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Resumo
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Licenciado em Letras, 2006, pela Universidade de Brasília (UnB), especialista Lato Sensu em
Psicopedagogia.Também é professor da Educação Básica no Distrito Federal e mestrando do Programa de Pós-
Graduação Stricto Sensu Mestrado Interdisciplinar em Educação, Linguagem e Tecnologias, da Universidade
Estadual de Goiás (UEG). E-mail: pi.silva@gmail.com.
ISSN 2176-1396
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Introdução
pardos), porém, em sua maioria, ainda em situação de pobreza, conforme pesquisa de 2014 do
mesmo Instituto, que indicou que em 2013, dos 10% mais pobres, 75% eram pretos ou pardos
e 23,9%, brancos (BRASIL, 2014).
Também nessa perspectiva, as pesquisas de Santos (2001), Silva (2001), Souza (2001),
Bento (2004), Gomes (2005) e Garcia Filice (2011) trazem constatações acerca dessa
realidade discriminatória no contexto escolar, não só entre os partícipes do processo educativo
nas instituições de ensino, mas também nas práticas pedagógicas dos professores, na
elaboração e seleção dos conteúdos curriculares e materiais didáticos. Por essa razão, também
cabem políticas de reparações, de reconhecimento e de ações afirmativas propostas pelas
DCNERER, pois se inscrevem em um contexto em que:
A demanda por reparações visa a que o Estado e a sociedade tomem medidas para
ressarcir os descendentes de africanos negros, dos danos psicológicos, materiais,
sociais, políticos e educacionais sofridos sob o regime escravista, bem como em
virtude das políticas explícitas ou tácitas de branqueamento da população, de
manutenção de privilégios exclusivos para grupos com poder de governar e de
influir na formulação de políticas, no pós-abolição. Visa também a que tais medidas
se concretizem em iniciativas de combate ao racismo e a toda sorte de
discriminações. (BRASIL, 2004, p. 11)
Ações afirmativas são aqui mencionadas conforme Adão e Freitas (2014, p. 320), sob
a perspectiva de que “[...] no âmbito das políticas públicas são medidas temporárias, que têm
a preocupação de promover acesso das minorias a direitos sociais básicos, como educação e
trabalho na sua dimensão prática, devido a processos de discriminação histórica”. A
publicação desses documentos e as discussões na escola a respeito de seu conteúdo foram, ao
longo dos anos, norteando minha prática docente, principalmente porque a problemática da
discriminação nas relações étnico-raciais negras dentro do ambiente escolar passou a estar
clara e latente nos conflitos surgidos em sala de aula, nas conversas de corredor dos
professores e professoras, nas opiniões emitidas e piadas e brincadeiras racistas entre alunos e
alunas no ambiente escolar.
Em razão do relato aqui referenciado tratar de questões ligadas a discriminações contra
negros e negras, adoto o termo ‘educação das relações étnico-raciais negras’, partindo do
pressuposto maior de que ‘Educação das Relações Étnico-Raciais’ contempla variadas
raças/etnias e culturas que constituem a sociedade brasileira. Dessa forma, meu trabalho
pedagógico enquanto professor voltou-se também para o entendimento da cultura brasileira
como parte do ensino de Língua Portuguesa – disciplina que ministrei antes de assumir a
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“É importante destacar que se entende por raça a construção social forjada nas
tensas relações entre brancos e negros, muitas vezes simuladas como harmoniosas,
nada tendo a ver com o conceito biológico de raça cunhado no século XVIII e hoje
sobejamente superado. [...] O emprego do termo étnico, na expressão étnico-racial,
serve para marcar que essas relações tensas devidas a diferenças na cor da pele e
traços fisionômicos o são também devido à raiz cultural plantada na ancestralidade
africana, que difere em visão de mundo, valores e princípios das de origem indígena,
europeia e asiática”.
A consolidação dessa identidade negra foi crucial para que as inquietações acerca de
experiências de preconceito e discriminação raciais vistos, ouvidos e vivenciados no dia a dia
da escola conduzissem minha reflexão pedagógica ao entendimento – e ao lamento – de que
não tive uma formação inicial adequada no curso de Letras para lidar com essas questões em
minha prática docente e que deveria buscar alguma formação continuada nesse sentido.
Algumas dessas experiências ficaram em minha memória entre 2011 e 2014, ao longo do
trabalho como professor do Ensino Médio em uma escola da SEEDF: quando vi um aluno
chamando o outro de “macaco” dentro da sala; quando ouvi um professor negro da escola,
extremamente chateado, relatar em uma reunião pedagógica que outro colega de trabalho
havia feito uma piada racista a respeito da cor de sua pele; e quando vivenciei o peso do
preconceito diante de alguns/mas de meus/minhas alunos/as que riram porque tinha alisado os
cabelos. Até hoje tenho gravado a fala “cabelo liso não combina com preto”, dita por um
deles. Aliás, tampouco houve, na formação inicial dos(as) meus e minhas colegas de trabalho,
conforme seus relatos, nos diversos cursos de licenciatura cursados por eles(as), discussão
sobre como lidar com questões como essas na escola, o que tem como consequência que boa
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parte das escolas evite falar mais sistematicamente sobre essa temática por não terem material
adequado e não terem profissionais docentes com formação suficiente sobre o assunto.
Considerando esse contexto, o relato de experiência que aqui apresento descreve o
projeto Racismo, mídia e educação, o qual foi desenvolvido no ano de 2014, uma escola
pública do Distrito Federal. Este relato está inscrito nos métodos ligados aos estudos
qualitativos, em razão de estes contraporem-se à divisão da realidade em unidades
mensuráveis e quantificáveis do paradigma quantitavista (ANDRÉ, 2005). Consoante essa
visão, Flick (2009) também demonstra como a pesquisa qualitativa tem caráter indutivo em
sua análise de dados, pois trata das relações sociais em suas múltiplas e diversas esferas e
perspectivas de vida. Nesse sentido é que busquei inicialmente minha a formação continuada
acerca da educação das relações étnico-raciais e tive a iniciativa junto ao corpo docente de
desenvolver uma oficina sobre essa temática para a promoção de debates e reflexões sobre o
racismo para com negros e negras, a fim de promover o conhecimento e desenvolver ações
pedagógicas no âmbito escolar contra discriminações e preconceitos, na perspectiva do
entendimento do ‘outro’, da compreensão humana, conforme Edgar Morin (2000, p. 96-98),
para quem a compreensão humana só é possível evitando-se, entre outros obstáculos, o
egoísmo, o etnocentrismo e sociocentrismo, que “nutrem xenofobias e racismos” e fazem
parte, dentre outras, das “causas e consequências das piores incompreensões”.
A decisão de realizar uma oficina junto aos professores e professoras do Ensino Médio
partiu da necessidade que senti ao longo do ano de 2014 enquanto coordenador pedagógico
dessa modalidade de ensino na escola. As situações vivenciadas e já mencionadas neste relato
foram as principais motivações para que, vendo ocorrências similares no dia a dia da escola e
como os professores e professoras relatavam acerca dos comentários de alunos e alunas sobre
acontecimentos de racismo que estavam em pauta nacional e mundialmente na mídia. Esses
acontecimentos me conduziram ao diálogo e articulação com a equipe gestora e supervisão
pedagógica acerca de um momento de formação continuada para o grupo docente sobre
influências midiáticas, juventude e racismo.
O espaço para a formação foi aberto em uma quarta-feira para seu desenvolvimento,
na reunião coletiva de coordenação pedagógica. Em princípio, a questão que perpassou minha
mente sobre o que fazer ao longo da elaboração da oficina de relações étnico-raciais foi em
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Fonte: o autor.
A oficina didática ‘Racismo, mídia e educação’ foi aplicada junto aos professores e
professoras do Ensino Médio de uma escola pública da periferia do Distrito Federal, em
reunião de coordenação pedagógica coletiva, no mês de junho de 2014. A ideia dessa oficina
foi bem acolhida pela equipe gestora da escola e bem recebida no dia de sua aplicação
pelos(as) 27 professores e professoras presentes, os quais realizaram todas as 4 etapas
previstas para sua realização, conforme descrito a seguir.
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Etapa Descrição
1ª etapa (25’) – Dinâmica A) Em um folha avulsa, foi pedido aos professores que
descrevessem uma pessoa bonita e socializar respostas.
B) Foi apresentado, então, um texto retirado da internet e
imagens sobre a eleição de Lupita N’yongo como mulher
mais bonita do mundo e procedeu-se uma discussão sobre
o conceito de ‘belo’ e sua concepção contemporânea
associada à raça e ao capitalismo.
C) O grupo foi instigado a relatar sobre influências da
mídia acerca do tema nas opiniões e conceitos dos alunos
e alunas da escola.
2ª etapa (25’) – Apresentação de slides A) Após a mediação das falas e opiniões apresentadas,
foram apresentados slides sobre conceitos e exemplos
acerca de ‘diferença’, ‘desigualdade’, ‘preconceito’,
‘discriminação’, ‘raça’ e ‘racismo’ e respondidas
questões que foram surgindo sobre o que foi apresentado.
Obs.: esta etapa pode ser integrada à primeira, em que a
discussão dos conceitos surge concomitantemente às
falas.
3ª etapa (35’) – Relacionando racismo vs. mídia A) Foi realizada a leitura de textos da Internet e imagens
vs. educação sobre recente fato ocorrido com o jogador brasileiro
Daniel Alves e sua repercussão midiática.
B) Foi realizado um debate de posturas contra e a favor o
caso relatado, com base no texto ‘Somos todos macacos’,
da revista Carta Capital.
C) Foi aberto espaço para relatos e opiniões sobre
influências da mídia acerca do tema nas opiniões dos(as)
próprios(as) docentes e também acerca dos conceitos
percebidos sobre o tema pelos(as) alunos e alunas da
escola.
4ª etapa (35’): Construindo intervenções A) Foi sugerido um momento de reflexão e confecção de
possíveis ações de mudança de atitude acerca do racismo
e seu combate na prática docente e no ambiente escolar.
Obs.: esta etapa pode ser realizada concomitante à etapa
anterior e as sugestões podem ser elencadas como
possíveis práticas pedagógicas para adoção no Plano
Político-Pedagógico (PPP) da escola.
Fonte: o autor.
por estar sendo o centro das atenções na mídia. Uma das professoras fez uma observação de
que em outro momento a atriz Lupita não estaria na capa como mulher mais bela, pois existe
um preconceito claro da revista, que raramente ocupa sua capa com mulheres e homens
negros(as), a não ser quando estão sob os holofotes da fama.
Posteriormente houve a exposição de conceitos acerca de ‘diferença’, ‘desigualdade’,
‘preconceito’, ‘discriminação’, ‘raça’ e ‘racismo’, seguida de rápidos comentários de
exemplos colocados pelo grupo que ilustravam cada um desses conceitos.
Passada essa etapa, foram apresentadas as reportagens acerca do caso de racismo
ocorrido com Daniel Alves (O ESTADO DE SÃO PAULO, 2014), jogador brasileiro do
Barcelona, que comeu uma banana lançada no campo por um torcedor. Também a campanha
iniciada por Neymar Jr., e seguida por famosos, divulgando fotos segurando bananas
(CARTA CAPITAL, 2014). Todos(as) professores(as) foram unânimes em não considerar
como crítica ao racismo a hashtag #somostodosmacacos (que acompanha as imagens das
bananas), pelo contrário, consideraram um reforço do racismo, especialmente após leitura
compartilhada que foi feita do texto ‘Contra o racismo nada de bananas, por favor!’,
disponibilizado no site da revista Carta Capital. Esse texto foi debatido e os argumentos
apresentados nele foram comentados pelos professores de história e pelo Diretor (que se fez
presente na discussão), sobre como a figura do macaco foi e é utilizada para deslegitimar
negros frente a brancos, portanto inadmissível como símbolo de campanha antirracista.
Por fim, o grupo foi questionado sobre as influências que todas as reportagens da
mídia apresentadas na oficina podem ter sobre os/as jovens que são o público-alvo do seu
trabalho docente, além de sua relação na perpetuação do racismo. Também se levantou a
questão acerca das representações de negros e indígenas nos livros didáticos, reflexo dessas
concepções publicitárias e de estereótipos sociais. Acerca disso, a professora de Espanhol e o
professor de Matemática começaram comentando sobre ter ouvido de seus alunos acerca da
insatisfação com a hashtag ‘#somostodosmacacos’, mas notaram que aqueles que reclamaram
eram alunos brancos.
O professor de Arte observou que a questão da representação errônea ou estereotipada
do(a) negro(a) e do(a) indígena é um problema desde a base escolar, em que essa
representação está nos livros didáticos com imagens de negros e negras apenas como
escravos(as) carregando senhores(as) brancos(as). Ainda sobre livros, uma das professoras de
Português fez uma observação acerca da representação literária dos(as) negros e negras no
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final do século XIX e ao longo do XX, os quais foram sempre mostrados como
subjugados(as) ou em péssimas condições de vida, mas ressaltou isso como sendo a realidade
pós-abolição. Por outro lado, a professora continuou sua exposição dizendo que raramente se
menciona a capacidade intelectual/artística dessas pessoas enquanto negros e negras que
contribuíram para a Literatura do país, como pouco se fala que Machado de Assis fora um
escritor negro. Ainda dentro do questionamento levantado inicialmente, os professores e
professoras partilharam experiências ligadas ao preconceito e à discriminação de negros e
negras. A professora de Filosofia comentou sobre um trabalho com piadas racistas que fez em
sala de aula e que houve alunas que pediram para ela encerrar a dinâmica de análise das
piadas porque estavam se sentindo mal com aquilo e não queriam mais discutir sobre as
influências daquele debate na escola porque não era uma coisa que elas poderiam mudar. A
orientadora educacional relatou um caso de um aluno que havia sofrido bullying e racismo
nos jogos das aulas de Educação Física e o professor dessa disciplina se manifestou sobre o
trabalho que precisou fazer com a turma sobre piadas racistas que levaram ao fato. Já o
professor de Arte ressaltou como piadas, xingamentos e a imagem do negro humilhado ou em
um subemprego é comum nos meios de comunicação e como os(as) jovens absorvem isso,
razão pela qual vemos tanto esses fatos relatados acontecerem na escola. O professor de
História, por sua vez, comentou sobre como sofreu com piadinhas preconceituosas de um
colega de trabalho na escola, claramente racistas – e mais de uma vez –, o que gerou debate
dentro do grupo e indignação com a atitude do agressor.
Após o debate, o momento seguinte de reflexão sobre possíveis ações pedagógicas que
poderiam ser feitas na escola para o combate ao racismo e como sugestões para constar no seu
Projeto Político-Pedagógico (PPP) gerou propostas aprovadas como encaminhamento à
equipe gestora: (i) realização de discussão dos mesmos textos da internet mostrados na oficina
– e outros a sugerir – com os alunos, por meio de minioficinas periódicas, como iniciativa
institucional; (ii) trabalho interdisciplinar e transversal nas disciplinas, associando conteúdos
formais a situações ligadas a raça e cultura negras e também sobre outras formas de
discriminação, como as advindas da prática de bullying; (iii) dedicação de alguns minutos da
aula (geralmente ao final, planejada a utilização de possível tempo ocioso) para tratar de
questões ligadas não só a raça, mas também a gênero e sexualidade, com base nas notícias da
mídia da semana e/ou trazidos pelos/as próprios alunos/as.
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Considerações Finais
A oficina ‘Racismo, mídia e educação’ aplicada junto ao corpo docente de uma escola
pública da periferia do Distrito Federal trouxe à discussão aos professores e às professoras da
instituição um tema aparentemente oculto – ou ao menos não se queria muito tratar a respeito
do tema –, o racismo. As falas e debates manifestados no grupo de professores e professoras
permitiram inferir como a sociedade brasileira ainda hierarquiza as diferenças transforma em
desigualdades a cor, a raça, a sexualidade, o gênero, que se tornam segregação e muitas vezes
definem a estratificação social, deixando de lado o conceito de princípios igualitários da
Constituição Federal, em seu artigo 5º (BRASIL, 1988). Com base nesse entendimento, os
professores e professoras participantes da oficina consideraram a iniciativa de formação
docente válida e pertinente, concordando em combater toda forma de racismo e preconceito
manifestada em piadas, comentários e brincadeiras, seja com discussão em sala, em reuniões e
conselhos ou repreendendo o ato discriminatório/preconceituoso.
Fica evidente, assim, a percepção de que as diferenças – que deveriam ser celebradas
como diversidade humana – acabam por ser a base para ocorrer desigualdades sociais, as
quais geram estereótipos, associação de imagens/conceitos coletivos negativos
preestabelecidos e que definem o sujeito, excluindo sua individualidade e capacidade. São
ações pedagógicas como a descrita neste relato que precisam ser mais frequentes no ambiente
escolar, já que instrumentalizam o corpo docente de maneira teórica e prática e o conduz à
busca de novos posicionamentos para o combate ao racismo e outras formas de discriminação,
contribuindo com a função social da escola, que é, para além da formação do corpo discente
acerca do conhecimento científico historicamente adquirido, também a de formar jovens para
o exercício da cidadania e para continuarem a construção de sua sociedade de maneira mais
justa e mais igualitária do que em momentos históricos anteriores.
REFERÊNCIAS
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Carta Capital. #somostodosmacacos foi criado por agência de publicidade. São Paulo, 28
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