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Está em andamento no Brasil uma tentativa de genocídio racial perpetrado com a arma da
estatística. A campanha é liderada por ativistas do movimento negro, sociólogos, economistas,
demógrafos, organizações não-governamentais, órgãos federais de pesquisa. A tática é muito
simples. O IBGE decidiu desde 1940 que o Brasil se divide racialmente em pretos, brancos,
pardos, amarelos e indígenas. Os genocidas somam pretos e pardos e decretam que todos são
negros, afro-descendentes. Pronto. De uma penada, ou de uma somada, excluem do mapa
demográfico brasileiro toda a população descendente de indígenas, todos os caboclos e
curibocas. Escravizada e vitimada por práticas genocidas nas mãos de portugueses e
bandeirantes, a população indígena é objeto de um segundo genocídio, agora estatístico. A não
ser pelos trezentos e tantos mil índios, a América desaparece de nossa composição étnica.
Restam Europa e África.
O problema da cor ou raça persegue nossos demógrafos e estatísticos desde 1849. Haddock
Lobo, organizador do censo do Rio de Janeiro desse ano, rejeitou o item cor por considerar
essa classificação odiosa, além de inconfiável pela “infidelidade com que cada indivíduo faria
de si próprio a necessária declaração”. O primeiro censo nacional, feito em 1872, enfrentou o
problema e dividiu as raças (não se diferenciava raça de cor) em branca, preta, parda e cabocla
(indígena). Os responsáveis pelo censo de 1890 substituíram pardo por mestiço,
argumentando, corretamente, que a cor parda “só exprime o produto do casamento do branco
com o preto”. O censo de 1920 eliminou o item raça porque “as respostas ocultavam em
grande parte a verdade”, sobretudo as respostas dos mestiços. O registro de cor foi
reintroduzido no censo em 1940, quando voltaram os pardos e se estabeleceu o padrão atual,
com a única diferença que hoje se separam amarelos (asiáticos) e indígenas.
Deixados livres para definir sua cor, os brasileiros exibem enorme variedade e grande
ambigüidade. Essa riqueza foi aprisionada no leito de Procusto das cinco categorias pré-
codificadas do IBGE. Os americanizantes querem mutilá-la ainda mais, reduzindo-a à
polarização branco-negro. Se é para valorizar as etnias, vamos copiar direito os americanos.
Vamos incluir todas as etnias, sem esquecer a dos primitivos habitantes do país, instaurando
entre nós a sociedade hifenizada. Para isso, nenhuma das opções dos censos, de 1872 a 2000,
é satisfatória.
Disponibilizado em:
http://www.academia.org.br/abl/cgi/cgilua.exe/sys/start.htm?infoid=1493&sid=396
O racismo que ganhou nova roupagem nos dias atuais é o principal fator pela condição de
miséria do negro e da violência por ele sofrida, como demonstra os estudos realizados para
verificar as condições de vida da população brasileira.
Ainda conforme pesquisas do IBGE, em relação à escolaridade, no primeiro grau 71% dos
pretos e 65% dos pardos estudam; no segundo grau, este número decresce para 24% de pretos
e 29% de pardos; no ensino superior, existem apenas 4% de pretos e 6% de pardos. Ou seja,
67% de pretos e 59% de pardos param de estudar no decorrer de sua formação escolar.
O Censo Demográfico do IBGE de 1980, que tinha como preocupação analisar a situação do
negro no Brasil, em pesquisas realizadas nas cidades de São Paulo e Recife, apontaram que “os
rendimentos de um médico
negro são 22% mais baixo que os de um médico branco; um engenheiro negro ganha 19%
menos que um branco; os professores negros ganham 18% menos que os brancos; os
motoristas negros ganham 19% menos que os brancos; um metalúrgico torneiro-mecânico
negro ganha 11% menos que um branco”.
Na prefeitura de São Paulo, estima-se que cerca de 40% do seu quadro funcional seja composta
por negros, os quais, entretanto, na maioria ocupam cargos operacionais.
Pesquisas realizadas por Sérgio Adorno, professor da Universidade de São Paulo, analisando
500 processos criminais na cidade de São Paulo em 1990, apontam: “que os negros são presos
em flagrantes com mais freqüência que os brancos, na proporção de 58% contra 46% . Isso
sugere
que sofrem maior vigilância da polícia. Vimos ainda que 27% dos brancos
respondem ao processo em liberdade, enquanto só 15% dos negros conseguem esse benefício.
Apenas 25% dos negros levam testemunhas de defesa ao tribunal, que é uma prova muito
importante, enquanto 42% dos brancos apresentam esse tipo de prova”.
Segundo Sérgio Adorno, “não posso afirmar que os juízes sejam racistas. Posso sim, garantir
que não existe igualdade de direitos entre negros e brancos e que há um problema racial”.
No momento em que este documento é redigido, em algum lugar deste país, uma família negra
deve estar em prantos, acompanhando um cortejo fúnebre, enterrando mais um jovem negro
assassinado por gangues (morte entre a própria juventude em disputa por ponto de drogas e,
outros motivos fúteis), ou por policiais ou grupo de extermínio (composto pelos mesmos ).
A Violência Policial com que agiu a Polícia Militar na Favela Naval, na cidade de Diadema,
assassinando o trabalhador negro, pai de família, Mário José Josino, de 30 anos, a morte do
comerciante também negro Oswaldo Manoel da Silva , de 28 anos, em Santo André, ambas em
1997, é a mesma que matou o dentista negro, recém formado, Flávio Ferreira Sant’Ana , em 3
de fevereiro de 2004.
Esta mesma violência de tempos em tempos, choca a opinião pública nacional e internacional,
como as chacinas da Candelária ( 7 crianças de rua ) e de Vigário Geral ( 21 trabalhadores ) na
cidade do Rio de Janeiro, em 1993, do Carandiru ( morte de 111 presos na Casa de Detenção
de São Paulo ), em1992, de Corumbiara ( 13 trabalhadores rurais sem terra ) RO,em 1995, do
Eldorado do Carajás ( 19 trabalhadores rurais sem terra ) PA,em 1996, em Francisco Morato (12
pessoas, todos jovens ) SP,em 1998.
Supõe-se que o provável motivo da chacina, seja uma forma de retaliação por Policiais
Militares estarem sendo averiguados por suspeita de participação em crimes na Baixada
Fluminense; ou seja, policiais em processo de investigação, podem ter perpetrado o crime
como forma de vingança social e intimidação pública.
Conforme o Observatório das Violências Policiais, mais recentemente no estado de São Paulo,
tivemos chacinas na Favela Jardim Portinari, Diadema (Grande São Paulo) – Mãe e dois filhos
jovens foram assassinados por um Policial Militar diante de cerca de 30 pessoas, no Recanto
Feliz, Francisco Morato (Grande São Paulo) – Quatro pessoas, são assassinadas à queima-roupa
em um bar, no Jardim Ataliba Leonel, Tremembé ( Zona Norte de São Paulo) – Seis pessoas são
assassinadas em um bar à queima-roupa, no Morro do Samba, Diadema, ( Grande São Paulo ) –
Cinco jovens com idade entre 14 e 22 anos foram baleados e morreram a caminho do hospital
em suspeito tiroteio, na Favela do Coruja ( Zona Norte de São Paulo ) – Seis pessoas foram
assassinadas à queima-roupa, ao que tudo indica por policiais militares, enquanto uma sétima
foi ferida mas sobreviveu, no Jardim Presidente Dutra ( Guarulhos ) – Quatro adolescentes
foram assassinados à queima-roupa em frente a casa de um deles, por três policiais militares,
um quinto sobreviveu, na cidade de Caraguatatuba (Litoral do Estado de São Paulo) – Quatro
rapazes são mortos, aparentemente como “queima de arquivo” para obstruir as investigações
do assassinato do prefeito de Campinas, Toninho do PT.
Em relação aos autores de chacinas no Brasil, poucos de fato são punidos, atingindo a
impunidade um alto percentual.
Estas ações, apesar de urgentes e fundamentais, ainda seriam forças paliativas, necessitando
ações mais abrangentes no combate ao racismo e à discriminação racial, tais como, reparações,
ações afirmativas, cotas nas áreas da educação e do trabalho .
Milton Barbosa
Coordenador Estadual do Movimento Negro Unificado – MNU – SP
DB: Quando olhamos para a pirâmide social, percebemos que não houve grandes
mudanças nos últimos 123 anos – para considerar o fim da escravidão no Brasil. Hoje
o povo negro continua ocupando os lugares precarizados na sociedade. Ocupa os
piores empregos, têm os menores salários, são os mais agredidos pela ação policial. É
esse público que é mais vitimado pelas mazelas sociais, entre os que não têm
habitação, entre os que estão nas penitenciárias, entre aqueles que têm problema de
atendimento na saúde pública, de acesso à escola de qualidade.
DB: O que nós percebemos é que nas últimas semanas, no último período, o debate
sobre o racismo ocupou grande espaço nos meios de comunicação por conta das
declarações, especialmente do [deputado] Jair Bolsonaro. Na verdade foi explicitado
um pensamento politicamente tido como incorreto, mas que está no inconsciente da
coletividade. Onde o racismo se reproduz de maneira mais radical é na ação policial,
nos moradores de rua, quando a sociedade grita contra cotas em universidade pública.
Não há muita contestação porque está naturalizado. Como diz o professor Kabengele
[Munanga – Antropólogo e professor da Universidade de São Paulo]: todo racismo é
um crime perfeito, porque ele se dá no cotidiano da vida social brasileira.
RNP: Como é feito o diálogo entre as pautas do movimento negro com as lutas
de outros movimentos sociais?
DB: O diálogo tem sido cada vez maior. Os movimentos sociais e populares brasileiros
têm percebido que é preciso construir unidade na ação. Agora, não tenha dúvida que
existe ainda setores dos movimentos sociais que colocam a discussão racial como
algo não emergencial ou não estruturante das relações sociais. E aí o movimento
negro precisa fazer cada vez mais esforço pra fazer os companheiros e as
companheiras perceberem que a questão racial é importante e prioritária para
mobilização da classe trabalhadora. Porque, de maneira geral, a maioria da classe
trabalhadora tem uma raiz e uma identidade racial.
RNP: Sobre a luta deste dia 13 de maio, quais serão as pautas prioritárias?
DB: Existem duas questões que caminham paralelamente, dentro da ideia que o
Estado brasileiro implementa um projeto de genocídio da população negra. Existem
essas duas ações paralelas: a negativa à cidadania, a negativa ao direito
constitucional de acesso à educação, cultura, lazer, habitação, uma vida digna; e por
outro, a ação armada do Estado, que vitimiza e que assassina o povo negro. Essas
são as pautas principais que o nosso ato do 13 de maio deve levantar. Além do que,
cobrar responsabilidade, botar freio na ação violenta do Estado e punir os
responsáveis por tantos assassinatos que vêm ocorrendo no último período.
13/05/11
Crime de Genocídio
No sistema jurídico brasileiro temos repressão ao crime de genocídio em
nível constitucional e infraconstitucional. Em termos de constituição, estabelece o art. 3º
como objetivo da República Federativa do Brasil a promoção do bem de todos de forma
equitativa, independente da etnia ou raça.
O art. 4º determina como princípio das relações internacionais o repúdio às
práticas de racismo e genocídio, ademais o texto constitucional consagra esse objetivo e
princípio constitucional como direito fundamental, indicando a edição de lei que
regulamente a punição, bem como a indicação de que crimes dessa natureza são
inafiançáveis e imprescritíveis, de acordo com o art. 5º, incisos XLI e XLII da CF/88.
Com vigência anterior à constituição a lei de n. 2.889/56, recepcionada pela
constituição de 1988, aborda expressamente o crime de genocídio, tipificando penas e
condutas relacionadas à “intenção de destruir, no todo ou em parte, grupo nacional,
étnico, racial ou religioso” (art. 1º, da lei de n. 2889/56). Ademais, o Código Penal
Brasileiro prevê desde 1984 o crime de genocídio cometido por brasileiro ou
domiciliado no Brasil, in verbis:
Art. 7º - Ficam sujeitos à lei brasileira, embora cometidos no estrangeiro: I - os
crimes: d) de genocídio, quando o agente for brasileiro ou domiciliado no
Brasil; (Incluído pela Lei nº 7.209, de 1984).
Em termos de legislação posterior à constituição de 1988, o legislador editou a
lei de n. 7.716 de 1989, que tratava do racismo, trazendo em sua exposição de motivos a
vontade de inclusão social dos negros. Em 1997 a lei de n. 7.716, conhecida como Lei
do Racismo, foi alterada pela lei de n. 9.459 de 1997, que incluiu as questões de etnia,
religião e nacionalidade no rol de discriminações. Em sua exposição de motivos o
legislador apontou a intenção de reprimir grupos neonazistas no Brasil. O legislador
explicita de forma clara, que não prepondera o direito fundamental de liberdade de
expressão, como se infere no trecho in verbis abaixo:
“Nesta hipótese não há que se cogitar em conflito de direitos. O princípio de
liberdade de expressão, conquanto não se configure em sua plenitude, sede
lugar ao que coíbe a descriminação racial e, sobretudo, decai perante o
princípio cardial da dignidade humana”.
Com o novo teor da Lei do Racismo, a lei passou a reprimir e a criminalizar o
crime de genocídio, prevendo de forma expressa a questão do nazismo no §1º, do art.
20, in fine: Art. 20. Praticar, induzir ou incitar a discriminação ou preconceito de raça, cor,
etnia, religião ou procedência nacional.
Pena: reclusão de um a três anos e multa.
§ 1º Fabricar, comercializar, distribuir ou veicular símbolos, emblemas,
ornamentos, distintivos ou propaganda que utilizem a cruz suástica ou gamada,
para fins de divulgação do nazismo.
Pena: reclusão de dois a cinco anos e multa.
§ 2º Se qualquer dos crimes previstos no caput é cometido por intermédio dos
meios de comunicação social ou publicação de qualquer natureza:
Pena: reclusão de dois a cinco anos e multa.
§ 3º No caso do parágrafo anterior, o juiz poderá determinar, ouvido o
Ministério Público ou a pedido deste, ainda antes do inquérito policial, sob
pena de desobediência: I - o recolhimento imediato ou a busca e apreensão dos
exemplares do material respectivo; II - a cessação das respectivas transmissões
radiofônicas ou televisivas.
§ 4º Na hipótese do § 2º, constitui efeito da condenação, após o trânsito em
julgado da decisão, a destruição do material apreendido.
Ademais o Poder Executivo em proposta de lei à Câmara dos Deputados
mobiliza o Poder Legislativo a atualizar a matéria. Atualmente o projeto de lei de n.
4.038/08, que dispõe sobre o crime de genocídio, define os crimes contra a humanidade,
os crimes de guerra e os crimes contra a administração da justiça do Tribunal Penal
Internacional, institui normas processuais específicas, e aborda sobre a cooperação com
o Tribunal Penal Internacional, está na Comissão de Constituição e Justiça e de
Cidadania.
Com base nessa legislação constitucional e infraconstitucional chegou ao
Supremo Tribunal Federal a questão do nazismo, considerado no julgado como crime de
racismo violador da constituição e do sistema infraconstitucional. Este julgado
emblemático que chegou ao STF trata-se do Habeas Corpus
[1] 82.424/RS, em que se
verificou a legalidade da prisão de Siegfried Ellwanger, condenado pelo crime de
racismo, configurado por comerciar livros que faziam apologia a perseguição aos
judeus, negando a existência do holocausto. Na decisão deste julgado em 2003 ficou
assentado que a prisão era legal, pois o crime que Siegfried Ellwanger havia cometido
era de racismo ao descriminar os judeus, não estando abarcado pelo direito fundamental
de liberdade de expressão. Note-se que a questão central em debate no HC 82.424/RS
era a imprescritibilidade do crime de racismo, prevista no art. 5º, inciso XLII, da CF/88,
tendo em vista que o impetrante alegava a prescrição do crime de apologia ao nazismo (art. 20,
caput, Lei do Racismo). Portanto, a jurisprudência do STF define como
imprescritível o crime de descriminação social, o que inclui o anti-semitismo.
Em suma, o ordenamento jurídico brasileiro prevê e tipifica o crime de
genocídio, bem como reprime as praticas de nazismo, em respeito á dignidade da pessoa
humana e ao princípio constitucional de igualdade de origem, raça, sexo, cor, idade e
quaisquer outras formas de descriminação (art. 3º, inciso IV, da CF/88). Entretanto,
cumpre ressaltar que, apesar dos longos períodos ditatoriais ocorridos no Brasil, não se
alcança na realidade brasileira um Estado Totalitário, o que se reflete na legislação que
não aborda de forma direta e expressa sobre os mesmos.