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Paidéia

maio-ago. 2011, Vol. 21, No. 49, 273-278

Relato de experiência profissional


Criando contextos ecológicos de desenvolvimento e direitos humanos para
adolescentes1
Ana Paula Lazzaretti de Souza2
Luciana Dutra-Thomé
Eva Diniz Bensaja Dei Schiró
Camila de Aquino Morais
Silvia Helena Koller
Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre-RS, Brasil
Resumo: Neste estudo descreve-se a aplicação do método de Inserção Ecológica em um programa de intervenção para edu-
cação em direitos humanos e protagonismo juvenil para adolescentes em situação de vulnerabilidade social. A criação de um
microssistema constituído pelos participantes e pela equipe executora do programa resulta em mudanças positivas de com-
portamento e respeito às regras, entre outros. Estas transformações surgem em consonância com a proposta da Abordagem
Bioecológica do Desenvolvimento Humano, sobre a influência do ambiente. Este estudo reforça a importância da aplicação
dos resultados em políticas públicas e sociais.
Palavras-chave: métodos, desenvolvimento do adolescente, educação, direitos humanos.

Creating ecological contexts of development and human rights for adolescents


Abstract: This paper describes the application of the Ecological Engagement method in an intervention program for human
rights education and agency, targeting adolescents in situations of social vulnerability. A new microsystem was built and was
possible to identify social changes in the participants’ behavior, respect for the rules, etc. These changes were consistent with
the proposed approach of the Bioecological model of human development on the influence of environment. These findings
reinforced the importance of applying the results in public and social polices.
Keywords: methods, adolescent development, education, human rights.

La creación de contextos ecológicos del desarrollo y derechos humanos


para los adolescentes
Resumen: Este artículo describe la aplicación del método de Inserción Ecológica en un programa de intervención para
educación en derechos humanos y protagonismo juvenil, dirigido a adolescentes en situaciones de vulnerabilidad social. La
creación de un nuevo microsistema resulta en cambios positivos en el comportamiento, respecto por las reglas, entre otros.
Estos cambios surgen en consonancia con la propuesta del enfoque bioecológico para el desarrollo humano y la influencia del
ambiente. La realización de este estudio refuerza la importancia de aplicar los resultados en las políticas públicas y sociales.
Palabras clave: métodos, desarrollo del adolescente, educación, derechos humanos.

A Inserção Ecológica é um método de investigação no A Abordagem Bioecológica do Desenvolvimento Huma-


qual os pesquisadores se inserem no contexto natural dos par- no (ABDH) propõe-se a compreender os fenômenos do de-
ticipantes (Cecconello & Koller, 2003). Contextos naturais senvolvimento, ao longo do ciclo vital, em uma perspectiva
influenciam no desenvolvimento dos indivíduos, pela estabi- histórica, cultural e interacionista. O ambiente ecológico foi
lidade nas relações, respeito à hierarquia de poder e presença descrito por Bronfenbrenner (1979/1996), como um conjunto
de laços afetivos e reciprocidade. Este relato de uma expe- de estruturas concêntricas no qual a pessoa se insere. É uma
riência de pesquisa-intervenção baseia-se em programa de sequência de eventos que envolve a transformação biológica
educação em direitos humanos e protagonismo para adoles- do organismo pelo ciclo vital. A relação da pessoa com o am-
centes em situação de vulnerabilidade social, realizado com biente é multidirecional e concomitante, ambos se influenciam
o método de inserção ecológica. e desenvolvem (Bronfenbrenner & Evans, 2000).
O modelo de desenvolvimento, com base nas dimen-
sões processo, pessoa, contexto e tempo (PPCT), foi propos-
to como produto do intercruzamento destas (Bronfenbrenner,
1
Este texto foi revisado seguindo o Acordo Ortográfico da Língua 1979/1996). A percepção do desenvolvimento-no-contexto
Portuguesa (1990), em vigor a partir de 1º de janeiro de 2009. O programa
de intervenção Juventude em Cena foi financiado pelo Ministério da (Cecconello & Koller, 2003) inclui vários níveis de análise
Educação (MEC - Editais Proext 2007 e 2008). da influência do ambiente no processo de desenvolvimento,
2
Endereço para correspondência: que serão descritos a seguir.
Ana Paula Lazzaretti de Souza. Rua Ramiro Barcelos, 2600, sala 104.
CEP 90.035-003. Porto Alegre-RS, Brasil. E-mail: (1) Pessoa: as características biológicas, físicas e psicológi-
anapaula.lazzaretti@gmail.com cas em interação com o ambiente são tanto produto quanto

Disponível em www.scielo.br/paideia 273


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produtoras do desenvolvimento e influenciam os processos Método


proximais por sua demanda, recurso e força (Bronfenbrenner,
1993, 1995; Bronfenbrenner & Morris, 1998). Programa de educação em direitos humanos
(2) Tempo: cada processo desenvolvimental particular e único
é influenciado pelo tempo, pelas políticas e pelos valores do- O Juventude em Cena foi criado como um programa
minantes. Indivíduos e grupos da mesma geração partilham de ensino, pesquisa (aprovado pelo Comitê de Ética em
histórias de vida e experiências (Bronfenbrenner, 1988). O Pesquisa do Instituto de Psicologia da UFRGS/Protocolo
desenvolvimento é compreendido como um processo marca- nº 2008/017) e extensão, com foco em preparar adolescen-
do pela constância e transformação (Bronfenbrenner, 2005). tes para o enfrentamento das adversidades sociais dos seus
(3) Contexto: o microssistema ou ambiente imediato da pes- contextos e estimular a participação ativa na vida política e
soa – trabalho, casa, creche – propicia interações face a face, social da sua comunidade. O conteúdo do programa de ca-
com estabilidade e reciprocidade, para promover os proces- pacitação foi elaborado de acordo com os princípios da Con-
sos proximais. Mesossistema é a inter-relação de micros- venção dos Direitos da Criança (ONU, 1989) e Estatuto da
sistemas. Exossistema é um sistema no qual a pessoa não Criança e do Adolescente (ECA) (Lei No. 8.069, 1990) com
participa, mas recebe sua influência. Macrossistema reúne base nos três “Ps” – provisão, proteção e participação. Esses
aspectos sociais, culturais, crenças, valores e ideologias dos princípios regulam o desenvolvimento da criança, a partir
demais (Bronfenbrenner, 1979/1996). da provisão das suas necessidades, da proteção contra negli-
gência e diversas formas de violência, além da participação
(4) Processo: o padrão de interação da pessoa com o ambien- nas decisões sobre suas vidas (Verhellen, 2000). Oito eixos
te que engloba outras pessoas, objetos e símbolos é definido transversais embasaram a intervenção: direitos da criança e
como processo proximal, ou seja, é o motor do desenvol- do adolescente, identidade, solidariedade, cidadania, saúde,
vimento (Bronfenbrenner, 1995; Bronfenbrenner & Morris, risco e proteção (violação de direitos, projetos de vida, in-
1998). Estes são fundamentais para a criação de novos mi- cluindo escola, família e trabalho), políticas públicas, pro-
crossistemas. tagonismo juvenil/participação social. A teoria dos Quatro
(5) Inserção ecológica: o desenvolvimento acontece pelo Pilares da Educação para o Desenvolvimento Humano tam-
estabelecimento de processos proximais em um contexto bém serviu de subsídio: “aprender a conhecer”, “aprender
de uma pessoa, envolvendo seu tempo histórico e processos a fazer”, “aprender a conviver” e “aprender a ser” (Delors,
proximais (Cecconello & Koller, 2003). 1998; Hassenpflug, 2004).
Neste relato de experiência, foi dada uma nova pers-
pectiva acerca da inserção ecológica pela criação de um Participantes
novo microssistema, inexistente na história anterior dos
participantes, mas que permitiu o estabelecimento de re- O programa iniciou, em 2008, com 70 adolescentes, de
lações estáveis, recíprocas e face a face. Pesquisadores/ ambos os sexos, com idades entre 12 e 18 anos. Os partici-
equipe de intervenção e participantes em processo de de- pantes eram integrantes de programas sociais e compareciam
senvolvimento aplicaram um programa de educação em di- à intervenção acompanhados por técnicos da rede de prote-
reitos humanos. Anteriormente, inserir-se ecologicamente ção infanto-juvenil de seus municípios de origem, que fazem
consistia na ação de deslocar-se para o contexto no qual parte da Região Metropolitana de Porto Alegre-RS.
se propunha o estudo (Aquino-Morais, 2008; Cecconello,
2003; Morais, 2009; Vasconcelos, Yunes, & Garcia, 2009). Procedimento
Tanto participantes quanto pesquisadores vivenciaram um
espaço de transição ecológica para novos papéis, pois, ao Foram realizados 10 encontros quinzenais ao longo de
mesmo tempo em que estavam inseridos ecologicamente cinco meses. Os encontros consistiram em instrumentali-
no microssistema, o construíam. zação teórica, com uso de filmes e exposição das temáticas
Os processos proximais foram centrais para partici- como cidadania, protagonismo, direitos tanto para os técni-
pação em atividades comuns mantidas com base regular cos quanto para os adolescentes. Em seguida, os adolescentes
de tempo, progressivamente mais complexas, despertando participavam de dinâmicas em pequenos grupos. O fecha-
atenção e interesse de todos, com reciprocidade e disponibi- mento dos conteúdos trabalhados baseava-se em reflexão
lidade e foco comum na educação para os direitos humanos. sobre as atividades, e todos tinham espaço para expressar o
As supervisões regulares permitiram a discussão e a busca que haviam aprendido, visando à integração e conclusão ob-
de soluções, avaliação do trabalho e estudo de casos indivi- jetiva da atividade. O trabalho com os técnicos possibilitou
dualizados. Foi espaço ecológico de compartilhamento dos que se tornassem mediadores dos adolescentes no processo
sentimentos e percepções vividos pela equipe e participan- de protagonismo, eles proporcionaram a comunicação entre
tes. O objetivo deste relato é, portanto, apresentar uma nova a equipe executora com os adolescentes no dia a dia na co-
maneira de utilizar o método da inserção ecológica, a partir munidade, constituindo-se como referência para o esclare-
da experiência no programa Juventude em Cena. cimento de dúvidas, orientações, suporte na execução das

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Souza, A. P. L., Dutra-Thomé, L., Schiró, E. D. B. D., Morais, C. A., & Koller, S. H. (2011). Criando contextos ecológicos.

tarefas de casa. O processo da intervenção foi avaliado, no que constituíam a rede social da pessoa (Bronfenbrenner &
decorrer de sua execução, em reuniões de equipe semanais e Morris, 1998).
no registro, em diário de campo, das impressões, sentimen- As atividades realizadas foram progressivamente mais
tos e observações por todos os membros da equipe. complexas, pela integração de conteúdos – direitos, cidada-
nia, protagonismo, entre outros –, propondo constante re-
Resultados e Discussão flexão e crítica sobre a realidade vivida. À medida que os
adolescentes entendiam as propostas e se sentiam à vontade
Inserção ecológica e a criação de um novo microssistema com o grupo no microssistema criado, se expressavam a res-
peito dos temas e interagiam com os pares e com a equipe.
O formato do programa de intervenção configurou a Os pequenos grupos possibilitaram proximidade entre todos.
emergência de um “novo” microssistema intitulado “Juven- Algumas tarefas permitiram o estabelecimento de interação
tude em Cena” no qual se desenvolveram as atividades que progressivamente mais complexa, relacionada aos interes-
possibilitaram o estabelecimento de processos proximais en- ses e curiosidades com interação com objetos, símbolos e
tre os participantes e a equipe de execução. Tal constituição ambiente social e promovendo o seu desenvolvimento. A
foi marcada pelas novas interações com pessoas, objetos e transformação de comportamentos, ao longo das tarefas,
símbolos, em um ambiente diferente daqueles que os adoles- denotava-se nos processos de continuidade e mudança.
centes costumavam ter acesso. A intervenção aconteceu nas A equipe executora também percebeu mudanças em seus
instalações da universidade, o que implicava a inserção dos componentes, não apenas pessoais, como a revisão de valores
participantes em novo ambiente, contato com recursos desse e o dar-se conta das diferentes realidades da vida dos partici-
local que representa a escolarização, o saber e o conhecimen- pantes do programa, mas também modificações nas relações
to científico. Ademais, a configuração do espaço físico ofere- entre seus membros. Portanto, os processos proximais no de-
ceu novas experiências que, embora simples, eram inusitadas senvolvimento conduziram à modificação de comportamentos
no cotidiano desses adolescentes. Na equipe, esteve sempre em todo o grupo, que, ao longo das atividades e das relações
presente o cuidado com expectativas e necessidades do gru- estabelecidas, transformaram-se e se tornaram funcionais. Ini-
po, na tentativa de criar uma relação de reciprocidade entre cialmente, os adolescentes tinham uma atitude desordenada,
todos. A adesão crescente às atividades mostrou a adaptação barulhenta e pouco estruturada: as saídas das salas de ativida-
das expectativas de todos às propostas da intervenção. des eram constantes, o espaço físico da faculdade foi danifica-
Impressões diversas foram geradas, a partir do contato do com grafites, o lixo era deixado pelo chão. Com o tempo,
com os participantes. Em um primeiro momento, a equipe a modificação destas atitudes foi claramente percebida, com o
se deparou com adolescentes agitados, com necessidade respeito e adesão às regras propostas, assim como à preserva-
de supervisão, sempre curiosos, mas às vezes desconfia- ção do espaço utilizado pelo grupo.
dos e inicialmente resistentes à intervenção. As interações Os demais sistemas ecológicos (família, escola, co-
de adolescentes e técnicos traduziram a influência – a partir munidade) vivenciados pelos adolescentes puderam ser
da manifestação das características de demanda da pessoa – acessados. As interações contínuas, realizadas ao longo do
no ambiente e traziam informações do seu contexto para o processo de execução do programa, permitiram, por meio de
novo microssistema que estava se formando. Nesse sentido, conversas informais e de atividades estruturadas, conhecer
o contato gradualmente mais próximo com os adolescentes e captar aspectos do contexto mais amplo. Os quatro níveis
permitiu que a equipe conhecesse de forma mais detalhada dos contextos de inter-relação dos participantes do progra-
suas histórias de vida – características dos recursos da pes- ma (Bronfenbrenner, 1979/1996) foram mapeados. Assim,
soa. Foram sempre necessárias diferentes maneiras de con- a realidade social, cultural e física do(s) contexto(s) dos
duzir as atividades e de estabelecer relações – características adolescentes tornou-se presente de diferentes formas. Desse
diversas de força da pessoa – ao longo da intervenção. Os modo, mesmo não ocorrendo a inserção ecológica “tradicio-
desafios desse tipo de trabalho e a necessidade de ajustes, nal” (Cecconello & Koller, 2003), no próprio contexto de
durante sua realização, demonstravam a importância de estar desenvolvimento cotidiano da pessoa, este foi apreendido de
atento não somente às peculiaridades dos contextos de ori- forma indireta, sem minimizar seu impacto e a importância
gem dos participantes, mas das características de cada um e no desenvolvimento.
as da própria equipe. No decorrer da intervenção, o microssistema proporcio-
Movimentos de superação significativos foram apa- nou o estabelecimento de novas relações, o que caracterizou
recendo ao longo do processo, uma vez que se tratava de a transição ecológica a uma rede social ampliada (Bronfen-
adolescentes com oportunidades escassas e expostos a di- brenner, 1979/1996). Por exemplo, um adolescente, que ha-
versos fatores de risco – pobreza, violência e exploração. via iniciado o trabalho de aprendiz (Decreto No5598, 2005),
Tais atributos da pessoa não exerciam influência isolada compartilhou com o grupo sua decisão de economizar di-
no desenvolvimento, pois disposições, recursos e deman- nheiro para investir nos estudos. Na conversa estabelecida,
das influenciavam-se mutuamente e precisavam ser com- ele contou que “sua mãe não acreditava que ele pudesse cres-
preendidos, a partir da interação com diversos contextos cer na vida e ter melhores condições”, afirmando que ele iria

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se “perder nas drogas como os outros meninos do bairro”. de eleições configurava-se no macrotempo e influenciou o
Mas o adolescente afirmou querer mostrar à mãe que “seria programa, pelas mudanças de administração política nos
capaz de fazer e ser diferente”. municípios. Tais mudanças exossistêmicas garantiram ou
O macrossistema expressava-se pela realidade da po- atrapalharam a participação e/ou permanência no programa.
breza e sua implicação social, o que perpassava as temáticas A noção de microtempo implica o desenvolvimento
e as experiências relatadas. Ao longo dos encontros, uma das de atividades numa base regular, seguida de atividades pro-
principais motivações dos adolescentes para estarem no pro- gressivamente mais complexas que mantêm a atenção dos
grama era o fator alimentação. Para muitos esta provisão em envolvidos (Bronfenbrenner, 1977). Estes requisitos foram
suas casas era precária. Desse modo, a expectativa de ter al- atendidos na medida em que essas atividades foram desen-
moço e lanche assumia um caráter motivador. Sabendo desta volvidas ao longo de encontros quinzenais durante cinco me-
situação, a equipe buscou prover melhores refeições, a fim ses, em um processo crescente de interação e conhecimento
de suprir necessidades básicas dos adolescentes e, também, mútuo. O grau de complexidade das tarefas foi assegurado,
utilizar como estratégia de adesão ao longo do processo de ao se desenvolverem propostas novas, às quais os adoles-
vinculação com o programa e a equipe. centes e equipe, no seu dia a dia, não tinham possibilidade
Outros fenômenos como a drogadição e a sexualidade de aceder.
estiveram presentes como aspectos que marcaram as in- No decorrer do programa, a evasão de participantes; a
fluências macrossistêmicas. Durante o programa, a equipe não adesão de técnicos; e os desajustes no planejamento de
identificou, por meio das conversas informais com os ado- atividades apareceram, mas eram esperados pelas dimensões
lescentes, que estes estavam começando a ingerir bebidas e características do grupo. À medida que foram estabelecidos
alcoólicas. A equipe buscou por meio dos eixos temáticos os processos proximais, foi possível perceber as necessida-
já estabelecidos, como saúde, risco e proteção, criar espaços des de todos e adaptar as atividades e demais procedimentos
para abordar esses comportamentos. A via de compreensão para responder às expectativas. Atividades mais dinâmicas,
foi norteada pelo reconhecimento da adolescência, suas ten- como gincanas culturais, foram mudanças de estratégia para
sões, bem como pelo contexto social e cultural. despertar maior interesse e engajamento às atividades. Na
Comentários sobre sexualidade/afetividade foram mar- medida em que as dificuldades eram resolvidas e novas es-
cantes desde o início do programa, ao se iniciarem as “pa- tratégias implantadas, foi possível notar o desenvolvimento
queras”, entre eles, e as divergências. Criaram, então, um dos processos proximais estabelecidos, adesão e cooperação
mural no qual pudessem trocar recados entre si, utilizavam com as atividades.
os espaços de lazer e almoço para se aproximarem, verbali- A centralidade do conceito de processo proximal na
zavam em seus grupos de amigos acerca de um ou outro que ABDH mostrou-se evidente, durante toda a inserção ecoló-
lhes interessavam. A equipe reconheceu essa necessidade, gica no programa, uma vez que tal processo apareceu como
propondo horários livres e espaços de convivência. Nas oca- uma unidade de análise crucial para a compreensão do de-
siões em que algum preconceito ou homofobia foram apa- senvolvimento humano. A inserção ecológica surgiu como
rentes, pontuaram-se o respeito e o reconhecimento do outro alternativa metodológica para acessar os contextos de desen-
em sua individualidade. volvimento, de forma que qualquer espaço em que se iden-
O Juventude em Cena era constituído por adolescentes tifique o estabelecimento de processos proximais (ambiente
da mesma faixa etária, do mesmo nível socioeconômico e que doméstico, laboral, comunitário, escolar da pessoa, entre ou-
partilharam, simultaneamente, um conjunto de atividades. O tros) torna-se propício à realização de pesquisas nesta pers-
desenvolvimento deste programa ocorreu num tempo histó- pectiva.
rico, no qual se assistia, no contexto sociopolítico, à valori- A criação do microssistema Juventude em Cena propi-
zação dos direitos da criança e do adolescente, assim como, à ciou a reflexão sobre o que é estar ecologicamente inseri-
importância do protagonismo juvenil. Além disso, despertou do. Ao contrário das intervenções tradicionais da inserção
sentimentos e vivências, em função de outras experiências ecológica, este programa criou um novo contexto para todos
e acontecimentos passados, incorporados, transformados e (Aquino-Morais, 2008; Cecconello, 2003; Morais, 2009).
atualizados no desenvolvimento vigente, influenciados pelo Nesse sentido, o estabelecimento dos processos proximais
tempo histórico no qual ocorreram. Os acontecimentos ex- com outros sistemas ecológicos surgiu, ao longo das ati-
teriores ao macrotempo sociopolítico e cultural vigente in- vidades estruturadas, mas principalmente, no decorrer dos
fluenciavam o seu desenvolvimento em momentos de vida momentos livres, como, por exemplo, horário de almoço e
e processos de maturação biológica equivalentes e foram momentos culturais.
incluídos no programa. Por exemplo, em época de eleições
foi convidada uma figura política que era candidata, por sua Considerações finais
trajetória de protagonismo e envolvimento político, desde
a sua juventude, que conversou com o grupo sobre cidada- Na perspectiva da ABDH, a pesquisa sobre o desenvol-
nia e intervenção política e social, como algo que poderia vimento humano preconiza a inclusão de experiências que
ser desenvolvido individualmente em suas vidas. O período visem à melhoria e à reestruturação dos sistemas ecológicos

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Souza, A. P. L., Dutra-Thomé, L., Schiró, E. D. B. D., Morais, C. A., & Koller, S. H. (2011). Criando contextos ecológicos.

dominantes, de modo que as ideologias e regras institucio- estão na base do desenvolvimento humano e que, por meio
nais preestabelecidas sejam reformuladas por meio da rede- deles, resultados são alcançados.
finição de objetivos, papéis e atividades que proporcionem Considera-se que a busca por uma construção de um
a ligação a novos sistemas (Bronfenbrenner, 1977). Dessa pensamento político e crítico acerca dos direitos da crian-
maneira, o novo microssistema vem responder a essa de- ça e do adolescente e a proposta de ação protagonista dos
manda da ABDH. A construção de um novo microssistema adolescentes no meio em que eles vivem, a fim de gerar
caracterizou um espaço de transição ecológica, na medida mudanças sociais, tiveram êxito ao longo do projeto. Estas
em que relações foram estabelecidas, possibilitando o acesso transformações estão em consonância com o cerne ideológi-
de todos a conteúdos e experiências diversos. Por meio do co da ABDH, a saber, a aplicação dos estudos em políticas
Juventude em Cena, diferentes recursos – noções acerca dos públicas e sociais que possam fazer diferença na qualidade
direitos, da possibilidade de elaborar um projeto de vida e de de vida das pessoas envolvidas (Bronfenbrenner, 2005).
buscar melhores condições de vida – foram disponibilizados, Dos Quatro Pilares da Educação para o Desenvolvi-
revelando a importância da ampliação dos multiambientes em mento Humano (Hassenpflug, 2004), os que mais se salien-
que pessoas em desenvolvimento estavam inseridas. Quanto taram foram o conhecer e o conviver, uma vez que os eixos
maiores as possibilidades de relações estabelecidas e a inser- temáticos visavam a instrumentalizar os adolescentes acerca
ção em diferentes microssistemas, maiores as oportunidades de seus direitos, de valores de solidariedade e de cidadania.
de obtenção de recursos que favorecem o desenvolvimento Entretanto, os pilares aprender a fazer e aprender a ser esta-
humano. Considera-se que a ideia de dar continuidade ao vam claros no processo, configurando a articulação entre os
programa de capacitação, a partir de novas edições, revela restantes.
uma maneira de procurar assegurar o impacto dessa obten- O programa Juventude em Cena proporcionou, por
ção de recursos para o desenvolvimento humano. meio dos conteúdos trabalhados, das ações realizadas e das
A mudança de comportamentos e a aquisição de papéis inter-relações estabelecidas, o desenvolvimento de todos em
vivenciados no novo microssistema proporcionaram trans- diversas dimensões humanas – cognitiva, social e pessoal.
formações, as quais puderam ser transpostas aos demais sis- O trabalho executado promoveu o protagonismo juvenil, ao
temas – família, escola e comunidade. A ação protagonista investir nas capacidades individuais dos adolescentes, auxi-
idealizada pelo programa – que os adolescentes, cientes de liando-os a percebê-las e se apropriarem delas. Nesse senti-
seus direitos, pudessem buscar a garantia de tais direitos e do, o programa fomentou o interesse dos participantes em
melhores condições de vida – foi desenvolvida ao longo da buscar os seus direitos e incitou a possibilidade de mudanças
intervenção. Naturalmente, foi observado como foi amplia- nas comunidades de origem e em suas trajetórias de vida.
da para outros contextos, na medida em que os adolescen- Este relato demonstra o importante papel da univer-
tes tornaram-se multiplicadores nas suas comunidades. Esse sidade que, além da formação de profissionais e a produ-
processo pôde ser acompanhado por meio da continuidade ção de conhecimento científico, cumpre sua função social
do programa e pela constatação de que alguns passaram a por meio de ações de extensão capazes de contribuir para
engajar-se em outras ações de participação social nos seus o desenvolvimento da comunidade. Ademais, como cien-
municípios de origem. tistas sociais e humanos, os profissionais da psicologia têm
As dificuldades encontradas, ao longo do programa, o compromisso de se aproximar da realidade das pessoas
permitiram refletir sobre a necessidade de estreitar parce- com as quais trabalham – em intervenções e pesquisas –,
rias com os profissionais e a rede de atenção infanto-juvenil buscando compreender as características dos diversos sis-
dos municípios, buscando minimizar as barreiras que cada temas. Desse modo, é construído um conhecimento que re-
sistema apresenta. Assim, foram reunidos recursos de cada almente oportunize uma vida mais digna. Programas que
sistema, a fim de concretizar ações para o favorecimento do priorizem a participação juvenil, permitindo que os adoles-
desenvolvimento das pessoas. A experiência vivenciada pela centes expressem suas necessidades, poderão ser preventi-
equipe e os resultados alcançados – maior engajamento nas vos em relação a vários fatores de risco para essa parcela
atividades e interesse em ser protagonista, indo em busca dos da população, suas famílias e a sociedade em geral. A uni-
seus direitos – enfatizam o impacto que intervenções deste versidade é um contexto propício para que iniciativas des-
tipo podem proporcionar. se tipo sejam realizadas. Portanto, são necessários estudos
A disponibilidade para o estabelecimento de relações futuros com análises mais aprofundadas e que demonstrem
recíprocas e a motivação pessoal da equipe foram um fator as mudanças, a partir da intervenção.
fundamental para a construção dos processos proximais e
do novo microssistema. E, consequentemente a essas rela- Referências
ções estabelecidas, mudanças foram alcançadas ao longo da
intervenção, na medida em que os adolescentes se sentiam Aquino-Morais, C. (2008). Saúde, doença mental e serviços
olhados, escutados, reconhecidos e valorizados. Conforme de saúde na visão de adolescentes e seus cuidadores.
postulado por Bronfenbrenner (2005), foi possível observar, Dissertação de mestrado não-publicada, Universidade
durante a execução do programa, que os processos proximais Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre.

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