podem ser desenvolvidas, diferentemente dos traços de personalidade, que são
mais estáveis. Assim, os autores enfatizam que elas representam, ao mesmo tempo, os
sentimentos, pensamentos e ações, então dependem, em grande parte, de esforço pessoal e
engajamento (cf. SEIBEL, 2016).

Na pesquisa sobre a importância das forças de caráter, como caminho para


felicidade na doença, ao lado da gratidão, esperança, entusiasmo e curiosidade, foi
destacada a religiosidade como uma forma da espiritualidade (PETERSON, PARK e
SELIGMAN, 2006). O valor da religiosidade destaca se pela busca das forças fora da
própria fragilidade, em Deus, e pelo sentido de pertencimento, que oferece apoio do grupo
religioso.

Como podemos perceber, algumas das virtudes, como humanidade, justiça e


temperança têm caráter grupal, ou seja, se referem às relações interpessoais. Seligman
(2000, p. 5), mencionando “as comunidades e instituições positivas” como um dos pilares
da psicologia positiva, destaca a importância de contexto social para a saúde psíquica e a
felicidade. O autor enfatiza o grande valor das instituições, que promovem “as virtudes
cívicas, que movem os indivíduos para uma melhor cidadania: responsabilidade, educação,
altruísmo, civilidade, moderação, tolerância e ética do trabalho”.

Os relacionamentos positivos podem ter caráter pessoal ou grupal. Relacionamentos


pessoais são criados na base de intimidade e afeto, isso são: amigos, parceiros, filhos, etc.
Relacionamentos grupais, podem ser criados por grupos formais ou informais, como
amigos ou família. Os relacionamentos grupais são chamados de instituições positivas,
sobre as quais escreve Seligman (2011, p. 22):
A vida com sentido consiste em pertencer e servir a algo em que você acredite ser
maior do que o eu, e a humanidade cria todas as instituições positivas que permitem
isso: a religião, o partido político, a família, fazer parte de um movimento ecológico
ou de um grupo de escoteiros.
96

Psicologia positiva, ao melhorar funcionamento do ser humano, combinou


perfeitamente com a gestão de pessoas nas empresas. O foco positivo, maximaliza os
recursos pessoais e aumenta a eficiência no trabalho. As forças de caráter e outros
elementos, como: engajamento, atenção plena, bem-estar, significado, são meios, que têm
uma grande influência para aumento de produção nas empresas. Biswas-Diener (2010),
focando seu trabalho nas forças e emoções positivas, descreve, que Positive Psychology
Coaching pode aumentar no ser humano sua motivação, eficácia e força para alcançar as
metas (cf. CARLOMAGNO, 2016, LEVY, 2016).

Estudo de Harvard (2011) avalia que a implantação do foco da psicologia positiva


nas escolas e empresas, despertou nas pessoas uma autovalorização, envolvendo-se mais
nas tarefas e aceitando os desafios. Aumentou tanto a eficiência no estudo, como na
produtividade. Aplicação da psicologia positiva nas instituições de serviços sociais e de
saúde, ajudou as pessoas assistidas identificar seus pontos fortes e habilidades pessoais,
levantando a autoestima, melhorando a saúde e a responsabilidade por si mesmo.

Relatório BMJ (2008, p. 1) apresenta dados segundo as quais, os relacionamentos


positivos têm um grande impacto na sensação de bem-estar e conclui que “a felicidade das
pessoas depende da felicidade dos outros, com os quais elas estão conectadas”. Exercendo
as atividades em companhia, como: praticar esportes, dançar, tocar e cantar, jogar diversos
jogos, cozinhar, andar de bicicleta ou fazer caminhada, rezar, fazer trabalhos voluntários,
fazer amor, praticar ioga e meditação, junto com outras pessoas, aumenta a felicidade.

Segundo a psicologia positiva, participação num grupo religioso ajuda no bem-estar


na forma da instituição positiva, em que a pessoa pode sentir uma identificação grupal, se
relacionar e se engajar. As diversas formas de práticas e comportamentos religiosos entram
no grupo das virtudes de caráter, no meio deles estão: espiritualidade, amor, bondade,
perdão, gratidão, etc. Contudo, a psicologia positiva parece ter grande cuidado com
divulgação da religiosidade como instrumento positivo, primeiro, porque existem modos
de religiosidade com influência negativa para psique humana, segundo, porque não quer
ser acusada de propagar nenhuma religião.

Através da análise da literatura da área da psicologia, podemos constatar que as


questões da psicologia positiva, até final dos anos noventa do século XX, eram tratadas
com um certo desprezo, como literatura de autoajuda. Isso, principalmente, por usar termos
97

“positivo” ou “negativo”, que parecem dar um valor moral, de ser coisa “boa” ou “ruim”,
o que não cabe à ciência positiva. Esse tipo de valorização era tratado como não profissional
e não cientifico. Também, pelo fato, de que algumas características individuais “positivas”
ou “negativas” são tratadas como natas ou culturais, esse modo de abordagem pode ser
visto como discriminação de algumas pessoas, grupos ou culturas. Porém, os psicólogos
positivos argumentam que os termos valorativos usados por eles, não correspondem às
questões éticas e morais, mas ao valor para a saúde psíquica. Além disso, esses valores são
pesquisados e apresentados no contexto de uma cultura concreta, e o valor é dado a uma
disposição de adaptação (ou não) do indivíduo ao seu ambiente social. O ser humano adere
ao bem-estar psicossocial, por viver certas virtudes e forças de caráter, mantendo as
emoções positivas, relacionando-se bem com outros, engajado e realizado (SELIGMAN,
2011).


PARTE II

DADOS EMPÍRICOS
99

Capítulo 3

Cenário da pesquisa

Viemos a acreditar que um Poder superior a nós mesmos


poderia devolver-nos à sanidade.
Dos Doze Passos de AA

Neste capítulo, vamos conhecer o ambiente da minha pesquisa, que é a casa de


recuperação dos dependentes químicos, onde acontece o acompanhamento psicoterápico.
Primeiro, vamos contemplar o cenário das chamadas comunidades terapêuticas, que
atendem os dependentes químicos, destacando, que, em grande maioria, são as de cunho
religioso. Em seguida, apresento a estrutura e a organização da obra chamada Fazenda da
Esperança (FE), a sua história e carisma. Logo após, passo para descrição do espaço físico
da FE em Iguape, onde foi realizada a pesquisa de campo. Ao final, vão ser proporcionadas
as observações diante das experiências pessoais e clínicas.

3.1 Comunidades terapêuticas no atendimento dos dependentes químicos

As Comunidades Terapêuticas (CTs), prestam serviços na área da dependência


química, tendo como propósito a internação do dependente e a sua abstinência total do uso
de drogas. Até a década de 1960, no Brasil, os problemas de drogadição eram tratados como
um “caso de polícia” e os dependentes químicos eram considerados pessoas com
transtornos psiquiátricos, ficavam presos e/ou internados compulsivamente nos
manicômios. Na década de 1980, com a “luta antimanicomial”, como uma alternativa
começaram a aparecer no Brasil as CTs. Surgiram em decorrência da falta das políticas
públicas, nessa época, com crescimento de número de solicitações de ajuda pelas pessoas,
que procuravam por tratamento da dependência química. O vácuo deixado por essa
demanda foi preenchido quase unicamente pelas CTs ligadas com diferentes confissões
religiosas e motivadas, tanto pela realização das obras de caridade, quando pela perspectiva
de “evangelização” (RIBEIRO e MINAYO, 2015).

Segundo o Manual de Orientação para Instalação e Funcionamento das


Comunidades Terapêuticas no Estado de São Paulo de 2011, as CTs seguem o modelo
psicossocial e
100

(...) são unidades que têm por função fornecer suporte e tratamento aos usuários de
substâncias psicoativas, em ambiente protegido, técnico e inserido no âmbito da
ética profissional. A convivência entre os pares é o principal instrumento
terapêutico que tem por finalidade resgatar a cidadania desses usuários, por meio
da reabilitação física, psicológica e da reinserção social (SÃO PAULO, 2011, p.
10).

3.1.1 Espaço físico e vida comunitária

A principal proposta das CTs é realizar o processo de recuperação, removendo o


dependente de seu ambiente disfuncional, físico e social, que colabora para a falta de
controle e o incapacita de manter a abstinência. Nesse aspecto, existem diversos fatores
afetivos e volitivos, que apresentam perigos ao adicto, por despertar a vontade de uso da
droga, tais como: imagens mentais, lembranças, preocupações, atrações, etc. Portanto,
geralmente as CTs são situadas nos lugares completamente diferentes do cotidiano
conturbado dos adictos, numa área rural ou outro lugar aconchegante e tranquilo.

A outra decorrência desse propósito é um isolamento do mundo exterior, para criar


uma nova cultura de valores, novos companheiros, um novo estilo de vida, substituindo
aquele que tinha uma influência destrutiva. Também algumas concepções sugerem, por
tempo de adaptação na comunidade, limitar contato com a família, cujas lembranças podem
dificultar a continuação do tratamento, principalmente, por despertar o desejo pelo regresso
ao próprio lar. Entretanto, as famílias devem ser sempre informadas, pela instituição de
internação, sobre processo de tratamento e orientadas como ajudar motivar a pessoa
internada para não desistir do processo de recuperação.

O tratamento, na CT, baseia-se nos conceitos da psicologia social e sociologia,


destacando o papel do ambiente social para formação da identidade, dos valores e das
atitudes individuais. Nas CTs, os indivíduos permanecem 24 horas por dia, trabalhando,
relacionando-se com os companheiros, cuidando da casa, cozinhando, lavando roupa,
mantendo higiene pessoal, então, realizando a sua vida cotidiana num certo ambiente que
influencia o seu modo de pensar e ser. Nesse espaço, reformulam a sua vida, distanciando-
se do antigo jeito de viver e dos rótulos, que geralmente a sociedade coloca nas pessoas
viciadas.

As CTs oferecem internações de 3 a 18 meses (média de 9 meses), durante os quais


são proporcionadas atividades terapêuticas individuais e em grupo, palestras, partilhas e
101

diversas tarefas e práticas, dependendo da sua proposta programática. Nas suas atividades,
realizam o resgate da dignidade do adicto através de princípios éticos e morais, propondo
uma espiritualidade, frequentemente ligada com alguma denominação religiosa. Nesses
casos, as práticas religiosas são propositais, como elemento educativo, e fazem parte da
programação da casa.

O resgate do dependente químico, através na interação com comunidade, pelos


ensinamentos e exemplos diários, é necessário devido à desagregação social que afastou o
adicto da vida convencional, provocando não só a desconfiança das pessoas ao seu redor,
mas também desconfiança de si mesmo e da sua capacidade de responsabilizar-se pela
própria vida. Portanto, a vida comunitária, na CT, torna-se um ensaio de uma vida
autônoma (LEON, 2003).

As CTs tendem a dar ênfase à honestidade dos seus membros, na partilha sincera
das próprias experiências e nos relacionamentos abertos, em que cada um pode manifestar
a sua opinião, compartilhando os seus sentimentos e experiências. O estilo aberto da
comunidade ajuda o dependente a sentir-se livre diante da proposta apresentada e facilita
assimilação ao estilo da CT. A prática dos valores vivenciados na comunidade, relacionar-
se num jeito diferente, no estilo tocante de comportamentos e atitudes, e, finalmente na
oferta de uma crença “do bem”, que oferece um sentido completo, facilitam recuperando
identificar-se com a proposta da CT.

3.1.2 Modelos e métodos

As CTs possuem diferentes modelos, métodos e programas, porém, existem os


elementos comuns, por exemplo, todas possuem uma determinada programação, com
duração planejada e as etapas do tratamento, programa diário, treinamento e
conscientização, atividades comunitárias, etc.

Em cada CT, existem as atividades coletivas, como reuniões, refeições, encontros


educativos, trabalho em equipe, atividades de lazer, recreação, cerimônias e rituais, entre
outras. Essas atividades são realizadas para promover um espirito comunitário e são
realizadas nos espaços comuns, como sala de bem-estar, refeitório, auditório, oficina,
capela, etc. Nesses locais, pode-se encontrar os elementos, cartazes e símbolos, que
expressam a filosofia do programa da CT. Esse tipo de mensagens e conceitos da
102

comunidade, formais e informais são propagados na forma de materiais educativos


presentes nos encontros, palestras e conversas.

O encontro, como forma de relacionamento e troca da experiência com outros, é a


principal forma de conscientização dos CTs. Os encontros têm caráter educativo, isto é,
através dos ensinamentos e reflexão sobre os valores, o indivíduo apreende os padrões de
comportamento e as atitudes esperadas. Espera-se que os companheiros, principalmente
esses com mais tempo na comunidade, sirvam como modelos de atuação. Essa tarefa cabe
principalmente aos monitores e funcionários, que são autoridades responsáveis pela
orientação dos recuperandos.

Conforme o Manual das comunidades terapêuticas, lançado por Conselheiros do


Conselho Estadual de Políticas Sobre Drogas (CONED) do Estado de São Paulo, a
convivência nas CTs é orientada por três princípios: laborterapia, conscientização e
espiritualidade. Os trabalhos devem ter um caráter terapêutico, ajudando a desenvolver
“autonomia, organização e responsabilidades nas atividades da vida diária e prática”.
A conscientização auxilia “despertar no residente a percepção de hábitos, comportamentos,
pensamentos e sentimentos que comprometem a sua qualidade de vida” e a espiritualidade
ajuda a “alcançar a plenitude da sua relação com o seu bem-estar espiritual na forma como
cada um concebe” (SÃO PAULO, 2014, p. 60).
A espiritualidade pode ser definida como estado psíquico que proporciona
significado e propósito à vida das pessoas em face de um bem maior. É reconhecida
como um fator de proteção que contribui para a saúde e qualidade de vida,
favorecendo o indivíduo no resgate da sua identidade e integração social. (idem,
2011, p. 42).

As atividades são estruturadas numa programação diária, semanal e mensal, que


ajudam na organização da casa e devem ser seguidas pelos residentes. Essas atividades de
rotina têm como propósito auxiliar interno para aprender a organizar suas atividades
cotidianas, administrar melhor o seu tempo, planejar e definir as finalidades.

3.1.3 Dificuldades, limites e desafios

No Brasil, as CTs, por vários anos, se tornaram uma opção barata e mais acessíveis
de tratamento ao dependente químico. Não tinham fundamentos legais no Brasil e não
existia nenhum modelo de seu funcionamento. A partir da Resolução 101 da ANVISA, de
30 de maio de 2001, o nome “Comunidade Terapêutica” tornou-se oficial e seu trabalho
103

definido como, “serviço de atenção a pessoas com problemas decorrentes do uso ou abuso
de substâncias psicoativas, segundo modelo psicossocial” (ANVISA, 101/2001, artigo 1º).

Diferentemente, das chamadas Clínicas de Recuperação, onde se realizam


tratamentos especializados e, com isso, mais caros, a maioria das CTs atendem a população
carente e não dispõem dos recursos para garantir aos seus internos as condições físicas e
técnicas ideais, sustentando-se parcialmente pelo trabalho dos internos. Oferecendo os
salários baixos para seus agentes, não possuem uma mão de obra qualificada, ou muitas
vezes baseiam-se no trabalho voluntário dos obreiros e monitores. Esses voluntários são na
maioria ex-usuários, que possuindo uma experiência prática própria, dedicam-se à obra,
porém, são carentes de treinamento qualificado.

Esse e outros problemas foram apontados em relatório de 2001, pelo Conselho


Federal de Psicologia, diante das rigorosas fiscalizações das CTs. O documento traz até
algumas denúncias de violação dos direitos humanos, como:

(...) interceptação e violação de correspondências, violência física, castigos,


torturas, exposição a situações de humilhação, imposição de credo, exigência de
exames clínicos, como o teste de HIV − exigência esta inconstitucional −,
intimidações, desrespeito à orientação sexual, revista vexatória de familiares,
violação de privacidade (CFP, 2011, p. 190).

Outros abusos apresentados no relatório referem-se: a obrigação de participar nas


práticas e atividades religiosas; a internação feita como compulsória, sem mandato
judiciário; o trabalho forçado, escondido sob o nome – laborterapia; escassez de
atendimento pelos profissionais de saúde e a impossibilidade tomar medicamentos na crise
de abstinência; a falta de acesso à vida social e de meios de comunicação. Entretanto, o
maior questionamento está acerca do fato, de que muitas dessas CTs denunciadas recebem
os recursos públicos ou são reconhecidas como instituições de “utilidade pública”, portanto,
realizam a suas propostas doutrinárias com dinheiro público, contra os princípios que
regulam as políticas públicas (ibidem).

Existem várias outras publicações, que alertam sobre o tratamento inadequado nas
CTs, conforme a postura que vai na contramão da reforma psiquiátrica, pelas propostas
higienistas e pela sua metodologia manicomial. (cf. BOLONHEIS-RAMOS e BOARINI,
2015; PERRONI, 2014).
104

Por outro lado, os representantes das CTs queixam-se de desinteresse pelo problema
do poder público, por insuficiência de ajuda que recebem, pelas exigências irrealizáveis
impostas por órgãos da vigilância sanitária, etc. Argumentam que a maneira de buscar a
recuperação pelo dependente químico é a livre escolha, demonstrada explicitamente no
contrato assinado pelo interno (e sua família) no momento de internação e, por isso, não se
pode falar sobre violação de direitos. O outro argumento apontado é a automanipulação
inflexível do dependente, que acontece principalmente no primeiro período da recuperação
nas crises de abstinência, que impossibilita uma autoavaliação fidedigna da própria
condição. Por isso, algumas CTs sugerem, que, nesses momentos, é necessário restringir a
possibilidade de escolha do adicto internado.

3.2 História, carisma, estrutura e conquistas da Fazenda da Esperança

Desde ano 2009, mantenho contato com a Fazenda da Esperança (FE) e,


principalmente, através de diversos contatos com as pessoas que se dedicam a ela, conheço
essa grandiosa obra. Participei nos encontros organizados na sede da FE em Guaratinguetá,
ouvi muito sobre a sua história, conheci o seu carisma, com os próprios olhos vi uma parte
de sua estrutura física com várias instalações de diversos projetos. Segundo seus
fundadores, tudo foi realizado e é movido só pelo simples desejo de “viver o Evangelho”.

3.2.1 Origem e carisma

Para compreender o que é a FE precisa-se conhecer a sua origem. FE não é só uma


rede das mais de cem CTs que acolhem os dependentes químicos, mas é uma obra realizada
pelas pessoas, que declaram ser “uma família” movida pela fé cristã e que querem “colocar
o Evangelho em prática". Tem sua origem no trabalho pastoral de seu fundador e
idealizador, o franciscano alemão – Frei Hans Stapel, que junto com Nelson Giovanelli
Rosendo dos Santos decidem abrigar os garotos usuários de drogas oferecendo-lhes uma
oportunidade de recuperação pela “vida o Evangelho8”.

Tudo começou em 1983, quando jovem Nelson voltando do trabalho de bicicleta


deparava-se com grupo de usuários de drogas. Inspirado pela fé, supera o medo e decide
aproximar-se deles. Quer viver a palavra, que aprendeu na Igreja com Frei Hans. Todos os

8
Evangelho – no contexto da FE, significa a mensagem bíblica dos ensinamentos de Jesus.
105

dias para na “esquina”, como era chamado lugar onde se agrupavam os usuários, e conversa
com eles. Alguns sabem que ele é “da Igreja”, porém, demora algum tempo até o grupo
aceitar a sua presença e começar a se abrir a dele. Sua atenção e dedicação traz fruto e
Nelson torna-se amigo dos rapazes, que começam o chamar carinhosamente de “Maninho”
(cf. SANTOS, 2009).

Graças à postura de Nelson, um dos meninos do grupo, Antônio, que usava drogas
desde 12 anos de idade, começa se questionar. Ele conta a sua experiência no Boletim
Retorno à Vida:
Isso me impressionou mais ainda: eu era tido como ladrão, marginal, e como podia
um rapaz (de poder aquisitivo, da sociedade) estar interessado na gente? Não
conseguia entender qual o interesse dele. Cada vez mais se solidificava nossa
amizade (...). Chamei-o para conversar, longe dos outros, e lhe pedi que me
ajudasse a sair desse mundo, por causa do meu sofrimento sobretudo com a família
(apud. SANTOS, 2009, pp. 58-60).

Antônio para de usar drogas e logo depois outros cinco rapazes da “esquina”, um por um,
juntam-se ao Nelson e Antônio com propósito de mudar a vida.

No começo, encontram-se diariamente na casa de Nelson, onde foram bem


recebidos pelos pais dele, e meditaram um trecho da Palavra9, partilhando as suas
experiências do dia. Depois, surgiu uma proposta - os pais de Nelson ofereceram-se para
mudar para outra casa para liberar aquela, onde o grupo se encontrava, para os meninos
poderem morar juntos. E assim, com apoio de Frei Hans, que lhes também deu uma
máquina de cortar grama, para poderem sustentar-se do próprio trabalho, criaram a primeira
comunidade da FE.
Eles criaram uma rotina até hoje seguida nas Fazendas: começar o dia com reza do
terço e a leitura de uma passagem do Evangelho. Participavam diariamente da missa
celebrada por Frei Hans e semanalmente faziam a comunhão de almas, hábito dos
Focolares, que é uma espécie de terapia de grupo em que cada um partilha as
dificuldades e alegrias na vida em unidade (SILVA, 2015, p. 20).

No meio de várias dificuldades e crises pessoais dos membros do grupo, o projeto


continuou e ficou conhecido na cidade. Chegaram pedidos de outros jovens, que
procuravam a recuperação. Para viver realmente independentemente resolveram mudar da
cidade.

9
Palavra – o termo muito usado na FE, que quer dizer Palavra de Deus e se refere a um fragmento da
Bíblia ou, no modo geral, a mensagem bíblica dos ensinamentos de Jesus.
106

Também porque as tentações aumentaram. Havia dias em que o grupo não ia


trabalhar... Frei Hans já tinha recebido a doação de um terreno próximo à serra da
Mantiqueira, no bairro de Santa Edviges. Era um brejo grande, mas já tinha uma
casinha. Tinha futuro. E foi assim que, no início do ano de 1984, nasceu o primeiro
centro de recuperação como conhecemos hoje (SANTOS, 2009, p. 72).

Ao mesmo tempo, chegaram os primeiros voluntários, que, como Nelson, não tinham
problemas com drogas, mas queriam viver o Evangelho, de jeito mais concreto e autêntico.

Estamos aqui apresentando brevemente o começo da FE, para mostrar o carisma,


que fundamentou essa obra e o clima, que a acompanhou. Dessa maneira, a FE cresceu e
se expandiu, primeiro nas periferias de Guaratinguetá, depois pelo Brasil e nos outros
países. Em 1987, com envolvimento do padre Paulo Stapel, missionário no Nordeste e
irmão gêmeo de Frei Hans, foi aberta a primeira casa da FE fora de Guaratinguetá, em
Coroatá, no Maranhão. Em 1988, começou o trabalho de recuperação com as meninas, a
primeira FE fora do Brasil foi aberta em 1998, na Alemanha.

Divulgação nos meios de comunicação, principalmente em diversos canais de TV,


a partir do ano 2003, deu um impulso que trouxe, tanto um conhecimento nacional e
internacional, com vários pedidos de internação, como os recursos financeiros e pessoais,
na forma de voluntários. Em 2007, o papa Bento XVI veio visitar o Brasil para participar
na abertura da V Conferência Latino-Americana dos Bispos, em Aparecida, São Paulo e
para a canonização do Frei Galvão, Santo Antônio de Santana Galvão, primeiro santo
brasileiro canonizado. FE com sua obra espalhada já por mais de 50 casas de recuperação,
em nove países, já era tão conhecida, que Frei Hans conseguiu, que a Sua Santidade
visitasse a obra da FE em Guaratinguetá. Esse foi mais um grande impulso, que ajudou a
melhorar a estrutura da obra nesse lugar devido à preparação da visita. A presença do Papa,
televisionada mundialmente, fez uma enorme propaganda da FE e ocasionou inúmeros
convites dos bispos para abrir as novas casas em suas dioceses (ibidem).

3.2.2 Doutrina religiosa e espiritualidade

Os fundadores da FE, desde começo da sua experiência com jovens adictos,


procuravam o que era necessário para recuperar os dependentes químicos. Escolheram as
três colunas, que são: o trabalho, a espiritualidade e a vida comunitária, praticadas já desde
início da obra e presentes em várias CTs. Porém, esses elementos na FE possuem um rosto
107

próprio e são ligados fortemente à motivação religiosa, segundo os seus criadores, não tanto
para doutrinar, mas para praticar o Evangelho, o que apresentamos através da sua história.

Nelson, na sua fala em 2002, em Königstein, na Alemanha, justifica o método de


recuperação da dependência assumido pela FE, destacando, que:

Dessa primeira convivência é que entendemos o trabalho, o morar juntos, o colocar


tudo em comum, o viver a Palavra todos os dias, a sinceridade, a verdade, a
transparência, e tantas outras coisas que nasceram na Fazenda. Por isso, Jesus no
meio pode ser definido como a coluna da Fazenda. Talvez também por isso nunca
sentimos necessidades de um técnico, psicólogo ou outra pessoa diplomada.
Confiamos naquilo que até hoje é a nossa vida (ibidem, p. 97).

Seguindo a espiritualidade dos seus fundadores, do Frei Hans e Nelson, a FE


assumiu o carisma de São Francisco de Assis. Ele procurava realizar o seu amor pelos
pobres e leprosos, abandonados pela sociedade, estando presente no meio deles, como um
igual a eles. Buscava uma vida simples, com mínimo de luxo e com a proximidade à
natureza. Disso vem a motivação de criar as FE nos ambientes rurais, onde a beleza e
harmonia ecológica ajudam os jovens na integração psicoespiritual.

A influência espiritual mais direta é a doutrina do Movimento Focolare, criado no


fim da Segunda Guerra, na Itália, por Chiara Lubich.

A unidade, Jesus no irmão, o amor recíproco são pontos da espiritualidade


comunitária nascida através desta mulher, que os fundadores dessa nova
experiência assumiram. Por isso, a vida de uma Fazenda é traduzida nas expressões
veiculadas por seus internos e moradores, que, por sua vez, falam muito em amar o
irmão, viver a unidade, fazer a vontade de Deus, etc. (ibidem, p. 92).

A Unidade e Jesus Abandonado são as principais ideias espirituais dos Focolares,


um movimento laico, de base cristã, que atualmente congrega cerca de dois milhões de
seguidores, independentemente da sua convicção religiosa. Ver Jesus Abandonado nas
pessoas em sua fragilidade, lembra Jesus em seu sofrimento na cruz. As pessoas da FE
usam a essa expressão diante do outro companheiro-usuário, que se sente abandonado em
seu sofrimento, ao mesmo tempo também, se identificando com Jesus Abandonado
(SILVA, 2015).

Os elementos dessa espiritualidade incluem uma meditação cotidiana da Palavra de


Vida, que são as leituras bíblicas da liturgia católica do dia, e que se torna uma referência
para a toda comunidade, para a vivência concreta do Evangelho. Um pequeno trecho da
108

bíblia, que seria a ideia fundamental da Palavra meditada, fica escrito no ponto central da
casa e também é repetido por todos em coro antes das refeições. Esse tipo de exercício tem
um caráter educativo. São as palavras, que convidam acolher o irmão, amar Jesus nele,
aproximar-se ao outro, abrir-se, pedir perdão, vencer preconceito, procurar entender o outro
nas suas limitações, etc. A finalidade dessa espiritualidade é promover a mudança do
“Homem Velho” para o “Homem Novo”, conforme o Evangelho de Jesus.

À noite, depois das atividades, a comunidade reúne-se na “troca de experiências”,


que é uma partilha: como cada um conseguiu viver a Palavra. Dependendo da comunidade
acontece uma ou várias vezes na semana. A outra prática espiritual é a “comunhão de
almas”, é um tipo de terapia comunitária em que cada um pode dividir com a comunidade
os seus problemas mais íntimos. Isso, além de desabafo pessoal, provoca um incentivo para
os companheiros, para superar as dificuldades, ajudando o grupo a conhecer-se e fortalecer
os laços de amizade.

Os outros elementos da espiritualidade, comuns em todas as FE, são: a oração do


terço de manhã, as missas, conforme a disponibilidade do padre, e a adoração do Santíssimo
Sacramento10, pelo menos uma vez por semana. Além disso, antes de cada refeição, é feita
a oração. Se não existem impedimentos ligados a alguma urgência, a presença nessas
práticas tem caráter obrigatório para todos os acolhidos, independentemente da sua religião.
As pessoas não têm obrigação de rezar, mas a participação em todas as atividades da casa
deve ser cumprida, conforme a aceitação das regras, explicitamente expressa no momento
de acolhida na FE.

Todos os três fundamentos da FE intercalam-se em vários momentos. Por exemplo,


os momentos de trabalho e espiritualidade são ao mesmo tempo, na maioria das vezes,
ocasiões para a vivência comunitária. Trabalho é planejado do modo a gerar a comunhão
entre os membros e o espírito de responsabilidade. Fora dos momentos da vida comunitária
já mencionados, existem outros, como: esporte, jogos, passeios, assistir juntos a programas
na TV ou a filmes vídeo, etc. Eles têm como objetivo ensinar, não só conviver com outro,

10
Celebração católica, onde a hóstia consagrada é colocada no lugar destacado para ser vista e adorada por
todos os presentes, que rezam diante dela.
109

mas abrir-se diante deles, formar um hábito de ajudar e buscar ajuda, colocar o Evangelho
em prática.

3.2.3 Família da Esperança - funcionamento e estrutura da obra

A FE é, ao mesmo tempo, uma comunidade terapêutica, uma obra social e uma


“família” das pessoas que se dedicam a essa obra, com seu estilo de vida próprio:
A Família da Esperança é uma Associação Internacional de Fiéis, aprovada pelo
Pontifício Conselho para os Leigos da Igreja Católica, no dia 24 de maio de 2011,
no Vaticano, em Roma (...). Os membros da família se definem pela vocação de ser
portadores da Esperança doando-se aos crucificados de hoje e composta por
pessoas, independentemente do seu estado de vida ou da sua crença (AGENDA,
2017, s. p.).

Na prática, todas as pessoas que trabalham e ajudam na FE são consideradas como membros
dessa família. As pessoas que ajudam financeiramente para mantê-la, também.

O funcionamento das FE baseia-se no trabalho voluntário, principalmente dos ex-


recuperandos, que decidem dedicar-se por algum tempo para obra, ficando como
responsáveis pela casa ou como os chamados de “padrinhos”, que ajudam nas comunidades
pela sua presença como orientadores dos recuperandos. Para esse tipo de trabalhos
voluntários, são também convidadas pessoas, que nunca passaram pelos problemas com
drogas, mas querem oferecer-se para obra da FE. Cada unidade da FE possui sua diretoria,
composta pelas pessoas da comunidade local, que normalmente não moram na casa de
recuperação, mas auxiliam voluntariamente o seu funcionamento, principalmente nas
questões administrativas.

Devido à estrutura da obra, uma parte das pessoas trabalha na FE remuneradas, ou


seja, são principalmente os profissionais, como educadores, enfermeiros, contadores, etc.,
que são empregados para obras sociais, que exigem uma certa preparação. A FE possui:
duas creches paras crianças cujas mães estão no processo de recuperação; duas casas que
abrigam os portadores do vírus HIV em fase terminal; a casa de abrigo para os órfãos e
crianças desabrigadas, que aguardam o processo de adoção; a casa que acolhe pessoas em
situação de rua.

Existem ainda outros projetos desenvolvidos atualmente pela FE: moradia para as
famílias carentes, reciclagem de lixo inorgânico, posto médico e odontológico, livraria
“Tabebuias” e um bazar, que realiza atividades de prevenção de uso de drogas e
110

comercializa os artesanatos dos jovens internos. A FE possui também um departamento de


meios de comunicação, chamado de “Retorno à Vida”, que, por meio de livros, boletins,
CDs, DVDs, programas de TV e outros produtos, divulga o trabalho da FE. Todas estas
obras fazem parte de uma estrutura que auxilia o projeto principal da FE, na recuperação
dos dependentes químicos pelo testemunho de amor (FAZENDA, 2017).

Para abrir uma nova unidade da FE, a comunidade local precisa oferecer pelo menos
o terreno e ter convite do bispo da diocese local, com garantia de acompanhamento
espiritual por um padre. O terreno deveria ser bastante grande, para uma horta, atividades
esportivas e para poder disponibilizar espaço aberto onde os jovens não vão e sentir presos.
Se existe uma estrutura pronta para morar, o processo de abertura da casa fica mais fácil,
se não, procura-se junto com coordenação central da FE obter os recursos para construir a
casa e outros edifícios, como oficinas, curral, capela, etc.

Os dados de 2016 (ibidem) indicam a existência de 122 casas de recuperação


espalhadas pelo mundo. No Brasil, são 98 comunidades em 25 estados, incluindo 20 casas
femininas. Fora do Brasil, as FE situam-se nos países, como: Paraguai, Uruguai, Argentina,
Bolívia, Colômbia, Guatemala, México, Angola, Moçambique, África do Sul, Alemanha,
Suíça, Portugal, Itália, Rússia e Filipinas. Segundo os dirigentes da FE11, a média atual de
abertura de novas casas é de oito a cada ano. Essas comunidades possuem vagas para mais
de 3.000 dependentes químicos e o número de pessoas que passaram pelo processo de
recuperação ultrapassa 20.000.

A FE acolhe todas as pessoas, com idade de 15 a 45 anos, que desejam


voluntariamente recuperar-se de drogas. Excepcionalmente, são aceitas pessoas mais
velhas. A pessoa que pretende entrar na FE deve escrever uma carta de próprio punho, onde
mostra a sua vontade e motivações para se recuperar. O candidato recebe explicações sobre
os procedimentos e documentos necessários para ingresso e com esses documentos é
convidado para uma entrevista de triagem feita pela equipe local. Fora dos casos de vagas
sociais, para as pessoas em situação de pobreza, a família do acolhido compromete-se

11
As anotações pessoais do autor os dados obtidos através das palestras no Encontro para Sacerdotes e
Religiosas(os), Fazenda da Esperança 2017, em Guaratinguetá, 18-21 de abril de 2017.
111

comprar mensalmente a cesta de produtos da FE no valor de um salário mínimo. Essa é a


principal entrada financeira nas comunidades, que mantenha o seu funcionamento.

O processo pedagógico de recuperação tem a duração de 12 meses. Nos primeiros


três meses os acolhidos são chamados de “triagem” e passam por um processo de adaptação
na comunidade, participando nas atividades da casa, conhecendo o carisma do
funcionamento do processo de recuperação. Nesse período, não é permitido receber visitas
e a comunicação externa com a família acontece só por cartas. A partir do terceiro mês,
recebe-se visita mensal e assume-se as responsabilidades na casa. Os acolhidos, cada vez
mais entram na dinâmica da casa, onde não só buscam a sua própria sobriedade, mas
também ajudam os mais novos. Nos últimos meses, os recuperandos são chamados de
coordenadores e orientam os diversos serviços da comunidade, também são convidados a
pensar para, depois de terminar um ano na FE, oferecer-se como voluntários da obra.

Segundo fundador da Fazenda da Esperança, Frei Hans, 80% dos acolhidos nas
comunidades da FE, que terminam o processo de recuperação de 12 meses, conseguem uma
mudança radical e libertar-se de drogas. Infelizmente, apesar de procurar os dados
estatísticos mais concretos sobre a eficiência do tratamento na FE nas várias publicações e,
até, fazendo um pedido para departamento do Serviço Social da FE, não foi possível obter
as informações sobre números mais exatos, seja por falta de estudos, seja por falta de
divulgação desses resultados. Para os seus idealizadores, o propósito da FE, não é só a saída
das drogas, mas muito mais - é uma mudança radical do estilo de vida. Se alguém depois
do tratamento recai, mas logo volta a procurar a sobriedade, continua a ser considerado
como “recuperado”.

A proposta oferecida pela FE não se limita aos doze meses de processo de


recuperação, mas é um convite para “a vida do Evangelho”, também fora das comunidades
da FE. O Grupo de Esperança Viva (GEV) é “um grupo de pessoas que querem viver o
carisma da esperança exatamente no meio do mundo” (SANTOS, 2015, p. 11). GEV
encontra-se semanalmente, num determinado lugar na cidade, geralmente no salão
paroquial, para meditar a Palavra de Vida e partilhar a experiência vivida durante da
semana, de modo parecido como acontece nas FE. Conforme Santos (2015), atualmente
existem mais de 150 GEVs, localizados principalmente nas cidades próximas das
comunidades de recuperação e nas grandes metrópoles.
112

GEV é uma célula da FE, semelhante ao grupo de terapia, que reúne várias pessoas,
entre elas: os que já se recuperaram na FE, seus familiares e amigos. Para participar no
GEV também são convidados os parentes dos que estão em processo de recuperação, os
dependentes que querem entrar na FE e seus familiares, contudo, as reuniões estão abertas
para todas as pessoas. O grupo ajuda a realizar um processo de ressocialização para os que
saíram da recuperação, enfrentar os problemas e conservar o modo de viver conforme a
espiritualidade aprendida. Nas reuniões, os pais podem entender melhor as dificuldades de
seus filhos e conhecer melhor os aspectos que sustentam a sua sobriedade.

3.3 O ambiente da casa pesquisada – Fazenda da Esperança Bom Jesus

A Fazenda da Esperança Bom Jesus (FEBJ)12 localiza-se na periferia do bairro


Icapara, 14 quilómetros da cidade Iguape, São Paulo, onde fica o Santuário do Senhor Bom
Jesus. A Fazenda foi fundada por um grupo de pessoas leigas: Rosilene de Fátima Cangussu
de Souza Boucinha, seu marido - Jurandyr Henrique de Souza Boucinha e José Augusto
Martins, que, a partir do ano 2007, junto com pároco da paroquia Nossa Senhora das Neves
de Iguape, padre polonês Slawomir Rzepka, decidem realizar uma obra destinada a
recuperação dos dependentes químicos da região.

Segundo padre Eslavo, como é chamado pelos amigos no Brasil, na paróquia existia
uma consciência, que a bondade do Bom Jesus não deveria ser experimentada somente no
templo, mas precisaria ultrapassar os portões do santuário. Na paróquia, já existiam vários
trabalhos realizados pelas pastorais sociais, porém, a comunidade queria responder mais
concretamente às preocupações voltadas ao nosso tempo. A fundação e construção da FEBJ
foi o fruto dessa preocupação. Por coincidência, padre Eslavo conhece o projeto da FE e,
junto com alguns leigos, fazem visita a Guaratinguetá onde, conversam com Frei Hans e
Nelson. Recebem convite para realizar seu anseio junto com a FE. Em 2008, abrem a casa
de recuperação FEBJ, inicialmente, com capacidade para doze pessoas.

12
No texto, usando termos: “FEBJ”, “Fazenda”, “Comunidade” ou “Casa”, em letra maiúscula (sem aspas),
estamos nos referindo a obra mencionada, na sua totalidade, o seu espaço físico, o seu funcionamento e os
seus moradores.
113

3.3.1 O espaço físico e a estrutura da casa

O terreno da FEBJ mede 12 hectares, é irregular, de um lado é um morro, do outro,


planície. Fica cercado pela vegetação, que faz parte do ecossistema litoral chamado
restinga. A maior parte do morro é a mata nativa e a parte plana é o brejo com manguezais.
No meio, o solo fica reto e mais firme, e ali são situados os estabelecimentos da casa de
recuperação. O sítio possui um minúsculo bosque e duas pequenas lagoas, feitas
artificialmente com água do brejo e abastecidas pela água do morro.

No começo, a FEBJ possuía uma velha casa de família, que foi adaptada para as
necessidades da Fazenda: foram feitos cinco quartos, três banheiros, uma pequena sala,
cozinha e uma capelinha improvisada. O espaço em volta da casa já tinha uma cobertura,
com cerca de três metros de largura, o que contribuía muito para vida comunitária. Ali, os
moradores poderiam sentar-se a sombra nos dias ensolarados ou abrigar-se da chuva, no
tempo chuvoso. O espaço na frente da casa foi aplainado, para formar uma quadra esportiva,
para jogar vôlei e futebol. Perto da casa, ficava um barracão, no começo usado como
oficina, depósito de ferramentas e academia de musculação. Do lado dele, foi construída
uma área coberta, de cerca de 70 metros quadrados, que servia como capela e refeitório
durante os encontros mensais das famílias dos internos, quando o número dos visitantes
chegava a mais de 50 e para acolhê-los necessitava-se um lugar maior. Assim, a casa
funcionava por mais de dois anos.

A partir de 2010, com ajuda do Governo do Estado de São Paulo, ficou realizado
um projeto de ampliação da estrutura da FEBJ. Através dele, em 2011, foi aberta mais uma
casa, para 14 acolhidos e construída uma outra casa, dividida em três espaços: cozinha e
depósitos, sala de reuniões com uma parte dedicada a capela, e o refeitório, com capacidade
de cerca de 80 pessoas, junto com espaço utilizado como sala de TV. Também foram
construídas das dependências, como chiqueiro e galinheiro. Em seguida, em 2012, foi
reformada a primeira casa, aumentando a capacidade de internação para 28 pessoas.

Numa das casas, moram as pessoas recém-chegadas, chamadas de “triagem”, com


seus coordenadores, que são geralmente duas pessoas com mais tempo de internação. Na
outra casa, moram os acolhidos mais antigos, o responsável pela FEBJ e o padrinho, esses
dois últimos são voluntários. As duas casas têm suas próprias lavanderias com os tanques,
lavadoras semiautomáticas e ferros de passar roupas. Cada um cuida da sua roupa no tempo
114

livre. No espaço compartilhado para as duas casas, ficam cozinha, refeitório, capela e sala
de televisão.

No terreno da Fazendo, existe horta, onde são plantadas verduras e frutas, uma parte
é usada na alimentação da casa e outra é vendida. A comercialização dos produtos naturais
ajuda na manutenção da casa. Dependendo do momento da colheita são vendidos: legumes
e frutas, ou seus derivados, principalmente geleias, doces e polpas. Algumas dessas coisas
vão para as cestas compradas pelas famílias, outras são adquiridas pelas pessoas da
comunidade local. A Fazenda vende também as produções pecuárias. Os outros produtos
são feitos nas oficinas. Fora dos mencionados, a FEBJ já produziu e comercializou:
camisetas estampadas, velas, terços, pulseiras e outros produtos artesanais de madeira e de
bambu.

Os acolhidos na FEBJ, como nas outras Fazendas, realizam vários tipos de


atividades, que os ajudam manter a obra, tanto no sentido de autossustento, quanto no
sentido de administração do espaço físico. Cotidianamente, são feitos serviços que ajudam
fazer o ambiente mais aconchegante, como, por exemplo: revestimento das trilhas com
pedaços de bambu ou com as pedras, jardinagem, arranjos do ambiente da casa, etc.
Também, cada um conforme o seu dom e profissão, ajuda na conservação das instalações:
partes elétricas, hidráulicas, da alvenaria ou da carpintaria.

O terreno fica do lado da estrada de terra, com pouca movimentação de carros, onde
passa um ônibus circular da cidade Iguape. Nesse lado, o terreno é cercado, há o portão de
entrada, que praticamente fica aberto 24 horas. Do outro lado da estrada, mora uma família
com qual os moradores da FEBJ mantêm uma relação de amizade. Numa distância de dois
quilômetros, seguindo a estrada, fica bairro Icapara, onde passa a estrada de asfalto, que vai
de Iguape para um bairro turístico, chamado Jureia. Então os internos têm dois quilômetros
para um comércio mais próximo.

A Fazenda Bom Jesus possui uma pick-up, que serve para deslocação para cidade,
como também para a compra e venda dos produtos. Numa das casas fica o escritório, que
mantem o contato com mundo externo por telefone rural e internet, bastante precária.
O sinal de telefone celular é muito fraco, porém, isso não é um problema, tendo em vista,
que só o responsável e o padrinho podem possuir celular. Os outros internos só podem usar
o telefone nos casos de emergência, com autorização do responsável. Também não se pode
115

sair do terreno da Fazenda sem autorização, essa atitude é entendida como desistência e
abandono do processo de recuperação.

3.3.2 As atividades da casa

Os acolhidos na FEBJ acordam na semana às seis horas. Antes de tomar café da


manhã, rezam terço e fazem meditação da Palavra. Depois do café, trabalham das oito até
às onze horas, para ter tempo, antes do almoço, para tomar banho e trocar roupa. Ao meio-
dia todo mundo almoça e depois têm tempo livre para descansar até às catorze horas.
Voltam aos trabalhos, das catorze, até às dezessete horas e, em seguida, tomam café a tarde.
Depois, têm tempo livre até a janta às dezenove e trinta, exceto os casos quando é rezada
missa ou acontece outra atividade planejada. Aos sábados, não têm trabalhos, mas é feita
limpeza das casas e, à tarde, os acolhidos têm tempo para lavar roupas e arrumar as próprias
coisas. Nos domingos, fora de um momento de celebração antes do almoço, o tempo é livre,
os rapazes praticam esportes, organizam os jogos, assistem TV, leem livros e escrevem as
cartas para os familiares.

Como já mencionamos, o trabalho na Fazenda é realizado principalmente como


laborterapia, tem caráter educativo, ensina a responsabilidade e mostra a necessidade de
autossustento. Os trabalhos são realizados em determinados horários e são divididos por
equipes. Entretanto, existe uma grande flexibilidade, as atividades são realizadas em regime
familiar, dependem das condições climáticas e das necessidades do momento. No tempo
chuvoso, são realizadas as atividades artesanais, feitas nas oficinas, por exemplo,
fabricação de velas, produção dos terços, etc. No tempo de colheita, ou quando é feito
algum serviço maior, que precisa muitas mãos de obra, quase todos juntos realizam a
mesma tarefa. Determinados trabalhos são feitos independentemente do tempo livre, dos
feriados ou dos horários marcados no cronograma, disso são, por exemplo, a cozinha e
alimentação dos animais.

A programação da casa é bastante flexível e, dependendo da necessidade, pode ser


alterada. As missas são planejadas conforme a disponibilidade dos padres que vêm de fora.
Alguns programas na televisão, principalmente as transmissões dos eventos ligados à obra
da FE, como missas e mensagens de Guaratinguetá, têm prioridades e são, às vezes,
assistidas nos horários fora do planejamento. Quando acontece alguma visita importante,
alguém vem para dar uma palestra ou fazer um encontro formativo, o programa é alterado.
116

Como a FEBJ fica bastante isolada e carente dos eventos socioculturais, qualquer ocasião
é aproveitada para crescimento dos recuperandos e uma oportunidade de amadurecimento
no seu propósito de mudança.

Existem várias ocupações realizadas no tempo livre, por exemplo: participar na


catequese, ensaiar cantos, fazer esporte, etc. Algumas atividades precisam permissão ou
horário delas é bem definido, como assistir a programas na televisão. Uma parte das
atividades grupais são organizadas pelos próprios acolhidos no seu tempo livre,
principalmente são momentos recreativos: esportes, jogos, brincadeiras e cantos. A vida
comunitária acontece também nas conversas individuais dos internos, nas partilhas das
lembranças, anseios, etc.

Uma vez por mês, no domingo, acontece a visita das famílias, é o momento mais
esperado. Muitas vezes, por conta da distância, nem todos podem vir. São convidados os
familiares mais próximos, pois o intuito do encontro não é fazer festa, mas estreitar os laços,
dar atenção, conversar, muitas vezes, reaproximando-se depois do tempo de brigas e
confusões, provocadas pelo vício. Os familiares dos acolhidos podem se conhecer, se
aproximar e trocar as experiências. Os novos acolhidos, nos primeiros dois meses, não
recebem visitas, mas participam nos encontros, servindo como apoio e refletindo sobre a
sua própria relação familiar. Nesses dois meses, os parentes que não participam na visita
são convidados encontrar-se com os responsáveis num outro lugar, fora da Fazenda, para
passar as informações sobre o processo de recuperação dos seus filhos, irmãos e cônjuges.

Os acolhidos, na FEBJ, mantém relacionamentos muito próximos com a


comunidade local, recebendo visitas, apoio e força. Os vizinhos e moradores do bairro mais
próximo, situado a dois quilômetros de distância, participam nas festas e celebrações da
Fazenda. Frequentemente, fazem visitas, trazendo frutas e doces, brincando juntos ou
partilhando problemas. Os moradores da Casa Bom Jesus, nos domingos ou nas ocasiones
especiais, participam nas celebrações na igreja do bairro, cantando e rezando juntos.
O clima de solidariedade na Casa, desperta sensibilidade com necessidades do outro, por
isso, muitas vezes os internos oferecem sua ajuda às pessoas da comunidade local,
participando nos mutirões.
117

3.3.3 Os relacionamentos, a espiritualidade e a atmosfera da casa

A FEBJ é uma comunidade relativamente pequena, apesar de capacidade para 28


pessoas, normalmente o número dos moradores oscila ao redor de 20 nas duas casas.
A convivência constante da turma e o espirito de fraternidade fazem que muito rápido
criem-se os laços de amizade, porém, não faltam conflitos e desentendimentos.

Os dependentes químicos, durante do uso de drogas, aprendem mentir, esconder


suas condutas negativas e mostrar as positivas. Portanto, é comum fingimento de doença,
de cumprimento das obrigações, procura de vantagens no trabalho, etc. Muitos, por ter a
autoestima baixo, tentam aparecer diante dos outros mais expertos, mais sabidos, mais
vividos. Alguns querem mostrar as suas vantagens sobre outros, ameaçando, do mesmo
modo como reagiram na rua.

Os desentendimentos e conflitos na FEBJ são cotidianos e refletem os conflitos


internos de cada um, principalmente na questão de liberdade, o assunto que foi descrito no
primeiro capítulo. Em alguns casos, como violência física, uso de drogas ou uma
indisciplina evidente, o interno é punido por expulsão da Casa, porém, se isso foi um
episódio sem reincidência e a pessoa mostra arrependimento, o acontecimento pode ser
tratado como lapso involuntário e o culpado é convidado para “recomeço”. Para manter a
ordem na Casa, o responsável pode também aplicar algumas sanções alternativas, que são
decididas no diálogo com “infrator”. Às vezes, são aplicadas punições comunitárias, por
exemplo, todos os internos não podem assistir filme, à noite.

Segundo o responsável da Casa, durante do todo tempo de seu funcionamento, de


setembro de 2008, a maio 2017, passaram pela Comunidade 256 internos, dos quais só 51
terminaram caminhada de doze meses e receberam diploma de conclusão, isso representa
20% de todos acolhidos. Não conseguimos os dados mais detalhados, todavia, conforme as
minhas percepções, por volta da metade dos adictos desiste do processo de recuperação no
primeiro mês de internação na FEBJ. A desistência acontece não só numa forma clara e
consciente, muitos interrompem o tratamento alegando, que já estão bem, outros, que
precisam cuidar a família e alguns aderem a condutas para serem forçados a sair.

No começo da caminhada na Fazenda, os acolhidos têm mais dificuldades de


adaptação, isso devido a diversos fatores. Alguns chegam ainda intoxicados, logo passando
118

por transtornos de abstinência, outros vêm sem o desejo próprio, trazidos à Fazenda por
familiares, que procuram livrar-se do “problema”. Precisamos lembrar, que antes de entrar
na FE, cada um dos acolhidos tinha um modo diferente de vida, alguns desfrutaram muitas
regalias nas próprias casas, outros viviam abandonados na rua, num clima antissocial e de
rebeldia. Muitos estavam na margem do convívio social, praticando crimes, como furtos,
roubos e tráfico de drogas.

Os recém-chegados estão cientes das regras e das consequências de quebrá-las,


entretanto, nem sempre estão dispostos a renunciar imediatamente seu antigo estilo de vida.
Por isso, nos primeiros dias, depois de serem acolhidos na Casa, os internos ficam mais
irritados e demostram abertamente seu descontentamento com as regras e horários.
A insatisfação aparece nas pirraças, birras, discussões, às vezes, num modo agressivo.
Nesse período, os coordenadores são menos exigentes, “dando tempo” para mudança.
Também outros internos se demostram mais tolerantes, procurando uma aproximação pelas
conversas e “gestos de amor”. Pegando amizade, os novos começam cada vez mais
identificar-se com resto da turma, participando nos trabalhos e responsabilizando-se pela
comunidade.

O elemento de extrema importância, que consegue mudar hábitos de acolhido é o


espírito de fraternidade. O adicto, acostumado funcionar no ambiente de desconfiança, onde
precisava fugir, esconder-se e defender-se das implicâncias, de repente não é mais acusado,
mas aceito na sua fraqueza. A atmosfera, que vigora na Fazenda, ajuda a abrir-se para
mudança, para retribuir o bem recebido. A transformação pessoal passa pelo caminho
afetivo, despertando a vontade de ser uma pessoa de bem e criando uma nova consciência.

Muito comum na FE é fazer espontaneamente “gestos de amor”: lavar roupa, que


alguém deixou de molho e estendê-la no varal, lavar louça no lugar do outro, fazer um
trabalho ou deixar alguma surpresa agradável. Os internos costumam também partilhar as
suas coisas, que ganham na visita da família ou nos pacotes recebidos pelo correio. Isso
são: bolos e doces ou roupa, que podem servir para alguém da Comunidade, que precisa.
Tudo isso é motivado por espirito de amor, inspirado pelo Evangelho, compartilhado e
vivido dia a dia.
119

3.4 As experiências pessoais de atendimento na Fazenda da Esperança

Para o melhor conhecimento do leitor sobre a atuação do pesquisador na Fazenda


da Esperança Bom Jesus de Iguape vamos proporcionar algumas observações pessoais.
O autor dessa tese tem visitado a FEBJ desde o começo do ano 2009, até o momento
presente, maio de 2017. Nesse período, devido ao tempo necessário para viagem e
dependendo das possibilidades pessoais, as visitas aconteciam uma ou duas vezes por
semana. Para chegar à Fazenda, de São Paulo, de ônibus, são necessárias cerca de oito horas
e o mesmo tanto para voltar. Isso devido à necessidade de pegar várias conduções e mais o
tempo de espera. De carro, pode-se chegar em média em quatro horas.

3.4.1 O processo de atendimento

Atualmente, os atendimentos na FEBJ são feitos mensalmente e têm mais um


caráter de aconselhamento do que de psicoterapia. Portanto, o autor, evita referir-se ao seu
atendimento, usando os termos típicos de psicoterapia, como: paciente ou cliente, sessão,
terapia, análise, etc. Os atendimentos são normalmente chamados de encontros individuais
ou de conversa. Entretanto, todos esses encontros têm caráter eminentemente terapêutico,
com rigor técnico da psicologia e com uso das diversas técnicas psicoterápicas, conforme
a necessidade da pessoa atendida.

Nas conversas, são muito usados os elementos da técnica cognitivo-


comportamental, isso principalmente com os adictos com tendências depressivas, para
ajudá-los a identificar e questionar as próprias crenças e pensamentos disfuncionais. Para
os com que apresentam problemas com ansiedade, são proporcionadas as técnicas de
relaxamento e de concentração. Muito raro é usada a técnica psicanalítica, sobretudo por
causa dos amplos intervalos de tempo dos atendimentos. Esse método é aplicado,
principalmente, para os que tratam o próprio problema de adicção com um enfoque muito
intelectual e têm dificuldades de identificar os próprios anseios e sentimentos.

Infelizmente, a Casa não possui um quarto sempre disponível para atendimento e as


conversas são realizadas em diversos locais improvisados. O terreno da Fazenda é grande
e sempre é possível achar um lugar sossegado e aconchegante. Quando é muito calor, a
conversa é realizada no banco, embaixo de árvore ou caminhando pelas trilhas. Nos outros
momentos o atendimento é realizado no quarto de hospedes, na sala de TV ou na capela.
120

Esse último lugar tem grandes vantagens, os meninos ficam mais concentrados, mais
quietos e conseguem interiorizar melhor a sua situação.

Como já foi mencionado, as conversas são também limitadas pelo tempo do


pesquisador. Antes de ser construída a segunda casa na FEBJ, o número dos moradores não
passava de 12 pessoas e as conversas individuais com cada um poderiam ser realizadas
tranquilamente durante dois dias de atendimento. A partir do momento, que a Comunidade
ficou composta por duas casas e dobrou o número dos recuperandos, para poder dar atenção
a todos, foram introduzidas as dinâmicas terapêuticas grupais. Desde então, o atendimento
individual ficou menos destacado e restringe-se aos recém-chegados e outros interessados,
que colocam o seu nome na lista. Entretanto, alguns, que não solicitam a conversa “formal”,
procuram uma conversa amiga fora do atendimento oficial, contando os problemas, fazendo
perguntas e pedindo concelhos.

3.4.2 As observações do pesquisador-terapeuta

Ao terminar o curso de psicologia, em 2009, fui convidado por padre Eslavo,


fundador da FEBJ, para ajudar aos adictos internos no processo de recuperação. A diretoria
da Fazenda procurava um psicólogo, que teria uma visão espiritual para poder entender
melhor o processo de recuperação na comunidade terapêutica de cunho religioso. Como
padre católico e preparando-me para atuar como psicólogo, achei isso uma oportunidade
para meu crescimento profissional, dentro da minha realização pessoal.

Desde o começo da minha atuação na FEBJ me senti bem acolhido na Comunidade.


Cada vez que visito a Fazenda, sou apresentado para os recém-chegados como padre-
psicólogo, que vem mensalmente atender na Casa como psicólogo e que, quem quer, tem
oportunidade de colocar seu nome na lista. Por causa, de que, na Comunidade, sempre vêm
os padres para dar assistência espiritual e rezar missa, nem todos percebem a diferença. Os
convites são reforçados para os novos, para motivá-los a “experimentar” a conversa com
psicólogo e cada um toma a sua própria decisão. Esses, que nunca passaram pelo processo
psicoterapêutico, apresentam mais insegurança e resistência.

Percebo, que, nas conversas, alguns me tratam mais como padre outros como
psicólogo, por isso, sempre explico, qual é a minha função. Contudo, as questões espirituais
continuamente entram na conversa e muitas vezes ocupam o lugar central. Os assuntos, de
121

reconciliação com familiares, de necessidade de mudança de vida e de acreditar em si


mesmo, sempre voltam, junto com a certeza, de que a transformação só pode acontecer com
ajuda de Deus.

A droga possui um enorme poder de atração para o adicto e, na maioria das vezes,
as recaídas têm sua origem na subestimação da força de dependência diante das próprias
vontades. Assim, no tratamento de dependente químico, a percepção da própria limitação
tem um valor terapêutico muito grande. Entretanto, esse precisa de perspectiva da cura.
A religiosidade madura pode ajudar em dois aspectos, reforça a responsabilidade e, diante
dos fracassos, não deixa de perder a esperança.

Nas minhas conversas, nunca induzia a comportamentos religiosos nos internos


atendidos, mas quando traziam na conversa os aspectos da fé, como uma forma positiva de
enfrentamento, eu instigava para reflexão sobre sentido disso. Muitas vezes, pelas
perguntas e questionamentos, levava os a pensar sobre a própria atuação no processo de
recuperação. Percebi duas posições contrárias: os que demasiadamente colocaram-se
subordinados à vontade de Deus e os que levavam toda a responsabilidade nas próprias
costas. Os primeiros casos não eram susceptíveis à mudança e os segundos ficavam
deprimidos no seu sofrimento.

Sendo padre e psicólogo possuía recursos para lidar com as duas questões: psíquica
e religiosa. Essa posição proporcionava-me, no atendimento na Fazenda da Esperança, a
capacidade de perceber e promover cura para o sofrimento provocado pela impotência
diante de um inimigo invisível, que amedronta, paralisa e priva de todas as possibilidades
de resolução com a própria força. Não me importava, como era chamada tal força: demônio,
inimigo, conflito emocional, desejo de prazer, convulsividade ou obsessão. Ouvia e deixava
cada um fazer a própria explicação do seu sofrimento.

Na maioria dos casos que atendia, os problemas de drogadição, e tudo que era
associado com ela, eram interpretados espiritualmente. Só alguns rapazes, que já
anteriormente fizeram um diagnóstico psiquiátrico ou psicológico, associavam o seu vício
a um transtorno psíquico. Esses se dirigiam a mim com a dúvida, se a dificuldade era
psíquica ou espiritual, querendo a minha opinião. Eu respondia que não sabia e juntos
procurávamos dar um significado disso e, refletindo sobre a causa, buscar o antídoto.
122

Em muitos casos, eu vi uma clara interligação entre as questões psíquicas e


espirituais, e me perguntava: Será que elas sempre precisam ser separadas ou interpretadas
separadamente? O bem-estar espiritual não leva a um bem-estar psíquico, e inversamente?
E se, quando existe essa interligação, um remédio espiritual não pode curar a psique
adoecida? Justamente, pela busca dos meninos, percebi que, para eles, isso funciona
perfeitamente e, em vez de privá-los do medicamento espiritual, procurava, pelos meus
questionamentos, orientá-los para tomar uma dose certa. Se a religiosidade era a escolha,
precisava ser uma religiosidade madura.
123

Capítulo 4

Experiência clínica - especificidades na dinâmica


da religiosidade em quatro casos

Se você quer que os outros sejam felizes, pratique compaixão.


Se você quer ser feliz, pratique compaixão.
Dalai Lama

Neste capitulo, apresentamos os quatro casos clínicos, selecionados pelo autor para
melhor apresentar a representatividade e variedade das pessoas que buscam a sua
recuperação na FE. Para permitir mostrar a totalidade do problema, a escolha dos casos foi
conduzida pelos seguintes critérios: (1) representação de: pessoa evangélica, pessoa com
dependência de álcool, pessoa que retornou para FE, pessoa que passou na FE pela
experiência de conversão religiosa; (2) apresentar a metade dos casos, que não terminaram
o processo de doze meses na FE; (3) pessoas que passaram por, pelo menos, quatro
conversas terapêuticas. Por esses critérios passaram sete casos. Quatro foram escolhidos na
base da quantidade das minhas anotações, que nos casos descartados eram mais escassos.

4.1 Caso de Jó13

Homem de classe social média-alta, de 35 anos, caçula, tem dois irmãos bem mais
velhos, casado, pai de uma filha, evangélico engajado na igreja, usuário de cocaína, crack
e maconha.

4.1.1 As primeiras impressões

Jó chegou à Fazenda da Esperança como um homem que parecia saber o que queria.
Sério e, ao mesmo tempo, aberto para conversas. Manifestava a própria opinião claramente,
escutando com atenção as opiniões diferentes. Apresentava-se como evangélico, mas não
demostrava nenhum preconceito com outras religiões.

No primeiro atendimento, fiquei surpreso com a sua abertura diante de mim. Para a
nova triagem, eu sempre fui apresentado como padre e psicólogo. Dada a minha experiência

13
Nome fictício, como todos os outros nomes citados na análise dos casos.
124

de atendimento nesse ambiente de alguns anos, acostumei-me a que as pessoas evangélicas,


antes de me conhecer, não mostravam interesse pela terapia com “um padre”, ou, atendidas,
mantinham comigo uma certa distância e demoravam para se abrir. Jó era muito diferente.

Contou que tem 35 anos, é casado, tem uma filha de dois anos e participa ativamente
na Assembleia de Deus. Tinha iniciado os estudos acadêmicos no curso de Direito, mas
interrompeu. Ultimamente, trabalhava como autônomo, administrando seu próprio tempo.
Relatou que sempre era uma pessoa ativa e bem-sucedida, mas que atualmente está muito
desanimado, recaindo depois de 15 anos de sobriedade, por causa da depressão.

Jó fez comigo oito encontros terapêuticos na Fazenda da Esperança. A história de


vida descrita, a seguir, é um resumo dos fatos contados por ele nas diversas sessões.

4.1.2 História de vida

Jó foi criado numa família católica, fez primeira comunhão e crisma, participava
nas missas, confessava regularmente, porém, segundo ele, tudo era feito para agradar os
pais. A família dele era muito tradicional e valorizava os comportamentos religiosos
católicos, como pedir bênção, rezar terço, etc. Jó, não gostava muito de ir à missa, preferiria
jogar bola, sair com amigos, mas sentia uma obrigação própria de cumprir os deveres
religiosos.

Praticamente, foi criado como filho único, tinha dois irmãos mais velhos, mas eles
já tinham saído de casa. Como adolescente tinha muita liberdade, “ficava muito na rua”
(sic). O pai dele tinha uma compulsão pelos jogos de bar, sobretudo por sinuca. A mãe
gostava de bebidas, nos finais de semana se encontrava com amigos, abusando do álcool.
Ela “não era alcoólatra, mas tinha cabeça fraca” (sic) e depois de beber entrava em conflito
com seu esposo.

Jó teve o primeiro contato com drogas na adolescência. Começou a usar maconha


com quatorze anos de idade, junto com colegas de trabalho. Morava numa das cidades
satélites da Grande São Paulo e todo dia pegava trem. No caminho, os colegas fumavam
maconha e, um dia por curiosidade, ele também experimentou e gostou. No começo, tinha
medo de usar, mas, depois de experimentar, viu que “não era nada demais” (sic) e que
ninguém percebia.
125

Jó relatou que, com quinze anos, começou a cheirar cocaína e frequentar os lugares
dos usuários de drogas. Trabalhava no centro de São Paulo e todos os dias pegava o
caminho pela Cracolândia. Logo, começou também a usar crack, o que o descontrolou,
como disse. Desde então, usava todos dos dias. Já no trabalho estava ansioso para terminar
o expediente, sair do trabalho e fumar crack. Perdeu medo de usar drogas nos lugares
públicos, pois na Cracolândia todo mundo usava drogas abertamente.

Comprava tantos cracks quanto dava com dinheiro que tinha. No começo, era mais
controlado, depois começou a vender a própria roupa do corpo, tênis, pequenos pertences,
etc., para comprar drogas. Tudo girava em volta de uso da droga. Jó contou que nesse tempo
usava um terço no pescoço. Era um amuleto, mais como proteção do que para rezar.

Nessa época, foi pego duas vezes pela polícia e ficou na Febem. A primeira vez, só
de passagem, depois de um furto no semáforo. A segunda vez, recebeu uma condenação
por roubo com mão armada, ficando 45 dias detido na Febem e depois por um ano
cumprindo a pena de liberdade assistida. Nesse tempo, os pais estavam muito preocupados,
mas nem imaginavam que ele estava usando drogas. Jó acha que os pais dele não eram
muito atentos, pois nunca perceberam um comportamento estranho do filho, quando ele
usava drogas.

Só depois de algum tempo, um amigo de infância, preocupado com Jó, contou para
os pais dele que ele era usuário de drogas. Toda a família se mobilizou para ajudar resolver
o problema. Decidiram mudar da cidade onde moravam para o interior, mas, segundo Jó,
isso só piorou a situação. Ele perdeu os amigos que tinha e, afastado das pessoas que o
conheciam, não tinha mais vergonha da sua conduta no novo ambiente.

Depois de um curto período, por causa do trabalho, os pais resolveram mudar de


novo, dessa vez para São Paulo e Jó voltou para o ambiente da Cracolândia. Logo em
seguida, ficou preso por assalto e, já maior de idade, com 19 anos, foi condenado por cinco
anos e sete meses de prisão. Ficou no Carandiru, onde encontrou um amigo com quem antes
tinha usando drogas. Entretanto, o amigo já não as usava mais, era convertido, participava,
na prisão, nos cultos da igreja e convidou também o Jó para participar.

Jó ficou curioso com atitude das pessoas da igreja que falavam diferente, se vestiam
diferente e tinham diferentes modos de agir. Relatou que, nas pregações que ouvia,
percebeu que o comportamento dele estava errado. Na época, ele falava usando gírias e
126

palavrões, se vestia como os “manos”, andava gingando. Por isso, recebia instruções dos
irmãos, como se deve falar, vestir, andar, agir. Apesar de que, na época, Jó fosse muito
rebelde, percebeu que as advertências e os ensinos a ele dados eram um cuidado que nunca
antes sentiu. Conheceu um pastor que tinha uma condenação de cento e cinco anos, mas
estava tranquilo e confiante. Jó não conseguia entender como esse homem podia ser tão
sereno, sabendo que ia ficar por, pelo menos, trinta anos na prisão. Admirava isso.

Jó contou que, nesse tempo, foram restaurados nele os valores da família. Um dia,
ele ouviu uma pregação sobre um texto que falava de honrar pai e mãe, como o primeiro
mandamento com promessa. Ele entendeu, que como não tinha honrado seus pais, em
consequência, a vida dele não era abençoada por Deus. Agora, ele começou se relacionar
com pais de modo diferente, com respeito.

Lembra que na primeira visita, ainda antes de conhecer os irmãos da igreja, seus
pais estavam muito desesperados. Depois da visita, a mãe até tentou suicídio e precisava
fazer tratamento psiquiátrico. Já na segunda visita, a situação mudou. Jó estava diferente e
os pais perceberam isso. Falou para a mãe, que agora ia ter um filho que sempre esperava.

Já estava cansado do seu jeito de vida e acreditou que ele poderia mudar.
Conhecendo a igreja, começou se comportar diferente usar roupas diferentes. Como relatou,
viu o resultado da sua conversão. Nesse momento, ele ainda não tinha um vínculo com
Deus, mas as atitudes dos irmãos da igreja o fizeram mudar o pensamento. Ele ouvia falar
que precisava conhecer Jesus e achava isso muito estranho, pois já era católico e conhecia
ensinamentos de Jesus.

Ainda no começo da prisão, chegou a usar a droga, devido à força da abstinência,


mas já queria mudar. Em cada culto, estava mais convertido para ser um membro da igreja.
Pediu para mudar para a ala dos crentes e logo recebeu permissão. A partir desse momento,
começou a conviver com os irmãos, não só na igreja, mas também “no xadrez”. Aqui
começou a ver, que a convivência fraterna não se limitava ao espaço da igreja, mas mesmo
nos trabalhos do dia a dia na prisão.

O comportamento das pessoas que participavam na igreja o fascinava. Recebia dos


irmãos as roupas “adequadas”, um cuidado que na prisão parecia uma coisa absurda e fora
da realidade. Também os irmãos, que vinham de fora visitar os prisioneiros, cuidavam dele.
127

Estava fascinado com as pessoas que ficaram por horas rezando ajoelhadas e ele nem
conseguia ficar assim por dez minutos.

Jó descreveu que, a primeira vez que sentiu de verdade a presença de Deus, foi
durante uma pregação. Ele estava muito angustiado da própria vida, dos próprios erros, se
sentia muito culpado pela sua conduta. A pregação era sobre um filho que tinha se perdido,
mas decidiu voltar para casa do pai e o pai o recebeu com alegria. Nesse momento, ele
sentiu como se fosse no mundo só ele e Deus. Não entendia o que estava acontecendo e
ficava impressionado como o pastor que pregava, poderia conhecer a sua vida. No termino
do culto, os irmãos fizeram apelo para abrir seu coração. Ele deu um testemunho da sua
vida e a partir desse momento, por quinze anos, não usara mais drogas.

Jó relatou que desde então sempre está sentindo a presença de Deus na vida dele.
Construiu sua vida em torno da igreja, lá conseguiu os amigos e conheceu sua esposa.
Passou a ser um membro ativo, ajudando nas atividades e tarefas. Nessa época, ficou
convencido de que a droga não apresentava mais um perigo na vida dele. Entretanto,
começaram se acumular diversas coisas na vida dele. Trabalhava, fazia faculdade, servia
na igreja, sentia muita responsabilidade, devido ao casamento e nascimento da filha. Sentia
muita pressão, estresse, cansaço.... Não aguentou. Depois de quinze anos limpo, recaiu.

O uso das drogas piorou ainda mais a situação psíquica dele. Guardava um segredo
vergonhoso diante da família e dos amigos. Sentia-se muito culpado diante das pessoas, da
igreja e do próprio Deus. Entrou em depressão. Como relata, esse um ano e meio, quando
usava droga depois da recaída, foi o pior período da vida dele. Tinha duas úlceras,
emagreceu quarenta quilos, foi diagnosticado com depressão e tomava medicamentos
antidepressivos. Passou por três psicólogos diferentes, mas não conseguia cumprir
o propósito da terapia.

Com tempo, a família descobriu que ele estava se drogando e junto decidiram que
precisava fazer um tratamento sério. Foi internado numa casa de luxo, com valor alto, e
com toda assistência, inclusive médica. Jó diz que ficou deitado na cama não fazendo nada,
era insuportável. No segundo dia da internação, fugiu pulando muro. Foi internado mais
uma vez numa casa evangélica de recuperação, onde a proposta de tratamento era de nove
meses. Depois de dois meses, achou que já estava curado e saiu. Passaram-se dois dias e já
teve nova recaída. Culpava-se muito por não resistir à tentação da droga. Pensava algumas
128

vezes na possibilidade de suicídio, mas ensinado que Deus condena os suicidas não tinha
coragem de se matar. Segundo Jó, a religião mais uma vez salvou a vida dele.

Não acreditava mais em si mesmo, condenava-se como traidor de Deus. Parecia não
ter saída dessa situação, não queria mais ser internado, pois não acreditava que isso poderia
o ajudar. Entretanto, foi obrigado pela família a procurar internação, como relata, quase
compulsoriamente. A mãe, católica, conseguiu para ele uma vaga na Fazenda da Esperança.

4.1.3 Processo terapêutico

A minha primeira hipótese terapêutica da recaída do Jó era de que a droga


representava para ele “uma recompensa merecida” por todo o trabalho, dedicação e estresse
que a vida lhe oferecia. Pensei na escolha inconsciente de um alívio de que ele necessitava.
A depressão aparecia como consequência de toda a conjuntura, inclusive do uso de drogas,
e não o contrário. Porém, era difícil avaliar se já antes de recair existia algum estado
depressivo latente.

Nos nossos encontros, percebia que Jó tinha para mim muitas perguntas. Queria
tirar dúvidas referentes a dependência química e a sua condição de dependente. Porém,
expressava também as suas dúvidas espirituais e religiosas, perguntando-me mais como um
padre, do que como um psicólogo. A pergunta que mais soava nos atendimentos era: “O
que acontece, depende de nós ou de Deus? ”. Sentia a sua impotência diante do vício que o
fez recair depois de uma vida estruturada e bem-sucedida por quinze anos. Eu sentia a sua
angústia de não poder mandar na própria vida.

A questão de autocondenação era muito forte, o que aumentava o seu estado


depressivo. Culpava-se pela própria conduta, por trair a confiança dos familiares, por
quebrar o propósito da sua religião, por falhar diante de Deus. A religiosidade, que possuía,
era uma das causas desse sentimento de fracasso, ou melhor, a causa de não poder aceitar
a própria fraqueza. Mas, por outro lado, como sempre destacava, a religiosidade era a causa
com a qual conseguiu arrumar a própria vida e ficar bem por quinze anos. Religião era tudo
para ele, era o fundamento da sua recuperação.

Sabia, como terapeuta, que contestar as questões religiosas, mostrando as suas


influências negativas, poderia, ou destruir o alicerce da sua transformação, ou gerar uma
desconfiança diante de mim. Ele estava acostumado, que os psicólogos tratavam as
questões religiosas dele com reserva e, segundo ele, não o ajudaram em nada. Porém, ser
129

padre era meu trunfo, e Jó confiava em mim, como numa pessoa religiosa e na minha
experiência religiosa.

Não era minha tarefa dar a Jó os concelhos religiosos. Precisava que ele mesmo
achasse uma resposta para as suas dúvidas espirituais, principalmente, para não se
autocondenar por suas falhas. No final do nosso primeiro encontro, pedi para Jó ler o Livro
do Jó, da Bíblia14. Não sabia se isso ia ajudar, mas pensei: ele precisa sentir e aceitar os
próprios limites, compreender que o sofrimento faz parte da condição humana e até pode
servir para o crescimento. Se ele procurava resposta para seu sofrimento e se condenava
diante de Deus, precisava ouvir a resposta, que ele fosse tratar como dada por Deus.

Com certeza, não só a leitura do Livro de Jó ajudou o nosso Jó aceitar a sua


condição. Porém, nos próximos encontros, senti o Jó mais animado. Na Fazenda da
Esperança, no meio de tantas pessoas machucadas e quebradas pelo uso de droga, Jó
tornava-se uma referência de ânimo. Abraçando as fraquezas dos companheiros de
caminhada, conseguia, ao mesmo tempo, abraçar as suas próprias fraquezas. Um dia, me
falou: “Sofrimento não é coisa ruim”. Não eram as palavras de um masoquista, mas
palavras de uma pessoa feliz.

As nossas conversas sempre eram muito espirituais. Jó contava as suas conquistas


nesse campo. Ele aprendeu não julgar o outro, mas procurar compreendê-lo. Descobriu as
outras formas de orar além das que conhecia na Igreja dele: orar caminhando, meditando a
natureza, deitado na cama. Até gostava de rezar terço com a comunidade. Aprendeu com
outros, que no começo criticava, que cada um tem seu jeito, sua espiritualidade. Cuidava
dos outros recuperandos, tentando viver o propósito espiritual da Fazenda da Esperança de:
“ver no irmão o Jesus abandonado”. Pode ser, que lembrava a própria experiência na prisão
e a conversão, que aconteceu por meio de cuidados recebidos. Muitas vezes, ele me
perguntava como poderia ajudar um ou outro irmão, que passava por dificuldades.

Jó agora viu a questão do uso de drogas com outra perspectiva, sem se condenar.
Para ele, a droga era “coisa humana”, é a “fraqueza humana” e, por isso, como falava,
precisa a força Divina para recuperação. Dizia que Deus quer que o dependente se recupere,
“Ele faz tudo para que não recaia, mas Ele não muda com a pessoa que recai, continua

14
Este é o motivo que me levou dar o nome fictício de Jó para o meu paciente.
130

amando-a”. “Deus ama do mesmo jeito um drogadicto, como qualquer pessoa, ou ainda
mais. Deus não muda, mudam as pessoas da família, da igreja...” (sic). Jó, antes se
condenava, se autopenalizava, quase se “autoexecutou”. Agora, ele entendeu que deve amar
a si próprio, até na condição de dependente químico. Falava que agora sentia mais amor,
mais compaixão com outro, não conseguia mais condenar. Tornou-se muito sensível ao
sofrimento do outro.

Jó ampliou o seu entendimento de Deus e também seu autoconhecimento.


A dependência química, que antes era uma força maligna, agora foi entendida como uma
fraqueza psicológica do ser humano. Falava que “diante a fraqueza emocional entra
também a fraqueza espiritual, as duas coisas andam juntas” (sic). Via a sua recaída como
um sofrimento que ele mesmo trouxe para si e sua família pelas suas fraquezas, por que
não quis a reconhecê-las. A recaída e sofrimento não eram o plano original de Deus, mas
eram necessários para aprender, “senão, Ele viria por outro caminho” (sic). Deus o salvou
mais uma vez.

Como ele próprio falava, aprendeu que “Deus não é católico, nem evangélico” (sic).
Tinha amigos, que eram católicos e um era budista. Jó, conversava muito com ele e viu que
o jeito como ele praticava a sua religião era “totalmente aceito” (sic). Jó viu, que todas as
pessoas das outras denominações religiosas, que encontrou na FE, viviam na sua fé os
mesmos valores de amor e de respeito ao próximo. Falava que todos somos pecadores e
todos procuramos um caminho para Deus.

Jó ficou um ano, na Fazenda da Esperança, conforme o propósito da instituição. No


nosso último encontro terapêutico, mostrava-se ansioso como iria ser recebido pelas
pessoas da Igreja. Achava que a religiosidade dele mudou tanto que poderia não ser aceito
com seu novo pensamento. Reconhecia que precisa da sua religião, pois ela ensinou-o não
aceitar as próprias fraquezas, mas combatê-las, recuperando a vida. “Se nos entregamos a
fraqueza o mal cresce” (sic). Comentava, que a falta de práticas espirituais o abala
emocionalmente e pode levar a recaída, que não consegue ficar bem psicologicamente sem
a Igreja. “Religião traz proteção, quem não participa recai” (sic). Segundo ele, na Fazenda
da Esperança, passou por uma experiência pessoal com Deus, um conhecimento mais
profundo.
131

Até hoje estamos mantendo contato, às vezes, Jó manda para mim as mensagens de
saudações. Encontrei com ele um ano depois da sua saída da casa de recuperação.
Conversamos longamente. Comentou que agora se sente mais livre, mais consciente do que
durante os quinze anos em que estava limpo, antes da recaída. Hoje, não sente que tudo é
perfeito, mas acha que está muito melhor, agora conhece bem as suas fraquezas,
necessidades, etc. Explicou que as experiências do passado, fizeram que ele estivesse com
muita tendência à melancolia, porém, a vivência na Fazenda da Esperança trouxe para ele
um pensamento positivo. Aprendeu também, que não se pode compartilhar as suas
fraquezas com todos, pois isso espalha um pensamento negativo, as pessoas começam a
ficar preocupadas e duvidar na sua capacidade de ficar longe das drogas.

Jó continua as suas atividades na Igreja. Conta que ele precisa muito da Igreja, do
contato com Deus para vencer o vício. Segundo ele, a religiosidade dá valor para família,
para trabalho, para amigos e todas as responsabilidades que exerce. “A pessoa precisa de
orientação e a religião a traz” (sic). Jó continua a viver sem uso de drogas, como ele próprio
define - sustentado pela sua religiosidade.

4.2 Caso de Hulk

Menino de classe social média-baixa, de 23 anos, solteiro, tem irmão mais novo, pai de
uma filha, católico não praticante, usuário de cocaína.

4.2.1 As primeiras impressões

Homem forte com corpo de esportista, de 23 anos. Quando conversou comigo pela
primeira vez estava muito triste, mostrava-se vergonhoso e com remorso. Parecia ser pessoa
muito humilde, pode ser que por seu estado deprimido, não conseguia olhar nos meus olhos.
No começo estava calado, mas depois, quando começou a falar, falava bastante, sem parar,
preocupado para que as suas palavras fossem bem compreendidas.

Contou que estava com muita tristeza e tinha vontade de chorar. De algum jeito se
sentia fracassado... por não conseguir dominar o seu vício... por envergonhar a família...
por seu irmão que também era usuário.... Dizia que tem dificuldade de expressar os seus
sentimentos e de confiar nas pessoas. Depois percebi que, na verdade, ele tinha vergonha
de mostrar às pessoas que tem suas fraquezas, queria ser visto como super-homem.
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Estava muito preocupado com irmão que também usava drogas, com sofrimento da
mãe que os dois provocaram. Contava sobre a sua sensibilidade com os outros, que sentia
como a pessoa está, se ela é sincera ou não, que tinha um tipo de ligação telepática com
pessoas, que até muitas vezes pressentia alguns acontecimentos.

Gostava do ambiente da Fazenda, principalmente a natureza.

4.2.2 História de vida

Contou-me que é usuário de cocaína desde 15 anos de idade. Começou a trabalhar


como adolescente, como ajudante, numa instituição pública e nessa época teve o primeiro
contato com drogas, primeiro com maconha, logo depois com cocaína. No ambiente onde
trabalhava havia muitos usuários. Logo percebeu que ali existia possibilidade de ganhar
dinheiro, vendendo drogas para outros funcionários, até os mais situados na hierarquia da
instituição.

Os pais sempre foram bastante carinhosos. A mãe, católica praticante, trabalhava na


área de saúde, gostava de cuidar das pessoas e sempre dava muita atenção a ele. Hulk, até
adolescência participava na Igreja católica com a mãe, depois, ele afastou-se, seguindo mais
o exemplo do pai. O pai, também pessoa amável, professor artes marciais, sempre era muito
exigente, cobrava a disciplina e responsabilidade. Hulk lembra que o pai nunca mostrava a
fraqueza. Quando tinha seis anos de idade, começou a treinar com pai, que exigia bastante
concentração e autocontrole. Gostava de treinar e competir, porém, não gostava de lutas de
combate, pois não conseguia ser bastante agressivo.

Hulk ouvia dos pais, que a família é lugar de harmonia e apoio, que deveria sempre
procurar ter paz com irmão dele, porque “o irmão não briga com irmão” (sic). Idealizava
muito a família e ficava bem triste quando tinha algum desentendimento. Por exemplo,
contou, que ficou muito abalado por causa de briga dos tios dele.

Sempre tinha em mente o ideal de amor e responsabilidade pelos próximos. Era uma
pessoa carinhosa e gostava de receber carinho. Lembrava que, até usando drogas, ficava
atento a quem estava do lado dele, quem cuidava dele e o ajudava. Quando mais sóbrio e
arrependido, sempre pedia perdão e recebia apoio da família.
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Hulk contou que sempre era um líder, procurava agradar os outros, identificando a
própria felicidade com contentamento dos outros. Dava muita importância ao seu
desempenho físico, aos resultados nos treinos, as reações dos treinadores.

Quando namorava, conseguiu por seis meses ficar limpo. Nesse tempo, sentia-se
frustrado, desanimado ou com raiva e sentia a falta da droga. Estava descontente, que
mesmo sem usar droga não era pessoa boa. Essas decepções e os problemas da família
ajudaram na recaída. A mãe de Hulk, católica praticante, procurando ajuda para seu filho,
deparou-se com a proposta da Fazenda da Esperança. Conversando com Hulk, conseguiu
convencê-lo para se internar na FE.

4.2.3 Processo terapêutico

No primeiro encontro com Hulk, percebi a dificuldade de ele expor os próprios


sentimentos negativos. Falou que isso o deixa deprimido e desanima as outras pessoas.
Segundo ele, deveria ser forte para ajudar, mostrando-se fraco atrapalha a caminhada dos
companheiros. Por isso, estava muito tenso, com sentimentos acumulados, decepcionado,
com a vontade de chorar, mas não podendo se dar ao luxo de alívio. Depois do nosso
encontro e desabafo, Hulk ficou muito mais tranquilo.

No segundo encontro, Hulk estava mais animado do ambiente da FE, contando que
não tem vontade de usar drogas e que aqui pode ajudar os outros internos. Tentei levar Hulk
na direção mais introspectiva. Conversamos sobre a identificação com pai exigente, que dá
apoio sem mostrar fraqueza, e sobre modelo de ser, que ele adotou. Hulk gostava muito de
falar, partilhar a sua vida, dar apoio na forma de concelhos oferecidos para outros. Quando
ouvido, ficava feliz com sua autoestima bem elevada. Sentia-se responsável pelos outros,
pela caminhada deles. Como professor de artes marciais, gostava de organizar os treinos
para os internos. Sempre tinha uma turma que fazia exercícios físicos com sua supervisão.

No terceiro encontro, Hulk estava preocupado com companheiros que desistiram do


processo de recuperação na FE e foram embora. Contava dos vários momentos de tristeza
que aparecem de repente diante das dificuldades dos outros e da sua impotência de ajuda.
Direcionei a nossa conversa na avaliação das capacidades reais de mudar a vida do outro,
de querer salvar o mundo. Parece, que, por entender esta incapacidade, Hulk ficou mais
desanimado.
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No quarto encontro, Hulk, que já estava com tarefas de cuidar de alguns trabalhos
na FE, contava que tem muita dificuldade de chamar atenção dos outros ou de expressar o
seu descontentamento. Não aguentava os desentendimentos. Se alguém se afastava dele,
ficava bravo e desanimado. Questionava que as coisas não estão certas, como, segundo ele,
deveriam ser. Jogava a culpa nos outros, sentia ingratidão e reclamava da falta de
sinceridade. Conversamos sobre a empatia, necessidade de partilha e da fala. Desta vez,
seguindo a técnica cognitivo comportamental, dei algumas dicas como ser mais assertivo
no diálogo.

No quinto encontro, Hulk falava da ingratidão e falta de reconhecimento, que sentia.


Querendo ajudar os internos recém-chegados, questionava as atitudes dos coordenadores e
por isso chamaram atenção dele. Estava muito revoltado, que a sua vontade de ajudar aos
outros internos era mal-entendida, e ele próprio mal interpretado e criticado. Sentia-se
ofendido, o que o deixava desanimado e depressivo. Conversamos sobre os sentimentos,
que outras pessoas despertam em nós, sobre o amor, que nem sempre é respondido, sobre
a falta de consideração, que muitas vezes sentimos.

Estava muito preocupado com outras pessoas, muito impaciente, queria mudar as
coisas, voltar para casa para dar apoio à mãe, arrumar a vida dos outros, mas estava sem
força para consertar a sua própria vida. Para ele, olhar a própria vida era perda de tempo,
ficava na FE motivado pela ajuda aos outros rapazes. Aproximava-se deles, querendo
conhecer seus problemas e ajudar, mas não conseguia fazer a própria introspecção ou expor
as próprias dificuldades e procurar ajuda. Tinha muita dificuldade de mostrar sua fraqueza.

Sempre queria saber se a pessoa estava do lado dele ou não. Essa mesma atitude,
ele mesmo já tinha percebido na drogadição, quando estava se drogando ou quando
precisava apoio para parar, observava com quem podia contar como verdadeiro amigo.
Questionado, por que ele esperava tanto de apoio, respondia que todos devem se ajudar,
mas ficava muito na defesa, não conseguindo assumir a própria fraqueza e questionar si
mesmo.

No sexto encontro, pedi a Hulk para que avaliasse o seu uso de drogas. Entendia
que a droga ajudava-o quando se sentia desanimado e para fugir das dificuldades. Sabendo
da fragilidade da sua autoconfiança e dificuldade de fazer autorreflexão, busquei dar a ele
algumas dicas como trabalhar a autoestima: sempre procurar a destacar, para si mesmo as
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pequenas conquistas; tentar olhar as coisas do lado positivo; avaliar o próprio desempenho
e não o reconhecimento.

Depois de oito meses na FE, Hulk, junto com alguns outros internos, entrou num
conflito com as pessoas responsáveis pela Casa. Por desobedecer à direção foi convidado a
retirar-se da Fazenda.

4.3 Caso de Saulo

Pessoa de classe social média, de 31 anos, terceiro de cinco filhos, casado, católico
pouco praticante, usuário de álcool e cocaína, viciado em jogos de azar.

4.3.1 As primeiras impressões

Quando encontrei Saulo pela primeira vez, era recém-chegado na FE, magro e
miúdo, me deu impressão de ser uma pessoa rebelde, porém, controlada. Tinha 31 anos,
mas parecia bem mais novo. Com seu olhar analisava as pessoas ao seu redor, parecia
calculando como deveria se comportar. Nas conversas com outros internos, mostrava
sempre seu descontentamento com situação ou alguma atitude deles, isso mais pela mímica
do que pelas palavras. Expressava as frases do tipo: “que é isso?”, “você viu?”, “não é
assim”, “deveria me ouvir”, “melhor não falar”, “deixa quieto”, “sempre é o mesmo”, etc.,
raramente em voz alta.

4.3.2 História de vida

Segundo Saulo, os pais dele eram pessoas simples. Ele era um filho do meio dos
cinco irmãos. Família era grande e o ambiente de casa sempre bem agitado, muitos bate-
bocas, bebida e cigarros. Os pais não tinham uma religião definida, mas perguntados se
consideravam católicos e batizaram seus filhos na Igreja Católica. A mãe sempre buscava
uma ajuda divina, principalmente nos momentos difíceis. Participava de diversas Igrejas,
sempre deixando-se levar pelos testemunhos das pessoas, que narravam como através da
religião melhoraram a sua vida. Porém, não se afirmou em nenhuma denominação.

Saulo lembrava, que ele mesmo, na infância e adolescência, presenciava muito as


discussões dos pais, eles brigando e se ameaçando. A mãe, também brigava muito com os
filhos, só reclamando, não conseguia mostrar o seu amor. Saulo, vendo os amigos que
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tinham as mães carinhosas e protetoras, se sentia excluído. Recebia mais afeto do pai, que
parecia ser muito mais tolerante, e que alegava, que a mãe não tinha equilíbrio emocional.

Com 14 anos de idade, começou a beber e fumar cigarros com amigos da escola. A
mãe brigava com ele por causa disso, mas ele sempre respondia, que como ela bebe e fuma,
por que ele não pode. Estudava à noite e, muitas vezes, tinha visto os meninos usando droga
no banheiro da escola. Recebeu convite para cheirar cocaína, gostou da sensação que sentiu
e logo também começou a usar com eles.

Como relata, em casa, sempre ouvia muitas críticas, mas não sentia que alguém
quisesse ajudá-lo de verdade. Sentia-se sozinho, como não tinha ninguém com quem
poderia contar de verdade, fechou-se no mundo dele. Fez curso profissionalizante e
começou a trabalhar, tornando-se independente da família. Cansado das críticas, queria
logo sair de casa e construir a própria vida.

Com 24 anos de idade, começou a namorar uma moça de 17 anos. A menina, que
namorava, era de uma família católica tradicional, e por ela decidiu seguir alguns preceitos
da religião. Também pelo amor à namorada, fez catequese, onde se preparou para primeira
comunhão e crisma. Desde o começo do namoro, parou de usar cocaína e “bebia bem
pouco” (sic). Depois de três anos de namoro, se casaram. Saulo não queria ajuda dos pais,
com dinheiro que os dois ganhavam, alugavam casa, pagavam todas as despesas.

Segundo Saulo, naquela época, ele não sabia como construir uma família e como
mostrar o seu amor à esposa. Não tinha exemplo na própria família, onde sempre precisava
lutar por si mesmo e nunca recebia cuidado. Na nova família, só reivindicava o amor da
mulher. Gostava que tudo fosse do jeito dele e “não abria mão da própria vontade”, com
ele “não tinha diálogo, não tinha meio termo” (sic). Precisava mostrar que ele tinha razão
e ele decidia. Se a mulher pedisse alguma coisa, ele até fazia, mas se sentisse que ela queria
impor a ele a sua vontade, não fazia. Começaram os desentendimentos e brigas. Não zelava
mais pela casa, culpando a mulher de querer o escravizar. Os problemas contribuíram para
ele voltar a beber e jogar jogos de azar. Gostava principalmente das maquininhas, onde
estava sozinho, desafiando a própria sorte. Logo depois, recomeçou cheirar cocaína, mas
desta vez sem controle.

A situação em casa piorou muito, quase não conversava com a mulher. Encontrando
as pessoas conhecidas, principalmente os pais da esposa, se sentia condenado, pela fala ou
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só pelo olhar. Comentava isso com a mulher e ela negava alegando que ele estava
inventando. Brigavam por isso. Como já antes não gostava de ser contrariado, agora, ainda
mais, reclamava que ninguém se deve meter na vida dele. Nervoso saia da casa e ia ao bar.
Não queria mais o casamento, mas por vergonha não queria voltar para casa da família.

Através dos pais da esposa, ficou sabendo da Fazenda da Esperança. Decidiu


internar-se, não confiando na própria força, mas pensando na possibilidade que Deus
poderia fazer milagre na vida dele.

4.3.3 Processo terapêutico

Na primeira conversa comigo, falava baixo, mas com uma convicção interna, dando
credibilidade à suas histórias. Culpando as pessoas e as situações, observava se eu estava
acreditando, como se estivesse querendo me convencer para as suas ideias. Parecia que tudo
o irritava, porém não queria mostrar os seus sentimentos e, tentando conter as suas
emoções, ficava tenso. Via tudo como negativo. Expressava as reclamações de modo muito
racional, querendo mostrar, de jeito mais objetivo possível, a sua razão.

Contou que sempre fora considerado como uma pessoa inteligente e criativa, com
muitas ideias. Entretanto, na Fazenda sente-se desprezado e não reconhecido. Não consegue
dialogar com outros internos, principalmente com os que são muito ignorantes. Depois de
algum tempo de nossa conversa, percebendo que fora acolhido e seguro, diminuiu a sua
defesa e abriu-se. Comentou que se sente mal, não acredita nem mesmo em si, na sua
própria força. O seu lado fraco, só podia mostrar nas conversas comigo e nunca mostrava
isso diante dos companheiros na Comunidade.

A nossa segunda conversa vai ser relatada mais para a frente. Para manter a ordem
do processo terapêutico, estou descrevendo, a seguir, os acontecimentos relatados no nosso
terceiro encontro.

Segundo Saulo, depois de estar alguns dias na Casa tentou se matar. Como me
contou depois, pegou uma faca na cozinha e foi para o meio do mato. Decidido de se matar,
começou a brigar com Deus. Perguntava-se revoltado: “Por que Deus não me ajuda? ”; “Por
que tantas pessoas conseguem superar as dificuldades e eu não?”; “Por que acontecem
milagres, que eu vejo na televisão, e comigo não acontecem?”; “O que eu fiz de tão grave
que Deus não quer me ajudar?” (sic). Depois de descarregar as suas mágoas, sentiu a
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presença de Deus e ficou mais calmo. Esse exato momento, Saulo identifica como uma
revelação e conversão. Apesar de que não tinha recebido resposta das suas perguntas, sentiu
que na Bíblia deve buscar as respostas de Deus e começou a lê-la.

Todo dia, nas horas livres, ia ao mesmo lugar “no mato”, onde se encontrou com
Deus, para lá ler a Bíblia. O trecho que, no começo, mais o animou era do primeiro capítulo
da Primeira Carta aos Coríntios: “Deus escolheu o que no mundo não tem nome nem
prestígio, aquilo que é nada, para assim mostrar a nulidade dos que são alguma coisa”
(BÍBLIA, 1Cor 1,28). Saulo identificou-se com a pessoa rejeitada pelo mundo e entendeu,
que para Deus ele tem valor. Desde então, procurou se empenhar mais no conhecimento de
Deus.

No nosso segundo encontro, já estava bem diferente, estava mais alegre, os olhos
dele brilhavam de ânimo, queria agir. Falou, que antes, via Deus como “Deus punitivo” e
agora encontrou ”Deus de amor”. Nas orações e missas, memorizava a palavra do dia,
frases, as leituras bíblicas, mostrando depois para os companheiros, que eles precisavam
prestar mais atenção; que todos precisam se dedicar mais para procurar a vontade de Deus;
que eles estão errados de participar nas orações e depois brigar, falar palavrões, etc. Disse,
que tem muita disposição de participar em todas as atividades da Casa, levantar, rezar,
trabalhar; tem prazer de “ajudar a ovelha perdida” (sic). Durante a conversa, eu estava
bastante desconfiado dessa grande mudança, com um pouco mais de um mês na FE. Depois
de encontra-lo, pela primeira vez, como pessoa depressiva, agora, diante de mim, estava
um rapaz muito empolgado.

No nosso terceiro encontro, Saulo conversou comigo contando sobre a sua


conversão, já acima mencionada, e a sua experiência de fé. Falava que está se
surpreendendo com as próprias atitudes de se preocupar com outro e esquecer de si mesmo.
Começou a praticar o amor o tempo todo, em todos os momentos, pensando o que Jesus
faria no lugar dele. Relatou que, ficando empático com outros internos e sentindo as dores
deles, dava-lhes a força e recebia agradecimentos. Antes preocupado com a sua própria
imagem e reconhecimento, era rejeitado; agora, espontâneo no amor, “sem medo de ser
feliz” (sic), era reconhecido, por ele mesmo, por Deus e, às vezes, pelos outros. Sentia a
proveniência divina e louvava Deus pela própria vida. Parecia estar orgulhoso de ter
conseguido encontrar Deus na sua vida, como disse, decidiu que vai “viver na luz de Deus’
(sic).
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Ponderava que muitos católicos são pessoas relaxadas na fé, que não se importavam
viver nos conceitos da religião. Que ele antes era assim. Agora, depois de “descobrir a
Fazenda”, “descobrir a religião”, começou realmente a viver a fé, “descobriu a verdade”,
lendo o Evangelho e precisa testemunhar. Disse que quando fez catequese, estava pensando
que era convertido, mas “vivia a religião só externamente e não por dentro”, “sabia que
Deus existia, mas não o procurava de coração”, “mostrava a sua fé por fora, mas realmente
não era essa pessoa” (sic).

Depois de passar três meses na FE, Saulo achou que estava pronto para sair, pois
agora precisava ir para dar testemunho da sua conversão, trabalhar numa igreja, ajudar ao
próximo. Tomou a decisão, depois de pedir a Deus uma palavra, que o ajudasse a
determinar o que deveria fazer. Nos próximos dias, leu na Bíblia, onde, no oitavo capitulo
dos Atos dos Apóstolos, Deus envia Felipe para evangelizar. Também leu a história de
Paulo, que depois da conversão, foi enviado para pregar o evangelho. Agora entendeu, que
realmente Deus o envia para evangelizar as outras pessoas.

Conversou com o responsável pela Casa, e com o padre, e decidiu que estava pronto
para sair. Pediu a um outro padre, o mesmo que o trouxe para FE e que era conhecido da
família da esposa, para morar na paróquia em troca de trabalho na igreja. Achou que assim
vai ficar mais perto de Deus e trabalhando na igreja vai o conhecer melhor, tendo muitas
oportunidades para fazer a Sua vontade.

4.3.4 Depois da saída da Fazenda da Esperança

Encontrei de novo com Saulo na FE depois de três meses da saída dele, quando,
junto com o padre que o acolhia, trouxe um adicto para Fazenda. Conversamos brevemente.
Estava muito animado, falando, que tem oportunidade de dar testemunho trabalhando com
padre na paróquia. Contou que fica muito emocionado quando, na missa, recebe a
eucaristia, às vezes fica chorando. Cada vez que faz uma caridade, uma bondade, vive a
experiência do céu. Disse que já conseguiu “tirar da rua” três rapazes e leva-los para FE.
Do jeito que falava, parecia fazer questão de mostrar que tinha razão, saindo da Fazenda e
que os outros deveriam segui-lo.

Um mês depois, Saulo voltou para FE porque tinha tido uma recaída, procurava se
recompor e tomar decisão sobre seu futuro. Segundo ele, na paróquia onde estava, ficou
fazendo muitas coisas e, como vivia ás custas da paróquia, sentia muita cobrança do povo.
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Participava nas diversas pastorais na paróquia, dava testemunhos nas escolas e diversos
encontros, fazia parte do grupo de liturgia e foi convidado para se tornar ministro da
eucaristia. Também começou a trabalhar e fazer faculdade.

Recaída e volta a FE

Segundo Saulo, ele “começou a viver muito na carne”. Ficava muito voltado ao
mundo. Admitiu que sentia a raiva e ódio diante da sua esposa, que quando ele estava na
Fazenda, arrumou o outro homem. Como relatou, “esqueceu que quem tinha de tomar conta
dos sentimentos era Jesus” (sic), não ele. Diante das dificuldades “se fechou e ficou quieto”
(sic), não procurou ajuda, achava que conseguia sozinho. Sem querer, voltou a ser
“o homem velho”, ficou cego. Foi ao bar, tomou cerveja, jogou na “maquininha”, usou
droga. Segundo ele, já durante o uso, ficou percebendo que estava fazendo mal. Sentia o
peso na consciência, uma voz interior que desaprovava sua atitude. No terceiro dia,
procurou ajuda e contou para padre, onde morava, sobre a sua recaída. O padre trouxe-o de
volta para FE.

Quando Saulo conversou comigo, parecia muito deprimido. Achava que estava
forte, mas passou por experiência de derrota. Pelas suas falas e gestos, mostrava que estava
vivendo um conflito interior. Falava sobre a luta do corpo, que é o lado negativo do ser
humano, contra o espirito, que é a parte positiva. Disse que “precisamos viver com pé no
chão e cabeça no céu” (sic). Percebi, que se referia à sua empolgação com a vontade de
evangelizar, esquecendo da existência do perigo. Culpava-se por não estar bastante forte e
resistir à tentação. Usava palavra “ele”, falando da força que o levou a recair.

Discorria que Deus conhece a fraqueza do homem e sempre quer o ajudar. Trouxe
a imagem do pai da parábola do Evangelho sobre o Filho Pródigo, porém, falando da
história, não usava a palavra “pai”, mas falava “Homem” (sic), no sentido de “chefe”. Na
sua fala, parecia, que, não conseguia ver Deus como pai amoroso, ou se identificava com o
Filho Pródigo e sua fala ao pai: “Pequei contra o Céu e contra ti; já não sou digno de ser
chamado teu filho” (BÍBLIA, Lucas, 15, 22). Quando perguntei como ele entende a questão
de culpa, Saulo discorria: “Tudo na vida depende da sua escolha, mas a graça de Deus é
para todos” (sic).

A sua volta para FE parecia ser um ato de expiação diante de Deus. Precisava arcar
com as consequências da sua decisão, recuperar os bens espirituais que perdeu, tirar das
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costas o peso de recaída e receber o perdão de Deus. A maior penitência para ele era assumir
o erro, dar razão aos, que antes o alertavam, que três meses na Fazenda é pouco tempo e
ainda não se está pronto para sair do processo de recuperação. Era mais fácil assumir uma
derrota diante de Deus do que diante das pessoas.

Entendeu que ainda não está bastante forte, que “tem seus defeitos”, que “precisa
melhorar”. “Conversão é todo dia, todo dia tem que fazer entrega, ofertar a sua vida para
Deus” (sic). Depois de sua conversão, sempre observava, ponderava e julgava as pessoas,
apontando os erros delas, definindo o que elas precisam e o que ele deve oferecer a elas,
num ato de amor. Agora percebeu que não tem direito de julgar os outros. Que precisa olhar
os próprios erros e não o dos outros.

Como a regra da Fazenda da Esperança determina que o acolhido não pode voltar
para a mesma comunidade, antes de seis meses após de abandono do tratamento, Saulo foi
transferido para outra casa da FE. Eu não segui mais acompanhar a sua história.

4.4 Caso de Sileno

Pessoa de classe social baixa, de 53 anos, casado, tem uma filha, participava por um
tempo na igreja evangélica, mas se declarava como católico (não praticante), usuário de
álcool.

4.4.1 As primeiras impressões

Quando encontrei Sileno pela primeira vez, parecia ser um velho morador de rua,
com cabelo grisalho espetado, barba não feita por alguns dias e de roupa muito velha. Na
nossa conversa, Sileno estava bastante fechado, tinha dificuldade de se movimentar e falar.
Com um olhar triste, comentou que não podia trabalhar, mostrando a perna toda preta do
joelho para baixo. Disse que o problema dele é álcool e que gosta de beber, porque quando
bebe, fica mais sociável e as pessoas gostam mais dele. Porém, não pode mais beber por
causa da saúde e que o médico deu a ele dois meses de vida. Fizemos oito conversas
terapêuticas, nas quais contava-me a sua vida e suas dificuldades.

4.4.2 História de vida

Sileno, alcoólatra de 53 anos, nasceu e foi criado em família católica. Moravam na


periferia de uma pequena cidade. Junto com os pais frequentava a capela, onde fiz
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catequese, recebeu primeira comunhão, o sacramento da crisma e, como jovem, ajudava a


dirigir os cultos. Com vinte anos, começou a trabalhar fora e cada vez mais se afastava da
comunidade e da igreja. Juntou se com mulher, que também era católica, tiveram uma filha,
mas não se casaram. No começo, iam juntos ás missas e celebrações, entretanto, com passar
do tempo se afastaram da comunidade, primeiro ele, depois ela. A única que continuou a
participar era a filha.

Como conta, sempre era fechado, trabalhava e cuidava de seu pai doente. Nesse
tempo não estava bebendo. Perto da casa dele, ficava um bar onde o dono era amigo dele.
Com quase 40 anos de idade, começou passar tempo no bar, bebendo. O bar era também a
“biqueira” e Sileno algumas vezes fumou crack, mas, conforme conta, não se viciou.
Percebendo que estava perdendo muito tempo no bar, decidiu parar. Foi convidado por um
amigo, que antes era traficante e vendia droga para ele, para participar na igreja evangélica.
Começou a frequentar a igreja, parou de ir ao bar e beber.

Depois de seis meses, devido a problemas que apareciam, ficava nervoso e voltou a
beber. Dessa vez bebia sem nenhum controle, pois, segundo Sileno, “na recaída é muito
pior” (sic). Nesse tempo, trabalhava em adega, onde, quando ficava sozinho, tomava quase
todas as bebidas que estavam lá: uísque, conhaque, pinga, vodca, vinho, cerveja, etc., como
dizia, juntando dava mais um litro por dia. Quando tinha 47 anos, começaram os problemas
de saúde. Foi internado no hospital com cirrose hepática. Devido às complicações, o médico
não quis fazer cirurgia e receitou remédios. Porém, Sileno não tomava medicamentos
prescritos, pois continuava bebendo e sabia que não deve misturar remédio com álcool.

Discorria que quando tomava ficava mais alegre, mais social, contava piadas, estava
mais solto. Quando voltava para casa, a mulher e a filha brigavam com ele, alegando, que
ele não podia beber, e não só por causa da saúde, mas também porque ficava mais bobo e
deixava-se enganar pelos outros. A mulher preparava para ele comida dietética por causa
da saúde dele. Sileno brigava com ela, reclamando que se sente preso, controlado, que não
quer que ninguém cuide dele.

Uma vez, Sileno foi convidado para participar no GEV (Grupo de Esperança Viva)
na cidade. Participou e, por causa dos testemunhos de alguns integrantes do grupo, pensou
sobre a internação na Fazenda da Esperança. Para sua decisão contribuiu o fato, de que,
nesse tempo, o médico deu para ele dois meses de vida, por causa do fígado e trombose,
143

que estava tomando conta da perna dele. A internação era o último recurso, que poderia
protegê-lo da morte.

4.4.3 Processo terapêutico

Chegou à FE muito acabado, estava com uma perna toda preta, não poderia ficar
em pé, caminhava com dificuldade, não conseguia se alimentar bem. Tinha dificuldades de
participar nas atividades; nas primeiras semanas, ficava sem trabalhar ou com trabalhos
artesanais. Ficava angustiado com tantas atividades, tantas rezas, missas, etc. Achava que
não ia aguentar, queria só ficar em paz no seu cantinho.

Irritava-se muito fácil com os outros internos, mais jovens, que gostavam de
bagunçar, faziam barulho, atrapalhavam a dormir. Algumas vezes, entrou na discussão e se
sentiu ofendido. No nosso segundo encontro, me falou: “As palavres doem mais que o
tapa”, referindo-se às palavras que o outro interno usou no confronto. Estava fechado,
resmungava e reclamava muito.

Falava que acredita em Deus e rezava, mas não sabe se Deus o escuta. Na oração,
às vezes fica fechado, não consegue pedir nada, acha que Deus está bravo com ele.
A relação de Sileno com Deus assemelhava-se a um casal, que está brigando em silêncio.
Parecia, que Sileno passava por uma luta interior diante da sua fé. Não sabia como
interpretar as suas derrotas, sentia que Deus o quer punir e, às vezes, vinculava a culpa dos
seus problemas a Deus.

Depois de três meses, começou a entrar na dinâmica da casa. Gostava mais de


participar nos momentos espirituais, orações e missas. Parecia uma pessoa muito sofrida e
rejeitada, porém, surgiram as mudanças, que mostravam uma maior identificação com a
obra e responsabilidade pelos outros internos. Como era uma das pessoas mais velhas,
alguns jovens abriram-se com ele, pedindo ajuda e conselhos, que oferecia com prazer,
sentindo-se bem com isso. Continuava a reclamar, mas agora baixo, não querendo entrar
em conflito. Diante de algum desentendimento com outros internos, “ficava na sua”.

Nesse primeiro momento, da recuperação, percebi claramente o descontentamento


geral do Sileno, baixa autoestima, dificuldades de dialogar. Ele tinha a sua opinião, mas
conformado que ninguém dava atenção a ele, preferia ficar quieto e não sofrer a rejeição.
144

Nos encontros com ele, trabalhamos sobre questões: como ser dono da própria vida, como
expor as próprias convicções e ser assertivo na conversa.

Os momentos de espiritualidade deram-lhe oportunidade para refletir sobre a vida,


voltar à relação com Deus, procurar força na oração, abrir os horizontes para futuro.
Começou a ler Bíblia e alguns livros espirituais. Reacendeu a sua fé, lembrou dos
ensinamentos catequéticos que recebia como jovem e, com isso, ajudava na partilha bíblica
na Casa.

Depois de meio ano, conseguia ficar mais tranquilo diante das “conversas fiadas e
provocações” (sic), começou a entrar nas brincadeiras. Sileno contava que a oração, as
missas e outros momentos espirituais dão para ele um grande alívio. Recorria a Deus com
prazer, “chorava calado” (sic) e saia da capela com uma “leveza de alma” (sic). Tinha mais
disposição, estava “com coração aberto” (sic), tanto para aceitar os acontecimentos, que
não dependiam dele, quanto para ajudar os outros.

Após nove meses, Sileno ficou como coordenador da casa. Quando era preciso,
conseguia chamar atenção dos outros, cuidando para não machucar ninguém com suas
palavras. Tornou-se uma pessoa que mostrava a própria opinião e ouvia os outros, sempre
procurando ajudar. Tinha um prazer em conversar e aconselhar. Usava as frases: “Quem
não se apega a Deus, não pode reclamar que Deus não o ajuda”; “Deus ama tudo mundo,
mas você precisa mostrar seu amor para Ele”; “Vai se apegar com Ele, oferecer o que pode
e Ele a você dá o que precisa”; “Deus vai tentar com você e você não vai fazer nada?” (sic).

Passando um ano, pediu para ficar mais um tempo na FE. Comentava que ali
conseguia ter a mente sempre ocupada. A sua religiosidade e seu apego à fé em Deus,
mostram-se nas frases: “Deus ensina a gente ter mais ânimo, deixar as coisas e problemas
para trás”; “Com Deus você acredita e você consegue”, “Lembrando o que estava no
passado, você quer buscar a vida nova, diferente, sóbria, ter amizades, viver as coisas, não
pensar na maldade, ódio” (sic).

Voluntariamente, ajudava na cozinha, preparava café, passava manteiga no pão para


outros acolhidos, sempre procurava conversar, dar apoio para quem precisava. Nas nossas
últimas conversas, comentava que o amor de Deus, que sentia, dava-lhe a força para amar
os outros e que, mais que ajudava, mais sentia satisfação de fazer a vontade de Deus.
145

Desde que Sileno saiu da Fazenda da Esperança, não tenho mais contato com ele,
porém, segundo as informações recebidas, ele está bem, participando na comunidade e no
Grupo da Esperança Viva.
PARTE III

ANÁLISE DOS DADOS


147

Capítulo 5

Religiosidade e processo de recuperação da dependência química

Veja, Álcool em Latim é “spiritus” e usamos a mesma palavra para a mais alta experiência religiosa assim
como para o mais depravador dos venenos. A fórmula benéfica, portanto, é: spiritus contra spiritum.

Da carta de C. C. Jung ao Bill W., cofundador de AA

Neste capítulo, avaliamos a forma da religiosidade, percebida pela posição e


vivência concreta na Fazenda da Esperança, dos quatro casos, à luz das teorias
apresentadas, ajuizando o seu papel na luta contra os vícios. Analisamos as alterações de
sentido geral da vida e modificações psíquicas, realizando três tipos de avaliações.
Ponderamos as mudanças no tratamento religioso: (1) na leitura existencial, (2) nos
métodos de enfrentamento, adaptados para o novo entendimento da realidade, (3) nos
objetivos gerais e sentimentos subjetivos, que levam a determinado nível da satisfação de
vida (cf. PARK, 1997, 2005; SILBERMAN, 2005; SPILKA, 2003).

Primeiro, através dos exemplos dos casos apresentados, mostramos as mudanças


psíquicas que acompanham o processo de identificação e seguimento religioso: as
ocorrências psíquicas no primeiro momento da adesão religiosa, a força motivacional
definida pelo caráter de apego a Deus, e as formas de explicações existenciais, que se
estabelecem pelas atribuições religiosas.

No segundo momento, apresentamos as convicções, que foram geradas por assumir


uma posição religiosa forte. Reconhecemos as crenças religiosas motivadoras,
determinantes no enfrentamento dos problemas, na busca: de significado, de domínio e
controle, de conforto espiritual e de proximidade com outras pessoas. Usamos a teoria de
enfrentamento religioso de Kenneth Pargament.

No final, procuramos, como, na prática, as crenças se revelam na posição concreta


do indivíduo. Analisamos os sentimentos subjetivos e emoções positivas diante das
alterações da religiosidade, as virtudes desenvolvidas e os relacionamentos interpessoais
suscitados pela postura religiosa subjetiva. Essa parte realizamos através dos conceitos da
psicologia positiva.
148

5.1 Transformações do sentido existencial pela religiosidade

William James (1995 [1902]) descreve a religiosidade, como um fenômeno, que na


sua intensidade pode alterar a percepção da realidade, levar à nova identidade e determinar
que os novos valores são assumidos. Para entender melhor as mudanças na vida das
pessoas, que aderiram uma postura religiosa, apresentamos o próprio processo, no qual é
assumida a religiosidade e junto com ela o novo sentido de vida.

5.1.1 Religiosidade como inspiração para mudança

A experiência religiosa é muito diferente de todas as outras experiências porque o


seu sentido vai além das expectativas naturais do indivíduo (AMATUZZI, 2000). Vários
autores, começando pelos clássicos, como: James, (1995 [1902]), Maslow (s. d.), Allport
(1950) e Frankl (1992 [1948]), citados no capítulo segundo, destacam que a experiência
religiosa intensa muda o jeito que as pessoas se percebem e se colocam no mundo. Apesar
de que tal experiência possa ser interpretada como uma revelação divina, uma descoberta
pessoal ou um insight15 psicológico, precisamos lembrar que a influência dessa experiência,
para quem passou por ela, alcança fortemente todos os aspectos de vida.

A experiência religiosa inspira uma mudança que pode acontecer de modo gradativo
levando a pessoa modificar seu jeito de ser ou na forma abrupta, sentida como momento de
conversão religiosa, o fenômeno que já conhecemos. Essa última forma de uma mudança
radical, encontramos em dois casos clínicos: de Jó e de Saulo.

A conversão religiosa de Jó aconteceu no presídio e era provocada pela experiência


do encontro com as pessoas religiosas e suas atitudes. O amor e cuidado que recebeu do
pastor e dos crentes na prisão, provocaram inicialmente uma curiosidade e uma abertura
para o novo seguimento. A pregação sobre o filho pródigo, provocou um tipo de insight,
que lhe ofereceu um novo olhar para sua vida e o inspirou para a mudança radical da sua
conduta. O tamanho da força da religiosidade era tão grande, que Jó afastou-se
definitivamente da criminalidade e conseguiu, por quinze anos, superar seu vício, adquirir
um bem-estar relativo e realizar a vida conforme seu ideal religioso.

15
Na psicologia, compreensão repentina, em geral intuitiva, de suas próprias atitudes e comportamentos, de
um problema, de uma situação. (cf. FERREIRA, 1986).
149

Depois da sua conversão, existiam ainda algumas tendências depressivas latentes,


que apareciam nos momentos de dificuldades e situações estressantes. Nesses momentos,
a religiosidade de Jó não era adequada para dar-lhe o devido suporte. Jó conseguia suportar
os problemas cotidianos, mas quando recaiu na drogadição, não era mais capaz de voltar
ao seu estado anterior, porque perdeu totalmente a autoestima, sustentada pela
religiosidade. Nesse momento, a religiosidade dele, que sempre lhe dava apoio, começou a
condená-lo. Em busca de resolução entrou na FE.

Saulo passou por experiência religiosa da mesma intensidade, quando, pensando se


matar, pegou faca e, no lugar deserto, no meio do mato, começou a brigar com Deus.
Conforme seu relato, esgotado pela luta interior, sentiu a presença de Deus. Era um
momento de conversão, quando se abriu para diálogo com Deus e consigo mesmo. Desde
então, mudou radicalmente.

Nos casos de Jó e de Saulo, podemos perceber que o processo de conversão era


antecipado por um descontentamento com vida que estavam passando. Confirmamos, junto
com Paloutzian (2005), que nesse momento, acontece uma demanda de reconstruir o
próprio sistema de significado, porque o antigo perdeu o sentido. Entretanto, o novo sistema
de significado raramente é perfeito e as pessoas precisam fazer os ajustes.

Nos casos de Hulk e de Sileno, não temos registros de a passagem por uma
conversão religiosa, entretanto, a religiosidade deles, no processo de recuperação na FE,
sofreu algumas mudanças.

Analisaremos a seguir todos os casos conforme teorias de desenvolvimento


religioso de Fowler (1992) e de Oser e Gmünder (1991), desde o começo, até o término do
processo terapêutico na FE.

Jó, depois da sua recaída, precisava reconstruir de novo seu sistema de significado,
a sua fé. Na FE, passou por uma transformação, ou, pelo menos, alguns reajustes da sua
religiosidade, que lhe proporcionaram base de autoconfiança, diminuição dos conflitos
internos por aceitando a sua fragilidade. A transformação da imagem de Deus punitivo, que
possuía antes, para imagem de Deus de amor, provocou a reinterpretação da sua fé e da sua
recaída.

Saulo, antes da sua conversão, possuía uma fé convencional, via Deus, como um
criador e legislador, que com sua onipotência pode fazer tudo, mas é distante e impessoal.
150

Através da sua conversão, conheceu um Deus próximo, cuidador, que quer a felicidade para
cada homem e sofre com desobediência humana. Transformou-se, de uma pessoa que
estava sempre descontente e reclamava de tudo, em um exemplo de dedicação para os
outros acolhidos na Fazenda. Ficou amoroso, sempre disposto a ajudar, primeiro nas
atividades e aberto para entender as dificuldades do outro. Sua fé começou a ter um grande
sentido para sua vida. Depois de três meses, decidiu sair da casa de recuperação para dar
testemunho da sua transformação.

Hulk ingressou na FE deprimido, abalado pelo sentimento de culpa e fracasso. Sua


fé só funcionava como uma “ideologia” do bem, que deve ser seguida para receber a graça
divina. Com o tempo na casa de recuperação, a fé começou a ter um caráter pessoal,
adquiriu um significado para a sua religiosidade. Obteve uma empatia maior com as pessoas
sofridas e aprendeu expressar as suas próprias dificuldades e fraquezas, porém, sem
totalmente aceitá-las. Infelizmente, não conseguiu superar sentimento da sua indignidade
diante de Deus.

Sileno, como Hulk, chegou à FE fechado e deprimido. Tinha uma fé em Deus, mas
com sentimento de vergonha e frustração. Deus estava distante, escondido, sem revelar a
sua face. No processo de recuperação aproximou-se de Deus, começou a confiar a ele a sua
vida e seus problemas. Com a força da devoção, aceitou a sua fragilidade e abriu-se para as
pessoas. Primeiro, a sua religiosidade começou a ter um significado, como uma forma de
entender o mundo, no segundo momento, a sabedoria divina tornou-se um jeito natural de
viver.

Resumindo, podemos dizer, que Saulo, Hulk e Sileno, quando chegaram na FE,
possuíam uma fé mais ou menos consistente, com as crenças e valores definidos, mas sem
uma posição própria em termos de sentido e com uma mentalidade de troca. Durante o
processo terapêutico, a religiosidade deles começou a ter um caráter individual, com um
pensamento crítico diante da sua própria identidade religiosa e com a fé de serem
instrumentos de Deus no mundo. Entretanto, o Sileno deu mais um passo, conseguiu
unificar as controvérsias da própria fé e da realidade vivida, diminuindo bastante seus
conflitos interiores. O mesmo, aconteceu com Jó, esse, porém, já chegou na FE com uma
fé individualizada e refletiva, com seu dever de servo de Deus. Na FE integrou a sua fé com
a vida e procurando, não só a fazer vontade de Deus, mas ser uma manifestação dele no
151

mundo. As mudanças da fé, durante o processo terapêutico na FE, são apresentados nos
quadros 5.1 e 5.2.

Quadro 5.1
Casos classificados conforme os estágios da fé de Fowler

Nome Estágio de fé antes de ingressar na FE Estágio da fé saindo da FE

Jó Fé individualizada e reflexiva Fé conjuntiva

Hulk Fé sintético-convencional Fé individualizada e reflexiva

Saulo Fé sintético-convencional Fé individualizada e reflexiva

Sileno Fé sintético-convencional Fé conjuntiva

Quadro 5.2
Casos classificados conforme os estágios da fé de Oser e Gmünder

Nome Estágio de fé antes de ingressar na FE Estágio da fé saindo da FE

Jó Mentalidade de troca com elementos Autonomia mediana com elementos


de Autonomia mediana de Religiosidade intersubjetiva

Hulk Mentalidade de troca Autonomia mediana

Saulo Mentalidade de troca Autonomia mediana

Sileno Mentalidade de troca Autonomia mediana

Junto com as mudanças acontecidas no processo de desenvolvimento religioso,


podemos observar o aumento de responsabilidade moral e estabelecimento de relações
interpessoais mais maduras. Analisaremos essas alterações segundo a teoria dos estágios
do desenvolvimento moral de Kohlberg (cf. CAMINO, 1998), resumidas no Quadro 5.3.

No momento da chegada na FE, os quatro casos apresentados possuíram uma


moralidade de nível convencional, aceitando a lei na forma de acordo social ou regras
152

religiosas. O tratamento religioso levou Hulk e Saulo de adquirir a consciência de dever


próprio diante das pessoas. Nos casos de Jó e Sileno, que chegaram na FE aceitar a sua
fragilidade e identificar-se com outros, a maturidade moral chegou a um estágio mais alto,
aos princípios éticos universais, ou seja uma consciência moral autônoma.

Quadro 5.3
Casos classificados conforme os estágios do desenvolvimento moral de Kohlberg

Nome Estágio moral antes de ingressar na FE Estágio moral saindo da FE

Jó Consciência da lei Princípios éticos universais

Hulk Consciência da lei Acordo social

Saulo Consciência da lei Acordo social

Sileno Consciência da lei Princípios éticos universais

Apesar das mudanças apresentadas, continuamos a ter em mente as fragilidades de


Saulo e Hulk. Saulo, recaiu já depois de só 4 meses de sua saída prematura da FE.
Entretanto, como foi usando droga só dois dias, e já no terceiro pediu ajuda, decidindo-se
internar novamente, podemos falar de um lapso. A sua religiosidade não era adaptada às
suas necessidades e não lhe deu apoio suficiente. Depois da saída da FE, ficou muito
entusiasmado e bastante atarefado com trabalhos na igreja, trabalho renumerado e os
estudos. Sem perceber, ficou esgotado e perdeu noção da sua fragilidade. Voltou para
Fazenda perdido, em procura de um suporte mais forte.

Hulk, saiu da FE, antes do tempo, ao pedido dos responsáveis, por não seguir as
regras da instituição. A imagem de Deus amoroso, mas exigente, continuava a provocar um
conflito interno. Entretanto, esse conflito está dando para ele um forte suporte. Com a
convicção de que não deve ser ingrato a Deus, um ano e meio depois da saída da FE,
continua sóbrio.

Conforme constatamos, a inspiração religiosa pode alterar a sua relação com o


mundo e levar à mudança psíquica, que torna o indivíduo mais orientado lhe a maior
responsabilidade. Vamos, a seguir, analisar o impacto da religiosidade sobre a motivação.
153

5.1.2 Religiosidade como forma de apego a Deus

A motivação é o motor para o funcionamento humano, que possibilita definir os


projetos e despertar as energias para sua realização. Allport (1950) destaca na religiosidade
a sua força motivadora para realização dos planos e adesão a um estilo de vida. Nos casos
apresentados, já percebemos essa força inspiradora. Desejamos ainda olhar por que e como
ela se forma. Apresentando a teoria de apego, mostramos que a religiosidade responde às
necessidades afetivas e, a relação estabelecida com Deus, manifesta o grau de segurança e
apoio, que a religiosidade pode oferecer.

Considerando os preceitos de Kirkpatrick e Shaver (1992), analisamos os tipos de


apegos estabelecidos com Deus, pelos casos estudados, nos momentos de dificuldades
ligadas ao uso de drogas. Não vamos avaliar se esse tipo de apago foi estabelecido de modo
similar ao apego estabelecidos na infância ou como uma compensação ao apego inseguro.
Vamos só ponderar, se o apego é seguro ou inseguro, se mudou no processo de tratamento
na FE, portanto, se a religiosidade realizou uma função auxiliadora para o indivíduo.

Jó, conforme seus relatos, depois da sua conversão, estabeleceu uma forte relação
com Deus. A sua recaída o mobilizou para procurar o auxílio na sua religiosidade, contudo
o sentimento da indignidade impediu-o de uma aproximação a Deus. Podemos avaliar, que
Jó chegou à FE com um apego forte a Deus, porém, inseguro, chamado por Hall (2007),
como apego temeroso. Durante do seu tratamento conseguiu mudar a sua relação com Deus,
alterando o entendendo da própria indignidade. Aceitou a própria fraqueza, como parte
humana, pedindo o apoio de Deus. Adquiriu um apego seguro na sua religiosidade.

Hulk, chegando à FE, possuía a fé em Deus, mas sem apego forte e, com certeza,
não era um apego seguro. Pelo fato, de Deus parecia-lhe distante, podemos concluir que
era um apego do tipo evitante. No processo de tratamento, aproximou-se de Deus, porém,
só conseguiu ver Deus na forma de próprio pai dele. Não se permitia de queixar diante de
Deus, falava que a reclamação é uma ingratidão a Deus. Provavelmente esta atitude era a
consequência da visão de Deus como pai, que preza um filho forte e não quer ouvir filho
chorando ou reclamando. Estabeleceu com Deus uma relação ambivalente, insegura, tipo
de apego ansioso.

Saulo, quando chegou à Fazenda, tinha visão de Deus distante. Falava que sabe que
Deus existe, mas não sentia a presença dele na sua vida. Esse tipo de apego podemos
154

chamar de distante ou evitante. Depois da sua conversão, contava, que Deus parecia estar
muito próximo, que sentia a presença dele na sua vida. Ponderava, que agora encontrou o
Deus de amor, ficou mais seguro na sua fé, buscando o auxílio de Deus, “Deus te dá força,
mas escolha é sua” (sic). Saiu da FE, parecendo possuir um apego seguro, porém, depois
de quatro meses recaiu. Quando voltou estava se condenando por causa de recaída. Parecia
que estava em conflito, mais pela própria insegurança do que por não confiar no perdão de
Deus. Podemos levantar a tese, de que tinha um apego seguro, com pequena dose de
ansiedade de merecer o amor de Deus.

Conforme os relatos de Sileno, quando chegou à FE, ele “estava brigado” com Deus.
Provavelmente, depois de tentar se recuperar, até mudando de Igreja, sentiu que Deus não
quer ajudá-lo. Podemos interpretar, que Sileno antecipa a rejeição de Deus, evitando o seu
envolvimento afetivo. Portanto, teria desenvolvido um apego forte, mas inseguro, do tipo
evitante. Durante o tempo de tratamento na Fazenda, mudou a sua visão de Deus, discorria:
“Com Deus você acredita e você consegue” (sic). A sua religiosidade tornou-se um porto
seguro, onde agora estava procurando apoio. Aderiu a um apego seguro.

Junto com as mudanças afetivas com Deus, estamos acompanhando as


transformações de relações diante de outros internos na casa de recuperação. Conforme a
teoria de Bowlby (2002), o tipo de apego, formado com as pessoas significativas, espelha-
se nas futuras relações com outros. Podemos levantar a hipótese de que a constituição do
sentimento de confiança diante de Deus no processo de recuperação, reflete diretamente na
abertura diante de outras pessoas. Desse modo, a religiosidade seria uma releitura das
experiências afetivas vivenciadas na infância.

5.1.3 Religiosidade como explicação existencial

As transformações psíquicas acontecem, na forma de respostas das perguntas que


se formam na mente humana. Vamos analisar, se nos casos estudados podemos observar
uma inquietação existencial e, se a religiosidade ajuda de construir as respostas. Seguindo
a teoria de atribuição, desenvolvida por Weiner (1979) e aplicada à religiosidade por Spilka,
Shaver e Kirkpatrick (1985), avaliamos três principais motivos de explicação: autoestima,
estabilidade e controle.

Jó, apesar de que possuía uma religiosidade bem atuante, na prática, ela não
conseguia responder de modo satisfatório os problemas encontrados. Buscava as resoluções
155

por outros meios, fez tratamento psiquiátrico e terapia no atendimento psicológico; tomava
remédios e até ficou internado, porém, não ficava satisfeito com tratamentos e resultados
obtidos. Buscou resolução pelo tratamento religioso numa comunidade terapêutica
evangélica, porém, também sem efeito. Decidiu ir para Fazenda da Esperança.

Percebemos que Jó chegou à FE com baixa autoestima, inseguro, desanimado por


não estar conseguindo controlar o próprio vício. Procurava responder à própria pergunta:
“Por que ele está usando droga e não consegue parar?”. No começo, não aceitava o seu
fracasso diante de Deus. A imagem de Deus amoroso e a nova percepção religiosa do ser
humano como pecador, ajudou-o a levantar sua autoestima. Concluiu que na sua fraqueza,
precisava confiar no Pai amoroso. Na busca pela estabilidade, procurava entender, como
garantir a segurança do futuro. Antes da FE, na sua explicação religiosa, percebia que estava
perdendo com as forças do mal. A nova visão religiosa, compreendeu que existência do
mal no mundo é natural e que, o que importa, para alcançar a felicidade, é a fé no plano de
Deus. Quando chegou à FE, tinha muito medo por não conseguir dominar o vício, apesar
das orações que fazia. Na recuperação aprendeu, que Deus, apesar de ser todo-poderoso,
nem sempre nos protege das dificuldades, mas que pela nossa escolha dia-a-dia, podemos
ter certeza de vencer.

Hulk, com a influência da mãe, decidiu procurar ajuda na luta contra seu vício, na
religião, pois, apesar de não praticar nenhuma religião, possuía uma forte fé em Deus.
As dificuldades dele de resolver as inquietações existenciais eram mais visíveis, tanto no
momento de chegada dele à FE, como também durante o tratamento. A sua posição
depressiva mostrava que estava totalmente perdido diante da própria fragilidade. Depois de
algum tempo na Casa, quando se aproximou de Deus, começou a ver nele o amor, porém,
continuava com sensação da própria indignidade. Com a imagem de Deus exigente, a sua
religiosidade não respondia: “Por que ele não consegue?”. Com a falta de resposta,
continuava com autoestima baixa. A busca pela segurança, também, no início era baseada
com a própria força e parecia ser condenado ao fracasso. Porém, a fé em Deus, adquirida
na FE, e em seu plano, assegurava a frágil esperança, que a vontade de Deus ia vencer.
Desde a chegada à FE, Hulk estava com muito medo de não conseguir dominar o seu vício.
No processo de recuperação, aprendeu que necessita confiar em Deus e no seu poder,
entretanto, provavelmente por não ter certeza de merecer, a percepção de controle
permanecia instável e ambíguo.
156

Saulo, chegou à FE muito desanimado. Sem a força própria, queria “testar” a força
de Deus. Não possuía explicação para sua impotência diante do vício; se sentia inseguro
com a imprevisibilidade do futuro; sentia, que não tinha controle sobre a sua vida. Tentava
segurar a sua baixa autoestima pela postura rígida, mas evidentemente não conseguia. Já
no começo de tratamento, passou pela experiência de conversão religiosa e desde então a
sua expectativa mudou. A explicação religiosa deu conta de todas as perguntas existenciais.
Pela crença no amor divino e que ele é escolhido por Deus, sua autoestima aumentou
bastante. Confiava, que agora, com Deus está seguro e, que com a divina providência,
consegue ter domínio sobre seu vício. Acreditava, que pelo cumprimento das suas
obrigações religiosas, de amar, rezar, evangelizar, etc., Deus o ia proteger. Com a força da
religiosidade, superava todos os medos existenciais. Infelizmente, depois de quatro meses,
recaiu e perdeu de novo autoestima, segurança e controle. Podemos arriscar a hipótese de
que as suas explicações existenciais religiosas não estavam bastante maduras e, com a
empolgação da sua fé em Deus, não estava preocupado suficientemente com seu lado
humano.

Sileno, como todos os outros casos, começando seu tratamento na Fazenda, estava
com autoestima muito baixa. Os testemunhos no grupo GEV despertaram nele a esperança
de encontrar a sua força na religião. Tinha medo do seu futuro, não só por causa do vício,
mas também pelo perigo de morte, anunciada pelos médicos. Não conseguia dominar a
situação, não via jeito, como resolver os seus problemas. Pela aproximação a Deus, pela fé
na sua misericórdia e seu amor, começou a vencer os seus medos. Cada vez mais confiava
em Deus, no seu amor, nos seus planos e na sua providência. Dizia: “Vai se apegar com
Ele, oferecer o que pode e Ele dá a você o que precisa” (sic). No final da sua recuperação,
comentava que estava vivendo a vontade de Deus. As respostas dos seus problemas
passaram pelo lento processo de amadurecimento e por isso parecem ser fortes.

Considerando os quatro casos clínicos, compreendemos que, para os dependentes


químicos, os elementos de explicação: autoestima, estabilidade e controle representam
principais problemas, com as quais eles se deparam. Intuímos que a compreensão subjetiva
do significado existencial é de máxima importância para o sucesso do tratamento de
recuperação dos vícios. Também encontramos os fortes indícios, em que a religiosidade,
pode preencher a sua sede de significado.
157

5.2 Métodos de enfrentamento

Depois de analisar como acontecem as mudanças psíquicas provocadas por uma


posição religiosa intensa, pesquisamos, como a força da religiosidade é aproveitada nos
momentos de dificuldades, e quais são as crenças que promovem a resiliência. Estudamos
os casos, de acordo com a teoria de enfrentamento religioso, principalmente avaliando as
suas dimensões apresentadas por Pargament, Koening e Perez (PARGAMENT et al.,
2000). Na avaliação, consideramos os seguintes tipos de finalidades: para encontrar
significado, para ganhar domínio e controle, para alcançar conforto espiritual, para ganhar
proximidade com outros. A última questão apontada por Pargament, como a busca para
conseguir uma transformação da vida, já foi investigada.

Apresentamos dois momentos de coping, primeiro, antes de receber o tratamento


religioso e, segundo, depois da mudança ocorrida na Fazenda da Esperança,

No início, analisamos os métodos de enfrentamento religioso para encontrar


significado. Depois, averiguamos, como acontece a procura por domínio e controle. Em
seguida, ponderamos a presença dos diversos elementos da religiosidade, que levam a
conforto espiritual e proximidade a Deus. No final, avaliamos a busca pelo apoio religioso
na relação com outras pessoas.

5.2.1 Em busca do significado

Segundo autores citados, que estudam coping religioso, a religião traz uma visão de
mundo em que existem as forças opostas nas quais o ser humano está envolvido. Por
exemplo, na religião cristã existe uma luta do bem e do mal, apresentada pelas forças
personificadas de Deus e do Diabo. Para encontrar o significado, que oferece apoio
religioso, acontece uma avaliação das situações estressantes, interpretando, como e essas
forças interferem na vida.

Adotando as conclusões de Pargament e seus colaboradores (ibidem), ponderamos,


seguintes os tipos reavaliações de enfrentamento dos problemas: benéfica, penal,
demoníaca e do poder divino.

Analisando o caso de Jó, percebemos que, já no momento da chegada à Fazenda,


havia o enfrentamento religioso, porém, confuso. Jó não conseguia vencer as forças
158

malignas e explicava isso com a sua fraqueza. Não entendia por que Deus não o estava
ajudando, se isso era uma prova ou uma punição.

Na FE, mudou a sua visão sobre si mesmo, sobre o castigo divino e sobre a ação de
Deus no mundo. Segundo Jó, Deus tem seu plano e tudo que acontece pode ser aproveitado
para o bem. Deus não castiga, mas as pessoas se castigam, quando não confiam no poder
de Deus. Quando alguém busca realizar o bem, com a força divina, pode derrotar o mal.

Compreendemos que Jó adquiriu a explicação benéfica dos problemas e mudou


entendimento de castigo, da ação do demônio, do funcionamento do poder divino,
aproveitando, de forma mais harmoniosa, todos esses elementos para encontrar o
significado.

Hulk

Antes de Hulk entrar na FE, o significado dos problemas, que a religião podia
oferecer, era o castigo de Deus ou as obras das forças do mal. Era bem claro para ele, que
não estava conseguindo vencer as tentações do mal, ao mesmo tempo, interpretava que
Deus não estava contente com ele.

Na casa de recuperação, aprendeu que Deus o ama, porém não poderia enxergar,
nas suas situações estressantes, alguma coisa boa. O demônio estava muito forte e ele
mesmo fraco. Aumentou a crença no poder divino e começou a se entregar à sua vontade.

Saulo

No caso do Saulo, não temos muito dados, que, antes de se internar na FE, passando
pelos problemas, usava a religião para encontrar o significado da vida. Os primeiros
indícios dessa busca, aparecem quando queria se matar. Já estava alguns dias na casa de
recuperação e acreditamos que isso despertou o uso de enfrentamento religioso. Sua
conversão foi antecipada pela reivindicação do poder divino e, sabemos pelas suas queixas,
que se sentia punido por Deus.

Depois da conversão, a religiosidade deu-lhe o pleno significado da sua vida. Difícil


encontrar nesse momento, os métodos concretos de enfrentamento, pois Saulo não relatava
as suas dificuldades, parece que não aceitava os problemas, logo, eles tinham seu
significado. Temos indícios que avaliava as situações difíceis como ação benéfica, ou como
influência do poder divino.
159

Depois da sua recaída, Saulo interpretava que a sua recaída era pelo poder do
demônio, de quem ele deixou de tomar conta. A história do Filho Pródigo, mostra que via,
junto com a sua recaída, uma força de Deus, que estava disposto acolhê-lo. Parecia fazer
uma leitura levemente positiva do seu erro pela possibilidade de isso fazer parte do plano
de Deus.

Sileno

Sileno decidiu se internar na Fazenda da Esperança por causa dos testemunhos que
ouviu no GEV. Olhava a sua realidade como uma derrota diante das forças do mal e,
acreditando no poder de Deus, viu na religião a sua chance de superação. Estava avaliando
que a sua situação poderia ser castigo pelas suas fraquezas e não sabia como aproximar-se
de Deus punitivo.

No tratamento na FE, pouco a pouco, abriu seu coração pelas orações e aproximou-
se de Deus. Compreendeu que, apesar das suas escolhas erradas, Deus o amava e pôde,
através dos erros cometidos por ele, levá-lo o caminho certo. Mudou a sua visão de punição
divina, avaliando-a, não mais como uma retaliação, mas como a consequência da escolha
humana, que pode servir para o bem.

Percebemos que as pessoas analisadas na pesquisa, ao passar pelo tratamento


religioso, aumentam seu leque de compreensão religiosa para explicar o seu anseio de:
“Como acontecem as coisas ruins?”. Seguimos o nosso estudo para avaliar o entendimento
religioso das pessoas, como dominar as dificuldades.

5.2.2 Em busca por domínio e controle

Ponderando os métodos religiosos para ganhar domínio e controle, olhamos o grau


do engajamento das pessoas e como elas entregam o domínio da situação estressante a
Deus. Segundo os autores citados (ibidem), existem cinco modelos de busca religiosa por
controle: enfrentamento colaborativo, adiantamento passivo, entrega ativa, súplica pela
intercessão e enfrentamento por direção própria.

Jó, já usava o enfrentamento religioso, antes de chegada à FE. Nessa etapa buscava
dominar as situações estressantes esperando que Deus desse-lhe força. Confiava em Deus,
porém, tinha dificuldade de confiar a Deus os seus problemas, por causa da vergonha que
160

sentia de não dar conta. Estava perdido, não sabendo onde buscar a força: “O que acontece,
depende de nós ou de Deus?” (sic). Por isso, o seu enfrentamento não era colaborativo, ou
esperava passivamente que Deus resolvesse os seus problemas, ou tentava mostrar a sua
própria força e resolver as situações por direção própria. Tentava entregar a sua vida nas
mãos de Deus, despreocupado das dificuldades, o que aprendeu na igreja e na clínica
evangélica, onde ficou por dois meses. Isso não dava resultados. Buscava, fora da religião,
fazer tratamento psiquiátrico, mas ficou decepcionado e o abandonou isso.

Na Fazenda, assumiu as suas dificuldades e abriu espaço para enfrentar os


problemas, juntando a sua força com o poder divino. Abandonou o adiantamento passivo e
começou a usar as formas colaborativas. Entendeu que precisava buscar as resoluções, mas
que sozinho era fraco e que existem situações independentemente dele, nas quais precisa
pedir ajuda de Deus ou até passar o controle para Deus resolver. No tratamento na FE, seu
leque de métodos de enfrentamento aumentou bastante.

Hulk

Hulk acreditava em Deus e, diante das derrotas, esperava passivamente que Deus
fosse mudar a situação. Assumindo a culpa, nem se aproximava de Deus para pedir ajuda.
Estava com vergonha e nem conseguia colaborar com Deus.

Depois de algum tempo na Fazenda, Hulk aprendeu que podia pedir de Deus a
intercessão. Começou mais intensamente a oferecer o controle dos seus problemas ao poder
divino. Por causa da vergonha, usava o enfrentamento colaborativo com muita resistência.
A religiosidade tornou-se uma forma mais visível na procura de dominar as situações,
porém, mais do tipo de entrega ativa e súplica.

Saulo

Antes de ser acolhido na casa de recuperação, Saulo estava totalmente fechado para
ajuda, seja por parte de pessoas, seja por parte de Deus. Discursava, que sozinho pode dar
conta de controlar a sua situação. Percebendo que não conseguia, decidiu passivamente
esperar pela vontade de Deus, internando-se na FE.

No momento de sua conversão, percebemos que usava súplicas a Deus, implorando


pela intervenção. Entregou ativamente a Deus o controle da sua vida, acreditando que era
o único jeito de vencer os seus problemas. Ao mesmo tempo, colaborava com Deus e, com
a sua força, começava a tomar as atitudes próprias, já sentindo em si mesmo o poder divino.
161

Sileno

Sileno não sabia como dominar as suas dificuldades e, apesar de que acreditasse em
Deus, não pensava sobre a possibilidade de seu próprio fortalecimento pela religiosidade.
Esperava passivamente por Deus: se Ele quiser, podia fazer milagres, mas deve ser que não
queria. Sileno se sentia abandonado.

Na FE aprendeu, que a confiança não é só simples entrega passiva. Compreendeu,


que o controle da situação depende do envolvimento pessoal e, assim Deus ajuda. Desde
então, rezava, pedindo a força. Acreditava que “precisava mostrar a Deus” (sic) o seu
envolvimento.

Nos casos apresentados, percebemos o aumento expressivo de enfrentamento


religioso para encontrar o controle e algumas mudanças, que levam as pessoas a um
autodomínio maior.

5.2.3 Em busca da orientação e conforto espiritual

O conforto espiritual pode acontecer como uma sensação de proximidade a Deus e,


assim, traz uma força psíquica. Analisamos alguns métodos de enfrentamento, como:
procura por apoio espiritual, foco religioso, purificação religiosa, conexão espiritual,
questionamento espiritual e estabelecimento os limites religiosos.

Jó, como pessoa religiosa, desde a sua conversão, buscava na religião a orientação
e conforto espiritual. Entretanto, nas situações estressantes, tinha vergonha de pedir apoio
a Deus ou procurar o seu amor. Em vez disso, pedia perdão por ser fraco, expressando
diante de Deus a sua insatisfação consigo mesmo. Quando recaiu, se sentia desprezível e
até a sua aproximação com Deus provocava o desconforto.

Na casa de recuperação compreendeu que Deus está com o ser humano sempre e,
principalmente, nos momentos de dificuldades. Começou a pedir a Deus ajuda e cuidado,
acreditando que podia vencer as próprias faltas através da ligação com o poder divino.
Solicitava a orientação na caminhada dia a dia. Reconheceu a importância de envolvimento
nas atividades religiosas, para obter a força espiritual. Os limites religiosos, que antes eram
externos e impessoais, agora se tornaram uma ajuda amiga. Dizia: “A pessoa precisa de
orientação e a religião a traz” (sic).
162

Hulk

Nas primeiras conversas com Hulk, percebi, que se sentia indigno de se aproximar
a Deus, sentindo-o como muito exigente. A única coisa que orientava Hulk eram os limites,
que a religião proporcionava. Com o tempo, a sua abertura, diante de Deus amoroso,
promoveu a procura pelo apoio espiritual e cuidado.

Nas atividades religiosas e orações, começou a sentir alívio e buscar perdão das suas
faltas. Continuava a demarcar fortemente os limites do seu comportamento, procurando
sempre a orientação religiosa. Mas, não poderia reclamar diante de Deus, pois “a ingratidão
a Deus é a pior coisa” (sic). Seu aproveitamento do enfrentamento para ganhar o conforto
espiritual era limitado.

Saulo

Saulo não tinha proximidade com Deus e, por isso, não procurava nele orientação
ou conforto espiritual. O único conforto, que experimentava, acontecia no uso de droga,
mas esse era momentâneo e, depois, só trazia desconforto. Chegando à FE, ouviu que devia
confiar em Deus e lhe oferecer a sua vida. Sentindo-se abandonado por todos e por Deus,
começou a reclamar e questionar com Ele. Buscou o apoio espiritual e recebeu.

Acreditou no poder divino e no seu amor. Envolveu-se nas orações e atividades


religiosas. Começou a sentir a presença de Deus o tempo todo e nele buscava o rumo da
sua vida, principalmente na sua Palavra. Não expressava mais o seu descontentamento e
reclamações com Deus, por acreditar, que Deus sabia o que era melhor para ele.

Sileno

A religiosidade de Sileno não lhe oferecia nem a proximidade com Deus, nem o
conforto espiritual. Apontava apenas algumas referências de comportamento e, por isso,
Sileno, apesar de que guardasse as mágoas, nunca fez nenhum mal a ninguém.

Na FE, descobriu a relação com Deus baseada no amor e na confiança. Começou a


fortalecer-se pela conexão com Deus, por seu apoio e pelos ensinamentos da Bíblia. “Quem
não se apega a Deus, não pode reclamar que Deus não o ajuda” (sic), observava. A sua
busca pelo conforto espiritual ficou fundamentada nós elementos positivos da
religiosidade: dedicação, vínculo afetivo com Deus e orientação religiosa de amor.
163

Compreendemos, que na FE, os acolhidos sentem uma aproximação maior com


Deus e, portanto, a sua religiosidade traz a eles um conformo espiritual mais amplo.

5.2.4 Em busca da proximidade com outros

Analisaremos o enfrentamento religioso para ganhar proximidade com outros


averiguando, na busca pelos seguintes elementos: apoio do clero ou membros da
comunidade, ajuda religiosa e questionamento religioso interpessoal.

Jó tinha vergonha de assumir os seus problemas diante das pessoas da igreja e, por
isso, seu enfrentamento religioso pela proximidade com outros irmãos era limitado.
Entretanto, lembrando do apoio que recebeu quando estava na prisão, sempre estava
disposto a ajudar, oferecendo ajuda e conforto espiritual aos outros.

Na FE, Jó abriu-se com seus problemas e, na relação com outros dependentes,


percebeu o valor da comunidade religiosa, como apoio espiritual. Aprendeu, que não devia
mostrar sua fragilidade para todo mundo, mas que era necessário ter pessoas próximas, com
quem pudesse partilhar as dificuldades e, até, expressar a sua insatisfação no desabafo.
Depois de sair da FE, abriu-se mais com seus problemas às pessoas da igreja.

Hulk

Hulk, devido à sua empatia, sempre procurava fornecer o apoio espiritual às


pessoas, mas não tinha muitos embasamentos religiosos para isso. Não era envolvido na
comunidade religiosa, não conhecia os padres ou pastores para confiar a eles os seus
problemas e diante dos conhecidos tinha vergonha de reclamar.

Na Fazenda Esperança, abriu-se muito para outros. Gostava de conversar com quem
o ouvia e buscava apoio com as pessoas de confiança. Começou a reclamar bastante e
criticar as atitudes que não achava certas, porém, não expressava os seus problemas ou
questionamentos religiosos. Tinha dificuldade de assumir a própria fragilidade e também
não aceitava erros dos outros.

Saulo

Antes de ingressar na FE, Saulo evitava aproximação com outras pessoas, sentindo
desaprovação e crítica. Não conhecia ninguém, a quem pudesse confiar os seus problemas
e dúvidas. Fechado para as pessoas, só criticava atitude dos outros. Na sua conversão,
164

entendeu que Deus quer que ele seja o instrumento do seu amor. Mudou radicalmente o
jeito de se relacionar.

Agora, ajudava a todos, preocupava-se, procurava aproximação. Buscava apoio nos


padres, porém, era tão convicto da base da sua fé que mostrava não precisar a orientação.
Ele agora orientava e dava testemunho sobre Deus. Nunca expressava a sua insatisfação e
não mostrava estar passando por alguma situação estressante.

Sileno

Sileno não usava métodos de enfrentamento religioso, para proximidade com outras
pessoas. Tinha autoestima baixa e evitava contato com outros, a não ser quando bebia.
Nesses momentos, ficava alegre e conversador. A bebida servia como modo de se abrir e
buscar aproximação.

No tratamento na FE, descobriu que podia ser sociável sem usar álcool; que com a
força da religiosidade, também conseguia ser alegre e aberto; que pode obter ajuda dos
outros e oferecer a sua; que no meio das pessoas da família, da igreja e da comunidade,
podia receber orientação ou desabafar, quando estivesse insatisfeito.

A busca religiosa pelo apoio das pessoas, baseia-se nos nossos casos na abertura
diante do próximo e no fato de que o amor de Deus se revela nas relações interpessoais.
Avaliamos que as pessoas analisadas buscam o apoio religioso para proximidade na medida
em que assumem as suas limitações pessoais.

Investigando as formas de coping religioso, percebemos, de modo geral, antes de


tratamento na FE, a dominação de formas negativas do enfrentamento, que refletem os
descontentamentos e são compostas pelas reclamações e expressões de insatisfação.
Concluímos que, no processo religioso de recuperação, aumenta a quantidade das formas
de enfrentamento, possibilitando receber o apoio mais amplo, nas mais diversas situações
da vida.

5.3 Bem-estar e felicidade

Os estudos da psicologia positiva (cf. SELIGMAN e CSIKSZENTMIHALYI,


2000ª; SOUTHWICK, 2011) procuram compreender diversas características do ser
humano, no nível subjetivo, individual e grupal, que levam a uma resiliência maior.
Observam, que as características, como bem-estar, a satisfação de vida e o olhar positivo
165

para o futuro. Várias habilidades individuais podem levar a melhor relação com outras
pessoas e ajudam criar as relações sociais satisfatórias.

Seligman (2002), apresenta três caminhos para satisfação da vida: prazer,


significado e engajamento, separando os níveis do bem-estar: subjetivo, individual e grupal.
Depois, junto com seus colaboradores (PARK, PETERSON e SELIGMAN, 2004)16,
acrescenta a importância das forças de caráter que abrangem as qualidades de
comportamento dentro e fora do grupo. No seu livro “Florescer” (SELIGMAN, 2011),
separa as questões de felicidade autêntica, com elementos: emoções positivas, engajamento
e sentido, da questão de bem-estar, onde acrescenta relacionamentos positivos e realização.
Podemos perceber que esses ambientes se difundem, um no outro, possuindo tanto
elementos conjuntos, quanto separados.

No começo desse capítulo, já apreciamos as questões de significado, por isso,


seguindo os modelos apresentados por Seligman e outros autores da psicologia positiva,
analisamos os nossos casos pesquisados, em três partes: emoções positivas, forças de
caráter e relacionamentos positivos, destacando a importância da família.

Nas emoções positivas, abordamos as questões de sentimentos de ganhos e perdas


referentes ao passado, as expectativas positivas e negativas para o futuro e o bem-estar no
presente. Nas emoções apresentadas, destacamos, no modo especial, os elementos: do bem-
estar - a realização, e da felicidade autêntica - o engajamento.

As forças de caráter, mostram as capacidades pessoais que contribuem para


realização pessoal e pelo seu reconhecimento e valorização, geram a satisfação de vida.

5.3.1 Emoções positivas

As emoções positivas são de máxima importância para a saúde mental, o que


tivemos confirmado (cf. AI, 2006; MOREIRA-ALMEIDA, 2006; KOENING, 2008).
A seguir, vamos analisar os sentimentos a relação: do passado - satisfação e realização,
do futuro - esperança e otimismo, e do presente – felicidade e engajamento. Na questão de
realização, analisamos sentimentos de ganhos, revelados pela gratidão e generosidade, e
perdas, se foram superadas pelo perdão. A esperança, avaliamos no sentido das crenças

16
Park, N.; Peterson, C.; Seligman, M. P. Strengths of character and well-being. In: Journal of Social and
Clinical Psychology, vol. 23, n. 5 (2004), pp. 603-619.
166

ilusórias e as expectativas positivas dentro da realidade. Na felicidade, entram elementos


de alegria e amor. No engajamento, incluímos os elementos de fluxo prazeroso de
pensamento (flow) e apreciação consciente, chamada de atenção plena (mindfulness).

Antes do processo de tratamento, o bem-estar de Jó baseava-se na gratidão e


generosidade, provenientes das experiências de acolhimento na prisão. Ajudava com prazer
as pessoas, grato a Deus pela sua conversão e possibilidade de começar a nova vida.
Contudo, quando recaiu, não se sentia apto de receber perdão de Deus e da comunidade.
Não estava satisfeito da sua conduta. Como pessoa de fé, baseava sua esperança no poder
divino, mas a realidade da própria incapacidade o desanimava. Com sua religiosidade,
sentia o valor do seu engajamento na comunidade e sempre aceitava os desafios sem medo.
Vivia o amor com as pessoas, porém, experimentava grande ansiedade diante dos próprios
erros e, por isso, não apreciava plenamente a sua dedicação.

Na casa de recuperação, se sentiu perdoado e com isso cresceu a sua autossatisfação.


Mudou a sua leitura dos acontecimentos do passado e a expectativa diante do futuro,
fundamentado mais na realidade. Se sentia realizado, percebendo, que tudo é um plano de
Deus. Aumentou seu gosto pelo seu envolvimento e leveza na realização das tarefas.
Podemos concluir que as suas emoções positivas aumentaram no processo de recuperação.

Hulk

Hulk, era uma pessoa amorosa, mas não parecia ser feliz. Sentia-se ingrato diante
dos pais e não conseguido perdoar-se dos próprios erros, também não se percebia realizado.
Reclamava da ingratidão dos outros diante da sua dedicação. Com a relação ao futuro, não
mostrava otimismo. Apresentava o amor pelas pessoas, mas não pela própria vida. O seu
estado emocional era muito instável, por isso, não percebia seu engajamento como algo
completo.

Na comunidade terapêutica, aprendeu ser grato e generoso, contudo, permaneceu


com sentimento de culpa, o que lhe impediu sentir a satisfação do passado. Aumentou a sua
esperança diante do futuro, na base da maior fé no poder de Deus sobre a sua vida. Estava
mais engajado na casa de recuperação, envolvia-se nas tarefas, contudo, não temos dados
para avaliar se fazia isso com plena apreciação. Parece que com suas emoções inconstantes,
sempre voltava uma sensação negativa diante da sua vida.
167

Saulo

No caso de Saulo, temos uma clareza das suas emoções negativas no momento de
entrada na FE. A sua leitura do passado era completamente negativa, não existia um
sentimento de gratidão e generosidade. Guardava as mágoas. Sensação do futuro também
era pessimista, com uma pequena esperança em Deus, como uma luz no fim do túnel.
Andava amargurado e revoltado com mundo.

Na casa de recuperação, passou pela conversão que alterou completamente as suas


emoções. Apresentava forte sentimento de gratidão, era generoso na sua dedicação com
irmãos, não apresentava anseio de culpa e parecia realizado. Olhava para o futuro sem
medo, com expectativa muito positiva. A sua crença transformava seu jeito de ver a
realidade só com sensações positivas. Estava muito animado e criativo, procurando realizar
as obras de amor. Envolveu-se completamente nas atividades, primeiro na FE e depois na
paróquia. Quando realizava as tarefas era totalmente engajado, sem pressão externa, sem
pensar nas dificuldades, aceitava os desafios. As emoções positivas de Saulo, diante de uma
projeção religiosa, floresceram completamente.

Sileno

No momento de chegada à Fazenda, estava esgotado pelas dificuldades. Não


mostrava as suas emoções. Nas conversas, ficava calado ou reclamava baixinho. Frustrado
e descontente da vida, olhava a realidade de jeito muito negativo. A única esperança estava
em Deus, mas Ele parecia estar muito distante. Ficava triste e desanimado, não conseguia
envolver-se nas atividades da casa. Até quando começou a fazer pequenos trabalhos, só via
coisas erradas, descordando dos outros.

Com o passar do tempo na FE, as suas emoções positivas começaram a aparecer.


A sua leitura dos eventos do passado mudou, com satisfação, contava as coisas vividas.
Enxergava os ganhos do passado, grato à Deus, a sua mulher, irmã e filha. Não guardava
os sentimentos negativos. Seu futuro via com otimismo, tendo a esperança que tudo daria
certo. Gostava de conversar, brincar, envolvia-se nos trabalhos. Apreciava momentos da
vida, sereno e tranquilo, esquecia as dificuldades. As suas emoções positivas tomaram
conta da sua vida.

Na análise dos casos, aparece o aumento das emoções positivas, como elementos
correlacionados com sentido religioso, que oferece o significado positivo de vida. Podemos
168

avaliar que as emoções positivas aumentaram expressivamente durante o processo de


tratamento na Fazenda Esperança.

5.3.2 Forças de caráter 17

As características pessoais possuem máxima importância para o bem-estar do ser


humano e o ajudam no funcionamento seguro e aprovado pelo seu ambiente sociocultural
(cf. SELIGMAN e CISKSZENTMIHALYI, 2000b). Procuramos ver se, com tratamento
religioso, essas caraterísticas são passíveis às alterações. Analisando a dinâmica das forças
de caráter, dos casos clínicos, queremos identificar as possíveis transformações.

Procuramos avaliar as seis principais categorias de virtudes e suas nuances,


identificadas por Park, Peterson e Seligman (2004): (1) sabedoria e conhecimento
(criatividade, curiosidade, amor de aprendizagem, perspectiva), (2) coragem (integridade,
bravura, persistência, vigor), (3) humanidade (inteligência social e emocional, amor,
bondade), (4) justiça (trabalho em equipe, honestidade, liderança), (5) temperança (perdão
e misericórdia, humidade e modéstia, autocontrole, prudência), (6) transcendência
(apreciação da beleza, espiritualidade, gratidão, esperança, humor).

Antes da sua internação na FE, não temos muitos dados sobre se Jó vivia com
sabedoria e conhecimento. Percebemos até uma certa resistência de lidar com as nova ideias
e pensamentos. Mais fácil foi-nos avaliar as suas forças de vontade diante dos obstáculos.
Jó relata que na recaída, não teve coragem de revelar o fato à sua mulher ou aos irmãos da
igreja. Não conseguia ser sincero, assumir a responsabilidade arriscando-se à de
desaprovação. Não possuía entusiasmo e energia para viver plenamente.

Conforme os relatos de Jó, depois da sua conversão na prisão, ele estava muito
sensível ao sofrimento dos outros. Gostava de cuidar e ajudar as pessoas, porém, muitas
vezes interpretava as necessidades alheias, o que outro precisava, através de próprios
valores. O senso de justiça, principalmente a honestidade, também era sempre a virtude
forte de Jó, mas faltavam-lhe elementos de sociabilidade para trabalhar bem em equipe.

A questão da temperança era forte, mas baseava-se no autocontrole através das


regras religiosas. Achava que não tinha direito de errar e diante dos deslizes, não sabia se

17
Nesse estudo a palavra “forças de caráter” tem o mesmo significado que “virtudes”.
169

perdoar. Era uma pessoa religiosa, com a espiritualidade que lhe fornecia um propósito
maior de vida, contudo, sua alegria dependia muito dos seus sucessos e derrotas.

No seu tratamento na Fazenda, o próprio Jó comenta que a mente dele se abriu para
contemplar as questões diferentes do seu pensamento antigo. Procurava ler diversos livros,
conhecer a vida dos santos da igreja católica e os diferentes tipos de espiritualidades.
Aceitava o valor das outras religiões e olhava para as pessoas sem preconceito, por
exemplo, os homossexuais. Aderiu a uma força de vontade, que o deixava firme diante dos
obstáculos. Não tinha mais medo de assumir a sua fraqueza. Vivia de todo o coração,
entusiasmado pela vida.

Seu amor estava mais aberto para procurar a suprir as necessidades das pessoas sem
ressalvas. Aprendeu a exercer a liderança, estimular os outros acolhidos na FE, para fazer
as coisas. Conseguiu não quadrar mais as suas emoções negativas e com prudência
expressar seus sentimentos. Graças a isso voltou ao equilíbrio emocional e melhorou
autocontrole. Aumentou a sua força espiritual através de melhor autoconhecimento.
Tornou-se pessoa mais bem-humorada.

Hulk

Hulk entrou na FE bastante abatido e desanimado. Sentia-se incapaz de mudar a sua


situação e, mais ainda, fornecer concelhos aos outros. Tinha medo diante de obstáculos,
reclamava e mostrava descontentamento, desanimando os outros. Não tinha entusiasmo e
vigor. Era sempre uma pessoa solidária e sensível às necessidades dos outros,
principalmente dentro da família. A maior dificuldade dele era o sentimento de que as
pessoas são ingratas e não respondem com mesmo amor.

O seu senso de justiça de Hulk era forte, porém, instável por causa das fortes
emoções. Não sabia trabalhar em equipe. Não dominava os próprios sentimentos, que saiam
sempre do seu controle, levando aos conflitos. Diante da pressão interna, não sabia regular
as suas ações, guardava os sentimentos ruins, que depois apareciam de modo impulsivo.
Gostava da natureza e desde início apreciava a beleza da Fazenda, sentindo nesse lugar a
presença de Deus.

Durante do tratamento da dependência química, Hulk ficou mais criativo, abriu sua
mente a novas ideias e gostava de aprender as coisas novas. Tornou-se mais animado e
passava essa animação para os outros internos, contudo, seu entusiasmo dependia do
170

momento, nas dificuldades desanimava. Aprendeu que devia amar os irmãos


independentemente da gratidão que recebe, porém, os seus sentimentos falaram mais alto.
Parecia que não conseguia amar a si mesmo na sua fraqueza, o que gerava instabilidade
emocional. Também, por isso, nas suas ponderações não conseguia ser imparcial, julgando
situações mais pelas suas emoções do que pela razão.

Na FE, aprendeu ter mais autocontrole sobre seus sentimentos, combatia a raiva e
mágoa com amor e misericórdia. Ficou mais prudente, tomando muito cuidado com suas
palavras e ações. A sua força da fé em Deus pai, que ama, mas fica decepcionado com erros
dos seus filhos, motivava-o para não desistir manter a esperança e sempre ser grato. Não
conseguiu aceitar as ambiguidades existenciais.

Saulo

Segundo Saulo, ele sempre era considerado uma pessoa inteligente. Desde o começo
da sua estada na FE, gostava de dar palpite e corrigir outros, entretanto, o seu conhecimento
não gerava soluções, mesmo para os próprios problemas. Ficava desanimado diante das
dificuldades. Não se interessava para ajudar, estava preocupado demais com consigo
mesmo para reconhecer as necessidades das outras pessoas. Reivindicava a justiça só para
si ele, não conseguindo assumir a visão do grupo.

A sua maior dificuldade era dominar as próprias vontades e emoções. Ficando


irritado facilmente, colocava-se em situação de risco. Guardava ódio e raiva, pensando em
se vingar. Não possuía um propósito maior da sua vida e as suas esperanças se
concentravam no imediato. Duvidava que as coisas positivas na vida dele pudessem
acontecer independentemente dos seus atos. A sua fé em Deus só brotou no momento
extremo de desespero, quando queria se matar.

Depois da sua conversão na FE, Saulo tornou-se uma pessoa muito criativa,
ajudando, com facilidade, resolver os diversos problemas na Casa. Abriu-se para dominar
as novas habilidades e conhecer novos assuntos. A sua força de vontade aumentou
imensamente, as dificuldades não lhe desanimavam, era persistente, enfrentava os desafios
cotidianos com entusiasmo e energia. Aprendeu a trabalhar mais em equipe e praticando a
compaixão, tornou-se um líder, capaz de fazer os outros mais envolvidos.

Apesar da sua impulsividade, conseguiu abandonar os sentimentos negativos,


voltando-se para amor e misericórdia divina. Era mais prudente nas suas atitudes. Mantinha
171

o seu ânimo através da fé em Deus, que lhe dava o sentido para vida e entusiasmo para
viver o Evangelho, como ensinava a Fazenda. Seu otimismo sustentava todas as atividades,
de jeito, que começou a esquecer dos problemas reais.

Sileno

No momento do seu ingresso na FE, Sileno estava muito fechado e não mostrava as
suas virtudes. Era difícil perceber nele algum tipo de sabedoria. Pelo contrário, mantinha
mente fechada às novas experiências e perspectivas. Só o fato da existência dos obstáculos,
gerava nele o desânimo. Começava a resmungar e perder o resto da coragem para enfrentar
a vida.

Não possuía uma capacidade de dar e receber amor. Sentia-se injustiçado pela vida,
porém, se considerava uma pessoa honesta. Era exigente com outros, ficava bravo diante
dos erros cometidos por outros acolhidos. Guardava sentimento de mágoa quando alguém
o feriu. Não controlava as suas emoções, mas as escondia. Não possuía um sentido maior
da sua vida, sentia-se bem com aceitação dos outros, porém, na maioria das vezes, se sentia
desprezado. Em relação ao futuro, era muito pessimista.

O tempo de tratamento na FE trouxe uma grande mudança na sua maneira de lidar


com a vida. Abandonou os preconceitos e, aberto para as novidades, começou a ser uma
referência de sabedoria na Fazenda. Não só sabia dar conselhos, mas fazia isso na forma
autêntica, sem pretensão, expressando seu pensamento sem restrições. Ficou mais animado,
tornou-se uma pessoa mais sensível diante dos sofrimentos dos outros, mostrando
compaixão e gentileza.

Aprendeu a trabalhar em grupo, responsabilizando-se pelo andamento da Casa, em


alguns aspectos, como, por exemplo, as celebrações religiosas, tornou-se uma liderança.
Adquiriu uma facilidade de aceitar falhas, próprias e dos outros, com isso, ficava mais
sereno. A sua fé em Deus, deu-lhe uma sensação de estar dentro de um projeto maior de
vida.

Percebemos que muitos preceitos religiosos são analógicos às forças de caráter


apresentadas na psicologia positiva. As seis grandes virtudes são quase idênticas às quatro
virtudes cardinais, que fazem parte dos ensinamentos doutrinais da Igreja Católica, segundo
qual:
172

As virtudes humanas são disposições estáveis da inteligência e da vontade, que


regulam os nossos atos, ordenam as nossas paixões e guiam o nosso procedimento
segundo a razão e a fé. Podem ser agrupadas à roda das quatro virtudes cardiais:
prudência, justiça, fortaleza e temperança (CIC, 1993, n.1834).
Das quatro, justiça e temperança são iguais, a prudência corresponde a sabedoria e a
fortaleza a coragem. A humanidade e a transcendência fazem parte do “maior
mandamento” cristão: amar Deus e ao próximo.

Podemos concluir que os ensinamentos religiosos correspondam as emoções


positivas e, nos casos apresentados, a sua prática aumenta o bem-estar. Ao mesmo tempo,
podemos verificar, que os valores religiosos assumidos no processo de tratamento
fortalecem os elementos motivacionais para abandono do vício.

5.3.3 Família e relacionamentos positivos

Os relacionamentos, grupos de amigos e, principalmente, a família têm grande


influência sobre drogadição. Esses elementos se tornam mais decisivos na adolescência,
quando jovens buscam a suas escolhas através dos modelos encontrados e identidade
grupal. A maioria dos dependentes químicos começa a usar drogas nessa faixa etária. A
família disfuncional é considerada como um fator de risco para drogadição e as drogas
tornam a família a sua primeira vítima e potencializam a sua desestruturação. Contudo, a
família funcional constitui um fator de proteção contra uso das substâncias químicas (cf.
FIGLIE et al, 2009; RAPIZO, 2012; SILVA, 2012).

O vínculo afetivo existente na família também pode fornecer o apoio para


dependente químico, no momento de recuperação. Percebendo a importância das emoções
positivas e as forças de caráter, sabemos que, em grande parte, elas são profundamente
ligadas com as relações familiares. O dependente químico, para sua permanência sóbria,
precisa o bem-estar proveniente do ambiente de regras claras e autodisciplina, junto com
amor, confiança e corresponsabilidade, e, conforme Sanchez (et al, 2004), a religiosidade
familiar pode oferecer esse espaço.

A atmosfera da casa Fazenda da Esperança Bom Jesus, apresentada no capítulo três,


pode ser considerada como um ambiente familiar. Através da religiosidade, ela tem a
mesma tarefa, que a família e serve como modelo para relações saudáveis. A própria obra
lança um espírito familiar e motiva os acolhidos para tratar um a outro com familiares. Os
173

elementos como generosidade, perdão, engajamento, gratidão etc., estão presentes nos
propósitos da FE.

Dos quatro casos analisados, todos conseguiram, através de convivência “familiar”,


nesse ambiente religioso, envolver-se nas atividades da comunidade, desenvolvendo senso
de generosidade e gratidão. Dando atenção para os outros internos, diminuíram o anseio
dos próprios problemas e perceberam, a importância de ajuda recebida das outras pessoas.
Aparentemente, os três casos: Jó, Saulo e Sileno alcançaram o sentimento de perdão,
reconhecendo a fraqueza própria e dos outros e transformando suas emoções negativas em
boa vontade. O único Hulk, permaneceu atormentado com próprios erros, porém mantendo
forte espirito de compaixão com outros.

Não possuímos dados sobre o retorno dos nossos casos para as suas famílias e dos
relacionamentos vivenciados depois de recuperação. Porém podemos confirmar a
existência dos novos meios para uma convivência melhor.

A Fazenda da Esperança convida sempre os que não estão vivendo nas casas de
recuperação, a participar nos grupos GEV. Isso é uma proposta para manter os laços de
amizade no meio das pessoas que tem o mesmo propósito de se manter sóbrios, mas
também para os seus familiares, para incluir ativamente a família no processo de
recuperação e manutenção da abstinência.

David Myers (2000), destaca a necessidade de pertencer a um grupo, como proteção


contra sentimento de solidão e isolamento. Mantendo os laços sociais as pessoas sentem-se
apoiadas e tem oportunidade dividir as suas opiniões, sem medo de serem rejeitadas. Com
amigos mais próximos, familiares e cônjuges podem compartilhar seus pensamentos mais
íntimos, canalizando os seus problemas e frustrações. Sem essa possibilidade, diante das
dificuldades, a vulnerabilidade aumenta significantemente.

Lembramo-nos do Jó, que associa a sua recaída a impossibilidade de compartilhar


os seus anseios, até com esposa e os membros da igreja, diante da exigência social que deve
de ser forte e dar exemplo aos outros. A situação parecida aconteceu na vida do Saulo, antes
de sua recaída. Nos dois casos, que acabam com fracasso e recaída, percebemos a procura
de auxílio divino, sem contar com ajuda dos próximos. Outros dois, Hulk e Sileno, antes
de ingressar na FE, também rejeitando ajuda alheia, não conseguiram o êxito na sua luta.
174

Segundo Peterson (2000), a religião possui um valor muito grande para satisfação
de vida, pois além de oferecer o significado existencial, fornece o sentido de pertencimento
e apoio social. A religião, geralmente é praticada em comunidade onde o indivíduo sente
apoio espiritual de “almas gêmeas”, que são ligadas entre si pelo mesmo espirito de amor.
Na comunidade, as pessoas podem confrontar e direcionar a sua fé, alimentando as suas
convicções e comprovando, para si mesmas, as suas certezas existenciais.

Na concepção de Rizzuto (2006), a religiosidade oferece mais um elemento de


autossatisfação, que é um sentimento de pertencer ao grupo privilegiado e escolhido por
Deus. Esse aspecto é percebido principalmente nos casos de Jó e Saulo, que sentem uma
profunda necessidade de evangelizar, convidando as pessoas a fazer parte dos discípulos
de Jesus.

A religiosidade é um dos mais fortes elementos na prevenção de dependência


química, não só no aspecto do sentido, mas também, como forma de engajamento, emoções
positivas e orientação moral. A pessoa envolvida na sua religião tem oportunidade, não só
participar nas atividades religiosas, mas também nos encontros sociais, festas, palestras e
fazer parte dos diversos grupos. O ambiente religioso é considerado como base de uma
moralidade forte, onde as exigências de comportamento protegem jovens da drogadição.
Principalmente, o clima religioso na família, na comunidade e nos diversos grupos, traz
uma pressão positiva e funciona na base de educação afetiva (PEREIRA, 2010).

Ponderando a questão de relacionamentos positivos, percebemos através do nosso


estudo, que os conceitos religiosos aprendidos pelos acolhidos na Fazenda da Esperança
inspiram para arquitetar relacionamentos saudáveis, resgatando os valores familiares e
comunitários.

A psicologia positiva, destacando a importância da convivência para bem-estar e


crescimento pessoal, traz a valorização dos ensinamentos mais tradicionais de todas as
culturas e inseridos nas concepções religiosas.
175

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Nada de esplêndido jamais foi realizado,


exceto por aqueles que ousaram acreditar,
que algo dentro deles era superior às circunstâncias.
Bruce Barton (escritor americano – 1886-1967)

A pesquisa desenvolvida, apresenta duas buscas: uma, dos dependentes químicos,


na procura da sobriedade através da religiosidade, e a do autor, na procura de
esclarecimento dessa possibilidade. A busca do pesquisador foi evidentemente provocada
pela primeira, na intenção de contribuir, em alguma parte, com aqueles que estão
procurando libertar-se do vício.

Ademais, não era intenção, de propósito, apresentar os números e estatísticas, que


com certeza têm suas importâncias, mas mostrar o dependente químico, como uma pessoa
comum, igual de qualquer outra, que na sua história perdeu o sentido de viver, ou seja, a
droga o aprisionou, impossibilitando qualquer realização pessoal. Se, para ser liberto, o
indivíduo precisa acreditar no poder superior, é porque o poder que o escraviza é também
sentido como superior a ele.

O intuito da presente tese era apresentar a individualidade de cada pessoa, a sua


história, suas angústias e sua singularidade. Os quatro casos escolhidos, alguns muito
instáveis emocionalmente, seja por consequência do uso das substâncias psicoativas, seja
pelas outras razões, que em seu desespero, decidem, abandonar o seu mundo e em busca
das resoluções dos seus problemas, longe dos seus queridos, internar-se por um ano num
lugar deserto. A única coisa conhecida nesse lugar é Deus e nele as pessoas depositam a
sua confiança.

Na hipótese inicial o amadurecimento religioso foi considerado como fonte de


sentido existencial e das forças psíquicas, com quais um dependente das drogas tem
possibilidade maior de abandonar o vício e proteger-se melhor da recaída. As constatações
apresentadas já parcialmente comprovam o cumprimento da tarefa.

Com as observações clínicas e baseando-se nas grandes autoridades da área, foi


constatado, que as transformações de religiosidade levam uma mudança significativa de
sentido e aumentam as forças psíquicas positivas. Do outro lado, analisou-se, que as
176

mudanças religiosas nem sempre conseguem ajudar na superação das fragilidades pessoais,
como no caso de Hulk, ou podem ser instáveis, sujeitos de declínio, como no caso de Saulo.

Para investigar a eficiência e a durabilidade de tratamento religioso, deve-se fazer


uma pesquisa muito mais complexa e quantitativa, o que não era a pretensão deste inquérito.
A Fazenda da Esperança, como instituição, considera a fragilidade pessoal e as recaídas
como parte da natureza humana. A proposta de doze meses de acolhimento não está
concentrada só na abstinência, mas impulsiona para realização o processo complexo de
mudança dos hábitos e da mentalidade. Na opinião do autor, esse seria um caminho
apropriado.

Em primeiro lugar, porque a religiosidade possui um poder curativo, para as dores


existenciais, o que foi mostrado na pesquisa, e, em segundo lugar, porque ela pode ajudar
assumir a própria fraqueza e levar a melhor integração psíquica, o que apareceu
evidentemente nos casos de Jó e de Sileno. A metodologia do tratamento na Fazenda
Esperança, pela forma da religiosidade vivenciada no amor e nas atitudes altruístas, pode
não ser perfeita, mas auxilia para sentir maior realização e felicidade.

No mundo cada vez mais secularizado, a religiosidade tende de ser vista como um
elemento arcaico, que precisa ser superado. No campo científico, costuma ser banalizada
ou ignorada. Na psicologia clínica, é vista como um elemento privado e reservado, colocada
junto com as convicções políticas e ideológicas nas quais o psicólogo clínico não deve
entrar (cf. CPF, 2014, Art. 2º, “b”).

Nesse ambiente hostil, é impossível propor a religiosidade como um método


terapêutico, o que até postularam alguns psicólogos humanistas, ou incluir ela diretamente
nas políticas públicas, o que também já acontecia no passado. Este projeto não propõe esse
tipo de atitudes, pela razão que a religião não pode ser tratada como uma técnica ou um tipo
de serviço social. A religiosidade tem a sua própria forma de auxílio, que apela para
elementos transcendentes, que só funcionam pela fé e doação espontânea.

Entretanto, percebendo a grande dificuldade das autoridades e profissionais das


diversas áreas de lidar com os problemas de drogadição e os dependentes químicos,
o presente estudo oferece algumas propostas: (1) incluir as questões existenciais no
tratamento, estimulando a procura de sentido; (2) valorizar os elementos da escolha
consciente, lembrando que a mudança acontece pela busca; (3) fornecer para os
177

narcodependentes oportunidades de engajamento e atividades que os levam a


autovalorização; (4) respeitar as convicções e atitudes religiosas, até essas que parecem
alienar o indivíduo; (5) abrir espaço às diversas instituições religiosas, credenciando a sua
autonomia no tratamento da dependência química.

Sabendo, que essa pesquisa colabora não só no campo da Psicologia da Religião,


mas também, pelos estudos de bem-estar, no campo social e da saúde, incluindo as
psicoterapias, como autor, estou com um sentimento de tarefa comprida. Espero, que essa
tese possa contribuir para o melhor entendimento do tratamento religioso dos dependentes
químicos e que instigue para novas investigações.
178

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ANEXOS
194

ANEXO 1

TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO PARA PESQUISA

Caro Amigo,
Solicito sua colaboração e participação na pesquisa sobre a importância da
religiosidade no processo de recuperação de dependentes químicos, que faz
parte da minha tese de doutorado pelo Programa de Pós-Graduação em
Ciências da Religião na PUC São Paulo, sob a orientação do prof. João Edênio
dos Reis Valle.
Após ser esclarecido sobre as informações a seguir, no caso de aceitar fazer
parte do estudo, assine ao final deste documento, que está em duas vias. Uma
delas é sua e a outra é do pesquisador responsável.
Desde logo fica garantido o sigilo das informações. Em caso de recusa você não
será penalizado de forma alguma.

INFORMAÇÕES SOBRE A PESQUISA:


Título do Projeto: A importância da religiosidade no processo de recuperação
de dependentes químicos: o Atendimento Psicoterápico dos
adictos internados na casa de recuperação de cunho
religioso.
Pesquisador Responsável: Wojciech Mittelstaedt, CRP: 06/99753, aluno do
Curso de doutorado pelo Programa de Pós-
Graduação em Ciências da Religião na PUC São
Paulo
Telefone para contato: (TIM/WhatsApp): 11 970167234

O objetivo da pesquisa é observar e identificar às transformações da


religiosidade acontecidas no processo de recuperação dos dependentes
químicos, assim como identificar as motivações e práticas religiosas por eles
utilizadas na luta contra a dependência. Os dados dar-se-á através de
atendimento clínico, da escuta terapêutica, como também entrevistas e
questionários, sendo utilizado, para tal, um questionário elaborado pelo
pesquisador, que contém tais instrumentos como: Escala de Religiosidade da
Duke – DUREL e Escala de Autoestima de Rosenberg. Além de dados
mencionados, coleta será realizada com o uso das variáveis dos dados dos
sujeitos de pesquisa, como: sexo, idade, escolaridade, ocupação, estado civil,
renda familiar e tempo de permanência na casa de recuperação.

Wojciech Mittelstaedt ___________________________


Nome do pesquisador Assinatura
195

ANEXO 2

CONSENTIMENTO DA PARTICIPAÇÃO DA PESSOA COMO SUJEITO

Eu, _____________________________________, brasileiro, RG:


______________, abaixo assinado, concordo em participar da pesquisa "A
importância da religiosidade no processo de recuperação de dependentes
químicos: o Atendimento Psicoterápico dos adictos internados na casa de
recuperação de cunho religioso", como sujeito.
Fui esclarecido de forma clara e objetiva, livre de qualquer constrangimento ou
coerção, pelo pesquisador sobre a pesquisa, os procedimentos nela envolvidos,
assim como os possíveis riscos e benefícios decorrentes de minha participação
e, também, foi permitido o acesso ao referido projeto.
Concordo, que os dados coletados, depois de organizados e analisados,
poderão ser divulgados e publicados, ficando a autor comprometido com a
apresentação do relatório de pesquisa para as instituições, nas quais será
realizado o trabalho.
Foi-me assegurada a garantia do anonimato e o caráter privativo das
informações fornecidas exclusivamente para o estudo, e que posso retirar meu
consentimento a qualquer momento, sem que isso leve á qualquer penalidade ou
interrupção de meu acompanhamento/tratamento.
O presente termo, não se constitui em vínculo obrigatório e irreversível ou
quaisquer outras formas de risco a sua pessoa. A qualquer momento seu
parecer positivo de participação, poderá ser ratificado.

_________________, _____ de ________________ de 2016

Nome: _____________________________________________

Assinatura: ____________________________________
196

ANEXO 3

TERMO DE CONSENTIMENTO INSTITUCIONAL PÓS-ESCLARECIDO

O ____________________________________________________________
CNPJ _________________________________________________________
declara consentir a realização da pesquisa científica intitulada "A importância da
religiosidade no processo de recuperação de dependentes químicos: o
Atendimento Psicoterápico dos adictos internados na casa de recuperação de
cunho religioso", um estudo de autoria do doutorando Wojciech Mittelstaedt, sob
a orientação do Prof. João Edênio dos Reis Valle. (PUC/São Paulo).
Afirma ter ciência que os procedimentos consistirão na aplicação, pelo
pesquisador, de questionário de múltipla escolha e auto aplicado, adictos
internados na casa de recuperação da referida instituição.
As respostas e resultados serão analisados, com posterior redação do trabalho,
de tal forma que as pessoas que responderem as questões não sejam
identificadas, portanto será mantido sigilo sobre a identidade dos respondentes.

_________________, _____ de ________________ de 2016

Representante legal

Nome: ________________________________________________________

Ass/carimbo: ___________________________________________________

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