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Programa de Pós-Graduação – PPG
Docente: Flávio Schmitt
Componente curricular: Teologia Bíblica – 2017/2
Discente: Mauro Luiz Ferreira Silva
Resumo de MÍGUEZ, Néstor Oscar; RIEGER, Joerg; SUNG, Jung Mo. O império e a
transcendência In Para além do Espírito do Império: novas perspectivas em política
e religião. São Paulo, SP: Paulinas, 2012. p. 91-143.
Segundo Jung Mo Sung, a hipótese básica de Hardt e Negri em seu livro O Império é
a de que [...] a soberania tomou nova forma, composta de uma série de organismos
nacionais e supranacionais unidos por uma lógica ou regra única. Esta nova forma global
de economia é o que chamamos de Império.
O capital exige [...] não um poder transcendente, mas um mecanismo de controle que
reside no plano de imanência.
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Hardt e Negri concluem não haver, no Império, transcendência; não perguntam sobre
uma nova forma, mas simplesmente decretam o fim da transcendência juntamente
com o fim ou o declínio do Estado-nação.
Mas... Será este o caso? O Império global não é controlado por instância
transcendental?
Para Hardt e Negri, o controle imperial opera por três meios globais e absolutos:
Há, portanto, um valor superior, a liberdade, que justifica o uso de poder militar.
Mas, De um ponto de vista não imperial, na perspectiva das vítimas, todo poder é
resultado imanente das relações produtivas e sociais, mas do ponto de vista dos
dominadores eles são ou podem ser considerados transcendentes.
Edward Said, no prefácio de 2003 ao seu livro Orientalismo, afirma que Todos os
impérios que já existiram, em seus discursos oficiais afirmaram não ser como os outros,
explicaram que suas circunstâncias são especiais, que existem com a missão de educar,
civilizar e instaurar a ordem e a democracia, e que só em último caso recorrem à força.
[...] o sofrimento humano, em toda a sua densidade, é eclipsado.
Presidente George W. Bush, discurso em West Point, 2002: A América não tem nenhum
Império para expandir nem utopia para estabelecer. Desejamos para os outros só o que
desejamos para nós mesmos – proteção contra a violência, as recompensas da liberdade
e a esperança de uma vida melhor.
crianças morrerem todos os dias de doenças facilmente evitáveis e tratáveis. Essa pobreza
é uma afronta moral a todos nós e essa razão tão somente força nossa resposta.
Ou seja, a Pobreza dos países pobres significa risco para a segurança global!
Ainda que isso pareça secundário à questão moral, não é essa a ideia no corpo do
documento do Ministério da Cooperação Internacional! As razões do sistema
antecedem a questão moral: Nosso futuro está entrelaçado com o das pessoas ao redor
do globo que lutam para assegurar democracia e direitos humanos [...] O fracasso para
alcançar um significativo progresso político, econômico, social e ambiental no mundo
em desenvolvimento terá um impacto no Canadá, no longo prazo, no que concerne à
nossa segurança e à nossa prosperidade.
Por trás do discurso aparentemente ético está o motivo prático: a preocupação com a
segurança da ordem global.
Para Alan Greenspan, ex-presidente do Banco Central dos EUA, e uma das pessoas mais
influentes no mundo econômico e financeiro, o restabelecimento no último quarto de
século dos mercados abertos e do livre-comércio arrancou da pobreza acabrunhante
muitas centenas de milhões de pessoas. Para ele, o que marca o último quarto do século
passado é a redescoberta do capitalismo de mercado, após a expansão do
intervencionismo estatal entre 1930 e 1970.
Para Joseph Stiglitz, economista ganhador do Prêmio Nobel de Economia, com o fim
da Guerra fria, a importância de economia de mercado foi reconhecida e os governos
puderam deixar de lado as batalhas ideológicas em torno da opção capitalismo x
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Para Stiglitz, os EUA falharam, pois, livres da competição para ‘conquistar as mentes e
os corações’ do Terceiro Mundo, os países industriais avançados criaram um regime de
comércio global que ajudou os seus interesses especiais empresariais e financeiros e
prejudicou os países mais pobres do mundo.
Ainda que o mercado livre não impere livremente no mundo, pergunta-se pela
possibilidade de que isso ocorra. Para Greenspan, ’o mundo plenamente globalizado’ –
o mundo do mercado total -, é algo impossível de ser alcançado. Ou seja, é um conceito
transcendental em dois sentidos:
b) [...] está além da história humana. Isto é, não pode ser factível.
A razão da impossibilidade, o motivo pelo qual, como diz Greenspan, [...] nunca se
alcança vitória definitiva na batalha pelo capitalismo, não está no caráter
transcendental do conceito ‘mundo plenamente globalizado’, mas na natureza
humana: a aversão ao risco, que o livre-mercado competitivo exacerba [...]. Há culpados
pela não realização da plenitude: são pessoas e povos que não são capazes de vencer
a sua natureza humana ou superar os velhos preceitos religiosos de compaixão aos
pobres, por isso não são capazes de se adaptar à dinâmica do mercado livre, a
verdadeira liberdade [...].
Para Hayek, Agir na crença de que possuímos o conhecimento e o poder que nos permite
formar os processos da sociedade inteiramente do nosso gosto – conhecimento que, de
fato, não possuímos – provavelmente nos prejudica bastante.
Quando as ações sociais planejadas a partir de boas intenções são vistas como
geradoras da crise econômico-social, só nos restam dois caminhos. Um é assumir uma
posição niilista radical e defender a impossibilidade de se ter um mundo melhor. Outro
caminho é crer e esperar que a solução dos problemas econômicos e sociais virá dos
efeitos não intencionais promovidos por um sistema econômico intrinsecamente
benfazejo, isto é, o mercado e a sua ‘mão invisível’ providencial.
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Hayek, no último livro da sua vida, A arrogância fatal [...], procura justificar esse ‘salto
de fé’ apelando para a ideia de que a evolução biológica e cultural produziu ‘uma
ampla ordem de cooperação humana, mais conhecida pelo pouco afortunado termo
‘capitalismo’’, que, ‘longe de ser fruto de desígnio ou intenção, deriva da incidência de
certos processos de caráter espontâneo.
Para Hayek, A ordem extensa nunca teria chegado a surgir se não tivesse sido ignorada
a recomendação de que todo semelhante seja tratado com o mesmo espírito de
solidariedade que se dedica a quem habita o entorno mais próximo [...] a todos interessa
que nossas relações interpessoais se ajustem a essa outra normativa que corresponde à
ordem aberta, isto é, a esse conjunto de normas que regulam a propriedade plural e o
respeito aos pactos livremente estabelecidos e que ao largo do tempo foram
paulatinamente substituindo a solidariedade e o altruísmo.
Hayek reconhece que esse processo não foi fácil, pois significou rompimento com
valores morais e estruturas sociais que propiciam mais segurança e estabilidade social
e produziu resultados sempre pouco gratos ao ser humano – e sobre cuja validade e
intrínseca eficácia nada sabia [...]. A não deliberada, relutante e até dolorosa submissão
do ser humano a tais normas facilitou a ditos entornos sociais a necessária coesão
graças à qual seus membros acederam a um nível superior de bem-estar e
conhecimento de diversas espécies, o que lhes permitiu ‘multiplicar-se, povoar e
encher a terra’ (Gênesis 1:28). Quiçá seja este processo a faceta mais ignorada da
evolução humana.
Ora, se os grupos humanos não sabiam do valor e doa efeitos desses hábitos morais
pouco gratos aos seres humanos, como eles foram assumidos e transmitidos
culturalmente?.
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Hayek introduz aqui o papel da religião. Para ele, certas crenças míticas foram talvez
necessárias para conseguir esse efeito.
Milton Friedman, Prêmio Nobel da Economia em 1976, diz mais diretamente: [...]
subjacente à maior parte dos argumentos contra o mercado livre está a ausência da fé
na liberdade como tal.
Tal uso da ‘fé’ como argumento ‘científico’ é uma das características dos
fundamentalistas religiosos. [...] a expressão ‘fundamentalismo do mercado’ não deve
ser entendida somente como uma metáfora, mas como uma chave de leitura da
economia contemporânea.
[...] como Greenspan pode, baseado na generalização que faz dos acontecimentos
passados, afirmar que o mercado livre é uma ‘força do bem’? Além da redução da noção
do bem a uma abstração formal do aumento quantitativo do valor monetário, ele se
baseia na sua fé no mercado.
Mas uma visão mítica da ‘mão invisível’ do ‘mercado plenamente globalizado’ não
serve para os propósitos do Império nem para dar certeza sobre a veracidade e a
validade do conceito transcendental assumido a partir de ‘salto de fé’, ou então, para
justificar a boa sensação de ser membro de um povo escolhido para uma grande
missão.
Robert Kagan afirma que [...] os americanos sempre acreditaram terem descoberto o
segredo da felicidade humana e desejavam exportá-la para o resto do mundo. A
diferença entre a Europa e os Estados Unidos estaria na disposição norte-americana de
usar, unilateralmente se necessário, o poder militar para exercer a sua missão. O comum
aos dois é o sentido de missão.
[...] a ideia que se tem uma missão diante das outras culturas nasce do processo de
construção de sua identidade cultural de cunho narcísico, da afirmação de sua
excepcionalidade, que transforma suas conquistas e seus ideais em ideais universais que
devem ser buscados por ou impostos sobre todos os povos.
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Charles S. Maier, que utiliza expressões como ‘Império por convite’ ou ‘Império
consensual’ para se referir à atual ordem imperial, diz: Impérios funcionam em virtude
do prestígio que irradiam, bem como pelo poder, e na verdade, desmoronam se confiam
apenas na força [...].
David Harvey, um crítico do atual processo de globalização, diz que [...] Boa parte do
resto do mundo tem sido levada a embarcar política, econômica e culturalmente na
globalização por meio da americanização [...].
Por isso, o padrão de consumo objeto de imitação é, por definição, não acessível para
todos. A busca incessante para acompanhar esse padrão que sempre está se movendo
para frente só tem sentido na medida em que há outros que vão ficando para trás no
caminho. É a essência da competição.
Os que não conseguem atingir o padrão de consumo mínimo exigido pela comunidade
são vistos como ‘consumidores-falhos’. [...] Como diz Baumann: [...] os ‘excluídos do
jogo’ (os consumidores falhos [...]) são exatamente a encarnação dos ‘demônios interiores’
peculiares à vida do consumidor.
A segunda contradição está no fato de que o padrão de consumo que se toma como
referência não é sustentável ecologicamente [...] uma visão do planeta que não é
redondo, limitado, mas plano e expandindo de modo infinito [...].
A terceira contradição tem a ver com a questão cultural. [...] Os europeus e os norte-
americanos não são os únicos povos orgulhosos de sua identidade cultural; há muitos
outros povos que também são orgulhosos de sua tradição cultural e que, em nome
dos seus valores religiosos ou culturais, resistem e combatem essa ‘expansão’ cultural
que, no final das contas, os classifica sempre como inferiores ou atrasados.
Aqui entra a coerção, dos mais variados tipos, e o uso da força bruta.
Fukuyama [...] diz que as democracias liberais, para se defender dos totalitarismos que
estavam destruindo em massa as populações civis e dos recursos econômicos, ‘foram
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Hayek diz que a solidariedade humana é um instinto primário que deve ser apagado
nas sociedades mais complexas como a nossa. [...] os ideólogos do mercado totalmente
livre defendem o fim do que eles chamam de ‘paternalismo’ e a introdução de uma
nova espiritualidade compatível com o espírito do Império. Roberto Campos, um ex-
ministro da economia do governo brasileiro afirma que a modernização pressupõe uma
mística cruel do desempenho e do culto da eficiência.
Os ídolos, na tradição bíblica, são os deuses que exigem sacrifícios de vidas humanas.
[...] a relação que a sociedade mantém com a sua noção de transcendência é ou não
sacrificial? [...] O nosso desafio [...] é como construir uma noção de transcendência que
nos oriente na interpretação da realidade e na nossa ação que não seja sacrificial, que
seja humanizante e nos ajude na construção de uma ordem social mais humana, justa
e sensível aos sofrimentos das outras pessoas e de outros povos.