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ECO, Umberto. Seis Passeios pelos Bosques da Ficção. São Paulo: Editora Schwarcz Ltda., 2009. Apud,
SBARDELOTTO, Moisés. “Seis passeios pelos bosques da ficção”, de Umberto Eco. Disponível em:
http://mosaico.blogs.ie/2007/10/30/seis-passeios-pelos-bosques-da-ficcao/. Última visualização: 21 de
novembro de 2010.
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Idem.
incessantemente. Como exemplos de tal característica, Umberto Eco cita a Bíblia, cuja
natureza desconexa é proveniente do fato de ter sido escrita por vários autores, e a
Divina comédia, que, por conta de sua complexidade, do número de personagens e dos
fatos relatados, permite que cada frase da obra seja desconjuntada e usada como
“fórmula mágica ou artifício mnemônico”3.
Assim, as conferências escritas por Eco constituem um importante objeto de
estudo no que se refere à teoria da literatura. Por esse motivo, será realizada, a seguir, a
resenha da primeira delas, tentando-se resumir e explicar os principais conceitos
desenvolvidos pelo autor.
Entrando no Bosque
Ao iniciar sua conferência, Umberto Eco fala sobre a comparação entre uma de
suas obras, Lector in fabula, e a narrativa de Italo Calvino, pois em ambas as obras, e
também nas conferências que Eco apresentaria, trata-se da presença do leitor na história
que é contada. Segundo o conferencista, sempre há um leitor em uma história, e esse
leitor é um ingrediente fundamental não somente para que se conte essa história, mas
também é parte da própria história.
Pretendendo prestar homenagem a Calvino, Eco diz ter escolhido como ponto de
partida para suas conferência a segunda das apresentações que Calvino havia escrito
para apresentar oito anos antes também nas Charles Eliot Norton Lectures, embora
tenha falecido antes de escrever a última de suas Seis propostas para o próximo milênio.
Em sua segunda palestra, Calvino abordaria a questão da rapidez, enaltecendo o caráter
veloz de uma narrativa ao mesmo tempo em que afirma que “esta apologia da rapidez
não pretende negar os prazeres da demora”.
Depois de pontuar que a questão da demora será tema de sua terceira
conferência, Umberto Eco afirma que as narrativas de ficção são necessariamente
rápidas devido ao fato de que durante a construção de um mundo que inclui uma grande
quantidade de acontecimentos e personagens, não se pode dizer tudo sobre ele. O autor
deixa uma série de lacunas no mundo, que o próprio leitor preenche.
Eco afirma que, ao tentar falar demais, o autor pode acabar se tornando “mais
engraçado que suas personagens”, e dá o exemplo de Carolina Invernizio, escritora
italiana do século XIX que introduziu na literatura italiana a linguagem da pequena
burocracia do recém-criado Estado italiano. Segundo Eco, os leitores de Invernizio, que,
3
Idem.
em suas obras, explicava cada detalhe do mundo, não conseguiriam acompanhar a
rapidez, por exemplo de Metamorfose- de Kafka. Em contrapartida, o conferencista
conta como Eintein, segundo Kazin, teria afirmado não conseguir ler a obra de Kafka
por achar que a mente humana não é tão complexa, o que pode ser explicado pelo fato
de a velocidade do texto ser lenta demais para ele. Assim, Eco conclui que nem sempre
o leitor sabe colaborar com a velocidade do texto.
Uma história pode ter uma velocidade maior ou menos, isto é, pode ter mais ou
menos omissões (ou elipses), de acordo com o tipo de leitor a que se destina. Para
exemplificar a força de tal afirmação, Eco faz uso de uma história de Roger Schank
publicada no livro Reading and understanding:
“ ‘John amava Mary, mas ela não queria casar com ele. Um dia, um
dragão roubou Mary do castelo. John montou em seu cavalo e
matou o dragão. Mary resolveu se casar com ele. Depois isso, os
dói foram felizes para sempre.’
O leitor-modelo não é aquele que de fato lê a obra, isto é, as pessoas que têm a
liberdade de ler o texto da forma que quiserem, movidas por seus conhecimentos e
sentimento próprios, sejam eles provocados pelo próprio livro que leem ou não. O
leitor-modelo é aquele que os autores tinham em mente quando escreveram, ou seja, um
leitor que o texto prevê como colaborador e, ao mesmo tempo, tenta construir.
Para orientar seu leitor-modelo, o autor faz uso de sinais de gênero específicos,
dos quais é exemplo a expressão “Era uma vez...”, que sinaliza o princípio de histórias
infantis, contos de fada. No entanto, Eco pontua que com frequência esses sinais podem
ser muito ambíguos, como no caso de Pinóquio, cujo princípio gera uma quebra de
expectativas que pode levar a dúvidas se a obra foi realmente criada apenas para
crianças.
De modo simétrico ao leitor-modelo, existe o autor-modelo, que não é o autor da
obra, nem alguma personagem que a possa estar contando, mas sim a “voz” de quem
nada sabemos, exceto aquilo que está entre o começo e o fim da história que conta, isto
é, aquilo que, ao fim da história, poderemos entender, de forma simplificada, como o
“estilo”.
De acordo com Eco, em seu Lector in fabula, tanto o leitor-modelo como o
autor-modelo são estratégias textuais. O autor escolhe as estratégias como modo de
operação textual, tendo a possibilidade de escolher ser genérico, reportando-se a um
conjunto de códigos e subcódigos que os leitores aceitam. Nesse nível encontra-se o
estatuto das interpretações sociológicas ou psicanalíticas dos textos, que unidas com a
intenção do autor, faz com que o leitor tome conhecimento do mundo 4. O pesquisador
faz uma advertência:
Bibliografia
- obras literárias que se esforçam para ser tão ambíguas quanto a vida. 123
- projeção da representação na realidade.
- a narrativa natural descreve fatos que ocorreram na realidade (ou que o narrador afirma,
mentirosa ou erroneamente, que ocorreram na realidade. 125
- a narrativa artificial é supostamente representada pela ficção, que apenas finge dizer a
verdade sobre o universo real ou afirma dizer a verdade sobre um universo ficcional.
- a narrativa artificial é normalmente reconhecida graças ao “paratexto” – ou seja as
mensagens externas que rodeiam um texto. Ex. a palavra romance.
- sinal textual (interno) de ficcionalidade mais óbvio: Era uma vez....
- projeção do conteúdo no mundo real. 126
- narrativa artificial é mais complexa que a natural.127
- a ficcionalidade se revela por meio da insistência em detalhes inverificáveis e intrusões
introspectivas, pois nenhum relato histórico pode suportar tais efeitos de realidade. 128
- na ficção, as referências precisas ao mundo real são tão intimamente ligadas que, depois de
passar algum tempo no mundo do romance e de misturar elementos ficcionais com referências
à realidade, como se deve, o leitor já não sabe muito bem como está. O mais comum é o leitor
projetar o modelo ficcional na realidade – em outras palavras, o leitor passa a acreditar na
existência real de personagens e acontecimentos ficcionais. 131
- levar a sério as personagens de ficção também pode produzir um tipo incomum de
intertextualidade: uma personagem de determinada obra ficcional pode aparecer em outra obra
ficcional, e, assim, atuar como um sinal de veracidade. 132
- a narratividade é o princípio organizador de todo discurso.
- nosso relacionamento perceptual com o mundo funciona porque confiamos em histórias
anteriores. 136
- confiamos num relato anterior quando, ao dizer “eu”, não questionamos que somos a
continuação natural de um indivíduo que nasceu naquela determinada hora, dia, ano, local.
- memória individual: nos habilita a relatar o que fizemos ontem.
- memória coletiva: nos conta a história de outro.
- a mistura de memória individual e memória coletiva (histórias de nossos antepassados)
prolonga a vida, fazendo-a recuar no tempo, e nos parece uma promessa de imortalidade.
- a ficção nos proporciona a oportunidade de utilizar infinitamente nossas faculdades para
perceber o mundo e reconstituir o passado. A ficção tem a mesma função dos jogos. Brincando
as crianças aprendem a viver, porque simulam situações em que poderão encontrar como
adultos. E é por meio da ficção que nós, adultos, exercitamos nossa capacidade de estruturar
nossa experiência passada e presente. 137
- notoriedade do fato através do romance. 140
ECO, Umberto. Seis passeios pelos bosques da ficção. São Paulo: Companhia das Letras,
1994.
Texto:
- Qualquer narrativa de ficção é necessária e fatalmente rápida porque, ao construir um mundo
que inclui uma multiplicidade de acontecimentos e de personagens, não pode dizer tudo sobre
esse mundo. (p. 9) – [o leitor preenche as lacunas do texto] e é obrigado a optar o tempo todo
(p. 12)
- a narrativa de vanguarda muitas vezes tentou não só frustrar nossas expectativas enquanto
leitores, como ainda criar leitores que esperam ter inteira liberdade de escolha em relação ao
livro que estão lendo. 14
- o texto apresenta pistas e cabe ao leitor desvendar
Narrador:
- às vezes quer nos deixar livres para imaginarmos a continuação da história. (p. 12)
Autor:
- o autor quer que passemos o resto da vida imaginando o que aconteceu (p.13)
MODELO:
- a voz que nos fala afetuosamente (ou imperiosamente, ou dissimuladamente), que nos quer
ao seu lado. Essa voz se manifesta como uma estratégia narrativa, um conjunto de instruções
nos são dadas passo a passo e que devemos seguir quando decidimos agir como leitor-
modelo. 21
- se revela nos diferentes tipos de texto para nos dizer que as descrições apresentadas devem
constituir um estímulo para nossas reações físicas. 23
- o autor modelo e o leitor modelo são entidades que se tornam claras uma para a outra
somente no processo de leitura, de modo que uma cria a outra. 30
Pergunta:
Baseado nas críticas feitas por Eco ao ensaio de Poe “A filosofia da composição” (p. 50) em
que esse último desvenda os segredos da composição de seu poema “O corvo” e à
interpretação alquímica dada à fábula “Chapeuzinho Vermelho” (p. 97-98), opine sobre a
profusão das diferentes análises críticas e literárias atribuídas ao leitor modelo.