Sie sind auf Seite 1von 20

OS PCN E A AULA DE PORTUGUÊS

Pablo Picasso Feliciano de Faria


Campinas, 2006

INTRODUÇÃO

É lugar comum, nos dias de hoje, enfatizar a importância do


papel da Educação numa sociedade. Portanto, furtar-nos-emos de
encaminhar aqui tal discussão e passaremos a apontar os objetivos
do presente trabalho. A educação é um grande desafio, tanto no
âmbito das políticas e programas nacionais, quanto no âmbito
restrito de uma sala de aula.

Diante deste desafio, o governo brasileiro tem adotado, no


decorrer de nossa recente história educacional, diversas estratégias
que visam a melhorar e a universalizar o ensino, em função de
objetivos específicos relacionados às demandas da sociedade de
cada tempo e às posições ideológicas de cada governo. A proposta
em voga, hoje, é a dos Parâmetros Curriculares Nacionais, os PCN.

Concomitantemente às diversas iniciativas, ocorreu o


desenvolvimento do mercado editorial ligado ao livro didático (LD),
sendo que este passou a assumir, sempre com maior importância,
boa parte da responsabilidade pela organização dos conteúdos e
das formas de administração dos mesmos em sala de aula. Esta
importância chegou a tal ponto, que existe uma comissão criada
pelo governo, que analisa e classifica os diversos LDs disponíveis
no mercado, verificando em que medida eles respondem às
necessidades apontadas pelos PCN, em suas orientações com
relação ao ensino de Língua Portuguesa.

Porém, a realidade ainda é dura e complexa. Os problemas


estruturais, operacionais e sociais que influenciam no processo
educacional são ainda muito acentuados. É aí que se encontram os
grandes desafios. Aproximar a prática pedagógica das teorias
atualmente em voga – sob as quais os próprios PCN foram
elaborados – requer muito esforço e em diversas frentes, tais como
a formação dos professores, a melhoria das condições de trabalho
dos profissionais ligados à educação e das condições sociais dos
alunos e suas famílias.

Antes de tudo isso, porém, é preciso voltar nosso olhar para o


cenário atual e buscar meios de compreender e diagnosticar as
práticas pedagógicas atuais, para que seja possível conceber meios
de transformá-las e adequá-las aos paradigmas que ora os PCN
colocam.

O trabalho presente tem como objetivo principal discorrer sobre


os PCN e suas relações com as teorias de ensino-aprendizagem de
Vygotsky e as teorias de enunciação e gêneros do discurso de
Bahktin. Como objetivo secundário, a análise de uma aula de
português, com relação aos pontos considerados. Nesta análise,
tentaremos contribuir com a discussão em torno das práticas de
ensino, no sentido de apontar possíveis problemas atuais e quais
seriam suas eventuais causas.

OS PCN, O ENUNCIADO, OS GÊNEROS E A ZDP

Segundo Vygotsky (1935), aprendizado e desenvolvimento se


relacionam de maneira complexa e dinâmica. Isso se dá de tal
forma, que a aprendizagem converte-se em desenvolvimento no
decorrer da vida social da criança. É como se o desenvolvimento
estivesse sempre correndo atrás da aprendizagem e, ao mesmo
tempo, encorpando-se através da mesma. Neste contexto, Vygotsky
(1935) apresenta o conceito de ZDP – Zona de Desenvolvimento
Proximal – que designa, apropriadamente, a distância entre o nível
de desenvolvimento já atingido pela criança (desenvolvimento real)
e o nível de desenvolvimento potencial, ou seja, as aprendizagens
em curso que, num percurso natural, serão o desenvolvimento real
de amanhã.

Vygotsky (1935) está preocupado com a questão da educação.


Lembremos de alguns problemas que afligem os educadores, por
exemplo. Como educar, obtendo o máximo de aproveitamento da
capacidade dos alunos? Como reter a atenção dos alunos, nas
atividades propostas? Para Vygotsky (1935) há apenas um meio:
planejar as atividades didáticas levando em conta e buscando
incidir sobre a ZDP. Para tal, seria imprescindível que o educador
conhecesse tanto o desenvolvimento real quanto o potencial de
seus alunos, ou seja, as atividades que estes conseguem realizar
autonomamente e aquelas que são possíveis apenas com a
colaboração de outrem.

A despeito das dificuldades decorrentes de tal abordagem –


entre elas a questão de como avaliar confiavelmente tais níveis
(real e potencial) e acompanhar estes níveis para vários alunos, no
decorrer da vida escolar –, a idéia, ainda assim, parece-nos muito
interessante e abre um novo horizonte de perspectivas e desafios
para a educação. Curiosamente, estas idéias não são novas.
Porém, somente na última década, no Brasil, é que têm sido feitas
tentativas de aplicação das mesmas nas instituições de educação
do país, através dos PCN.

Os PCN têm, portanto, uma forte ligação com as idéias de


Vygotsky. Porém, antes de seguir para a análise dos PCN sob a
perspectiva vygotskyana, é importante considerar, rapidamente, as
idéias introduzidas por Bahktin (1952-53/1979), sobre o enunciado e
os gêneros discursivos – já que os últimos são apontados pelos
PCN como objetos de ensino de língua (PCN, 1998, p. 23).

Bahktin (1952-53/1979) traz para a lingüística um conceito mais


sofisticado do que seria a comunicação verbal. Até então,
considerava-se que a comunicação se dava entre
um emissor (ativo) e um receptor (passivo), estando o emissor livre
para formular suas construções verbais e transmitir o conteúdo da
forma que bem entendesse. Bahktin não aceita tal cenário, exceto
se tomado como representação de certos aspectos da
comunicação, mas nunca para a comunicação como um todo.

Para ele, na comunicação, há uma interação entre o emissor e


o receptor, de tal forma que a fala do emissor está sempre sendo
influenciada pela atitude responsiva ativa do receptor. Até mesmo
num contexto de composição literária em que, para o escritor, o
receptor é um ente fisicamente não presente e idealizado, este
interfere em função de sua reação e
expectativas esperadas ou imaginadas.

Nesta nova representação da comunicação, a unidade básica é


o enunciado. Seus limites, definidos pela alternância dos sujeitos
falantes, permitem-lhe assumir formas as mais variadas,
provavelmente ilimitadas. Assim, uma simples réplica do diálogo,
como “Vou!” ou um romance, podem ser considerados, cada um,
como um enunciado distinto. É aqui, então, que Bahktin (1952-
53/1979) introduz o conceito de gênero discursivo. As
diferentes realizações dos enunciados configuram os diferentes
gêneros discursivos, escolhidos em função da esfera de
comunicação, das necessidades de expressividade do enunciador e
do contexto em que se dá a comunicação.

Agora que temos uma idéia razoável destes dois referenciais


teóricos, podemos fazer uma análise dos PCN para terceiro e
quarto ciclos do Ensino Fundamental de Língua Portuguesa. Criado
em 1998, pelo MEC, este documento tem a intenção de
disponibilizar orientações que possam facilitar a aplicação de
pontos importantes das discussões teóricas mais recentes na área
da educação – incluídas a Pedagogia, a Psicologia e a Lingüística
Aplicada, entre outras áreas. Sendo, portanto, uma orientação, os
PCN não atuam como normas para a educação e, assim, podem ou
não ser adotados pelas instituições educacionais.

Este já é um primeiro ponto no mínimo desconfortável, se não


problemático, desta iniciativa. Se, por um lado, os PCN não criam
problemas operacionais graves para instituições que não possuem
condições estruturais e de recursos humanos, por outro, as
Secretarias de Educação pelo país afora se sentem pouco
pressionadas a se afinarem com suas orientações, tomando as
providências cabíveis e necessárias para a melhoria na educação.
Afinal, embora sempre haja espaço para discussão e melhorias, os
PCN parecem gozar de uma considerável unanimidade entre os
pesquisadores e pensadores da educação no país, já que foram
criados como uma síntese dos mais recentes desenvolvimentos na
área, bem como de orientações de organismos internacionais para
este campo, como a Unesco.

A idéia aqui, é que possamos perceber como os PCN se


relacionam aos dois referenciais teóricos apresentados acima.
Comecemos primeiramente pela ZDP.

Na seção “A Mediação do Professor no Trabalho com a


Linguagem” podemos ver uma ligação muito clara do PCN com o
conceito de ZDP em Vygotsky. Aqui, os PCN tecem diversas
considerações sobre a importância da mediação do professor no
ensino de língua, por exemplo, mostrando a importância de se
valorizar a palavra do outro na interlocução; ou tornando o ambiente
da sala de aula em espaço de reflexão e de contato crítico e
respeitoso com o diferente, enfim, um espaço de alteridade
saudável.

Mas a preocupação com a incidência do ensino sobre a ZDP


fica ainda mais clara na seguinte passagem:

Ao organizar o ensino, é fundamental que o professor tenha


instrumentos para descrever a competência discursiva de seus
alunos, [...] sob pena de ensinar o que os alunos já sabem ou
apresentar situações muito aquém de suas possibilidades e,
dessa forma, não contribuir para o avanço necessário. (PCN,
1998, p. 48, ênfase adicionada)

Na seção “Objetivos de ensino”, são listadas as várias capacidades


que deveriam ser desenvolvidas nos alunos, para cada uma das
atividades globais de escuta de textos orais, leitura de textos
escritos, produção de textos orais/escritos e análise lingüística.
Como um exemplo da preocupação constante com a ZDP, temos o
seguinte fragmento:

[...] espera-se que o aluno: [...]

 seja receptivo a textos que rompam com seu


universo de expectativas, por meio de leituras
desafiadoras para sua condição atual,
apoiando-se em marcas formais do próprio texto
ou em orientações oferecidas pelo professor;
(PCN, 1998, pp.. 49-50, ênfase adicionada)
Na seção sobre o “Tratamento didático dos conteúdos”, os
PCN enfatizam a necessidade de constante (re)avaliação dos
procedimentos educacionais, no sentido de buscar uma melhoria
constante e de verificar se os objetivos de ensino estão sendo
atingidos. Vejamos o fragmento:

[...] é preciso avaliar sistematicamente seus efeitos [do tratamento


didático] no processo de ensino, verificando se está contribuindo
para as aprendizagens que se espera alcançar. [...] os conteúdos
selecionados podem não corresponder às necessidades dos alunos
– ou porque se referem a aspectos que já fazem parte de seu
repertório, ou porque pressupõem o domínio de procedimentos
ou de outros conteúdos que não tenham, ainda, se constituído
para o aprendiz –, de modo que a realização das atividades pouco
contribuirá para o desenvolvimento das capacidades pretendidas.
(PCN, 1998, pp. 65-66, ênfase adicionada)

Enfim, um último fragmento que nos parece dar um arremate


final à conclusão de que a ZDP é um conceito essencial aos PCN:

Nessas situações, o aluno deve pôr em jogo tudo o que sabe


para descobrir o que não sabe. Essa atividade só poderá
ocorrer com a intervenção do professor, que deverá colocar-se
na situação de principal parceiro, favorecendo a circulação de
informações. (PCN, 1998, p. 70, ênfase adicionada)

Estabelecida esta primeira relação, passemos agora a analisar


a relação dos PCN com os conceitos bahktinianos de enunciado e
de gênero discursivo.

O primeiro aspecto que notamos é que os PCN enfatizam


sobremaneira a importância do estudo dos gêneros. Além disso, os
PCN sugerem, ainda, uma espécie de núcleo central, um conjunto
essencial de gêneros considerados relevantes para a vida cotidiana
e pública do estudante no mundo contemporâneo, tanto em
atividades orais quanto escritas.

Embora as noções bahktinianas estejam um tanto “diluídas”


nos PCN, podemos buscar alguns paralelos entre certas passagens
dos PCN e as considerações de Bahktin (1952-53/1979). Um
primeiro exemplo disso é no que tange ao objetivo de
desenvolvimento, no aluno, da capacidade de lidar com os
enunciados, descrito nos PCN como o domínio da expressão oral e
escrita em situações de uso público da linguagem (PCN, 1998, p.
49).

Bahktin separa a elaboração de um enunciado em duas


etapas: a escolha do gênero e dos recursos lingüísticos e a
determinação da composição e do estilo. A primeira etapa depende
exatamente das “situações de uso público da linguagem”. Cada
esfera do discurso público – e mesmo o privado – determina as
opções de gêneros possíveis e os recursos lingüísticos apropriados
à sua realização.

Os PCN apontam uma série de variáveis com que o aluno tem


de lidar, no papel de enunciador, tais como: lugar social do locutor
em relação ao destinatário; o lugar social do destinatário; intenção
do autor; tempo e lugar da produção e do suporte. Aqui,
sucintamente, cabem parênteses, ressaltando o
termo suporte utilizado pelos PCN.

Este conceito não é bahktiniano e se refere ao meio


de transmissão do enunciado, por exemplo, um livro didático (LD). É
um termo controverso, na medida em que ele se cruza com o
conceito de gênero bahktiniano. Para Bahktin (1952-53/1979), um
gênero secundário (complexo) absorve e transmuta vários gêneros
primários (simples). Nesta perspectiva, o LD pode ser considerado
um gênero secundário. Os PCN, aparentemente, tentam trabalhar
com as duas noções.

Retornando ao ponto em que estávamos, todas estas variáveis


apontam para, em Bahktin, a segunda fase do enunciado, visto que
esta fase tem como objetivo, responder às
necessidades expressivas do locutor. Aqui, ele vai decidir entre um
estilo formal ou informal; irônico ou satírico; etc. Inclusive a
composição texto/enunciado no gênero, será definida em função da
intenção.

Um pouco acima, foi utilizado o termo esfera. Concluímos que


este termo se refere ao que, nos PCN, é chamado de universo
temático. Outra noção bahktiniana que aparece diluída nos PCN, é
a de enunciado. Esta é alternada com a noção de texto, durante
todo o documento. É assim que, freqüentemente, encontram-se
passagens que tratam de relações de um determinado texto com
outros textos. Parece-nos perfeitamente possível admitir
uma identidade entre os dois termos.

Tudo o que os PCN enumeram como sendo habilidades


importantes a desenvolver no aluno, como inferência,
reconhecimento de intenções do enunciador, reconhecimento de
gênero, atitude responsiva crítica, uso de recursos figurativos, entre
tantas outras, podem ser resumidas na idéia bahktiniana de domínio
dos gêneros, que nos permitem interagir com o parceiro da
comunicação, prevendo a forma e o conteúdo do que
provavelmente será dito. Sem este conhecimento, Bahktin
considera a comunicação impossível.

Um último ponto importante a considerar. Se concordarmos


com Bahktin, que muitos gêneros já vêm sendo adquiridos pela
criança junto com a língua materna é de se supor e esperar que ela
chegue à escola com um pré-conhecimento prático fundamental.
Portanto, seria muito importante desenvolver o conhecimento em
nível (meta)lingüístico desses gêneros que ela já domina, visando a
facilitar sobremaneira sua aquisição de novos gêneros. Isto fica
ainda mais evidente se considerarmos, segundo Bahktin, que
muitos dos novos gêneros que a criança irá aprender na escola
sejam secundários e complexos, muitas vezes incluindo gêneros já
conhecidos por ela. Os PCN enfatizam tal necessidade, como
podemos verificar no trecho seguinte:

[...]

 desenvolvendo sua capacidade de construir um


conjunto de expectativas (pressuposições
antecipadoras dos sentidos, da forma e da função
do texto), apoiando-se em seus conhecimentos
prévios sobre gênero, suporte e universo
temático [...] (PCN, 1998, p. 50, ênfase
adicionada)
Antes dos apontamentos finais, há um elemento bem
interessante a ressaltar, dentre os objetivos dos PCN. É uma
surpresa muito positiva constatar como aparece de forma marcante
a preocupação com o desenvolvimento do conhecimento
sociolingüístico dos alunos. Os PCN parecem apontar – e de certa
forma isto está também relacionado à questão dos gêneros – para o
desenvolvimento do que tem sido chamado de competência
comunicativa sociolingüística.

Há uma constante preocupação em ressaltar a necessidade de


se preparar o aluno para as diversas situações de uso da língua, no
dia-a-dia. Além disso, enfatiza-se bastante a necessidade de
ensinar o aluno a compreender como semelhantes e de igual valor,
as diversas variedades do português falado no Brasil, a refletir
sobre seu próprio modo de falar e, assim, a refletir sobre sua
própria cultura local. Enfim, a aceitar a diferença como algo positivo
e a dirimir esta visão equivocada da uniformidade do português
brasileiro.

Finalmente, podemos apontar algumas questões que surgem,


face às propostas dos PCN. São propostas desafiadoras e que
exigirão de todos os envolvidos grandes esforços para sua
aplicação. Mas parecem apontar para o caminho certo. Dentre
estes desafios, como os próprios PCN ressaltam, é mister
desconstruir os modelos cristalizados de educação, dos quais
muitos dos atuais professores são herdeiros, construindo novos. Os
cursos de formação continuada oferecem uma bela oportunidade
para isto.

Além disto, seria muito interessante se, pelo menos, a nova


geração de professores fosse formada como agente desta nova
visão, deste novo paradigma. Teríamos, assim, a garantia de que
uma renovação se daria na passagem de uma geração de
professores para outra. A relação do professor com a linguagem
deve ser uma preocupação fundamental dos cursos de licenciatura.

Outro aspecto importante: o professor formado deve vivenciar o


que irá ensinar, sob a pena de não contagiar os alunos com o que
diz e faz. O gosto pela leitura, pelo conhecimento, o respeito à
diversidade lingüística, entre outros, devem ser requisitos
indispensáveis ao professor. Como enfatizam os PCN, é uma
responsabilidade coletiva de educadores – e onde acrescentamos
também os alunos – fazer da escola um espaço de crescimento, de
respeito, de cidadania. Aqui, certamente nos vem à mente um dos
problemas mais críticos de nosso sistema educacional, que é a
valorização do professor, tanto na questão salarial, quanto na
questão de formação. Portanto, tem-se um desafio concomitante ao
de aplicar os PCN: o de melhorar as condições de trabalho para os
profissionais da educação, para que estes tenham a oportunidade,
assim, de buscar sua constante atualização e crescimento como
profissionais e como cidadãos.

Os PCN sintetizam, em nossa opinião, muito do que pode ser


considerado o ideal na educação. Eles podem e deverão ser
revisados e melhorados, na medida em que sua aplicação aponte
os problemas e ou aspectos positivos de suas orientações. Mas
muito do que fará a diferença será, como sempre, a atitude pessoal
de cada educador. É preciso que cada educador se sinta, também,
um eterno educando.

É da perspectiva do que foi comentado até aqui, que iremos


analisar uma aula de gramática, para 7ª série de escola pública,
realizada em 1999, e apontar os aspectos que se aproximam ou se
distanciam tanto dos objetivos propostos pelos PCN, como das
teorias de Bahktin e Vygotsky.

UM OLHAR SOBRE A PRÁTICA

A análise que faremos nesta parte se baseia nos aspectos


apontados por Batista (1997), envolvendo aulas de Português.
Assim, primeiramente, será feita uma análise do que efetivamente
ocorreu no decorrer da aula em questão, para que, na conclusão,
seja possível apontar erros e acertos, na perspectiva das teorias
supracitadas e dos PCN. A aula transcorreu da seguinte forma [1] :
Nível Index Material Atividade Gênero
Gramática: Exercícios do
LD correção de LD
Turnos
1 exercícios do LD
1-129 Poema
Dicionário e explicação de
novos conteúdos. Explicação
Turnos Objeto de ensino:
1.1 LD LD
1-2 flexões verbais
Poema
Turnos
1.2 LD Verbos: pessoa Exercícios do
3-14
LD
Turnos
1.3* Dicionário Uso do dicionário Dicionário
15-23
Poema
Turnos
1.4 LD Verbos: pessoa Exercícios do
24-33
LD
Uso do dicionário
e Dicionário
Turnos
1.5* Dicionário
34-48
“interpretação” do Poema
verso
Poema
Turnos
1.6 LD Verbos: número Exercícios do
49-69
LD
Poema
Turnos Sujeito e
1.7 LD Exercícios do
70-78 predicado
LD
Poema
Turnos
1.8 LD Locução verbal
79-95 Exercícios do
LD
Explicação
Turnos
1.9 LD Tempos verbais
96-116 Exercícios do
LD
Turnos Exercícios do
1.10 LD Modo imperativo
116-128 LD
Repreensão
Turno Exercícios do
1.11 LD Exercícios para a
129 LD
próxima aula

Quadro 1 - Sinopse da aula

Como poder ser verificado no Quadro 1 acima, a aula em


questão era uma aula de correção de exercícios do LD. Além do
mais, já era a segunda aula seguida da mesma professora e havia
muito barulho na sala. A turma era de 7ª série, como informado
anteriormente e a aula era de Português, mais especificamente de
gramática.

O nível 1 do quadro acima diz respeito à organização


global (Batista, 1997) da instância da aula. O objeto de ensino desta
aula é a correção de exercícios de gramática intercalados com
explicações de novos conteúdos. Assim, a voz privilegiada nesta
aula é a do LD e a professora faz, basicamente, o papel de porta-
voz do mesmo.

Os níveis 1.1 a 1.11 representam os


níveis intermediários (Batista, 1997), que giram em torno de temas
propostos pela professora e que perfazem a seqüência de
atividades que organizam o transcorrer da aula. Com relação aos
níveis 1.3 e 1.5, especificamente, inserimos um “*” para sinalizar
uma diferença em relação aos demais: estes são propostas dos
alunos de mudanças no objetivo global da aula, as quais a
professora não atende senão muito superficialmente, com
implicações diretas na questão da ZDP, como será comentado na
conclusão.

Embora tenham sido inseridas como atividades dentro da


mesma seqüência global, elas poderiam ser consideradas como
atividades de uma outra seqüência global, visto que seu foco é
muito diferente do objetivo da aula exposto pela professora.

Sendo uma aula de correção de exercícios, pode-se afirmar


que a instância do exercício (Batista, 1997) assume uma posição
privilegiada e dominante, embora a instância da aula esteja sempre
presente, transparecendo nas estratégias de organização da
interlocução na sala de aula e nos momentos de explicação de
novos conteúdos. A instância do exercício contribui, especialmente,
para o controle fino do andamento da aula, através de seqüências
IRA de turnos, através das quais, os alunos estão em constante
avaliação por parte da professora.

O nível 1.1 indica o momento em que a professora inicia a aula,


enfatizando a retomada de temas já estudados que
serão atualizados (Batista, 1997) através dos exercícios. Aqui
temos um ponto importante a ressaltar: a professora, ao seguir o
LD, usa o texto – no caso um poema – como artifício para ensinar a
gramática, como vemos logo na primeira vez em que ela se dirige
aos alunos:

Pr.: [SI] nós estamos estudando, aplicando a gramática ao


texto que, que nós estamos vendo!? Tempos verbais, modos,
reconhecer bem os verbos.// O que mais nós estamos vendo
aqui? Regência, radical [SI] (Alunos falam algo) Ah!.. Já
fizemos isso! [SI] (ênfase adicionada)

Esta é uma prática cristalizada que os PCN vêm substituir por


novas orientações, visto que a gramática não é mais vista como um
fim em si, mas como um meio para o desenvolvimento das
competências lingüísticas do aluno (PCN, 1998, pp. 18, 23, 27-31).

Apesar de utilizar bastante as estratégias de interlocução que


são comuns em salas de aula e foram apontadas por Batista (1997),
tais como a constituição dos pólos de interlocução e as seqüências
triádicas locais para correção e avaliação, a aula prossegue com
grande dificuldade na manutenção da atenção dos alunos. Isto leva
a crer em um desencontro quase total entre a agenda proposta pela
professora (ou pelo LD) e a dos alunos. Uma das conseqüências
imediatas disto é a necessidade de afirmação da autoridade do
professor, como estratégia de organização da interlocução.

Na última atividade, 1.11, foi colocada, dentre os objetivos,


a repreensão. Admitimos que esta poderia ser entendida também
como um outro objetivo global, mas optamos por colocar assim,
visto que ela ocorre apenas no último turno, paralelamente à
atividade de indicar os exercícios para a próxima aula.

Aliás, este ponto é importante como indicador do modo de


trabalho adotado nesta aula e que, acreditamos, seja algo muito
comum nas escolas em geral. Ao iniciar a aula corrigindo exercícios
do LD e finalizá-la indicando novos exercícios para casa, a
professora parece trabalhar na estrutura exercícios do LD para casa
correção em sala de aula → explicação da professora. Isto
certamente tem, também, impacto na questão da ZDP e
retomaremos este ponto na conclusão a seguir.

DISCUSSÃO DOS DADOS

Cremos que as discussões explicitadas a seguir não são


diretamente, embora estejam relacionadas, aplicáveis a outros tipos
de aula, como as de leitura, de seminários, etc. Essas possuem
características peculiares que mereceriam outras considerações.

A grande questão que se coloca, em nossa visão, é: esta aula


funcionou? Ou seja, é possível perceber se houve ou não
aprendizado e se este modelo de aula é apropriado diante das
novas perspectivas teóricas?

Nossa resposta é não. Primeiramente, que fique claro que não


se trata de condenar a professora como incapaz e culpada pelo
insucesso da aula. Na verdade, acreditamos que as dificuldades
desta professora sejam um exemplo e um sintoma da fragilidade de
nosso sistema educacional. Ela é também uma vítima e só deixará
esta condição na medida em que lhe fornecerem meios de repensar
sua atividade profissional, a educação como um todo e seu papel
pessoal dentro dela. Ela e muitos outros vêm de uma formação
deficitária e não encontram, no contexto atual, possibilidades de
mudarem drasticamente sua forma de trabalho.

Além disto, o LD utilizado na aula foi o de um autor da tradição,


com uma visão ultrapassada do ensino para os padrões atuais. Se,
como ressaltamos na introdução, o LD é um suporte essencial no
contexto atual da sala de aula, sendo o professor quase que apenas
um gerenciador do tempo para que as atividades propostas pelo LD
sejam levadas a cabo, posição esta questionável, não é de se
estranhar que quanto mais distante do ideal estiver o LD, assim
também estará a aula.

E por que é que acreditamos que a aula não atingiu os


objetivos de ensino? Dois motivos nos parecem pertinentes. Em
primeiro lugar, pelo próprio objetivo da aula: ensinar gramática. Os
PCN orientam a considerar a gramática não como um fim, mas
como um meio. Ou seja, a gramática deve ser ensinada nos
momentos em que ela vá servir a outros fins de maior alcance,
como a compreensão e manuseio de gêneros, por exemplo.

Fica muito explícito na aula que nem os alunos e nem a


professora parecem compreender o poema utilizado
como artifício para o ensino da gramática. O que se verifica, na
verdade, é uma distorção deste gênero, em que suas
características de sentido metafórico não são abordadas, sendo o
poema tratado como um conjunto de frases soltas.

Mesmo aceitando o fato de que um gênero que circula fora do


ambiente de sala de aula nunca será o mesmo quando utilizado em
atividades didáticas, é preciso que haja um esforço consciente para
que esta alteração seja mínima, respeitando as várias facetas do
gênero, como a esfera, as condições de produção e recepção, etc.
Esta abordagem de ensino com valorização do gênero parece estar
tão distante deste modelo de aula que mesmo com relação ao
gênero dicionário os alunos parecem carecer de maior domínio.

Este problema está intimamente ligado ao segundo motivo para


o insucesso desta aula: a não-incidência sobre a ZDP.
Não nos parece possível dizer se os alunos efetivamente
aprenderam ou não. Se fosse preciso dar um parecer, diríamos
mesmo que não houve aprendizado, em função da grande
dispersão que vigorou durante toda a aula. Apenas alguns poucos
alunos interessados mantiveram interlocuções diretas com a
professora e demonstraram algum conhecimento prévio, sendo que
a aula não parece ter contribuído em nada para ampliá-lo, mas, na
melhor das hipóteses, apenas fixá-lo.

A aula analisada, no geral, perde praticamente todas as


oportunidades de atuar na ZDP. Seja nos momentos em que os
próprios alunos propõem a compreensão do poema ou quando eles
demonstram não ter compreendido bem algum tópico, a professora
deixa claro que incidir sobre o desenvolvimento potencial dos
alunos não é sua intenção, já que ela ignora todas estas
ocorrências.

Novamente insistimos num ponto: ela está seguindo o LD. A


meta de cada aula é desenvolver a “lição”, garantindo a realização
das atividades propostas. Isto nos leva de volta ao esquema de aula
apontado no final da análise.

Quando se pensa na importância de incidir sobre a ZDP, este


esquema parece estar fadado ao fracasso. Um esquema de aula
que tenta apenas retomar conteúdos de aulas anteriores e
exercícios feitos em casa, sem que estes estejam a serviço de
novos aprendizados, tende facilmente a levar à dispersão dos
alunos.

Afinal, um efeito imediato deste tipo de aula é polarizar os


alunos entre aqueles que já sabem e/ou se interessam e os outros
que estão com dificuldades e/ou não se interessam. Partindo deste
ponto, já fica muito difícil conduzir toda a turma de forma
homogênea. Principalmente, porque a professora está, por sua vez,
interessada em concluir a “lição” e não se propõem, portanto, a
dedicar especial atenção aos “defasados”.

Este tipo de aula poderia ser visto como um sorteio de cartas:


joga-se uma enorme quantidade de cartas para cima enquanto
tenta-se agarrar uma. Esta parece ser a situação dos alunos: o
professor despeja muito conteúdo e eles que se virem para agarrar
o que puder, de acordo com sua capacidade e “interesse”.

E se, além disso, o objeto do ensino está também equivocado


– como o ensino da gramática em si, a atividade didática e o
aproveitamento dos alunos ficam extremamente comprometidos.

Enfim, parece-nos que os problemas fundamentais desta aula


foram:

 Uma visão ultrapassada do que seja o ensino por parte de


todos os envolvidos (professor, escola, LD e alunos);

 O esquema de aula de retomada de conteúdos já vistos sem


que estes sejam ferramentas para novas aprendizagens e
sem considerar os desníveis entre as apropriações dos alunos
para os referidos conteúdos.

Para o primeiro problema, acreditamos que os PCN estão aí


para combatê-lo. Ele discorre satisfatoriamente sobre esta questão,
permitindo que os educadores que tinham pouco ou nenhum
contato com estas perspectivas educacionais possam, enfim, dar
um salto qualitativo e rever sua atuação profissional.

Para o segundo problema, serão necessárias muitas pesquisas


e análises “de campo”, ou seja, acompanhar a rotina da sala de
aula, buscando identificar os pontos positivos e negativos nos
esquemas das aulas. A partir disto, elaborar novas propostas de
atividades tanto no âmbito da aula real, a cargo do professor, como
no âmbito do LD, para que ele já chegue até a sala de aula com
uma abordagem mais próxima do ideal.

Esta é uma necessidade constante e que certamente trará


diferentes conclusões para diferentes contextos sócio-históricos e
regiões geográficas. Este é o lado dinâmico da educação, para o
qual os PCN ou quaisquer outros dispositivos semelhantes não
podem fornecer uma solução. Este é o lado da educação em que o
que vale é a atitude crítica e propositiva de cada um, dentro do seu
raio de ação.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BAKHTIN, M. (1953/1979) Os gêneros do discurso. In:


_____ Estética da criação verbal. São Paulo: Martins Fontes,
1992, pp. 277-326.

BATISTA, A. A. G. (1997) Aula de Português – Discurso e


Saberes Escolares. São Paulo, Martins Fontes, Cap. 2.

BRASIL (1998) Parâmetros Curriculares Nacionais: 3º e 4º


ciclos do Ensino Fundamental: Língua Portuguesa. Brasília/DF:
MEC/SEF.

VYGOTSKY, L. S. (1930; 1935/1978) A Formação Social da


Mente: Processos psicológicos superiores. São Paulo: Martins
Fontes, 6ª edição, 1998.

BIBLIOGRAFIA

BAKHTIN, M. (1952-53/1979) Os gêneros do discurso. In:


____ Estética da criação verbal. São Paulo: Martins Fontes, 1992,
pp. 277-326.

BATISTA, A. A. G. (1997) Aula de Português – Discurso e


saberes escolares. São Paulo, Martins Fontes, Cap. 2.

BRASIL (1998) Parâmetros Curriculares Nacionais: 3º e 4º ciclos


do Ensino Fundamental: Língua Portuguesa. Brasília/DF:
MEC/SEF.

CHARTIER & BOURDIEU (1985) A leitura: uma prática cultural.


Debate entre Pierre Bourdieu e Roger Chartier. In: R. Chartier
(org.) Práticas da leitura. São Paulo: Estação Liberdade, 1996, p.
231-253.
CHARTIER, R. (1995) Leituras “populares”. In R. Chartier
(1995) Formas e Sentido – Cultura escrita: entre distinção e
apropriação, pp. 141-167. Campinas: Mercado de Letras.

MARCUSCHI, B. & CAVALCANTE, M. (2005) Atividades de escrita


em livros didáticos de língua portuguesa: perspectivas convergentes
e divergentes. In M. G. Costa Val & B. Marcuschi (orgs) O livro
didático de Língua Portuguesa – Letramento, inclusão e
cidadania, pp. 237-260. Belo Horizonte: Autêntica.

MOITA LOPES, L. P. & ROJO, R. H. R. (2004) Linguagens, códigos


e suas tecnologias. In: Brasil/DPEM (2004) Orientações
Curriculares do Ensino Médio, pp. 14-59. Brasília, DF:
MEC/SEB/DPEM.

PEDROSA, M. C. N. S. (2006) As atividades de produção textual


escrita em livros didáticos de Português: caminhos e
descaminhos na formação de produtores de textos. Capítulo 1.
Dissertação de Mestrado. São Paulo: LAEL/PUC-SP.

ROJO, R. H. R. (1992) Modelos de Processamento em Produção de


Textos: subjetividade, autoria e monitoração. In M. S. Z. de
Paschoal & M. A. A. Celani (orgs) Lingüística Aplicada: da
aplicação da Lingüística à Lingüística transdisciplinar, pp. 99-
123. SP: EDUC/PUC-SP.

VYGOTSKY, L. S. (1930a) O instrumento e o símbolo no


desenvolvimento da criança. In M. Cole, S. Scribner et al. (orgs)
(1978) A formação social da mente, pp. 21-34. SP: Martins
Fontes, 1984.

_____ (1930b) Internalização das funções psicológicas superiores.


In M. Cole, S. Scribner et al. (orgs) (1978) A formação social da
mente, pp. 59-66. SP: Martins Fontes, 1984.

_____ (1935) Interação entre aprendizado e desenvolvimento. In M.


Cole, S. Scribner et al. (orgs) (1978) A formação social da mente,
pp. 89-104. SP: Martins Fontes, 1984.
[1] Proposta de sinopse baseada em Batista (1997). O Quadro não
foi detalhado até ao nível local – das seqüências de turnos – por
este não ser fundamental para esta análise. Os exemplos
específicos de turnos, quando necessários, serão citados no
decorrer do texto.

Das könnte Ihnen auch gefallen