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A VIABILIDADE DO USO DA ANTROPOLOGIA NO


ESTUDO DO " JEITINHO " NA ADMINISTRAÇÃO
PÚBLICA

Article · September 2015

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Carla Borges Almeida


Universidade Federal de Uberlândia (UFU)
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A VIABILIDADE DO USO DA ANTROPOLOGIA NO
ESTUDO DO “JEITINHO” NA ADMINISTRAÇÃO
PÚBLICA

Carla Borges Almeida

Curso de Pós-Graduação em Gestão Pública

EAD

Polo de Uberlândia, MG

RESUMO

Este estudo versa sobre a importância da antropologia aplicada à Gestão Pública. A


antropologia investiga o comportamento humano e toda sua produção cultural. Nesse
sentido, mostra-se importante a análise da Gestão Pública sob a ótica cultural e
comportamental das pessoas nela inseridas, examinando a viabilidade de empregar
métodos e teorias antropológicas nesse propósito. Como unidade de investigação, o
foco será a cultura do “jeitinho brasileiro” na administração pública.
Palavras-chave: administração pública, antropologia, Brasil.
2

INTRODUÇÃO

Estudos organizacionais fundamentados pela antropologia remontam desde o


célebre estudo de Hawthorne (JORDAN, 2003), entretanto, pouco se emprega dessa
disciplina e metodologia no serviço público. A investigação antropológica caracteriza-se,
sobretudo, por contato longo e intenso com campo de estudo mediante técnicas
etnográficas como a observação-participante, algo que poderia ser considerado
invasivo ao meio organizacional (BABA, 1995).

Investigar a cultura organizacional do serviço público brasileiro torna-se ainda


mais desafiador quando se leva em conta o fenômeno do “jeitinho brasileiro” na gestão
pública. O “jeitinho” nesse trabalho refere-se à práxis socialmente aceita de contornar
normas estatais e sociais para facilitar a consecução de fins (DAMATTA, 1997;
BARBOSA, 1992). Com esses problemas em mente, questiona-se o papel e a
viabilidade da antropologia aplicada à administração pública brasileira.

Usado tanto como meio de burlar formalismos draconianos quanto negligenciar


normas ou violar as leis, o “jeitinho brasileiro” é uma instituição cultural que permeia
vários campos, entre eles, a gestão pública. Embora estudado pela antropologia
(DAMATTA, 1997; BARBOSA, 1992) em contextos sociais amplos, pouco se tem
estudado como comportamento organizacional presente na gestão pública brasileira.
Essa se beneficiaria das análises antropológicas, pois o “jeitinho brasileiro” (DAMATTA,
1997; BARBOSA, 1992) adapta ou negligencia as normas afetando vários princípios da
administração pública, a saber: legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e
eficiência. Dessa maneira, conhecer as ferramentas da antropologia serviria para
avaliar os impactos do “jeitinho”, evitando ou recepcionando-o à gestão pública.

Assim, essa pesquisa centra-se na questão: como a antropologia poderia


investigar os impactos do “jeitinho brasileiro” na administração pública, propondo
diretrizes para gerir esse fenômeno cultural?

Este estudo espera testar a viabilidade teórica da antropologia como ferramenta


de gestão pública para compreender e administrar o “jeitinho” nos processos
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administrativos, na produção de resultados e relações com o público e na formação dos


quadros internos.

A verificação desses tópicos é relevante para determinar se o “jeitinho” poderia


dinamizar entraves burocráticos, mas se também seria um risco de responsabilidade
legal, política e de segurança. Com esse risco, avalia-se se uma investigação
antropológica de cunho etnográfico poderia gerar desconfianças inviabilizando-a ou se
ela poderia tornar-se um canal para aperfeiçoamento da gestão pública.

Como uma investigação teórica, o objetivo geral é avaliar se a antropologia


possui instrumentos conceituais para lidar com o jeitinho brasileiro na gestão pública.
Entre os objetivos específicos estão o aprofundamento na teoria da antropologia
organizacional que permitirá compreender as vantagens e fraquezas dessa abordagem
aplicada à administração pública. Para tal, uma revisão bibliográfica será feita.

Ao se atingir os objetivos específicos, poder-se-á alcançar o objetivo geral:


testar a hipótese respondendo a questão da pesquisa se a antropologia serviria para
investigar os impactos e a gestão do “jeitinho” na administração pública.

1. HISTÓRIA DA CULTURA ORGANIZACIONAL BRASILEIRA

A disciplina de antropologia geral surgiu no século XIX para compreender o


surgimento das populações humanas, seus desenvolvimentos e suas variações físicas
e culturais (ESPINA BARRIO, 2005). Apesar dessa abordagem totalizante da
humanidade (a palavra antropologia significa, etimologicamente, pensamento humano,
estudo do homem), o foco era em povos “primitivos” – grupos não ocidentais de
pequena população, geralmente ágrafos e com certa homogeneidade cultural. No
entanto, com o desenvolvimento da sociedade moderna e contemporânea, passou a
estudar grupos sociais em sociedades complexas: a antropologia passou do estudo do
“Outro” para incluir a investigação do estudo de “Nós mesmos”. Nessa mudança de
paradigmas, faz parte os estudos de aspectos gerais da cultura ocidental (inclusive
organizacionais) realizados pela antropologia. No Brasil, a partir dos anos 1980,
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antropólogos como Roberto DaMatta (1984, 1997) levantaram a questão do jeitinho


brasileiro, tema que seria examinado com trabalho de campo por Lívia Barbosa (1992),
que também seria pioneira nos estudos organizacionais sob a ótica antropológica.

Assim, a antropologia é uma ciência cultural e, portanto, abarca uma dimensão


política, visto que essa não existe dissociada do conceito de cultura. Dessa forma, para
analisarmos o “jeitinho brasileiro” sob a perspectiva antropológica, faz-se necessário
primeiro uma revisão histórica e política sobre o estado burocrático de Max Weber
(1999) e as relações patrimonialistas no Brasil. Essa análise será sob a ótica de
pensadores como Raymundo Faoro (2001) e Sérgio Buarque de Holanda (1999) para
depois examinar a influência do comportamento humano conduzido por esses institutos
na cultura organizacional da esfera pública.

Segundo o pesquisador da gestão pública José Antônio Fernandes (2014),


cultura organizacional é o conjunto de valores, costumes, hábitos e regramentos
genericamente aceitos por todos em uma instituição, tanto pública como privada. Assim,
cada empresa possui sua cultura organizacional, com seus valores e normas
potencialmente adotados pelos indivíduos inseridos nela. Paralelamente a isso, há a
cultura política que abrange as relações de poder, as disputas políticas, sendo estas
influenciadas pelo nosso processo de formação histórico.

O processo histórico formador da cultura brasileira e, consequentemente, seu


reflexo no serviço público é descrito em Holanda (1999). No livro Raízes do Brasil, o
autor discorre sobre o processo de formação da sociedade brasileira e o homem
cordial. Primeiro, é necessário explicar que no livro, o uso da palavra cordial não é
aquele adotado na acepção de “amável”, “afetuoso”, mas o sentido etimológico,
originado do latim cordis, que significa coração, empregada como alguém que age sob
influência do coração ou age pela égide emocional. Apesar de o termo ainda não existir
na época em que Holanda (1999) dissertou sobre o assunto, o “jeitinho” (que será
explicado adiante) traduz o conceito de “cordialidade” exposto por ele.

A formação do estado brasileiro foi também estudada por Raymundo Faoro em


sua obra Os donos do poder (2001). Baseando-se na história desde a formação política
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de Portugal até a era Vargas, explicou a sociedade brasileira pela ótica da apropriação
do poder público como se fosse privado emprestando conceitos de Weber (1999).

Nos estudos de Weber (1999), o autor tenta descobrir como ocorre o fenômeno
da dominação nas relações sociais. Segundo Campante (2003), mais importante que a
obediência real, para Weber (1999), é a crença do dominante na sua autoridade e a
aceitação pelos dominados dessa dominação como legítima, de forma a acreditarem
dever obediência a esse dominante.

Os tipos ideais dessa dominação, segundo Weber (1999), podem ser: legal,
carismática e tradicional. Na dominação legal, cuja forma mais pura seria a burocracia,
a obediência se dá ao estatuto, ao cargo e não à pessoa, de modo que, mudando a
pessoa, a obediência continua ao próximo que assumir o cargo. Nesse modelo ideal,
funcionários e chefes atuariam imparcialmente, todos trabalhando em prol do melhor
exercício de suas funções, desarraigados de vícios e vontades pessoais: agiriam de
acordo com as normas estabelecidas.

Na dominação carismática, o líder recebe obediência devido a suas qualidades,


não por causa do cargo que ocupa ou pela tradição, o que o efetiva como dominante é
o seu carisma. Exemplos dessa dominação foram o governo de Hitler e a liderança de
Martin Luther King.

Por último, a dominação tradicional, cuja forma mais comum é o patriarcalismo.


Nessa dominação, a tradição tem o poder incontestável e válida desde sempre. Nela,
vale a máxima de: “como sempre foi feito assim, há tempos ocorre dessa maneira e tem
dado certo, então não se deve mudar”. Geralmente só ocorre sua derrocada quando
entra em contato com o “novo”, com a modernização.

É nesse contexto da dominação tradicional que Weber (1999) faz o estudo do


patrimonialismo e o relaciona ao patriarcalismo. O patrimonialismo, para ele, é uma
forma de dominação baseada no poder da pessoa e ocorre quando o detentor do poder,
o dominante, considera o Estado como seu patrimônio, fazendo confusão entre público
e privado. Assim, com raízes no patriarcalismo ocorre o patrimonialismo, pois esse
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acaba se configurando como uma “extensão da casa” na qual a administração pública é


tratada de forma pessoal.

Weber (1999) considera que o patrimonialismo acaba desenvolvendo um


“estamento”. Contrário ao conceito de “classe”, o estamento é um grupo social definido
pelas suas crenças, honra e tradição, no qual o indivíduo se insere segundo seu
“status” e valores, e não por critério econômico. Essa estratificação social foi comum na
Europa anterior à Revolução Francesa, quando a sociedade se dividia nos estamentos
de nobres, clero e povo – cada qual com sua ordem jurídica e função social. Em
contrapartida, a sociedade de classe baseia-se na renda e no consumo. Dessa forma,
Weber (1999) explica a formação desses grupos sociais abrangendo a influência deles
para a diferenciação entre os grupos e reiteração da desigualdade e cuja formação do
estamento, associada à dominação tradicional, cria o patrimonialismo, no qual o público
passa a se confundir com o privado.

Faoro (2001) se apoia nas ideias weberianas, mas segue uma vertente única ao
relacioná-la com a realidade brasileira. Para ele, o “estamento” brasileiro é de modo
singular, constituído no patronato político brasileiro, “os donos do poder”. Esse
estamento brasileiro, guiado pela honra e relações pessoais, visa servir seus próprios
interesses. Assim, as ações estatais dependem, antes, do “estamento” que está no
poder do que negociações por ideais políticos que seriam de se esperar em um Estado
de direito. O estamento burocrático para Faoro (2001), nasceu na fundação do Estado
português, cujos reis distribuíam terras, cujas posses continuavam como patrimônio da
Coroa. Esse sistema, visivelmente patrimonialista, foi transplantado ao Brasil sob a
forma de capitanias hereditárias.

Assim, o surgimento do “jeitinho” remonta desde esse sistema de ocupação das


terras em forma de capitanias, em que, às pessoas com maior influência (ou ao
“estamento” de Faoro), eram doadas terras e seus donatários detinham cargos
públicos. Já nesse momento percebe-se a inserção do “jeitinho” na administração
pública, com confusão entre público e privado, o que remete à noção de
patrimonialismo exposto e analisado anteriormente.
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Análogo a isso, o antropólogo Darcy Ribeiro (1995), em seu livro sobre a


formação do povo brasileiro, propõe uma análise da relação de “cunhadismo” no Brasil.
Segundo ele, essa prática consistia em um hábito dos indígenas de incorporar
estranhos à sua comunidade, dando-lhes uma moça em casamento. Dessa forma,
criavam-se laços de parentesco, de modo que os europeus conseguiam mão-de-obra
dos “novos parentes” e os indígenas proviam-se de bens e mercadorias trazidos pelos
europeus. Esse sistema de troca de ajuda mútua bem se assemelha ao atual “jeitinho”
podendo ser, inclusive, caracterizada como outra das vertentes de surgimento da
prática do “jeito”.

Em suma, as matrizes de uma cultura nacional que refletem nas organizações


públicas combinam um estamento burocrático, acostumado a tratamentos cordiais, e
um patrimonialismo, que prioriza relações pessoais ao invés da impessoalidade de uma
burocracia racionalizada do Estado. Com esses conceitos já desenvolvidos e
consolidados pela antropologia e pelo pensamento social, demonstram-se viáveis
aplicá-los na investigação do serviço público, especialmente no enfoque do “jeitinho”.

2. USO DO JEITINHO NO SETOR PÚBLICO

2.1 O QUE É O JEITINHO

Segundo pesquisa de campo feita por Barbosa (1992), o “jeitinho” foi


conceituado pela maioria das pessoas como uma forma especial de se resolver algum
problema difícil ou situação imprevista e adversa, de maneira eficiente e de forma a
produzir os resultados desejados a curto prazo, sendo definitivo ou provisório, legal ou
ilegal. Em um horizonte que se confunde com o “favor” e a “corrupção”, o “jeitinho” seria
um meio-termo. O “jeito” se distingue da corrupção, pois não necessariamente envolve
aspectos financeiros ou quebra de algum dever legal. Mas, na prática, essas nuances
nem sempre podem ser percebidas. E enquanto no favor há um certo grau de
conhecimento entre as pessoas, no “jeitinho” esse conhecimento não é necessário, pois
a pessoa a quem se solicita o “jeito” se identifica e se envolve emocionalmente com a
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que o solicita pela relação de “hoje ele precisa, mas amanhã pode ser eu”. Dessa
forma, o “jeitinho” pode ser utilizado em praticamente qualquer situação que envolva
contato pessoal ou emocional direto. Apesar de haver características que facilitem ou
não o uso do “jeito”, como sexo, status ou renda, os fatores mais eficientes para se
pedir o “jeitinho” seriam comportamentais, ou seja, o modo de pedir, a simpatia.

No contexto brasileiro, o jeitinho é associado à malandragem. Segundo


DaMatta (1984, 1997), quanto mais socialmente aprovada o nível da malandragem,
mais associada ao “jeito” (visto também como esperteza, sagacidade) e menos
associada à bandidagem, à corrupção, à desonestidade. Na situação idealizada, ocorre
uma relação burocrática, impessoal. Mas ao trazer essa situação ao plano fático (leis
universais), têm-se os relacionamentos pessoais concretos, onde a ação é direcionada
à pessoa, ao tratamento diferencial guiado pelo “jeitinho”, pela “solidariedade” descrita
acima como a relação de “hoje é ele, amanhã serei eu”. O malandro, então, é aquele
que sobrevive nas situações adversas, pela simpatia, charme, conciliação e pelo grau
de identificação com fato que o agente tem com o receptor do “jeito”.

São exemplos de jeitinho a prática corriqueira de pedir à pessoa que lhe


acompanha ao supermercado para ficar na fila enquanto você faz compras ou
“compartilhar” a internet de maneira diversa à prevista em contrato.

2.2 RELAÇÃO ENTRE JEITINHO E BUROCRACIA

O “jeitinho”, mais utilizado quanto maiores forem os “entraves” existentes, passa


a ser empregado no setor público justamente devido a seus procedimentos
complicados. Como o Estado cria diversas exigências para regular procedimentos, os
cidadãos veem-se compelidos a solicitar o uso do “jeitinho” como forma de agilizar
processos, pular etapas e contornar requerimentos.

De acordo com Fabiana Bispo (2008), apesar de significar uma instituição


organizada por normas e procedimentos bem definidos e eficazes e caracterizada pelo
seu caráter impessoal, a burocracia se tornou popularmente conhecida como entraves,
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excesso de documentos e apego a regulamentos e rotinas que impossibilitam tomada


rápida de decisões. A burocracia teria como principais características a formalidade,
divisão sistemática e hierarquizada do trabalho, caráter impessoal (o que impediria os
“cunhadismos”) e meritocracia (escolhas baseadas em competência e capacidade
técnica). No entanto, essas características acabaram deterioradas pelo excessivo
regramento, controle e abusos de poder nas instituições. Devido a isso, surgem as
maneiras de tentar driblar esse sentido popular da “burocracia”.

Devido ao nosso contexto histórico e cultural, a solução mais adotada é a do


“jeitinho”, o cordialismo de Holanda (1999). Em contraponto ao formalismo e
impessoalidade da burocracia, aparece o “jeitinho” que, com seu caráter pessoal e
emocional, tenta resolver por meios rápidos e alternativos as dificuldades, mas sem
contrariar leis (distanciando-se da corrupção). A concessão do “jeitinho” também pode
ser associada à tentativa de “correção” de procedimentos que, às vezes, são vistos
como inadequados. Seria então uma mostra do poder que o concedente tem em
reavaliar a pertinência das leis. Essa cordialidade (que, nesse contexto, pode ser
traduzida em “jeitinho”) acaba invadindo a esfera pública. Aliás, a organização estatal é
oposta à organização familiar, visto que surge principalmente para gerir as relações
além dos círculos íntimos das pessoas. Nessa, deveriam predominar as atitudes
racionais e, naquela, os laços afetivos. No Estado, as pessoas devem estar sujeitas ao
rigor das leis e um comportamento passional não seria adequado a uma sociedade
democrática na qual deveria prevalecer o interesse público.

Ocorre, por exemplo, quando em determinada repartição pública, empresas


solicitam informalmente que a administração “atrase” a medição para que, quando na
ocorrência dessa, haja mais serviços concluídos levando a um montante mais vultoso.
Outro exemplo disso é a busca de informações extraoficiais sobre a viabilidade de um
projeto de obra pública, valendo-se de informação privilegiada não acessível a outros
concorrentes.

Também segundo Pires e Macedo (2006), as organizações públicas são


caracterizadas pelo excesso de regras e rotinas, pelo paternalismo (ligado aos
interesses políticos) e supervalorização da hierarquia e poder, o que leva à
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centralização das decisões. Essas características, associadas à descontinuidade


administrativa (mudança de gestão ligada à substituição política) acarretam vários
problemas na administração pública. O primeiro deles é projeto de curto prazo. Como
cada governo tem um tempo restrito para desempenhar suas atividades e “mostrar
serviço”, acaba por privilegiar projetos que possam ser iniciados e concluídos dentro de
seu mandato. Nesse contexto, o jeitinho garante ao menos algum retorno imediato ao
meio de tanta incerteza. No entanto, processos que levam à mudança comportamental
e organizacional demandam tempo e praticamente não trazem retorno político como
visibilidade ou autopromoção.

Outro problema decorrente dessa descontinuidade é a duplicação de projetos,


ou seja, o novo governo, em vez de concluir um projeto já iniciado em gestão anterior,
tende a iniciar novo projeto praticamente idêntico, de modo a assumir a autoria. E, sob
a perspectiva técnica, muitas vezes a administração é feita por pessoas que, ou não
tem o conhecimento técnico necessário para o cargo, mas é um “apadrinhado político”,
ou possui conhecimento de gabinete sem possuir experiência prática, o que leva a uma
gestão inepta e ineficaz. Essa incapacidade técnica abre oportunidade para jeitos.

Ainda no sentido da administração inepta, surge outro problema na esfera


pública, o da meritocracia. Afinal, como medir o desempenho da organização? Lívia
Barbosa, no texto “Meritocracia à brasileira: o que é desempenho no Brasil?” (1996),
aborda essa questão. Quando se faz uma avaliação do desempenho dos funcionários,
pode-se fazer uma melhor seleção e distribuição dessas pessoas nas áreas em que
terão melhor rendimento e produtividade. Em seu ideal, a sociedade brasileira está
organizada de modo meritocrático, ou seja, para ingresso em uma instituição, há
avaliações que medem o desempenho dos candidatos. Para evolução na carreira,
espera-se novas formas de avaliações, também centradas na questão do mérito.

No entanto, apesar de ser uma constatação de que a avaliação de desempenho


seja necessária e importante como forma de promoção e reconhecimento tanto dos
profissionais como das instituições, não há consenso sobre qual é a melhor maneira de
realizá-la. Por exemplo, se há um problema de ordem pessoal em uma instituição,
pode-se investigar e apurar o problema de modo a remanejar o funcionário ou melhorar
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o seu treinamento. Se for detectado problema de ingerência, pode-se investir em


formas de acompanhamento ou descentralização de decisões para evitar a ruptura dos
processos.

Nesse sentido, a antropologia insere-se nesse contexto por ser a área que
melhor poderia analisar esses quesitos por meio de pesquisa de campo, estudo
comportamental e análise estatística dos índices apresentados. O emprego de gestores
com algum treino em antropologia permitiria mapear rede de relações informais,
mensurar qualitativamente o desempenho de candidatos e reconhecer inovações de
processos que existem na forma de jeitinhos.

3. A ANTROPOLOGIA APLICADA PARA ANÁLISE DO JEITINHO

A antropologia geral é dividida em antropologia biológica (classificada como


ciência natural) e antropologia cultural (classificada como ciência social). Apesar de
relativamente independentes, uma auxilia a formação da outra. Mas, para o estudo da
utilização da antropologia no uso do jeitinho na gestão pública, aborda-se aqui o ramo
da antropologia cultural focada no estudo dos comportamentos humanos, costumes, e
origens socioculturais. No caso do estudo da gestão pública, um traço cultural geral
(comum a uma sociedade nacional) – o jeitinho – seria examinado sob a perspectiva de
uma instituição particular – o serviço público.

Extrapolando os limites de uma descrição, a antropologia cultural providencia


explicações para fenômenos culturais, sendo que uma parte da antropologia cultural é a
parte destinada à resolução de problemas concretos, chamada antropologia aplicada.
Essa área de atuação, que foge da visão essencialmente acadêmica que as pessoas
geralmente têm da antropologia, auxilia na formulação de políticas sociais,
educacionais e econômicas por meio de pesquisa feita em vários estágios. Com base
em pesquisas e estudos in loco, juntamente com outras disciplinas (principalmente a
psicologia e história), amplia-se o nível de investigação de modo a abranger com maior
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profundidade o maior número de variáveis no comportamento dos funcionários de uma


instituição, por exemplo.

A cultura forma a grande unidade analítica da antropologia cultural. Apesar das


múltiplas definições, a cultura pode ser antropologicamente entendida como um sistema
de crenças, hábitos, artefatos, estruturação social e símbolos partilhados e transmitidos
por membros de dada comunidade, tanto local quanto a humanidade como um todo
(ESPINOSA BARRIO, 2005). Para estudar a cultura, a antropologia desenvolveu suas
próprias ferramentas e teorias, salientando-se a etnografia.

Os estágios da pesquisa na antropologia aplicada seriam o da etnografia, que


envolve o trabalho de campo e observação, e a etnologia, onde faz-se o estudo
aprofundado. Para ESPINA BARRIO (2005) a etnografia significa literalmente “escrever
sobre os povos”, ou seja, uma atividade de recolha de informação por meio de trabalho
de campo onde o pesquisador antropólogo insere-se dentro do grupo ou organização
que se pretende estudar, participando e acompanhando as atividades e estilo de vida e
trabalho do grupo para angariar informações não eivadas, ou seja, informações livres
de vícios e não deturpadas. Isso não implica em uma antropologia “neutra”, mas que o
antropólogo reflita conscientemente de suas tendenciosidades, limitações e
envolvimento com os sujeitos estudados. Com essa reflexão crítica, o antropólogo está
apto a produzir uma etnografia metodologicamente válida, provável e refutável, dando
um caráter científico a sua investigação.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Esse estudo buscou analisar a viabilidade do uso da disciplina de antropologia


para investigar os impactos do “jeitinho brasileiro” na cultura organizacional da
administração pública brasileira.

Enfocando na análise do “jeitinho”, foram abordados conceitos como


patrimonialismo, patriarcalismo, cordialismo e burocracia, inseridos na cultura
organizacional brasileira. A partir dessas ferramentas teóricas, verificou-se que a
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antropologia, em sua ramificação de abordagem cultural, possui meios de estudo


compatíveis às necessidades impostas pelo ambiente público. Esse referencial teórico
é útil no estudo dos problemas concretos por meio das atividades da antropologia
aplicada, especialmente a etnografia e a etnologia.

O avaliador antropólogo pode se inserir no ambiente administrativo por meio de


pesquisa de campo, de modo a colher informações livres de vicissitudes, relacioná-los
aos quadros internos e procedimentos administrativos, e avaliá-los por meio de estudos
comportamentais e análises estatísticas. Esses dados, aliados à uma sólida
fundamentação teórica, providenciariam conhecimentos valiosos para uma gestão
pública mais eficiente.

A antropologia pode, além de avaliar esses comportamentos, ser utilizada para


a criação de métodos para serem utilizados na mensuração qualitativa e quantitativa do
desempenho dos funcionários, de modo a permitir uma mais fiel progressão
“meritocrática”, formalizar inovações processuais existentes como “jeitinho” e fomentar
uma compreensão global e aprofundada das organizações públicas.

Uma vez estabelecida a solidez teórica que a antropologia proporciona, o


próximo desafio seria incorporar pesquisas de abordagem minimamente invasivas em
contextos organizacionais públicos. Assim, espera-se que as teorias antropológicas
aplicadas nesses estudos possam servir de base investigativa e interpretativa para
posteriores pesquisas sobre a gestão pública.
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