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de Janeiro
Norma
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Norma
Adrian Sgarbi
Doutor em Direito pela USP. Professor de Direito Constitucional e Teoria do Direito
da FDPUC-Rio
1. Generalidades
A linguagem prescritiva faz parte dos usos lingüísticos cotidianos. Quando
dizemos para uma criança «Não coloque o dedo na tomada», ou mesmo quando
pontuamos «Faça o seu dever de casa», «Não pronuncie o nome de Deus em
vão» etc., o que estamos inserindo em nosso campo de comunicação são
prescrições. As prescrições funcionam, assim, como pautas para o
comportamento dos indivíduos, pois são afirmações acerca do que deve ser feito
nos diversos casos e situações da vida (Bobbio, 1993). É certo, contudo, que das
muitas prescrições pensáveis (morais, de trato social, costumeiras etc.),
destacam-se as prescrições jurídicas porque, independentemente do que pense
ou esteja a desejar o destinatário, quando emitidas, atuam não apenas como um
redutor de opções em suas variadas possibilidades de agir, mas também como um
redutor garantido institucionalmente pelo aparado burocrático estatal que detém o
monopólio do uso da força (CP, art. 345). Tal significa que além da seleção de
ações possíveis que origina, sobressai do conjunto normativo jurídico a presença
do aparato estatal e de suas técnicas de dissuasão. Daí poder dizer-se, em
acepção elementar, que “norma jurídica” corresponde a um enunciado prescritivo
que estabelece uma conseqüência (jurídica) quando da aparição de certas
circunstâncias («Se se verifica a situação típica “p”, então segue a conseqüência
jurídica “S”»).
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para a espécie); (e) normas que determinam quais devem ser os conteúdos da
legislação, seja determinando proibições, seja impondo um conteúdo determinado
(cláusulas pétreas, normas programáticas, etc.); e (1.2.) Não tenha sido (a)
revogada seja expressa seja tacitamente por uma norma válida de mesma
hierarquia ou por incompatibilidade com norma hierarquicamente superior; e (b)
não tenha sido anulada por um ato normativo que, por sua vez, também deve ser
válido como ato jurídico.
Conforme o (2) critério de dedução ou inferência, uma norma N é válida no
conjunto normativo CJ se é uma conseqüência lógica das normas válidas em CJ.
Atendido esse critério elementar, as normas jurídicas válidas se propagam.
Mas como se entende, dogmaticamente, que basta ser concluído o processo
de produção normativa para que a espécie normativa passe a existir, iniciando, por
conseguinte, a presunção de sua validade, deve-se pontuar que é plenamente
possível que uma norma inválida (uma norma que não atende plenamente os
critérios de validade formal e material) esteja sendo aplicada aos casos concretos,
razão pela qual se conclui que pensar no conjunto normativo como um conjunto
que é composto tão-somente por normas válidas dista muito da realidade jurídica.
Isso porque a existência de uma norma precede à sua validade (Pontes de
Miranda, 1970); e, para existir, basta à norma ser publicada.
Observe-se que, se os critérios de validade são critérios de fundamentação
(normativa), evidentemente que a norma que assenta esses critérios não pode ser
assim predicada (não pode ser válida ou inválida), mas observada ou não
observada. Por isso que para responder quando uma constituição é uma
constituição da comunidade C, basta responder que ela o é quando observada e
aplicada pelos órgãos constitucionais e, no todo, pela própria comunidade C: sua
existência é um problema empírico-político de estabilidade; estabilidade esta que
está relacionada, de modo elementar, com a manutenção da identidade do
exercício do poder que a caracteriza (Valdés, 1987).
Por outro lado, a predicação de validade é por vezes acentuada com a idéia
de obediência e, por extensão, de justiça, i.e., um critério que transcende a própria
normatividade para remeter a certos valores tidos como superiores, externos, e,
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não raro, projetados como universais. Quando se fala em justiça, assim, está-se a
mencionar um plano diferente do jurídico positivo; deixa-se este para ingressar no
canal do modelo de moralidade ou dos juízos morais. Aliás, o positivismo jurídico
nega essa possibilidade externa de condicionamento e sustenta razões internas
de validade. Duas teses são dignas de destaque: a tese do formalismo jurídico; e
a do formalismo ético (Bobbio, 1991). Para o formalismo jurídico justiça e validade
são dois conceitos independentes, pois a validade de uma norma nada diz sobre
sua justiça (e, portanto, com sua obrigatoriedade moral); para o formalismo ético a
validade de uma norma é condição suficiente de justiça, daí a derivação da
obrigação de obediência (moral da norma positiva). Observe-se que quando se
assume a tese do formalismo jurídico as instâncias aplicabilidade (que é uma
questão técnico-jurídica) e aplicação (que é uma questão ética além de jurídica –
que pode, inclusive, ensejar resistência do operador) deixam de ser
necessariamente co-extensivas.
Por sua vez, o termo eficácia, como na frase «A norma N é eficaz», tem,
entre os juristas, oscilado, ao menos, entre duas acepções: uma, por assim dizer,
propriamente jurídica; outra, por assim dizer, propriamente sociológica ou
sociológico-jurídica (Navarro, 1990). Com a idéia de eficácia propriamente jurídica
a informação que se intenta transmitir com a acentuação da eficácia de N é que N
possui as condições de produzir efeitos jurídicos. Três são as designações mais
comuns: eficácia como gradação de suas repercussões em razão de sua
regulamentação ou não; eficácia como aplicabilidade; e eficácia como força
normativa. No primeiro caso, diz-se ser a eficácia graduada desde sua plena
eficácia até sua eventual contenção, sempre a relacionando com a idéia de sua
auto-suficiência ou não diante de outra norma; no segundo caso, diz-se ser eficaz
a norma que pode ser aplicada e ineficaz a que não pode ser aplicada (por
exemplo: quando impedida de surtir efeitos por reconhecimento de sua
ilegitimidade constitucional por órgão competente para tanto); no terceiro caso,
eficácia está sendo relacionada com a peculiar força que uma norma possui caso
se leve em consideração sua posição hierárquica (por exemplo: afirma-se que
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uma norma de hierarquia superior tem maior força jurídica que a inferior, com o
que não a afeta).
Conforme a acepção de eficácia como propriedade sociológico-jurídica, esta
designa não mais a capacidade de produzir efeitos jurídicos, mas a peculiar
condição de N estar motivando os destinatários. Daí que neste segundo uso de
eficácia ou bem pode estar designando o cumprimento de N (pelos seus
destinatários gerais) como a aplicação de N (pelos juizes, por exemplo, depois que
N é descumprida). No primeiro caso a repercussão social remete à idéia de
realização voluntária da norma N; no segundo caso, de sua realização forçada
com o Estado importo seu aparato institucionalizado ou, como se usa também
dizer, seu monopólio da força física. Interessa observar que tem aparecido na
literatura especializada o termo ´efetividade´ para indicar o que aqui se está
chamando de eficácia sociológico-jurídica; isso, nas suas duas configurações
destacadas. É freqüente também designar a eficácia jurídica de eficácia interna
(porque atinente a normatividade propriamente dita) e a efetividade de eficácia
externa (porque atinente às reverberações fáticas da norma, como ela repercute
entre seus destinatários sejam eles gerais, sejam eles membros da burocracia
estatal).
Observe-se, por último, que são independentes as adjetivações de validade,
justiça e eficácia. Por isso é possível encontrar normas: (1) válidas, ineficazes e
injustas; (2) válidas, ineficazes e justas; (3) válidas, eficazes e injustas; (4) válidas,
eficazes e justas; (5) inválidas, ineficazes e injustas; (6) inválidas, ineficazes e
justas; (7) inválidas, eficazes e injustas; e (8) inválidas, eficazes e justas. Todavia,
ainda aqui há a necessidade de se atentar para uma distinção: no plano interno de
certo conjunto normativo, e para o positivismo tradicional, os itens 5, 6, 7 e 8 não
retratam normas corretamente elaboradas; ao passo que para o jusnaturalismo os
itens 1, 3, 5 e 7 não configuram normas que devam ser observadas. Já sob a
análise externa do conjunto normativo, os itens 3, 4, 7 e 8 são cruciais, pois, em
que pese o fato de não ser o caso de se avaliar sua validade ou invalidade de uma
constituição (pois dita predicação não lhe cabe) pode-se distingui-la em eficiente
ou ineficiente (sua aptidão de se realizar ou não, atendendo ao que objetiva: ser
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Bibliografia básica
ALCHOURRÓN, Carlos/BULYGIN, Eugenio. Introducción a la metodología de las
ciencias jurídicas y sociales. Buenos Aires: ASTREA, 1975.
BOBBIO, Norberto. Dalla struttura a la funzione (Nuovo studi di teoria del diritto).
Milano: Comunità, 1977.
BOBBIO, Norberto. El problema del positivismo jurídico. México: ITAM, 1991.
BOBBIO, Norberto. Teoria generale del diritto, Torino: G. Giappichelli Editore,
1993.
CARACCIOLO, Ricardo A. El sistema jurídico. Problemas actuales. Madrid: Centro
de Estudios Constitucionales, 1988.
GUASTINI, Riccardo. Dalle fonti alle norme. Torino: G. Giappichelli Editore, 1992.
KELSEN, Hans. Teoria pura do direito. São Paulo: Martins Fontes, 1998.
NAVARRO, Pablo Eugenio. La eficacia del derecho. Madrid: Centro de Estudios
Constitucionales, 1990.
PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti. Tratado de direito privado, vol IV,
Rio de Janeiro, Borsoi, 1970.
VALDÉS, Ernesto Garzón. El concepto de estabilidad de los sistemas políticos.
México: ITAM, 1987.