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UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE

Instituto de Ciências Humanas e Filosofia


Departamento de História

Monografia
Memória da Greve de 88: percepções e trajetórias operárias frente a uma
memória oficial

Eduardo Ângelo da Silva

Orientador: Profº. Marcos Alvito

Leitor crítico: Profº. Marcelo Badaró Mattos

Dezembro de 2006
Índice

Agradecimentos ....................................................................................................................p.3

Introdução ...........................................................................................................................p. 4

Capítulo I - Capital e Trabalho no mundo contemporâneo: o caso brasileiro...............p.8


- A crise de um modelo e o ressurgimento da mobilização popular...........................p.8
- Ajustes do capitalismo contemporâneo: as políticas neoliberais e o padrão de
acumulação flexível.................................................................................................p.14
- O Ornitorrinco na selva do capital...........................................................................p.19

Capítulo II - A Greve de 88: antecedentes e desdobramentos.........................................p.26


- CSN: projeto industrializante e constituição do operariado...................................p.27
- As greves antecedentes (1984-1988).......................................................................p.30
- A Greve de 88 e seus desdobramentos....................................................................p.34

Capítulo III - Memória operária da Greve de 88: as disputas por cima, as memórias
operárias e outras possibilidades de investigação.............................................................p.42
-História oral e Memória Social ................................................................................p.42
- 9 de Novembro de 2006: sinal de uma reviravolta histórica?..................................p.43
- Classe, cultura e memória........................................................................................p.49
- As entrevistas...........................................................................................................p.51
- Do detalhe à generalidade........................................................................................p.73

Conclusão..............................................................................................................................p.77

Bibliografia............................................................................................................................p.79

Anexos...................................................................................................................................p.81

2
Agradecimentos

Por este se tratar de um trabalho de conclusão de curso os agradecimentos a serem


feitos se estendem a todos aqueles que colaboraram para meu percurso na universidade
durante estes anos. Seria impossível apontar a real importância destas pessoas ou mencionar
todas elas, mesmo assim, não poderia deixar de registrar de alguma forma minha gratidão.
Primeiramente, agradeço à minha família, em especial a meus pais, José Candido da
Silva e Marina Saldanha da Silva, pela oportunidade, carinho, incentivo constante e apoio
irrestrito. Estes foram meus alicerces na minha caminhada pela graduação.
À Kakau, minha namorada, que embora tenha tido que disputar minha atenção com a
monografia nestes últimos tempos, sempre me incentivou a superar as dificuldades que
surgiram ao longo do caminho.
Aos amigos da República 404 (Marcos, Caleb, Eugênio, Rodrigo, Fábio, Nishimura e
recentemente, Armi) pelo companheirismo e convivência agradável nestes quatro anos em que
dividimos o mesmo teto.
Aos amigos do ICHF (alunos, professores e funcionários), em especial às pessoas do
curso de História. Agradeço a todos pelas conversas, convívio fraterno e troca constante, além
das amizades que permanecerão ao longo da vida.
Ainda no convívio na UFF, não poderia me esquecer das amizades que fiz e do
aprendizado que tive nos locais onde trabalhei. Assim, gostaria de registrar meu
reconhecimento à importante e agradável convivência na BPH (Biblioteca de Pós-Graduação
em História) e no LABHOI (Laboratório de História Oral e Imagem). Neste laboratório tive a
oportunidade de muito aprender com o Profº Paulo Knauss.
Um importante registro de gratidão cabe aos trabalhadores com que tive contato neste
tempo de pesquisa em Volta Redonda. De maneira geral, em todas as ocasiões e
principalmente nas entrevistas realizadas, a solicitude que demonstraram foi um dos pontos
marcantes de nossos encontros.
Por fim, gostaria de agradecer ao Profº Marcos Alvito pela importante amizade e papel
desempenhado em minha formação enquanto professor e historiador. Além de me iniciar na
arte do rugby, a convivência com Alvito, marcada pelo fomento intelectual, despertou meu
interesse pelas vidas que constroem a História. O presente trabalho é fruto deste interesse,
todavia, não se deve atribuir-lhe responsabilidade caso os objetivos aqui propostos não
tenham sido alcançados.

3
Introdução

Aceleração. Este seria o fenômeno, segundo Pierre Nora, encarregado da crescente


distância entre uma memória verdadeira, intocada, presente nas sociedades ditas primitivas e a
História, que é o que as sociedades condenadas ao esquecimento fazem do passado1. A intensa
transformação social, marca das sociedades contemporâneas, geraria uma outra percepção do
tempo calcada em uma reconstrução sempre problemática e incompleta do que não existe
mais, a História. Porém, à memória ainda cabe o papel de manter a coesão interna e defender a
distinção entre os grupos humanos. De certa forma, o surgimento da primeira questão que se
desdobrou neste trabalho está ligado à percepção de uma aceleração do tempo e de uma de
suas conseqüências: o esquecimento.
Nas constantes viagens que faço a Barra Mansa, cidade onde residem meus pais,
necessariamente passo pelo Memorial 9 de Novembro, um monumento aos trabalhadores
assassinados pelo Exército na greve da Companhia Siderúrgica Nacional realizada em
novembro de 1988 (a Greve de 88). Ainda em 2004, passaria a reparar em alguns de seus
detalhes antes não notados por mim. Instalado em uma praça sem cuidados, com bancos
castigados pelo tempo e tendo seu concreto todo manchado, ele se encontra em frente à entrada
principal da CSN e ao lado de um Mac Donald’s, este, com todas as cores necessárias à venda
de seus fast foods. A partir de então, este contraste sempre me traria a questão: porque um
monumento dedicado a operários estaria naquele estado em uma cidade como Volta Redonda,
que surgiu a partir da instalação da Companhia Siderúrgica Nacional? Quais seriam as causas
deste processo?
Volta Redonda, desde a privatização de sua siderúrgica, viveu e vive grandes
transformações. Muitas empresas que compunham um cinturão de abastecimento à usina
desapareceram e o número de desempregados e trabalhadores informais aumentou
significativamente. A “cidade do aço”, visceralmente ligada à usina, teve que passar por um
processo de rearticulação econômica. Mesmo com um considerável desenvolvimento do setor
de serviços podemos dizer que o vácuo gerado pela privatização foi coberto apenas
parcialmente. De certa forma, esta “aceleração” histórica ligada às radicais transformações
vividas pela cidade se desdobrou na construção de uma nova imagem. Sem a possibilidade de
apontarmos, neste trabalho, os agentes desta construção ou como ela se processa, o fato é que
hoje, talvez, Volta Redonda seja mais identificada como a “cidade do Raulino” 2 que como a
1
NORA, Pierre. Entre Memória e História. In.: Proj. História. São Paulo, Dezembro de 1993. p.8.
2
O Estádio General Sylvio Raulino de Oliveira ou simplesmente Raulino de Oliveira foi inaugurado em 2004 e
se encontra entre um dos mais modernos do páis. Ao responder qual é minha cidade de origem a algum amigo
residente em Niterói ou no Rio de Janeiro indico a cidade de Volta Redonda como um referencial (cidade
vizinha) e em algumas ocasiões estes comentam: “A cidade do Raulino, não é?”.

4
cidade da CSN ou a “cidade do aço”. Ou seja, possivelmente as transformações econômicas e
sociais suscitaram um grande processo de transformação identitária na imagem pública da
cidade.
A partir de então pensei na possibilidade de perceber esta transformação através de um
estudo sobre a memória social da cidade. Este teria como alvo a memória da Greve de 88,
devido ao fato desta greve ser um acontecimento marcante na história da cidade o qual contou
com grande mobilização social em torno da luta operária e teve como desdobramento a eleição
de um metalúrgico para prefeito da cidade. Assim seria possível, através de entrevistas sobre
esta greve, perceber até que ponto a cidade se identificaria ou não com as lutas de um passado
recente.
Obviamente uma pesquisa de tal fôlego não seria realizável em uma monografia de
final de curso. Alertado por meu orientador sobre esta dificuldade, minhas pretensões
passariam a ter como alvo um grupo social específico: os operários da CSN. A pesquisa trataria
então de analisar as percepções operárias (memória operária) acerca da Greve de 88, buscando
identificar como os trabalhadores vêem hoje este episódio de luta após as intensas
transformações sociais vividas por eles. A partir desta questão foi elaborado o projeto de
pesquisa desta monografia.
Por se tratar de um estudo sobre memória social ligada ao mundo do trabalho tornou-se
necessário uma busca das transformações históricas (com ênfase no mundo do trabalho e no
caso brasileiro) dos finais dos anos 70 até o início do século XXI, na tentativa de melhor
compreender o fato histórico em questão (a Greve de 88) e as entrevistas (memórias
individuais) obtidas no presente. Em seguida, pretendeu-se uma reconstrução da greve e de
seus desdobramentos, de forma a contrapor as memórias individuais ao fato histórico em
questão e possibilitar seus cruzamentos, o que permite que as memórias tenham sentido.
Aliadas a estas duas tarefas foram realizadas entrevistas com operários e ex-operários de forma
a identificar diferentes memórias sobre a greve, suas relações e suas possibilidades de
transmissão ao longo do tempo. Seguindo esta lógica foram organizados os capítulos.
O primeiro capítulo aborda as transformações nas relações entre Capital e Trabalho no
mundo contemporâneo, com ênfase nas transformações ocorridas no capitalismo brasileiro.
Este capítulo procura apontar a crise do modelo econômico ditatorial e o ressurgimento da
mobilização popular, principalmente na década de 80, contexto em que a Greve de 88 se
insere. A partir deste panorama ele expõe como as transformações estruturais do capitalismo
contemporâneo, que implicaram no fortalecimento das políticas neoliberais e mudanças no
padrão de acumulação capitalista, se manifestaram no Brasil principalmente a partir da década
de 1990.

5
O segundo capítulo procura inserir a greve no contexto histórico mais amplo abordado
anteriormente além de resgatar as especificidades das relações de trabalho na CSN. Após um
pequeno histórico da CSN e a identificação de seu cotidiano operário, marcado por forte
disciplinamento (por vias ideológicas e repressivas) e militarização, ele aborda as práticas dos
trabalhadores nas greves anteriores à de novembro de 1988 e demonstra como estas se
inserem dentro das perspectivas do novo sindicalismo. O último ponto deste capítulo dedica-
se à Greve de 88 e seus desdobramentos, ressaltando sua importância para a história local e
nacional.
O último capítulo deste trabalho a princípio se dedicaria apenas à análise das
entrevistas realizadas. Porém, o desenvolvimento da pesquisa traria a necessidade de sua
reestruturação.
Em 9 de novembro de 2006 houve uma semana de comemorações em torno da Greve
de 88, acontecimento sem precedentes ao menos nos últimos 15 anos. Segundo seus
organizadores, ela buscou o resgate da memória da Greve de 88. Várias entidades
participaram do evento, sendo o Sindicato dos Metalúrgicos de Volta Redonda e Região seu
principal organizador3. Este intenso resgate indicou justamente a ausência de referências a
esta greve no discurso oficial anterior, ou seja, este resgate se insere em torno da disputa sobre
a memória oficial do sindicalismo na região. Tal acontecimento gerou a possibilidade de se
confrontar o material conseguido através das entrevistas (memórias individuais) às disputas da
memória oficial sobre a ação dos trabalhadores frente à usina, pois um dos pontos abordados
por estes discursos é a Greve de 88.
O capítulo 3, a partir de então, é primeiramente dedicado à identificação dos diferentes
discursos que disputam a memória oficial a ser defendida pelo sindicato local. Posteriormente,
através da apresentação das entrevistas realizadas, pretendeu-se expor algumas interpretações
de trabalhadores sobre a greve. Esta apresentação, além de nos informar sobre diferentes
percepções individuais da greve, também narrará diferentes trajetórias operárias na usina. A
partir dela será possível apontar alguns limites para aceitação dos discursos oficiais entre os
operários e também apontar como suas diferentes trajetórias influenciaram, em certa medida,
suas visões acerca da Greve de 88 e acerca das lutas dos trabalhadores da década de 80.
Através da análise das trajetórias operárias também percebemos que se tornou possível indicar
uma possibilidade de investigação das relações entre os coletivos de trabalhadores da CSN,
em especial, quanto às possibilidades de engajamento político neste período.

3
A nova gestão do sindicato iniciada em setembro deste ano se encarregou de comandar a organização destas
atividades. Nos anos anteriores, nenhuma direção do sindicato havia realizado uma manifestação semelhante.

6
O presente trabalho devido a sua especificidade enquanto um estudo monográfico de
final de curso tem o caráter de exercício da pesquisa histórica, reconhecendo que suscita mais
questões que conclusões, embora não tenha deixado de buscar estas últimas.

7
Capítulo I
Capital e Trabalho no mundo contemporâneo: o caso brasileiro

Quem preza e acredita em uma história feita por coletivos humanos sabe que não se
pode analisar qualquer fato histórico sem se reportar ao seu contexto. A análise deste cenário é
de grande valia para a compreensão dos constrangimentos sociais que levam os agentes
históricos, em especial, as coletividades, a empreenderem determinadas ações. E
especificamente nos estudos sobre memória 4, tal perspectiva contextualizante, parte do “ser
historiador”, cumpre um duplo papel: auxilia na compreensão do fato histórico em questão
(alvo das representações/memórias) facilitando a análise de suas evidências na busca de uma
representação crítica do passado; assim como, aponta elementos que em certa medida
explicam a viabilidade de uma determinada memória sobre um fato e as disputas em torno
dela. Um primeiro olhar, que contemple o passado e o presente, em suas continuidades e
rupturas, torna-se então obrigatório.
Resumidamente, o que se pretende neste capítulo é uma abordagem dos contextos
históricos onde ocorrem a Greve de 88 e as entrevistas realizadas com os trabalhadores
operários. Ou seja, buscaremos:
a) contemplar o contexto de mobilização popular no Brasil que marca o final dos anos 70
e se intensifica nos anos finais de 1980;
b) apontar como a políticas neoliberais e os novos processos de acumulação capitalista
intervieram no mundo do trabalho nos últimos 30 anos, transformando-o;
c) apresentar um atual panorama do capitalismo no Brasil por um viés que indique o
papel desempenhado pela classe trabalhadora.
Pretendemos, com esta primeira exposição, nos aproximar das experiências vividas
pelos trabalhadores operários de forma a desenvolver os subsídios necessários à análise da
memória de um grupo representativo deste coletivo, os trabalhadores operários da CSN na
cidade de Volta Redonda.

A crise de um modelo e o ressurgimento da mobilização popular

A significativa mobilização da classe trabalhadora nos anos 80, marcados pela ascensão
do número de greves e ampliação das reivindicações dos trabalhadores que chegaram a um
patamar político de crítica ao modelo econômico dos governos, tem sua raiz no esgotamento
do modelo econômico ditatorial, que teve como êxito efêmero o “milagre econômico”.
4
Entendida aqui, enquanto um campo de disputas onde diferentes interpretações lutam por sua inserção num
discurso capaz de dar coerência e sentido de continuidade a um determinado grupo social.

8
Devido às relações necessárias entre Estado e economia neste modelo, suas contradições
levaram à uma crise econômica que se desdobrou na esfera político-social. Ao final da década
de 70 já havia fissuras no interior do pacto de poder, e, do outro lado da moeda, a classe
trabalhadora iniciava um novo ciclo de mobilização marcado pelo surgimento do novo
sindicalismo.
O golpe de 64, que levou a uma transformação expressiva do capitalismo brasileiro,
reforçou e intensificou o modelo de desenvolvimento econômico existente desde o governo
jucelinista. Este estava baseado num tripé, no qual caberia ao capital estatal o investimento na
infra-estrutura de produção, ao capital internacional a produção de bens de consumo duráveis
(sendo os setores automobilístico e metal-mecânico a ponta-de-lança deste projeto) e ao
capital nacional caberia a produção de bens de consumo não duráveis para o mercado interno.
Desta forma, o desafio urgente que se apresentava ao governo ditatorial era a necessidade de
se buscar novas bases de financiamento e investimentos necessários à acumulação e criar as
bases institucionais para este feito, como por exemplo, a instituição de uma legislação
autoritária visando à diminuição do poder de luta dos trabalhadores, sendo o arrocho salarial a
principal estratégia adotada para a criação de recursos que financiassem a acumulação, o que
se justificaria pelo discurso de combate a inflação. A grande beneficiada por esta política
econômica foi a grande empresa (nacional e multinacional).
Entre 1964 e 1967 a economia se caracterizaria por uma recessão calculada que
proporcionou uma grande concentração de renda e a reprodução de capital. Por se tratar de
um modelo de desenvolvimento dependente do financiamento externo, um importante fator
que possibilitou seu sucesso provisório foi a grande liquidez no mercado financeiro
internacional entre 1962 e 1963. Ela permitiu a tomada de empréstimos com prazos de
pagamento dilatados e menores taxas de juros. A partir de 1968, o país atingiria recordes de
crescimento batendo taxas entre 9% e 10 % ao ano no período do conhecido “milagre
brasileiro”.
Contudo, deve-se responder a questão: milagre para quem? Evidentemente, para o grande
capital. O Estado impulsionava o desenvolvimento econômico investindo em infra-estrutura
através do endividamento externo e subsídio oferecido às empresas privadas (grandes grupos
monopolísticos), com a oferta de insumos a baixo custo, provenientes da produção estatal.
Para além deste mecanismo de financiamento externo às empresas é importante apontar o
mecanismo interno de garantia da lucratividade: o controle governamental sobre os sindicatos
que endossava a superexploração dos trabalhadores e o arrocho salarial. Embora o PIB entre
1968 e 1976 tenha crescido a taxas maiores que 10%, o trabalhador não participou da divisão
deste bolo, o que fica patente ao observarmos a desvalorização do salário mínimo no período,

9
como podemos observar na tabela abaixo 5. A partir dos primeiros anos da década de 70 a
exaustão da classe trabalhadora é facilmente visível6.

Índices de salários mínimos reais


Julho de 1940 = 100
Anos Índice de salário mínimo real
1969 68
1970 69
1971 66
1972 65
1973 59
1974 54
1975 57
1976 57
1977 59
1978 61
1979 61
Fonte : DIEESE. Boletim, abr. 1982, p.11-2.

Porém, não só os trabalhadores dão sinais de exaustão. A euforia em torno do


crescimento também chega ao seu fim e as contradições do modelo econômico se tornam uma
ferida aberta e visível.
A crise do petróleo ocorrida entre 1973 e 1974 levaria à impossibilidade da
continuação deste processo de acumulação. Ela reduziu a possibilidade de empréstimos
externos o que levou a uma crise de endividamento e à impossibilidade do Estado de manter o
ritmo de crescimento apresentado até então. Um importante fator que colaborou para tal
impasse foi o volume de capitais expatriados pelas multinacionais, que remetiam os lucros
aqui obtidos para suas matrizes no exterior. Como a ditadura e a esfera econômica haviam
estabelecido uma relação simbiótica, uma das questões em jogo, a partir de então, era o fato
de que a crise econômica levaria a uma crise de legitimidade do governo. A partir de 1974
ocorre uma tentativa de manutenção do ritmo de crescimento econômico, através da mudança
do principal agente de acumulação do modelo anterior. As empresas estatais produtivas
deveriam ser a prioridade política e econômica do governo em detrimento das indústrias de
bens de consumo duráveis. Entretanto não seria possível alterar todo o modelo econômico e
preservar as taxas de crescimento. O II PND7 seria o último suspiro do crescimento e

5
Extraído de: MENDONÇA, Sônia Regina de; FONTES, Virgínia Maria. História do Brasil Recente (1964-
1992). São Paulo: Editora Ática, 2004.p.67.
6
Outros dados que demonstram esta exaustão, como a média de acidentes registrados por dia útil entre 1971 e
1977 ou a esperança de vida ao nascer segundo a faixa salarial em 1976, podem ser consultados em: Idem. p.68-
69.

10
apontaria também a impossibilidade de sua permanência, representando um fracasso
econômico e político.
A instauração da crise e a mudança do setor a ser privilegiado pela política econômica
levaram a uma ruptura do pacto de dominação em vigor 8, restando ao Estado, nos anos finais
de 1970, como única alternativa possível mediante aos variados interesses em conflito das
variadas frações da classe dominante, uma política de desaceleração econômica que
alimentava a recessão.
Então, ao final da década de 70, os governos militares iniciariam seu projeto de
abertura política, que pretendia ser uma distensão controlada rumo a um governo civil. Esta
transição funcionaria como uma moeda de troca com os setores dominantes devido à opção
pela recessão. Porém, os desdobramentos do processo de transição ultrapassariam a
capacidade de controle pelo alto, em função da crescente mobilização dos trabalhadores
através dos movimentos sociais.
A classe operária, elemento chave do falido modelo de acumulação, foi atingida em
cheio pela recessão. Com a diminuição dos investimentos na produção o desemprego se
tornaria uma realidade cotidiana, além do arrocho salarial e da inflação. A resposta dos
trabalhadores se deu nos anos de 1978 e 1979, marcados por uma onda grevista que se
equiparava apenas às mobilizações do início dos anos 60. Esta onda se iniciou no centro
dinâmico da indústria brasileira – as empresas automobilísticas e metal-mecânicas - mas
acabou migrando para outros ramos como a construção civil e o setor de serviços. Ela seria
reflexo do surgimento de um “novo sindicalismo”, um movimento autêntico que buscava se
livrar da tutela do Estado que dificultava uma mobilização consciente dos trabalhadores. O
movimento sindical, a partir de então, capitanearia grande parte dos anseios dos trabalhadores.
A crise econômica se agravava nos anos iniciais de 1980. Em 1982 o recurso ao FMI 9
se tornou uma saída possível, pois os banqueiros internacionais privados não apostariam mais
na arriscada economia brasileira. Embora na década anterior as estatais tivessem sido o centro
de uma política de recuperação econômica, agora, elas seriam as vilãs e deveriam ceder
espaço à empresa privada, mesmo apresentando a partir de 1984 importantes índices de
produtividade decorrentes dos investimentos anteriores.

7
Segundo Plano Nacional de Desenvolvimento, plano econômico de forte política industrial que teve como
diretrizes básicas o desenvolvimento dos setores de bens de capital e insumos básicos e o fortalecimento da
empresa privada nacional, implementado entre 1974 e 1979.
8
Segundo Mendonça, o privilegio as empresas estatais produtivas levou a uma ruptura do pacto de dominação
vitorioso com o Golpe de 64: os interesses do capital bancário passam a se opor ao do capital industrial, o qual se
dividia entre os interesses do capital estrangeiro e do capital nacional. MENDONÇA, Sonia Regina de. Estado e
economia no Brasil: opções de desenvolvimento. Rio de Janeiro: Graal, 1986.pp.104-106.
9
Fundo Monetário Internacional.

11
A era dos planos – Cruzado (1986), Bresser (1987) e Verão (1989) – representou as
tentativas de ataque à inflação. Tendo como tarefa a estabilização econômica e o combate à
inflação, compartilhavam, em maior ou menor grau, da premissa de congelamento dos
salários. O prolongamento da crise seria acompanhado pelo crescimento do número e volume
das paralisações10. As reivindicações de reajuste salarial adquiriam uma forte dimensão
política devido ao fato dos modelos econômicos implementados pelos militares terem como
importante base de sustentação o arrocho salarial. Assim, entre 1983 e 1989 houve quatro
greves gerais que representaram a possibilidade de unificação das lutas dos trabalhadores e a
elevação do patamar de suas demandas, que além de visarem políticas de reajuste salarial,
com o objetivo de limitar as perdas causadas pela inflação, incluíam outras lutas gerais, como
a reforma agrária e a suspensão do pagamento da dívida externa. Outros fatos, no entanto,
também demonstram este alto grau de politização dos trabalhadores.
O sindicalismo combativo que tinha como centro nervoso o ABC paulista, aliado a
outros setores sociais, havia gerado em 1980 o Partido dos Trabalhadores que diferia
radicalmente da montagem tradicional de partidos legais no Brasil. Este representou a busca
de formas de participação política por parte de um movimento popular. Enquanto a CUT
(Central Única dos Trabalhadores) criada em 1983, fruto dos esforços de aglutinação do
movimento sindical, esteve por trás de boa parte das mobilizações do período, o PT atuava
como catalisador de muitas das demandas sociais no jogo político-partidário. A
inevitabilidade da negociação do processo de transição política com a incorporação de uma
parcela das demandas populares tem na campanha das Diretas-Já seu maior exemplo. Porém,
só a partir do debate constitucional instaurado em 1987 que as forças político-sociais
presentes neste cenário se delineariam com maior clareza, mostrando os limites a serem
enfrentados pelos movimentos sociais.
No debate constitucional, à direita, mesmo em meio a uma crise do pacto do poder,
crescia um movimento que pretendia permanecer com as benesses oferecidas pelo Estado e
simultaneamente pregava a desregulamentação da economia e a redução dos gastos sociais. À
esquerda, a mobilização desdobrava-se na luta contra as amarras corporativas que limitavam a
ação sindical e em alguns casos na defesa de uma radical autonomia, perdendo de vista, a
importância de uma possível regulamentação estatal, fruto da luta dos trabalhadores, que
pudesse garantir conquistas para esta classe. De forma geral, o debate constitucional apontava
para um consenso anti-Estado. A Constituição de 88 incorporou grandes conquistas para os

10
Das 118 greves registradas em 1978 às 3.943 greves de 1989, foram 12 anos de crescimento no número e
volume das paralisações. Este crescimento pode ser percebido em um gráfico sobre a ascensão das greves no
Brasil entre 1978 e 1991, presente em: MATTOS, Marcelo Badaró. Trabalhadores e sindicatos no Brasil. Rio de
Janeiro: Vício de Leitura, 2002. p.80.

12
trabalhadores e movimentos sociais, mas também expressou a capacidade de pressão das
forças conservadoras, as quais garantiram, por exemplo, a permanência dos elementos
centrais da estrutura sindical corporativista 11. Estes limites informavam também sobre as
dificuldades enfrentadas pelo movimento operário, foco das mobilizações do período.
O movimento sindical ao longo dos anos 80 viria se consolidar em meio a uma severa
crise que impunha dois grandes desafios: preservar os ganhos salariais de seus filiados frente
à devastadora inflação e incorporar a diferenciação dos trabalhadores, principalmente as
massas não urbanas. A conjuntura, no entanto, não era favorável. A queda do “socialismo
real”, os altos índices de desemprego causados pela recessão e a alta inflação minavam o
potencial combativo do movimento e fortaleciam uma tendência defensiva pragmática que
mais tarde desembocaria no “sindicalismo de resultados” e na criação da Força sindical, por
exemplo. Uma central sindical conhecida pela pregação da necessidade de colaboração com o
empresariado a fim de obter vantagens materiais para os trabalhadores.
Em um balanço sobre o período de transição, Francisco de Oliveira afirma que “no
Brasil, a política é uma invenção das classes dominadas” 12, sendo que nesta perspectiva a
redemocratização foi uma iniciativa dos dominados de trazer a política dos eixos do Estado
autoritário para uma contestação à ordem ditatorial. Oliveira aponta ainda que esta iniciativa
esteve presente na luta pela anistia, pela constituinte e na reativação do movimento sindical
que colocava em cheque a política salarial dos governos, deslocando a política dos círculos de
gabinetes burguês-militar para as classes dominadas. Entretanto, este mesmo processo que
revigorou a ação popular impôs a necessidade de um novo consenso entre as classes
dominantes. Oliveira também afirma que em 1989 há uma significativa aproximação entre as
classes dominantes brasileiras que esqueceram suas divergências e decidiram se unir em torno
de um salvador (Collor), porque tudo seria melhor que o sapo barbudo (Lula)13. O governo do
salvador pautado em uma política privatizante e neoliberal esbarraria ainda na capacidade de
mobilização popular, mas a pedagogia da recessão, tendo sua lição mais visível na
hiperinflação, seria capaz de estabelecer as bases para a construção do consenso em torno de
um pensamento monolítico, o neoliberalismo. As eleições presidenciais de 1989 encerrariam,
em certo sentido, o período de maior combatividade do que foi denominado “novo
sindicalismo”.

11
Dentre estas conquistas estavam: a redução da jornada de trabalho semanal, a compensação real por perda de
emprego sem justa causa, direitos sociais genéricos, além da flexibilização significativa da própria estrutura
sindical. Contudo, a reforma agrária e alguns elementos do sindicalismo corporativista permaneceriam imunes a
qualquer avanço devido ao bloqueio conservador. MENDONÇA & FONTES, op.cit. p.95.
12
FRIGOTTO, Gaudêncio; CIAVATTA, Maria (orgs.). Teoria e Educação no Labirinto do Capital. Petrópolis:
Vozes, 2001.p.56.
13
FRIGOTTO & CIAVATTA, op. cit. p.58.

13
Ajustes do capitalismo contemporâneo: as políticas neoliberais e o padrão de
acumulação flexível.

Ricardo Antunes atribui a adoção das práticas neoliberais e do processo de


flexibilização da produção nos países centrais do capitalismo à crise vivida por este sistema a
partir dos anos 7014. Seu principal sinal seria uma forte queda da taxa de lucro das grandes
empresas. Robert Brenner, por sua vez, qualifica esta crise como uma crise estrutural do
capital, pois ela estaria ligada a “compressão dos lucros do setor manufatureiro que se
originou do excesso da capacidade de produção fabril” 15. A resposta para a crise se deu tanto
no plano político-ideológico, ou seja, na pregação do fim do modelo social-democrático que
dava sustentação ao estado de bem-estar social, como na esfera produtiva. No segundo caso, o
padrão de produção taylorista e fordista deveria ser substituído por formas flexibilizadas e
desregulamentadas tendo como objetivo a instauração da chamada acumulação flexível.
Estas medidas têm como fim histórico a reposição dos patamares de expansão
anteriores à crise. É importante ressaltar que a crise do setor produtivo incentivou a expansão
dos capitais financeiros e expeculativos, os quais têm, a partir de então, uma presença
constante e determinante na nova conjuntura internacional. Contudo, o interesse da análise
aqui pretendida é observar como a ideologia neoliberal se vincula à esfera da produção
resultando em políticas de supressão dos direitos dos trabalhadores, legitimando e
intensificando as mudanças nocivas no mundo do trabalho.
Atentando para o caráter histórico do neoliberalismo Perry Anderson adverte que ele
nasce logo após a Segunda Guerra Mundial, sendo “uma reação teórica e política veemente
contra o Estado intervencionista e de bem-estar”16. Seus teóricos mais eminentes foram o
austríaco Friedrich Hayek e o norte-americano Milton Friedman. Estes, aliados a outras
personalidades, fundam em 1947 na Suíça a Sociedade de Mont Pèlerin, “uma espécie de
franco-maçonaria neoliberal, altamente dedicada e organizada, com reuniões internacionais a
cada dois anos”17. O objetivo de tal sociedade era combater o forte keynesianismo existente
após o término do segundo conflito mundial e garantir as bases de sustentação para um novo
capitalismo futuro, marcado pelo fim do estado de bem-estar que colocava em xeque a
vitalidade da concorrência e a desigualdade social, elementos imprescindíveis ao bom
andamento da economia.
14
ANTUNES, Ricardo. Adeus ao trabalho? Ensaio sobre as metamorfoses e a centralidade do mundo do
trabalho. São Paulo: Cortez, Campinas: Ed. Da Unicamp, 2003. p.175.
15
BRENNER, Robert. A crise emergente do capitalismo mundial: do neoliberalismo à depressão?. In: Outubro,
São Paulo, n.3,1999.p.12.
16
SADER, Emir; GENTILI, Pablo (orgs.). Pós-neoliberalismo: as políticas sociais e o Estado democrático. São
Paulo: Editora Paz e Terra, 2003. p.09.
17
Idem. p.10.

14
Estas idéias não obtiveram o êxito esperado enquanto o capitalismo viveu sua fase de
auge nas décadas de 50 e 60. Somente a partir de 1973, marco da crise do modelo econômico
do pós-guerra, o neoliberalismo encontraria uma conjuntura favorável à sua consolidação.
Pela ótica neoliberal a crise que se apresentava era conseqüência da ação parasitária do
movimento operário e especificamente dos sindicatos que impediam a normalidade da
acumulação capitalista devido ao poder de pressão imprimido sobre os Estados no sentido do
aumento dos gastos sociais. A economia de mercado estaria comprometida pela intervenção
estatal. Conseqüentemente, o ponto central de uma política que pretendesse solucionar este
problema deveria ser o ataque ao poder dos sindicatos, acompanhado de uma disciplina
orçamentária que ao conter os gastos do bem-estar garantiria a estabilidade monetária dos
Estados, o que auxiliaria também na retomada de taxas de desemprego que minassem a
capacidade de mobilização sindical. Em resumo, o programa neoliberal objetivou desde seus
primórdios o ataque aos direitos sociais e à redistribuição de renda de forma a alavancar a
desigualdade social como mecanismo de fortalecimento da acumulação de capital e do livre
mercado. O desemprego se encarregaria de desmobilizar os trabalhadores, e as políticas do
Estado, sobretudo a fiscal, fortaleceria os grandes capitais. Dentre estes, o maior beneficiado
pelo neoliberalismo seria o capital financeiro:

“... a tendência central a que vimos assistindo, especialmente


desde o final dos anos 70, é a dominação crescente do capital
financeiro. A lógica das políticas neoliberais tem sido, pois, de
garantir, proteger e expandir o campo de obtenção de lucro para o
capital financeiro e as multinacionais. Porém, as políticas necessárias
para garantir os interesses do capital financeiro foram impelidas às
expensas das bases da economia em geral, e da classe trabalhadores
em particular.”18

O primeiro país avançado a adotá-lo seria a Inglaterra, com a eleição do governo de


Margaret Thatcher ainda em 1979, acompanhada da direitização de outros governos na
Europa e na América, levando o neoliberalismo a uma incrível fase de expansão a partir de
então. Porém, não só a direita foi responsável pela adoção deste receituário. No sul da Europa,
por exemplo, foram os governos de esquerda, chamados euro-socialistas, que, chegando ao
poder pela primeira vez, se incumbiram de efetivá-lo. Mesmo as tentativas mais significativas
de redistribuição de renda, pleno emprego e garantia de direitos sociais, por parte destes
governos, fracassaram. Estes países se viram forçados pelos mercados financeiros
internacionais a retrocederem e implementarem uma política próxima à ortodoxia neoliberal.
Os partidos social-democratas, num primeiro momento, rivais inconciliáveis do
18
BRENNER, op. cit. p.11.

15
neoliberalismo, mostraram-se eficazes ao praticá-lo. Este fato seria o reflexo de sua
hegemonia ideológica alcançada ainda na década de 80.
Considerando o aspecto econômico deste período, o neoliberalismo não cumpriu sua
promessa. A recuperação dos lucros resultante da deflação conquistada, do desemprego e
contenção dos salários, além de uma tributação desigual, não levou a uma recuperação das
taxas de inversão produtiva anteriores aos anos 70. A desregulamentação financeira, elemento
essencial do programa neoliberal, havia criado condições muito mais adequadas ao capital
financeiro e especulativo, com suas transações puramente monetárias, que aos investimentos
na produção de mercadorias. Mas se na década de 80 já se via sinais deste fracasso
econômico, o que explica o revigoramento deste pensamento no início dos anos 90?
Sem dúvida, a queda do comunismo na Europa Oriental e União Soviética e o
posterior surgimento de regimes neoliberais nestas regiões (entre 1989 e 1991) “encheram o
tanque” da máquina neoliberal, que neste momento já se encontrava na reserva. Este triunfo
viria a repercutir de maneira favorável ao neoliberalismo em seu terceiro grande campo de
expansão: a América Latina, nos anos 90.
Anderson, em 1994, resume assim seu balanço sobre o neoliberalismo:

“Economicamente, o neoliberalismo fracassou, não conseguindo


nenhuma revitalização básica do capitalismo avançado. Socialmente, ao
contrário, o neoliberalismo conseguiu muitos dos seus objetivos, criando
sociedades marcadamente mais desiguais, embora não tão desestatizadas
como queria. Política e ideologicamente, todavia, o neoliberalismo
alcançou êxito num grau com o qual seus fundadores provavelmente
jamais sonharam, disseminando a simples idéia de que não há
alternativas para seus princípios, que todos, seja confessando ou
negando, têm de adaptar-se a suas normas”.19

Percebemos hoje que a hegemonia lograda por este projeto se perpetua e é


acompanhada por uma grande transformação na estrutura produtiva mundial. Esta
transformação tem como finalidade o novo padrão de acumulação flexível, marcado pelo
confronto direto com a rigidez do fordismo, o qual, segundo Antunes, podemos entender
fundamentalmente como:

“... a forma pela qual a indústria e o processo de trabalho


consolidaram-se ao longo deste século, cujos elementos constitutivos
básicos eram dados pela produção em massa, através da linha de
montagem e de produtos mais homogêneos; através do controle dos
tempos e movimentos pelo cronômetro fordista e produção em série
taylorista; pela existência do trabalho parcelar e pela fragmentação das
19
SADER & GENTILI, op. cit. p.23.

16
funções; pela separação entre elaboração e execução no processo de
trabalho; pela existência de unidades fabris concentradas e
verticalizadas e pela constituição /consolidação do operário-massa, do
trabalhador coletivo fabril, entre outras dimensões”.20

O modelo fordista, altamente voltado para a produção em massa, não mais atenderia às
necessidades do capitalismo impostas pela crise dos anos 70, devido a sua incapacidade de
responder à retração do consumo ligada ao desemprego estrutural, que então se iniciava.
Assim, aliado ao programa neoliberal de desmantelamento dos direitos sociais, tornava-se
necessário ao modelo produtivo uma maior flexibilidade. O modelo de produção fordista em
vigor deveria passar por um processo de reestruturação produtiva. Para Harvey, inaugurada
devido às necessidades de reestruturação da produção a acumulação flexível

“... se apóia na flexibilidade dos processos de trabalho, dos


mercados de trabalho, dos produtos e padrões de consumo.
Caracteriza-se pelo surgimento de setores de produção inteiramente
novos, novas maneiras de fornecimento de serviços financeiros, novos
mercados e, sobretudo, taxas altamente intensificadas de inovação
comercial, tecnológica e organizacional. A acumulação flexível
envolve rápidas mudanças dos padrões do desenvolvimento desigual,
tanto entre setores como entre regiões geográficas, criando, por
exemplo, um vasto movimento no emprego no chamado “setor de
serviços”, bem como conjuntos industriais completamente novos em
regiões até então subdesenvolvidas (...)”21

Ao longo do tempo as políticas neoliberais mostram-se sintonizadas com os processos


de reestruturação produtiva em uma dinâmica que leva o movimento sindical e operário a
uma grave crise. Outros fatores que colaboraram para esta crise foram: o desmoronamento do
comunismo, o surgimento da idéia do “fim do socialismo” e a conseqüente falta de um
opositor ao capitalismo que possibilitaria o rebaixamento das conquistas sociais dos
trabalhadores, além de um processo de social-democratização da esquerda e sua subordinação
à ordem estabelecida, como ocorreu no caso dos governos euro-socialistas.
A metamorfose causada pela reestruturação produtiva tem afetado a materialidade e
subjetividade dos trabalhadores. Dentro do quadro geral de transformações, podemos citar
como pontos relevantes: a) uma crescente redução do proletariado fabril estável e uma forte
desconcentração do espaço físico produtivo, mudanças ligadas à generalização de novas
tecnologias22; b) o surgimento de regimes de trabalho marcadamente precarizados
20
ANTUNES, op. cit. p.17
21
HARVEY, David. Condição pós-moderna: uma pesquisa sobre as origens da mudança cultural. São Paulo:
Edições Loyola,1992. p.140.
22
Antunes aponta que, enquanto na fábrica fordista 75% da produção era realizada em seu interior, os atuais
modelos, que se aproximam do modelo toyotista, apresentam apenas 25% da produção em seu interior.

17
-trabalhadores terceirizados e subcontratados, entre tantas outras formas de trabalho
desregulamentado, com garantia parcial ou inexistente de direitos sociais - que atualmente
apresentam uma grande concentração no setor de serviços; c) um aumento significativo do
trabalho feminino; d) a exclusão de jovens e idosos do mercado de trabalho; e) mudanças no
gerenciamento das empresas quanto à organização do trabalho e da produção, com incentivo a
polivalência do operário e de seu compromisso com a produtividade; f) a intensificação da
combinação bizarra, mas funcional, de trabalhadores multivalentes/especializados com
trabalhadores altamente precarizados/desqualificados no processo de produção e distribuição
de mercadorias, realidade perceptível, por exemplo, na relação entre um camelô e o designer
do último modelo de relógio que acabara de chegar à sua “banca”.
Todos estes fatores levam a uma alteração no perfil da classe trabalhadora, ou melhor,
da classe-que-vive-do-trabalho – expressão utilizada por Antunes que dá conta da
heterogeneidade existente entre os trabalhadores, mas não esquece de apontar o que os torna
um mesmo coletivo, o “viver do trabalho”. Esta classe se tornou mais fragmentada e
complexa, sendo este novo capitalismo um forte obstáculo ao fortalecimento dos laços
identitários entre os trabalhadores, comprometendo importantes valores sociais de coesão,
como lealdade, confiança e ajuda mútua23.
No Brasil o projeto neoliberal e a intensificação das mudanças no mundo do trabalho
se fariam presentes principalmente no início dos anos 90. O Estado brasileiro encontrava-se
dilapidado pela ditadura e a sociedade em uma atmosfera de mobilização popular que, no
entanto, não seria duradoura.

O Ornitorrinco* na selva do capital

Vimos na primeira parte deste capítulo, a relação visceral existente entre Estado e
economia no período ditatorial (1964-1984) e como a crise econômica inevitavelmente gerou
fraturas no bloco do poder ainda em meados dos anos 70. Vimos que, para Oliveira, a eleição
de 1989, altamente polarizada e precedida pela Constituição de 1988 – marca do desabamento
da esfera política dos gabinetes onde ditadura e burguesia se entendiam – levou à necessidade
de superação das divergências internas das classes dominantes. A primeira tentativa neste

ANTUNES, op. cit., pp.181-182.


23
Uma brilhante análise das interferências do novo tipo de trabalho na autopercepção de trabalhadores encontra-
se em: SENNETT, Richard. A corrosão do caráter: conseqüências pessoais do trabalho no novo capitalismo. Rio
de Janeiro: Editora Record, 2001.

18
sentido se deu em torno da candidatura de Fernando Collor de Mello, porém, esta não logrou
grandes resultados em seu governo.
Com a vitória de Collor na eleição de 1989 a proposta neoliberal chega ao poder no
Brasil. Depois de acirrada disputa, no 2º turno, contra Luís Inácio Lula da Silva (candidato do
PT e principal liderança surgida do novo sindicalismo no ABC paulista), Collor assumiu a
presidência e iniciou seu plano econômico baseado no congelamento de salários, deixando
claro que os trabalhadores continuariam a pagar a conta do modelo econômico. Seu programa
consistia na demissão de funcionários públicos, privatização de empresas estatais e abertura
do mercado nacional para as importações, um receituário de ajustes ao neoliberalismo para
países subdesenvolvidos ditado pelo Fundo Monetário Internacional e Banco Mundial.
Contudo, esta primeira iniciativa não obteve sucesso. O projeto de Collor não contemplaria
todas as frações da burguesia24 e ainda se depararia com a resistência popular 25, o que resultou
na aprovação de seu impeachment pelo Congresso Nacional, em 1992. Somente com
Fernando Henrique Cardoso seria possível cumprir as metas do ajuste neoliberal.
Amplamente amparado pelas classes dominantes FHC elegeu-se presidente em 1994
impulsionado pelo efeito do Plano Real. Este Plano, implementado meses antes da eleição,
quando FHC ainda exercia o cargo de Ministro da Fazenda de Itamar Franco, baseou-se na
paridade da moeda nacional em relação ao dólar o que possibilitou em seus primeiros
momentos uma pausa na queda do poder aquisitivo da população de menor renda. Porém,
qual seria a contrapartida do relativo controle da inflação? A condição para tanto era a
abertura às importações e a livre movimentação de capitais dentro do país26.
O Plano Real corroborou ideologicamente para a construção do monolitismo
neoliberal que teria por base uma pedagogia do medo construída por mais de 20 anos de
experiência de uma implacável inflação. A bandeira de garantia da estabilidade da moeda e o
crescente medo da mudança e experimentação entre as camadas populares (importante
conquista neoliberal) abrem o espaço político necessário para que FHC levasse adiante,
principalmente após sua reeleição em 1998, o que Collor apenas ensaiara. A ascensão do
neoliberalismo significou profundas alterações no papel do Estado. Os governos identificados
com seu projeto se encarregaram de executar a privatização de empresas públicas, diminuir a
participação do Estado na regulação do mercado e cortar gastos da seguridade. Tais medidas

24
* Inspirei-me aqui na forma como Francisco de Oliveira nomeia a sociedade e economia brasileira, com o
intuito de enfatizar a singularidade do capitalismo brasileiro em suas contradições esdrúxulas. OLIVEIRA,
Francisco. Crítica a razão dualista o ornitorrinco. São Paulo: Boitempo Editorial, 2003.pp.125-150.
Uma análise precisa das inconsistências do programa de Collor perante as frações da burguesia e sua
conseqüente crise institucional encontra-se em: MENDONÇA & FONTES, op. cit., pp.84-87.
25
FRIGOTTO & CIAVATTA, op. cit., p.25.
26
Idem, p.60.

19
teriam importantes conseqüências para a organização dos trabalhadores, em especial, para o
movimento sindical.
Como o explicado anteriormente, as políticas neoliberais estão sintonizadas com os
processos de reestruturação produtiva, que, segundo Mattos, juntamente com a permanência
de importantes elementos da estrutura sindical corporativa e as opções políticas das lideranças
sindicais ao longo dos anos 90, marcariam o refluxo do movimento neste período27.
A reestruturação produtiva, cuja maior conseqüência é o desemprego, levou ao
surgimento e fortalecimento de novas formas de contratação precária, diversificando assim o
perfil da classe trabalhadora. Desta forma, ela deu respaldo às novas propostas de “trabalho
participativo” que defenderam e defendem a colaboração entre capital e trabalho, pois a
ameaça de desemprego poderia conter as mobilizações dos trabalhadores. Além disso, os
processos de transferência de plantas fabris para áreas de menor atividade sindical, de
desregulamentação do mercado de trabalho e de encolhimento dos setores tradicionais do
sindicalismo operário, refletiram-se na fragmentação das organizações e diminuição da
filiação sindical.
Embora o novo sindicalismo tenha conquistado importantes vitórias na Constituição
de 1988, a mudança pretendida em direção a autonomia da organização sindical não ocorreu.
Permaneceram na legislação sindical, entre outros importantes elementos da estrutura sindical
corporativista: o poder normativo da Justiça do Trabalho e o imposto sindical. Estes impõem
limites à mobilização e combatividade dos sindicatos, os quais se tornam claros quando, por
exemplo, através do “poder normativo” a Justiça do Trabalho define o julgamento de qualquer
negociação trabalhista. Da mesma forma, a permanência do imposto sindical impulsiona a
formação de organizações sindicais cuja existência não está garantida pela adesão espontânea
dos trabalhadores ou por um histórico de lutas. Sendo que, se estas organizações dependessem
da contribuição espontânea dos trabalhadores provavelmente desapareceriam.
As opções das lideranças sindicais durante a década de 90 se ligam aos elementos
anteriores em uma possível explicação do refluxo do movimento sindical.
Frente ao quadro de transformações no mundo produtivo e do trabalho, as lideranças
sindicais se tornaram, em certa medida, monofônicas. A Força Sindical, por exemplo,
identificada como uma central de aproximação com os governos e empresários, pregou, desde
o seu surgimento, soluções negociadas. Contudo, dentro da própria CUT, identificada como
uma central tradicionalmente de luta, houve a predominância de uma visão que atribui às
transformações econômicas em curso um caráter inexorável. Isto se traduziu, segundo
Mattos, numa avaliação que afirmava “... que foi uma incapacidade de modernizar-se,

27
MATTOS, op. cit. p.85.

20
supostamente técnica, que levou ao fim de certos setores da produção” 28. A partir de então a
prática sindical se deslocaria de uma postura de oposição para a de negociação (palavra chave
nos novos tempos).
Muitos acordos fechados na década de 90 refletem o novo posicionamento da CUT,
sendo realizados sempre sob o peso das ameaças de demissão. No berço do novo sindicalismo
(ABC paulista), por exemplo, o sindicato fechou acordos em que aceitou a redução dos
salários, a política de incentivo às demissões e fechamento de postos de trabalho (via planos
de demissão voluntária). Estas atitudes foram tomadas sob o argumento da manutenção dos
empregos, porém, o desemprego continua ascendente nesta região. Um exemplo recente deste
tipo de negociação ineficaz pôde ser visto no acordo firmado entre o Sindicato dos
Metalúrgicos do ABC e a fábrica da Volkswagen de Anchieta, em São Bernardo do Campo -
SP. A fábrica, que passa por um processo de reestruturação produtiva, chegou a um consenso
com o sindicato para a viabilização da demissão de 3,6 mil funcionários. O acordo girou em
torno de um programa de incentivos a demissões voluntárias, que iniciado neste ano terminará
em 200829.
O crescente desemprego, apesar de não explicar consistentemente a mudança na
postura das lideranças sindicais, tem acompanhado o refluxo do movimento sindical e
alimentado as formas de trabalho precarizado, ou “informal”, para os que gostam de
eufemismos. Oliveira, em “O ornitorrinco”, aponta como estas formas de trabalho são
eficazes para o novo capitalismo global, sendo características imperantes no capitalismo
periférico, as quais, juntamente com a reestruturação produtiva causam a erosão da força
social dos trabalhadores.
A intensificação deste tipo de trabalho só se tornou possível devido a Terceira
Revolução Industrial, ou digital-molecular, combinada com a mundialização do capital, que
levou a produtividade do trabalho a níveis inimagináveis até então. A alta produtividade do
trabalho consegue eliminar a porosidade entre tempo de trabalho total e o tempo de produção,
transformando todo tempo de trabalho em tempo de trabalho produtivo. A jornada de trabalho
não se torna mais necessária, podendo ser suprimida juntamente com os direitos dos
trabalhadores. Atualmente o setor de serviços apresenta esta tendência com maior clareza.
Nele a desregulamentação do trabalho chegou a tal ponto que o pagamento dos trabalhadores
depende do resultado das vendas das mercadorias. Ou seja, o rendimento do trabalhador

28
Idem, p.94
29
A reportagem “Volkswagen e sindicato fecham acordo para demissões no ABC” pode ser consultada no
seguinte site: http://noticias.uol.com.br/economia/ultnot/valor/2006/09/11/ult1913u56916.jhtm

21
depende da realização da mercadoria (realização do lucro do capitalista). Vendedores
comissionados e camelôs são alguns exemplos disso.
No Brasil, o efeito da espantosa produtividade do trabalho teve conseqüências
devastadoras, tanto para os trabalhadores como para o estatuto da inserção do país no novo
capitalismo mundial.
O modelo de acumulação digital-molecular não enfrentou grandes dificuldades frente
ao trabalho dito formal (regulamentado e com garantia de direitos sociais). A agricultura
atrasada (em grande parte de subsistência) financiou o processo de industrialização brasileiro
ao longo do século XX, o qual, neste movimento, deixou como rastro uma enorme reserva de
trabalhadores “informais”. Excetuando-se os guetos fordistas, não houve maiores dificuldades
para a realização deste modelo de acumulação no Brasil. A efetivação da superexploração tem
se dado sem grandes entraves. A década de 90 foi marcada pelo ataque aos guetos onde Ford
ainda imperava, sobretudo, através das privatizações, o que gerou ainda mais trabalhadores
precarizados.
Quanto à nova realidade do funcionamento das economias periféricas, diferentemente
da acumulação baseada na Segunda Revolução Industrial que permitia saltos de
implementação sem acumulação científico-tecnológica anterior por estar pautada em um
conhecimento difuso e universal, a revolução atual (digital-molecular) é incremental. Ela
necessita de um intenso acúmulo de conhecimento técnico-científico, o que exige sempre um
esforço além das forças internas de acumulação de capital, sendo necessária a renovação dos
mecanismos de dependência financeira externa, não para a produção de conhecimento, mas
para a cópia de tecnologias descartáveis pois esta necessidade tornou-se uma constante não
havendo um futuro em que ela não se dê.
Na impossibilidade de usar seu parque industrial decorrente da Segunda Revolução
Industrial como motor da acumulação e com insuficientes recursos para uma acumulação
digital-molecular, o “ornitorrinco” está condenado a se submeter ao capital financeiro,
constante credor e provedor de recursos para as precárias atualizações de sua subordinação.
Para Armando Boito a última atualização do neoliberalismo “brazuca” foi realizada
pelo governo Lula30. Ela teria vindo em resposta a uma crise instaurada durante o último
mandato de FHC:

“O desequilíbrio das contas externas, provocado pelo


pagamento da dívida, pela crescente remessa de lucros oriunda do
avanço da internacionalização da economia e pela própria abertura
comercial poderia comprometer a capacidade de pagamento do Estado
brasileiro, e, no limite, se chegasse a um nível muito baixo das
30
BOITO, Armando. A burguesia no governo Lula. In.: Crítica Marxista. São Paulo, n.21, pp.52-76.

22
reservas internacionais, poderia, inclusive, inviabilizar, por escassez
de reservas, a liberdade básica do capital financeiro internacional de
entrar e sair livremente do país.”31

Esta crise de estrangulamento da economia levou a uma nova etapa do neoliberalismo


brasileiro. O Estado, a partir de então, deve estimular a “caça aos dólares”, ou seja, a
produção da grande empresa exportadora. Esta política econômica deve ser capaz de garantir
uma balança comercial favorável, desde que os dólares obtidos sejam direcionados para o
pagamento dos juros da dívida, o que garante a reprodução da dependência econômica sem
seu estrangulamento. O agronegócio, os recursos naturais e produtos industriais de baixa
densidade tecnológica são os trunfos de que dispõe o capitalismo brasileiro para sua corrida
aos dólares. Todos eles submetidos às demandas do capital financeiro, por isso, o não
investimento na produção para o mercado interno.
Embora exista uma hierarquia entre os setores beneficiados por esta política, sendo o
capital financeiro a prioridade número um deste modelo econômico, o benefício comum a
todos é a manutenção do arrocho salarial. A superexploração do trabalhador brasileiro é que
permite a competitividade das exportações no exterior. Dados significativos da articulação
entre o grande capital produtivo exportador e o capital financeiro podem ser observados
abaixo32:

Os vinte maiores lucros do primeiro trimestre de 2005


Segundo balanços divulgados até 13 de maio

EMPRESA SETOR VARIAÇÃO (sobre o 1º LUCRO LÍQUIDO


trimestre de 04) (R$ milhões)
Vale do Rio Doce Siderurgia / met. 69% 1.615
Bradesco Financeiro 98% 1.205
Banco Itaú Financeiro 30% 1.141
Usiminas Siderurgia / met. 180% 1.001
CSN Siderurgia / met. 115% 717
Gerdau Siderurgia / met. 81% 695
Itausa Financeiro 42% 679
Cia. Sid. Tubarão Siderurgia / met. 207% 537
Telesp Telecomunicações 17% 490
Unibanco Financeiro 45% 401
Banespa Financeiro 1% 331
Gerdau Met. Siderurgia / met. 87% 312
Telemar Telecomunicações 21% 282
31
Idem, p.64.
32
Ibidem, p.67.

23
Aracruz Papel e celulose --- 201
Copesul Química --- 197
Acesita Siderurgia / met. --- 177
Tractebel Energia Elétrica --- 172
CPFL Energia Energia Elétrica --- 166
Votorantin Papel e celulose --- 145
Ambev Alimentos / bebidas --- 144
Fonte: Caderno Dinheiro da Folha de S. Paulo, edições de 11,12 e 13 de maio de 2005.

Embora este seja um quadro limitado por se tratar de um panorama instantâneo


trimestral é possível fazer algumas observações. Do total de empresas listadas, 14 são grandes
empresas do setor financeiro ou de exportação (siderúrgicas e papel e celulose). Podemos
observar ainda que os lucros das siderúrgicas foram os que mais cresceram ao longo do
período contemplado pelo quadro (1 ano).
A CSN (Companhia Siderúrgica Nacional) apresentou uma variação de 115% com
relação ao primeiro trimestre de 2004, o que demonstra seu importante papel como uma
indústria de ponta no setor de transformação na busca aos dólares. Em vista deste quadro,
Volta Redonda se converte então em um “microcosmo” do “ornitorrinco”, um caso exemplar
da mescla entre desigualdade social e acumulação de capital.
A usina hoje faz parte do Grupo CSN que possui um total de 12 unidades no Brasil e
duas no exterior, sendo uma em Portugal (Lusosider) e a outra nos Estados Unidos (CSN
LLC). Realidade que entra em contraste com a situação dos trabalhadores da cidade após a
privatização em 1993 pelo Programa Nacional de Desestatização implementado durante os
governos Collor e Itamar Franco. Alguns indicadores apresentados por Graciolli podem
ilustrar o impacto das transformações sofridas:

“- a inadimplência no comércio, se tomarmos 100 como base


para 1992, atingiu 515 em 1997, um crescimento superior a 5 vezes;
- os títulos protestados foram de 5.200 (em 1993) para
13.000 (em 1996);
- os registros de roubos/furtos foram de 17/mês, em 1995,
para 39/mês em 1997;
- os atendimentos públicos na área da saúde conheceram um
aumento da ordem de 80% após 1995, como clara conseqüência do
fim dos direitos de assistência médica por parte da CSN;
- as demissões em Volta Redonda chegaram a 24.000, cerca
de 20% da PEA da cidade. A perda salarial disto decorrente superou
R$ 250 milhões, mais que a arrecadação anual da prefeitura, que teve,
diretamente, uma perda de 15% nos impostos (cerca de R$ 20
milhões).”33
33
GRACIOLLI, Edílson José. Um laboratorio chamado CSN: Greves, Privatização e Sindicalismo de Parceria.
Tese de Doutorado apresentada ao Departamento de Sociologia Da Unicamp sob a orientação do Ricardo
Antunes em Outubro de 1999. p.224.

24
Apenas no período de saneamento da empresa (1989-1992), no sentido de sua
preparação para a privatização, ocorreram ao todo 7052 demissões34. Hoje, segundo o último
relatório apresentado pela empresa, ela possui 8.542 funcionários35.
Curiosamente, dentro do contexto de mobilizações que marca a década de 80, um ano
antes do início do período acima mencionado, a CSN seria o palco da Greve de 88,
considerada por Ricardo Antunes como “uma das mais importantes ações de resistência e
confronto dos trabalhadores no Brasil da década de 80”.36

Capítulo II
A Greve de 88: antecedentes e desdobramentos

O estudo de questões relativas à memória social através do aparato metodológico


fornecido pela história oral apenas se processa através do diálogo estabelecido entre um
determinado fato do passado e suas interpretações no presente. Para que este diálogo ocorra,
uma importante parte da pesquisa deve-se dedicar à busca do fato histórico, alvo de uma
memória. Desta forma é imprescindível que o historiador utilize todas as suas habilidades de
forma a construir da melhor forma possível uma primeira representação crítica deste passado,
que no processo de inter-relação com suas interpretações, tornará possível a percepção de
variações, perspectivas não abordadas anteriormente e a identificação de diversos discursos
sobre o fato, ou seja, uma análise dos processos da memória coletiva, o que ampliará o caráter
crítico de sua análise.
Esta seção se dedicará a uma narrativa da greve dos operários da Companhia
Siderúrgica Nacional (CSN), ocorrida em novembro de 1988. Episódio que devido a sua
dramaticidade, maximizada com a morte de três operários, marcou a história recente do Brasil
e a vida de milhares de trabalhadores.
A narrativa presente neste capítulo mescla uma diversa gama de fontes. Com relação à
bibliografia utilizada na pesquisa sobre a greve, ela aponta, de forma mais específica, os
condicionamentos a que estavam submetidos os trabalhadores (baixos salários, repressão, etc.)

34
Idem, p.221
35
Dado extraído do Relatório Anual on-line da empresa que consta no site: www.csn.com.br.
36
Expressão utilizada por Ricardo Antunes no Prefacio da obra. GRACIOLLI, Edílson José. Um caldeirão
chamado CSN: resistência operária e violência militar na greve em 1988. Uberlândia: EdUFU, 1997. p.7-8.

25
e a ação sindical, mas não aborda as relações entre os grupos sociais na empresa ou as formas
como suas atitudes variavam em relação à luta sindical37. Fontes documentais e passagens das
entrevistas realizadas também foram utilizadas na busca de elementos que melhor elucidem o
acontecimento em questão.
Desde sua fundação, em 1946, até o ano de 1983, não havia ocorrido nenhuma greve
nesta usina. A partir de então, a década de 1980 é marcada por sucessivas paralisações que se
estenderiam até o ano de 1990, quando ocorre a última greve nesta empresa, até o momento.
Os acontecimentos de novembro e 1988 estão situados dentro de um contexto específico da
escalada de greves na CSN e, no âmbito nacional, em meio à luta dos trabalhadores por
participação política e contra um intenso arrocho salarial.
Detendo-nos na especificidade histórica da usina e do cotidiano de suas relações de
trabalho, torna-se importante um pequeno resgate de aspectos da constituição de seu
operariado, como a elaboração da idéia da família siderúrgica e o disciplinamento dos
trabalhadores. Assim, poderemos compreender um pouco melhor a magnitude das
experiências vividas nas greves da década de 1980.
Posteriormente, as greves antecedentes a de novembro de 1988 também serão
resgatadas, pois estas nos informam sobre as formas de organização dos trabalhadores - as
quais se inserem dentro das práticas do novo sindicalismo - e sobre a ação governamental nos
casos de greve. Porém, uma importante justificativa para este resgate são os processos de
transferência ocorridos em algumas narrativas, quando os entrevistados fundem algumas
informações relativas a outras greves a de novembro de 88 e vice-e-versa, o que demonstra
que, embora sua marcante singularidade, ela se insere no conjunto de experiências das greves
de 1984 a 1990.
Finalmente e de forma mais extensa, tentaremos abordar os acontecimentos de 1988 e
seus significativos desdobramentos.

CSN: projeto industrializante e constituição do operariado

A CSN surge dentro do projeto de formação de uma indústria siderúrgica nacional que
seria o pressuposto essencial para a indústria de bens de capital e de consumo durável, ou

37
As duas principais obras utilizadas na pesquisa sobre a greve foram: GRACIOLLI, Edilson José. Um caldeirão
chamado CSN: Resistência operária e violência militar. Uberlândia, Edufu,1997; VEIGA, Sandra Mayrink;
FONSECA, Isaque. Volta Redonda: entre aço e armas. Petrópolis: Editora Vozes, 1990. Sendo que Isaque
Fonseca era um dos diretores do Sindicado dos Metalúrgicos de Volta Redonda e Região ao escrever esta obra.
Entre outros objetivos, o livro se dedica ao registro de sua memória sobre esta greve.

26
seja, a prioridade dada pelo Estado à indústria de base buscava garantir as condições para a
acumulação capitalista de caráter industrial.
Ao final dos anos 30 a capacidade das pequenas usinas siderúrgicas existentes no
Brasil estava muito aquém das necessidades do consumo nacional. Neste período, devido à
especificidade da conjuntura internacional, a discussão sobre a grande siderurgia se dava da
seguinte forma: “de um lado, o Estado e grupos privados nacionais e, do outro, grupos
capitalistas alemães e norte-americanos”38. Mesmo as negociações tendo se iniciado anos
antes, apenas em 30 de janeiro de 1941, através do Decreto-Lei nº3002, a Companhia
Siderúrgica Nacional foi criada. Por trás deste fato estava a autorização do empréstimo
estadunidense de 20 milhões de dólares para aquisição das primeiras máquinas e
equipamentos. Getúlio Vargas, ao estabelecer contato com os alemães visando o
financiamento para a siderúrgica, consegue pressionar efetivamente os EUA que concede o
empréstimo necessário em 1940. Posteriormente, com a entrada oficial dos EUA na Segunda
Guerra Mundial o Brasil rompe os contatos com o Eixo e se aproxima definitivamente dos
Aliados. Os acordos de Washington, em 1942, colocariam as negociações com os
estadunidenses em um novo patamar. A partir de então ficou estabelecida a cooperação militar
com os EUA além do fornecimento de matérias-primas nacionais, o que garantiu divisas
suficientes para que em 1946 a produção da CSN fosse inaugurada.
Até então Volta Redonda era uma região de atividade rural. Para a escolha do Vale do
Paraíba, vários critérios foram analisados como a facilidade de transporte, proximidade a
mercados e matérias-primas, além da possibilidade de proteção militar 39. A produção
industrial do Estado do Rio de Janeiro se encontrava em declínio. O fato do interventor do Rio
de Janeiro, comandante Ernani do Amaral Peixoto, ser genro de Getúlio Vargas corroborou
para a instalação da usina neste Estado. A Companhia converteria o Vale do Paraíba em um
importante pólo industrial e Volta Redonda era saudada pela grande imprensa como a maior
cidade industrial do país:

“Volta Redonda será habitada por cerca de 4000 habitantes


operários sob a direção de dezenas de técnicos; deverá configurar-se
como cidade operária para 20.000 habitantes e será provida de água e
esgotos e tudo o mais que se relaciona com a perfeita instalação de um
núcleo urbano.”40

38
GRACIOLLI, Edilson José. Um caldeirão chamado CSN: Resistência operária e violência militar. op.cit. p.24.
39
Relatórios de comissões executivas sobre os possíveis locais de instalação da usina, assim como uma análise
das características sócio-econômicas da localidade encontra-se em: MOREL, Regina L. de M. A Ferro e Fogo:
Construção e crise da família siderúrgica, o caso de Volta Redonda (1941-1968). São Paulo: Tese de
Doutorado,USP,1989. pp.45-52.
40
Diário de Notícias, 02 de fevereiro de 1942. Idem, p. 52.

27
A citação acima nos informa sobre as relações estabelecidas entre a cidade e a usina,
identificadas por Graciolli como características do modelo company-town:

“As company-town são cidades em regiões controladas por


uma empresa, com dupla perspectiva, ou seja, de um lado, suprir com
razoável grau de garantia as necessidades de força de trabalho, através
da fixação desta pelo fornecimento de moradia e, por outro, estender o
domínio da empresa ao âmbito privado dos trabalhadores, por meio de
vários mecanismos de disciplinamento.”41

Em Volta Redonda o espaço urbano reproduziria a hierarquia da empresa. Os melhores


locais e residências eram destinados aos altos cargos da empresa e as áreas periféricas aos
operários. No início da construção da usina, estes últimos eram instalados precariamente em
grandes acampamentos, com o passar dos anos a empresa começou uma política de concessão
de moradias o que auxiliaria a construção da imagem da Companhia doadora. Além do
controle do espaço fabril e urbano, o Estado estendia o disciplinamento ao espaço familiar,
tendo a Igreja Católica um importante papel neste domínio. O controle cotidiano visava a
criação de um novo tipo de trabalhador conforme os padrões industrializantes da época.
Regina Morel aponta que este projeto objetivava a construção da idéia de uma família
siderúrgica, descrita da seguinte forma por Graciolli:

"(...) o Estado, tutor da sociedade e construtor da nação, na


realidade buscava controlar os movimentos e formas de organização
dos trabalhadores, apresentando como dádivas as reivindicações
populares.”42

Desde o recrutamento até as medidas de impedir a evasão dos descontentes havia um


constante disciplinamento, baseado em uma concepção militarizante. Por exemplo, os
acusados de comportamento indevido no acampamento de obras, cujo chefe era um oficial
reformado da Força Pública Mineira, eram aprisionados pra servirem de exemplo. No interior
da usina o autoritarismo da gerência poderia punir ou promover um operário de acordo com
uma “conveniente” avaliação. As repressões internas e externas à fábrica, aliadas à construção
da idéia da família siderúrgica, marcam o processo de constituição do operariado da CSN.
Entretanto formas de resistência por parte dos trabalhadores sempre existiram. Nos primeiros
tempos alguns trabalhadores chegaram a matar seus chefes43.

41
GRACIOLLI, op. cit. p.28
42
Idem, p.31.
43
VEIGA & FONSECA, op. cit. p.21.

28
O Sindicato dos Metalúrgicos de Volta Redonda e Região (SMVR) é fundado em
194544, dentro das campanhas de sindicalização corporativistas, e passa a oferecer serviços
assistencialistas em conformidade com a legislação vigente. Mesmo dentro destes limites ele
desenvolveria, ao longo das décadas de 40 e 50, uma atuação relevante em defesa do
reconhecimento de direitos presentes na Consolidação das Leis Trabalhistas 45. Esta atuação do
sindicato aumentaria no início dos anos 60 quando a grande meta da empresa passa a ser o
aumento da capacidade produtiva que é sentida pelos trabalhadores através da intensificação
do ritmo e trabalho46.
A necessidade de novas racionalizações destinadas ao aumento da produção está
relacionada à dupla condição da usina, acentuada a partir da década de 50:

“Ainda nessa década, a CSN irá adquirir como vetor mestre de


sua gestão a dupla condição de instrumento de política econômica (por
exemplo, no controle de preços de seus produtos, enquanto medida
governamental para estímulo aos ramos industriais de automóveis e
bens de consumo duráveis em geral) e de fator de capitalização da
iniciativa privada”. 47

O desempenho deste duplo papel implicava em seu desequilíbrio financeiro, pois o


preço de seus produtos não poderiam acompanhar o aumento dos custos de produção. Assim,
ao longo do tempo, despesas destinadas à manutenção e ampliação dos equipamentos foram
historicamente adiadas e, na década de 80, junto às mais variadas medidas para a economia de
gastos, a contenção salarial seria uma estratégia privilegiada.
Mesmo em sua fase mais atuante nos anos 60, o Sindicato não extrapolou os limites do
sindicalismo oficial. Com o Golpe de 64, houve intervenções acompanhadas de prisões e
torturas, e a partir dos anos 70 ele assumiria o papel de policial entre o operariado. Volta
Redonda, a partir do Golpe, integra o conjunto de áreas de segurança nacional. Sempre
presentes no dia-a-dia dos trabalhadores, os militares assumem a direção da cidade (nomeiam
prefeitos) e controlam o Sindicato, cujo papel se restringe ao assistencialismo.
Foram 43 anos sem uma única greve48. Além de recorrer às conjunturas históricas
específicas, ao explicar este fato, Graciolli reforça a importância de considerarmos o período

44
CENTRO DE MEMÓRIA SINDICAL. Arigó: o pássaro que vem de longe. Coleção Trabalhadores em Luta,
n.1. Rio de Janeiro, CEDI, 1989. p.9.
45
MANGABEIRA, Wilma. Os Dilemas do Novo Sindicalismo: Democracia e Política em Volta Redonda. Rio de
janeiro: Relume-Dumará/ANPOCS, 1993. p. 75.
46
Uma descrição das mudanças ocorridas na gestão da empresa e no controle dos trabalhadores neste período,
como por exemplo, a terceirização de alguns setores e a classificação dos trabalhadores como estratégicos e
periféricos, encontra-se em: GRACIOLLI, op. cit. pp. 42-44.
47
Idem, p. 34.
48
A primeira greve na usina ocorre em 1984.

29
em que a CSN se responsabilizou de forma integral pela constituição de seu operariado 49. A
primeira geração de trabalhadores da usina, ativa até a década de 70, como vimos, foi
disciplinada e formada sob a ideologia da família siderúrgica. Esta passagem de Isaque
Fonseca, um dos diretores sindicais atuantes nas greves da década de 80, ilustra o
desdobramento de tal pensamento nas gerações posteriores:

“(...) metade de mim tem orgulho de ser funcionário da CSN e


a outra metade sente revolta disso. Acho que este processo perpassa as
duas primeiras gerações de operários da CSN e se estende de alguma
forma para a terceira geração. É a concepção da “CSN mãe” que
caminha paripassu na história ao lado da revolta e dos movimentos de
contestação dos operários da usina”.50

As greves antecedentes (1984-1988)

O recurso à greve pelos trabalhadores da Usina Presidente Vargas, a partir de 1984,


esteve ligado à emergência de novas propostas e práticas que levaram o movimento sindical
de Volta Redonda a uma ação mais combativa51. Esta nova forma de agir dos trabalhadores
ligava-se a um movimento em âmbito nacional, ao fortalecimento de um sindicalismo que
buscava autonomia frente à tutela estatal, o novo sindicalismo. Data de meados da década de
70 o surgimento de uma forte oposição sindical na CSN, mais tarde ela se identificaria como
Grupo de Oposição Sindical.
Péssimas condições de trabalho, salários arrochados e autoritarismo fazem parte do
quadro de elementos que motivaram a organização do grupo que se originou de reuniões
regulares de alguns operários manuais com alguma experiência em movimentos populares. O
grupo surgiu dentro da fábrica e se iniciou na Superintendência de Oficinas Mecânicas
(SOM), lugar de destaque na memória dos trabalhadores sobre o período, o que veremos mais
adiante. Sua organização se deu de maneira cautelosa, pois havia ameaças de demissão e
retaliações aos seus participantes por parte da empresa.
Dentro de um contexto nacional de avanço da mobilização dos trabalhadores, o Grupo
de Oposição Sindical rapidamente ganha força entre os operários congregando militantes de
diversos grupos de esquerda além de trabalhadores sem vínculos com alguma corrente ou
partido. Em 1980, ele é derrotado na eleição para a direção do sindicato e a direção anterior,
vinculada ao sindicalismo oficial, é reeleita.
49
Ibidem, p.38.
50
VEIGA & FONSECA, op.cit. p.17.
51
GRACIOLLI, op. cit. pp.49-80. Em uma extensa parte do capítulo 2 desta obra, intitulado O Novo
Sindicalismo em Volta Redonda, o autor faz um balanço das explicações sobre a ausência de greves na CSN até
1984.

30
O grupo de oposição, mesmo derrotado, se torna mais organizado e aponta em sua
plataforma de chapa aspectos importantes de sua atuação: a luta contra a ação autoritária da
gerência, a defesa da melhoria de condições de trabalho e a oposição à estrutura sindical
oficial. Objetivos identificados dentro das perspectivas do novo sindicalismo, entre os quais
podemos ressaltar: prioridade aos conflitos internos na pauta de reivindicações, luta contra o
corporativismo e busca de participação dos trabalhadores. Porém, havia desafios específicos à
mobilização dos trabalhadores em Volta Redonda.
Um dos maiores desafios era a militarização do cotidiano operário na CSN. A presença
de militares no comando da usina, algumas vezes ocupando sua presidência, e a convivência
com estes, principalmente após 1964 quando oficiais militares ocupam moradias da CSN,
comprovam este argumento. O general Edmundo Macedo Soares, engenheiro e especialista
em metalurgia, foi o principal idealizador da Companhia e seu primeiro presidente. Segundo
ele, a formação do cidadão trabalhador (operário da CSN) dependia de sua educação e
controle, dentro e fora da fábrica. Se por um lado a idéia da família siderúrgica tinha um
importante papel no arrefecimento dos descontentamentos, a repressão garantia a contenção
dos rebeldes.
Possivelmente, na década de 80, a idéia de “empresa-mãe” não estivesse presente da
mesma forma entre os trabalhadores. As gerações de então não haviam compartilhado das
experiências da primeira e vivenciavam, naquele momento, duras condições de trabalho. No
contexto político nacional de uma transição tutelada, estes trabalhadores estariam ainda sob a
ameaça militar que se oporia a qualquer “risco” à área de segurança nacional.
Assim, em 1983, o Grupo de Oposição Sindical chega à diretoria do Sindicato tendo
como principal liderança o operário José Juarez Antunes52, agora presidente do SMVR. A
partir de então o Sindicato empreendeu uma campanha de sindicalização, elaborou boletins
semanais e comprou um carro de som para ser usado nos portões das empresas. Em outubro
de 1983 ele se filiaria à CUT.
No ano seguinte ocorreu a primeira greve na história da CSN, com a duração de cinco
dias. A usina foi ocupada por cerca de 22 mil homens. As reivindicações objetivavam o
reajuste salarial. A comida era trazida pelas famílias dos operários (suas mulheres e filhos)
que se concentravam em frente à Companhia. Com dois dias de greve chegou um
destacamento da Polícia Militar: “a PM só marcou presença, não foi de capacete nem

52
Nascido em Minas Gerais, na cidade de Estrela D´Alva, “(...)Juarez começou a trabalhar na CSN, aos 21 anos,
como auxiliar de cozinha num de seus refeitórios. Seu percurso como siderúrgico culminou com a condição de
mestre de forno na aciaria, tendo obtido, inclusive, premiação pela produção de aço e se tornado supervisor da
aciaria”. GRACIOLLI, op.cit.p. 70.

31
cassetete”53. Os ganhos salariais foram pequenos, mas, na opinião dos participantes mais
ativos, houve um aumento do reconhecimento da nova diretoria pelos trabalhadores.
Na campanha salarial de 1985 não houve greve. Um acordo foi realizado no período
de negociação. O aumento da mobilização explicaria a possibilidade de negociação 54. A
criação de uma Comissão Interna de Prevenção de Acidentes (CIPA), com grande participação
dos operários, assim como a greve da castanha (greve de um dia que conseguiu um adicional
no pagamento de dezembro), seriam sinais desta capacidade pressão. Na eleição para o
sindicato em 1986 a diretoria em exercício foi reeleita com 86% dos votos. O número de
sindicalizados havia saltado de 12 mil em 1983 para 24 mil neste ano.
Nova greve ocorre em outubro, e também, a primeira invasão do exército. Ela já era
esperada pelos operários, que por este motivo fazem a greve do lado de fora da fábrica
fechando suas entradas com piquetes. No dia seguinte, os trabalhadores retornavam ao
trabalho forçados pela ação militar. Nas palavras de Isaque Fonseca:

“(...) o retorno à fábrica era inevitável, mesmo que vários


companheiros tivessem entrado literalmente chorando e que todos
estivessem profundamente humilhados”.55

Esta greve seria altamente significativa, principalmente pela maneira como acabou.
Para Isaque, os operários mais jovens foram batizados naquela ocasião e começaram a
entender o papel dos militares na República 56. Em dezembro ocorre a segunda greve deste ano
e pela segunda vez o Exército ocupou a usina. A greve era de um dia, sendo que a estratégia
dos ativistas era segurar os trabalhadores que chegavam à portaria. Enquanto isso havia
pessoas encarregadas do arrastão dentro da usina: “arrastão é ir passando nas áreas, nos
departamentos e tirar o pessoal das máquinas”57.
Os militares forçaram os trabalhadores a entrar, mas ao perceberem que o arrastão
continuava nos setores da fábrica, resolvem invadi-la para dispersar a mobilização. Após a
entrada do exército e a prisão de cinco dirigentes sindicais, sobraram apenas Juarez com
outros diretores e militantes nas imediações da SOM, estes se escondem em meio aos
equipamentos. Tendo a greve acabado, resolvem sair dos esconderijos e são levados pelo
exército até a entrada principal da fábrica. Lá havia tanques urutu e cascavel, metralhadoras,
fuzis e soldados.

53
VEIGA & FONSECA, op.cit. p.55
54
GRACIOLLI, op.cit.p.85.
55
VEIGA & FONSECA, op.cit., p.61.
56
Idem.
57
Idem, p.63.

32
Em 1987, após uma vitoriosa greve que resultou em um dos melhores acordos salariais
do país, posteriormente absorvido pela inflação, foi convocada pela CUT uma greve geral
para agosto. Mais uma vez os militares invadiriam a usina e em certo momento resolvem tirar
os trabalhadores a força, avançando em direção a estes de baionetas caladas. Só que desta vez,
quarta invasão militar em menos de um ano, os trabalhadores reagiram:

“Não tinha nada programado. A turma correu, baixou, pegou


pedra e jogou. E não foi nem um nem dois, foram mais de mil”58.

A resistência dos trabalhadores não é capaz de garantir a continuidade da greve. O


exército prende alguns diretores e ativistas e ela chega a seu fim.
Após esta greve, além da permanência de arrocho salarial 59, os trabalhadores foram
alvo de muitas demissões. A diretoria do Sindicato foi incluída em inquérito administrativo
(22 diretores) e perdeu o direito de entrar na fábrica. A partir de então foram organizadas
comissões de fábrica que agiam clandestinamente e de forma complementar às assembléias
coordenadas pela direção do Sindicato, desempenhando um importante papel de mobilização.
Em março de 1988 foi entregue a pauta de reivindicações da campanha salarial
daquele ano. Ao final de abril, a diretoria da empresa ainda não havia se manifestado. As
negociações continuaram e também as discussões em torno de uma possível greve. Aprovada
em assembléia, a greve tem início no dia 27 de maio. Os operários adentraram a usina e
pararam seu funcionamento. Com 100% de paralisação da CSN, FEM 60 e empreiteiras, a
greve durou 65 horas até o exército novamente invadir a usina. Três mil soldados, 26
caminhões, quatro tanques urutu e 18 jipes compunham o efetivo militar. Os soldados
entraram pelo portão principal, apreenderam o carro de som do Sindicato e expulsaram os
grevistas. Os trabalhadores decidem acabar a greve para não serem levados a força ao trabalho
e para que os equipamentos não corressem riscos de danificação pelos militares, o que poderia
servir de pretexto para incriminá-los. Enquanto ocuparam a fábrica os equipamentos que não
poderiam parar foram mantidos em funcionamento.
O comandante da operação haveria convencido Juarez Antunes a defender a proposta
de suspensão da greve ao dizer em uma conversa informal que seus homens estavam
preparados para o combate61. O Tribunal Regional do Trabalho julgou a greve ilegal, mas
estabeleceu uma pequena reposição salarial.

58
Idem, p.70.
59
A perdas salariais de novembro de 1985 à setembro de 1987 chegaram a 82,77% (CSN e FEM) e 104,69%
(privadas). GRACIOLLI, op.cit.p.91.
60
A Fábrica de Estruturas Metálicas (FEM) foi criada em 1953 pela Companhia Siderúrgica Nacional.
61
Jornal do Brasil. 30 maio de 88. GRACIOLLI, op. cit., p.101.

33
A Greve de 88 e seus desdobramentos

Este ano teve como marco da história política do país a promulgação de uma nova
Constituição Federal, em cinco de outubro, o que aumentou as expectativas dos movimentos
populares quanto às mudanças sociais. Isaque nos conta que os dirigentes sindicais eram
cobrados pelos operários nas portas da fábrica: “(...) vem cá meu irmão, vocês têm que fazer
alguma coisa que a situação está braba. E o turno de 6 horas, como é que fica? Quanto é que
vocês estão levando nisso aí? E o Plano Bresser, os nossos 26 %, para onde foram?”62.
Devido à pressão dos operários, começaram a serem feitas assembléias setoriais, de
acordo com as passagens de acesso à usina. Esta foi pauta de reivindicações aprovada:
1- pagamento dos 26,06% do Plano Bresser;
2- pagamento de 17,68% relativos à URP63 de julho;
3- implantação do turno de 6 horas;
4- readmissão dos demitidos por motivo de greve;
5- e fim das listas negras da CSN (listas que impediam que trabalhadores fossem
fichados nas empreiteiras que prestavam serviço à empresa).
Esta seria uma greve de cobrança segundo Graciolli, pois, em duas de suas
reivindicações, o objetivo era garantir o poder aquisitivo dos trabalhadores, em outra,
buscava-se a efetivação de uma conquista presente na Nova Constituição (o turno de 6 horas),
sendo as demais, reivindicações contra os desmandos da direção da empresa. As
reivindicações se contrapunham ao modelo econômico e por isso adquiriam um forte caráter
político.
O turno de 6 horas era um dos pontos centrais daquela pauta, pois caso conquistado se
desdobraria em outros ganhos como a geração de empregos e o aumento salarial – a empresa
teria que criar mais uma equipe para o revezamento nos turnos e a redução da jornada de
trabalho, com a manutenção dos salários, resultaria no aumento salarial. Além disso, a
mudança no número de turnos interferia em muitos outros aspectos do cotidiano dos
trabalhadores. A música “Três turnos”, grande hit das assembléias da época, aponta de forma
simples e direta alguns problemas ligados à rotina dos trabalhadores64.

62
VEIGA & FONSECA, op.cit. p.78. O Plano Bresser, plano econômico que substitui o Plano Cruzado em 1987,
manteve o arrocho salarial e levou à perda salarial de 26,06% por parte da classe trabalhadora.
63
Unidade Referencial de Preços. A partir do Plano Bresser a URP era utilizada para o cálculo dos reajustes
salariais.
64
Esta música é uma composição de Genilto Aleixo, mais conhecido como Ziza. Este mineiro trabalhou 11 anos
na CSN sendo demitido em meados de 1987. Com o dinheiro da indenização gravou o disco “A nossa luta vai
continuar” (1988) que tem uma música de mesmo título em homenagem aos companheiros mortos em 9 de
novembro. “Três turnos”, uma das faixas do disco, apresenta vários problemas vividos pelos trabalhadores em
decorrência do turno de 8 horas: má alimentação, indisposição e problemas conjugais. Para se ter uma idéia, este
é o refrão da música: “Essa vida de três turnos, não tá dando pé, vou acabar perdendo minha mulher.”

34
Devido à indiferença com que a diretoria da empresa recebeu as reivindicações,
marcou-se uma assembléia geral para dia 4 de novembro (sexta-feira). Esta assembléia contou
com um número entre 8 e 12 mil operários e ficou decidido que a greve seria antes das
eleições municipais em 15 de novembro.
A mobilização começaria na segunda-feira, dia 7 de novembro, às 17h30. Porém,
durante o fim de semana a direção do sindicato junto a representantes das comissões de
fábrica, ao avaliar a possível presença do Exército, decide surpreender a empresa antecipando
a greve para o turno da manhã. A nova estratégia seria entrar com as pessoas que estivessem
chegando entre as sete e oito horas e segurar o pessoal que estivesse saindo às 8 horas, ou
seja, os que estavam de zero - hora65. Após isso, o destino seria o pátio da SOM onde se
concentrariam.
A SOM (Superintendência de Oficinas Mecânicas) ficava em meio a uma área com
outros galpões (superintendências) como o DRM (Departamento de Rolamento de Motores) e
a SMA (Superintendência de Máquinas Pesadas):

“Em frente a estes galpões existe um grande pátio com ruas


asfaltadas, canteiros gramados e com flores plantadas, dois refeitórios
e o serviço de ponto destas áreas (...). Pátio da SOM – porque não
Pátio do DRM ou SMA? A SOM ficou conhecida porque era e
continua sendo um dos grandes centros de mobilização. Ali trabalham
mais ou menos 3 mil operários, e todos os movimentos de
metalúrgicos da CSN começaram pela SOM (...)”66

Às 10h30 tudo já se encontrava parado, a exceção dos setores que não podem
interromper seu funcionamento devido ao risco de danificação dos equipamentos, por
exemplo, os alto-fornos e a coqueria. Sob a supervisão dos operários eles eram operados em
capacidade parcial. Não houve a necessidade de arrastão, os operários já sabiam da greve e só
houve resistência por parte de alguns engenheiros que logo “pararam de encher o saco” 67.
Após uma assembléia no pátio da SOM os piquetes foram formados, para que ninguém saísse
da usina. À tarde, nova assembléia foi realizada e houve uma troca de socos e pontapés com a
Polícia Militar, que tentou impedir a entrada do caminhão do Sindicato na usina.
À noite, por volta de 22h30, um comboio militar de Valença passa em direção a Barra
Mansa, sede do Batalhão de Infantaria Motorizada, batalhão mais próximo da usina. Durante
o dia, o juiz Dr. Moises Cohen havia expedido um mandado de manutenção de posse que
respaldava a intervenção militar. Naquela noite, cerca de dois mil soldados se posicionaram

65
VEIGA & FONSECA, op.cit. p.82.
66
Idem.
67
VEIGA & FONSECA, op.cit. p.83.

35
em torno da fábrica. Os operários, que se dividiam entre o pátio da SOM e a aciaria,
começaram a bater com pedaços de ferro e madeira nas passarelas onde estavam para dar a
impressão de um maior número de pessoas no interior da fábrica. Alguns haviam ido embora
antes da chegada dos militares. As primeiras tentativas de invasão do Exército foram
rechaçadas a pedradas. Assim, na madrugada do dia 9, os operários permaneceram sob a mira
dos canhões do Exército que se voltavam para o pátio da SOM.
Pela manhã, por volta das 10 horas fica proibida a entrada de qualquer pessoa na
usina. A partir de então uma multidão foi se formando em frente sua entrada principal e por
volta das 16 horas havia em torno de 5000 pessoas ali. Dentro da fábrica os operários estavam
sem luz e água e os únicos alimentos fornecidos pelo Exército eram leite e laranjas.
Assembléias eram realizadas de hora em hora e houve uma preparação para um possível
confronto com os militares: “vi muita pedra amontoada, barreiras prontas, as escadas já
estavam com graxa e com barricadas para o Exército não poder subir”68.
A imprensa fez diversos registros da versão militar para a operação de guerra. Em
geral, estes argumentos já tinham sido usados nas invasões anteriores: a intenção de preservar
o patrimônio público e a necessidade de restabelecimento da ordem69. Nestes documentos a
ação dos grevistas era qualificada como uma guerrilha urbana. Quanto à origem da ordem de
invasão, o chefe do Centro de Comunicação do Exército informou que a ordem partiu do
Palácio do Planalto e que o Presidente da República tinha conhecimento do uso de tropas
federais70.
Juarez Antunes havia sido detido no início da greve, após sua liberação, participou da
primeira negociação com a direção da empresa no Escritório Central 71. Sem avanços, os
trabalhadores em assembléia decidem pela continuação da greve. Neste momento há uma
ação simultânea dos militares, dentro e fora da fábrica. P., um importante funcionário do
Escritório Central, local que havia parado seu funcionamento pela primeira vez em uma
greve, descreve os acontecimentos nas ruas próximas à passagem superior da usina:

“A cidade foi assaltada por uma movimentação atípica de


militares misturados com a população, onde é... Ou seja, a Vila é um
ponto de passagem de todos os ônibus, então estes ônibus eram
parados e as pessoas obrigadas a descer e isso era num horário de
saída de colégio. Então era muita criança, muitas senhoras, muitos
trabalhadores também. Aquele final do dia, onde você tem aquele

68
Idem, p.95.
69
O comunicado do Exército sobre o confronto com os operários encontra-se em: GRACIOLLI, op.cit. p.188-
190.
70
Idem, p.123.
71
O Escritório Central, hoje desativado, é um prédio com 17 andares situado no bairro Vila Santa Cecília em
frente a entrada principal da usina (passagem superior), onde funcionava todo o setor administrativo da CSN.

36
fluxo intenso de veículos. Essas pessoas foram todas colocadas,
descidas na Vila, numa área que ficava muito em frente ao Escritório
da CSN (...). [Entrevistador: A população descia e ia pra essa área?]
Descia porque eles detiam os ônibus e ela era obrigada a descer. Então
ela descia justamente neste local onde estavam acontecendo estas
ações militares, que apesar de serem aparentemente pequenas geravam
um barulho grande porque eles passavam, quebravam farol de carro,
é..., batia nas lojas, nas portas das lojas, quebravam... Tentando, como
se fossem quebrar os vidros, aí obrigavam os lojistas fecharem as
portas, muita gritaria, muito barulho, isso misturado com crianças que
estavam descendo dos ônibus. Num local onde de repente concentra
um movimento muito grande e ninguém entendendo direito o que
estava acontecendo”72.

Dentro da fábrica o Exército começava a tomar o pátio da SOM. Os operários que ali
estavam vão para a aciaria e são atacados por bombas de gás lacrimogêneo e de efeito moral,
além dos disparos de tiros reais. Lá resistem como podem à invasão militar 73. Três operários
são mortos pelo Exército e diversos outros feridos. Carlos Augusto Barroso, 19 anos, teve seu
crânio esmagado a coronhadas, segundo testemunhas. Seu atestado de óbito indicou como
causa da morte um traumatismo crânico-encefálico. Walmir Freitas Monteiro, 27 anos, foi
atingido por um disparo de fuzil no peito. William Fernandes Leite, 22 anos, levou um tiro de
fuzil na nuca. Os acontecimentos desta madrugada do dia nove levaram à negociação de uma
trégua em troca da saída dos trabalhadores da aciaria pela manhã. Esta reunião se realizou
com a participação de Juarez Antunes, dom Waldyr Calheiros (bispo da cidade e integrante da
ala progressista da Igreja Católica), do prefeito, do general José Luís Lopes e de um deputado
federal do PC do B. Os trabalhadores se retiraram da Companhia na manhã do dia 10 e o
Exército permaneceu em seu interior.
O período que vai do dia 10 ao término da greve, no dia 23 de novembro, é marcado
pelo enterro dos operários assassinados, com grandes passeatas até o cemitério, celebrações
religiosas presididas pela ala progressista católica e o engajamento de entidades em defesa dos
trabalhadores, como a Ordem dos Advogados do Brasil, que participou da elaboração de um
dossiê sobre a invasão militar. Durante este tempo de mobilização fora da fábrica as
assembléias contavam com cerca de 30 mil pessoas74. Além da presença do Sindicato havia a
participação das associações de moradores e a Frente Popular e Sindical que unia todos os

72
Entrevista de P. (coordenador de uma importante área da administração da CSN). Data de realização:
01/10/2006. Entrevista Memória da Greve de 88 03 (EMG8803).
73
Uma matéria veiculada no Jornal do Brasil de 12/11/88 descreve detalhadamente as armas improvisadas pelos
operários. GRACIOLLI, op.cit., p.132-133.
74
O documentário de Eduardo Coutinho “Volta Redonda: Memorial da Greve” (1989) apresenta um significativo
número de filmagens sobre este período.

37
segmentos organizados da cidade. A CSN, sem obter maiores resultados, convocava os
operários, pelo rádio e televisão, para o retorno ao trabalho75.
Um importante fato ocorrido após o 11º dia de greve foi a recuperação dos alto-fornos
pelos operários, por correrem o risco de danificação por não funcionamento. A montagem de
equipes para esta tarefa foi feita em assembléia, porém, a greve continuou.
Diante das ameaças feitas pelo governo, de fechamento ou privatização da empresa, é
aprovada em assembléia uma proposta da Frente Popular Sindical que ficou conhecida como
o abraço à usina. Cerca de 60.000 pessoas circunscrevem a CSN (12 km de perímetro) em
um grande abraço no dia 21 de novembro. Porém, seriam as eleições do dia 15 que
inscreveriam as repercussões da greve no cenário nacional. “O soco nisso que está aí” é o
título da principal matéria publicada pela Revista Veja após as eleições municipais. Um
pequeno quadro que compõe a reportagem nos informa que o general José Luiz Lopes,
encarregado da operação militar em Volta redonda, teria dito a dom Waldyr Calheiros que as
mortes dos operários serviriam de exemplo para os demais trabalhadores, e acrescenta:

“Na semana passada, muitos dos candidatos do PMDB


achavam que o exemplo das mortes serviu para ajudar os adversários
que concorriam mais à esquerda e creditavam boa parte de sua derrota
na corrida às prefeituras à tragédia de Volta Redonda”.76

A Greve de 88 se tornaria um dos pontos recorrentes nas explicações para a ascensão


das candidaturas à esquerda, em especial, as do Partido dos Trabalhadores. O PT saía de duas
para 37 prefeituras naquelas eleições, tendo conquistado importantes cidades, dentre elas, a
cidade de São Paulo77. Em Volta Redonda Juarez Antunes foi eleito prefeito pelo PDT com
cerca de 60% dos votos. Seu partido faria sete vereadores e o PT três, de um total de vinte e
um. Editoriais da grande imprensa alegariam a “manipulação do movimento” por parte de
agitadores interessados nas eleições78.
A última assembléia da greve ocorre após 17 dias de seu início com um total de 30 mil
pessoas, entre operários e populares, e o fim da greve é aprovado com a condição de que o
Exército deixe o interior da usina. As reivindicações foram parcialmente obtidas. Três foram
atendidas: o pagamento da URP de julho, a implantação do turno de 6 horas e a readmissão de

75
As Comunidades Eclesiais de Base (CEBs) desempenharam um importante papel de convencimento para a
adesão à greve nos bairros operários. COUTINHO, Eduardo. Volta Redonda: Memorial da Greve. ISER Vídeo,
1989.
76
Veja. 23 de novembro de 1988, p.33.
77
Idem, pp-36-37. Nesta edição da revista, encontramos um gráfico que informa a diferença de cerca de 10
pontos percentuais entre o candidato Paulo Maluf (até então o favorito à vitória) e Luiza Erundina, ainda no dia 9
de novembro. Em seis dias Erundina o ultrapassa e é eleita com uma margem de 5% de votos em relação ao
antigo favorito.
78
GRACIOLLI, op.cit, p.172.

38
117 operários (demitidos por motivo de greve) dentro de noventa dias. Além disso, obteve-se
um abono de Cz$30 mil, além de 8% de reajuste sobre o salário do mês anterior. Tendo o
Exército deixado a CSN, os trabalhadores retornaram ao trabalho.
No ano seguinte, a gestão de Juarez Antunes a frente da prefeitura foi interrompida por
um acidente de automóvel que o levou a morte. Outro fato que reforçou o clima de suspeição
e medo entre a população foi o atentado que destruiu o Memorial 9 de Novembro.
Após a greve, o Sindicato e a Prefeitura convidaram o arquiteto Oscar Niemeyer para
elaboração de um monumento em homenagem aos mortos em 9 de novembro. A inauguração,
no dia 1º de maio de 1989, contou com a presença do SMVR, da população e de Jair
Meneguelli, presidente da CUT nacional. B., atual assessor do Sindicato e um dos diretores
encarregados do projeto do Memorial, narra importantes detalhes sobre sua construção:

“Onde está aquele memorial era uma praça, que tinha um


memorial em homenagem a um general, por sinal, um benfeitor de
Volta Redonda segundo a história: general Edmundo Macedo Soares.
E tinha um busto ali naquela praça e que quando fizemos a demolição,
aquele busto foi retirado. Tivemos uma briga com a CSN por causa
daquele terreno. No final nós saímos junto com a prefeitura e
conseguimos construir ali a Praça Juarez Antunes com o Memorial em
homenagem a William, Walmir e Barroso, que são os operários que
foram assassinados”.79

Na madrugada do dia seguinte à inauguração, o monumento seria destruído por uma


bomba de fabricação exclusiva para uso do Exército. Os militares negaram sua participação na
explosão80.
A revista “Domingo” do Jornal do Brasil, em sua edição de 16 de julho de 1989, traz
uma matéria sobre o clima de “baixo astral” que assolava a cidade. Sindicato, prefeitura,
partidos políticos, entre outras entidades organizaram as mais variadas atividades (corridas,
eventos culturais, shows, etc.), que, de certa forma, tinham o objetivo comum de “levantar o
astral” da população. Além da campanha De Volta Redonda a Volta por cima (frase estampada
em bottons, camisetas e adesivos) foi organizado um Fórum de Debates e Alternativas de Volta
Redonda, com o objetivo de apontar saídas para a crise vivida pela CSN ameaçada de
privatização.
O memorial seria reerguido no dia 5 de agosto daquele ano:
79
Entrevista de B. (ex-operário e ex-dirigente sindical atualmente assessor do SMVR). Data de realização:
06/10/2006. EMG8804.
80
Até hoje entre a população paira a dúvida quanto aos culpados da explosão. Entretanto, dez anos depois, um
ex-capitão das forças armadas denunciou a participação de militares no atentado. Tive acesso a esta informação
ao consultar reportagens do Jornal do Brasil dos dias 2 e 9 de maio de 1999, parcialmente transcritas em:
GRACIOLLI, E. J.. Um laboratório chamado CSN: Greves, Privatização e Sindicalismo de Parceria. op.cit. pp.
229-230.

39
“... quando nós estávamos reerguendo este memorial, levantando, nós
precisávamos de um guindaste, precisava de um maçariqueiro,
precisava... Aonde nós chegávamos pra alugar um guindaste, e
ninguém queria, de medo. Ninguém queria. Aí tem até um operário da
FEM, e ele “ó B., eu vou pra lá, vou arrumar um maçarico e o que
precisar, eu tô lá”. Arruamos um maçarico, pusemos lá e ele fez todo o
serviço que tinha que ser feito, cortar... Porque mais ninguém queria
fazer, de medo, de tá lá e alguém explodir, dá tiro. Guindaste... “ó, eu
arrumo guindaste, arrua o guindasteiro”. Aí arrumaram um
guindasteiro, um próprio trabalhador da usina “eu opero isso aí”. Tudo
foi feito com a participação do operário, porque as outras empresas e
firmas, todo mundo com medo de retaliação”.81

Em 1990 ocorreria a mais longa greve na usina, com cerca de 30 dias que acaba sendo
fortemente reprimida. Esta seria a última do ciclo iniciado em 1984. Após ela há um desgaste
da direção cutista e a ascensão da Força Sindical, central apoiada pelo governo e empresariado
que apostaria em um “sindicalismo de resultados” em detrimento das práticas combativas.
Eleita em 1992 para a direção do Sindicato, esta central nele permaneceu até o ano de
2005. Porém, a interrupção em seu tempo de gestão não se deve a uma eleição. Em 2004, após
denúncias de corrupção realizadas por integrantes da CUT e a apuração dos resultados de uma
sindicância interna, que revelou o desvio de mais de R$5,5 milhões, Carlos Perrut, então
presidente do Sindicato, é afastado. Contudo, Perrut chega a reassumir o cargo em 2005 e neste
mesmo ano anuncia a desfiliação do SMVR junto à Força Sindical. Um novo alinhamento
passou a ser discutido com um expressivo representante da CUT em Volta Redonda, Jadir
Baptista, dirigente da Federação Interestadual da CUT (RJ e ES). Apesar da oposição de outros
militantes cutistas ele aceita a filiação e passa a desempenhar um importante papel no
Sindicato a partir de então.
As conturbadas eleições de 200682 foram disputadas pela CUT (chapa 1), Força sindical
(chapa 2 ) e uma terceira chapa, que tinha como lema “Moralizar o sindicato e recuperar os
salários”83. Jadir e a CUT foram acusados de traição, e, tendo sido eleita, a Chapa 3 tomou
posse no Sindicato em setembro deste ano.

81
EMG8804.
82
As eleições foram marcadas por uma batalha jurídica, por isso, tendo se iniciado no início do ano se estendeu
até o mês de setembro. Num primeiro momento só concorreriam as chapas 1 e 2, a terceira chapa conseguiu
entrar na disputa posteriormente.
83
Manifesto da chapa 3. Julho de 2006.

40
CAPÍTULO III
Memória operária da Greve de 88: as disputas por cima, memórias operárias e outras
possibilidades de investigação

Após reconstruirmos a Greve de 88 e situá-la dentro de um contexto histórico mais


amplo, este capítulo é dedicado à análise da memória sobre a greve, tanto em seus
desdobramentos institucionais como na relação destes com as memórias individuais dos
trabalhadores entrevistados. O que se pretende é realizar uma contribuição específica do uso
metodológico da história oral.
O termo “história oral” constitui uma usual abreviação para o que pode ser melhor
descrito como o uso de fontes orais em História ou nas Ciências Sociais 84. Em sua forma
elementar, narrativas e testemunhos, constitui mais uma ferramenta no conjunto de aparatos
utilizados nas pesquisas históricas e, por isso, estas fontes devem ser submetidas a uma crítica
minuciosa e adequada às suas especificidades, como qualquer outra fonte. Porém, segundo
Alessandro Portelli, a história oral pode ser utilizada de forma mais específica quando as
fontes orais se tornam o eixo de análise de questões relativas à memória.
Neste estudo, sobre a memória operária da Greve de 88, utilizamos a expressão
“história oral” nesta segunda perspectiva, aliando esta metodologia ao campo mais amplo da
Teoria da História. Entretanto, por enquanto, nos deteremos nas relações entre esta e a
memória social. Mais tarde retomaremos as questões de cunho teórico mais amplo.

História Oral e Memória Social

84
PORTELLI, Alessandro. A Dialogical Relationship. Expressions Annual 2005.p.1

41
A memória é um fenômeno constituído social e individualmente. Nestes dois níveis ela
articula elementos fornecidos pelo passado em torno de uma representação que dê sentido e
coerência a uma existência. Esta representação atende às necessidades do presente e reforça a
crença de um indivíduo ou grupo em um sentimento de pertencimento e de fronteiras sociais.
Michael Pollak aponta que por esta razão há uma ligação muito estreita entre memória e
identidade social85. No nível individual podemos ressaltar como um de seus principais
elementos o sentimento de coerência, ou seja, de que todos os elementos que formam um
indivíduo são unificados em uma representação de si. A tal ponto que se este sentido de
unidade for quebrado, podem-se observar fenômenos patológicos. Em uma perspectiva
construtivista da memória, ao tratarmos de uma memória coletiva, podemos nos voltar para a
análise dos processos e a gentes que intervém no trabalho de sua constituição e formalização.
Tendo a função de manter a coesão interna e defender os referenciais que um grupo
tem em comum,

“A memória e a identidade são valores disputados em


conflitos sociais e intergrupais, particularmente em conflitos que opõe
grupos políticos diversos.”86

Desta forma, Pollak ressalta que quando tratamos de memórias formalizadas por
coletivos ou associações o termo memória enquadrada é mais específico que memória
coletiva, presumindo assim um trabalho de enquadramento. Este trabalho se alimenta de fatos
da história que podem ser associados de diversas maneiras em uma reinterpretação do passado
com a intenção de preservar fronteiras sociais ou modificá-las em função dos conflitos do
presente e de projetos futuros. Desta forma, a memória pode ser entendida como um
fenômeno sempre em disputa, onde memórias “oficiais” (formalizadas) coexistem com
memórias que Pollak denomina “subterrâneas”. Em momentos de conflito estas últimas
afloram podendo levar a uma nova reconstrução e a um novo enquadramento da memória
coletiva.
A análise do trabalho de enquadramento da memória e de sua materialização em
pontos de referência87 é uma chave para o estudo, de cima para baixo, dos processos de
construção e reconstrução das memórias coletivas. A História Oral é capaz de apontar através
das memórias individuais, em um procedimento inverso, os limites de um enquadramento e as
tensões entre a imagem oficial de um grupo e as percepções dos indivíduos pertencentes a ele.

85
POLLAK, Michael. Memória e Identidade Social.In.:Estudos Históricos. Rio de Janeiro, vol.5,n.10, 1992.
86
Idem. p.5.
87
Além dos discursos, os rastros de enquadramento da memória são objetos materiais: monumentos, museus,
bibliotecas, etc. POLLAK, Michael. Memória, Esquecimento, Silêncio. In.: Estudos Históricos. Rio de Janeiro,
vol.2, n.3,1989. pp.8-9.

42
O que pretendemos a partir de agora é identificar as disputas atuais em torno da
memória da Greve de 88 e seus processos de enquadramento, para, posteriormente, relacioná-
las às memórias operárias identificadas através da pesquisa realizada.

9 de Novembro de 2006: sinal de uma reviravolta histórica?

“Há 18 anos atrás, aqui dentro dessa empresa o Exército


brasileiro covardemente assassinou três operários da CSN. Três
cidadãos brasileiros: William, Walmir e Barroso. Nós da direção do
Sindicato queremos manter vivo na memória da classe trabalhadora
essa parte triste da história dos Metalúrgicos de Volta Redonda e de
nossa região. Por isso, hoje, o Sindicato dos Metalúrgicos juntamente
com várias outras entidades: Sindicato da Construção Civil, Sindicato
Estadual dos Profissionais da Educação, Pastoral Operária, MEP,
enfim, uma série de outras entidades, estamos hoje homenageando os
nossos mártires que naquela Greve de 88 foram brutalmente e
covardemente assassinados. Nós, aqui na passarela, estamos fazendo
uma exposição de fotos daquela greve , daquele momento aonde não
só os trabalhadores, mas também a cidade de Volta Redonda
enfrentaram as tropas do Exército e da Polícia Militar. Portanto é
importante os trabalhadores que estão entrando dá uma olhada aqui na
exposição de fotos, que nós estamos trazendo, pra que os
companheiros possam ver o que de fato aconteceu, o que de fato ficou
registrado na nossa história do movimento sindical desse país e
mundial. Essa luta iniciada há 18 anos atrás, ela tem um significado
muito importante pra classe trabalhadora nesse país, porque foi a partir
de Volta Redonda que a nível nacional os trabalhadores foram a luta
pra poder garantir o cumprimento do artigo 7 inciso 14 da
Constituição, que assegurava o turno ininterrupto de revezamento de 6
horas.”

Assim discursava, na manhã de 9 de novembro deste ano, um dos diretores do SMVR


integrante da chapa que ganhara as eleições. Do caminhão de som ele e outros diretores
convocavam os trabalhadores, que naquele momento entravam para o trabalho, a observarem
uma exposição de fotos sobre a Greve de 88, montada na passarela principal de acesso à usina.
Nesta mesma passarela havia um grande trabalho de panfletagem de um informativo intitulado
“9 de Novembro”. O informativo trazia como apresentação o seguinte texto:

“Neste jornal faremos um regate histórico da Greve de 1988,


na qual três operários foram mortos pelas tropas do exército dentro da
CSN. Fato este que ficou conhecido como “9 de Novembro” e que
marcou profundamente o cenário político de nossa cidade.”88
88
Informativo das Entidades Fórum de Organização da Semana “9 de Novembro”. 9 de Novembro. n.1 . Nov.
2006. Expediente: Sindicato dos Metalúrgicos de Volta Redonda e Região (SMVR), SEPE - Sindicato Estadual
dos profissionais de Educação do Rio de Janeiro – VR; Pastoral Operária de Volta Redonda; Sindicato dos
Trabalhadores da Construção Civil; MEP- Movimento da Ética na Política.

43
Havia ainda no informativo uma programação que iria “homenagear os 18 anos do 9 de
novembro”. Além da exposição na passarela da fábrica, intitulada “A greve 1988: resgatando a
tradição de luta dos trabalhadores” haveria um ato público na Praça Juarez Antunes e uma
missa em homenagem aos mortos na greve, com a participação de dom Waldyr Calheiros.
O ato, realizado às 17h daquele dia, contou com a participação das entidades
organizadoras e do prefeito da cidade, Gothardo Lopes Neto 89, que iria inaugurar “uma placa
explicativa sobre o Monumento 9 de Novembro patrocinada pela prefeitura de Volta
Redonda”90. Ziza também foi convidado para a mobilização e antes de seu início cantou “Três
turnos” entre outras músicas de seu disco lançado em 1988, “A nossa luta vai continuar”.
No dia anterior tive a oportunidade de acompanhar um debate sobre a greve realizado
no próprio Sindicato e por ele mesmo organizado, juntamente com o SEPE-VR. O debate
contou com a participação de muitas entidades (associações de bairro, representantes de
partidos e das entidades encarregadas de organizar aquela “Semana 9 de Novembro”) e com a
presença de importantes personagens dos episódios de 1988, os quais que compunham a mesa
dos debatedores. Além do atual presidente do Sindicato (Renato Soares) estavam à mesa: dom
Waldyr Calheiros; Marcelo Felício, integrante da diretoria sindical na época; Mário Clinger,
prefeito da cidade em 1988; e Lurdinha, participante de movimentos populares e CEBs. Mais
tarde, sentaría-se também à mesa, Wagner Barcellos, presidente do SMVR entre 1989 e 1992.
Renato Soares, após os agradecimentos aos organizadores e pessoas presentes no evento, inicia
desta forma as atividades da mesa91:

“Eu jamais poderia imaginar que eu estaria hoje aqui perto


de pessoas ilustres como o companheiro Marcelo, foi o Marcelo que
me levou pra luta, não é Marcelo? Nós trabalhamos juntos no Jardim
Paraíba, o Marcelo me chamava pra reunião, chamou várias vezes, eu,
“vô”, “vô”, e não ia nada. Eu achei o perfil e acabei gostando do
negócio e tamos aí. Então, a Dodora também aí, que tá na organização.
Essa aqui [Lurdinha] foi minha vizinha na Vila Americana, morou do
lado da minha casa alí. Dom Waldyr, meu pai contou, conta, muita
história do dom Waldyr, os problema que ele tinha com os militar na
década de 60, 70... E aí o nosso ex-prefeito Clinger que também teve
naquele momento histórico. Bom, ontem nós fizemos a primeira
assembléia nossa na Praça Juarez Antunes, esperamos que seja o início
de muitas outras. Como colequei aqui, o Sindicato, ele vai exercer o
papel importante em defesa dos trabalhadores e dos aposentados (...)”
89
Eleito em 2004 pela coligação “Por amor a Volta Redonda” composta pelos seguintes partidos: PV, PMDB, PP,
PSL, PTN, PAN, PSDC, PTC, PRONA e PC do B.
90
Informativo das Entidades Fórum de Organização da Semana “9 de Novembro”, op. cit. p.2.
91
Antes disso uma representante do SEPE-VR apresentou uma cartilha infantil sobre a greve por eles elaborada.
O objetivo é que sejam publicadas 50.000 cartilhas para serem distribuídas nas escolas da cidade. Porém, até o
término deste trabalho o SEPE ainda não havia conseguido seu financiamento.

44
A intensidade dos esforços de “recuperação” da Greve de 88, de certa forma, indica
justamente seu caráter subterrâneo em tempos anteriores, o que nos remete a uma investigação
sobre a atuação da Força Sindical na direção do Sindicato.
A ascensão desta central à direção do SMVR em 1992, como vimos anteriormente,
ocorre em meio à implantação de políticas neoliberais no Brasil. Graciolli aponta seu papel
singular como difusora das concepções neoliberais em meio aos trabalhadores, com o intuito
pedagógico de adequação destes aos novos tempos, marcados por privatizações, reestruturação
produtiva e relações “amistosas” entre capital e trabalho92.
Obviamente, este projeto implicou uma busca de legitimação pela reconstrução da
memória “oficial”, rearticulando o passado em nome do presente e futuro. Este enquadramento
da memória deveria atender às exigências de justificação e coerência, pois o que está em jogo
nestes casos é o sentido de identidade individual e do grupo. Assim, em 1995, após uma
intensa propaganda de positivação da privatização (iniciada antes dela) e da política de
parceria frente aos trabalhadores93, o Sindicato formalizou sua imagem e os novos referenciais
de conduta a serem seguidos em uma obra comemorativa de seus 50 anos. Luiz de Oliveira
Rodrigues (Luizinho), então presidente do Sindicato, costura da seguinte forma a história da
instituição:

“Desde sua construção e do início de operações da CSN na


década de 40, Volta Redonda assumiu o pioneirismo na
industrialização do País, como parte do esforço de substituição de
importações do Governo Vargas. Bem mais tarde, ao longo dos anos
80, Volta Redonda testemunhou as últimas manifestações dos anos de
chumbo do regime militar. Nenhum de nós pode esquecer a morte de
três companheiros, marco dos estertores da repressão. Finalmente, a
partir de 1993, com a privatização da Companhia Siderúrgica
Nacional, Volta Redonda está mostrando como é possível estabelecer
em bases sólidas e igualitárias o relacionamento Capital/Trabalho no
Brasil.”94

Os acontecimentos dos anos 80 que culminaram com a morte de William, Walmir e


Barroso não poderiam ser “esquecidos”, mas não seriam interpretados da mesma forma que
antes. A partir de então a Greve de 88 passaria a ser um acontecimento lastimável e trágico,
92
GRACIOLLI, Edílson José. Um laboratorio chamado CSN: Greves, Privatização e Sindicalismo de Parceria.
Op. cit. pp.227-228.
93
Um exemplo deste trabalho feito pela grande mídia pode ser encontrado na edição especial de O DIA, de 9 de
abril de 1994, que, em comemoração aos 53 anos da CSN, apresenta como título da reportagem de capa: “A
grande virada da Companhia Siderúrgica Nacional: graças a parceria entre empregadores e diretores a indústria
bate sucessivos recordes de produção”.
94
RODRIGUES, Luiz de Oliveira. Prefácio. In: MONTEIRO, Geraldo Tadeu Moreira (org.). Sindicato dos
Metalúrgicos de Volta Redonda: 50 anos Brasileiros. Rio de Janeiro: FSB Comunicações, 1995.p.7.

45
pertencente a um passado distante, um momento de exceção de uma trajetória coerente e com
um determinado sentido:

“Partimos, inicialmente, da hipótese de que o Sindicato dos


Metalúrgicos de Volta Redonda age de forma coerente segundo um
padrão de relacionamento Capital-Trabalho que se constitui desde os
anos 50 e que perdura, com um curto período de ruptura, durante os 40
anos subseqüentes. Com efeito, desde 1951, com a eleição da primeira
diretoria, surge uma relação quase institucional entre o Sindicato e a
direção da CSN, com reuniões periódicas entre os dois e modos
conciliatórios de resolução de conflitos. Esta atitude não implicou, no
balanço desses 50 anos, abdicação pelo sindicato de sua independência
face à empresa. No entanto, com a parcial exceção do período entre
1984 e 1991, podemos afirmar que a política de conciliação de
interesses entre empresa e sindicato foi a tônica da relação Capital-
Trabalho em Volta Redonda.”95

Diante deste discurso não é de se estranhar as afirmações de B. acerca da ausência de


materiais sobre a greve no Sindicato:

“Todo esse material que nós tínhamos aqui em fita de


vídeo, fotos, tudo, simplesmente sumiram. Porque quando eu
terminei..., saí do sindicato, não podia levar esse material pra casa
porque isso faz parte da história do sindicato. Os caras aí sumiram
com tudo. [Entrevistador- Que caras?] A atua..., a direção que saiu
agora. Perrut, Luizinho e companhia. Num tem mais nada, o que
tínhamos aí: cartas de sindicatos internacionais que vieram pra cá,
delegações, muita coisa, mas..., tá na história.”96

O trabalho de enquadramento realizado não poderia desconsiderar o período anterior


com grande incidência de greves, mas trataria de apontá-lo como uma exceção. O novo marco
para a orientação dos trabalhadores seria a retomada da política de “conciliação” embora o
próprio Luizinho reconhecesse limites à aceitação da proposta de parceria: “é muito difícil o
trabalhador acreditar ser possível sentar na mesa de negociação com o patrão e manter a
independência”97.
Como vimos ao final do segundo capítulo, atualmente ocorreu um desgaste da Força
Sindical em meio aos trabalhadores, possivelmente ligado às acusações de corrupção e ao
quadro de perdas salariais e desemprego 98. Nas últimas eleições, a CUT acaba sendo

95
MONTEIRO, Geraldo Tadeu Moreira. Introdução. In: Sindicato dos Metalúrgicos de Volta Redonda: 50 anos
Brasileiros. Rio de Janeiro: FSB Comunicações, 1995.p.23.
96
EMG8804.
97
MONTEIRO, op.cit.p.81.
98
A superexploração dos trabalhadores é que permite a competitividade da empresa exportadora na atual “caça
aos dólares”.

46
vinculada à imagem da Força Sindical devido à aceitação da filiação de Perrut o que
colaborou para a vitória da terceira chapa.
A Chapa 3, identificada como “chão de fábrica” 99, tem um forte apoio de diversas
entidades populares e mantém um relação próxima com antigos militantes e ex-diretores
sindicais da década de 80, quando o Sindicato era filiado à CUT. Não temos condições de
abordar esta articulação, entretanto, o que importa para este estudo é que ainda na campanha
eleitoral podemos identificar os marcos defendidos por este grupo:

“Há mais de 14 anos, os metalúrgicos da base de Volta


Redonda e municípios vizinhos vêm lutando contra os desmandos da
Força Sindical na direção da entidade. Neste período o trabalhador
assistiu a um quadro de desemprego em massa, de perdas salariais, de
eleições sindicais fraudadas e de escândalos com o dinheiro do
Sindicato. Além de, transformar o Sindicato em departamento da
empresa.”100

O período de exceção à unidade neste caso corresponde ao intervalo entre 1992 e


2005. Com a vitória da chapa 3 e a tomada de posse em setembro, ocorre um processo de
reconstrução da memória oficial do Sindicato. A retomada da Greve de 88 passa a ser um
elemento central do novo trabalho de enquadramento. Para isso há um resgate sistemático de
seus elementos constitutivos: acontecimentos, lugares e personagens101. Porém, esta retomada
se dá em função do presente e precisa a ele ser articulada.
No âmbito da ação sindical, representativa dos trabalhadores frente à empresa, o
Sindicato retoma uma luta “iniciada há 18 anos atrás” pelo turno de 6 horas 102. Quanto à
esfera de relacionamento com as demais organizações e instituições, a Greve é associada a
uma luta reivindicatória dos trabalhadores que se deu dentro e fora da fábrica, pois teve o
apoio de inúmeras organizações populares, representando uma tradição de luta unificada.
A mesa do dia 8 de novembro é representativa da interpretação pretendida. Como
vimos anteriormente, ela foi composta pelos seguintes participantes da greve: um ex-diretor
do sindicato, um representante da ala progressista da Igreja, uma representante dos
movimentos populares e CEBs, e pelo prefeito da cidade em 1988. A reconstrução feita
privilegia a aproximação entre as entidades, o movimento popular e sindical.
No dia seguinte, na Praça Juarez Antunes ao lado do Memorial 9 de Novembro, o ato
público realizado a partir das 17 h , momento em que os trabalhadores estão saindo da fábrica,
contaria com a presença de diversas entidades e partidos. Os discursos, de modo geral,
99
Informativo das Entidades Fórum de Organização da Semana “9 de Novembro”, op. cit. p.3.
100
Informativo da chapa 3, n.2, Maio 2006.
101
Estes são os elementos constitutivos da memória individual e coletiva. POLLAK, Michael. Memória e
Identidade Social.op. cit.p.2.
102
O direito ao turno de 6 horas foi perdido na gestão da Força Sindical.

47
enfatizaram a necessidade de aproximação entre as organizações em luta (embora a definição
desta luta esteja obviamente em disputa)103. Porém, a presença e participação de trabalhadores
operários foi mínima, apesar da grande divulgação do evento e dele encontrar-se dentro de
uma agenda de lutas pelo restabelecimento do turno de 6 horas.
Acreditamos que a análise de memórias individuais pode nos informar sobre as
possibilidades de sucesso das movimentações institucionais na formalização de uma memória
coletiva, e, especificamente no caso estudado, pretendemos apontar algumas possibilidades
para as tentativas de mobilização operária através do resgate de uma memória combativa em
torno do período de greves da história recente de Volta Redonda. Entretanto, agora cabem
algumas justificativas teóricas para nosso percurso.

Classe, cultura e memória

Muitos trabalhos sobre a classe operária ao enfatizarem as relações de produção, no


processo e mercado de trabalho, como elementos que levariam a uma coesão política dos
trabalhadores, enfocaram o ativismo e a consciência de classe e por isso tenderam a idealizar
comunidades operárias, apostando em sua homogeneidade, não abarcando aspectos que
indicavam dispersão de referências e comportamentos sociais104.
Considerando estas observações, o pressuposto adotado neste estudo é que uma análise
sobre a classe operária deve considerar que divisão e unidade são aspectos integrantes desta e
uma abordagem de tais aspectos nunca deve se esquecer de suas relações com o processo
histórico. Portanto, a concepção de classe por nós adotada é a defendida pelo historiador
E.P.Thompson que aponta a classe como um fenômeno fundamentalmente histórico e
processual.
Os estudos que enfatizam as forças e as relações produtivas como uma “base” (real e
objetiva) de onde se derivaria uma consciência de classe (superestrutural) tendem à
idealização de uma classe social perdendo de vista sua historicidade 105. Thompson defende
que os condicionamentos econômicos apenas podem determinar, em grande medida, a
experiência de uma classe, mas não a consciência de classe, forma como as experiências são

103
Discursaram no caminhão do Sindicato representantes das seguintes entidades na seguinte ordem: MST,
Pastoral Operária, SMVR, PT, PC do B, CONLUTAS, CUT, CNM, Sindicato da Construção Civil, SEPE-VR e o
prefeito.
104
Uma interessante análise sobre a necessidade de estudos que contemplem as variações culturais da classe
trabalhadora encontra-se na apresentação da seguinte obra: BATALHA, Cláudio H. M.; SILVA, Fernando
Teixeira da; FORTES, Alexandre. Culturas de Classe: identidade e diversidade na formação do operariado.
Campinas: Editora da Unicamp, 2004. pp. 11-22.
105
THOMPSON, E.P. Algumas observações sobre classe e “falsa consciência”. In.: As peculiaridades dos
ingleses e outros artigos. São Paulo: Editora da Unicamp, 2001. pp. 269-281.

48
tratadas em termos culturais106. Desta forma, acreditamos que Thompson identifica um campo
de possibilidades compartilhadas de uma cultura de classe, a qual apresenta variações internas
e não ocorre de forma homogênea: “... podemos ver uma lógica nas reações de grupos
profissionais semelhantes que vivem experiências parecidas, mas não podemos predicar
nenhuma lei”107.
A História Oral, enquanto metodologia, é capaz de contribuir para o rastreamento das
variações culturais internas de classe. Mesmo as narrativas individuais podem nos informar
sobre a coletividade, pois sua singularidade tem os limites da cultura do próprio tempo e da
própria classe. Nesse sentido, em defesa da existência de uma abertura para a passagem do
individual ao social, Alessandro Portelli argumenta:

“De fato, os textos – tanto os relatos orais como os diálogos


de uma entrevista – são expressões altamente subjetivas e pessoais,
como manifestações de estruturas do discurso socialmente definidas e
aceitas (motivo, fórmula, gênero, estilo). Por isso é possível, através
dos textos, trabalhar com a fusão do individual com o social.”108

É impossível uma separação das dimensões objetiva e subjetiva das narrações, mas é
possível reconhecê-las como dados de algum modo objetivos, que podem ser analisados e
estudados com técnicas e procedimentos em alguma medida controláveis.
Acreditamos que as memórias individuais podem dar importantes contribuições para o
entendimento de fatos do passado e dos processos de identificação de um coletivo. De maneira
geral, estas narrativas apresentam limites à arbitrariedade, pois se inserem dentro de um campo
de possibilidades compartilhadas por um grupo e negociam com os fatos que organizam,
atendendo às exigências de coerência e legitimidade de forma a dar sentido de continuidade a
uma trajetória.
Desta forma, podemos considerar que o estudo da memória sobre determinados fatos
do passado “não nos oferece um esquema de experiências comuns, mas sim um campo de
possibilidades compartilhadas, reais ou imaginárias”109, ou seja, indícios sobre experiências
comuns compartilhadas por um determinado grupo no passado e no presente. Estes indícios
podem se desdobrar em hipóteses a serem verificadas com maior cuidado posteriormente, mas,
num primeiro momento, determinadas questões não seriam levantadas caso fosse
desconsiderada a possibilidade de análise da memória individual. Por outro lado, a análise
destas memórias nos informa sobre as relações de pertencimento existentes em um coletivo,
106
Discussão presente no prefácio da obra:THOMPSON, E.P.. A Formação da Classe Operária Inglesa. Rio de
Janeiro: Paz e Terra, 2003. pp.9-14.
107
Idem, p. 10.
108
PORTELLI, Alessandro. A filosofia e os fatos. In.:Tempo, vol.1, n.2, 1996. p.65.
109
Idem. p. 72.

49
apontando elementos de integração e dispersão. Podemos dizer que, em resumo, esta
metodologia abre possíveis portas de investigação do passado, ao mesmo tempo em que nos
informa sobre processos de identificação de um determinado coletivo no presente.
Partindo desta premissa, através da apresentação e análise de narrativas operárias, a
próxima seção deste capítulo pretende apontar alguns indícios para o entendimento da Greve
de 88, através da identificação de diferentes percepções acerca da greve e, consequentemente,
da percepção de diferentes possibilidades de construções identitárias em meio aos operários,
ligadas às diferentes trajetórias destes.

As entrevistas

Num primeiro momento a intenção da pesquisa era abarcar um grupo definido de


operários: ex-operários, operários que estavam na usina na época da greve e operários que
começaram a trabalhar após 1988. A proposta era perceber as variações dos discursos acerca
da greve entre uma diversidade maior de gerações. Entretanto, as entrevistas conseguidas se
detêm aos dois primeiros tipos de trabalhadores. A época de ingresso na usina foi o principal
critério utilizado para ordenar a apresentação das entrevistas, como segundo critério,
consideramos a atual atividade profissional desempenhada pelo entrevistado. Desta forma,
obtivemos três grupos: os entrevistados A. e H., que hoje estão aposentados; os entrevistados
P. e B., que embora tenham ingressado na usina em uma época próxima a dos anteriores
mantêm uma relação singular com a empresa – P. atua junto à administração da empresa
possuindo um alto cargo e B. é assessor do Sindicato; e ao final, temos C. e R., que estavam
presentes na greve e ainda trabalham na CSN.
O roteiro de entrevistas buscou contemplar os seguintes pontos: o ingresso na CSN; a
trajetória dentro da usina (atividades desempenhadas, relações pessoais nos locais de trabalho
e fatos importantes ocorridos); opinião sobre a usina hoje; e por último, a greve e seus
desdobramentos. Ao término das entrevistas, após estes pontos serem de certa forma
abordados, foi apresentada aos entrevistados (com a exceção de A. e R.) uma foto atual do
Memorial 9 de Novembro e questionado sobre o que pensam quando vêem o monumento. A
partir destes pontos é que foi feita a seleção de passagens significativas que pudessem apontar
a visão que o entrevistado tem de sua própria trajetória e sua interpretação sobre a greve
(elementos que se fundem nas narrativas). As passagens que foram privilegiadas
correspondem aos elementos mais “sólidos” das narrativas e que as estruturam, sendo
recorrentes nas falas110. As apresentações também contarão com algumas observações
110
Michael Pollak aponta que numa história de vida individual e também em memórias construídas
coletivamente haveria elementos irredutíveis em que o trabalho de solidificação da memória foi tão forte que

50
baseadas em cadernos de campo sobre o contato com os entrevistados e a situação de
entrevista. Embora estas apresentações sejam assumidamente parciais a busca de uma
fidelidade possível é que as norteou.

A. (ex-operário, aposentado e pedreiro)

Não conheci o entrevistado até o momento da entrevista, esta foi agendada por uma
amiga, única pessoa que poderia contactá-lo. Por este motivo tinha pouquíssimas informações
sobre ele, não sabendo nem mesmo a função que desempenhara na usina. Sendo meu primeiro
entrevistado, o roteiro ainda estava sendo testado e tinha ainda a seguinte estrutura: ingresso
na usina, relações pessoais no trabalho, a greve e seus desdobramentos 111. Embora a entrevista
tenha se iniciado de forma tensa, com o passar do tempo ambos nos sentimos à vontade. A.
tem 53 anos e se aposentou em 1994. Fui recebido na sala de sua casa em Barra Mansa, onde
a entrevista foi realizada, em 16 de junho de 2006.

“(...) se você não tem diálogo com a sua esposa


como é que você vai reatar um casamento?”

A. começou a trabalhar dentro da usina como empregado de uma empreiteira em 1974


e após dois anos foi contratado pela CSN como ajudante: “na parte de refratário que é
manutenção de fornos refratários dentro da usina, eu trabalhava a usina inteirinha, fazendo
manutenção... Lá tem muitos fornos né. Pelo menos na minha época, agora já, já depois da
privatização já fechou bastante fornos né “. De ajudante, passou a pedreiro e depois se tornou
mestre de refratários após realizar uma prova interna. “Era um serviço muito árduo né,
perigoso, você lidava com muitos produtos químicos, com os tijolos né, uma caloria imensa”.
Segundo ele a relação com os companheiros de trabalho era muito boa, sendo o trabalho o
“segundo lar da gente”, porque, “talvez você vive até mais lá do que dentro da sua casa”.
Ao fazer minha primeira pergunta sobre a Greve de 88 que foi “E como foi a greve,
assim, o início, por exemplo?” A. dá a seguinte resposta:

“Ah. Antigamente, eu acho que o sindicato, meu ponto de


vista. O sindicato... O sindicato na região aqui ele foi embora, num é...
Ele era, vamos dizer, forte né, devido ao emprego que tinha demais né.

impossibilitaria a ocorrência de variações. Estes elementos estão ligados à imagem de si para si e para os outros.
Embora estejamos abordando uma temática específica e não histórias de vida elementos similares foram
encontrados nas entrevistas. POLLAK, Michael. Memória e Identidade Social.op.cit. p.2.
111
Este mesmo roteiro foi utilizado com o entrevistado R..

51
Isso eu acho que se fizer agora... se você sair tem quinhentos pra
entrar no seu lugar, tem duzentos, setecentos, num sei. Dependendo do
que você faz. Naquela época tinha emprego. Eu, eu sinceramente
nunca fui muito de greve, nunca fui. Eu era até... a gente, honesto,
você tinha que ter um jogo de cintura fora do sério. A chefia te
apertava, e você... queria saber de que lado você tava, se era do
sindicato, se era da empresa. Você tinha que ter um jogo de cintura,
porque é, o pessoal que fazia greve era agressivo, chegavam com um
porrete se você tivesse trabalhando e você como responsável, então o
negócio era... Então era um jogo de cintura que você tinha que ter...
Um troço fora de sério. Porque, eles paravam através da violência
mesmo. Já presenciei muitas vezes, você ia entrar e... eu procurando
dentro da CSN cumprir meus horários e não dava pra entrar. Você
chegava lá, eles estavam num tumulto danado, ficava ali. Toda greve,
no período das greves no horário que eu estava, eu ficava ali. Inclusive
no primeiro dia da greve lá, eu tava lá. Eu estava de quatro a meia
noite, tava de oito as quatro... quatro à meia-noite. Entrou exército,
tanque, apontando pro pessoal, o pessoal tomaram conta da Aciaria (?)
e o pessoal fazendo bagunça, num tava nem aí”.

Para Portelli, em termos narrativos, o princípio de uma história assinala a passagem de


certa ordem para a desordem, antes de uma história ter início, por definição, não há nada de
tão interessante a ser contado112. No caso por ele estudado - as memórias locais de um
massacre realizado por nazistas em uma vila italiana como represália a ação da Resistência
que matara ali três alemães (o massacre de Civitella Val Di Chiana) – há uma abertura
padronizada das narrativas, que sugere que antes da ação da Resistência em 1944 aquela vila
vivera com certa tranqüilidade, o que é confrontado mais tarde com os dados da repressão
nazista apresentados pelo historiador. Acredito que na passagem acima podemos perceber
algo análogo.
A. não fala apenas da Greve de 88, ele a insere dentro do período mais amplo de
greves fazendo uma análise geral das possibilidades de greve, até atualmente. O ponto central
da passagem gira em torno do desequilíbrio gerado por esta ação. Em uma situação de greve
era necessário um “jogo de cintura”, pois era necessária a adesão explícita ao “sindicato” ou à
“empresa”. De certa forma, o agente deste transtorno é o sindicato (“o pessoal que fazia
greve”). Porém, ele tinha uma vantagem em relação aos outros operários não-grevistas, por
trabalhar como pedreiro nos altos fornos, setor estratégico da fábrica que não pode ser parado:
“Era o único setor que o sindicato não se envolvia. Ele não tinha assim... Ele deixava. Era o
alto forno”.

112
PORTELLI, Alessandro. O massacre de Civitella Val di Chiana (Toscana: 29 de junho de 1944) mito,
política, luto e senso comum. In.: AMADO, Janaína; FERREIRA, Marieta de Moraes Ferreira (coords.). Usos e
abusos da história oral. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2005. p.112

52
Tendo presenciado a “tomada” da aciaria pelos grevistas e sua resistência quando
houve o início das ações do Exército, A. consegue sair da usina. “No outro dia, na morte do
rapaz eu não estava lá, já estava em casa”. A partir de então ele acompanhou as assembléias
pelo lado de fora, e sobre o conflito com o exército, ressalta a “bagunça” feita pelos operários
em greve:

“É, pelo o que eu sei, depois que eu saí, naquele dia, naquela
noite lá, eu até... Quando eles estavam atacando pra tomar a aciaria...
Porque o pessoal da CUT, do sindicato, tomaram a aciaria inteirinha,
não subia ninguém (...).Sabe aquelas bolas, aquelas bolas de guindaste
pra quebrar (gusa?). Aquilo é pesadíssimo. Colocaram uma bola em
cada subida da escada, porque se o exército subisse eles iam rolar
aquelas bolas em cima deles. Eles estavam, tavam bem armados.
Tinham ainda pedaços de ferro pra jogar nos fornos né, tinha pedaço
de manganês, pedaço de ferro, é... tinha cal virgem... Ih, jogava em
cima, se viesse jogava em cima. Eles não conseguiram. O sargento
mandou, não sei se era sargento, o que era, mandou recuar porque não
dava mais. Dali, meia-noite eu vim embora, aí no outro dia que eu
soube que houve a tragédia lá que mataram os dois rapazes, três né.
Soube lá fora na Praça Brasil. Rapaz, mas você tá num... na greve,
você fica num estado de nervo danado né. Você tá ali e não sabe o que
vai acontecer amanhã, pode ser mandado embora, e... sinceramente,
não presta não. Greve não presta não. O que eu sei da greve de oitenta
e oito é mais ou menos isso daí, depois nós voltamos a trabalhar. (?)
sindicato. Nós pagamos as horas... Na época, nós pagamos as horas, os
dias parados. Financeiramente ganhamo muito pouco”.

A. justifica seu posicionamento da seguinte forma:

“Eu, eu admiro você chegar perto do seu patrão, perguntar pra


ele se dá aumento ou não, agora, você obrigar ele te dar aumento, isso
não existe. Não existe não. Se paga direito ali você todo mês... “Você
pode pagar quanto?”, “eu posso te pagar tanto”, agora eu vou obrigar
você pagar mais. Por isso que eu sou contra nesse ponto, negócio de
greve. Se você disser que eu sou puxa-saco do patrão... você tem que
pensar na (família?), (?) é a última arma que você pode usar. Se
possível não usar. Quando você tá alí e não há mais diálogo, (?) se
você não tem diálogo com a sua esposa como é que você vai reatar um
casamento. É melhor partir pra outro emprego né. Porque no trabalho
se você não tem diálogo com o seu patrão, não tem jeito, ele não vai te
pagar mais mesmo... se você não tá satisfeito é melhor seguir seu
caminho, ele não vai te pagar seus direitos”.

Em sua narrativa, a Greve de 88 se encontra em meio às outras que ocorreram na usina


e ao transtorno causado por elas, pois ela afeta um equilíbrio capaz de dar conta dos
descontentamentos de ambas as partes: a lógica do mercado. Entretanto, a concepção de A.

53
apesar de apresentar elementos do pensamento liberal tem o colorido de uma linguagem
familiar e de um acordo em torno de uma concepção de honra. Em um projeto anterior sobre a
memória de trabalhadores operários eu já havia entrevistado um ex-operário não-grevista que
compartilha de concepções semelhantes às de A.. Ao perguntá-lo sobre o que é ser trabalhador,
o entrevistado respondeu:

“Então eu acho que você ser trabalhador é você... ter aquele


compromisso certo. Você ser comprometido com o seu, com a sua
família, ter o seu compromisso com a minha família. Num deixar de
fazer..., (?), passar falta de nada, tá ali sempre..., acho, acho que é pai
trabalhador, isso é pai que trabalha. Entendeu? Acho que ser
trabalhador é você tá memo alí, seguro ali.”113

O que se sobressai de certa forma, nos dois casos, é a idéia de trabalhador como pai de
família. Neste sentido qualquer ação que possa colocar em risco o emprego é vista como certa
irresponsabilidade. A. informa que quando se iniciava uma greve “pra mim o esquema era o
mesmo né, ficava ali, achava aquilo até engraçado né. Tem gente que tem família e pensa um
pouquinho né, pensa... Gente sem família (?) se tivesse trabalhando lá né. Trabalhando,
sabendo que vai ganhar direitinho...”.
Em outras passagens A. exemplifica as dificuldades atravessadas por ele no trabalho,
principalmente em ocasiões de greve. Ele, que havia ascendido à posição de mestre de
refratário ao longo dos anos, teve muitas vezes que prestar conta dos horários em que sua
equipe chegava ao trabalho, ocasiões em que “tinha que ser sincero”. E, em alguns momentos,
para continuar a trabalhar, A. teve que dormir dentro da usina, pois as entradas se
encontravam fechadas pelo “pessoal que fazia greve”.
Por fim, em seu trajeto individual marcado por um “jogo de cintura”, A. avalia:
“Graças a Deus, apesar de tudo, deu pra mim vencer. Aos trancos e barrancos né, deu pra mim
tudo certo. Beleza”.
Após a entrevista A. contou sobre a convocação dos grevistas para o “arrastão” e disse
que os “trabalhadores como ele” não participavam daquilo. Durante o maior tempo de nosso
papo pós-entrevista, A. falou dos episódios relacionados às dificuldades no trabalho, inclusive
o acidente que teve, devido à intensificação do ritmo de trabalho. Com um menor número de
pessoas, principalmente após a privatização, o trabalho se tornou mais árduo. Ele falou
também sobre a dificuldade ao se lidar com o material refratário (material que causa
queimaduras na pele) e as condições de trabalho: “dava vontade de pedir conta”.

113
Entrevista do Projeto Trabalho e Identidade da disciplina História oral, oferecida pelo professor Marcos Alvito
no 2º semestre de 2004. Data de realização: 07/11/2004.

54
H. (ex-operário, aposentado, trabalhou na SOM)

Cheguei a H. por um acaso. Havia marcado uma entrevista para o dia 7 de julho em
um local próximo ao Sindicato, mas o entrevistado daquela ocasião não pôde comparecer,
desta forma, dirigi-me ao prédio do SMVR pois sabia que as urnas da eleição seriam levadas
para lá naquele dia. Havia pessoas das chapas 1, 2 e 3 no local. Então comecei a conversar
com H. em meio à multidão. Ele me disse que era aposentado, mas estava ali porque tinha
amigos em todas as chapas. H. comentou que há 15 anos atrás a mobilização era maior e o
Sindicato era forte, sendo a privatização a responsável pela mudança. Após um tempo,
apresentei-me como estudante e pesquisador da Greve de 88 e perguntei se ele aceitaria ser
entrevistado. H. aceitou e me deu seu telefone para contato.
Devido a uma série de dificuldades e ao fato de H. ter trabalhado nas eleições para seu
partido (PC do B) só nos encontramos novamente em 27 de novembro, ocasião em que
ocorreu a entrevista. Este entrevistado tem 59 anos e se aposentou em 1993. A entrevista foi
realizada na associação da qual H. é presidente, Associação Esportiva Social Tiradentes, em
Volta Redonda.

“Pra mim ela foi uma mãe”

Tendo feito o Curso de Aprendizagem Industrial (CAI) na Escola Técnica Pandiá


Calógeras (ETPC)114, H. começou a trabalhar na CSN no dia 18 de abril de 1966. A partir de
então trabalhou na SOM, nesta época chamada de DOF (Departamento de Oficinas e
Ferramentas). No início, entrou como estagiário e em pouco tempo se tornou ajudante, após
três anos se tornou operador de máquinas e ferramentas, passando mais tarde a chefe de
equipe em 1975 (que segundo ele é um “peão” com um pouco mais de responsabilidade) e
aposentou-se como chefe de turno.

“(...) o DOF antigamente era o coração da Companhia. Lá tem


torno, fresa, modelador, lá que era o coração da usina mesmo, quando
as peças parava, quebrava lá, parava, aí ia lá, a SOM, a SOM que fazia
e acontecia (...). Entre ó, entre má..., entre torno, fresa, modelador
aquilo tinha mais ou menos, umas cem máquinas mais ou menos, cem
máquinas. Lá é um galpão... Hoje tá meio, hoje é que o negócio tá
meio, assim, tá com pouca gente porque nego foi mandado embora,
gente foi aposentando, mandando gente pra fora e tal. Agora lá só faz
aquele serviço mesmo urgente quando quebra alguma coisa lá (...).
Quem vê a SOM hoje dá tristeza.”

114
A ETPC foi criada em 1940 para a formação de mão-de-obra para a CSN.

55
Após descrever seu local de trabalho, antes que eu fizesse alguma pergunta
relacionada ao período de greves, H. aborda o assunto:

“Até 84, mais ou menos, a gente tinha que produzir mesmo,


não, não é produzir não... A gente trabalhava normal, trabalhava, era
bom trabalhar! Aí depois aquele negócio, 84, veio aquele movimento
sindical e tal. Aquelas greves e tal, a primeira greve, a primeira greve
foi em 84 (...). Aí começou a briga. As greve e tal...”

A narrativa sobre o período de greves se iniciou de maneira semelhante à de A., ou seja,


com a passagem de um equilíbrio (“era bom trabalhar”) para os tempos de “briga”. Após este
comentário, H. expõe rapidamente alguns dados sobre as greves a partir de 84: dias parados,
quando ocorreram, etc. Na Greve de 88,

“(...) o Exército entrou lá dia..., a greve iniciou lá dia sete, sete


de novembro. Aí dia oito o Exército entrou e foi lá dentro e houve
essas três mortes lá né. Mas o negócio teve feio na Vila [Vila Santa
Cecília, localizada em frente à entrada principal da CSN]. Quando o
Exército chegou devia ser mais ou menos umas quatro e pouca, teve
que fechar o comércio tudo na Vila. Os home..., chegou..., chegou
quente mesmo. [Entrevistador - Você lembra de..., alguma coisa que
você viu que...?] Na hora que os home entrou eu tava saindo as quatro
rapaz, sai pelas quatro e tal, ali pela Vila tranquilo, quando vi, eu vi o
Exército vindo aqui pela... Os home vieram mesmo e tal e a gente..., o
pessoal começou a jogar pedra neles. Ai eles entraram tomaram a
companhia e tal. Pior que esses rapaz que morreram não faziam parte
do sindicato, não faziam parte de nada, morreu de bobeira né. Tomou
tiro! Foi atingido. Não quer dizer que os caras do exército chegou e
deu tiro não. Deu tiro pra poder espantar o pessoal, e, pegou neles né.
Só quem tava lá que viu, que passou lá, que viu que o negócio foi
feio”.

Esta passagem é muito significativa de como H. vê sua experiência nesta greve. Em


“Memória e Identidade Social”, Pollak sugere a análise do estilo dos pronomes pessoais
usados em situações e acontecimentos como um indicador do grau de domínio da realidade 115.
Nesta passagem H. oscila entre “a gente” e “o pessoal” ao apontar os sujeitos da resistência à
entrada do Exército. Mais tarde esta fluidez se tornou mais clara.
Em um determinado momento o entrevistado falou da importância da SOM para as
greves: “A SOM, tudo que partia na época partia da SOM, a SOM na época ela era o carro que
puxava as brigas na Companhia, falou em greve, partia do pátio da SOM”. Quando perguntei
sobre o início da greve na SOM, pois ele havia dito que saira apenas na tarde do dia 7 (a greve
se iniciou ainda pela manhã), H. disse que a greve foi marcada apenas para o zero-hora e por
115
POLLAC, Michael. Memória e Identidade Social. op. cit. pp. 13-14.

56
isso não havia participado da greve em si, saindo às 16 horas, apenas participara da assembléia
que havia tomado a decisão sobre o início da greve. A partir desta possível “falsificação”
podemos identificar uma tensão contraditória em seu posicionamento perante a greve e os
grevistas.
Quanto aos três operários mortos pelo Exército, H. os qualifica como “vítimas” e não
como “mártires”, pois “não faziam parte de nada, morreu de bobeira né”. Nas palavras de H.
os mortos são desengajados da greve e o caráter trágico de suas mortes é acentuado pelo fato
de não serem ativistas, o que, por outro lado, faz com que uma carga de responsabilidade
acerca do conflito recaia sobre os últimos. Esta foi sua avaliação da greve: “Fizemos a greve
não ganhamos nada, perdemos só né”.
Como acontecimentos relevantes que ocorreram após a greve H. apontou a morte de
Juarez e a construção e destruição do Memorial 9 de Novembro, que segundo ele, “tá lá hoje
caído né”. Ao comentar as comemorações do dia 9 de novembro de 2006, disse: “deu muito
pouca gente, não deu ibope não. O pessoal hoje também tá meio cabrero né. Ainda mais essa
mulecada nova que entrou hoje na Companhia, também a (?) hoje não vai se meter nisso não”.
Até hoje ele recebe convites de amigos da usina, do Sindicato e até de seu filho, que
agora lá trabalha, para visitar a SOM:

“...aquele negócio, dá vontade de ir lá visitar, mas..., já passou.


Aquele negócio né, foi 28 anos de SOM, duma área só, entrei em uma
área e aposentei alí mesmo na mesma área(...) eu entrei na companhia
com 18 anos, não é fácil não. Entrei naquela época que tinha mesmo,
que trabalhar mesmo. [Entrevistador- nesses 28 anos, o que te marcou
mais nesse tempo que você trabalhou lá?] É, marcou é... amizade né.
Porque eu não tenho nada a reclamar da companhia. Aquele negócio
né, eu trabalhei, ela me pagou, me pagou e tal. O que eu tenho hoje,
agradeço à Companhia então... não tenho nada a reclamar dela. Pra
mim ela foi uma mãe. O que eu tenho hoje, agradeço à Companhia,
adquiri lá dentro com meu suor, trabalhando, pude dar estudo pros
dois filhos meus, é... É isso aí.”

Nesse momento os olhos do entrevistado se encheram de lágrimas e achei melhor


terminar a entrevista, pois também havia começado uma forte chuva que impedia a gravação.
Após alguns instantes, H. comenta que às vezes encontra com alguma pessoa que ajudou a
aprender a trabalhar e recomenda: “e aí como tá lá dentro?”, “cuidado caboco não sai de lá
não, segura e tal, segura porque emprego aqui fora tá difícil”, “não dá mole não porque...”

P. (coordenador de uma importante área da administração da empresa)


A pedido do entrevistado a área específica em que atua não será citada.

57
Cheguei a P. através de um conhecido da faculdade que ao tomar conhecimento do meu
projeto disse que conhecia alguém cujo pai trabalhava na CSN e sugeriu a realização da
entrevista. Entrei em contato com a filha do entrevistado e ficou combinado que eu os
encontraria (P. e família) em um restaurante de luxo em Volta Redonda, pois fariam a refeição
daquele domingo lá, no dia do 1º turno das eleições presidenciais (01/10/2006). Ao chegar, fui
apresentado a P. que pediu para que eu explicasse a pesquisa. Eu disse que estava em busca da
experiência de trabalhadores dentro da usina, dentre as quais, a vivência da Greve de 88. Ele
me alertou para o fato de que não havia trabalhado muito tempo dentro da usina e que suas
experiências foram mais “do lado de fora”. Em um determinado momento P. disse que faria
uma pergunta que eu poderia estranhar, mas que seria de grande importância para ele saber até
que ponto poderia contribuir para minha pesquisa. A pergunta foi: “Você tem religião?” Eu
respondi negativamente, mas disse que também não era um cético. Então P. apenas mencionou
que sua esposa tinha uma visão paranormal dos fatos, pois era sensitiva. Quando terminaram a
refeição, sugeri que nos encontrássemos um outro dia, pois o local estava muito barulhento. P.,
em resposta, propôs que fizéssemos a entrevista em sua casa. Desta forma, deixou sua família
no restaurante e fomos para sua casa situada em uma área nobre da cidade. Ao chegarmos, P.
disse que me levara ali devido ao barulho que poderia atrapalhar a entrevista e por isso propôs
que a fizéssemos em sua garagem mesmo, não havendo a necessidade de entrarmos na casa.
Em um dos intervalos da entrevista, disse que suas respostas seguiam uma linha geral, “o que
todo mundo diria”, pois não poderia falar sobre as informações a que tem acesso por ter um
alto cargo na empresa ou “o que a empresa acha dos acontecimentos”. P. tem 50 anos e até hoje
trabalha na usina.

“Aí é uma visão de quem não é um historiador, é


uma visão..., apenas um neutro no processo né.”116

Após ter feito curso técnico na ETPC P. começou a trabalhar na usina em 1974 como
auxiliar e depois como técnico, na parte de leitura de desenhos e requisições de estruturas
relacionadas à construção da empresa. A CSN passava por um período de expansão chamado
“plano de estágio III”. Após trabalhar nesta área de construção, ele consegue seu
deslocamento para uma área administrativa, fora da fábrica, onde trabalhou até fazer uma
prova interna para o setor de informática. P. ressaltou também que esta era uma época sem
técnicos ou universitários nesta área e a formação era oferecida pelos próprios “fabricantes”.

116
P. ao iniciar seus comentários sobre os desdobramentos da Greve de 88.

58
Ainda na década de 70 se formou em engenharia, mas continuou no setor administrativo, “e aí
essa cachaça eu não larguei mais. Essa cachaça... Mudaram-se as máquinas, mudam-se as
tecnologias, muda a cada dois, três anos, muda tudo e eu continuo tomando essa cachaça até
hoje (risos)”.
Seguindo o roteiro de entrevistas, perguntei sobre sua relação com as outras pessoas da
empresa, sua relação com a “a rapaziada”, P. respondeu:

Bom, era uma época, em 74 onde tinha muita... Assim,


aquilo que eu falei, a empresa tava contratando muita gente, então
tinha uma mudança de quadro de pessoal muito grande, existiam
muitas empresas trabalhando na construção, muita empreiteira
(...).Teve gente que saiu da CSN nessa época. Mas também, pelo
tempo dela de fundação, muita gente estava aposentando. Então, ou
seja, ela viveu nessa década um período de troca, um pouco grande de
pessoas. Ou seja, o pessoal saindo, aposentado da época... 40 né. E
também a expansão ia trazendo nova necessidade de outros
profissionais. Então viveu um momento muito grande, muito grande
mesmo de renovação de quadro. Um processo que começa acontecer
agora de novo.”

Diferentemente das respostas de outros trabalhadores sobre o convívio na empresa, P.


nos aponta as transformações macro vividas por ela. Esta passagem aponta a renovação da
geração de trabalhadores na empresa que ocorreu na década de 70 ao mesmo tempo em que a
situa dentro do 2º PND, quando as estatais se tornam pontos centrais na política econômica
nacional, como vimos no capítulo I. Em busca de suas relações pessoais na empresa, reforcei
a pergunta:

“[Entrevistador – “Mas no seu setor você... conheceu muitas


pessoas..? Apesar de estar na administração...] Ah, bom, desculpa.
Conhecia, muita gente. Tinha, porque a gente tinha contato. A gente
tinha contato com, com as pessoas que trabalhavam nas áreas
(simpáticas?) o pessoal de projeto, o pessoal de construção, até mesmo
com fornecedores, no caso de dúvidas (...). Era um contato distante,
não muito pessoal, mas existia (...). Então era um entrosamento
grande, não tinha, não tinha, não tinha desencontros, ou seja, tanto a
parte usuária, quanto a parte de T.I. [tecnologia da informação] e a
parte demandante tinham um fluxo bastante intenso e harmonioso, até
hoje. Até mesmo a gente trazendo pra época de hoje há muita
harmonia entre o que as áreas usuárias demandam e a implemental
(...)”

Apesar de reconhecer que por ter um alto grau de especialização e um grande


conhecimento sobre as transformações da empresa P. poderia estar privilegiando os aspectos
com os quais poderia melhor contribuir para minha pesquisa, esta tônica temática, em torno de

59
sua função, se repete por toda a entrevista. Obviamente esta característica está ligada à sua
grande especialização, entre outros fatores, de forma que, a possibilidade e abordagem da
relação entre pessoas passa pela relação entre as partes dos sistemas de gerenciamento. Após
isto, P. fez considerações sobre a privatização, sua condição instável no emprego - o setor
administrativo da usina tem se retirado da cidade gradualmente após a privatização, P. não sabe
quando a proposta de mudança se dará para sua área: “você sabe que o trem vai vir por aí,
então você tem um tempo pra se posicionar sobre ele” -, e sobre a corrupção e perda de direitos
dos trabalhadores, fatos que marcaram o Sindicato após a década de 80.
Ao comentar sobre a Greve de 88 P. diz que particularmente viu a greve sobre “vários
ângulos”, e um destes, foi no dia em que foi trabalhar e a greve teve início. Ao entrar no
Escritório Central encontrou apenas uma pessoa. Posteriormente houve um piquete na entrada
e ele e mais um amigo ficaram trabalhando, atendendo as ligações, tentando manter o controle
da situação. Seu segundo contato com a greve foi ao sair do trabalho, quando “a cidade foi,
entre aspas, assaltada por uma movimentação atípica de militares misturados com a
população”117. A partir de então, aguardou o término da greve. Ao concluir sua análise sobre
ela, disse:

“Não há vencedores, é o tipo de conflito que não tem


vencedores. Há traumas, sempre há traumas. Alguns traumas são
menores em função de que as pessoas serem mais vítimas desse
processo ou menos vítimas, mas sempre traumas.”

Ao mostrar a P. uma foto atual do Memorial 9 de Novembro, ele falou sobre um


terceiro ângulo em que viu a greve. Devido a um pedido de sua esposa, ao passaram pelo
monumento na noite do dia 1º de maio eles desceram do carro naquele local e sua esposa disse,
na interpretação de P.: “eu não me sinto bem, alguma coisa estranha vai acontecer, eu não sei o
que é, mas não é bom”. Morando próximo ao Escritório Central, naquela madrugada ouviram
o barulho da explosão e ao verificarem o que aconteceu, sua mulher disse: “então está
explicado o que eu estava sentindo”. De acordo com P.: “Provavelmente quando a gente
passou aqui [apontou para a foto] já existia a montagem, provavelmente, é uma hipótese, a
montagem dos artefatos para explodir, já deviam estar construídos, colocados”.
Antes de finalizarmos a entrevista fomos interrompidos por uma ligação de sua filha
que ainda estava no restaurante aguardando-o e eu sinalizei que terminaríamos em breve.
Assim P. acrescentou que gostaria de retomar o ponto em que falava que sua esposa havia
percebido os acontecimentos antes de ocorrerem “é apenas pra registro, mas não... Seria um
erro com ela muito grande eu não comentar”. Ressaltando que se tratava de uma visão
117
A narração deste acontecimento se encontra no 2º capítulo, p.37.

60
paranormal, P. conta que “depois de todo esse cenário” eles começaram a entender mais coisas,
“porque ela começou a ver muitos militares alemães”. E concluiu:

“Num é muito coincidência ter havido uma presença, detectado


de maneira paranormal, uma presença de alemães nesses problemas
todos. É como se houvesse uma grande cobrança, em outras
dimensões, de um fato ocorrido 30 ou 40 anos antes. Não dá pra
desassociar uma coisa da outra. Não dá pra deixar de fazer referência a
essas duas coisas. Creia você ou não nesses aspectos.”

O deslocamento do conflito para uma “outra dimensão” isenta todas as partes


integrantes do conflito, inclusive o Exército (responsável pelo assassinato dos operários)e o
próprio P.. Mesmo sendo sobre uma experiência traumática e paranormal, a interpretação de P.
se transforma em argumentos e idéias que desempenham um papel dentro da sociedade e por
esse motivo deve ser entendida e criticada.

B. (ex-operário e ex-dirigente sindical, atualmente assessor do Sindicato)

Após o término das eleições e a posse da chapa 3 fui ao Sindicato mais uma vez, ainda
em setembro, conversar com um representante que pudesse me falar sobre a greve pesquisada.
B. foi indicado, entre outros, como uma das pessoas que mais sabiam sobre a greve. Procurei-o
e aproveitando sua presença no Sindicato neste dia, marcamos a entrevista para a próxima
semana, no dia 6 de outubro. A entrevista foi realizada no auditório do SMVR.
B. foi demitido da usina por um inquérito administrativo que foi concluído em 1992, o
processo foi aberto devido sua participação na diretoria do Sindicato na greve de 1987. Antes
de sair da fábrica ele era chefe de equipe da parte de manutenção mecânica, a partir de então,
participou do movimento de oposição sindical e hoje assessora a atual diretoria. B. já foi
entrevistado por outros pesquisadores da greve.

“Era assim a coisa dentro da CSN. Eu comecei a


questionar aquilo né.”

B. também se formou na Escola Técnica Pandiá Calógeras. Ingressou na usina em 16


de novembro de 1977 através de uma prova para treinando, mas antes havia trabalhado durante
três meses em uma empreiteira como servente. “Logo depois fui classificado como mecânico,
depois fui classificado a mestre, e..., chefe de equipe, dentro da usina, sempre na área de
manutenção mecânica né. Dentro da CSN.”

61
Tendo sido carroceiro na infância, B. conta que era “uma coisa nova, totalmente nova,
uma imensidão daquela”. Convivia com parentes amigos e vizinhos lá dentro, “a vida dessa
cidade era a usina”. Em seguida B. aponta um significativo marco de sua trajetória:

“Na época, o pessoal falava que a empresa..., tinha aquele


negócio que a empresa-mãe. A CSN era uma mãe. Dava leite, dava
isso dava aquilo, dava aquilo... Quando na verdade a coisa era bem
diferente. Logo, logo eu comecei a questionar algumas coisas né, é...
Eu lembro que eu questionava porque que nós comíamos sentados nos
becos, com, na época chamava de sonrisal, você... Chegava a amélia
que é quem distribuía o sonrisal que era o marmitex, distribuía, aquela
fila de trabalhadores esperando a amélia chegar, que era o carro né. E
quando chegava, vinha numa caixa de chapa e tudo amassado,
colocava dentro de um cercado e você ia entregando seu vale ou a
requisição e você ia pegando aquele marmitex e onde você tava você
sentava. Comia. Rato passando, barata... Era assim a coisa dentro da
CSN. Eu comecei a questionar aquilo né.”

O início da narrativa de B. começa com sua tomada de consciência de sua exploração,


há uma passagem de um estado estático para um dinâmico, em que B. se torna agente. A partir
desse momento a linha nortedora de seu relato será seu envolvimento com as “atividades
políticas”. Segundo ele,

“(...) antigamente você ser funcionário da CSN era tudo nessa


cidade, qualquer pai de menina aí queria que a filha casasse com um
empregado da CSN. Então tinha esse lado bom, mas a realidade dentro
da fábrica era complicada naquela relação capital/trabalho, aquela
relação de exploração era bem complicada.”

Ao chegar à usina foi direto para a Laminação, o “filé minhon” da companhia, onde se
produz a folha de flandres, “que faz a latinha de cerveja, que faz a lata de óleo”. B. fez alguns
comentários sobre os equipamentos da área e a substituição de uma tecnologia americana por
uma japonesa ao longo do tempo, depois falou sobre a relação entre os operários da
manutenção e da operação.
Segundo ele, para a empresa, o fato da equipe de manutenção trabalhar significa
prejuízo, pois quer dizer que alguma máquina está parada e deve ser reparada:

”Se a manutenção trabalha a empresa tem um prejuízo porque


tem um equipamento parado, se a manutenção tá lá quietinha é porque o
equipamento tá rodando (...). Aí o pessoal da manutenção falava pô, os
cara quebra a máquina só pra num..., pra gente ir lá trabalhar (risos).
Mas na verdade um equipamento que roda 24 horas por dia chega uma
hora que ele quebra. Então a gente tinha que sair da onde a gente

62
chamava de barraco né. Tamo no barraco, então o telefone tocava era o
técnico na área, era o técnico de manutenção “olha, a linha tá parada pra
manutenção”. Então a gente tinha que correr lá e fazer o serviço no
menor tempo possível. ”

B. conta que aconteciam muitos acidentes devido à urgência dos reparos, sendo que
alguns chefes queriam que os mecânicos fizessem os reparos com a linha em funcionamento.
Ao se tornar chefe de equipe, diz que não deixava sua equipe trabalhar com os equipamentos
em funcionamento e sobre a relação com a chefia na época, comentou:

“A chefia na sua grande maioria era, eram operários que vieram


de baixo que vieram operários que..., começaram lá como servente,
ajudante, trabalhador, porque na CSN, bem, bem lá atrás, podia entrar na
CSN como trabalhador que era a menor função, ajudante, ou treinando e
daí pra cima. Então a maioria dos chefes que era chefe de divisão e...., a
CSN dava a oportunidade pra quem estava lá dentro de ir pra Escola
Técnica fazer um curso técnico pra assumir uma vaga de técnico, uma
vaga de inspetor, uma vaga de chefe de divisão, então é.... Você tinha
aquela relação que foi construída ao longo dos anos, então você não
tinha muita... Com exceção quando chegava no nível de engenheiro pra
cima, aí a coisa complicava um pouco mais né, porque geralmente o
engenheiro num é aquele camarada que foi peão né. Ele pode até ter
sido filho de peão, mas ele não foi o peão lá na..., na máquina. Então ele
por ter estudado a engenharia, por ter tido aquele conhecimento teórico
aquela coisa toda. Na realidade lá no equipamento é diferente por mais
que você tenha clareza de um desenho técnico, mecânico, não sei o quê,
mas pra realidade você acaba fazendo as adaptações. Quando chegava
um engenheiro novo na área por exemplo, começava a querer “muda alí,
muda aqui, muda alí, muda aqui” a coisa complicava, a relação com o
trabalhador lá no pátio. Porque as vezes o cara “faz isso” aí o mecânico
ou o eletricista ia lá e fazia, não dava certo, e o cara “faz isso” não dava
certo. O que não dava certo o equipamento fica parado uma hora, é um
prejuízo imenso pra empresa. Alguém tem que justificar aquilo. Então
ficava aquela rixa “eu falei, não faz, se fizesse assim tinha dado certo,
mas o cara só porque é engenheiro...”

Relação que se tornaria mais tensa com o aumento da ação do sindicato, na década de
80, a partir de então “a empresa começou a se organizar internamente, a tentar contrapor a
ação do Sindicato e a envolver a chefia”, o que acabou levando ao distanciamento entre os


Nas palavras de B.: “É o local onde nós ficávamos, onde nós chegávamos de manhã,...Nós entrávamos na
usina, passava no serviço de ponto abríamos o ponto e cada um ia pro seu barraco. Que era o local onde ficavam
as equipes, a equipe de tubulação ficava num barraco, a equipe de mecânica no outro, a equipe de hidráulica,
ficava..., cada um lá no seu setor. Aí tinha barraco espalhado, aonde achava um cantinho se fazia um barraco.
Que que era o barraco? Por exemplo num porão. Você ia lá, fazia um barraco de chapa de aço, onde você tinha o
armário e você botava suas coisas, sua roupa. Alí virava vestiário [Entrevistador- Quem fazia eram vocês
mesmos?] Nós mesmos, os próprios operários que faziam”.

63
trabalhadores e a chefia. No início da década de 90 este processo foi mais acirrado com a
preparação para a privatização e a implantação de métodos japoneses de gerenciamento.
Tomando posse no sindicato em 86, “embora das atividades a gente vinha participando
a muito tempo”, diz que optou por continuar dentro da fábrica trabalhando, mesmo tendo
direito à licença. Sentindo-se protegido, pela estabilidade por ser diretor sindical, atuou
abrindo uma série de processos contra as irregularidades existentes na usina.
A partir da greve geral de 87 fica proibido de entrar na usina e é aberto um inquérito
administrativo para sua demissão. O inquérito termina em 1992. Após fazer uma forte crítica à
privatização B. ressaltou que naquela época um grupo no sindicato já previa os problemas de
hoje:

“(...) tá aí o resultado o que a gente. O que a gente colocava


é..., é na realidade o que aconteceu. O que acontece hoje, perder
direitos, a cidade ser esvaziada, tudo tá acontecendo hoje. A maioria
das empresas aqui que viviam em função da CSN, simplismente
fecharam as portas, esse pequeno cinturão de muitas empresas que
geravam muitos empregos em Volta Redonda, em função da demanda
da CSN, fecharam, acabaram, não existem mais. E os trabalhadores,
quem não foi pra economia informal tá no trecho. E a gente colocava
isso na época”.

Neste momento, percebemos claramente que a trajetória de B. se insere dentro do


grupo que ele integra e por tal motivo é considerado pela atual diretoria do Sindicato como
uma testemunha confiável e autorizada a falar em seu nome. As passagens e avaliações sobre a
Greve de 88 são marcadas por esta perspectiva, a qual nos lembra as interpretações dos
eventos do dia 9 de novembro de 2006. Na exposição deste acontecimento B. apresentou uma
narrativa altamente cronológica, com uma ordem semelhante a do capítulo 2 (incício no dia 7,
mobilização dentro e fora da usina, ataque do exército dentro e fora da usina, assassinato,
retirada dos trabalhadores e continuação da greve - além de situá-la no contexto nacional de
fim da ditadura e vigência da nova constituição). Assim ele explicou a resistência dos operários
à invasão do Exército:

“E a greve que marcou. Não só pelo assassinato dos


operários que foram assassinados, mas que foi um momento em que
nós falamos “não, eles não vão acabar com a nossa greve mais, nós
vamos resistir”. E resistimos, resistimos, e a greve só acabou, parece
que 7 ou 11 dias depois. Só depois que o Exército saiu da usina, já
tava condicionado. O operário só ia entrar dentro da CSN quando não
tivesse nenhum soldado lá dentro.”

64
Além desta vitória sobre o exército B. aponta que todas as reivindicações foram
atendidas. Porém, embora a greve tenha conquistado a maior parte delas, os trabalhadores não
conseguiram, por exemplo, o pagamento dos 26,06 % relativos às perdas do Plano Bresser.
Ao ser questionado sobre o “clima” na volta ao trabalho, B. disse que não havia
diferenças entre quem apoiava ou não a greve sendo que “todos apoiaram a greve” e a resposta
à violência do governo foi a eleição de Juarez para a prefeitura. Após esta avaliação final,
contou os principais acontecimentos de 1989: a morte de Juarez, a construção e reconstrução
do Memorial 9 de Novembro e os eventos organizados na cidade pelo Sindicato. A revista do
Jornal do Brasil (Domingo) utilizada na pesquisa destes eventos foi por ele fornecida.
Ao final da entrevista perguntei sobre o que achava da usina hoje. Ele respondeu que
ela só visa o lucro e que o trabalhador só teve perdas com o Sindicato parceiro da empresa.
Para ele o Sindicato deve “fazer o trabalhador resgatar a auto-estima” ainda mais os que estão
entrando agora, e finalizou: “se não houver uma virada, nós vamos perder..., empresa, cidade,
tudo. É isso meu irmão”.

C. (operário, operador de equipamentos móveis e integrante da atual gestão do Sindicato)

Conheci C. no mesmo dia que H., ou seja, na chegada das urnas no Sindicato para
apuração. Após conversar com H. busquei materiais de campanha das chapas que ali estavam e
acabei conhecendo C., que me levou ao comitê de campanha da chapa 3. Esta chapa, segundo
ele, apesar de ser composta por alguns supervisores, era basicamente formada por operários da
CSN (maior reduto eleitoral da região) e por isso tinha um grande apoio dos operários da
usina. Ela representaria também uma alternativa à CUT, “uma chapa do Perrut”, e ao Luizinho
da Força Sindical. C. falou que caso percam as eleições, possivelmente, todos os operários da
chapa 3 serão demitidos, mas ele já teria tempo pra se aposentar (26 anos na usina, tendo 48
anos de idade). Ao chegarmos ao comitê, fui apresentado a outros integrantes da chapa e tive
acesso ao material de campanha (informativos, boletins, etc.). Perguntei a C. se poderia
entrevistá-lo e ele aceitou a proposta. Aos marcarmos a entrevista, perguntou muitas vezes
sobre o que eu gostaria de saber, caso fosse algo sobre o Sindicato, disse que não era a pessoa
mais indicada. Disse-lhe que estava interessado na experiência dele dentro fábrica na qual se
incluía os episódios vividos na Greve de 88. A entrevista foi realizada em 24 de novembro de
2006. Fui recebido em sua casa, ainda inacabada, e a entrevista realizada na cozinha.

“Punho, luva e vai pra guerra”

65
Sem uma especialização inicial, C. começa a trabalhar na CSN em 1980 como operador
de correias transportadoras de minério. Disse que uma das principais dificuldades do trabalho
era quando chovia e que aquele era um serviço “rude”. Muitas correias não tinham proteção
contra a chuva e o minério molhado sobrecarregava os motores, desta maneira, os
trabalhadores daquela área tinham que pegar em pás para transportar o minério . C. trabalhou
nesta função até 1986, época em que:

“Da sinterização eu corri atrás muito pra conseguir uma


transferência, pra pô, pra trabalhar em um departamento melhor, um
departamento no qual eu tivesse condição de progredir melhor, que um
serviço menos cansativo, pra poder fazer uma faculdade né. Porque
aquele era um serviço muito cansativo, como é que você vai pra sala
de aula depois..., não tem como”.

Sua transferência não foi fácil: “Chega um cara bate na sua porta: - Ô fulano, meu
gerente me liberou lá, eu tô querendo arrumar um lugar, uma vaga pra trabalhar em algum
lugar. Aí o que vão pensar... que o cara é nó cego pô! Eu acho que a maioria dos caras pensava
assim”. Após algumas tentativas C. consegue uma transferência para a área de almoxarifado,
ficando lá por mais de um ano, mas comenta que a usina estava cortando alguns quadros e
soube que os almoxarifados poderiam passar por isso:

“Eu fichei na Companhia com a cara e a coragem na época. Eu


fui fazer prova sozinho, sem conhecimento, sem ninguém me indicar.
Como até hoje não tenho ninguém assim lá, como amigo, parente...,
não tenho essa influência, não tem como. Não tenho costa quente,
entendeu? Aí pô eu também não sou bôbo, rapidinho eu percebi.
Numa seleção quem vai dançar é o bobão aqui. Por que tinha os
camaradas mais antigos..., você olha assim, você tem que saber o
ambiente em que você tá se metendo e até que ponto você pode ficar
alí e sua hora certa de sair. Entendeu. O tempo vai te explicando isso.
Aí eu comecei a perceber, falei, se eu ficar no almoxarifado, estes
caras mais antigos que estão no almoxarifado, que já tão pra aposentar,
os coroas que já conhecem o pessoal da área alí, na hora de cortar vai
cortar alguém. Se cortar alguém, esse alguém sou eu. Pensei assim.
Então é melhor dar linha na pipa”.

Após outras tentativas C. consegue ir para a área de recozimento contínuo, assim ele
descreve a necessidade de adaptação:

“Aí pô, conversei com o pessoal na área. Aqui o trabalho é


assim, assim, assim. É pra cá que eu vou mesmo (...). Aí fui pras
linhas. E aquele processo de adaptação, de aprendizado, mas

Pelos cálculos de C. uma pá de minério pesava cerca de 10 kilos.

66
antigamente o aprendizado era na máquina. Hoje em dia o cara vai, faz
treinamento faz estágio, não pode cair lá na máquina. Chega um cara
hoje lá na minha máquina, ele vai ficar umas duas, três semanas
dependendo da capacidade do cara (..). Antigamente não, te dava
punho luva e vai pra guerra! Entendeu. Antigamente era assim. Vai pra
guerra”.

C. disse que ele e seus amigos acham que naquela época eles entravam mais preparados
pra trabalhar na companhia, “a gente tava aqui, a gente já tinha apanhado lá fora“, “antes de
entrar pra CSN, eu ralei de ajudante de pedreiro com meu pai”. Pensando na possibilidade de
ascender na área, C. pede transferência para um novo equipamento do local: “Porque você
chegar em um time formado é uma coisa você conseguir vaga, você chegar num time que está
se formando a possibilidade de você conseguir vaga é maior entendeu, e eu levava fé no meu
taco”. Porém, aqui sua narrativa sofre uma inflexão e C., até então não interrompido por mim,
que apenas perguntara no início da entrevista quando havia começado na fábrica e como era
seu trabalho, dedica grande parte do tempo para expor sua relação com o novo chefe: Alfredo.
Um amigo mais experiente o havia alertado que ele não se daria bem com o Alfredo, “porque o
Alfredo era um cara safado, um cara picareta entendeu, autoritário, metido a gostoso, um coroa
que se achava o tal”. Segundo C., seu novo chefe teria feito um curso nos EUA que o preparara
para coordenar os novos equipamentos da área, sendo que, do grupo de homens que foram “o
único que pegou americana foi ele” e “quando voltou de lá, conseguiu fazer o contínuo 1 que
produzia 170 toneladas produzir 270(...). Pra diretoria da companhia o Alfredo virou Deus. Aí
um Deus, certo, que vai ser enfrentado por um relés funcionário pelo fato de eu não baixar a
cabeça (...). Mas o camarada... não tinha como engolir ele, não tinha”. A partir de então ele
descreve as várias atitudes autoritárias de Alfredo, que o perseguiu enquanto era seu chefe:

“Até então eu ficava quieto, porque no início eu não tinha


noção, e depois você vai deixando porque seu emprego está correndo
risco. Hoje, a hora que eu pegar alguém lá. Hoje eu no sindicato na
função que eu tô no sindicato, a hora que eu pegar nego pintando lá,
eu vou te falar, eu vou parar o serviço. Eu vou falar: - Para com essa
merda, ou vocês arrumam máscara apropriada pros caras ou ninguém
vai trabalhar mais.”

E mais tarde volta a falar de sua relação com o ex-chefe:

“A pior coisa que tem é quando a pessoa nota que você não
tem, realmente não tem medo dela, e ela sabe que por mais moral que
ela tenha e por mais força que ela tenha, se ela tentar te ofender ou te
agredir você vai reagir. Então na realidade ele se sente meio acuado. E

67
ele não tá acostumado a se sentir acuado. Então ele passa a te
perseguir. Tá entendendo”.

Após esta longa descrição de sua trajetória individual dentro da fábrica frente às
dificuldades encontradas, fiz uma primeira interrupção. Perguntei a C. sobre sua relação com a
“rapaziada”. Ele respondeu: “um dos melhores motivos quando eu vou trabalhar... A empresa
continua na pressão é aquele negócio, indicação... É realmente o relacionamento com a
rapaziada (...). Na época tinha o relacionamento de futebol”. Então C. descreveu os torneios,
às vezes, realizados entre os próprios departamentos da empresa, e continuou,

“(...) então era muito churrasco, amizade, muita festa, a grana


também dava, não tinha o aperto que tem hoje. E a rapaziada
antigamente era até mais amiga do que é hoje (...). Hoje em dia é bom
o relacionamento ali, no emprego, nas 8 horas. São raros os casos de
pessoas que tem amizade fora da companhia. Hoje em dia eu não
tenho”.

Em seguida, perguntei se havia times mais conhecidos, C. respondeu:

“Na Companhia tinha o time da SOM, o time da SOM, que era


conhecido. A SOM é um departamento meio elite, sabe, meio elite.
Que era o pessoal de mecânica muito bom, que a Companhia não,
não... As próprias é máquinas, as próprias peças, a SOM que fazia, a
SOM que arrumava, consertava... Igual a fundição fazia coisa pra
Companhia entendeu. A SOM tinha uma equipe de mecânicos e
técnicos bem especializada. Tanto que todo mundo, nós comentamos
entre nós que a Companhia nunca fez greve, que greve na Companhia
era bancada pela FEM, pela SOM e pelas empreiteiras. Os
funcionários mesmo da Companhia, operação, Escritório Central, nego
ficava mais na maciota só parava depois que tava tudo parado. Então é
essa..., é um conceito quase que geral na Companhia. Que o pessoal da
SOM achava que era intocável, entendeu. Então os melhores jogador
de futebol, os camaradas da SOM puxava. Tá entendendo, lá na
laminação também, que é um departamento que é considerado o filé
da Companhia, a parte de folha de flandres, então quer dizer, o cara
que jogava uma bolinha razoável nego puxava pra lá também. Tem um
amigo meu o Marcão que ele fala, ele mora aqui mesmo no bairro, se
você quiser eu te levo na casa dele, que ele fala, ele fala que ele não
aprendeu a trabalhar, que ele não trabalha até hoje, que ele foi fichado
pra jogar bola. Marcão fala na cara de pau. A gente fala Marcão você
não vai trabalhar não:- Eu não fichei pra trabalhar, fichei pra jogar
bola”.

A essa altura, C. já estava um tanto ansioso e já havia perguntado se a entrevista estava


próxima do fim, pois sua esposa lhe disse que ele precisava fazer algo com urgência. Quando

68
perguntei sobre os fatos que marcaram sua trajetória na empresa C. disse que estes foram a
Greve de 88 e a privatização, a qual “mexeu com a vida financeira”. Sobre a greve, apenas
comentou que estava do lado de fora, na Vila Santa Cecília, e em meio ao tumulto levou seu
filho pra casa. Esta é a última parte da entrevista, na qual ele fez comentários sobre algumas
imagens, apresentadas a ele, das atividades realizadas próximas ao Memorial 9 de Novembro
após a morte dos três operários:

“Pô, já tinham matado cara. Já tinham chegado ao extremo.


Então não ia ser abraço... eu acho que foi mais demagogia... Tudo
bem, você faz o que pode, na época. Mas teve abraço na Companhia,
teve momento de lazer, teve é, é, movimento de entidade sindical. É, é,
movimento de bairro, Igreja, esse cara aqui, o Ziza, fazendo
musicasinha... Aí eu vou te falar francamente, acho que num, num...,
já não tinha mais motivo de ser não. Acho que... É o que os camaradas
na época, que eram os comandante né, eu acho que era o Wagner, na
época, o Clinger, que era o prefeito e o dom Waldir, acharam que...,
pelo menos pra levantar o moral da cidade. Mas pra eu que era
funcionário e que passei por tudo que passou, isso aí..., muito pelo
contrário, eu achei muita bobeira. Então o meu procedimento, quando
eu voltei pra empresa após a greve, vendo isso aí agora, aí você deu
uma revirada aqui, era de incredulidade geral, revolta e indignação,
sabe aquele negócio que você evita o máximo de comentar, eu acho
que era por aí.”

R. (operário, técnico de oficina)

Entrei em contato com R. através de uma amiga que disse que o conhecia e poderia
perguntar se ele gostaria de ser entrevistado. Expliquei a ela que se tratava de uma pesquisa
sobre a Greve de 88 e ao receber a confirmação do interesse de R. enviei-lhe um e-mail e
marcamos um encontro. Nesta primeira ocasião a entrevista foi desmarcada devido a um
imprevisto. Desta forma combinamos uma nova data (27/06/2006). A entrevista foi realizada
no local onde R. faz seu curso à distância de Biologia . O roteiro utilizado foi o mesmo da
entrevista de A.. Antes de iniciarmos a entrevista ele demonstrou uma grande preocupação com
a possibilidade de ser identificação no texto final da pesquisa, devido ao fato de ser
funcionário da CSN. Expliquei que não seria identificado no trabalho final. Após alguns
instantes, parecia tranquilo. R. tem 38 anos de idade.

“Aí eu te falei no início ali, o pessoal que é mais


revoltado tava na frente e outro não. Eu era dos que não.”

69
R. ingressou na usina com apenas 17 anos, antes de completar seu curso de
aprendizagem industrial na Escola Técnica (ETPC). Em 1986 foi fichado como mecânico na
CSN, um ano antes de sua formatura, devido à necessidade de funcionários por parte da
empresa. Sobre as condições de trabalho, R. apontou que o serviço “...praticamente é o mesmo,
só que com a rotatividade bem maior do que tem hoje, porque hoje reduziu bastante coisa”. E
continuou: “As reivindicações que a gente fazia eram amplas, que até foi desenrolado o fato
que você deve me perguntar aqui né”. Quanto às relações com os companheiros de trabalho, R.
disse que “não tinha nada de anormal”. Ele começou a trabalhar na SOM.

“Eu entrei na SOM. Na época era a SOM. Até hoje o pessoal


conhece como SOM porque ficou famoso pra caramba. É oficinas
mecânicas da CSN, área de reparos, área de manutenção mecânica.
Hoje ela é chamada de GFE lá. Mas, ela ficou bem famosa até pela
greve porque a ação, a gente sempre começou lá as greves né. Quando
as greves (?) começava alí na SOM. Eu sempre trabalhei alí, até hoje
eu trabalho lá, com outro nome porque sigla vai mudando com o
tempo lá, eu sempre trabalhei naquele setor alí.”

Logo em seguida perguntei sobre a Greve de 88 e R. me deu uma longa resposta.


Possivelmente pensou sobre como responder a esta questão antes da entrevista, pois como
vimos acima, no início da entrevista ele já havia mencionado a greve. Podemos extrair uma
idéia que se repete ao longo de sua resposta sobre o início da greve:

“Então o sindicato reivindica uma coisa, a empresa não aceita,


deixava de lado. Então começou aquela briga pô, aceita, não aceita
Aí... Vem proposta, os empregados recusam. Aí leva pra empresa. Aí
começou naquele impasse alí. Aí não era fechado. Aí isso foi o
princípio do estado de greve na época. Então a greve se deu
basicamente com reivindicação do trabalhador na época, e a CSN na
época não aceitou... Quer dizer, aceitaram a parte, mas não era o todo
que o pessoal queria.”

Segundo ele, ocupar a companhia era uma forma de garantir que ninguém trabalharia. E
continuou:

“Todo dia um arrastão num setor, e até começava... Como eu te


falei antes, começava pela SOM alí, que a gente tinha um trajeto de
arrastão. Entrava pela SOM e saía em todos os departamentos de
arrastão. Então quem tivesse trabalhando tinha que parar. Se não
parasse tinha até um pessoal mais radical que... arrancava a força
ainda.”

70
Nesta passagem ele se incluiu entre os grevistas que faziam o arrastão, mas ressaltou
uma diferença entre eles, só mencionada ao narrar a chegada do Exército:

“Pô, o Exército entrou com, com aqueles tanques de guerra


mesmo. Aqueles que tinha uma... O cascavel e urutu, se não me
engano, os dois. Pra você colocar na pesquisa, agora eu não sei, você
pesquisa o nome certo lá que eu acho que é isso mesmo. Os dois
tanques de guerra do exército lá que eles entraram. Aí o pessoal
resolveu confrontar também, tinha uma... Pô, todo lugar tem um
pessoal que é mais agitador e os que participam, mas fica na dele ali.
Se tiver que sair sai, e acabou. E aí o quê que aconteceu, o pessoal que
tava mais radicalizado lá, tomando frente da greve, resolveu enfrentar
o exército.”

Em seguida perguntei sobre sua participação na greve :

“[Entrevistador – E você no dia... ô Reginaldo na greve você...]


No dia que invadiu eu estava lá dentro também. Aí eu te falei no início
ali, o pessoal que é mais revoltado tava na frente e outro não. Eu era
dos que não(...). Então eu tinha um pouco desse lado consciente, o
pessoal às vezes age com inconsciência. Então o meu lado consciente
disse que eu tinha que sair, então quando entrou o exército eu saí pô, aí
já não participei do confronto, entendeu? Embora eu achei errado a
invasão do exército pô. Lá era um monte de funcionários lá, correndo
atrás de direito”.

Mesmo sendo favorável à greve ele faz uma distinção entre os mais “inconscientes” e
os “conscientes”, dentre os quais estava, pois ele sabia que quando os militares tem uma ordem
eles “não perdem tempo”.
Uma cena marcante, que R. descreve como algo que marcou sua experiência na greve,
foi a invasão de tanques do Exército no pátio da SOM: “...então o tanque invadiu alí e ficou,
andando na usina alí como se estivesse na guerra”. A percepção de R. sobre este fato se
confronta com a de A., que frisa como os trabalhadores estavam armados. Para o primeiro, o
Exército é quem estava bem armado contra “trabalhadores correndo atrás de direito”, o que
torna a visão de um tanque passando pelo pátio da SOM um absurdo.
Ao término da entrevista, perguntei sobre como era trabalhar atualmente na usina. Em
sua opinião: “Em relação à condição de trabalho tá bem melhor. Agora, direito que é o que
importa pro funcionário, acho que piorou agora”.

Do detalhe à generalidade

71
Uma das primeiras conclusões que podemos retirar a partir da observação das
memórias acima é que nenhuma delas se enquadra nos discursos oficiais analisados
anteriormente.
Na primeira seção deste capítulo observamos como a Greve de 88 desempenha um
importante papel nas disputas pela memória do coletivo de operários em Volta Redonda.
Contudo, após analisarmos as entrevistas realizadas é possível apontar, ao menos neste quadro
de entrevistados, uma grande variedade de percepções acerca da greve, as quais não se
explicam pelos processos de enquadramento identificados, embora tenhamos que reconhecer
que estes, sem dúvida, interferem nas reconstruções das memórias individuais. Porém, qual
seria o limite aos enquadramentos pretendidos por um discurso oficial e à aceitação de sua
demarcação de fronteiras sociais aos coletivos?
Este limite se encontra justamente na possibilidade de diálogo e integração com as
memórias individuais que compõem um grupo e do reconhecimento das experiências vividas
por este. Acreditamos que as memórias individuais aqui apresentadas nos dão indícios das
diferentes vivências e percepções apresentadas pelo coletivo de operários estudado. Apesar de
serem reconstruções do passado, as memórias individuais não se dão de forma arbitrária,
levam em consideração os valores e as experiências compartilhadas socialmente, pois só assim
podem dar sentido de unidade e coerência aos indivíduos. Desta forma, são representativas das
experiências vividas por um grupo social, assim como das interpretações que este grupo faz de
sua trajetória.
Levando-se em conta as afirmações acima, ao analisarmos os limites aos
enquadramentos da memória operária oficial em Volta Redonda podemos afirmar que, no caso
do discurso apregoado pela Força Sindical, observamos que entre o conjunto dos trabalhadores
entrevistados (engajados e não-engajados na Greve de 88) o grande obstáculo à sua aceitação é
a positivação da privatização. Em todas as narrativas encontramos menções aos malefícios da
privatização mesmo que tenham se apresentado de variadas maneiras.
Com relação ao “resgate” da greve proposto pela nova gestão do Sindicato, a
capacidade de suscitar a identificação das gerações de trabalhadores que presenciaram a greve
em torno desta reconstrução dependerá do diálogo aberto que possa ser estabelecido com
outras visões do acontecimento, sem superficializá-las, pois se tratam de interpretações
balizadas em experiências de vida e processos de identificação construídos ao longo do tempo.
Neste caso, a construção de uma memória combativa não deve discriminar e se afastar de
trabalhadores como A., que tem uma identificação específica enquanto trabalhador (“um pai de

72
família”), mas sim, se aproximar deste e de outros grupos de forma a identificar elementos
comuns e superar as divergências existentes.
Quanto aos operários de gerações posteriores a este acontecimento, embora este
trabalho não tenha centrado sua pesquisa neste grupo, podemos apontar, com base nas
afirmações dos entrevistados, que o desafio é ainda maior devido à precarização do mundo do
trabalho: A. explica o enfraquecimento do sindicato pelo desemprego, H. aconselha seus
amigos a se agarrarem ao emprego, P. após mais de trinta anos de empresa tem seu futuro
atualmente incerto devido às modificações na estrutura administrativa da empresa, B. fala da
informalização e desemprego causado pela privatização, C. aponta a atual impossibilidade de
convívio fora da fábrica e R. a perda sucessiva de direitos por parte dos trabalhadores entre
outras dificuldades atuais à integração destes.
Nos casos estudados, embora os trabalhadores estivessem submetidos às mesmas
condições de trabalho (arrocho salarial, intenso ritmo de trabalho, repressão no cotidiano da
empresa) há variações em torno de suas percepções. Havíamos dito anteriormente que a
estrutura social determina em grande parte a experiência de uma classe, mas não a percepção
desta experiência, circunscrevendo-a em um campo de possibilidades compartilhadas tanto no
que tange à experiência vivida como em relação às percepções possíveis desta experiência.
Assim, as memórias individuais, devido às suas exigências de coerência e legitimação, de certa
forma, são capazes de dar-nos pistas que podem auxiliar na compreensão da experiência vivida
por um determinado grupo. Nos casos estudados, a partir da inserção das trajetórias dos
trabalhadores no contexto histórico mais amplo, podemos perceber uma lógica das
experiências vividas e das memórias identificadas.
Procedendo assim, buscamos algumas generalizações a partir das entrevistas realizadas
quanto às possibilidades de identificação dos trabalhadores às lutas passadas e atuais.
Passemos então à análise das trajetórias dos entrevistados, o que se constitui em uma segunda
contribuição advinda da análise das entrevistas.
H. ingressou na usina sob a ditadura militar e posteriormente vivenciou a época do
“milagre brasileiro”. Possivelmente H. conviveu com os trabalhadores que compartilhavam da
idéia da família siderúrgica (apresentada no capítulo II) e, sem dúvida, de alguma forma
partilhou destes valores, o que fica visível em sua entrevista quando considera a empresa como
uma “mãe”.
A. e P. ingressaram na usina à época do 2º PND e viveram o período de grande
expansão desta, o que permite a P. se tornar um funcionário altamente especializado e “neutro”
e a A., mesmo sem especialização, conseguir ascender através de seu trabalho, apesar de viver
sobre a intensa vigilância da chefia na década posterior. Estes três trabalhadores entram na

73
usina antes dos reflexos negativos da crise do milagre se intensificar sobre os trabalhadores da
CSN.
Os próximos três trabalhadores entrevistados já partilharam de um outro contexto ao
iniciarem sua vivência na usina: a década de 80. Como vimos, esta década é marcada pelo
arrocho salarial e a mobilização a nível nacional contra as políticas de intensa exploração dos
trabalhadores, além de uma maior visibilidade da repressão e autoritarismo na fábrica devido à
ocorrência das greves e da política de rebaixamento de salários ligada à dupla condição da
usina (agente da política econômica e participante da economia de mercado, o que resultava
em crise de recursos).
B. ingressa na usina como mecânico, justamente neste período de maior organização
dos trabalhadores, no final dos anos 70, e se engaja no movimento sindical sob a perspectiva
do novo sindicalismo. C., como operador, também vive as difíceis condições de trabalho na
usina, o que o faz buscar outras áreas de trabalho dentro da fábrica. Perseguido por seu chefe
trilha um caminho solitário em meio ao arrocho salarial e o autoritarismo no trabalho. R.,
tendo entrado em 1986 na fábrica, trabalha em sua área de maior mobilização (SOM) e embora
não fosse um militante mais próximo ao sindicato, participa de forma ativa da greve.
A partir de um olhar mais atento sobre estes dois grupos podemos identificar uma
lógica de engajamento nas greves, sendo o primeiro, mais desengajado, e o segundo, com
maior aderência às mobilizações. Porém as exceções existentes neles suscitam novos indícios a
serem testados para a compreensão das possibilidades de ativismo (engajamento) entre os
trabalhadores.
A exceção do primeiro grupo é H.. Este oscila entre sua identificação ou não enquanto
grevista. Isto de certa forma pode ser explicado por ter trabalhado justamente na área de maior
mobilização de trabalhadores na CSN (SOM) e ao mesmo tempo ser de uma geração que ainda
foi influenciada, de forma mais direta, pela idéia da usina-mãe.
No segundo grupo, embora C. se opusesse ao autoritarismo do chefe, sua trajetória é
percebida de forma individual e não coletiva, além de marcada pelo confronto com as
dificuldades a ele apresentadas. O que podemos supor como argumento explicativo, levando-se
em consideração as observações acima, é um maior controle exercido pela empresa sobre os
funcionários sem especialização, ligados à operação/produção. Talvez esta hipótese, caso
confirmada, possa explicar em estudos futuros o importante papel desempenhado pela SOM
nas greves.
Ao mesmo tempo em que a alta qualificação poderia garantir uma maior estabilidade
no emprego ou na área de trabalho (como nos casos de H., B. e R.- três mecânicos)
possibilitava também um maior convívio entre os trabalhadores e maiores condições de

74
socialização política, devido a não vinculação direta ao ritmo da produção, o que pode
explicar, hipoteticamente, o caso de B.(ativista sindical) e R. (operário engajado nas greves).
Este argumento poderá também contribuir, se testado e confirmado, para o esclarecimento das
diferenciações internas, como as que B. aponta, entre os operadores e o pessoal da manutenção
(os quais ficavam em seus “barracos” específicos). Ou facilitar a compreensão de possíveis
atritos entre os trabalhadores. Podemos imaginar como A., com sua particular ética da honra e
do trabalho, poderia se sentir diante de Marcão, fichado pela SOM (centro do ativismo
sindical) pra jogar bola.
Por outro lado, o caso de C. exemplifica como a não especialização e a vinculação à
produção poderiam tornar um drama coletivo na percepção de uma experiência individual.
Contudo, esta é apenas uma porta aberta pelo estudo da memória para se entender as
experiências destes trabalhadores. Caso este estudo tivesse maior fôlego estas evidências
poderiam ser testadas através do cruzamento de fontes. Porém, por hora, ficamos apenas com a
indicação da possibilidade.

Conclusão

Após este longo percurso, que pretendeu situar tanto as reconstruções de memória
(institucionais como individuais) quanto a Greve de 88 em seus respectivos contextos
históricos, podemos tirar algumas conclusões acerca do papel desempenhado pela memória da
Greve de 88 no coletivo em questão: os trabalhadores operários e ex-operários de Volta
Redonda.

75
Vimos nos primeiros capítulos deste trabalho como esta greve se inscreve de forma
marcante no contexto de luta dos trabalhadores na década de 80, apresentando uma importante
relevância local e nacional. A Greve de 88 foi uma das manifestações de luta contra a
superexploração da classe trabalhadora no período, pedra de toque da política econômica de
então, e por este motivo, em meio ao contexto de mobilização social adquiriu um forte caráter
político que foi maximizado com o assassinato dos três operários pelo Exército no dia 9 de
novembro. A partir deste acontecimento, seus desdobramentos a nível local e nacional seriam
marcantes: nacionalmente, ela interfere nas eleições municipais daquele ano, e localmente,
contribui para a eleição de um prefeito metalúrgico além de levar à construção de um
monumento que pretende solidificar a memória da luta realizada.
Por estes motivos a Greve de 88 é capaz de sintetizar as interpretações acerca do
período de greves na CSN (de 1984 a 1990), tanto nos processos de constituição de uma
memória oficial quanto no nível individual.
O papel desempenhado por ela nos processos de enquadramento da memória oficial é
capaz de nos revelar sobre os projetos dos grupos que a disputam. De certa forma obrigatória,
sua presença nos discursos institucionais deve-se ao importante marco da experiência dos
trabalhadores operários que ela representa, sendo que sua interpretação é apenas possível
dentro do contexto de lutas acima. Porém, na disputa estudada a memória sobre a Greve de 88
tem apresentado duas possibilidades: a de relegar este contexto de lutas ao passado ou
recuperá-lo enquanto uma tradição de lutas que deve motivar a mobilização no presente. Assim
procedem, respectivamente, os discursos da Força Sindical e da atual gestão do Sindicato.
A tentativa de recuperação do caráter combativo da memória da greve que vemos hoje
em Volta Redonda, até o momento tem logrado algum sucesso no campo das instituições e
conseguido amalgamar diferentes entidades e movimentos sociais em torno de uma luta
conjunta.
Quanto à sua presença nas memórias individuais, como alertamos anteriormente, a
greve representa uma situação limite capaz de sintetizar as interpretações dos trabalhadores
acerca do período de greves indicado. A análise das percepções acerca da greve nos dá indícios
sobre um campo de interpretações operárias acerca das lutas de um passado recente, mostrando
algumas condições para a retomada de uma memória combativa sobre o período.
A possibilidade da atual demarcação de fronteiras sociais obter sucesso na mobilização
dos trabalhadores dependerá de sua capacidade de diálogo com as diferentes memórias
existentes. Este diálogo deve lembrar-se que as variadas percepções dos trabalhadores acerca
do passado estão calcadas, em grande medida, em suas experiências vividas e em valores
compartilhados ao longo do tempo, ou seja, nos processos de identificação construídos ao

76
longo de suas trajetórias. Por tal densidade, estas interpretações devem ser abarcadas no debate
democrático sobre o passado com vista à superação de discordâncias, o que se torna uma
condição para o avanço da identificação entre os trabalhadores.
Neste estudo, mesmo considerando que as memórias se vinculam ao presente, foi
possível observar como as percepções operárias estão ligadas às diferentes trajetórias vividas
na usina. Embora muitas condições de trabalho fossem compartilhadas por estes operários, os
contextos históricos vividos, os valores trazidos ao longo do tempo, as funções desempenhadas
no trabalho, entre outros fatores, levam a uma variação das memórias individuais. Porém,
mesmo assim, foi possível apontar a existência de uma lógica entre as memórias do grupo de
entrevistados, a qual gira em torno das funções desempenhadas e das gerações de operários a
que estes pertenceram, o que prova que a memória, mesmo em seu nível individual, é um
fenômeno social e por isso pode nos informar a respeito de um coletivo. Em nosso caso, foi
possível uma dupla contribuição para o estudo dos trabalhadores operários da CSN: uma
análise das possibilidades dos processos de identificação deste coletivo, e, por outro lado, a
identificação de um caminho para o estudo das possibilidades de engajamento destes
trabalhadores no passado.
Gostaríamos de recuperar aqui a necessidade de estudos que analisem a relação entre os
grupos sociais que constituíram o operariado da CSN e suas variadas relações com a luta
sindical. A cobertura deste vazio pode nos aproximar de diferentes vivências de trabalhadores,
que assim como tantos outros, compõem a classe-que-vive-do-trabalho, o que pode aumentar a
capacidade de diálogo em torno de projetos comuns, superando as dicotomias e fortalecendo
os laços de identidade.
Por último, gostaríamos de destacar que mesmo se tratando de uma reviravolta restrita
até o momento à memória oficial, os últimos acontecimentos de Volta Redonda não deixam de
ser motivantes, embora os desafios que se avizinham sejam grandes como a necessidade de se
soldar os laços de pertencimento de gerações que não viveram as lutas passadas, mas que
compartilham, por outro lado, da atual realidade do mundo do trabalho.
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Documentário:

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ANEXO 1

Projeto: Memória da Greve de 88


Roteiro de entrevistas (estrutura básica)

1- Quando você começou a trabalhar na usina?

2- Poderia me falar um pouco sobre esta época? (deixar o entrevistado a vontade


para comentar experiências relevantes (marcos) de sua trajetória na usina)

79
Pontos importantes: categorias nativas (relações horizontais e verticais) divisões e
tensões.

Dicas: Como era o futebol, refeitório, local de trabalho (espaço), cargos, seções,
bairros, cerveja depois do trabalho, convites pra festas e casamentos, clube dos
funcionários da CSN, etc.

Obs.: Identificar as funções que desempenhou na usina ao longo do tempo e como


era o trabalho em cada uma delas, sem a precisão de datas. Os marcos devem ser
dados pelo entrevistado.

3- O que aconteceu de importante no tempo em que você trabalhou/trabalha lá?

4- E a usina hoje?
Pontos importantes: Sindicato, funcionamento, etc...
(muito importante para os que trabalham ainda hoje)

5- Como foi a greve de 88?


Pontos importante: confronto com o exército e morte dos operários.

6- O que mudou? O que aconteceu depois?


Pontos importantes: Posso esperar uma menção a construção do Memorial 9 de
Novembro, se ela não ocorrer, pergunto sobre. Buscar pelas mudanças no interior
da usina também: na seção de trabalho, na convivência entre os trabalhadores, etc.

7- Você gostaria de falar mais alguma coisa?

ANEXO 2

I- Imagem apresentada nas entrevistas realizadas (com a exceção das realizadas com A.
e R.)
Memorial 9 de Novembro - Foto de novembro de 2004

80
II- Foto da mobilização de 9 de Novembro de 2006 realizada na Praça Juarez Antunes,
ao lado do Memorial 9 do Novembro

ANEXO 3

TABELA DE ENTREVISTADOS (na ordem da realização de entrevistas)


Entrevistas - Memória da Greve de 88 – EMG88
Ano de Data de
Área em que
Entrevistado Atividade ingresso na realização da
trabalhou
usina entrevista

81
A. Aposentadoi (pedreiro
1974 16/06/2006 operário volante
(EMG8801) de refratário)
R.
Técnico de oficina 1986 14/07/2006 SOM
(EMG8802)
P. Funcionário da
1974 01/10/2006 Escritório Central
(EMG8803) administração
B.
Assessor do sindicatoii 1977 06/10/2006 Laminação
(EMG8804)
C. Operador de Recozimento
1980 24/11/2006
(EMG8805) equipamentos móveis contínuo
H. Aposentadoiii (mecânico
1966 27/11/2006 SOM
(EMG8806) da SOM)
i aposentou-se em 1994
ii foi demitido em 1992 devido ao término de um inquérito administrativo instaurado em 1987
iii aposentou-se em 1993

82

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