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Teóricos e
Metodológicos
de Artes Visuais
Artes na Educação Volume 1 - Módulo 1
AULA
Educação Básica está
desaparecendo?
Meta da aula
Apresentar o fundamento teórico da
proposta pedagógica a ser desenvolvida
durante o curso.
objetivos
INTRODUÇÃO Certamente você já passou por muitas estradas, tomou alguns atalhos e,
agora, estou aqui propondo mais uma opção de jornada: vamos, juntos,
percorrer os caminhos da música na Educação.
Você deve estar pensando: “Nunca estudei música! Como vou desenvolver,
com meus alunos, práticas musicais no nosso cotidiano?”
Por isso, estamos juntos nessa jornada! Quero partilhar com você uma proposta
de trabalho em que a estrutura da produção musical será desenvolvida, não
importando com que material você estiver trabalhando.
Começaremos pela análise da questão apresentada no título desta aula:
“O ensino de música na Educação Básica está desaparecendo?” À primeira
vista, pode parecer uma indagação exagerada. Porém, é comum ouvirmos
muitos teóricos afirmarem que a prática de educação musical não ocorre na
escola de Ensino Básico.
!
Práticas musicais dizem respeito às
ações que as pessoas de um grupo
social consideram como sendo
próprias da música. Geralmente,
na cultura ocidental, consideram-
se práticas musicais as ações de
compor, executar um instrumento
ou cantar, ouvir e apreciar.
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MÓDULO 1
Veja que curioso: desde o século XIX, o canto coletivo existe na
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escola de ensino básico, especialmente na escola pública (FUKS, 1993).
AULA
E, ainda hoje, professores de música classificam o resultado do canto
escolar como afinado ou desafinado. Bem, é preciso adiantar aqui que
esses critérios (afinado, desafinado) são muito relativos. Para Fuks
(1993), eles são “historicamente construídos”, variando de acordo com
as concepções de diferentes grupos sociais:
ATIVIDADE
1. Vou propor duas experiências para que você possa compreender melhor
tanto a dimensão espacial quanto a dimensão temporal do conceito de
afinação:
Ouça uma música típica oriental – pode ser japonesa ou mesmo indiana.
Com certeza você vai estranhar, achar que os instrumentos e/ou cantores
estão desafinando. É isso mesmo?
Agora, experimente ouvir Dalva de Oliveira. Depois, ouça Nara Leão.
Ambas são cantoras que marcaram seu lugar na história da música popular
brasileira.
O que você acha das vozes dessas cantoras? São afinadas, desafinadas?
O que nelas é estranho para você? Por quê? Registre suas impressões.
Você consegue pensar em outros exemplos que confirmem essa dupla
dimensão do conceito de afinação?
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Artes na Educação | O ensino de música na Educação Básica está desaparecendo?
RESPOSTA COMENTADA
Para quem estava acostumado com o estilo operístico e
melodramático de Dalva de Oliveira cantar, certamente classificou
de desafinado o modo de cantar de Nara Leão, precursora da Bossa
Nova no Brasil, como desafinado. O resultado da primeira experiência
diz respeito à dimensão espacial do conceito de afinação, enquanto o
resultado da segunda experiência refere-se à dimensão temporal.
Converse com seu tutor e colegas, no pólo, sobre os exemplos
pensados por você. Pode ser divertido e esclarecedor perceber que
um mesmo conceito costuma receber diferentes interpretações.
ATIVIDADE
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MÓDULO 1
1
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AULA
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COMENTÁRIO
Nos momentos de canto coletivo, de brincadeiras, jogos ou mesmo
do uso de walkman, no recreio, das batucadas dos alunos, das
canções inventadas pelos estudantes para “zoar” algum colega ou
professor, acontecem diferentes práticas musicais. Por meio dessas
práticas, acontecem aprendizagens de novas maneiras de produzir
música e novas maneiras de pensar o que é música. E é a partir
desses momentos que você pode coletar material muito rico para
trabalhar as práticas musicais com os estudantes das séries iniciais
do Ensino Fundamental.
Ao ouvir, podemos tomar poucas decisões, pois não podemos influir no curso da música. Podemos,
sim, no máximo, desligar o rádio ou trocar de estação.
Ao executar, podemos ter uma certa influência no curso da música, tocando ou cantando mais rápido
ou mais lento, mais forte ou mais suave.
Ao compor, no entanto, estamos exercendo nosso maior nível de decisão. Sabe por quê? Porque
escolhemos os materiais necessários que devem emitir os sons que desejamos, a maneira de emitir
esses sons e, depois, de organizá-los em uma seqüência que seja lógica para nós.
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Artes na Educação | O ensino de música na Educação Básica está desaparecendo?
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MÓDULO 1
!
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Pela teoria das representações sociais, a maneira como você e seus alunos
AULA
pensarem “música” definirá a realidade da música entre vocês.
ATIVIDADE
3.a. Identifique, na lista que você fez, a presença de uma ou mais práticas
musicais que consideramos relevantes na sociedade ocidental.
3.b. Qual delas você considera viável desenvolver em sala de aula? Justifique
sua resposta.
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RESPOSTA COMENTADA
A música é um tipo de conhecimento do homem que vale por si
mesmo, e tem práticas próprias. Na lista que você complementou,
você está se aproximando da racionalidade própria da música.
As práticas musicais desenvolvidas por você e seus alunos são
decorrentes da função social da escola e da música na escola.
A música está na escola para que as práticas relacionadas a ela
possam ser desenvolvidas pelas pessoas. O sentido dado às práticas
musicais é um acordo sobre o que é propriamente musical para
determinados grupos sociais. A preocupação em estabelecer um
consenso é encontrada como motivação para a construção dos
discursos dos professores quando falam das práticas musicais
adequadas ao ensino ou à escola. A predicação “apropriado ao
uso escolar” resulta do processo de negociação, conversação
ou argumentação, que determina quais aspectos devem ser
considerados pertinentes à qualidade “musical”. Esse movimento
de negociação é amplo e estabelecido entre teóricos dos campos
da música e da pedagogia da música e, também, entre professores,
alunos e suas interações com outros âmbitos sociais, em uma
dinâmica de configuração da identidade grupal e negociação entre
grupos da distância que os afasta ou aproxima em seus movimentos
de interação.
Em suma, o que é próprio para a escola inscreve-se em alguma
doutrina sobre a escolarização. No caso da escola de ensino regular,
por exemplo, todas as disciplinas escolares inserem-se em alguma
doutrina sobre seu papel na formação dos educandos, adquirindo,
de acordo com aquela doutrina, maior ou menor valor educativo.
Em se tratando de música, no Brasil, o seu valor educativo precisa
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Artes na Educação | O ensino de música na Educação Básica está desaparecendo?
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MÓDULO 1
Estes possibilitam a formação de mecanismos estabelecidos pelo grupo
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social e compreendidos por meio de códigos compartilhados por vias
AULA
comunicacionais pelos membros desse mesmo grupo. Um exemplo: para
que uma criança aprenda a cantar, não precisa ter aulas de canto. Ela
ouve a mãe e outras pessoas cantando e tenta imitá-las, observando em
que momentos a ação do canto se apresenta. A resposta dos integrantes
do grupo social mais próximo à criança é decisiva para a construção da
sua auto-imagem em relação à capacidade de cantar.
Essas afirmações não apresentam nenhuma novidade a partir das
contribuições de Vygotsky (1989a,1989b). Mas queremos retomá-las aqui
para frisar que os códigos compartilhados dizem respeito a crenças, valores
e atitudes construídos por meio de processos argumentativos. Por meio
dos argumentos, as pessoas buscam convencer os outros, não é? Vamos
pensar que as práticas musicais são formas de argumentar para convencer
os outros a respeito das idéias que estamos veiculando por meio dos sons.
Convencer os outros por meio da música? Sim. Veja como.
Para Aristóteles, existem vários métodos de produção, tipos de
ciência que coincidem com a ARTE. A ARTE
(tékhne) ocupa-se da
A música, a pintura, a escultura e o teatro são artes que visam alterar produção de objetos,
e é um saber.
de alguma forma as crenças, os valores e atitudes de seus auditórios, no
sentido de afetá-los (MAZZOTTI, 2002). Contudo, isso não é novidade,
pois já na Poética Aristóteles mostra que os poetas falam para um dado
público e têm como finalidade mobilizar suas paixões, expressá-las e
modificá-las. Para emocionar ou convencer um público ou auditório, é
preciso conhecê-lo, saber como ele dá significado às coisas à sua volta.
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Artes na Educação | O ensino de música na Educação Básica está desaparecendo?
ATIVIDADE FINAL
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RESPOSTA COMENTADA
A teoria das representações sociais reforça o caráter de interação
social como fundamental para a construção do conhecimento.
A música, como conhecimento humano, no campo da Poética, como
já queria Aristóteles, é construída na relação da pessoa com aqueles
que ela reconhece e legitima nos grupos sociais. Portanto, deve-se
saber emocionar os outros por meio da música. Para tanto, precisamos
conhecer esses outros, ou auditórios, para saber como afetá-los. A teoria
das representações sociais pode ajudar-nos nesse trabalho, porque,
por meio dela, temos condições de verificar como o conhecimento
sobre música é construído.
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MÓDULO 1
1
RESUMO
AULA
Na produção de qualquer conhecimento, a questão do sentido se impõe. No
processo cognitivo e afetivo pelo qual algo inteligível para cada grupo social é
produzido, o inteligível é definido pelo sentido partilhado pelas pessoas envolvidas.
Assim, o processo de produção de representações sociais ou conhecimento consiste,
por excelência, numa produção de sentidos. Reforçamos que entendemos por
conhecimento todo objeto que se apresenta como tal para nós, algo inteligível,
portanto.
Também no trabalho voltado para a continuidade e propagação do inteligível nos
grupos sociais, assim como na assimilação das novidades, o sentido é fundamental.
Entendemos que o sentido é construído por meio da efetivação da intenção das
pessoas de se aproximarem ou mesmo de se afastarem de uma determinada
situação, grupo social ou contexto. A intenção, é bom lembrar, é efetivada nas
ações, escolhas e tomadas de posição de cada um. Por isso, buscamos os valores,
conceitos e crenças das pessoas nos seus próprios discursos.
Se entendermos música como discurso, fica mais fácil verificar que as práticas
musicais em desenvolvimento na escola já espelham o que aquelas pessoas
envolvidas nas práticas entendem por música.
Na próxima aula, vamos verificar que o conhecimento, qualquer que seja, inclusive
o musical, é construído com base em uma epistemologia “conversacional”, na qual
a questão do sentido impõe-se como necessária.
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AULA
O som não é música, mas a
música é (também) som
Meta da aula
Apresentar a discussão sobre a definição/
significação de música em diferentes
contextos sociais e históricos, levando em
consideração a retórica como base fundadora
do processo de significação.
objetivo
INTRODUÇÃO Na aula anterior, iniciamos a discussão sobre a construção do sentido das práticas
musicais nas escolas de Ensino Básico. Se ignorarmos essa discussão, correremos
o risco de privilegiar uma suposta psicologia do indivíduo, presente em discursos
tais como: “Os professores das séries iniciais do Ensino Fundamental são inaptos
para o trabalho com música nas escolas”; “os alunos não possuem o ‘dom’
para a música” também arriscamo-nos a privilegiar uma estrutura social que
determina o indivíduo, quando se diz que “pelos baixos salários, os professores
são levados a baixos rendimentos ou se afastam da atuação profissional na
educação básica”; “os alunos de classes econômicas desfavorecidas não têm
capacidade para entender a ‘boa’ música”.
Ao contrário dessas duas posturas, para desenvolver práticas musicais na escola,
deve-se buscar a sua “sociogênese”. Assim, ao compreendermos a maneira como
cada prática musical opera, podemos pensar em políticas mais adequadas à escola
e a cada turma de alunos das séries iniciais do Ensino Fundamental.
Buscamos uma resposta para o questionamento sobre o sentido das práticas
musicais que integre a interação comunicativa entre as pessoas no processo
de ensino/aprendizagem. Pensamos que se a comunicação estabelece algo em
comum, sendo preciso para isso a negociação das diferenças entre as pessoas
para a constituição do acordo necessário para as trocas sociais (dentre elas a que
consideramos educativa), a comunicação de sentidos pode ser feita. Conseguimos
negociar as diferenças por meio da apresentação dos argumentos que veiculam
nossas crenças, valores e preferências A interpretação dos discursos, visando
depreender o sentido, precisa estar atrelada ao acordo estabelecido pelas pessoas.
As palavras de Umberto Eco sintetizam bem o que queremos defender:
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MÓDULO 1
DISCUTINDO A NATUREZA DA MÚSICA
2
AULA
Para se falar do sentido das práticas musicais desenvolvidas nas
escolas, precisamos pensar na discussão sobre a natureza da música e da
escola. O primeiro problema, a natureza da música, refere-se aos critérios
pelos quais se seleciona algo, uma ocorrência, considerado “música”.
Entendo por esse algo tanto o desdobramento de um determinado
fenômeno (o resultado físico de vibrações acústicas, por exemplo) quanto
de um conjunto de elementos integrados à vida social (o ensino de música
na escola de ensino básico, uma composição musical etc.).
Como vimos na aula anterior, quando abordamos os aspectos
temporais e geográficos do conceito de afinação, se considerarmos o
problema de maneira independente de espaço e tempo determinados,
“música” será uma ocorrência, a despeito das relações humanas. Assim
colocado, o problema não tem saída, pois supõe a existência de um
ideal ao qual as pessoas têm de se adequar. Caso não possam ou não
consigam adequar-se ao ideal de música, então elas não são “dotadas”,
não nasceram com o talento para a música.
Não é essa a idéia que quero veicular neste curso. Principalmente
porque se trata de um curso de Pedagogia que, como tal, lida com a
mudança da qualidade do conhecimento das pessoas. Não podemos
falar de algum conhecimento que não possa ser adquirido, se quisermos
trabalhar no campo da Pedagogia.
Caso busquemos estabelecer algo próprio da música, algo que
determine limites no espaço e no tempo do que se denomina “música”,
precisamos lançar mão da fixação de alguma estrutura própria que tem
por referente a qualidade de ser musical. E essa estrutura própria à
música é o resultado da negociação dos significados entre as pessoas
envolvidas no debate sobre a natureza da música. Quem são essas
pessoas? Os teóricos, os musicólogos, os professores de música, seus
alunos, cantores, instrumentistas, regentes, compositores, arranjadores,
DJs, MCs, professores das séries iniciais do Ensino Fundamental, seus
alunos, eu, você...
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Artes na Educação | O som não é música, mas a música é (também) som
ATIVIDADE
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MÓDULO 1
2
RESPOSTA COMENTADA
AULA
Há música em algum momento ou lugar. É preciso, entretanto
que essa ocorrência, para ser chamada “música”, tenha algumas
qualidades reconhecidas por alguém como próprias da música.
Partimos do pressuposto de que a ‘música é’, mas divergimos quanto
às suas qualidades (predicados e categorias). Não colocamos em
dúvida o existente ‘música’, mas argumentamos a respeito de seus
predicados. Dessa maneira, as qualidades de algo considerado
existente, a música: estão em disputa e são demarcadas pelo que
não é música: pela antítese, portanto.
!
Não há um conceito único, intercultural, que defina música.
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Artes na Educação | O som não é música, mas a música é (também) som
!
A definição de música está aliada às práticas culturais nas formas definidas
por diversas articulações. Precisamos identificar, por analogia, o produto
das articulações que dão sentido às práticas consideradas musicais, para
que possamos dizer: “aqui há música” ou “isto é música”.
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MÓDULO 1
Há, portanto, retórica em todo processo de produção, seja nesse
2
fazer relacionado com o professor que se considera responsável pela
AULA
construção/ampliação do “bom gosto musical” de seus alunos (e para
tanto seleciona e apresenta-lhes o repertório musical que ele considera de
“melhor qualidade”), seja nesse fazer relacionado ao compositor se auto-
proclamando como pertencente a determinado estilo ou grupo estético,
ao compositor que, no seu processo de produção/criação, dialoga com
todos aqueles que influenciaram a construção do seu “estilo” (modo
de argumentar) e com todos aqueles que ele busca atingir, emocionar
com o resultado da sua produção, com a sua obra. Em um caso ou em
outro, a intenção do orador/professor/compositor é materializada em
cada sonoridade, ou seja, criação e interpretação são retóricas, pois
nessas ações há, necessariamente, negociação dos sentidos.
Reforçamos que professor e compositor encontram-se na categoria
de agentes de produção. Eles colocam em ação os mesmos operadores
cognitivos em seus processos de produção, guardadas as proporções do
rigor argumentativo de cada intenção. Na próxima aula, trataremos
mais detidamente desses operadores cognitivos.
ATIVIDADE
RESPOSTA COMENTADA
Resumindo a discussão desenvolvida nos parágrafos precedentes,
definimos música como toda organização sonora que encerre
argumentos construídos para um determinado fim. Essa é a causa
para que a música esteja presente, de formas distintas, em cada
tempo e lugar.
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Artes na Educação | O som não é música, mas a música é (também) som
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MÓDULO 1
sociais ou auditórios, e esse acordo passa a ser a base para a construção
2
de qualquer produção.
AULA
Existe uma teoria muito antiga que pode nos explicar melhor essa
situação.
A teoria do eikos, desenvolvida antes de Aristóteles, nos quadros
da retórica judiciária, já tratava do que cada um, frente à experiência que
tem de sua própria conduta, pode conjecturar sobre a conduta humana
nas circunstâncias dadas (WOLFF, 1993). Diz respeito às idéias que temos
das coisas e pessoas a partir da nossa própria experiência.
Na Retórica, mas também na Poética, o eikos designa a idéia que
o orador/autor/compositor/professor deve ter sobre o auditório/leitor/
espectador/alunos, para construir a argumentação/produção mais eficaz.
Uma argumentação/produção eficaz é aquela que atinge o outro, mobiliza
a sua atenção, emociona-o. O orador deve “agenciar discursivamente
as condutas humanas no curso do mundo, de sorte que elas apareçam
conforme a experiência que o destinatário tem em um caso – o da Poética
– para que seja transformado, e no outro caso – o da Retórica – para que
seja persuadido” (WOLFF, 1993, p. 57). Assim, o eikos é o enunciado
que considera o conhecimento do auditório sobre as circunstâncias do
evento em questão, assim como sua experiência sobre os homens e o
mundo, para poder convencê-lo ou emocioná-lo.
Encontramos em Raynor (1986) uma discussão que nos permite
identificar o uso do eikos no caso das práticas musicais pela Poética, por
tratar da influência dos auditórios sobre a ação do compositor/intérprete.
Para aquele autor, um dos deveres essenciais do compositor/intérprete é
estar ciente dos desejos do seu auditório. Raynor apresenta como exemplo
a Igreja Católica, que aprovava, na Idade Média, apenas a música que
não se impusesse com demasiada força aos ouvintes; as autoridades
da Contra-Reforma aprovaram a obra de Palestrina, não porque era
perfeita de estilo ou por sua riqueza melódica, mas por ser possível ao
leigo em música considerá-la um modo emocionalmente agradável de
tratar o texto da missa, apropriando-se dele, portanto. Dessa forma, os
auditórios protestantes ouviam música religiosa de um ponto de vista
diferente dos católicos.
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Artes na Educação | O som não é música, mas a música é (também) som
ATIVIDADE FINAL
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RESPOSTA COMENTADA
Negociar sobre a natureza da música põe-se como necessário para a
conversação que deseja estabelecer o que pode ser “falado”, ensinado,
o que pode ser mostrado para o outro de maneira mais completa,
tanto quanto possível. Toda conversação envolve o estabelecimento
do que algo é para os envolvidos, para auditórios particulares e para
o “auditório universal” que se apresenta como “ideal regulador” das
produções. Na negociação dos diferentes sentidos dados à música, a
racionalidade retórica está presente. A negociação de sentidos existe
intra e entre grupos sociais.
Pela teoria do eikos, poética e retórica unem-se pelo que pretendem
fazer e pelo pressuposto do qual partem: é possível afetar ou modificar
as atitudes, crenças e valores dos outros, caso se lance mão das crenças
e valores que caracterizam o grupo social.
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AULA
A construção social
da música
Meta da aula
Apresentar as etapas de produção
do sentido de música e da qualidade
“musical”, com base na teoria das
representações sociais.
objetivos
INTRODUÇÃO O que é música? O que é preciso para alguém se tornar musical? De onde vem
o sentido da música? Estas são algumas questões que permeiam a história da
música e das práticas sociais a ela relacionadas: compor, improvisar, cantar,
tocar um instrumento, dançar, ouvir etc. As respostas a essas questões dizem
respeito à produção do sentido que, por sua vez, corresponde a um processo
de predicação. Qual o significado desse processo? A predicação define o que
cada prática social e o produto ou resultado dessa prática são em relação ao
que se entende por música ou musical.
Como acontece a produção de sentido de música? É o que vamos estudar a
seguir. Para o nosso curso, é muito importante esse estudo, porque queremos
demonstrar que as atividades que são desenvolvidas com alunos em sala de
aula podem passar pelas mesmas etapas do processo de significação musical
e, assim, chegar a um resultado mais consciente pelos alunos.
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MÓDULO 1
entre os instrumentos, melodia definida etc. Essas pessoas procuram no
3
rap as qualidades que julgam serem próprias da música, ou de algo que
AULA
possa ser considerado música. Como não as encontram, afirmam: “rap
não é música”.
O rap, entretanto, é música adequada aos fins a que se propõe:
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Artes na Educação | A construção social da música
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MÓDULO 1
do mar e buscará encontrar elementos sonoros de outras fontes para
3
expressá-los. Portanto, seja na percepção ou na produção, o processo
AULA
começa pela seleção de elementos de informação.
Junto com a seleção de elementos de informação, dá-se a sua
recontextualização, uma vez que eles são ressignificados pelas pessoas,
de acordo com os condicionantes culturais e critérios normativos que
propiciaram a sua seleção. O mar tem uma existência objetiva que
proporciona diversas representações, tantas quantas forem as pessoas
que o observam. Portanto, a realidade representada por cada um de
nós condiciona a produção das nossas representações, daí falarmos em
recontextualização, porque selecionamos elementos de informação de
uma fonte (a existência objetiva do mar) para construirmos outro objeto,
aquele da nossa representação (por exemplo, o dragão verde-azulado
que lambe a areia).
A incidência do contexto sobre o processo de produção de
representações sociais explica por que a mesma ocorrência pode ser
representada de diferentes maneiras, uma vez que esse processo está
relacionado a cada grupo social especificamente.
CEDERJ 33
Artes na Educação | A construção social da música
ATIVIDADE
RESPOSTA COMENTADA
Ao ouvirmos algo pela primeira vez, construímos hipóteses sobre
o seu significado. No caso de uma música instrumental, tendemos
a imaginar que tipo de idéias, fatos, acontecimentos ou mesmo
personagens estão sendo “narrados” por aquela manifestação
sonora. Selecionamos, no processo de percepção/apreciação da
obra, os elementos que podemos reconhecer, dar significado a
eles. O compositor passou por seu próprio mecanismo de seleção
e recontextualização dos elementos considerados pertinentes para
veicular, sonoramente, sua intenção produtiva. Compositor e ouvinte,
portanto, em seu trabalho de produção e apreciação, selecionam os
elementos que, em diálogo com seus grupos sociais de referência,
acreditam serem os ideais para expressar ou representar as suas
idéias e hipóteses. Se os grupos sociais de referência do compositor e
ouvinte não apresentarem nenhum tipo de convergência, certamente
as hipóteses sobre o significado da obra, construídas pelo ouvinte,
não coincidirão com as intenções do compositor. Esse fato não é
negativo, mas é próprio da apreciação de todo trabalho artístico. Se
tivermos informação a respeito do processo de produção da obra,
podemos nos aproximar das intenções do compositor, mas isso não é
obrigatório. Todos nós temos capacidade suficiente para produzirmos
nossas próprias idéias sobre as obras humanas.
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MÓDULO 1
A segunda etapa da objetivação refere-se à formação da
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representação propriamente dita, ou seja, imagens sonoras, visuais
AULA
etc., todas no âmbito mental. Trata-se da estruturação ou organização
dos elementos de informação selecionados num complexo de imagens,
configurando-se um objeto reconhecível pelas pessoas a partir de um
determinado conjunto de predicados. Vamos dizer que corresponde ao
momento exato da formação da imagem do dragão azul-esverdeado que
lambe a areia da praia.
A terceira etapa do processo de objetivação é a naturalização,
ou seja, os elementos da representação passam a ser elementos da
“realidade” e não mais do pensamento. Se o mar se mostrou assustador
para o nosso amigo poeta, o elemento dragão deve ter sido escolhido
como imagem também por ser considerado negativo e, dificilmente, ele
poderá banhar-se no mar tranqüilamente. Dragão deixou de ser imagem
para se transformar em “realidade” para o poeta, ou seja, naturalizou-se
em seu cotidiano.
Um exemplo do processo de naturalização é o uso cotidiano das
quatro primeiras notas da “Quinta Sinfonia de Beethoven” por alguém
que queira apresentar um “clima” de suspense à sua conversação
(“Contarei uma novidade, tchan-tchan-tchan-tchan...”). Ou como ocorre
naquele anúncio do aparelho de barbear em que se diz que “a primeira faz
tchan, a segunda faz tchun e ... tchan-tchan-tchan-tchan...”. Os criadores
do anúncio passaram por aquelas etapas (seleção/recontextualização de
elementos de informação/formação de cognições centrais) e naturalizaram
as quatro primeiras notas de Beethoven na realidade do anúncio.
O esquema próprio da objetivação é um esquema de predicação,
que condensa e dá sentido aos objetos do pensamento, tornando-os
realidade para as pessoas. A partir desse sistema de predicação, ocorrem
os processos de denominação e classificação desse produto já estruturado.
Denominar (categorizar) e classificar são ações cognitivas que dizem
respeito ao segundo processo de formação das representações sociais,
a ancoragem. Ela se refere à assimilação de algo em um esquema ou
estrutura cognitiva já existente. No exemplo do poeta que vê o mar
pela primeira vez, ao representar o mar denominando-o como “dragão
verde-azulado que lambe a areia”, ele o insere na categoria das coisas
que devemos temer. Como o mar era uma novidade, nosso amigo, poeta
do interior, procurou encontrar no mar predicados que já conhecia e que
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Artes na Educação | A construção social da música
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MÓDULO 1
norte-americanos. Os componentes formais, estilísticos
3
e tímbricos dos musicais da Broadway e da cultura do
AULA
rock ancoram a idéia de futuro denotada na imagem do
paraíso: Simba não voltará para a África, terra do reino
de seu pai, mas para o paraíso que é a América do Norte
representada, no filme da Disney, por sua música.
ATIVIDADE
RESPOSTA COMENTADA
Podemos identificar o que se passa em uma novela ou filme
apenas levando em consideração a trilha sonora: romance, ação,
suspense, violência são ancorados pelos usos da música. Efeitos
sonoros ou repertórios musicais mais específicos, por sua vez, são
naturalizados na realidade cotidiana das pessoas por sua veiculação
nas trilhas sonoras. Tomando como referência um episódio do
desenho animado Bob Esponja, veiculado no Programa “Xuxa no
Mundo da Imaginação” (TV Globo), analisado por Tourinho (2004),
podemos encontrar elementos associáveis à idéia de naturalização
e ancoragem.
Nesse episódio, o som produzido com o deslizamento de um tubo
de metal sobre as cordas de uma guitarra típica do Havaí ancora a
idéia de cenário tropical, onde se desenrola a história. Já a música
eletrônica, expressa pelo som de uma guitarra, característica do
heavy metal, naturaliza a idéia dos desenhos de ação. De fato, no
momento em que se ouve a música eletrônica, os personagens do
desenho se comportam como “Batman e Robin”, na cena inicial
dos episódios do seriado da década de 1960 e a configuração da
imagem acontece da mesma maneira que a dos desenhos de ação
japoneses. Também a música erudita e o balé clássico, no contexto
do desenho animado, veiculam idéia de sofisticação estética.
Os personagens do desenho, Bob Esponja e Patrick, dançam e
cantam uma valsa de J. Strauss Jr. enquanto caçam, significando
que buscam mostrar maestria naquilo que fazem.
CEDERJ 37
Artes na Educação | A construção social da música
ATIVIDADE FINAL
Todo compositor tem um público-alvo que busca atingir, emocionar por meio
do choque, do escândalo, ou mesmo do aplauso. Mas, nem sempre o público-
alvo do compositor coincide com o público que acessa a mensagem veiculada
por ele. O auditório, qualquer que seja, sempre reconstrói a mensagem, refaz
o trabalho de produção, é co-criador da obra. Ao receber a mensagem, ele
seleciona dela os elementos que pode ou quer selecionar a partir dos seus
próprios grupos sociais de referência.
38 CEDERJ
MÓDULO 1
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AULA
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RESPOSTA COMENTADA
Sim, porque pela teoria das representações sociais, entendemos
que a música não é algo que se impõe, de maneira autônoma ou
independente, diante de nós. Limites de espaço e tempo emergem
quando entendemos que a música é uma produção humana. Eles
correspondem às teorias que, a todo instante, estamos construindo, ou
seja, às nossas interpretações acerca das ocorrências que consideramos
relevantes para a nossa vida social. Buscamos expor essas teorias aos
outros, mesmo que esse outro seja, inicialmente, nós mesmos em
nosso diálogo interno.
Da mesma maneira que as obras musicais, as práticas pedagógicas
desenvolvidas na escola dependem do significado ou sentido que lhes
são atribuídos dentro de uma estrutura social particularizada pelas
representações construídas.
Os professores podem ser complacentes com o ambiente físico da
escola e com os objetos musicais aceitos pelos alunos, mas tendem
a qualificá-lo como “não-música” a partir das representações sociais
que caracterizam os seus grupos de referência. Essa qualificação pode
trazer entraves para o desenvolvimento das práticas pedagógicas em
sala de aula.
CEDERJ 39
Artes na Educação | A construção social da música
RESUMO
40 CEDERJ
4
AULA
Repertório musical:
como classificar?
Meta da aula
Apresentar a lógica de construção dos
critérios de classificação do repertório
musical baseada na teoria das
representações sociais.
objetivo
INTRODUÇÃO Quando entramos em uma loja de discos, logo nos deparamos com a
disposição do material em categorias para venda: “música para crianças”,
“música de orquestra”, “música do mundo”, “rock internacional”, “rock
nacional”, “trilhas sonoras”, “música romântica” etc.
Não é raro verificar, por parte dos professores, atitude de total confiança nessa
classificação. Se o público-alvo for o infantil, claro que o repertório tem de ser
aquele já categorizado como “música infantil” ou “para crianças”. Escolha
correta? Errada! Toda classificação de repertório musical precisa ser entendida
no contexto em que foi formulada. Para tanto, é necessário que sejam explicitados
os critérios para a sua construção, para que possamos criticá-la e, então, construir
a nossa própria classificação. Por exemplo, muitas vezes, falamos de “música
folclórica”, trabalhamos um determinado repertório na semana do folclore, na
escola onde atuamos, e nem sempre percebemos que o repertório que estamos
apresentando aos alunos, retirado de livros sobre folclore, é uma representação
social de folclore construído pelo grupo de acadêmicos que viveu há décadas,
o que nem sempre coincide com a nossa realidade. Se folclore é a sabedoria de
um povo, por que as músicas inventadas para louvar as glórias de um time de
futebol, por exemplo, não podem ser entendidas como canções folclóricas?
Vamos, agora, apresentar uma discussão sobre a classificação do repertório
musical, visando a contribuir para a reflexão sobre o desenvolvimento de
práticas pedagógicas que utilizam repertório musical, o que desenvolveremos
na próxima aula.
42 CEDERJ
MÓDULO 1
Contrastaremos algumas dessas representações com a fala de acadêmicos
4
ou teóricos de Musicologia, visando a enriquecer a nossa reflexão. Vamos,
AULA
agora, “ouvir” os critérios utilizados por esses professores para categorizar
o repertório musical que está à nossa volta.
(1) Música erudita ou música de concerto – consagrada como
música culta ou representativa de períodos históricos da estética musical
ocidental. Nessa categoria, observamos a existência de dois grupos. Um
deles, para exemplificar o que entende por “música erudita”, citou períodos
históricos e estéticos mais amplos (Música Barroca, Romantismo), peças
musicais e seus compositores (“Missa de Notre-Dame”, de Guilhaume de
Machaut, “Sonata op. 111”, de Beethoven) ou compositores específicos
(J. S. Bach, Mozart etc.); e o outro apresentou, simplesmente, a expressão
“Música clássica”, “erudita” ou “de concerto”, como se essa expressão
já fosse suficiente para garantir o seu sentido. Ao especificar um estilo
ou período histórico, compositores e/ou peças musicais, os professores
buscaram demonstrar o seu conhecimento na área, sofisticação de gosto
e conhecimento e, portanto, sua pretensa inserção no grupo distinto de
apreciadores e conhecedores da “música culta” (TRAVASSOS, 1999b).
Há uma operação classificatória que Travassos (1999b, p. 121)
entende ser dominante no Brasil e que “cinde o universo da música
em dois grandes campos hierarquicamente relacionados”: a “música
artística” (ou de qualidade) e as demais. Comentando a discussão sobre as
hierarquias dos repertórios, na qual um grupo significativo de estudantes
e profissionais de música reivindica maior atenção para a música popular,
a autora percebe que os critérios de qualidade considerados válidos
por esse grupo são os mesmos aplicados à crítica da música erudita:
complexidade de forma ou estrutura, exigência técnica na interpretação
instrumental, possibilidade de exibição virtuosística (TRAVASSOS,
1999a, p. 11). Assim, Travassos (1998, 1999a, 1999b) entende que,
implicitamente, esses valores podem ser tomados por universais pelas
pessoas envolvidas no debate. Como veremos a seguir, é provável que
os professores entrevistados estejam tomando como básica a distinção
entre música artística ou de qualidade e “as outras”.
CEDERJ 43
Artes na Educação | Repertório musical: como classificar?
!
A qualidade musical não está no repertório em si, mas no juízo
interpretativo que fazemos desse repertório, de acordo com os diversos
usos que dele fazemos. Sabemos que o mesmo tipo de repertório pode
ser adequado em um determinado momento e, em outro, não ser mais.
A qualidade do repertório está vinculada às suas numerosas possibilidades
de uso.
!
A mídia propaga, necessariamente, música de baixa qualidade? Essa
música está voltada para os gostos de quem a produz (músicos e
gravadoras de discos) ou daqueles para quem é produzida?
44 CEDERJ
MÓDULO 1
De fato, na reflexão sobre a categoria “Música Popular”
4
desenvolvida por Travassos (1999b), encontramos elementos
AULA
relevantes para o desenvolvimento da discussão sobre a categorização
de determinada ocorrência como música popular ou erudita.
Definições [de música popular] baseadas em critérios sem efeito
substantivador, como os que foram bastante discutidos por
folcloristas e etnomusicólogos, enfatizam os processos de criação
(‘coletiva’, a partir de ‘fórmulas’ e da contínua variação de material
preexistente etc.) e de transmissão (oral/aural por meio de contatos
interpessoais etc.). Contudo, como já observaram vários autores,
esses processos não estão ausentes da música erudita. Ademais, a
análise da gênese histórica da noção de cultura popular mostra
que esta é, antes de tudo, uma categoria erudita (CHARTIER,
1995). Resulta de uma classificação de níveis de cultura elaborada
por intelectuais, tingida de componentes políticos (o ‘povo’
aparece como depositário de signos valorados de autenticidade e
simplicidade, ameaçados pela crescente mercantilização da cultura)
e sujeita a variações que ora excluem a música ‘urbana’, ora a
‘comercial’, ora a que é difundida em grande escala nos meios de
comunicação de massa (TRAVASSOS, 1999b, p. 123).
CEDERJ 45
Artes na Educação | Repertório musical: como classificar?
ATIVIDADE
46 CEDERJ
MÓDULO 1
4
COMENTÁRIO
AULA
Os elementos comuns à classificação de repertório na categoria
“erudito” ou “popular instrumental” são: complexidade de forma
e estrutura do repertório; exigência técnica para a sua execução;
não é mero entretenimento; exige audição concentrada, daí seus
apreciadores precisarem ser musicalmente qualificados; supõe um
sentido de evolução (aumento da complexidade e capacidade
expressiva dos intérpretes); formação de uma “elite cultural”, de
“bom gosto” entre os seus apreciadores, que se distancia das
massas populares.
CEDERJ 47
Artes na Educação | Repertório musical: como classificar?
ATIVIDADE
48 CEDERJ
MÓDULO 1
4
COMENTÁRIO
AULA
A submissão dos artistas da música da mídia ou popularesca às
pressões extramusicais – o sucesso garantido pela indústria cultural, a
preocupação exclusiva com a vendagem dos discos – os afastaria dos
elementos que determinam a qualidade musical de um repertório.
Essas qualidades estariam presentes no repertório da MPB: domínio
técnico dos recursos instrumentais e vocais apresentado pelos
compositores e intérpretes e a conquista de um estilo próprio.
CONCLUSÃO
CEDERJ 49
Artes na Educação | Repertório musical: como classificar?
ATIVIDADE FINAL
Elabore uma lista de músicas, de acordo com o seguinte critério: músicas que você
conhece, de que você mais gosta e que você tem em casa. Dê uma categoria para
cada exemplo. Você pode usar a classificação feita pelos professores de música do
Rio de Janeiro que apresentamos ou pode construir a sua própria classificação.
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RESPOSTA COMENTADA
Os exemplos apresentados por você do repertório musical que
conhece, aprecia ou, simplesmente, tem em casa, na forma de discos,
fitas, CDs, DVDs, ou outros, constituem um indicador do que você
considera música. Além disso, o uso que você faz da música revela
a sua identidade social, configura você como integrante de grupos
sociais determinados (religioso, profissional, econômico, cultural etc.).
Ao elaborar a sua lista, você expõe os acordos estabelecidos entre as
pessoas que integram os grupos sociais a que você pertence (ou quer
pertencer) pelo reconhecimento desse repertório. Como no caso da
música erudita ou instrumental, afirmar que se tem DVDs de ópera em
casa estabelece relação com o grupo social de pessoas com gostos
“refinados”, “sofisticados”, elaborando uma hierarquia social pelo uso
do repertório musical. Demais classificações do repertório musical
(“música de qualidade”, “música adequada ao uso didático”, entre
outras) também explicitam acordos e hierarquias sociais expressos
em nosso cotidiano.
50 CEDERJ
MÓDULO 1
4
RESUMO
AULA
Para chegar à lógica da classificação do repertório musical da atualidade, analisamos
o resultado de entrevista a professores de música do município do Rio de Janeiro.
Essa é uma maneira de classificar o repertório musical da atualidade; podemos
tomá-la como base ou não. No entanto, mais importante do que aceitar essa
classificação do repertório ou aquela oferecida pelo mercado de discos, é construir
nossa própria classificação de acordo com os nossos interesses e do uso que faremos
desse repertório.
CEDERJ 51
5
AULA
O papel da música na escola
Metas da aula
Apresentar uma reflexão sobre o papel
da música na escola e propor uma
avaliação dos critérios de seleção de
repertório musical a ser aplicado em
atividades de sala de aula.
objetivo
INTRODUÇÃO Na aula anterior, comentamos que para desenvolver uma pesquisa sobre
categorias musicais entrevistamos vinte professores de música do município
do Rio de Janeiro. Vamos analisar, agora, os resultados dessa entrevista que
se relacionam com o tema desta aula, pois entendemos que será útil para
refletirmos sobre a construção de uma proposta de escolha de repertório
para as práticas pedagógicas.
54 CEDERJ
MÓDULO 1
Olha... acho que a música desenvolve a sensibilidade,
5
não? Sensibilidade, isso é importante, você mexer com o
AULA
tom sensível do seu aluno, porque todo mundo tem, não?
Sensibilidade todos os seres humanos possuem, mas você
tem que mexer de uma certa forma para despertar, e acho
que a música contribui muito para isso.
CEDERJ 55
Artes na Educação | O papel da música na escola
56 CEDERJ
MÓDULO 1
da criança e permitir a cada tipo sua linha natural de
5
desenvolvimento, sua forma natural de integração.A
AULA
arte das crianças é sumamente importante por esta
mesma razão: trata-se do primeiro indício, e o mais
exato, da psicologia individual. Uma vez conhecida a
tendência ou propensão psicológica de uma criança,
sua própria individualidade pode ser desenvolvida pela
disciplina artística, até adquirir sua própria forma e
beleza, que é sua contribuição singular à beleza da
natureza humana. Naturalmente, isso é a antítese
daquelas doutrinas totalitárias de educação (...) que se
empenham em impor um conceito singular de natureza
humana sobre a infinita variedade das pessoas. A arte
de uma criança, portanto, é seu passaporte para a
liberdade, para a fruição plena de todos os seus dotes
e talentos, para a sua felicidade verdadeira e estável
na vida adulta. A arte transporta a criança para fora
de si mesma (Idem).
Os princípios deste movimento estão presentes na argumentação dos
professores entrevistados: a arte como livre expressão, redenção do homem
e, por extensão, da sociedade; o processo de aquisição do conhecimento
aliado à auto-expressão, respeito à individualidade e à evolução da criança,
valorização da criatividade e da autodescoberta do estudante.
ATIVIDADE
COMENTÁRIO
É possível verificar se um discurso está pautado sobre a concepção
romântica. É um discurso que trata da comunicação e expressão dos
sentimentos como única maneira de definir música; privilegia o valor
da criatividade, originalidade, espontaneidade e imaginação do fazer
musical sem estabelecer correspondência com o contexto cultural em
que esse fazer é desenvolvido; entende que há pessoas “dotadas” para
a música, entendidas como únicas, singulares e distantes do restante
da sociedade.
CEDERJ 57
Artes na Educação | O papel da música na escola
58 CEDERJ
MÓDULO 1
Nessa concepção, as artes ou técnicas para produzir, analisar ou
5
criticar o já produzido são conteúdos para o ensino, que apontam para
AULA
possibilidades de escolha daquele que aprende.
Uma estratégia de produção não é o único caminho a ser seguido
pelo estudante, mas um procedimento discursivo que apresenta aspectos
específicos ao contexto em que ele vive e interage com os demais.
Daí apreender processos de produção reconhecidos por um grupo
de especialistas ou autoridades como modelares (modelar no sentido de
apresentar modelos para algumas ações específicas, não verdades absolutas)
e extrair “regularidades” e “regras” que podem formar os estudantes
como competentes nas práticas que sejam relevantes para alguém ser
considerado “educado”. A competência é avaliada pelos grupos sociais
em seu momento histórico, e é válida para ocasiões específicas: grupo de
musicólogos, compositores de música erudita, professores da educação
básica, funkeiros, seus (futuros) alunos, todos têm representantes
especialistas que apresentam as competências necessárias para inserir-se
“no grupo”. Saber das competências válidas em cada contexto, tomar
as regras da produção como suas a partir da experiência e poder (ter a
competência para) aplicá-las quando e como julgar adequado (intenção),
este nos parece um caminho promissor para o ensino.
A gente tem que estar aberto para ouvir tudo, para, então,
peneirar muita coisa.
CEDERJ 59
Artes na Educação | O papel da música na escola
60 CEDERJ
MÓDULO 1
idéias românticas de unicidade – o repertório é original – e de essência – o
5
repertório genuíno/puro do homem de tradição oral, sem as influências
AULA
“nocivas” e “desvirtuantes” da mídia.
Os professores também consideram a pesquisa de “novos padrões”
ou das músicas da comunidade dos alunos uma obrigação profissional.
Podemos verificar essa idéia na fala de um dos entrevistados:
CEDERJ 61
Artes na Educação | O papel da música na escola
62 CEDERJ
MÓDULO 1
Eu trabalho o que o aluno me pede, solicita, mas eu procuro
5
dar uma informação a ele, aquilo que eu gosto, que eu acho
AULA
que é um caminho da humanidade, eu procuro botar ele em
contato com música erudita, com Bach, com Beethoven, com
Mozart; a gente vai trabalhando essas coisas também. Porque
ali, no caso, é uma escola, tem que formar amplamente.
CEDERJ 63
Artes na Educação | O papel da música na escola
ATIVIDADE
RESPOSTA COMENTADA
As pessoas – o público em geral, os músicos e os professores
de música – são entendidas, nesse texto, como passivas, meras
receptoras da mentira que se impõe pela repetição, não conseguindo
reagir às conseqüências do “triste fenômeno”. Isso ocorre porque
estão impotentes perante o “dragão soltando fogo [música veiculada
pela mídia] por todos os lados e deixando suas marcas por onde
passa”. A antítese é clara: mídia / fogo destruidor do “bom gosto”
/ empresários e produtores / dragão / mercado / popularidade
/ lavagem cerebral versus escola / música de boa qualidade /
professores / seres pequenos / idealismo, causa sublime / elevação
da música e do ser humano / ensino.
Os procedimentos conseqüentes dessa função da música na escola
– elevação do ser humano por sua exposição à música “de qualidade”
– cristalizam repertórios musicais transformando hipóteses em
verdades absolutas. O repertório eleito para as aulas pode tornar-se
64 CEDERJ
MÓDULO 1
5
material musical obrigatório para todos, cujas estratégias de
AULA
construção são válidas de antemão. O repertório, os compositores
são sacralizados. Os alunos/ouvintes, no contato mágico (e imposto)
com o repertório escolhido pelo professor, tornam-se “eruditos”
porque ouviram o que foi selecionado para tal.
CONCLUSÃO
CEDERJ 65
Artes na Educação | O papel da música na escola
ATIVIDADE FINAL
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66 CEDERJ
MÓDULO 1
RESPOSTA COMENTADA
5
Na concepção humanista de ensino, o repertório musical se converte
AULA
em material que deve dar margem a processos de produção de novos
materiais. Não há critérios de valor estabelecidos a priori, não há um
repertório que seja melhor que outro “em essência”. É mais indicado
que o aluno traga para a sala de aula o repertório musical que ele
utiliza no seu cotidiano, para que o professor possa, a partir dos usos
já estabelecidos, constituir oportunidades de novas produções. As
intenções educativas, estabelecidas pelo professor, concretizam-se em
práticas desenvolvidas com o material cultural dos alunos, ou seja, as
representações de música que eles constroem na relação com os seus
grupos sociais de referência, não havendo necessidade, portanto, de
apresentar “canções didáticas” para esses fins. Mais importante do que
pensar em um repertório musical “que eduque”, deve-se pensar nas
práticas de produção próprias à música como área de conhecimento.
Toda representação é expressa em uma escolha que, por sua vez, tem
as suas razões. A representação de música construída pelos alunos,
presente em sua escolha e uso de determinado repertório musical,
deve ser respeitada pelas razões que apresenta, cabendo ao professor
conhecê-las.
RESUMO
CEDERJ 67
Artes na Educação | O papel da música na escola
68 CEDERJ
6
AULA
A concepção humanista do
papel da música na escola
Meta da aula
Apresentar a concepção humanista do
papel da música na escola.
objetivo
70 CEDERJ
MÓDULO 1
A partir do conceito de zona de desenvolvimento proximal, por exemplo,
6
é possível perceber que práticas educacionais como a classificação de
AULA
habilidades, a seriação e outras formas de estratificação entre talentosos e
não-talentosos subestimam as habilidades das crianças e dos professores
por analisarem-nas individualmente. É claro que a concepção romântica
de ensino se afasta do modo de pensar de Vygostsky.
Vamos, agora, mostrar algumas possibilidades de trabalho com
música, levando em consideração a reflexão sobre o papel do homem ao
agir em interação social no sentido da construção do conhecimento.
Buscamos superar o essencialismo imobilizante da concepção
romântica, para recuperar um espaço de interação onde o sujeito
produza musicalmente e se assuma como autor, permitindo que sua
produção ultrapasse a condição de mera experiência escolar e, ainda, que
o professor procure menos “ensinar” músicas, excluindo possibilidades
novas e inusitadas, em benefício de clichês estabelecidos, e procure menos
passar exercícios para verificar se o aluno “aprendeu”. Ao contrário,
desejamos que a prática pedagógica represente uma situação social, na
qual o professor possa avaliar a performance dos alunos, o tipo de ajuda
de que necessitam e, ainda, se estão se apropriando do conhecimento e
realizando a atividade com autonomia intelectual.
ATIVIDADE
RESPOSTA COMENTADA
Pela concepção humanista de ensino, o homem, em interação com os
grupos sociais de referência, constrói o seu conhecimento de maneira
ativa. Este não lhe é dado por meio de um dom ou talento, nem por
meio do contato “mágico” com determinados materiais (no nosso
caso, repertório musical) considerados de “melhor qualidade” em
si (por exemplo, a música clássica). Esta é a concepção romântica,
a que veicula a idéia de que o homem “recebe” o conhecimento
passivamente, sem atuar no processo. A perspectiva sócio-histórica
CEDERJ 71
Artes na Educação | A concepção humanista do papel da música na escola
72 CEDERJ
MÓDULO 1
No discurso ensino-aprendizagem, no entanto, “quando
6
alguém quer aprender algo e imagina que seu interlocutor lhe possa
AULA
ser útil, dirige-lhe perguntas cujas respostas poderão suprir a falta do
conhecimento desejado. Nesse sentido, a iniciativa da ação é de quem
aprende, e não de quem ensina” (GERALDI, 1997, p. 157). A ‘resposta
adequada’ resulta de uma construção entre os participantes.
Geraldi (1997) argumenta, a partir dos estudos de Ehlich, que a análise
de diálogos de sala de aula reflete o processo em que hipóteses científicas
(e conteúdos artísticos, acrescentamos) são traduzidos em conteúdos
escolares, fixando respostas e centrando-se na distinção entre certo/errado.
Essa distinção transforma-se em produto final do processo de escolarização.
Nesse sentido, ensino significa reconhecimento e reprodução.
No ensino de conhecimento e produção, relativizam-se as posições
que têm sido aprofundadas pela escola, e professor e alunos entendem-se
como sujeitos que se voltam para um objeto a conhecer e compartilham,
no discurso de sala de aula, contribuições exploratórias na construção do
conhecimento. As contribuições do professor, assim como as dos alunos,
serão, dependendo do momento do trabalho, maiores ou menores.
O professor não sonega as informações de que dispõe, mas “as respostas
que conhece, por sua formação (que não é apenas escolar, mas que está
sempre se dando na vida que se leva), são respostas, e não verdades a
serem ‘incorporadas’ pelos alunos e por ele próprio” (GERALDI, 1997,
p. 160). O aluno como condutor de seu processo de aprendizagem,
assumindo-se como tal, não implica a anulação do professor, mas o
estabelecimento de uma relação interlocutiva como princípio básico
que orienta todo o processo pedagógico e que atende aos princípios da
psicologia sócio-histórica.
CEDERJ 73
Artes na Educação | A concepção humanista do papel da música na escola
74 CEDERJ
MÓDULO 1
integrados como parte de uma atividade mais ampla; por exemplo, as
6
crianças lêem individualmente, escutam uma leitura ou lêem e escrevem
AULA
para preparar um relatório; escrevem por prazer, ou escrevem em jornais
e diários. Os tópicos e atividades são com freqüência escolhidos pelas
próprias crianças. Pensamos ser possível fazer as mesmas considerações
no campo da música.
Na produção musical, o sujeito articula sua representação, construída
socialmente, sobre a música (e sobre o mundo) que, vinculada a uma certa
formação discursiva, dela não é decorrência mecânica. A produção é mais
que mera reprodução. É mais que limitar a prática pedagógica às músicas
e experiências musicais dos alunos ou do professor.
O sujeito, para se constituir como tal, não precisa criar o novo:
a novidade está no comprometimento com a ação e na articulação
individual com a formação discursiva de que faz parte.
Tanto o comprometimento quanto a articulação com a produção
dizem respeito à não-gratuidade da ação/produção. Para Geraldi (1997),
ocupando-se do campo da Lingüística, mesmo numa conversação banal,
não há gratuidade no discurso. Para o autor, as condições para produzir
um texto são:
CEDERJ 75
Artes na Educação | A concepção humanista do papel da música na escola
ATIVIDADE
COMENTÁRIO
A discussão sobre as formas dos discursos construídos na escola traz
contribuições para a reflexão das práticas pedagógicas com música.
Foram consideradas duas formas: o discurso ensino-aprendizagem
e o de sala de aula. O discurso de sala de aula é estabelecido na
distribuição desigual dos papéis e na demarcação rígida das funções
das pessoas envolvidas na prática pedagógica: os estudantes só
devem se manifestar quando solicitados, sua participação se
restringe à imitação de gestos determinados pelo professor.
Já o discurso ensino-aprendizagem é estabelecido pelo desejo de
se aprender algo dos interlocutores. Remete à busca, à procura, uns
pelos outros, em seus processos de produção. O estudante sabe
que o seu companheiro de produção, seja o professor ou algum
colega, pode lhe ser útil, ajudá-lo no que precisa no momento.
Assim, dirige-lhe perguntas cujas respostas poderão suprir a falta do
conhecimento desejado. A iniciativa da ação está em todos, e não só
no professor. A “resposta adequada” resulta de uma construção entre
os participantes. Portanto, estabelecer a representação de música
(o que é música para nós?) no grupo social vivo e dinâmico que é a
76 CEDERJ
MÓDULO 1
6
turma escolar e produzir essa música no cotidiano da escola é um
AULA
caminho de construção do discurso ensino-aprendizagem.
O professor não precisa ser um musicólogo para poder refletir sobre
os critérios que estabelece na interação cotidiana com seus alunos
de modo a que a ação sonora coletiva tenha, como produto, algo
que eles possam chamar “música”. A formação que se tem “na vida
que se leva” oferece respostas e não verdades absolutas. Assim como
os pesquisadores da “linguagem integral”, professores e estudantes
podem desenvolver o entendimento que têm da música por meio
dos seus usos funcionais que tenham significado para todos. As
práticas musicais (tocar, cantar, reger, compor, improvisar) podem
ocorrer de muitas formas, produzindo músicas a partir das questões
norteadoras da produção:
a. que se tenha o que dizer: O que quero veicular por meio da
produção sonora?
b. que se tenha uma razão para dizer o que se tem a dizer: Para
que (usos, finalidades) quero produzir sonoramente?
c. o locutor deve se constituir como tal, ou seja, “sujeito que diz
o que diz para quem diz”: A que grupo(s) social(is) eu pertenço
no momento da produção? A um grupo religioso, cultural,
socioeconômico, local, global? A quem estou me dirigindo nessa
produção? Quem eu quero emocionar (ex-movere, fazer com que
o outro se mova para fora de si e venha em minha direção)? d. que
se escolham as estratégias para realizar (a), (b), e (c): Por quais
etapas de produção eu devo passar? Que elementos sonoros devo
escolher? Como devo organizar o resultado da produção? Como
dar uma forma final?
CONCLUSÃO
CEDERJ 77
Artes na Educação | A concepção humanista do papel da música na escola
ATIVIDADE FINAL
a. Lucinha é uma professora da quarta série. Ela prepara, em casa, todo o material
didático para ser aplicado durante suas aulas. Como gosta de dourado, ela abusa
dessa cor. “Afinal, as crianças, por viverem em uma situação de carência material,
precisam viver um pouco as coisas bonitas da vida”, pensa Lucinha. Ela também gosta
muito do trabalho da Bia Bedran. Sempre que pode, compra os CDs da Bia e leva as
canções para a sala de aula. É claro que nem todas as crianças da quarta série gostam
da Bia Bedran, mas Lucinha força um pouquinho, porque acredita que elas precisam
gostar de música boa. Assim, com o contato com essa música, vão conhecendo um
mundo melhor do que aquele em que vivem. Ela aplica todas as atividades propostas
pela artista em sala de aula, mas toma o cuidado de dividir a turma por níveis de
desenvolvimento cognitivo: os fraquinhos com os fraquinhos, os mais adiantados
com os mais adiantados. Ela pensa ser melhor assim, para não haver constrangimento
entre eles.
78 CEDERJ
MÓDULO 1
e Lucinha participava no momento em que era chamada para ajudar. Ela sabe que
6
as crianças gostam de Marcelo D2. Comprou alguns CDs do artista para conhecer
AULA
melhor o rap-samba, e então, se sentiu à vontade para apresentar sugestões. Ao final
do festival, Lucinha ficou muito feliz ao saber, por alguns estudantes, que chegaram
a aplicar os pregões que produziram em seu trabalho e que as vendas, inclusive,
aumentaram.
Analisando o conteúdo desses trechos, verifique qual deles expressa uma prática
pedagógica desenvolvida no âmbito da concepção humanista da Educação e do papel
da música na escola, tal como foi apresentada nesta aula, e justifique sua resposta.
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RESPOSTA COMENTADA
O trecho b apresenta uma prática pedagógica desenvolvida no âmbito da
concepção humanista da Educação e do papel da música na escola.
A construção do conhecimento ocorreu por meio da interação social.
A atividade social e a prática cultural foram fontes do trabalho, não
havendo separação entre o individual e o social. O objetivo da professora
foi recuperar um espaço de interação onde os estudantes produziram
musicalmente e assumiram essa produção como autores, tornando a
prática pedagógica representativa de uma situação social concreta e
significativa para os estudantes. A “resposta adequada” resultou de uma
construção/negociação entre os participantes.
CEDERJ 79
Artes na Educação | A concepção humanista do papel da música na escola
RESUMO
80 CEDERJ
7
AULA
Uma prática interacionista
com música na escola
Meta da aula
Apresentar fundamentos aplicados
em exemplo de prática pedagógica
desenvolvida no âmbito da concepção
humanista do papel da música na escola.
objetivo
O PROJETO
82 CEDERJ
MÓDULO 1
iam surgindo por analogia. Parte-se para a produção de uma idéia musical
7
entendida como combinação sonora executada a partir de uma intenção
AULA
definida: no nosso exemplo, veicular a idéia de algo brilhante.
Portanto, entendemos que a música construída por aquele grupo
social, professores e alunos do projeto de extensão, disse respeito às suas
representações das coisas do mundo e da música. A partir desse enfoque,
foram priorizadas as atividades que se mostraram necessárias e suficientes
para integrar toda a prática musical presente no contexto cultural e
histórico das crianças e professores nas condições gerais de aprendizagem:
uma prática pedagógico-musical que foi constituída pelo grupo.
A prática pedagógica desenvolvida no projeto consistiu em uma
série de atividades de aprendizagem inter-relacionadas, mas diversas:
tocar instrumentos musicais convencionais ou não, improvisar, compor,
reger e escutar, avaliando criticamente o resultado da produção, sempre
comparando com a intenção proposta. As atividades eram, usualmente,
organizadas em torno de um tema ou tópico específico. Durante o ano
de 1999, o tema desenvolvido foi “A Rádio Ex, de Experimental”, que
promoveu a construção de toda a programação, incluindo os jingles
publicitários. É preciso salientar que os trabalhos sobre este tema
não foram reduzidos a meros “instrumentos didáticos”, mas foram
construídos em conjunto, como projeto de trabalho do grupo.
Buscou-se, ao longo do projeto “A Rádio Ex, de Experimental”
(DUARTE, 2001, p. 75-94):
CEDERJ 83
Artes na Educação | Uma prática interacionista com música na escola
84 CEDERJ
MÓDULO 1
ATIVIDADE
7
AULA
1. Em que sentido ocorreu a cooperação entre os participantes nas
atividades do projeto apresentadas como exemplo?
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RESPOSTA COMENTADA
Lembre que a cooperação entre a criança e o adulto, ou um colega
mais competente em determinado aspecto é, para Vygotsky, o
elemento central do processo educacional, ou seja, o conceito de
zona de desenvolvimento proximal. O conceito diz respeito ao que as
crianças podem realizar hoje com assistência ou em colaboração, e
que poderão, mais tarde, realizar com independência e competência,
ou seja, trata da performance antes da competência. Diz respeito,
também, ao uso em colaboração de recursos mediadores para criar,
obter e comunicar significado. No projeto de extensão, o significado
era comunicado por meio da música produzida pelo grupo social
composto pelos alunos e professores do projeto.
A prática em conjunto de professores e crianças de diferentes idades
e níveis de desenvolvimento, na qual a cooperação foi enfatizada,
possibilitou a formação de zonas de desenvolvimento proximal
relativas às funções mentais infantis. A imitação, como procedimento
metodológico, caracterizou a tese vygotskyana de que o “bom
aprendizado” será aquele que se adiantar ao desenvolvimento. As
crianças interiorizaram e transformaram o auxílio que receberam
dos outros e usaram esses mesmos meios como guias para dirigir
seus comportamentos na resolução de outros problemas como, por
exemplo, compor uma parte da canção produzida pelo grupo para o
colega iniciante. As trocas sociais foram centrais no desenvolvimento
das atividades pedagógico-musicais do projeto que aconteceram no
engajamento das crianças em atividades colaborativas.
CEDERJ 85
Artes na Educação | Uma prática interacionista com música na escola
86 CEDERJ
MÓDULO 1
Os jingles intercalavam os quadros próprios da programação
7
de uma rádio. Por exemplo, o quadro da hora certa foi representado
AULA
por meio do canto coletivo, acompanhado por onomatopéias e gestos
corporais ritmados, da canção “O relógio”, de Vinicius de Moraes (leia
o poema no site http://www.secrel.com.br/jpoesia/vmi05.html). Os
gestos faziam alusão a um relógio de pêndulo, ao mesmo tempo que as
onomatopéias criavam um ambiente sonoro como o de muitos relógios
funcionando ao mesmo tempo.
Outro exemplo de um quadro da programação da rádio foi a
produção “Robin Hood”. Esta produção teve como fonte geradora uma
canção criada por dois alunos sobre Robin Hood, que vivia numa floresta
em Hollywood. Vejamos as etapas dessa produção:
CEDERJ 87
Artes na Educação | Uma prática interacionista com música na escola
-Saúde!
Ó-é Ó-ó-é!
Ó-é Ó-ó-é!
Ó-é Ó-ó-é!
Ó-é Ó-ó-é!
7
AULA
2. Indique alguns temas para o desenvolvimento de projetos de produção
musical colaborativa. Uma sugestão é pensar na realidade da sua cidade,
nas práticas sociais mais cotidianas, para se inspirar.
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RESPOSTA COMENTADA
É importante manter em mente o fato de que a prática musical não
opera de maneira autônoma nas sociedades. Como vimos nesta
aula, as práticas musicais constituem e são constituídas pelos grupos
sociais. Portanto, devemos inserir a prática musical mais próxima
das pessoas envolvidas na ação pedagógica, de maneira que ela se
torne contextual e criticamente reflexiva. Mas atenção: mais próxima
não pressupõe proximidade física ou geográfica. Com a internet e os
avanços tecnológicos, as práticas musicais que são desenvolvidas na
Irlanda, voltadas para o rock, por exemplo, podem ser muito próximas
a determinados grupos de adolescentes brasileiros.
CONCLUSÃO
CEDERJ 89
Artes na Educação | Uma prática interacionista com música na escola
ATIVIDADE FINAL
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RESPOSTA COMENTADA
Alguns fundamentos se apresentam como básicos para o desenvolvimento
de práticas pedagógico-musicais no âmbito da concepção humanista do
papel da música na escola: (1) Tomar a música como resultado de
processos de produção, tornando centrais a intenção e o contexto social,
representado pelo próprio grupo. (2) Engajar as crianças em atividades
que representem desafios e que propiciem a colaboração entre os
participantes, professores e alunos, para que todos possam participar,
independentemente do nível de desenvolvimento. (3) Sustentar uma
performance assistida e avaliar a independência do desempenho individual
e grupal. (4) Entender a importância da imitação, a performance antes da
competência, como fator propulsor do aprendizado. (5) Considerar que
o mundo social está “encarnado” nas práticas musicais que o adulto ou
o colega mais competente traz para o grupo e que este é o objetivo para
o qual tende o desenvolvimento da criança.
90 CEDERJ
MÓDULO 1
7
RESUMO
AULA
O conhecimento sobre música e mundo adquirido pela criança está diretamente
relacionado a como ela interage com outras pessoas em ambientes de resolução
de problemas específicos a processos de produção musical.
As crianças interiorizam e transformam o auxílio que recebem dos outros
e, eventualmente, usam esses mesmos meios como guias para dirigir seus
comportamentos e tomadas de decisão em relação à música na resolução de outros
problemas que surgem no cotidiano. Essa maneira de argumentar é própria de
uma concepção sobre o papel da música na Educação que leve em consideração
o homem no processo de construção do conhecimento.
CEDERJ 91
8
AULA
A música como
prática discursiva
Meta da aula
Apresentar a concepção da música
como discurso.
!
Promover oportunidades de interação comunicativa com
música pode ser pensado como um grande objetivo a ser
alcançado pelos professores em seu trabalho.
Nesta aula, assim como nas demais, trataremos mais profundamente desse
aspecto da música na escola. E, para esse fim, pediremos ajuda a um pedagogo
musical da Universidade de Londres, professor Keith Swanwick.
94 C E D E R J
MÓDULO 1
A MÚSICA COMO DISCURSO
8
AULA
Swanwick (2003) apresenta alguns princípios para o
desenvolvimento de uma educação musical. Um desses princípios é
“considerar a música como discurso”. O caráter expressivo da música
recebe importância por meio desse princípio, pois não basta tocar ou
cantar sons ou melodias, é preciso veicular intenções na maneira como
se toca ou canta. Sendo assim, os sons produzidos passam a ter
potencial para se tornar gestos ou mesmo perpassar os sentidos
como imagens (...), algumas notas parecendo ser vermrelhas, outras
azuis ou como os sons de sinos ou de um exército marchando
(GRAHME 1973, apud SWANIWCK, 2003, p. 60).
C E D E R J 95
Artes na Educação | A música como prática discursiva
ATIVIDADE
1. Experimente cantar uma canção que você conhece muito bem, da maneira
como habitualmente você faz. Agora, cante como se estivesse com raiva;
depois, como se estivesse feliz; em seguida, como se estivesse triste... Vá
variando os “estados de espírito” que você gostaria que fossem veiculados
por meio da canção e observe as mudanças expressivas em seu tom de voz,
nos gestos corporais, nos efeitos sonoros que você produziu com a boca
(lábios, língua, dentes). Registre, em um quadro, as mudanças expressivas
para veicular cada “estado de espírito” e compare esse resultado com o dos
seus colegas, no pólo.
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COMENTÁRIO
Repare que, inicialmente, você deve ter cantado a canção sem pensar
nela. Talvez, no máximo, tenha se preocupado com a afinação das
notas. Depois, com a intenção de cantar com raiva, ou feliz, você
foi dando expressividade ao canto, mudando a maneira de cantar,
valorizando cada aspecto da interpretação. Você deve, então, ter
percebido que podemos cantar/tocar de muitas maneiras diferentes.
Se o fizermos mais devagar, mais rápido, que efeitos conseguiremos
atingir? Esse tipo de reflexão nos faz ir além da materialidade
presente na canção.
Com essa experiência, você deve chegar ao que se apresenta como
discurso, ou seja, à veiculação de idéias/intenções por determinados
meios expressivos. Para tanto, devem ser agenciadas atitudes
expressivas que acolham as características já existentes na canção,
sem deixar de ampliar as suas possibilidades, trazendo novidades
ou aspectos de surpresa.
96 C E D E R J
MÓDULO 1
a. O que quero veicular por meio da produção sonora?
8
AULA
b. Para que (usos, finalidades) quero produzir sonoramente?
C E D E R J 97
Artes na Educação | A música como prática discursiva
98 C E D E R J
MÓDULO 1
e estalinhos. O 2º grupo (assobios, sibilos) apresentou uma variedade
8
impressionante de efeitos sonoros e debateu sobre quais deles é o mais
AULA
próximo da intenção pretendida pelo grupo (ficou decidido que a imitação
de pássaros, proposta por alguns, não seria adequada). O 3º grupo
(murmúrios, sussurros) pensou ser mais adequado trabalhar com expressões
sussurradas e faladas de maneira a parecerem murmúrios (“confusãããão”,
“injusssssstiiiiiiçaaa” etc.). Já o 4º grupo (chiados, guinchos) decidiu trazer
gravado, em uma fita, o chiado da televisão quando não está sintonizada
em um canal. O 5º grupo (percussão) optou por trazer a gravação de
sons graves do piano, resultado de CLUSTERS realizados no lado esquerdo CLUSTER
do teclado, e optou por fazer, ao vivo, a execução das batidas do bumbo Grupo de notas
próximas em sua
e o chacoalhar da caixa de sapatos com pedras. altura que soam
Por fim, o 6º grupo (vozes de seres vivos – animais e humanos) simultaneamente.
No teclado do piano
considerou que o conceito de violência, sintetizado na idéia de caos, podemos executar
clusters tocando com
é fundamentalmente humano, não existe entre os animais. Portanto, o punho, a palma ou
o antebraço.
apenas vozes humanas foram escolhidas para serem usadas na fala de
um slogan construído pelo grupo.
Como executá-los? Um roteiro para o trabalho expressivo foi sendo
construído. Nesse trabalho, não foi usado poema, notícia ou imagem de
jornal que representasse a idéia e servisse de orientação para a produção
do grupo, mas a idéia ficou registrada para uma próxima produção.
Depois da apresentação do material sonoro trazido por todos os
grupos, fez-se a crítica sobre os elementos expressivos mais adequados e que
deveriam ser usados (agógica, dinâmica, densidade) e iniciou-se o debate
sobre a construção do roteiro. O professor da turma exerceu o papel de
mediador e sistematizador das idéias surgidas, anotando no quadro de giz
esboços do roteiro.
Pela idéia que a síntese ou representação de violência veicula (caos
= desordem, oposto de ordem), ficou decidido que o contraste seria o
procedimento mais adequado para iniciar o trabalho. Assim, após novas
experimentações, análise crítica e debate, chegou-se ao roteiro a seguir.
Após silêncio de aproximadamente 15 segundos (elemento
expressivo de expectativa), entra a gravação do chiado da televisão
realizada pelo 4º grupo que permanece soando ao longo de todo o
trabalho. Após 45 segundos do início da reprodução da gravação
(elemento de redundância absoluta), entra o 1º grupo com fortes
estouros emitidos, durante 10 segundos, pelos estalinhos, bombinhas e
C E D E R J 99
Artes na Educação | A música como prática discursiva
100 C E D E R J
MÓDULO 1
Já o processo de ancoragem, próprio da produção de representações
8
sociais, diz respeito à classificação e à denominação do resultado da
AULA
produção musical. Não só o título que foi dado – “O Caos nosso de cada
dia” – mas, também, a concepção de que o resultado é música construída
pelo grupo. Afinal, nada do que foi feito distancia-se do processo de
produção de compositores de diversos gêneros musicais.
ATIVIDADE
COMENTÁRIO
Verifique que o seu trabalho será resultado do sentido que você dá à
violência. Portanto, não há como se pensar em “certo” ou “errado” em
uma produção antes de se verificar se os meios expressivos e a forma
estão coerentes com a intenção do autor. Não é, simplesmente, fazer
“qualquer coisa”, mas pensar na produção como um discurso pelo
qual divulgaremos nossas idéias por meios sonoros. E isso é, sem
dúvida alguma, fazer música!
CONCLUSÃO
C E D E R J 101
Artes na Educação | A música como prática discursiva
ATIVIDADE FINAL
Traduzir-se
Uma parte de mim
é todo mundo:
outra parte é ninguém:
fundo sem fundo.
Uma parte de mim
é multidão:
outra parte estranheza
e solidão.
RESPOSTA COMENTADA
Há uma maneira interessante de desenvolver esse trabalho com uma
turma: dividindo-a em grupos e, depois, cada grupo em dois subgrupos
para interpretar (ler de maneira expressiva) uma parte do poema. Veja
como: subgrupos A = “Uma parte de mim...”, subgrupos B = “outra
parte ...”. Ao final do trabalho, faz-se a performance dos grupos para
apreciação dos demais. Depois, pode ser proposta a produção de um
discurso musical a partir das idéias expressivas retiradas do poema.
Lembre-se de que, em todo trabalho de produção, deve ser
desenvolvida uma reflexão sobre os materiais, a expressividade e a
forma (SWANWICK, 2003).
Uma dica importante: a divisão da turma em grupos torna mais eficaz
o trabalho de produção. Não há necessidade de se trabalhar com o
“grupão” de quarenta estudantes!
102 C E D E R J
MÓDULO 1
8
RESUMO
AULA
Para a produção musical como prática discursiva, é importante levar em consideração
que: (1) todo o fenômeno sonoro é passível de ser utilizado no trabalho; (2) o
silêncio é mais do que ausência de som, é elemento expressivo por natureza; (3) na
performance, devem ser tomadas decisões quanto à agógica (andamento), dinâmica
(intensidade), densidade (agrupamento sonoro) etc.; (4) a constituição da forma do
discurso passa por estratégias de repetição, contraste ou variação.
C E D E R J 103
9
AULA
O processo de representação
da produção musical
Meta da aula
Partindo dos princípios desenvolvidos
por Emília Ferreiro para o processo de
ensino/aprendizagem da linguagem
escrita, apresentar uma proposta de
representação do discurso musical.
objetivo
106 C E D E R J
MÓDULO 1
representação. É essa interpretação desenvolvida no diálogo que cada um
9
de nós travamos com o(s) nosso(s) grupo(s) social(is) de referência (lembra-se
AULA
das nossas primeiras aulas?), que define o processo de representação como
construção de um novo objeto.
Lembremos que, para Vygotsky (apud SILVA, 1991, p. 18), tanto os rabiscos
como as brincadeiras de faz-de-conta e o desenho são vistos como “momentos
diferentes de um processo essencialmente unificado de desenvolvimento da
linguagem escrita”. Portanto, sendo consideradas as primeiras manifestações
gráficas como precursoras da escrita, elas devem ser integradas ao processo
formal de aprendizagem.
A ação pedagógica desenvolvida no âmbito desse ponto de vista sobre a
representação abandona o “adultocentrismo” e adota o ponto de vista de
quem aprende, do sujeito em desenvolvimento (FERREIRO, 1995). Nesse
sentido, o professor:
a. restitui “à língua escrita seu caráter de objeto social” (FERREIRO, 1999, p. 44),
ou seja, privilegia o uso funcional da língua escrita em diversos contextos;
b. aceita que “todos na escola podem produzir e interpretar escritas, cada qual
em seu nível”, uma vez que “a heterogeneidade de níveis transforma-se em
vantagem em vez de ser vista como um empecilho” (FERREIRO, 1999, p. 45);
c. converte a linguagem escrita em objeto de ação, e não de contemplação,
trabalhando-a no sentido de propiciar a sua transformação e recriação;
d. descobre, com os alunos, o que não conseguiu descobrir quando ele
mesmo era aluno.
Mas, se toda escrita é um conjunto de marcas intencionais, nem todo conjunto
de marcas é uma escrita, pois “as práticas sociais de interpretação é que as
transformam em objeto lingüísticos” (FERREIRO, 1998, p.164). A existência da
escrita como objeto simbólico é condicionada à presença do “interpretante”,
aquele que, no ato de ler/tocar/cantar/compor, transforma as marcas escritas
em linguagem, veiculando, expressivamente, intenções.
C E D E R J 107
Artes na Educação | O processo de representação da produção musical
ATIVIDADE
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RESPOSTA COMENTADA
Para assimilar um código, basta aprender a relação biunívoca existente
entre um símbolo ou sinal e o som. Já o processo de representação
pressupõe o trabalho de interpretação do material sonoro e sua
manifestação expressiva na elaboração de um novo objeto (a escrita,
um desenho, uma construção plástica e tridimensional, uma coreografia,
gestos expressivos etc.).
A alfabetização não é um estado ao qual se chega, mas um processo
cujo início é, na maioria dos casos, anterior à escola, e que não
termina ao finalizar as séries iniciais do Ensino Fundamental. No
processo de alfabetização, valoriza-se o trabalho de representação
nos mais variados contextos. A convivência com a representação
de todos os tipos de discursos, no nosso caso o musical, poderá
levar a criança a entender, mais facilmente, o simbolismo da
linguagem escrita. A partir da percepção das funções simbólicas da
representação do discurso, a criança passa a elaborar as da escrita.
108 C E D E R J
MÓDULO 1
UMA PROPOSTA DE REPRESENTAÇÃO DO PRODUTO
9
MUSICAL
AULA
Alfaya e Parejo (1987) apresentam a proposta do compositor
e pedagogo musical H. J. Koellreutter para a representação escrita do
produto musical. Para isso, Koellreutter utiliza a idéia de “plano”, o
espaço temporal no qual se compõe. Expliquemos melhor. O plano pode
ser considerado do ponto de vista mental e, então, diz respeito “ao
espaço de tempo a ser preenchido com alguma idéia sonora” (ALFAYA;
PAREJO, 1987, p. 100). Ou pode ser considerado do ponto de vista
material, visual e, nesse sentido, diz respeito ao espaço concreto para
a representação do discurso musical como uma folha de papel, por
exemplo. Veja o desenho de um plano:
C E D E R J 109
Artes na Educação | O processo de representação da produção musical
2 3 4
110 C E D E R J
MÓDULO 1
Convencionou-se falar que existe um movimento sonoro
9
ascendente quando se parte de um som grave e se passa para sons mais
AULA
agudos, e um movimento sonoro descendente quando se parte de um
som agudo e se passa a executar sons cada vez mais graves.
Koellreutter (apud ALFAYA; PAREJO, 1987) sugere que se divida
o plano em três níveis ou regiões, de acordo com a altura sonora: grave,
médio e agudo
_
_ = sons curtos ascendentes
C E D E R J 111
Artes na Educação | O processo de representação da produção musical
____ = um som
____
____ = dois sons simultâneos
ATIVIDADE
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112 C E D E R J
MÓDULO 1
9
RESPOSTA COMENTADA
AULA
A escrita representa um objeto e esta representação permite múltiplas
interpretações. Vemos que, no caso do discurso musical, a leitura, a
interpretação e a representação estão diferenciadas, ou seja, é possível
distinguir interpretações diferentes de uma mesma representação. No
entanto, aspectos materiais do discurso musical pedem coerência na
representação. Não é camisa de força, pois a interpretação dá a garantia
da entrada do sujeito no processo.
CONCLUSÃO
ATIVIDADE FINAL
“Era uma vez uma ilha...”. Esse é o início de uma pequena história que pode
ser construída coletivamente: cada integrante do grupo acrescenta uma parte
à história, de acordo com o que já foi apresentado pelos seus antecessores,
apresentando contrastes ou redundâncias (confirmação). Após esse trabalho,
sonorize a história, criando um discurso musical para ela (leve em consideração
os aspectos expressivos do discurso).
Depois da construção do discurso musical, faça a representação gráfica desse
resultado, utilizando os recursos mais adequados: desenho, sinais, material de
sucata, gestos etc., desde que sejam coerentes com os elementos componentes
do discurso.
C E D E R J 113
Artes na Educação | O processo de representação da produção musical
RESPOSTA COMENTADA
Todas as etapas da produção são interpretações, ou seja, são processos
de construção, por analogia, de novos objetos ou discursos a partir
da interpretação que se desenvolve de algo já existente. No caso da
atividade proposta, das idéias/experiências/imagens que se têm sobre
a vida em uma ilha, constrói-se uma história; os elementos da história
considerados mais significativos pelo grupo são interpretados no âmbito
do discurso musical. Podem surgir perguntas do tipo: “Que sons são
melhores para veicular nossa idéia de uma tempestade sobre a ilha?”,
“Como trabalhar, expressivamente, os sons?”, “Que organização/forma
final daremos a esses elementos?”. Os elementos expressivos e a forma
final do discurso musical, por sua vez, são representados em outro
âmbito, aquele dos recursos que mais bem sintetizam os seus aspectos
materiais e expressivos.
RESUMO
114 C E D E R J
Linguagem falada e
movimentos corporais:
10
AULA
recursos universais para a
produção musical
Metas da aula
Apresentar a linguagem falada e os movimentos
corporais como recursos para a produção musi-
cal em sala de aula, assim como critérios para a
avaliação final do trabalho a ser desenvolvido.
objetivo
INTRODUÇÃO A partir das últimas décadas do século XX, é grande a velocidade das transfor-
mações que a pedagogia musical moderna sofreu. Novos princípios incidem
sobre a ideologia da educação musical, novos objetos artísticos e musicais
são considerados como tais, novas técnicas e, sobretudo, novas atitudes es-
téticas e filosóficas diante do fato criativo passam a ser levados em conta. Os
conceitos de jogo e criatividade ampliam-se, e são abertos novos caminhos
para a expressão e a criação.
116 C E D E R J
10 MÓDULO 1
línguas faladas existentes singularizam-se pela musicalidade inerente a
cada uma delas. A acentuação tônica das palavras e das frases, a pro-
AULA
núncia, a cadência dos diversos linguajares, dialetos ou regionalismos
constituem rico material para o desdobramento de produções musicais
em sala de aula. Também nos jogos populares encontramos significativa
presença de fala ritmada e de movimentos corporais. Vejamos alguns
exemplos:
– fórmulas de escolha: u-ni-du-ni-tê; zé-ri-nh’ou-um; par-
ímpar-um-do-lá-si-já;
– jogos de salão: jogos de mão: eu-co’as- qua-tro; o trem
maluco;
– jogos de competição: piques; jogo de elástico;
– jogos musicados: brinquedos de roda;
– jogos gráficos: amarelinha, caracol.
ATIVIDADE
C E D E R J 117
Artes na Educação | Linguagem falada e movimentos corporais: recursos universais
para a produção musical
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RESPOSTA COMENTADA
A descrição minunciosa de jogos e brincadeiras infantis pode rever-
ter-se em repertório de recursos para o desenvolvimento de práticas
pedagógicas com música, tal como estamos defendendo em nos-
sas aulas. O repertório de jogos constitui material importante para
o desenvolvimento de práticas pedagógicas em música devido à
forte ligação afetiva que oferecem (quem participou das atividades
quando criança guarda as recordações) e pela possibilidade de
desenvolvimento dos aspectos motores e rítmicos, sem abrir mão
da ludicidade necessária para o desenvolvimento das crianças.
Orff toma como base de seu método para ensinar música os ritmos
da linguagem. A palavra representa para Orff a célula geradora do ritmo.
Expressão e ritmo são inseparáveis: o aluno que recita as rimas e os re-
frões deve sentir toda a riqueza rítmica, dinâmica e expressiva sugerida
pelas inflexões naturais e os acentos do idioma. O ritmo que nasceu da
linguagem e que, lenta e progressivamente, se vai musicalizando é logo
transmitido ao corpo. O corpo, para Orff, é instrumento de percussão
capaz de produzir as mais variadas combinações de timbres.
Do mesmo modo que o ritmo das palavras é transmitido ao corpo,
pode ser transmitido também a instrumentos musicais, convencionais
ou construídos pelos alunos. Fecha-se, assim, para o pedagogo alemão,
o ciclo de ensino-aprendizagem em música.
A tríade que serve de base para o desenvolvimento da proposta
de Orff é, portanto, MOVIMENTO ↔ PALAVRA ↔ SOM. Música só
existe quando é cantada, tocada ou dançada.
Os geradores da experiência musical são, para Orff, uma canção,
um texto, um elemento da natureza, uma coreografia, um conto, uma
118 C E D E R J
10 MÓDULO 1
palavra (rimas, jogo de palavras soltas, versos, provérbios, onomato-
péias), uma notícia de jornal lida expressivamente etc.
AULA
O professor deve atentar para a qualidade da elaboração coletiva,
pois os alunos são estimulados a criar a própria música, que serve ao
trabalho corporal e à sua execução instrumental.
Podemos apontar as seguintes etapas para o desenvolvimento
de produções musicais a partir da linguagem falada e dos movimentos
corporais: parte-se de uma palavra; procura-se o seu acento tônico, ou
seja, o ritmo próprio, natural, da pronúncia; numa fase posterior, es-
colhe-se uma frase que o professor diz de forma monocórdica, a fim de
que seja o próprio aluno a redescobrir a acentuação que lhe é própria.
Uma vez adaptado o ritmo que mais valoriza o texto (parlendas, refrões,
provérbios, adivinhanças), procura-se sublinhá-lo com instrumentos de
percussão e/ou com sons corporais (estalos de dedos, palmas etc.) e vozes
acrescentando-se uma melodia.
A seguir, apresentamos alguns exemplos:
C E D E R J 119
Artes na Educação | Linguagem falada e movimentos corporais: recursos universais
para a produção musical
120 C E D E R J
10 MÓDULO 1
ATIVIDADE
AULA
2. Construa uma proposta de produção musical, seguindo as etapas apresen-
tadas nesta aula, a partir do seguinte slogan: “Globo e você, tudo a ver.”
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COMENTÁRIO
Um sentido de crítica ou confirmação do slogan pode ser dado pela
expressividade empregada na produção musical. Os movimentos
corporais servem de apoio e explicitação de alguns elementos expres-
sivos da fala, acontecendo uma implicação muito intensa entre os
dois elementos. O terceiro elemento da produção – a melodia – é
decorrente dessa conjugação fala-movimento corporal.
Um lembrete: os instrumentos que podem ser utilizados no tra-
balho não são, necessariamente, instrumentos convencionais. O
abrir e fechar do zíper do estojo, o lápis sendo esfregado na pasta
de poliondas, o abrir do velcro da mochila – todas essas e outras
ações remetem a sons que servem como coadjuvantes dos sons
corporais nesse trabalho.
C E D E R J 121
Artes na Educação | Linguagem falada e movimentos corporais: recursos universais
para a produção musical
CONCLUSÃO
122 C E D E R J
10 MÓDULO 1
ATIVIDADE FINAL
AULA
Faça a análise crítica da proposta desenvolvida neste módulo, apresentando a sua
proposta para trabalhar com música na escola.
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RESPOSTA COMENTADA
Pensamos que, por meio do caminho proposto neste módulo, você
poderá fazer com que seu futuro aluno encontre, por si próprio, pos-
sibilidades de desenvolver práticas de produção de música, antes de
desenvolver a habilidade de executá-la. A produção musical, como
produção de conhecimento do grupo constituído pelos estudantes e
pelo professor, assim como o é a representação social, é aqui proposta
como cerne norteador do trabalho com música na escola.
RESUMO
Carl Orff apresentou uma proposta que permanece válida ainda hoje, inclusive para
o trabalho com música na escola desenvolvido por alunos e professores das séries
iniciais do Ensino Fundamental: o valor rítmico e expressivo da linguagem cotidiana
falada e dos movimentos corporais, e sua relação com a linguagem musical.
Para avaliar o resultado da produção musical, deve-se levar em consideração
a autonomia com que os alunos estão atuando nas tarefas e se, de fato, estão
voltados para a concretização de uma intenção.
C E D E R J 123
Aula 8
Aula 9
ALFAYA, Mônica; PAREJO, Enny. Musicalizar: uma proposta para vivência dos elementos
musicais. São Paulo: MUSIMED, 1987.
FERREIRO, Emília. Reflexões sobre alfabetização. 24. ed. atual. São Paulo: Cortez,
1995.
Aula 10
GAINZA, Violeta Hemsy. Oito estudos de psicopedagogia musical. São Paulo: Summus,
1988.
130 CEDERJ
Artes na Educação Volume 2
INTRODUÇÃO Ouça... Preste atenção ao som de três sinais. Talvez ao canto de um pássaro,
ao apito de um navio, à buzina de um carro, ao repicar de um sino ou, ainda,
quem sabe, ao mugido de uma vaca, ou ao coaxar de um sapo. Solte a sua
imaginação. Vamos dar início ao estudo do teatro.
Molière, renomado ator e autor francês de comédias do século XVII, com o
objetivo de silenciar o público muito barulhento da época, criou três pancadas
ou sinais para avisar que o espetáculo teria início. Este costume virou moda e
até hoje é utilizado.
Um pouco de história
Meu nome é Jean-Baptiste Poquelin, mas sou conhecido como
Molière (1622-1673). Adotei esse pseudônimo, provavelmente,
para não causar constrangimento ao meu pai e poupá-lo
do embaraço de ter um ator na família. Imagine, meu pai,
próspero tapeceiro da corte, solicitado pelas mais nobres damas
e cavalheiros, ter em casa um filho ator!!! Ser ator, naquela
época, era sinônimo de ser boêmio, vadio e outros títulos mais.
Apesar do preconceito, consegui tornar-me um prestigiado
homem de teatro, produtor, ator e autor de comédias, que
foram aplaudidas por toda a França.
Iniciei minha carreira teatral aos 21 anos, integrando a
companhia L’Illustre Théâtre, sediada, primeiramente, em Paris
e, depois, percorrendo em excursão as províncias.
Por volta de doze anos, nossa companhia viajou de um lado a outro e, assim, converteu-
se no mais perfeito grupo de comediantes do reino.
Então, partimos de volta para os arredores de Paris. Em outubro de
1658, apresentamo-nos, finalmente, diante do rei Luís XIV e sua corte.
A representação? Uma tragédia de Corneille. Um fiasco!!! Antes, porém, de estar tudo
perdido, pedi permissão ao rei para encenar uma pequena farsa: O Doutor Enamorado.
O favor foi concedido. A alegria tomou conta do salão e o rei morreu de rir. Foi um dia
glorioso; recebi muitos aplausos e obtive o reconhecimento do rei.
Minhas comédias satirizavam a sociedade francesa, os valores e costumes da época,
mostrando, ao mesmo tempo, um profundo conhecimento da natureza humana. Escrevi,
ao todo, 30 comédias. Dentre elas, destacam-se As preciosas ridículas, O misantropo, O
avarento, Tartufo, e O doente imaginário. Sugiro que você leia algumas delas para nos
conhecermos melhor.
!
SINAL VERMELHO!!! NÃO AVANCE NA LEITURA. EXPERIMENTE!!!
8 CEDERJ
Agora, tome consciência do seu corpo. Onde você está? Como
11
você se encontra? Sentado, em pé ou deitado? Perceba o estado do
AULA
seu corpo. Seu corpo está atento, com vigor, ou está sem energia,
sem vontade, entregue à força da gravidade? Como está à sua coluna
vertebral? Procure alongá-la. Desperte o seu olhar para o que está à sua
volta e perceba o ambiente ao redor, observando os objetos, as formas,
as relações de distância entre eles, os volumes, as cores, a temperatura,
a luminosidade, os sons, as pessoas, os gestos e os movimentos de cada
uma delas. Somente observe. Não faça nenhum tipo de julgamento, não
critique, apenas contemple...
Você conseguiu deixar-se envolver pelas instruções sugeridas? Qual
foi o seu grau de credibilidade nos comandos propostos? Você resistiu
ou se permitiu experimentar?
O ensino-aprendizagem do teatro passa, primeiramente, pela
vivência das sugestões indicadas. Para que isso ocorra de forma efetiva,
é necessário criar um estado de disponibilidade, ou seja, de abertura
interior, para jogar, brincar, sorrir, imaginar e sentir prazer. Convido
você, então, a iniciar o curso com essa postura de ousadia. Assuma uma
atitude lúdica diante dele, explore e experimente as sugestões dadas.
Entre comigo nessa aventura teatral.
CEDERJ 9
Artes na Educação | Teatro é jogo
Curiosidade
o verbo saber, nas acepções mais antigas, indica “ter o sabor de” ou “agradar ao
paladar”. Assim, segundo Duarte (1999, p.14), “o saber carrega um sabor, fala aos
sentidos, agrada o corpo, integrando-se como um alimento à nossa existência.
Por este viés, o sábio se distingue do especialista, esse detentor de conhecimentos
parcializados que, na quase totalidade das vezes, não se conectam às ações de seu
próprio dia-a-dia”.
10 CEDERJ
Por isso, um dos pré-requisitos básicos do “fazer e apreciar” teatral
11
é aguçar e nutrir os sentidos. Como isso pode ser feito? Recorrendo, por
AULA
exemplo, a atividades sensoriais como a auto-observação do corpo, seus
sentimentos, pensamentos e emoções ou à contemplação da Natureza,
das ações e das imagens cotidianas. Portanto, fique atento às impressões
presentes na sua rotina diária ou, ainda, existentes na memória de suas
emoções: o cheiro da chuva, o aroma de café coado, a luminosidade de
um dia de sol ou de um dia nublado, o perfume das flores, o florescer
das árvores, o gosto de uma fruta comida ao pé da árvore, os sons que
atravessam o seu dia, os gestos desenhados por uma pessoa, a maneira
como alguém se movimenta. Desperte para tudo aquilo que estimula
os seus cinco sentidos: tato, audição, paladar, visão e olfato. Como
diz Duarte, “aquilo que é imediatamente acessível a nós, através dos
órgãos dos sentidos, já carrega em si uma organização, um significado,
um sentido”. Este saber sensível, vivenciado primeiramente pelo corpo,
é característico do jogo teatral, como veremos adiante.
Com essa proposta, gostaria de sugerir a você a criação de um
portifólio, ou seja, um diário de bordo, no qual possa fazer anotações,
desenhos e colagens de suas experiências teatrais. Como as experiências
teatrais são efêmeras, acontecem no momento presente, o portfolio
constitui-se numa forma de registro, “protocolo”, a que você poderá
recorrer, caso queira se lembrar ou rever o seu processo de aprendizagem
em teatro e, ainda, servirá de instrumento de avaliação que você,
oportunamente, poderá mostrar ao seu tutor.
ATIVIDADE
CEDERJ 11
Artes na Educação | Teatro é jogo
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b. Agora, procure dar um uso cotidiano a esse objeto. Se for uma chave,
você poderá abrir uma porta real ou imaginária com ela. Em seguida,
procure dar a essa chave um uso inusitado. Ela poderá ser transformada,
por meio de sua ação, em um detector de tesouros. Você, como um
pirata destemido, começará a explorar o ambiente, procurando encontrar
o tesouro. Certamente, enfrentará muitas dificuldades nesta aventura.
A mesa à frente se transformará na entrada de uma caverna perigosa.
A cortina balançando na janela passará a ser a vela de um navio pirata se
aproximando-se. A partir daí, toda uma realidade cênica poderá ser criada.
Repita o exercício e experimente outros objetos. Deixe o livro de lado e
comece o jogo.
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c. Agora, faça um registro escrito ou um desenho dessa experiência. O
que ela lhe trouxe de novo? Que descobertas lhe foram possíveis? Você
acreditou em suas ações? Que realidade cênica você criou? O que você
aprendeu sobre o fazer teatral a partir desta atividade?
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COMENTÁRIO
O ritmo imposto pela vida contemporânea acaba inibindo e
anestesiando os nossos sentidos. Estamos cada vez mais afastados
da Natureza, dos seus ritmos e elementos. Na cidade, principalmente
nos grandes centros urbanos, o tempo a partir do qual vivemos
é artificial, marcado pelos ponteiros do relógio e pela correria
desenfreada. As paisagens que percorremos no nosso dia-a-dia se
afiguram monótonas, desbotadas, diante de nosso olhar mecânico
e condicionado. A poluição retira das ruas o aroma peculiar de cada
lar. O barulho ensurdecedor silencia a nossa audição. Diante de tal
crise dos sentidos, é indispensável educar nossa sensibilidade para
reaprender a olhar, ouvir, tocar e sentir.
Nesse aspecto, o teatro e a arte em geral têm papel importante na
reeducação dos sentidos e no desenvolvimento de nossa capacidade
de dar significação ao mundo e à vida. O teatro torna isso possível ao
estimular uma atitude ativa, participativa e criativa do aluno diante do
12 CEDERJ
11
mundo! Exercitando constantemente os sentidos, deixamos de atuar
AULA
meramente como robôs, como seres mecânicos, reprodutores de
valores destituídos de sentido e comportamentos estereotipados. Toda
e qualquer ação, pensamento e sentimento nascem fundados na
experiência sensível, surgem a partir do nosso corpo, num movimento
vindo de dentro para fora, e não a partir do que nos é imposto.
Além de refinar a percepção estética, podemos observar, a partir de
um simples exercício, como o proposto nessa atividade, um outro
aspecto importante do ensino-aprendizagem do teatro. A qualidade
da imaginação no teatro é diferente. Ela é “imagem em ação”. Por
meio da ação, do uso ativo do corpo no espaço, objetos e lugares
ganham uma nova dimensão, diferente daquela manifestada pela
vida real, criando-se, a partir daí, todo um universo ficcional, que
será chamado de realidade cênica.
Gostaria de chamar a atenção para outro aspecto importante dos jogos
com os sentidos. O aluno é preparado, progressivamente, não apenas
para fazer teatro, mas, também, para apreciar a obra teatral produzida
por uma outra pessoa à medida que o seu saber sensível é estimulado.
Este ponto será abordado com mais detalhes em outra aula.
Não se esqueça: esta é uma atividade para você experimentar.
Largue o livro por um momento e entre em ação. Não fique preso aos
resultados. Não julgue a sua experiência partindo da premissa de que
isso é certo ou errado, de que deveria ser assim ou assado, de que isso
é bom ou ruim, belo ou feio, pois esse tipo de julgamento não cabe
aqui. O jogo requer uma atitude dinâmica, criativa e transformadora.
Racionalizar a experiência inibe a criatividade e o prazer.
O importante é que você se abra internamente para a experiência
sensível do mundo. Eu sei que não é um exercício tão simples assim,
pois estamos acostumados a agir mecanicamente, mas vale a pena
tentar, porque, desse modo, a vida fica mais rica em poesia. Aos poucos,
durante o curso, você estará sendo estimulado neste sentido.
Recorra, constantemente, ao seu portfolio para registrar suas
impressões. Nele, você poderá colar um elemento da Natureza que lhe
despertou interesse num determinado dia, descrever suas sensações,
emoções e descobertas em torno de determinada experiência, fazer
um desenho daquilo que lhe foi significativo durante o jogo teatral e
até mesmo anotar uma dificuldade que queira solucionar.
Diante do que foi exposto, sugiro que você invente um novo jogo
com o objetivo de nutrir a percepção sensível do seu aluno. Aplique,
depois, na escola ou num grupo de amigos. Perceba o prazer e a
alegria que essas atividades despertam e lembre-se de anotar no
portfolio suas impressões a respeito desse jogo.
CEDERJ 13
Artes na Educação | Teatro é jogo
ATIVIDADE
14 CEDERJ
11
RESPOSTA COMENTADA
AULA
Essa atividade traz uma sugestão que considero importante no curso.
Quando você relaciona uma reflexão teórica à prática pessoal ou à
observação das práticas escolares, adquire uma postura ativa e crítica
diante da questão proposta e da educação atual. A partir dessa leitura,
você poderá traçar novas estratégias, assumindo, diante da prática
escolar e do conhecimento, uma atitude de pesquisa, questionamento
e reavaliação constante. Essa maneira de refletir facilita, também, a
assimilação e apropriação do saber aqui proposto.
Na aula de teatro, conteúdos teóricos não devem ser priorizados em
detrimento do aprendizado sensível, do estar em jogo. A história do
teatro, certamente, é um conteúdo teórico importante.
Através do seu estudo, compreendemos as diversas manifestações
teatrais, ao longo da história, o sentimento e o pensamento humano
de diferentes épocas e culturas, seus distintos valores e modos de
vida. No entanto, este aprendizado deve vir acompanhado de
um saber vivo, dinâmico, integrado ao jogo e, ainda, estabelecer
relação direta com a atualidade e os modos de ser contemporâneos.
Da mesma forma, o objetivo principal da aula de teatro não deve
estar na apresentação do “teatrinho”, que aprisiona os alunos em
textos decorados e personagens estereotipados. Neste tipo de teatro,
os corpos dos alunos se apresentam rígidos, tensos, sem nenhuma
espontaneidade e expressividade. Ao contrário desses exemplos, toda
e qualquer atividade teatral deve estar permeada pela atitude e pelo
espírito do jogo, fundamento básico do teatro contemporâneo. É, pois,
na atitude de jogo que se encontram a beleza e a expressividade da
cena teatral e o seu princípio estético.
CEDERJ 15
Artes na Educação | Teatro é jogo
16 CEDERJ
Jogo é, portanto, uma experiência sensível, orgânica, que ocorre na
11
esfera do corpo e não na esfera racional, puramente cognitiva. Nenhum
AULA
jogador de futebol interrompe o jogo quando está com a bola no pé e
começa a pensar nas possíveis soluções e jogadas que poderia tomar.
Caso ficasse pensando, raciocinando, perderia a bola para outro jogador.
A escolha é feita a partir da ação, do “saber sensível”, intuitivo, que o corpo
já possui e que será reinventado no momento do próprio jogo. Ele está
totalmente absorvido no que está fazendo. Neste caso, a atenção do jogador
está voltada para o momento presente, para o aqui e agora da ação.
Todo jogo tem, também, uma duração, um início e um fim, ocorrendo
num intervalo de tempo definido. Esta é mais uma característica estética do
jogo: sua duração é efêmera assim como a própria vida.
No jogo teatral, o desafio se apresenta como um problema cênico a
ser resolvido. O aluno-jogador persegue este desafio durante todo o jogo.
Ao mesmo tempo que joga, aprende habilidades teatrais e cria uma forma
expressiva a ser comunicada à platéia que assiste a ele.
!
Durante o jogo, o jogador está focado na solução do problema, que no dizer de
Viola Spolin (1982), arte-educadora norte-americana, recebe o nome de foco de
atenção ou ponto de concentração. O ponto de concentração auxilia o aluno a se
manter concentrado no que ocorre na esfera do jogo. Isto o auxilia a ultrapassar
o sentimento de desconforto inicial provocado pelo fato de estar diante de uma
platéia e a agir de maneira espontânea em cena.
CEDERJ 17
Artes na Educação | Teatro é jogo
outro. Quando um time joga a bola fora do campo, a bola retorna para o
time adversário; mão na bola é falta; pênalti é falta dentro da área, e assim
por diante. As regras precisam ser seguidas para que o jogo ocorra.
Da mesma maneira, o jogo teatral obedece a certas regras indicadas
pelo professor, pelo diretor ou, ainda, poderão ser criadas pelos próprios
jogadores a partir de uma proposta de trabalho coletivo. As regras são as
mais diversas e sua criação dependerá do problema cênico ou de atuação
indicado pelo professor. Por exemplo, podemos dividir a turma em grupos,
destinando a cada equipe um número certo de jogadores. A comunicação
só poderá ocorrer por meio da linguagem não-verbal, ou seja, nenhuma
palavra poderá ser proferida durante o jogo. A ação deverá ser criada no
espaço vazio, sem auxílio de nenhum objeto. As premissas dependem de
cada jogo e do objetivo cênico que o professor quer trabalhar. É importante
lembrar, entretanto, que, no jogo teatral, apesar de as regras serem fixas,
podem estar, constantemente, sendo reinventadas, criando-se novos
elementos expressivos e novas formas de comunicação com a platéia.
Além disso, como nos esclarece Huizinga (1996), ao obedecer a
certas regras, “o jogo é ordem e cria ordem”, querendo isto dizer que, ao
ser regrado, o jogo confere uma forma expressiva e estética a tudo aquilo
que está sendo criado. O jogo tem uma estrutura significante, através
da qual o homem atribui sentido e significado ao mundo. Ao organizar
formas expressivas, o jogo manifesta certos princípios estéticos, tais
como: beleza, harmonia, ritmo, cadência, continuidade, ruptura etc.
Vocês já repararam? Podemos apreciar o jogo de futebol como se
fosse um jogo de corpos, um balé humano em que a bola é a protagonista.
No jogo há ritmo, suspense, ruptura. Formas são desenhadas no espaço
por meio do deslocamento dos jogadores. Existe uma beleza plástica e
cênica no jogo de futebol, nas jogadas precisas e inusitadas dos jogadores,
não há como negar.
Você ainda está com fôlego? Faça uma pausa. Respire um pouco,
relaxe o corpo, alongue os braços para cima, inspirando. Agora, retorne
os braços para baixo, expirando. Repita esses movimentos e, em seguida,
inspire levantando os braços. Agora, procure alongá-los ao máximo, para
cima, como se fosse colher uma maçã na árvore e, num impulso só, dobre
o tronco para baixo como se fosse colocar a maçã dentro de um cesto de
palha aos seus pés. Solte os braços. Dobre um pouco o joelho ao abaixar
o tronco. Alongue as pernas e permaneça com o tronco dobrado para
18 CEDERJ
baixo. Relaxe os ombros e a cabeça nesta posição. Solte o peso do seu
11
tronco e de sua cabeça para baixo, relaxando todo o seu corpo. Perceba
AULA
a sua respiração. Volte, desenrolando a coluna, como se fosse uma cobra.
A cabeça é a última a voltar. Torne o seu corpo consciente, ativo. Então,
vamos adiante, ainda temos alguns aspectos interessantes a abordar.
CEDERJ 19
Artes na Educação | Teatro é jogo
20 CEDERJ
Por último, o jogo tem, também, um caráter desinteressado.
11
Ele tem um fim em si mesmo, ou seja, uma estrutura autônoma. Não
AULA
jogamos para adquirir algo, cumprir uma tarefa ou aprender um
conteúdo específico. O jogo, segundo Huizinga, não tem uma dimensão
prática. Essa função objetiva da ação lúdica pode ser entendida como
um aspecto secundário do jogo, como uma estratégia humana, porém
não faz parte da natureza do jogo em si. Não podemos defini-lo segundo
este princípio, pois ele foge a qualquer conceituação. Jogamos por jogar,
exatamente porque o jogo desperta em nós a alegria e o divertimento,
porque é uma forma de celebração da vida, da força e da energia humana
de transformação. O jogo aproxima-se, portanto, da experiência estética
que é desinteressada, voluntária e livre.
Para qualquer jogo existir, as qualidades estéticas mencionadas
devem estar presentes. Somente por meio delas podemos compreender
o jogo e presenciar o seu desenrolar. São estas qualidades que atribuem
ao jogo teatral e ao jogo de futebol o seu caráter estético e sensível.
No teatro, essa experiência é imprescindível. O fazer e o apreciar
teatral se fundam na experiência do prazer estético, e é por meio dele
que o aluno amplia sua capacidade de sentir, tornando-se consciente do
seu potencial de realização e transformação do mundo e da vida.
ATIVIDADE
CEDERJ 21
Artes na Educação | Teatro é jogo
RESPOSTA COMENTADA
Ao reconhecer no jogo uma realidade autônoma, independente,
distinta de qualquer outra atividade da “vida comum”, Huizinga (1996)
aproxima o jogo do domínio da estética, esclarecendo que este resiste
a qualquer análise racional, podendo ser descrito apenas pelo estudo
de suas características formais. Dentre elas, destaca a intensidade, a
tensão ou a incerteza, o prazer, a alegria, o divertimento, a atividade
voluntária, o caráter desinteressado, a delimitação do jogo em limites
de tempo e espaço, a criação de uma realidade cênica diferente da
vida habitual, o caráter fictício ou representativo e a sujeição do jogo
a uma certa ordem ou a certas regras.
Na escola, a beleza do jogo teatral encontra-se diretamente
relacionada a essas características formais. A observância desses
princípios em sala de aula garantem ao jogo teatral sua autenticidade,
seu caráter vivo e orgânico. Caso contrário, os exercícios teatrais
propostos pelo professor não disporão de nenhum significado lúdico,
servindo apenas como recurso para o aprendizado de habilidades ou
a fixação de conteúdos e hábitos. A partir de uma abordagem lúdica,
reasseguramos, ao mesmo tempo, dentro da escola, uma relação
pedagógica significativa tanto para o aluno quanto para o professor,
transformando o ato de ensinar e de aprender teatro um processo
de criação. Trata-se, portanto, de identificar, durante a realização do
jogo teatral na escola, a presença dessas qualidades e verificar o
seu significado para a criação e a leitura da teatralidade.
CONCLUSÃO
22 CEDERJ
Vá se familiarizando, também, com o vocabulário da linguagem
11
teatral. Escreva esses termos, em seu portifólio, e procure definir os
AULA
seus significados. Tenha tranqüilidade. Talvez você esteja entrando em
contato com um universo completamente diferente. Vá com calma, sem
ansiedade, porque a ansiedade dificulta o sentir. Reflita, pense, reinvente
e desdobre o saber que você vem adquirindo neste curso, procurando
relacioná-lo a situações que ocorreram ou que ocorrem em sua vida
diária e em sua prática escolar.
ATIVIDADE FINAL
CEDERJ 23
Artes na Educação | Teatro é jogo
RESPOSTA COMENTADA
Jogos infantis é um quadro de Peter Brueghel (1525-1569), datado de
1560. Nesse quadro, Brueghel, pintor flamengo, fornece um painel dos
múltiplos jogos realizados em sua época, mostrando o caráter universal
da brincadeira infantil. São cerca de 80 jogos populares; alguns deles,
contudo, já desapareceram, mas muitos chegaram até nós, sendo
transmitidos oralmente de geração a geração.
Você gostou de apreciar o quadro? Quantas brincadeiras enumerou?
Certamente, você já se divertiu com muitas delas. Vamos rever juntos
alguns dos jogos conhecidos ainda hoje: pula-carniça, pegador,
amarelinha, três Marias, perna-de-pau, “Maria Cadeira”, cabra-cega,
jogo-de-guerra, cavalinho-de-pau, pião, siga o chefe, trenzinho,
cambalhota, equilibrando o cabo da vassoura, esconde-esconde etc.
Você notou que o teatro está, também, representado no quadro pela
presença de pequenas dramatizações? Observe, ao centro, uma cena
de casamento e, à esquerda, próxima ao edifício, uma cena de batismo
– uma fila de crianças e o chefe, à frente, levando nos braços um bebê
de pano. No segundo andar do mesmo prédio, você poderá observar,
ainda, uma criança brincando com uma máscara na janela.
As brincadeiras infantis são uma fonte rica para o aprendizado do
teatro. Em conseqüência dos novos modos de vida contemporâneos, a
criança perde cada vez mais espaço para o lúdico. Que criança brinca,
atualmente, na rua como antigamente? Como andam os parques
infantis? Cercados, gradeados. É preciso recuperar a cultura dos jogos
infantis e populares: as canções, regras e movimentos gestuais. É preciso
trazer à memória os jogos de infância, ensiná-los aos alunos. Pode-se,
ainda, transformá-los em motivo cênico ou em jogos teatrais.
Como podemos fazer isto, a partir do jogo da cabra-cega?
Vamos seguir a trilha percorrida por outros mestres brasileiros em relação
à teatralização dos jogos tradicionais infantis, como as professoras Ingrid
Dormien Koudela e Maria Lúcia de Souza Barros Pupo, ambas da
Universidade de São Paulo e, mais recentemente, do professor Ricardo
Japiassu, da Universidade do Estado da Bahia, que desenvolve no livro
Metodologia do ensino do teatro uma proposta didática e um guia de
jogos teatrais para as séries iniciais do Ensino Fundamental.
Podemos transformar o jogo tradicional infantil em jogo teatral,
primeiramente, introduzindo a platéia. Para isso, é necessário dividir a
turma em duas equipes. Uma irá jogar e outra irá somente observar.
Durante a aula, as duas equipes se alteram, trocando-se, desta forma,
os papéis. Conseqüentemente, é preciso delimitar a área de jogo ou o
círculo mágico do teatro.
Pode-se acrescentar, também, a sugestão de uma nova regra. Os
jogadores, incluindo o cabra-cega, terão de agir como se fossem ratos
famintos, cobras gordas, tartarugas apressadas ou, ainda, pessoas velhas,
ou alguém que esteja apertado para ir ao banheiro, e assim por diante.
24 CEDERJ
As sugestões podem ser anunciadas e alternadas pelo próprio professor,
11
durante o jogo. Poderão, também, ser propostas pelo jogador cabra-cega.
AULA
Quando o cabra-cega pegar alguém, proporá um novo papel, em voz
alta, e o jogo recomeçará.
A outra equipe de alunos, a platéia, terá a função de observar se os
jogadores estão mantendo a atenção no problema proposto. Como
nos aconselha Viola Spolin (1982), verificar se o ponto de concentração
está sendo mantido, ou seja, se o desafio permanece presente.
Ao final do jogo, durante a avaliação, o professor poderá perguntar
à platéia: “Os jogadores agiram a partir dos papéis propostos? A expressão
do corpo se modificou? Que sons surgiram? Estes sons auxiliaram
a comunicação? É complicado agir de acordo com um determinado papel
e ter de manter as regras da cabra-cega? Por quê?” (JAPIASSU, 2001).
A avaliação do jogo é feita de forma objetiva, em torno de critérios
definidos, relacionados ao teatro e à sua expressão. Durante a avaliação,
não é recomendável a utilização de críticas ou julgamentos de aprovação
ou desaprovação, pois, como nos recomenda Spolin (1982, p. 8), “(...)
a verdadeira liberdade pessoal e a auto-expressão só podem florescer
numa atmosfera onde as atitudes permitam a igualdade entre o aluno e
o professor”. Em momento, oportuno, falaremos mais sobre esse ponto.
Cabra-Cega está diretamente relacionada ao saber sensível necessário ao
fazer e apreciar teatro. Os olhos fechados aguçam a percepção estética.
O jogador fica mais atento à audição, ao tato, aos cheiros, a toda atmosfera
de sons, ruídos, toques, aromas que lhe chegam durante a brincadeira.
No quadro de Brueghel, Jogos infantis, você poderá perceber que o espaço
ganha dinamismo e plasticidade pelo movimento dos corpos das crianças
que brincam e pela distribuição dos pequenos agrupamentos. Observe
como o espaço está quase todo ocupado. A rua está em festa, repleta de
gente, sendo, portanto, local de encontro e alegria.
Assim como nas artes plásticas a pintura ganha dimensão pela exploração
dos diversos elementos expressivos que compõem a sua linguagem, a
teatralidade, ou seja, a expressividade, no teatro, é esculpida pela expressão
dos corpos, cores, sons, roupas, texto, luzes, objetos e movimentos no
espaço. No teatro, porém, o espaço cênico não é o espaço bidimensional
da tela, mas o espaço físico tridimensional da ação lúdica.
Então, para transformar, de forma mais clara, o jogo infantil em jogo teatral,
na sala de aula, é interessante seguir as sugestões propostas, como, por
exemplo, dividir a turma em duas equipes: jogador e espectador e introduzir
situações dramáticas ou imaginárias, enriquecendo assim mais o jogo.
O professor tem total liberdade para reinventar os jogos, para criar novas
regras. Não perca, portanto, o objetivo da aula: o ensino do teatro e seus
processos criativos.
CEDERJ 25
Artes na Educação | Teatro é jogo
RESUMO
O saber teatral é de natureza sensível. O ensino do teatro não pode ocorrer apenas
no nível teórico. Devem-se experimentar as sugestões propostas. Só assim você
poderá incorporar tal saber: “Incorporar significa precisamente trazer ao corpo,
fundir-se nele: o saber constitui parte integrante de quem o possui, torna-se uma
qualidade sua” (DUARTE, 2001, p. 14). No mundo contemporâneo, as atividades
humanas tornam-se cada vez mais mecânicas. Cabem à Educação e à Arte estimular
o saber sensível, nutrindo os sentidos, refinando a percepção estética.
O teatro tem uma natureza lúdica que se aproxima do domínio da Estética e,
portanto, resulta num saber sensível, direcionado para o sentir. Teatro é jogo.
O jogo teatral é o fundamento básico do teatro contemporâneo, tornando-se,
desse modo, expressão de uma experiência humana viva e significativa. Pode ser
reconhecido por suas qualidades estéticas, como a ordem, a harmonia, o ritmo
e a beleza provenientes de determinadas regras. O jogo teatral ainda ocorre
dentro de um intervalo de tempo e espaço definidos. A ação lúdica no teatro
está diretamente direcionada a uma platéia. Ele tem um caráter desinteressado
e voluntário, além de despertar prazer, alegria e tensão, definidas por Huizinga
como características formais ou estéticas.
Além disso, o jogo teatral é a expressão de uma realidade cênica, ficcional, um
universo simbólico rico em metáforas e poesia.
Para ser dito em tom de suspense... Não perca! Não perca a próxima cena
desta aventura teatral: “Teatro é linguagem”. Nela, você e eu iremos descobrir
juntos os segredos da linguagem teatral, sua importância para o pensamento
contemporâneo do teatro na Educação e, ainda, conhecer os elementos expressivos
desta linguagem. Aproveite as dicas e sugestões e até a próxima aula.
26 CEDERJ
LEITURAS RECOMENDADAS
11
AULA
JAPIASSU, Ricardo. Metodologia do ensino do teatro. Campinas,SP: Papirus, 2001.
Esse livro faz um apanhado das principais abordagens pedagógicas do Teatro na
Educação, além de desenvolver uma didática para o ensino do teatro dirigido,
especialmente, às séries iniciais, fundamentada nos pressupostos teórico-práticos
do sistema de jogos teatrais formulado por Viola Spolin.
Essa obra é uma referência indispensável a todos aqueles que desejam ensinar
teatro. Viola Spolin, educadora norte americana, na década de 1960, sistematizou
um método de jogos teatrais bastante objetivo e prático, direcionado ao ensino
da linguagem teatral. Nesse livro, Spolin expõe os pressupostos básicos do ensino
do teatro e fornece um guia de jogos teatrais.
CEDERJ 27
12
AULA
O teatro é linguagem
Meta da aula
Demonstrar a importância da
linguagem teatral para o
ensino do teatro na Educação.
objetivos
INTRODUÇÃO Você está curioso? Pronto para embarcar nesta nova aventura? Então, aperte o
cinto e vamos em frente. Nesta aula, descobriremos os segredos da linguagem
teatral, seus elementos expressivos e sua importância para o pensamento
contemporâneo do ensino do teatro na Educação.
Certamente, você já viu ou participou de algum evento na escola, de alguma
festa em que o teatro esteve presente. Tente recordar este momento. Como
eram essas pequenas apresentações? Que recursos foram utilizados? Sobre
o que tratava a história da peça? Talvez você também se lembre de que, na
escola, a professora, com o objetivo de ilustrar determinado tema da aula de
História, tenha recorrido ao teatro. Em que outras circunstâncias o teatro esteve
presente na sua vida escolar? Ele surgia como um elemento novo, um elemento
surpresa diante da monótona rotina escolar? Qual era o seu sentimento em
relação a esses eventos?
É verdade; o teatro é mesmo um instrumento lúdico e gostoso para ensinar
e aprender os conteúdos de outras disciplinas. E mais: por meio do teatro, o
aluno também pode desenvolver hábitos e habilidades. Quanta utilidade tem
o teatro! Ele é realmente um instrumento valioso para a Educação.
Você, no entanto, deve estar curioso e se perguntando: “Mas, afinal de contas,
qual a relação do teatro com a linguagem?”. Antes disso, porém, um pouquinho
mais de suspense. Vamos rever juntos alguns momentos importantes da história
do teatro na educação brasileira.
30 CEDERJ
12
Um pouco de história
Sou conhecido como Padre José de Anchieta (1534-1597). Fui
AULA
também apelidado o “Apóstolo do Brasil” pela admirável
tarefa de cristianização dos índios. O teatro jesuítico foi um
instrumento de catequese. Aliás, um veículo mais ameno
e agradável do que o discurso árido dos sermões religiosos.
Escrevi e encenei diversos autos religiosos, dentre eles: Auto
da Pregação Universal, Quando, no Espírito Santo, se recebeu
uma relíquia das Onze Mil Virgens, Dia da Assunção, Na festa
de São Lourenço, Na festa de Natal.
Você conhece algum auto religioso? Certamente, já viu o Auto
da Compadecida, de Ariano Suassuna, uma comédia que retrata
o povo nordestino e explora a temática da injustiça social.
É um auto moderno, bastante divertido, bem diferente dos
autos que escrevi em minha época. No entanto, pertencem à
mesma tradição religiosa medieval.
Os autos são peças teatrais de caráter religioso, que contam a
história da vida dos santos, representam os milagres, retratam
a luta entre o bem e o mal, o pecado e a verdade, segundo a moral cristã.
Na Festa de São Lourenço, considerado o auto mais complexo e rico de minha autoria, o personagem do índio
Guaixará, inimigo temido pelos portugueses na vida real, personifica o diabo, a força do mal. Ele deseja disseminar
os vícios na aldeia, ou seja, conservar os velhos costumes indígenas, tais como a bebida do cauim, o hábito do fumo
e a prática do curandeirismo. O virtuoso São Lourenço, guardião valente, sai em defesa de todos, lembrando que
o arrependimento e o caminho do bem podem salvar e instaurar a paz na aldeia.
Assim como na Idade Média, os autos jesuíticos tinham um caráter festivo, eram realizados em datas especiais,
comemorativas e mobilizavam toda a aldeia. Só mais uma curiosidade: meu teatro foi escrito em três línguas diferentes.
Em uma mesma peça, diálogos são travados ora em português, ora em castelhano ou tupi (MAGALDI, 1997).
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Artes na Educação | O teatro é linguagem
32 CEDERJ
O TEATRO E SUA LINGUAGEM
12
O teatro é, antes de tudo, uma linguagem com valor artístico. Como
AULA
toda “língua do mundo”, a linguagem teatral tem elementos gramaticais,
códigos e signos que precisam ser apreendidos para serem decodificados
e reinventados. No decorrer do curso, vamos nos ater a esses elementos,
perceber como eles podem ser manipulados e organizados para a criação
de um conjunto expressivo e rico em teatralidade.
A partir dessa perspectiva, a prática do teatro na Educação dá um salto
qualitativo. A ação pedagógica deixa de estar vinculada, exclusivamente,
ao aspecto utilitário do teatro, mas reafirma o seu caráter estético pela
compreensão e o estudo dos princípios que orientam a sua linguagem. Desse
modo é possível concluir que, as atividades teatrais têm um fim em si mesmas
e um sentido estético próprio, veiculado ao prazer de fazer ou ao próprio
ato de inventar, independente de sua função ou utilidade.
Neste sentido, o teatro na educação não pode ser visto apenas como
um instrumento ou ferramenta. É preciso reconhecê-lo no seu potencial
artístico e, portanto, transgressor, como forma de conhecimento capaz de
mobilizar no aluno uma compreensão mais profunda em relação a si mesmo
e ao mundo.
Para isso, é importante reconhecer o jogo teatral em sua essência, em
seus elementos expressivos e estéticos, em sua capacidade de articulação,
ressignificação e comunicação dos códigos e signos específicos à sua
linguagem. Por meio da prática do jogo teatral na escola e de sua linguagem,
podemos refletir sobre questões pertinentes a nosso modo de ser no mundo,
entrar em contato, de forma mais profunda, com o universo humano e
existencial de nossos alunos, conhecer seus sentimentos e pensamentos a
respeito da vida.
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Artes na Educação | O teatro é linguagem
(...) Assim, sabemos que um signo teatral, presença que representa algo,
comporta um significante – seus elementos materiais –, um significado
– seu conceito – e um referente, objeto ao qual remete na realidade.
34 CEDERJ
Essa distinção entre o significado e significante, no entanto, longe de
12
ser um atributo exclusivo da situação teatral, já aparece em torno
AULA
do segundo ano de vida, em uma atividade comum às crianças de
toda e qualquer cultura e condição social: o brinquedo do faz-de-
conta. Ao deslocar a lata fazendo “bi-bi...”, ou ao andar na ponta
dos pés como quem usa saltos altos, a criança opera uma distinção
entre o significado (carro, sapatos de saltos altos) e o significante
(lata, pés elevados). Tal distinção indica que ela está sendo capaz
de operar com a noção de representação, ou seja, já é capaz de
tornar presente algo que não está diante de si. O faz-de-conta e
a aquisição da linguagem constituem as primeiras manifestações
da função simbólica, que, ao longo do desenvolvimento, irá se
ampliando em direção ao pensamento abstrato.
CEDERJ 35
Artes na Educação | O teatro é linguagem
ATIVIDADE
36 CEDERJ
12
RESPOSTA COMENTADA
AULA
O depoimento de Denise Stoklos é uma recordação de infância e,
naturalmente, está permeado pelo saber atual da autora sobre o
teatro. Ainda assim, por meio dele, podemos perceber que, desde a
infância, Denise contava com uma compreensão intuitiva dos
elementos da linguagem teatral com que jogava. Ela mantinha
sobre eles uma intencionalidade, e suas ações estavam direcionadas
para o seu pequeno público familiar.
Denise se envolve corporalmente com todo o espaço. Ela é a pipoca e
a cozinha é a panela. Ela pula de um lado para outro, dimensionando
o espaço, ou seja, a realidade cênica. A cozinha é o seu campo de
jogo, compartilhado com a platéia que, por sua vez, também corre
por todo o espaço e se diverte. Existe uma cumplicidade direta
de Denise com o público, o que pode ser comprovado, quando
verificamos que ele participa ativamente da ação lúdica, entrando e
saindo dela à medida que a cena prossegue. A artista, desta maneira,
explora o espaço, o corpo, objetos e todos os recursos disponíveis
no momento, transformando-os em elementos expressivos, ou seja,
em signos teatrais.
No texto, ela diz que o número da pipoca era o que mais agradava
a todos, deixando supor que costumava repeti-lo vez ou outra.
A repetição do jogo, certamente, permitia a ela o conhecimento
progressivo e intencional dos elementos teatrais, proporcionando
a oportunidade de pesquisar e encontrar os melhores meios de
provocar o efeito teatral e o interesse da platéia.
Denise frisa, no depoimento, que não faz uso de nenhum adereço.
Por meio do corpo e da voz, unicamente, cria e recria toda uma
realidade cênica, imaginária, projetando-a no espaço. O espaço
é, desta forma, esculpido por seus gestos, movimentos e voz. Ao
final do depoimento, ela afirma: “O cerne era a possibilidade de
desdobramento dos instrumentos que me expressavam: o som e a
massa (a voz e o corpo), isto é, a musicalidade e o dimensionamento
do espaço”. Quando assistimos aos espetáculos dessa atriz, é
interessante perceber que, para ela, a essência do teatro está, até
hoje, nesta possibilidade de desdobramento do corpo e da voz no
espaço. Se, um dia, você tiver a oportunidade de assistir a ela, não
perca. Vale a pena. Em seu espetáculo, você terá uma aula sobre a
dimensão lúdica do teatro.
Pode-se afirmar, então, que Denise, em sua infância, cria cenas que
se situam na esfera do jogo teatral. Pela prática do jogo teatral na
escola, o aluno aprende, gradualmente, a diferença entre a simples
brincadeirinha e o universo do teatro. Começa a se familiarizar com
os elementos da linguagem teatral e a pesquisar novos meios de
transformá-los em signos teatrais, conferindo à cena teatralidade.
CEDERJ 37
Artes na Educação | O teatro é linguagem
12
de ser, uma experiência humana estão sendo comunicados e, por meio
AULA
deles, podemos sentir, refletir e conhecer o mundo que nos cerca e a
nós mesmos. Cada pessoa utiliza esses elementos imprimindo-lhes
características próprias, segundo o seu estilo, sua experiência de mundo,
suas percepções e sentimentos.
Assim, ao manipular os elementos da linguagem, cada artista
cria METÁFORAS, imagens poéticas, signos artísticos. Para deixar isto mais METÁFORA
“De origem
claro, vou dar um pequeno exemplo. grega, o termo
Algum tempo atrás, encontrei na rua uma mulher muito pobre que metáfora significa
transposição,
estava vendendo pequenas casas feitas de papelão e madeira. A seguir, translação. Consiste
no uso de alguma
você poderá ver uma fotografia de um desses trabalhos; Eu o comprei, coisa no lugar de
pois se tornara significativo para mim. Aparentemente pobre e feio, outra, por causa
de certo ponto de
o trabalho era de grande força expressiva e me impressionou muito, já contato entre as
duas, permitindo
que por intermédio dele consegui perceber e sentir o universo existencial estabelecer uma
comparação”
daquela pobre mulher. Esse entendimento foi possível a partir da maneira
(MARTINS,
como ela dispôs os elementos da linguagem com que trabalhava no espaço 1999, p. 43).
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Artes na Educação | O teatro é linguagem
1 – criação/produção;
2 – percepção/análise;
40 CEDERJ
portanto, salvaguardar a expressão própria, singular, de cada aluno, sem
12
impor modelos artísticos ou referências de fora. Muitos professores não
AULA
recorriam às obras de grandes artistas, achando que isso iria influenciar
e tolher a expressão individual do aluno. Desse modo, o pensamento
moderno deu ênfase a um ensino da arte que valorizava a originalidade
ou a ingenuidade infantil.
Por outro lado, o despreparo profissional de muitos educadores
em relação ao ensino da arte transformou a bandeira da livre expressão em
justificativa para qualquer atividade em arte. Assim, o professor propunha
uma atividade e deixava o aluno se virar livremente, sem proporcionar
nenhum apoio ou sem complementar o conhecimento artístico que estaria
sendo construído naquela situação.
O pensamento contemporâneo do ensino da arte, por sua vez, coloca
no centro da discussão o conhecimento da linguagem e a especificidade de
cada linguagem artística. Deste modo, propõe a articulação entre o fazer
e todos os outros procedimentos metodológicos que possam ampliar este
saber fazer artístico. Dentre eles, a apreciação e a leitura de espetáculos
teatrais e o contato com as obras de arte. Por meio da fruição e da análise
de obras de outros artistas e pela percepção de como o artista articulou
ou dispôs os elementos da linguagem com que trabalha, o aluno tem
a oportunidade de aprofundar o seu conhecimento a respeito da arte e
desvelar novos caminhos para a sua própria criação.
Outro procedimento metodológico importante, segundo a
perspectiva contemporânea, consiste em pesquisar e conhecer a vida e
a obra de artistas, ao longo da História, entrando em contato com as
diversas manifestações teatrais da Humanidade. Cada época histórica
tem uma forma de fazer teatral que se difere da outra. É importante
saber que relação esta forma tem com o pensamento do homem no
passado e no momento atual, ou seja, com as formas contemporâneas de
expressão. Portanto, é necessário conhecer a produção estética e artística
da Humanidade, compreendendo-a histórica e culturalmente.
CEDERJ 41
Artes na Educação | O teatro é linguagem
Vale a pena assistir ao filme Billy Elliot, pois ele nos dá um depoimento
sensível sobre o sentido de liberdade advindo do fazer artístico. Billy é um
jovem de 11 anos que enfrenta todos os preconceitos de uma pequena
cidade da Inglaterra, na década de 1960, para afirmar a sua paixão pela
dança. Ele vai contra a expectativa de toda uma comunidade que acredita
que o papel do menino seja aprender boxe, o que, na verdade, significa
aprender a ser forte, combativo, resistente às dificuldades da vida, enfim,
um guerreiro (como se, por meio da arte, do sentimento e da poesia não
fosse possível adquirir estas qualidades...). Quando perguntam a Billy o
que sente quando está dançando, ele responde: “Não sei... eu me sinto
bem. No começo é duro, mas quando começo... então me esqueço de tudo.
Pareço desaparecer. Sinto algo mudando no meu corpo. Como um fogo
dentro de mim. Eu fico lá voando como um pássaro, como eletricidade.
É, como eletricidade” (2000).
42 CEDERJ
CONCLUSÃO
12
O teatro na Educação pode ser utilizado com diversas finalidades:
AULA
como meio para o desenvolvimento social e psicológico do aluno, como
instrumento didático, voltado para o aprendizado de outras disciplinas:
Português, História, Geografia etc. Pode servir como instrumento político
para a transmissão de uma determinada ideologia ou, ainda, como forma
de propor uma atividade prazerosa, “menos séria”, entre uma aula e
outra, na escola.
Não podemos nos esquecer, no entanto, de que o teatro na Educação
é, sobretudo, um fazer e apreciar artísticos, e como tal possui uma
linguagem específica. Aprender, portanto, os segredos desta linguagem
se torna fundamental. De maneira lúdica, na escola, o aluno organizará,
de acordo com o seu universo vivencial, os elementos da linguagem na
criação de signos artísticos de grande significação. Manipulando, de
maneira lúdica, os elementos teatrais na criação de signos artísticos, os
alunos expressam e compartilham uma experiência humana significativa,
um modo de ser e perceber o mundo. Tal experiência desperta uma visão
nova, diferente daquela que lhes era usual, rotineira, levando-os a romper
preconceitos e condicionamentos.
ATIVIDADE FINAL
CEDERJ 43
Artes na Educação | O teatro é linguagem
c. Num terceiro momento, dê novas significações para este mesmo tecido. Ele
pode ser a manta surrada de um mendigo ou a capa luxuosa de um grande
rei. Experimente. Que gestos, sentimentos ou sensações surgiram a partir desta
sugestão? O pano pode ser transformado também num tapete mágico, numa
barraca, num barco a vela, num oceano com águas agitadas ou num lago calmo,
assumindo inúmeras plasticidades.
d. Ele pode servir também para delimitar o espaço do jogo ou da realidade cênica.
Vamos supor que o pano estendido no chão ou na parede é um lugar da casa.
Quando eu estiver em cima do pano, estou dentro da casa; quando estiver fora do
pano, já estou na floresta ou em outro local. A imaginação é inesgotável. Vou dar
apenas mais uma idéia para você explorar o objeto com o qual está trabalhando.
Depois, eu prometo, faço uma pausa para você alongar um pouco o corpo, beber
um gole de água e, depois, conversaremos sobre a atividade, está bem?
e. Então, preste atenção à cor do tecido, observe se ele é transparente ou opaco,
macio ou duro. Explore essas características do objeto. Que climas ou atmosferas
elas propõem para a cena? Um dia ensolarado, uma lua dourada, um local perigoso,
obscuro... Você pode dispor o objeto no espaço como quiser, isto é, explorar sua
plasticidade, dando vida a inúmeras imagens poéticas diante dos olhos dos alunos.
Agora é com você. Sempre que houver oportunidade, exercite a imaginação com
os alunos. Agora, pausa para você descansar um pouco. Depois do descanso,
experimente uma das sugestões anteriores, sabendo, desde já, que não precisa
fazer todas de uma só vez.
44 CEDERJ
RESPOSTA COMENTADA
12
Quando estiver experimentando, não se preocupe se alguém que passar
AULA
por perto disser que você parece um maluco. Ao contrário, você está em
pleno processo criativo. No teatro, é assim que se cria, pesquisando e
explorando as inúmeras possibilidades expressivas de um mesmo objeto,
gesto, personagem, luz, figurino, som, música, texto etc. Esses elementos
são a matéria-prima do teatro, e os signos teatrais surgem da exploração
ativa dos diferentes elementos da linguagem.
Dessa maneira, o signo teatral pode ser compreendido por conter uma
parte material, concreta, conhecida por suas qualidades físicas e estéticas,
o significante (pano), e uma parte simbólica (criança de colo, tapete
mágico, manto do rei etc.), mais precisamente, o significado. O significado é
atribuído ao objeto por meio da ação ou imaginação de quem o manipula
ou o aprecia, neste caso, o jogador e espectador, respectivamente.
Nesta atividade, indiquei uma série de sugestões para você perceber
a riqueza do processo criativo e a dimensão lúdica da ação no teatro.
Assim, o significante, pano, foi o substrato material por meio do qual a
teatralidade foi construída, dando origem a variados elementos cênicos.
Desse modo, o pano foi explorado ora como cenário ora como figurino,
serviu para demarcar o espaço da ação, conferiu um clima à cena ou,
ainda, transformou-se no personagem com quem você contracenou.
Gostaria de chamar a atenção para dois elementos metodológicos do
ensino do teatro. O primeiro diz respeito ao foco, ao ponto de concentração,
como estudamos na aula anterior. Neste caso, o problema está em explorar
as possibilidades expressivas do tecido através do corpo no espaço. Ao
jogar, ao buscar a solução para o problema proposto, é importante que
você deixe a imaginação e o gesto acontecerem livremente, criando outras
situações ou atribuindo novas significações para o mesmo objeto. Você
tem total liberdade para inventar.
O segundo elemento metodológico está relacionado às instruções.
Preste atenção: durante a atividade, eu mantive sua imaginação acesa,
viva, o tempo todo, propondo novas imagens. As instruções são dadas
à ação de forma simultânea. Não precisa interromper a ação para ouvir
as sugestões do professor. O jogador reage e se relaciona com o objeto,
à medida que as instruções estão sendo dadas em voz alta.
As instruções, segundo Spolin (1982), auxiliam o aluno a manter o
foco de atenção no problema proposto, no aqui – e – agora da ação, e
ainda estimula a imaginação. Ela não precisa ser usada durante todo o
exercício e, ainda, pode ser omitida, caso a imaginação do aluno esteja
reagindo de forma autônoma em relação ao problema colocado.
Outra dica: quando fizer este jogo com uma classe de alunos, realize-o
com todo o grupo ou divida a turma em dois grupos – jogadores e
espectadores – ou, ainda, em pequenos grupos.
CEDERJ 45
Artes na Educação | O teatro é linguagem
Lembre-se de que não existem regras precisas, receitas fixas para uma
metodologia de ensino. Ela precisa e deve ser reinventada o tempo todo,
de acordo com cada situação de aprendizagem e a criatividade de cada
professor. O que estou indicando são algumas trilhas, algumas pistas
para você experimentar e fazer as modificações que forem necessárias.
Não se esqueça de fazer o registro desta atividade no seu portfolio.
O registro é muito importante e pode ser feito em forma de desenho,
colagem ou de um texto escrito.
RESUMO
46 CEDERJ
INFORMAÇÕES SOBRE A PRÓXIMA AULA
12
AULA
Para ser dito em voz alta, como se você fosse um apresentador de circo:
– Comprem os últimos ingressos para assistir ao nosso novo espetáculo: o corpo
expressivo! Nele, não há mulher-monstro nem contorcionista. Você terá a
oportunidade de descobrir a importância do corpo no processo de criação teatral.
MOMENTO PIPOCA
O auto da compadecida
Este filme conta a aventura de João Grilo e de seu parceiro, Chicó, que, agindo de
forma astuta, tentam enganar os mais poderosos para adquirir o sustento diário.
É uma comédia muito divertida. A história contém elementos dramáticos
típicos dos autos religiosos medievais, como, por exemplo, Nossa Senhora,
que, à semelhança dos “milagres” mais antigos, surge no momento final da
peça para defender e absolver João Grilo de seus pecados, argumentando
com Jesus a seu favor.
Filme baseado na peça teatral de Ariano Suassuna. Direção de Guel Arraes.
Produção Globo filmes, 2000.
Billy Elliot
Conta a história de um menino que enfrenta todos os preconceitos sociais para
realizar o seu sonho pessoal, a dança. É um filme inteligente e sensível. Observe
como Billy encontra na dança uma forma de expressar seus sentimentos diante
do mundo. Além disso, ele encara o aprendizado da dança como uma atividade
que exige disciplina, treino e estudo.
Dirigido por Stephen Daldry, com Julie Walters, Gary Lewis, Jamie Bell, 2000.
Working Tittle Films e BBC films, em associação com The Arts Concil of England.
Produção de Tiger Aspect Pictures. England.
LEITURAS RECOMENDADAS
Indico três obras de Olga Reverbel. Talvez você possa interessar-se por uma delas.
Os escritos de Reverbel surgem de sua experiência direta com o ensino do teatro na
sala de aula. Ela expõe os fundamentos de uma didática para o ensino do teatro,
além de fornecer um guia de jogos teatrais e técnicas de expressão dirigidas às
diversas séries.
CEDERJ 47
13
AULA
O corpo expressivo
Meta da aula
Mostrar a importância do corpo no
processo criativo em teatro.
objetivos
Você sabia que podemos fazer teatro sem que seja preciso dizer
uma só palavra? Vamos verificar se isso é verdade. Sugiro que conte uma
história usando apenas o seu corpo. Imagine a seguinte situação: você está
diante de seus alunos representando um homem da pré-história. Como
você se locomove a partir dessa sugestão? Sua coluna está totalmente
ereta? Seus braços são longos ou curtos? Seu corpo é leve ou pesado? Sua
estatura é alta ou baixa? Em seguida, você acaba de voltar de uma caçada.
Está orgulhoso, quer contar para todos ao redor os perigos que enfrentou.
Como ainda não aprendeu a falar, emite sons, ruídos estranhos, graves,
guturais, vindos lá do fundo da garganta e do peito. É estranho, não?
Mas é engraçado também. Todos se divertem. Vá em frente. Utilizando
apenas o corpo e os sons, procure mostrar os detalhes da caçada com
seu corpo, represente o momento em que a presa foi morta, o instante
de silêncio e de tensão, quando você se vê diante da fera, cara a cara.
Mostre a forma certeira como arremessou a lança e perfurou o corpo do
animal. Agora, jogue a presa atrás dos ombros. Que força é necessária
para realizar essa ação? Depois, carregue a caça até a aldeia. Ela é o seu
grande troféu, sinal de coragem. Que peso tem o animal? Sinta o peso,
perceba o tamanho, sinta o pêlo tocando o seu corpo. Como ele reage a
essas sensações? Chegando à aldeia, você derruba a caça no chão diante
dos olhares de admiração de todos. Naquela época o clima era muito
frio, e você neste momento, precisa aquecer um pouco o corpo. Agora,
faz uma fogueira. Pense: de que maneira tornará a fogueira viva para
seus alunos. Depois de acesa, corte um pedaço de carne bem grande do
animal e coloque para assar. Hum... Um cheirinho de churrasco gostoso.
50 CEDERJ
Deu até água na boca. Está sentindo? Então, coma um pedacinho. Sinta
13
o sabor, a consistência da carne, sinta a deglutição. Você, então, oferece
AULA
um pedaço a seu amigos. Alguns aceitam, outros rejeitam, tire partido
disso. Compartilhe a ação com a turma. Integre os alunos no jogo. De
repente, você começa a passar mal. Que situação, hein! Alguém pode
assumir o lugar do curandeiro, outro, do ajudante que chega com a
maca. Assim, o jogo prossegue, tomando outras direções, de acordo com
a imaginação e a criatividade do grupo.
Está vendo, não disse? É possível. Você acaba de mostrar uma
história para os seus alunos sem precisar dizer uma só palavra, sem
precisar contar nada. Note bem o que eu acabei de dizer: você mostrou,
não contou. No teatro, isso faz toda a diferença.
Drama é uma palavra de origem grega, drao, que significa agir, lutar. A ação
dramática está, portanto, ligada a uma postura ativa do sujeito na relação com o
ambiente, que luta ou age em direção à realização de um objetivo.
CEDERJ 51
Artes na Educação | O corpo expressivo
52 CEDERJ
No contexto da sala de aula, dependendo do número de alunos
13
e do ruído, o uso de instruções durante o jogo fica prejudicado, pois
AULA
será difícil ao professor comunicá-las. Neste caso, é melhor fazer as
observações necessárias posteriormente, durante a avaliação do jogo.
Preste bastante atenção nesse ponto, o objetivo da instrução não é a
condução do jogo pelo professor. O jogo é uma atividade livre, que
deverá ser inventada pelos alunos no momento presente. O aluno deve
ter autonomia para propor e executar o seu próprio jogo, não cabendo ao
professor dirigir suas ações. Muitas vezes, as instruções nem precisarão
ser sugeridas. Você deverá exercer o seu bom senso em relação a esse
ponto. As instruções são utilizadas para manter o foco da ação e para
estimular a exploração dos alunos em torno da realidade cênica que
ele próprio estará criando. Lembre-se: nosso objetivo principal consiste
em oferecer ao aluno condições adequadas para que, gradativamente,
adquira maior autonomia para lidar com a linguagem teatral, assim
como liberdade em seu próprio processo criativo.
Agora que você já sabe o significado de fisicalização, transcrevo,
a seguir, um exercício proposto por Viola Spolin (1982) para você
experimentar, oportunamente, com os alunos. É importante, também, que
você realize os exercícios sugeridos anteriormente, ou invente um outro.
Ao trazer este saber para o seu próprio corpo, você poderá transmiti-lo
com mais propriedade e sensibilidade aos seus alunos.
Um pouco de história
Sou Constantin Stanislavski (1863-1938). Fundei o Teatro de Arte de
Moscou, juntamente com Niemirovitch-Dantchenko em 1897, sou
um grande homem de teatro, porém, um caso polêmico. Alguns me
consideram um inovador da cena moderna. Dizem que introduzi
uma nova maneira de atuar, mais sincera e natural, comparada
ao exagero da época. Sistematizei um método de interpretação
teatral muito utilizado ainda hoje, denominado Método das Ações
Físicas. Outros, porém, me tomam como uma figura ultrapassada,
retrógrada, argumentando que meu teatro ficou parado no tempo,
restrito à cena realista, isto é, à imitação ou cópia da realidade, tal
qual ela se apresenta ao nossos olhos.
Gosto, porém, daquele velho ditado: Falem bem ou falem mal, mas
falem de mim. A verdade é que minhas idéias ressoam até hoje. Acredito que todo homem importante
do teatro contemporâneo já tenha lido os meus livros, dentre eles: A criação de um papel, A construção
da personagem, A preparação do ator. Fique, portanto, de olho bem aberto quando mencionarem o
meu nome e tomem partido nesta polêmica.
CEDERJ 53
Artes na Educação | O corpo expressivo
Jogo da bola
Primeiro, o grupo decide sobre o tamanho da bola e, depois, os
membros jogam a bola de um para o outro no palco, ou espaço do
jogo. Uma vez começado o jogo, o professor-diretor dirá que a bola
terá vários pesos e tamanhos.
Pontos de observação
1. Observe se os alunos usaram o corpo para mostrar o relacionamento
com a bola. O corpo tornou-se mais leve e flutuou com a bola mais
leve? O corpo tornou-se pesado com a bola mais pesada? Não chame a
atenção dos alunos para isso até que o problema tenha sido trabalhado.
Se a avaliação for dada antes que todos tenham ido ao palco, muitos
tentarão agradar ao professor e representarão a leveza ou peso em vez
de sustentar o Ponto de Concentração (que produz espontaneamente
o resultado que procuramos) (SPOLIN, 1982, p. 58).
Este jogo teatral foi retirado do livro Improvisação teatral, de Viola Spolin (1982).
Você poderá reinventá-lo. Deixo algumas sugestões: coloque toda a turma em
círculo ou altere o tamanho da bola no decorrer do jogo, fornecendo imagens, como
por exemplo: uma bola de gude, de tênis, de vôlei, de praia grande e leve, depois
boliche, uma bola de chumbo. Será possível lançá-la no ar? Como o aluno poderá
repassá-la ao colega? Surgirão situações inusitadas. A bola pode ser transformada,
também, num balão que cresce, gradativamente, tornando-se cada vez maior, até
alcançar o tamanho da própria sala. Neste, momento, é necessário que todos possam
segurá-la conjuntamente.
ATIVIDADE
Jogo do espelho
1. Convide um amigo ou familiar para jogar com você durante esta aula.
O jogo do espelho ocorre em dupla e utilizando a linguagem não-verbal.
Coloquem-se diante um do outro. Uma pessoa olhará o espelho imaginário
e a outra será o seu reflexo. Deixe o seu amigo iniciar o movimento. Você
será o reflexo. Siga os movimentos exatamente. Repita, ao mesmo tempo,
os movimentos e gestos que ele propõe.
Troque, depois, os papéis. Você faz os movimentos e seu amigo o reflexo.
Explorem gestos pequenos, grandes, exagerados ou ainda ações cotidianas,
como escovar os dentes, fazer a barba, calçar os sapatos, lavar a louça,
tomar o café-da-manhã etc.
Façam caretas, lutem boxe, esgrima, dancem.
Utilizem o corpo nos diferentes planos espaciais: alto, médio e baixo.
Criem pequenas cenas: médico fazendo consulta, uma aula de ginástica,
um barbeiro cortando o cabelo de alguém imaginário.
54 CEDERJ
13
Reinvente o exercício livremente.
AULA
COMENTÁRIO
Que tal a atividade? O corpo está aquecido? Você está mais
descontraído? Riu bastante ou ficou acanhado? Este exercício ajuda
a liberar o corpo, suas tensões, provoca o riso e a descontração. Ao
mesmo tempo, por meio deste jogo, o aluno começa a perceber
as possibilidades expressivas do seu corpo no espaço. O corpo é o
instrumento pelo qual nos relacionamos com o mundo. Ao perceber
o corpo do outro, entramos em contato com o nosso próprio corpo.
CONTRACENAR
No jogo do espelho, uma pessoa coloca-se disponível e aberta Significa olhar,
para estar com a outra. Este jogo reforça os laços interpessoais, ou escutar, estar atento
seja, favorece a integração do grupo. O aluno aprende, também, à ação/reação do
outro, deixando
a CONTRACENAR, regra básica para o fazer teatral. Durante o jogo, o corpo pronto,
procure incentivar a variação de movimentos, a exploração e a atento, para emitir,
imediatamente,
pesquisa corporal, nosso próximo item. uma resposta
durante o jogo.
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Artes na Educação | O corpo expressivo
PESQUISANDO O CORPO
56 CEDERJ
13
AULA
Gostaria de chamar a atenção para a falta de consciência que
temos sobre o nosso próprio corpo. Reagimos, a maior parte do tempo,
de forma automática, sem que a consciência esteja focada no aqui e agora
das nossas sensações corporais. Essa falta de conhecimento é motivada
por uma educação que não atribui ao corpo o seu devido valor no
processo de desenvolvimento. Podemos verificar que a criança, à medida
que cresce, perde gradativamente a naturalidade e a espontaneidade do
gesto, o contato verdadeiro com o próprio corpo, em função de uma série
de valores morais, imposições sociais, preconceitos religiosos e sexuais,
que entram em cena reprimindo o movimento.
O corpo deixa de ser um instrumento de descoberta, de conhecimento
e de prazer, para se tornar um local proibido. Como afirma Castro (apud
Stokoe e Hart, 1987, p. 12), “a expressão do corpo termina esquecida ou
anulada e é expressa apenas por pequenos gestos codificados. Se o corpo
é reprimido, o movimento não pode ser livre”.
Essa percepção distorcida a respeito do corpo é acentuada,
também, pelos meios de comunicação de massa, que banalizam o
domínio do corpo, transformando-o, exclusivamente, em mercadoria
a ser comercializada. Além disso, hoje, um grande número de crianças
e jovens passa a maior parte do dia em frente à TV. Isto acaba por
provocar neles uma atitude passiva em relação à vida, tornando-os pouco
receptivos à realização de atividades próprias do jogo, saltar e correr.
CEDERJ 57
Artes na Educação | O corpo expressivo
Por sua vez, Augusto Boal chama a atenção para a forma como
o trabalho e as atividades diárias alienam o corpo, ou seja, determinam
padrões e máscaras sociais que acabamos por assumir de forma definitiva
e inflexível. Cada profissão apresenta um conjunto de gestos, rituais e
atitudes corporais característicos à sua função. O perigo reside no fato de o
indivíduo se identificar cegamente com a função que exerce, esquecendo-se
de sua verdadeira natureza, que é livre de qualquer estereótipo.
Assim, observe as atitudes corporais de um soldado, de um padre,
de uma diretora, da servente da escola, do vendedor de pipoca ou de um
gari. Esta observação será importante, também, quando formos trabalhar
com a criação de personagens. Segundo Boal, é importante ter consciência
desses padrões corporais, desmontá-los e, a partir daí, reconstruir um novo
corpo, mais livre, mais consciente, mais autêntico.
A pesquisa corporal inclui o conhecimento e a descoberta de cada
parte do corpo, a tomada de consciência sobre os movimentos, posturas
e gestos, e a percepção da forma integrada como o corpo funciona ou
se comunica, como podemos concluir a partir das considerações de
Patrícia Stokoe e Ruth Hart (1987 p. 19) “pesquisar, para os nossos
fins, é pesquisar para conhecer e transformar; é ir além do mero atuar
automático, é tratar de averiguar o como, o porquê e o para quê de nosso
corpo e suas ações”.
Nosso corpo é a expressão viva daquilo que sentimos, falamos,
pensamos, comemos. Perceba como ele está, após um dia intenso de
trabalho. Faça uma pausa, dê-lhe um tempinho e relaxe. Perceba como
ele reage, depois que você come algo que não devia. Perceba a disposição
dele num dia de alegria e de festa ou seu estado de tensão no dia em que
você está preocupado ou tem uma prova para fazer. Então, reflita: o que
posso fazer nesse dia para alterar este estado corporal?
O trabalho de consciência corporal, tão necessário ao fazer teatral,
exige, assim, uma atitude de pesquisa sobre o próprio corpo, o corpo
do outro, os objetos e o espaço ao redor. Para facilitar esta averiguação,
Stokoe e Hart (1987, p. 20) dividem o processo de pesquisa corporal em
dois grandes itens:
1- As qualidades que podem ser descobertas num objeto (o como é):
forma, tamanho, consistência, textura, superfície, peso, temperatura, cor,
resistências específicas, mobilidade, resistência, maleabilidade.
58 CEDERJ
2- As ações que podem ser realizadas sobre o próprio corpo, outros
13
corpos ou coisas (o “que pode fazer”): amassar, prensar, golpear, esticar,
AULA
torcer, sacudir, acariciar, beliscar, apertar, chicotear, apalpar etc.
O item 1 estimula a consciência sobre cada parte do corpo,
enquanto o item 2 enfatiza as possibilidades de ação ou qualidades
do movimento. Para compreender o que os dois autores acabaram de
propor, vamos fazer um pequeno exercício: toque suas mãos, perceba
a temperatura, sinta as partes duras e moles, o tamanho dos dedos, os
espaços entre eles, sua mobilidade e articulação etc. Depois, explore
os movimentos que você pode realizar com elas, como sacudir, torcer,
pressionar, acariciar etc.; sabendo que também podem variar, segundo
uma dinâmica temporal, espacial e energética diferente. Assim, uma
ação pode ser lenta ou rápida, forte ou suave, direta ou indireta. Volte
ao exercício do homem da pré-história e repita-o, desta vez procurando
perceber as qualidades de movimentos presentes em cada ação. Preste
atenção, também, às suas ações diárias, percebendo nelas a existência
dessas mesmas qualidades. Registre no portfolio suas novas descobertas.
Com certeza, suas anotações ficarão muito curiosas...
Ao tomar consciência sobre cada parte do corpo, o aluno melhora
o seu uso funcional, adquire a postura correta para cada movimento,
aprende a utilizar a energia necessária à realização de cada gesto, sem
que precise despender esforço desnecessário, como também enriquece
sua possibilidade expressiva, justamente o objetivo desta aula.
Ao abrir a porta, por exemplo, o movimento mais corriqueiro é o
de levar a mão à maçaneta, torcer e depois puxar ou empurrar a porta.
Nessa situação, podemos observar a presença de três qualidades de ações
diferentes: torcer, puxar ou empurrar. Para cada ação que realizamos,
encontramos uma qualidade específica.
Vamos supor, agora, que suas mãos estejam ocupadas. Você acaba
de voltar do supermercado e está cheio de sacolas nas mãos. Como
você abrirá esta mesma porta? Que outras partes do seu corpo poderá
utilizar? Talvez os cotovelos, talvez os pés ou ainda, quem sabe, você
poderá empurrar a porta com os quadris. Nessa situação, que qualidades
de ações foram realizadas com cada parte do corpo? É importante notar
que existem diferentes formas de realizar uma mesma ação. Este tipo de
compreensão torna a ação teatral mais enriquecida e interessante.
CEDERJ 59
Artes na Educação | O corpo expressivo
ATIVIDADE
Agora, diga-lhe que você irá assistir a um filme com uma parte do corpo.
A primeira sessão é um filme de comédia, mas só você sabe. Então você se
posiciona na poltrona do cinema e começa a ver o filme silenciosamente.
Só que você tem um desafio pela frente: use somente os ombros para
mostrar ao seu colega que o filme a que você assiste é uma comédia.
Mantenha o foco de atenção. Veja com os ombros.
60 CEDERJ
13
O filme foi de arrepiar, não foi? Seu amigo ficou tão impressionado que
AULA
quase saiu da sala. Agora, um momento de relaxamento, para os dois
ficarem mais tranqüilos. Veja um filme romântico, um daqueles bem
açucarados, usando apenas as mãos. Mostre, com as mãos, todos os
momentos: o encontro dos amantes, a despedida, o beijo; ouça, com as
mãos, a declaração de amor, sinta, com as mãos, as lágrimas escorrendo.
Visualize cada detalhe do filme.
“Ei, ei, vocês dois aí! O filme terminou.” Surge o lanterninha para avisar
que o cinema vai fechar. Você e seu amigo ficaram tão emocionados que
esqueceram das horas. Tomem um lenço emprestado e enxuguem as
lágrimas.
COMENTÁRIO
Você mostrou ou contou ao seu parceiro de jogo o filme a que
estava assistindo? Antes de responder, faça-lhe esta pergunta. O
que ele viu? Com que parte do corpo a comunicação foi efetivada?
Confira as impressões do colega tomando como base observações
concretas. Esta é uma forma objetiva de avaliar o jogo. Desse modo,
evitamos a relação de aprovação/desaprovação, o julgamento
certo/errado. Nessa atividade, trabalhamos com cada parte do
corpo separadamente. Utilizamos o jogo teatral para empreender
a pesquisa e desenvolver a expressividade corporal, além de exercitar
na prática o conceito de fisicalização.
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Artes na Educação | O corpo expressivo
62 CEDERJ
Por meio do jogo teatral, o corpo poderá ser trabalhado
13
constantemente. É importante, porém, que o professor crie um ambiente
AULA
favorável para que o aluno se aventure livremente nesta descoberta.
Segundo Spolin (1979, p. 129), o corpo é uma unidade, um todo
expressivo e harmônico. “O corpo deve ser um veículo de expressão e
precisa ser desenvolvido para tornar-se um instrumento sensível, capaz
de perceber e estabelecer contato e comunicar.” Neste caso, para que ele
se expresse de maneira natural e espontânea, em oposição ao movimento
artificial, é necessária a sua liberação, e não o seu controle.
CEDERJ 63
Artes na Educação | O corpo expressivo
CONCLUSÃO
ATIVIDADE FINAL
Loja de brinquedos
Você e seu parceiro de jogo acabam de sair do cinema e passam diante de uma
vitrine repleta de brinquedos. Resolvem entrar na loja, ignorando, porém, o que
os aguarda lá dentro. Na loja de brinquedos mora um duende que adora fazer
diabruras, pregar peças, e acaba de transformar os dois em brinquedos. Pode
ser um urso dançante, uma boneca que anda ou dá piruetas, um fantoche, uma
caixinha de música. Escolha um deles a seu gosto. Vocês não têm outra saída.
Movimentem-se como bonecos. Mantenham o foco de atenção. Envolvam todo
o corpo no movimento. O duende está se divertindo vendo vocês jogarem.
O dono da loja está chegando. Já é tarde. O duende desfaz a magia e volta correndo
para a sua prateleira. E vocês, o que farão a partir de agora? Continuem a improvisação
e dêem um desfecho para ela.
64 CEDERJ
RESPOSTA COMENTADA
13
Nesta atividade, demos continuidade à exploração corporal através
AULA
dos jogos teatrais. Diferentemente da atividade anterior, em que o
foco estava em cada parte do corpo, neste jogo, você utilizou todo o
corpo para a comunicação teatral. O envolvimento se deu da cabeça
aos dedos dos pés. Converse com o seu colega e verifique se isso
realmente ocorreu. Você poderá aplicar este jogo, oportunamente,
com os alunos. Anote no portfolio suas descobertas e dúvidas. Existem
muitos outros jogos que trabalham a expressão corporal. Consulte os
livros recomendados.
RESUMO
LEITURA RECOMENDADA
STOKOE, Patricia, HARF, Ruth. Expressão corporal na pré-escola. São Paulo: Summus,
1987.
Os autores do livro expõem de maneira simples e atualizada o trabalho em torno
da expressão corporal, sugerindo caminhos práticos para a pesquisa em sala de
aula. Apesar de ser destinado a crianças da pré-escola, o livro é bastante apropriado
aos alunos das séries iniciais do Ensino Fundamental.
CEDERJ 65
14
AULA
Poesia no espaço
Meta da aula
Evidenciar a importância do
espaço para a construção da
teatralidade na escola.
objetivos
INTRODUÇÃO O título desta aula foi inspirado em Antonin Artaud, para quem o teatro é
“poesia no espaço”. Em sua época, nos anos 30, dava-se muita importância
ao texto teatral. Assim, se alguém queria fazer uma peça, partia sempre de
DRAMATURGO um texto preestabelecido, geralmente escrito por um DRAMATURGO famoso.
Autor teatral.
Os atores decoravam o texto, o diretor fazia algumas MARCAÇÕES no espaço
MARCAÇÃO e, pronto, a peça já reunia as condições ideais para ser apresentada. O jogo
Marcar significa cênico dizia muito mais respeito à forma como o texto era dito, às entonações
determinar, escolher
os lugares por onde e ao timbre vocal do atores do que às possibilidades expressivas do corpo e à
os atores terão de se
reinvenção do espaço.
movimentar em cena.
“É a combinação
de onde cada ator
vai estar em cada Um pouco de história
momento da peça, Meu nome é Antonin Artaud (1896-1948). Sou conhecido
para não ficar todo como o profeta do teatro moderno. Apesar de minhas
mundo embolado idéias sobre o teatro terem sido revolucionárias para a
num canto do palco época, muito pouco consegui colocar em prática. Essa
e para ninguém mudança radical no modo de fazer teatro só se tornou
trombar quando possível mais tarde, a partir da ousadia de encenadores
se movimentar” contemporâneos, dentre eles, Grotowski, Ariane
(SOUZA, 2001, p. 19). Mnouchkine e Peter Brook.
Meu teatro é conhecido como o teatro da crueldade.
Esse termo suscitou alguns mal-entendidos. Sendo
assim, gostaria de esclarecer que como crueldade
entendo rigor, isto é, disciplina, estando o caos e a anarquia no teatro sujeitos a um
sentido de ordem, concebido conscientemente (GROTOWSKI, 1971).
Vejo o teatro como um local de transformação espiritual e os atores “como mártires
queimados vivos, que nos fazem sinais de dentro de uma fogueira”. Isto quer dizer:
o ator deve desfazer-se de todas as suas máscaras, realizando um ato de entrega
total, para que o encontro entre ator e espectador se dê sob uma base verdadeira e
transformadora.
Portanto, defendo uma estética da “violência”, ou seja, do choque, capaz de sacudir os
espectadores e de levá-los a uma experiência mais profunda do sentido da vida.
No livro de minha autoria o Teatro e seu duplo, você poderá conhecer minhas
principais idéias.
68 CEDERJ
Desse modo, a cena não necessita estar restrita ao texto teatral e,
14
muitas vezes, prescinde deste, podendo surgir de estímulos diferentes, como
AULA
de uma música, uma imagem de revista, um objeto, uma idéia proposta por
uma pessoa ou um grupo, a fim de ser explorada diretamente no espaço da
cena. Como resultado disso, o corpo do ator ganha, também, uma nova
dimensão, passando a ser considerado local de invenção.
Essa idéia sobre a importância do espaço no teatro, defendida
por Artaud, é bastante atual e tem norteado a pesquisa de muitos
encenadores e arte-educadores contemporâneos. Com o propósito de
mantê-lo atualizado, gostaria de expor, nesta aula, alguns princípios e
formas criativas de trabalhar com esse tema.
O ENFRENTAMENTO DO ESPAÇO
!
Partindo dos pressupostos formulados por Piaget sobre o desenvolvimento do pensamento na criança,
além do jogo motor e do jogo simbólico, podemos relacionar o jogo teatral ao jogo de regras, este último
caracterizado por um acordo coletivo e pela obediência a certas regras. O jogo coletivo ocorre por volta dos
sete anos de idade, momento em que a criança começa a fortalecer os laços do convívio social.
CEDERJ 69
Artes na Educação | Poesia no espaço
70 CEDERJ
ATIVIDADE
14
AULA
Exercício de penetração no espaço
1.2. Continue caminhando, agora alternando o seu olhar: ora você vai entrar
em contato com os objetos e o espaço ao redor, ora vai ignorá-lo, como se
os objetos se tornassem invisíveis. Que modificações você percebeu?
1.3. Desenhe, no seu portfolio, a área de jogo que você explorou durante
essa aula, registrando o que observou.
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RESPOSTA COMENTADA
Essa brincadeira com o olhar modifica sua percepção sobre o espaço
onde você se encontra. Você, provavelmente, passou a percebê-lo
com mais minúcias, tomou uma consciência maior sobre ele e o
seu próprio corpo. No segundo item dessa atividade, é interessante
perceber que, ao entrar em contato com o espaço e os objetos, o
corpo e o olhar tornam-se mais presentes e mais ativos, enquanto,
ao tornar os objetos invisíveis, dirigimos a atenção para o espaço
mais subjetivo.
O ESPAÇO VAZIO
CEDERJ 71
Artes na Educação | Poesia no espaço
72 CEDERJ
No teatro elisabetano, as mulheres não podiam atuar, pois o palco
14
não era considerado um local adequado para uma mulher de respeito.
AULA
Cabia, então, aos homens a interpretação dos papéis femininos. Além
disso, havia alguns truques cênicos, característicos da estética teatral
daquela época como, por exemplo, a utilização de um lenço vermelho
para indicar o sangue. Isto é chamado de convenção teatral.
O teatro se parecia com uma feira, com as pessoas conversando
alto e, muitas vezes, entrando no palco. A própria arquitetura do teatro
lembrava uma praça cercada. O teatro era a céu aberto, com um palco
coberto, posicionado em um dos lados e com um espaço grande bem à
frente do palco, onde o povo assistia à representação em pé; ao redor,
camarotes destinavam-se à nobreza e às pessoas de posses. Os ricos se
instalavam em cadeiras, possuindo um melhor ângulo de visão sobre o
espetáculo. Essa forma de distribuição da platéia pelo espaço reflete, por
outro lado, uma relação de desigualdade ou hierarquia social.
Um pouco de história
Meu nome é William Shakespeare (1564-1616).
Sou considerado um dos maiores dramaturgos
da história do teatro. Escrevi comédias, tragédias
e dramas históricos. Talvez você já tenha ouvido
falar em Romeu e Julieta, Hamlet, Otelo, Rei
Lear, Macbeth, A tempestade, Noite de reis, O
mercador de Veneza ou, ainda, Sonhos de uma
noite de verão.
Minhas peças são encenadas até hoje, pois
estão carregadas de poesia e transmitem um
conhecimento profundo sobre o universo humano.
Para escrever, busquei inspiração na literatura, nos
contos, lendas e situações da vida real. Romeu e
Julieta, por exemplo, surgiu de uma história real,
muito antiga, ocorrida entre dois adolescentes
apaixonados que pertenciam a famílias inimigas.
Além de escritor fui ator, diretor, produtor teatral
e sócio de um dos teatros mais famosos da época,
o Teatro Globe.
CEDERJ 73
Artes na Educação | Poesia no espaço
74 CEDERJ
14
O teatro italiano é considerado o espaço cênico mais tradicional.
O tablado situa-se em local mais alto do que aquele destinado à
AULA
platéia, que é, por sua vez, colocada de frente para a cena. No
início do século XX, encenadores modernos começam a questionar
esse tipo de organização: a disposição passiva, frontal e a distância
ocupada pelo espectador em relação ao espetáculo. A partir de então,
inúmeras pesquisas espaciais vêm sendo realizadas, visando a romper
com a relação de hierarquia social imposta por este espaço, a fim de
diminuir a distância entre ator e espectador, transformando, desse
modo, o acontecimento teatral numa experiência compartilhada e
participativa.
CEDERJ 75
Artes na Educação | Poesia no espaço
Desse modo, para fazer teatro com os alunos, basta que você
esteja disposto, internamente, a jogar, a estar com eles, respeitando e
estimulando em cada um sua capacidade criativa.
Na escola, se houver um espaço livre destinado à aula de teatro,
ótimo! Caso não haja, o que é muito comum, pode-se improvisar novos
espaços dentro da sala de aula e, mesmo, fora dela. Você também poderá
colocar os móveis de lado, abrindo um pequeno espaço ou utilizando o
espaço total. Ainda poderá transformar os móveis em elementos cênicos,
incorporando-os à cena. No próximo item, estudaremos algumas formas
de enquadrar o espaço. Que tal uma atividade, antes de avançarmos na
compreensão da espacialidade?
ator espectador
76 CEDERJ
ATIVIDADE
14
AULA
2.1. Escolha um espaço por onde você circule habitualmente. Procure
lembrar-se de sua arquitetura, da disposição de seus objetos, suas cores,
formas, volumes etc. Anote no portfolio as sensações que esse espaço
lhe transmite. Agora, escreva uma breve cena ou um acontecimento que
possa ocorrer nesse espaço.
2.2. Pense numa história clássica infantil. Agora, identifique uma praça ou
parque de que você goste em sua cidade. Faça um pequeno projeto de
encenação da história, utilizando os espaços concretos desse ambiente.
Anote ou desenhe suas idéias no portfolio. Em que lugares se passa a
história que você escolheu? Que lugar da praça ou do parque seria mais
interessante para representar cada cena? Tire partido do ambiente concreto,
de suas qualidades físicas, visando à criação do local de ficção. Coloque
também o olhar do espectador em relação ao espaço. De que lugar o
público vai assistir a cada cena do espetáculo?
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COMENTÁRIO
Os espaços onde vivemos estão carregados de teatralidade. É muito
importante descobrir a teatralidade presente no ambiente imediato,
concreto, que nos rodeia. Podemos tirar partido da própria arquitetura
do espaço para a criação cênica. Esse exercício desenvolve o olhar
estético, tão fundamental à prática teatral, permitindo que você
descubra a poesia do espaço.
CEDERJ 77
Artes na Educação | Poesia no espaço
O ENQUADRAMENTO DO ESPAÇO
78 CEDERJ
Seguindo esse princípio, você poderá, junto com os alunos,
14
enquadrar diversos espaços dentro da sala de aula, ou seja, dividi-la
AULA
em subáreas, para que o jogo possa ocorrer. Podem ser demarcados
ambientes internos ou externos como, por exemplo, o corredor, o pátio, a
cantina, uma árvore. Você ainda poderá ultrapassar os portões da escola
para jogar com os seus alunos nos arredores.
CEDERJ 79
Artes na Educação | Poesia no espaço
ATIVIDADE
3.2. Circulando, agora, pelo espaço, você vai dirigir o seu olhar, enfocando
diferentes círculos de atenção. Primeiramente, utilizará o círculo pessoal,
aquele que está relacionado ao seu eu subjetivo. Nesse círculo, sua atenção
está voltada para você mesmo e seu próprio corpo. Em seguida, observará
o círculo pequeno, aquele que compreende os objetos que estão mais
próximos a você, ou seja, o espaço mais imediato. Depois, expandindo
ainda mais este círculo, irá observar o espaço grande, a totalidade da sala.
Por último, o espaço infinito, aquele que ultrapassa o local onde você se
encontra. O olhar, neste momento, se lança para fora da janela, para o
horizonte. Brincando desse modo, alterne o olhar enquanto caminha, não
sendo necessário seguir uma ordem preestabelecida.
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COMENTÁRIO
Ao modificar a distância entre o olho e o furo do papel, surgem novos
enquadramentos do espaço. Ora você enquadra o espaço total, ora
tem a visão de um detalhe, dentro desse mesmo espaço. Esse tipo de
exercício intensifica o olhar sobre o espaço, levando você a percebê-lo
em suas diferentes nuanças.
No dia-a-dia, alternamos o olhar automaticamente; você já percebeu?
Passe a observar os círculos de atenção que você utiliza durante cada
momento ou atividade diária. Esse exercício nos torna conscientes
do movimento natural de passagem entre o interior e o exterior
de nós mesmos, entre o subjetivo e o objetivo, a realidade e a
fantasia. Estimula também a prontidão – premissa do jogo teatral
contemporâneo – e facilitando, por sua vez, maior autoconhecimento
e, conseqüentemente, maior enfrentamento do espaço ao redor.
80 CEDERJ
CÍRCULO DE ATENÇÃO
14
Podemos associar cada círculo de atenção a uma circunstância
AULA
ou ação específica. Por exemplo, uma pessoa, ao andar na rua envolta
em seus pensamentos, focaliza a atenção no círculo pessoal. Uma pessoa
que abre o armário, escolhe uma blusa, veste-se, olha-se no espelho, está
com o olhar focado no pequeno círculo de atenção. Ela entra em contato
com uma pessoa ou um objeto específico, a cada vez, no espaço. Agora,
vamos supor que essa mesma pessoa entre numa casa que até então não
conhecia. Ela começa a olhar todo o espaço, perceber os detalhes, os lustres,
as janelas, as cortinas, focando a atenção no círculo grande. Por último,
quando lança o olhar para o horizonte, procurando ver o que está além
das montanhas ou do mar, concentra-se no círculo infinito.
A teoria dos círculos de atenção foi desenvolvida por Stanislavski
(2001). Consiste num recurso didático utilizado pelo autor para auxiliar
o aluno a concentrar a atenção no espaço da cena, ou seja, naquilo
que acontece na esfera do jogo teatral. Ao trabalhar sobre o círculo de
atenção, o aluno estabelece um foco de atenção em relação aos objetos
colocados mais próximos ou mais distantes dele mesmo. Ao realizar tal
objetivo – ao colocar-se de forma atenta na relação com o espaço do jogo
–, o desconforto de atuar diante de uma platéia é superado, ampliando-se
a consciência do aluno em relação aos elementos necessários à criação
da realidade cênica.
CEDERJ 81
Artes na Educação | Poesia no espaço
82 CEDERJ
Certa vez, jogando com os alunos, enquadrei um espaço da
14
sala onde havia um piano. Os alunos transformaram esse
AULA
espaço num balcão de bar, num esconderijo secreto, num
banco de ônibus, suscitando múltiplas situações teatrais.
CONCLUSÃO
CEDERJ 83
Artes na Educação | Poesia no espaço
ATIVIDADE FINAL
O objeto brinquedo
• Demarque uma área de jogo, fazendo um traçado de giz no chão ou utilizando
um barbante.
• Em seguida, construa o espaço, utilizando objetos fabricados, novos ou velhos:
caixotes de feira, caixas de papelão, tudo aquilo que você não usa mais em
casa ou na escola, ou seja, qualquer sucata, além de objetos da natureza,
como folhas secas, galhos de árvores, pedras etc. Assim como os brinquedos de
construção, você disporá os objetos no espaço, testando inúmeras possibilidades
de organização e criando pequenas esculturas.
• Depois que o espaço estiver organizado, procure observá-lo de fora, colocando-se
sob diferentes ângulos de visão. O mesmo trabalho pode ser visto pela frente,
por trás, pelo lado etc. Dependendo do ângulo, o olhar sobre a escultura se
modifica.
• Agora, interfira no espaço, procurando ocupá-lo corporalmente. Relacione-se
sensivelmente com o espaço, não se preocupando com a criação de um sentido
real ou figurativo. Imagine, se preferir, um lugar ficcional, improvisando, a partir
dele, uma pequena cena.
• Anote no portfolio suas impressões a respeito desse jogo.
Você poderá realizar esse procedimento na sala de aula, dividindo os alunos
em pequenos grupos, os quais delimitam sua área de jogo e constroem o seu
próprio espaço. Depois, toda a turma poderá percorrer a sala, apreciando, sob
diferentes ângulos, o trabalho feito por cada grupo. A seguir, eles poderão
recriar o espaço por meio de suas ações.
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84 CEDERJ
COMENTÁRIO
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O objeto-brinquedo se aproxima dos brinquedos de construção, que
AULA
despertam enorme prazer ao serem manuseados e organizados
segundo suas qualidades físicas: volume, tamanho, peso, equilíbrio
etc. Por meio deste procedimento, você constrói um espaço cênico
expressivo, posteriormente reinventado, através de inúmeras variáveis,
segundo sua imaginação e ação corporal. Leve o resultado de suas
pesquisas ao pólo – desenhos, fotos, observações escritas sobre o
objeto-brinquedo – e compartilhe com o tutor e colegas.
RESUMO
CEDERJ 85
Artes na Educação | Poesia no espaço
MOMENTO PIPOCA
• Hamlet. Filme baseado numa das mais famosas obras de William Shakespeare.
A peça é uma tragédia e conta a história de Hamlet, príncipe da Dinamarca,
que fingindo-se de louco promete vingar a morte do pai, que lhe aparece
como fantasma.
Direção: Laurence Olivier, 1948.
• Romeu e Julieta: Clássica história de amor de William Shakespeare. Conta
a história de dois jovens apaixonados que vivem um amor impossível. Indico
duas versões:
• Paramount Pictures, BHE FILM. Produção e direção de Franco Zefirelli.
• Twentieth Century Fox Corporation. Produção Bazmark, Leonardo DiCaprio
e Claire Danes. Dirigido por Baz Luhrman. 2000.
• Shakespeare apaixonado – Vencedor de sete Oscar. William Shakespeare ganha
nova inspiração para escrever ao se apaixonar por Lady Viola. William, no entanto,
desconhece que Viola está prometida para se casar com outro e que interpreta
secretamente um papel masculino em sua última produção teatral. O romance
do casal se confunde com a história da peça que William escreve.
Miramax Films/Universal Pictures/The Bedford Falls Company. Escrito por Marc
Norman e Tom Stoppard. Dirigido por John Madden. 1997.
• Sonho de uma noite de verão. Inspirado na comédia romântica de Willian
Shakespeare. A peça retrata o misterioso poder do amor e como num sonho
mistura realidade e fantasia, trazendo à cena tanto personagens realísticos
quanto, fadas e duendes.
Twentieth Century Fox Film Corporation. Com Michelle Pfeiffer e Kevin Kline.
Direção: Michel Hoffman, 1998.
86 CEDERJ
15
AULA
Capacidade de jogo
Meta da aula
Apresentar uma proposta de
organização da aula de teatro,
dando destaque à primeira parte da
estrutura: a integração.
objetivos
INTRODUÇÃO Agora, que tal um novo desafio? Tendo em vista o que você já aprendeu sobre
o ensino-aprendizagem do teatro, é hora de traçar os primeiros passos para a
organização de uma aula de teatro.
Estarei junto a você, fornecendo algumas informações sobre jogos teatrais,
esclarecendo o objetivo de cada um deles e propondo uma estrutura de aula,
de acordo com as seguintes etapas:
1 – integração do grupo;
2 – estímulo cênico;
3 – composição cênica;
4 – avaliação.
Por questão didática, ao organizar uma aula de teatro, sugiro dividi-la em quatro
etapas. É interessante que a aula siga a estrutura apresentada, embora esta
seqüência não seja rígida, podendo ser alterada segundo a dinâmica, o contexto e
o tempo disponível para cada aula. O tempo ideal para o cumprimento de todas as
etapas é de 1h30min. Caso disponha de um tempo menor, por exemplo, 50min,
você poderá desenvolver duas ou três etapas, incluindo sempre a avaliação.
A estrutura proposta será realizada por você em duas aulas separadas. Hoje, o
enfoque será dado ao primeiro momento da aula: a integração do grupo. Há
uma variedade de jogos apropriados para esse momento. Você poderá fazer as
adequações necessárias segundo a idade, a série e o número de alunos, e ainda
criar outros tantos jogos pela sua imaginação.
Na Aula 16, darei destaque às seguintes etapas: estímulo, composição cênica e
avaliação; tratarei, mais especificamente, da criação cênica, propriamente dita.
Hilton Araújo (1974, p. 23) estabelece a diferença entre jogo preparatório e jogo
dramático no ensino do teatro na escola. Segundo ele, o jogo preparatório, como
o nome indica, é uma preparação. Ele tem como objetivo estimular no aluno
habilidades necessárias para a realização do jogo dramático, tais como criatividade,
socialização, observação, imaginação e relaxamento. Este último já contém, em si
mesmo, a representação de uma situação imaginária.
88 CEDERJ
jogos teatrais. Além disso, você poderá confeccionar alguns praticáveis
15
(cubos de madeira), que poderão ser agrupados para a criação do cenário,
AULA
servindo ora de cama ora de sofá ou mesa ou carro etc. Estou dando
a para você a noção de um ambiente ideal. Como já mencionamos, se
este ambiente não for possível, você ainda assim poderá fazer teatro com
seus alunos. Lembre-se das possibilidades oferecidas pelo espaço-vazio
ao teatro, de como ele está inteiramente aberto à imaginação.
O lugar da arte e da criatividade na escola deve e precisa ser
reafirmado constantemente. Esta conquista, muitas vezes, é gradual e
depende do seu interesse e esforço pessoal.
À medida que você consolida esta conquista, poderá incrementar
o espaço da sala de teatro, criando uma identidade para ela, expondo os
trabalhos dos alunos, reinventado os lugares do espectador e da ação e,
ainda, convidando outras turmas da escola para assistir às cenas. Isto,
é claro, se for do desejo dos próprios alunos.
Incentive o uso de roupas confortáveis para as aulas e, além disso,
reserve um lugar onde os alunos possam deixar seus pertences, de maneira
que consigam movimentar-se livremente pelo espaço.
Se for conveniente, você poderá solicitar que os alunos tirem os
sapatos. Os pés são a base de nosso corpo; eles conferem equilíbrio e
segurança. É importante que as crianças aprendam a sentir as plantas e
os dedos dos pés tocando firmemente o chão.
Você já prestou atenção nas danças indígenas? Já percebeu como eles batem com
firmeza os pés no chão? Por meio da dança, os índios preparam o corpo e se
tornam guerreiros corajosos e atentos. Desenvolvendo uma base sólida, a presença
corporal se intensifica. Procure dançar dessa mesma forma com os alunos. Essa
atividade auxilia a deslocar a energia por todo o corpo, tornando-o mais sensível e
eliminando a fadiga mental.
CÍRCULO DE DISCUSSÃO
CEDERJ 89
Artes na Educação | Capacidade de jogo
90 CEDERJ
É comum presenciar, no início do curso, os olhares dirigidos para o
15
chão, mas, depois de algum tempo, no decorrer do ano, os alunos passam a se
AULA
sentir mais apoiados na relação com os outros e com o espaço ao redor.
Comece a aula em círculo. Essa é, também, uma forma de reunir a
atenção dos alunos. Um dos objetivos dessa primeira etapa é estimular nos
alunos o espírito coletivo, levando cada um a se sentir responsável pelo
crescimento do grupo. Mas, para integrar a turma, é necessário primeiro
que os alunos se conheçam.
Jogos de apresentação
CEDERJ 91
Artes na Educação | Capacidade de jogo
92 CEDERJ
com o corpo, diz o nome de um animal com a letra
15
inicial do seu próprio nome. O grupo repete novamente
AULA
o nome e o movimento. O jogo continua, dando lugar
à apresentação de um novo aluno. Esse jogo pode ser
realizado quando os alunos já tiverem alcançado uma
certa liberdade ou segurança dentro do grupo. Quando
realizado prematuramente, acaba por inibi-los.
ATIVIDADE
COMENTÁRIO
Quando iniciar o curso, não se esqueça de fazer sua apresentação
pessoal aos alunos. Afinal de contas, você é parte integrante do
grupo. Tanto professor como alunos precisam desenvolver sua
capacidade de jogo, ou seja, a possibilidade de se relacionarem um
com o outro de forma aberta, autêntica e espontânea. É importante
que os alunos sintam que o professor é de carne e osso e que está
ali para compartilhar e construir o conhecimento junto com eles.
CEDERJ 93
Artes na Educação | Capacidade de jogo
Um pouco de história
O teatro grego surgiu no século V a.C, a partir de um ritual religioso conhecido
como ditirambo, realizado em homenagem ao deus Dionísio. Dionísio era o deus
do vinho, da alegria, da festa, do renascimento, isto é, do mistério da vida e da
morte. Ainda hoje, ele é reconhecido como o patrono do teatro. O ditirambo
consistia num poema cantado com uma parte narrativa. Era realizado por um coro
de pessoas que cantavam e dançavam. Téspis é considerado o primeiro ator da
história do teatro, pois dizem os estudiosos que ele teria sido a primeira pessoa a
sair do coro e a assumir o lugar de Dionísio, ou seja, o lugar do personagem.
No decorrer do tempo, esse ritual foi sendo estruturado dentro de um sistema
de códigos artísticos. Surgiram os primeiros textos dramáticos e um espaço cênico
específico à representação.
O espaço cênico do teatro grego é conhecido como teatro de arena e lembra muito
um estágio de futebol. É um espaço arredondado, construído de pedras e ao ar
livre. A platéia sentava numa arquibancada disposta em semicírculo, ao redor de
uma área circular de terra batida, onde ficava o coro. Havia, ainda, um palco baixo
para os atores.
94 CEDERJ
Para Jean-Pierre Ryngaert, a noção de capacidade de jogo está
15
relacionada à capacidade do indivíduo de se engajar na ação lúdica,
AULA
isto é, de se colocar no momento presente da ação, aberto e disponível
a todos os riscos que este espaço oferece. Nessa perspectiva, o foco dos
jogadores deve estar voltado para o processo, para a experimentação
criativa, e não para a obtenção de um determinado resultado, como
comenta Ryngaert (1984):
!
Jogar diante do outro, e não para o outro
Existe uma mudança radical de valor nessas duas atitudes. Ao jogar para o outro,
o jogador está atrelando suas ações a um julgamento externo, à aceitação ou à
rejeição e, portanto, essas ações já se originam de uma forma contraída, enquanto
ao jogar diante do outro, o jogador se encontra num estado de total liberdade,
pois o móvel aqui é o prazer, a vontade de participar do jogo e o desejo de
compartilhamento.
Para Winnicott (1975, p. 71), o jogo se constitui num “vasto campo de experimentação criativa do real” e, como
tal, localiza-se dentro de um espaço intermediário que ele denomina espaço em potencial. O espaço em potencial
se constitui num entre dois, não está nem dentro nem fora do sujeito, mas ocorre a partir de uma relação de troca,
de intercâmbio entre sujeito e objeto, entre realidade e fantasia.
Segundo Winnicott, aqueles que têm sua capacidade de jogo, de interação lúdica com a realidade, prejudicada,
vivem num estado de alheamento, de “submissão”, de indiferenciação que corresponderia a uma mente
psicologicamente doente.
CEDERJ 95
Artes na Educação | Capacidade de jogo
Direita – esquerda
Escravos de Jó
96 CEDERJ
– Os escravos de Jó jogavam o caxangá – (quatro pulos para a
15
direita).
AULA
– Tira (pulando para fora da roda).
– Bota (pulando para dentro da roda).
– Deixa o Zé Pereira ficar (todos ficam no mesmo ponto e mexem
o corpo no ritmo da música).
– Guerreiros com guerreiros (dois pulos para a direita).
– Fazem zigue, zigue, zá. (um pulo para a direita, outro para a
esquerda e outro para a direita, acompanhando a música).
Ao praticar este jogo, os alunos estarão exercitando a escuta, a
memória, a coordenação motora e a harmonia coletiva. Vamos colocar
um novo desafio nesse jogo? Repita os movimentos, cantarolando a
melodia com a boca fechada, produzindo apenas o som. Por fim, repita
a brincadeira, realizando, agora, os movimentos em silêncio. A música
deverá ser cantada apenas mentalmente. Divirta-se com os alunos.
CEDERJ 97
Artes na Educação | Capacidade de jogo
Mestre e detetive
98 CEDERJ
Expressando as vogais com movimentos
15
Os alunos são alinhados horizontalmente no fundo da sala, como
AULA
se fossem participar de uma corrida. Sugira a eles um pequeno treino. O
professor é responsável por dizer, em voz alta, as letras. Cada vogal tem um
movimento correspondente, o qual os alunos em grupo deverão realizar:
A – um passo à frente;
E – um passo para o lado direito;
I – um pulo no lugar;
O – duas palmas;
U – permanecer parado no lugar.
Pronto! Os alunos treinaram os movimentos, aprenderam as
regras; agora o jogo vai começar para valer. A partir desse momento,
o professor diz as letras fora da ordem, criando novas seqüências,
surpreendendo, assim, a turma. O aluno que errar o movimento sai do
jogo, permanecendo junto ao professor, que lhe repassará o comando
da brincadeira ou a tarefa de observar a equipe.
CONCLUSÃO
CEDERJ 99
Artes na Educação | Capacidade de jogo
ATIVIDADE FINAL
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
__________________________________________________________________________
COMENTÁRIO
Na escola, a noção de capacidade de jogo está diretamente associada
à qualidade da relação professor/aluno. Desse modo, ela interfere na
maneira como o professor se coloca disponível para estar com o outro,
aceitando e reconhecendo-o na sua singularidade. É necessário, na escola,
fornecer um apoio ao olhar dos alunos, estabelecer um contato verdadeiro
com cada um deles. É necessário para fazer com que se sintam vivos,
amados, respeitados, ouvidos e vistos. Portanto, deve-se ir além daquilo
100 CEDERJ
que nos é aparente, reconhecendo em cada um suas necessidades,
15
incertezas e aspirações.
AULA
Ao estabelecer essa presença real na sala de aula, o professor
transforma, conseqüentemente, sua ação pedagógica numa ação
lúdica onde os ganchos da aprendizagem são a criatividade e o
prazer. Não é necessário ater-se a velhos padrões de conhecimento
ou valores, pois o que importa é estar em jogo, isto é, a experimentação
daquilo que se impõe no momento. Assim, até mesmo as atividades
organizadas para o dia podem ser reinventadas durante a aula ou até
mesmo colocadas de lado, dando margem a um novo conhecimento
e a novas maneiras de compartilhá-lo.
RESUMO
CEDERJ 101
Artes na Educação | Capacidade de jogo
LEITURA RECOMENDADA
BOAL, Augusto. Jogos para atores e não atores. Rio de Janeiro: Civilização
Brasileira, 1999.
Este livro faz uma exposição sobre os princípios inovadores do Teatro do Oprimido,
criado por Augusto Boal, além de conter um guia riquíssimo de jogos.
MOMENTO PIPOCA
102 CEDERJ
16
AULA
A criação das pequenas
formas teatrais
Meta da aula
Apresentar as seguintes etapas para a
organização da aula de teatro: estímulo
cênico, composição cênica e avaliação.
objetivos
ESTÍMULO CÊNICO
COMPOSIÇÃO CÊNICA
104 CEDERJ
articulando, de maneira intencional, os diversos recursos e elementos da
16
linguagem teatral, visando à criação de uma pequena cena.
AULA
Nesse momento, o professor orienta os alunos quanto à forma
da IMPROVISAÇÃO, levando em conta o material de pesquisa produzido na IMPROVISAÇÃO
Segundo Pavis
etapa anterior e o objetivo cênico com o qual está trabalhando, ou seja, (1999, p. 205),
um conteúdo diretamente relacionado à linguagem teatral. Por meio de a improvisação é
algo que ocorre de
perguntas ou problemas cênicos, o professor orienta os alunos em relação forma imprevista,
sem preparação,
à composição da cena teatral. “sendo ‘inventada’
Ao dividir a turma em pequenos grupos, é importante que o no calor das ações”.
A cena improvisada
professor percorra a sala, acompanhando as discussões, esclarecendo pode surgir a partir
da proposição de
dúvidas, propondo novos problemas e enriquecendo a imaginação dos um roteiro aberto,
de uma senha, de
alunos. O professor permanece ativo, verificando e orientando a dinâmica
um tema ou, ainda,
dos grupos. por intermédio
das soluções de
Durante a improvisação, o professor poderá ainda intervir, problemas cênicos,
de acordo com a
sugerindo instruções que reafirmem as regras propostas. Enquanto as concepção de jogo
instruções são dadas, não é necessário que os alunos paralisem a ação teatral proposto
por Viola Spolin. É
cênica. Elas são fornecidas simultaneamente à ação, permitindo um maior um ato de criação
que ocorre no
aprofundamento dos alunos em relação à exploração e à experimentação momento presente,
da realidade cênica. estando, portanto,
em constante
transformação.
AVALIAÇÃO
CEDERJ 105
Artes na Educação | A criação das pequenas formas teatrais
ESTRUTURA CÊNICA
106 CEDERJ
Spolin: “onde, quem e o quê”. Esses três elementos correspondem ao que
16
Stanislavski (2002) denominou circunstâncias dadas ou CIRCUNSTÂNCIAS As CIRCUNSTÂNCIAS
AULA
PROPOSTAS
PROPOSTAS. Definem o contexto
do acontecimento
Essa estrutura fornece o contexto básico ao redor do qual uma
teatral ou universo
determinada situação cênica acontece. O onde corresponde ao local da peça, dentro
do qual a ação se
onde se passa a ação. O quem define os personagens envolvidos na ação desenrola: onde,
quem, o que,
cênica. O que está diretamente associado à ação dos personagens, ao que quando, por que
é preciso que eles façam para alcançar determinado objetivo. e para que da
ação cênica. Elas
Vamos tornar isso mais claro. Imagine um onde, um lugar de ficção fornecem os dados
principais em torno
qualquer, onde se passa a ação. Pode ser um elevador, uma praça, um dos quais ocorrerá a
avião, uma sala de aula etc. Não se esqueça de definir a área de jogo e criação da realidade
cênica; dessa forma,
colocar no espaço o olhar da platéia. Escolhido o onde, os alunos iniciam contribuem para
a construção da
o jogo. O problema cênico consiste em mostrar o onde, utilizando apenas lógica das ações dos
personagens.
o corpo. Lembre-se de que esta é apenas uma opção de jogo; existem
inúmeras variáveis que poderão ser realizadas a partir da combinação
dessas três proposições.
O jogo teatral pode iniciar a partir de qualquer um dos elementos
da estrutura dramática. O onde, o quem e o que podem ser escolhidos
pelos próprios alunos, sorteados ou indicados pelo professor.
Veja, a seguir, algumas sugestões de jogos com base nessa estrutura
cênica. O professor poderá iniciar o jogo sorteando, entre os alunos de
cada grupo, o quem, os personagens que participarão da ação cênica,
como, por exemplo, um pai, uma mãe, uma avó, uma filha, uma
empregada doméstica, um técnico que conserta tevês. Poderá, ainda,
sortear o local onde se passa a ação: a varanda da casa, a cozinha, a
sala, o telhado, um barco etc.
O grupo jogará de acordo com os dados sorteados, definindo,
cada qual por sua vez, o quê. Por exemplo, podemos fazer a seguinte
suposição: o dia hoje está muito quente, e a família decidiu levar o
aparelho de tevê para a varanda. O que cada personagem pode fazer
para arrumar a varanda, de maneira que todos se sintam confortáveis
para assistir ao programa preferido? Cada personagem pode realizar
uma ação diferente: carregar o sofá, varrer o chão, limpar o banco da
varanda, arrumar um lugar confortável para a avó sentar-se, mandar o
cachorro embora, procurar uma tomada para ligar a tevê etc. Como você
pode concluir, as possibilidades de ação são infinitas. O problema cênico
pode tornar-se mais interessante se, durante a mudança para a varanda,
CEDERJ 107
Artes na Educação | A criação das pequenas formas teatrais
ATIVIDADE
Onde: um quarto
__________________________________________________________________
__________________________________________________________________
__________________________________________________________________
__________________________________________________________________
___________________________________________________________________
_________________________________________________________________
108 CEDERJ
16
RESPOSTA COMENTADA
AULA
Nos jogos com o onde, é importante dimensionar a ação física, torná-la
concreta, como se você estivesse agindo na vida real. Durante a ação,
é necessário sentir os objetos, o peso da gaveta, a altura do armário, o
tamanho do lençol, a forma como ele é esticado ou dobrado, o esforço
necessário para vestir uma roupa, os gestos necessários para calçar
o sapato, a direção em que a janela é aberta, tornando visível cada
objeto que você manipula no espaço vazio. Ao agir dessa maneira, o
onde – nesse caso, o quarto – começa a existir diante dos seus próprios
olhos, e também dos olhos daqueles que assistem à ação.
O onde é uma proposição muito simples que permite ao aluno explorar
o ambiente, atribuindo a ele uma dimensão cênica, ou seja, um valor
simbólico e ficcional.
ROTEIRO DE AULA 1
O quê
CEDERJ 109
Artes na Educação | A criação das pequenas formas teatrais
COMPOSIÇÃO CÊNICA
110 CEDERJ
Por meio do jogo teatral, os alunos, gradativamente, começam a
16
estabelecer relações com o próprio corpo, com o espaço cênico, com os
AULA
colegas de cena e, conseqüentemente, irão construir e elaborar uma forma
cênica capaz de ser comunicada e compartilhada com a platéia.
Avaliação – após cada cena, faça perguntas à pequena platéia de
alunos. Que ações foram mostradas? Eles mostraram ou contaram a
ação? Procure, depois, saber as opiniões daqueles que jogaram. O que
eles sentiram? O que eles desejaram mostrar? Que dificuldades tiveram?
Durante o jogo, você poderá observar também o grau de liberdade com
que os alunos participaram, como se relacionaram com o espaço, os
colegas, a realidade cênica e, ainda, como trabalharam em grupo, o grau
de acabamento das ações e imagens criadas etc.
ROTEIRO DE AULA 2
INTEGRAÇÃO: ESCULTURA
CEDERJ 111
Artes na Educação | A criação das pequenas formas teatrais
ESTÍMULO CÊNICO
112 CEDERJ
COMPOSIÇÃO CÊNICA
16
Peça a cada grupo que crie uma improvisação a partir do material
AULA
pesquisado na etapa anterior. A improvisação é livre, os alunos poderão
utilizar a linguagem verbal, sons, objetos, figurinos, espaços diversos etc.
AVALIAÇÃO
TEATRO IMAGEM
CEDERJ 113
Artes na Educação | A criação das pequenas formas teatrais
Um pouco de história
Eu sou Augusto Boal. Brasileiro. Isso mesmo, brasileiro.
Viajei por diversos países, experimentando minhas
idéias teatrais. Sistematizei um método, O Teatro do
Oprimido, respeitado e reconhecido hoje no mundo
inteiro. Com um cunho político, esse método surgiu
em1970, durante a ditadura militar no Brasil. Em 1971,
fui exilado do país. Percorri a Argentina, praticando o
Teatro Invisível, técnica muito interessante: uma cena
é representada na rua sem que as pessoas saibam que
é uma encenação. A intenção é levar o espectador a
participar da ação dramática, contribuindo com o seu
ponto de vista sobre o acontecimento representado.
No Peru, desenvolvi o Teatro Fórum, no qual os
atores apresentam um problema e os espect-atores
entram em cena propondo possíveis alternativas para
solucioná-lo.
Ao refletir sobre as relações de dominação, o Teatro
do Oprimido se pretende libertador. Seu objetivo
principal é “transformar o povo, ‘espectador’, ser
passivo no fenômeno teatral, em sujeito, ator, em transformador da ação dramática”, potencializando,
desse modo, a capacidade do sujeito de agir diante da sociedade (BOAL, 1980, p. 126). Por isso o
termo espect-ator.
O Teatro do Oprimido tem diversas modalidades teatrais, dentre elas: Dramaturgia Simultânea, Teatro
Imagem, o Jornal, Teatro Invisível, Teatro Fórum etc. Meu primeiro livro a esse respeito se chama Teatro
do Oprimido e outras poéticas políticas. Sobre esse assunto, você ainda poderá ler outros livros de
minha autoria: Jogos para atores e não-atores, O arco-íris do desejo e O teatro como arte marcial.
114 CEDERJ
opressão tenha desaparecido. Essa imagem representa o
16
sonho, a sociedade que se quer construir, uma sociedade
AULA
“na qual os problemas atuais tenham sido superados.
São sempre imagens de paz, tranqüilidade, amor etc.”
(BOAL, 1999, p. 6);
Para Augusto Boal (1999, p. 5), o Teatro Imagem tem “o objetivo de ajudar
os participantes a pensar com imagens, a debater um problema sem o
uso da palavra, usando apenas seus próprios corpos”. um procedimento
apropriado para crianças e adolescentes que estão aprendendo a pensar
com palavras e possuem, em geral, um vocabulário restrito. Desse modo,
Boal afirma: “Imagens são mais fáceis de inventar do que palavras. E,
até certo ponto, mais ricas em significados possíveis, mais polissêmicas”
(BOAL, 1999, p. 8).
ATIVIDADE
CEDERJ 115
Artes na Educação | A criação das pequenas formas teatrais
RESPOSTA COMENTADA
A composição da imagem real reflete o modo como as relações
entre os membros das famílias se estruturam, os papéis sociais
desempenhados por cada um e a qualidade dos laços afetivos.
A utilização do Teatro Imagem, como proposto por Boal na escola,
não pode ser vista dentro de uma perspectiva de acompanhamento
terapêutico. Essa função é específica, e cabe a um profissional
qualificado desempenhá-la, um psicólogo por exempo. Como
afirmou Boal, o Teatro Imagem é uma reflexão crítica sem palavras.
A discussão se dá naturalmente e está implícita na própria feitura das
imagens, que são reveladoras. Não é necessária ou conveniente a
intervenção ou análise psicológica do professor junto aos alunos, em
relação ao tema proposto, pois o próprio jogo se encarrega dessa
função crítica. É jogando, portanto, que os alunos desenvolvem o
116 CEDERJ
16
seu saber sobre o mundo. As atitudes transformadoras apontam as
AULA
possibilidades de mudança em direção à imagem ideal, geralmente
concretizadas quando a ação é libertadora e resulta de uma
expressão amorosa.
CONCLUSÃO
ATIVIDADE FINAL
CEDERJ 117
Artes na Educação | A criação das pequenas formas teatrais
RESPOSTA COMENTADA
Quando utilizar o teatro como eixo das atividades e da aprendizagem,
tenha sempre em mente os elementos da linguagem teatral com a qual
está trabalhando. Não esqueça: teatro é linguagem, e é pelo domínio
da linguagem artística que os alunos ampliarão sua possibilidade de
expressão criativa.
Você percebeu? Qualquer conteúdo temático pode ser adequado à
estrutura de aula proposta nesse estudo. Ela valoriza uma atitude
ativa e participativa do aluno e do professor frente ao tema proposto,
incluindo a pesquisa, o levantamento de hipóteses, a experimentação
e a avaliação constante.
Talvez você encontre alguma dificuldade de avaliar. Mantenha a calma.
Essa é uma etapa complexa, exige um certo domínio da disciplina,
objetividade de análise e capacidade de escuta e observação, ou seja,
capacidade de perceber o que e como o grupo está propondo as soluções
cênicas. Com a prática, você certamente desenvolverá esse olhar.
RESUMO
Para ser dito como se você estivesse debaixo de uma ducha gelada: Quais são as
características de um texto dramático? O que é o texto no teatro? Que questões
o teatro contemporâneo levanta a esse respeito? Como o texto pode ser jogado?
Novas indagações. Aguarde até a próxima aula.
118 CEDERJ
17
AULA
Jogando com
o texto no teatro
Meta da aula
Apresentar algumas questões
atuais sobre o texto no teatro.
objetivos
INTRODUÇÃO Alguns textos teatrais têm início com um prólogo, ou seja, uma introdução,
apresentando o fio da fábula e introduzindo, pouco a pouco, o espectador
no universo ficcional da peça. Esse elemento era comum nos textos clássicos
e, hoje, já não se encontra tão presente. Desse modo, o prólogo antecede
a ação dramática, fornecendo pistas sobre o que vai acontecer, assim como
estou fazendo nesta aula.
Agora que você já está familiarizado com os jogos teatrais, vai conhecer os
meandros do texto dramático. Uma peça de teatro não foi escrita apenas para
ser lida, mas, sobretudo, para ser encenada. Por isso, tem toda uma estruturação
que lhe é própria.
Contudo, o teatro não está restrito apenas ao texto dramático. Muitos outros
tipos de textos podem ser explorados e transformados em cena. Notícias de
jornal, histórias clássicas ou situações cotidianas, poemas, canções, literatura de
cordel, lendas populares, tudo isso pode ser utilizado como material textual.
O teatro contemporâneo questiona o estatuto do texto dramático, o lugar
de importância que ocupou durante décadas. Assim, concebe o texto de
forma mais aberta, como tudo aquilo que está sendo comunicado durante o
acontecimento teatral, seja ele verbal ou não-verbal.
Como pode perceber, você está diante de novos desafios. Então, atenção, a
peça vai começar!
120 CEDERJ
A escritura do texto dramático contém indicações cênicas que
17
revelam o contexto da peça, o sentimento ou a ação das personagens,
AULA
fornecendo, ainda, marcações ou dados para que se possa,
imaginariamente, visualizar ou conceber uma possível encenação.
Essas indicações cênicas são chamadas de rubricas, e, geralmente,
vêm grifadas de maneira diferente no texto ou encontram-se entre
parênteses. A rubrica corresponde a uma visualização subjetiva do
autor sobre a encenação. No entanto, a montagem do espetáculo não
precisa, necessariamente, coincidir com as rubricas sugeridas pelo autor.
O diretor e o grupo têm total liberdade para encenar a peça teatral,
segundo o seu desejo artístico.
!
Segundo Silvia Fernandes (2000, p. 25), “as fronteiras do drama se alargam a ponto de
incluir romances, poemas, roteiros cinematográficos e até mesmo fragmentos de falas
esparsas, desconexas, usadas para pontuar a dramaturgia cênica do diretor ou ator.”
CEDERJ 121
Artes na Educação | Jogando com o texto no teatro
ATIVIDADE
(Barulho de trovões. O barulho é feito à vista das crianças, para não assustar.
Deve ser ridículo. Surge o chuveiro. Vem nevolto em uma cortina de plástico
e traz uma escova na mão, em pose de rei.)
Chuveiro – (canta)
Sou Chuveiro bem elétrico
sou patrão... trão... trão...
manda-chu... va... va...
mando to... dos... dos...
tomar ba... nho... nho...
com escova, com chuveiro e sabão... bão... bão!
hoje estou mal-humora... do... do...
sou patrão... trão... trão...
sabão... bão... bão...
mando to... dos... dos...
tomar ba... nho... nho... mas eu mando e não tomo banho, não!
122 CEDERJ
17
Pingo – Seu Patrão Chuveiro, posso ter licença pra chover hoje?
AULA
Chuveiro – (começa a fazer barulho de telefone ocupado) Pon... pon...
pon... pon... pon... Estou ocupado... pon... pon... pon... pon...
Pingo – Seu Patrão Chuveiro, posso chover um pouquinho?
Chuveiro – Você conhece telefone? Telefone ocupado não faz: pon... pon...
pon... pon...? Pois eu sou Chuveiro ocupado: pon... pon... pon... pon... (sai
Chuveiro)
Pingo – Puxa, patrão é sempre assim: ou está zangado ou surdo ou
ocupado! (ORTHOF, 2001, p. 25-28).
RESPOSTA COMENTADA
Com muito humor, as personagens, nessa pequena cena, são o
Patrão Chuveiro e o Pingo. O conflito dramático é estabelecido pelo
choque entre dois objetivos divergentes: o Pingo deseja falar com o
patrão e pedir sua permissão para chover, enquanto isso, o Patrão
Chuveiro está no banheiro e não quer ser incomodado.
As rubricas marcam a entrada e a saída das personagens, fornece
dicas para a encenação: sonoplastia (efeitos sonoros), figurino,
adereço e a intenção dramática das personagens.
A entrada do chuveiro em cena é anunciada com barulhos de
trovões, simbolizando algumas de suas qualidades: elétrico, zangado,
chato, trovejante. A canção inicial é de melodia popular e, por meio
dela, a personagem Chuveiro se apresenta ao público.
CEDERJ 123
Artes na Educação | Jogando com o texto no teatro
124 CEDERJ
Nessa proposta, o texto (aquilo que será comunicado) vai sendo
17
construído, gradativamente, com os alunos, surgindo, de maneira
AULA
espontânea e viva, através da ação. A palavra não se apresenta mais
como algo vazio, sem vida, pois o seu significado brota da experimentação
sensório-corporal dos alunos. Se o professor desejar, pode, ao longo do
processo, registrar as falas, diálogos e soluções cênicas. Dizemos, então, que
o texto é resultado de uma criação coletiva e que ele está em processo, pois
pode ser modificado a qualquer momento, de acordo com o surgimento de
uma nova idéia. Desse modo, conteúdo e forma surgem ao mesmo tempo,
ou seja, o texto nasce da descoberta das SOLUÇÕES CÊNICAS. SOLUÇÃO CÊNICA
É a expressão que
sugere a forma pelo
qual o conteúdo será
comunicado. Surge
da articulação ou do
jogo em cena entre
os diversos elementos
da linguagem teatral:
corpo, voz, palavra,
espaço, iluminação,
figurino, música,
cenário etc.
ATIVIDADE
O bolo
Um bolo de aniversário está escondido dentro de um
armário. Dois meninos, proibidos de provar o bolo, não
resistem e aproveitam que estão sozinhos para dar uma
provadinha. Sentimentos: receio de serem descobertos e
gula. Devagarzinho, abrem o armário e começam a comer
o bolo. De repente, ouvem barulho de passos. Apavorados,
se escondem. Quando são descobertos, fazem cara de
dissimulação (MACHADO, 2001, p. 32).
CEDERJ 125
Artes na Educação | Jogando com o texto no teatro
RESPOSTA COMENTADA
Um roteiro de ações provoca curiosidade pela maneira como o
autor propõe o desenrolar dos acontecimentos. A surpresa e as
descobertas são elementos que provocam suspense e prendem o
interesse do espectador. Para facilitar a estruturação de um roteiro
observe os elementos dramáticos contidos na proposta de Maria
Clara Machado:
- estrutura dramática: onde, quem e o quê;
- conflito dramático ou obstáculos: os meninos foram proibidos de
provar o bolo; o bolo estava escondido dentro do armário;
- a indicação implícita ou explícita de simples ações físicas: verificar
se alguém está por perto, abrir o armário, provar o bolo, esconder-
se etc;
- sentimentos contraditórios: desejo de comer o bolo e medo de
ser descoberto;
- elementos de surpresa e reviravolta: Alguém se aproxima – “ouvem
barulhos de passos” – os meninos são descobertos.
126 CEDERJ
17
Um pouco de história
O teatro épico e a peça didática
AULA
Meu nome é Bertold Brecht (1898 - 1956), inovador da cena
moderna. Nasci na Alemanha e criei um modo próprio de fazer
teatro, conhecido como Teatro Épico. Diferentemente do teatro
realista, no qual o efeito da ilusão leva o espectador a esquecer-se
de que está no teatro, propus um outro tipo de efeito, denominado
estranhamento. Por meio desse efeito, o espectador não se identifica
com os personagens em cena, ou seja, não se envolve emocionalmente
com as situações que lhes são apresentadas, ao contrário, mantém
uma postura de distanciamento crítico, refletindo e tecendo opiniões
sobre o que lhe é mostrado.
Escrevi numerosas peças épicas, como por exemplo, Mãe Coragem e
seus filhos; Vida de Galileu; Os fuzis da senhora Carrar, A alma boa
de Setsuã etc.
Fui, também, o criador da Peça Didática, escrita para ser
encenada pelo próprio espectador: operários, estudantes, pessoas sem formação dramática, em
escolas, fábricas, sindicatos de classes etc. Meu teatro tem um cunho político-estético, sendo
a Peça Didática um excelente instrumento de aprendizagem, pois estimula o pensamento
dialético entre teoria e prática. O texto da Peça Didática funciona como um modelo de ação,
ou seja, um roteiro aberto sujeito a diferentes leituras, podendo ser recriado, segundo o ponto
de vista e o universo dos participantes. Se você se interessar pelo assunto, leia algumas Peças
Didáticas de minha autoria: Aquele que diz sim e aquele que diz não; Vôo sobre o oceano;
A decisão, A peça didática de Baden-Baden sobre o acordo etc.
CEDERJ 127
Artes na Educação | Jogando com o texto no teatro
128 CEDERJ
forma aleatória e não-seqüencial, de acordo com a intenção
17
conferida por cada aluno ao que está sendo dito.
AULA
4 – Em círculo, de costas para o centro, todos os alunos vão
dizer a sua frase em voz alta, de acordo com as intenções
sugeridas pelo professor, tais como: dizer a frase como
se estivesse fofocando, chorando, pedindo desculpa,
precisado ir ao banheiro, dentro de uma caverna quente,
irritado, feliz etc.
CEDERJ 129
Artes na Educação | Jogando com o texto no teatro
130 CEDERJ
Muitas vezes, o aluno tem dificuldade de expor suas idéias, sua
17
capacidade de expressão verbal é pequena ou ele fica preso à lógica
AULA
formal daquilo que é dito durante a cena. Nesse caso, a bablação é um
ótimo recurso. Como os sons articulados aleatoriamente não têm um
sentido conceitual, as ações surgem da intenção que está por trás da
expressão verbal.
!
O texto no teatro não é a mera expressão de informações, não pode ocorrer apenas no nível verbal. Todo texto
tem um subtexto, ou seja, uma intenção que está oculta ou está “nas entrelinhas”, mas que é, ao mesmo tempo,
determinante da ação dramática. Por exemplo, a expressão “Bom-dia” pode ser dita de diferentes maneiras, de
acordo com o sentimento, a intenção do personagem ou o contexto da situação dramática. Desse modo é possível
dizer “Bom-dia” quando, na verdade, o que se quer dizer é “Não me aborreça hoje, estou cansado”, ou “o que
será de mim hoje, tenho uma prova e não estudei nada” e, ainda, “Estou tão feliz, hoje é um dia muito especial,
dia do meu casamento”.
ATIVIDADE
RESPOSTA COMENTADA
Uvitoculuntamiva? Setoumbanaco? Traduzindo literalmente: “Que
tal? Você experimentou a atividade proposta? Encontrou alguma
dificuldade?”. Não se preocupe com a sonoridade, ela é estranha,
mas, ao mesmo tempo, engraçada. Direcione a fala às personagens
invisíveis. Converse com elas. O importante é que você experimente,
de forma sensível, a expressão verbal e reconheça que ela vem
acompanhada de uma intenção, de uma atitude e, ainda, de uma
expressão corporal, que lhe atribuem significação.
CEDERJ 131
Artes na Educação | Jogando com o texto no teatro
Crie e registre, por escrito, um contexto dramático para o texto dramático a seguir.
Defina as personagens, o objetivo de cada uma delas, a rubrica, o local onde se
passa a cena, a hora, os obstáculos ou desafios a serem vividos etc. determinando,
desse modo, as circunstâncias dadas para a encenação.
132 CEDERJ
COMENTÁRIO
17
Compare o exemplo anterior e a cena construída por você nesta
AULA
atividade. Perceba que o diálogo ganha significação à medida
que as circunstâncias dadas são definidas. Modificando, por
sua vez, as circunstâncias dadas, um mesmo texto apresentará
diferentes subtextos e situações dramáticas. Desse modo, o texto
ganha nova significação e expressão cênica (utilização do corpo,
da voz, do espaço, dos objetos e iluminação) de acordo com o
contexto e o objetivo das diferentes personagens.
RESUMO
CEDERJ 133
Artes na Educação | Jogando com o texto no teatro
LEITURAS RECOMENDADAS
MOMENTO PIPOCA
134 CEDERJ
18
AULA
A personagem:
processos criativos
Meta da aula
Apresentar processos criativos para a construção
da personagem no teatro.
objetivos
136 C E D E R J
AS DUAS VIAS
18
A concepção da personagem pode ser realizada por duas vias PESSOA-
AULA
PERSONAGEM
diferentes, podendo iniciar-se do exterior, a partir da caracterização física
Essa terminologia
da personagem, ou do interior, por meio da pesquisa dos processos suscita a relação
íntima entre o
subjetivos. A caracterização física e a vida interior da personagem estão jogador, a pessoa que
inter-relacionadas, isto é, uma influencia a outra. A composição física cria, e a personagem,
o objeto a ser criado.
(aparência, postura, atitude física, gesto, olhar, jeito de andar, estatura A pessoa empresta
à personagem
etc.) desperta na PESSOA-PERSONAGEM sentimentos e pensamentos específicos. sentimentos próprios,
reinventa-os de
Por sua vez, atitudes internas determinam e agem sobre a expressão
maneira simbólica
física da personagem, moldando-a corporalmente. Existe, portanto, um e imaginária,
transferindo-os ao
processo de reversibilidade entre atitude física e atitude interna. Aqui, ser em criação. A
personagem, por sua
jogaremos com as duas formas de construir a personagem. vez, não é a pessoa
do jogador, tem um
universo que lhe é
AUTO DA COMPADECIDA – A CONSTRUÇÃO DA próprio, apesar de
ganhar vida por
PERSONAGEM meio do corpo e dos
sentimentos do seu
Para começar o trabalho de pesquisa em relação à construção da intérprete.
Um pouco de história
Meu nome é Ariano Suassuna (1927- ). Nasci na capital do
Estado da Paraíba, e, ainda menino, fui morar em Taperóa,
onde assisti, pela primeira vez, a uma apresentação de
teatro de mamulengos e um desafio de viola, cujo caráter
de “improvisação” incorporou-se como marca registrada
de minha dramaturgia.
Fiz o curso secundário em Recife e em 1946 ingressei na
faculdade de advocacia. Como estudante universitário,
fundei, junto com Hermínio Borba Filho, o Teatro de
Estudante de Pernambuco. No ano de 1947, escrevi minha
primeira peça, Uma mulher vestida de sol.
Sou escritor, teatrólogo, advogado e professor de Teatro.
O Auto da compadecida (1955), peça de minha autoria,
estreou em Recife, em 1956, e depois, viajou para o Rio de
Janeiro e São Paulo. De lá para cá, fiquei conhecido como
um dos nomes mais importantes da dramaturgia brasileira.
Um dos traços inéditos de minha obra é que ela funde,
com originalidade, as tradições do teatro religioso medieval e do imaginário nordestino.
Apaixonado pela cultura brasileira, defendi tese de livre docência sobre o tema e fundei em 1970,
no Recife, o Movimento Armorial, com o objetivo de promover o desenvolvimento e o conhecimento
das formas de expressão populares tradicionais. Dentre outras funções públicas, exerci o cargo de
Secretário de Educação e Cultura do Estado de Pernambuco, no governo de Miguel Arraes (1994-
1998), e no ano 2000 fui eleito membro da Academia Brasileira de Letras.
Para conhecer melhor minha obra teatral, leia, dentre outras, as peças: Auto de João da Cruz, O arco
desolado, O rico avarento, O casamento suspeitoso, A farsa da boa preguiça, O santo e a porca.
C E D E R J 137
Artes na Educação | A personagem: processos criativos
138 C E D E R J
Mulher: A vaca...
18
Chicó: A vaca?!
AULA
Mulher: A vaca que eu mandei para cá, para fornecer leite ao
vigário, tem que ser devolvida hoje mesmo.
Padeiro: Hoje mesmo!
Padre: Mas até a vaca? Sacristão, sacristão!
João Grilo: A vaca também é demais! (Arremedando o padre)
Sacristão, sacristão!
O sacristão aparece à porta. É um sujeito magro, pedante,
pernóstico, de óculos azuis que ele ajeita com as duas mãos de
vez em quando, com todo cuidado. Pára no limiar da cena, vindo
da igreja, e examina todo o pátio.
João Grilo: Sacristão, a vaca da mulher do padeiro tem que
sair!
Sacristão: Um momento. Um momento. Em primeiro lugar, o
cuidado da casa de Deus e seus arredores. Que é isso? Que é
isso?
Ele domina toda a cena, inclusive o Padre, que tem uma confiança
enorme na empáfia, segurança e hipocrisia do secretário.
Mulher e Padeiro, ao mesmo tempo, em resposta à pergunta do
Sacristão: É o padre...
Sacristão, afastando os dois com a mão e olhando para a direita:
Que é aquilo? Que é aquilo?
Sua afetação de espanto é tão grande, que todos se voltam para
a direção em que ele olha.
Sacristão: Mas, um cachorro morto no pátio da casa de Deus?
Padeiro: Morto?
Mulher: Morto?
Sacristão: Morto, sim. Vou chamar a prefeitura.
Padeiro, correndo e voltando-se do limiar: É verdade, morreu.
Mulher: Ai, meu Deus, meu cachorrinho morreu.
(SUASSUNA, 1967, p. 50-56)
C E D E R J 139
Artes na Educação | A personagem: processos criativos
ATIVIDADE
RESPOSTA COMENTADA
Antes de iniciar a pesquisa prática de construção da personagem,
é importante definir o contexto básico da situação dramática: quem
são as personagens, onde elas se encontram e o que estão fazendo.
Esse é o jeito mais simples de começar a jogar.
As circunstâncias dadas fornecem informações sobre o universo
dentro do qual a ação se desenrola. À medida que o trabalho
prosseguir, elas serão detalhadas com maior rigor, apoiando o
processo de criação da personagem. Podemos definir as seguintes
circunstâncias para a cena sugerida:
Onde: Adro ou porta da igreja.
Quem: João Grilo, Chicó, Mulher do Padeiro, Padeiro, Padre e
Sacristão.
O que: João Grilo, Chicó, Mulher do Padeiro e Padeiro desejam benzer
o cachorro e procuram, cada um a sua maneira, convencer o Padre
a dar a bênção. Ele nega o pedido e, diante da pressão sofrida pelas
outras personagens, pede ajuda ao Sacristão.
140 C E D E R J
CRIANDO UM CORPO IMAGINÁRIO
18
A criação da personagem é feita passo a passo, por meio da
AULA
pesquisa ativa do corpo no espaço. Não há como concebê-la de uma só
vez. Ela nasce à medida que o processo avança. Nesse primeiro momento,
você conhecerá alguns procedimentos práticos para a caracterização
física da personagem. Usando recursos próprios e alguns acessórios,
experimentará a criação de um corpo imaginário. É como vestir um
casaco estranho, de tamanho diferente do seu, sendo necessário moldar,
gradativamente, um novo corpo para que ele lhe fique natural.
Tomando como exemplo a cena anterior, escolha uma das
personagens que você gostaria de interpretar e jogue de acordo com as
sugestões a seguir.
C E D E R J 141
Artes na Educação | A personagem: processos criativos
Vestindo a personagem
142 C E D E R J
Reflita um momento. Você quando veste uma roupa diferente da usual
18
não tem sensações diferentes? Observe o mundo e as pessoas ao redor e
AULA
procure reconhecer a relação entre corpo, gesto e atitudes internas.
No decorrer do exercício, não se prenda ao texto e aos diálogos
da cena. Foque a atenção no corpo, na maneira como ele responde aos
estímulos. Tome consciência do comportamento físico, dos pensamentos,
sentimentos e atitudes internas que surgem durante a pesquisa de criação
da personagem.
Cumprimentando as personagens
C E D E R J 143
Artes na Educação | A personagem: processos criativos
A imagem de um animal
ATIVIDADE
RESPOSTA COMENTADA
O registro no portfolio do processo de pesquisa cria um banco de
dados ou memórias que enriquecem o seu imaginário, permitindo que
as descobertas sobre a personagem fiquem vivas na lembrança.
144 C E D E R J
18
AULA
Dicas de jogos
OBJETIVO
Objetivo da personagem
É aquilo que a
personagem persegue,
Como você imagina a personalidade da personagem? Quais são luta para obter.
Pode ser uma posse
seus objetivos, pensamentos, sentimentos ou emoções? Vamos pesquisar material, poder,
esse aspecto da vida interior da personagem, estudando as ações que domínio sobre os
outros, amor de uma
ela exerce. Toda personagem, ao realizar uma ação, tem um objetivo pessoa, integridade
moral, uma vida
principal, que segue, por sua vez, uma lógica, uma razão que lhe é melhor etc.
própria. Ao entrar em contato com essa lógica da ação, o jogador começa
FORÇA DE VONTADE
a entender o mundo interior da personagem, os pensamentos e emoções
Vontade interior
que a levam a agir de uma determinada forma. O primeiro passo nessa da personagem
para alcançar o seu
direção é compreender o OBJETIVO da personagem na cena e sua FORÇA DE objetivo.
VONTADE para alcançar o que deseja.
C E D E R J 145
Artes na Educação | A personagem: processos criativos
ATIVIDADE
RESPOSTA COMENTADA
Suponhamos que a personagem escolhida por você foi a Mulher
do Padeiro. Podemos dizer que seu maior desejo na cena seja
salvar a vida de seu cachorro, que está morrendo. A personagem
se empenha nessa luta. Depois de vários dias cuidando dele, tem
mais uma esperança, benzer o animal. Ela acredita piamente nessa
possibilidade e vai em busca do Padre, que recusa o seu pedido. A
personagem, no entanto, não admite a recusa do Padre e começa
a pressioná-lo. Que artifícios ela utiliza para pressioná-lo? Perceba
que ela não mede esforços para alcançar o seu objetivo. Sua força
de vontade demonstra firmeza e determinação, apesar de utilizar
meios inescrupulosos ou amorais para conseguir o que deseja.
Estudando o roteiro dos acontecimentos, você poderá discriminar
com detalhes a estratégia usada por cada personagem para atingir
o seu objetivo. Veja a seguir algumas sugestões para a cena.
Mulher do Padeiro: obrigar o Padre a benzer o cachorro.
Padre: negar a bênção.
Padeiro: apoiar a esposa, convencendo o Padre a benzer o
cachorro.
João Grilo: ridicularizar o Padre, deixando-o em maus lençóis;
convencer o Padre a dar as bênçãos.
Chicó: ausentar-se da discussão; evitar confusão para o seu lado.
Sacristão: impedir que “o patrimônio da igreja” seja lesado.
146 C E D E R J
Roteiro dos acontecimentos
18
Para entender a alma da personagem, isto é, sua psicologia,
AULA
devemos entender a natureza de sua ação dramática. Esse estudo, no
entanto, deve ser feito de maneira ativa, por meio da improvisação da
cena, a partir da qual o jogador, gradativamente, entra em contato com
o universo emocional da personagem.
Para orientar a improvisação, divide-se a cena em pequenas
unidades, atribuindo um título a cada uma delas e definindo, também, o
objetivo de cada uma das personagens para cada unidade. Esses pequenos
objetivos somados definem a trajetória pela qual a personagem caminha
em direção ao seu objetivo principal na cena.
Para definir o objetivo, é aconselhável escolher um verbo que
sintetize a ação. Ao perseguir seu objetivo, a personagem revela pouco a
pouco os traços de sua personalidade. A forma como reage às situações
e aos acontecimentos que enfrenta revela sua atitude, suas emoções e
seus modos de pensar. Por meio desse estudo prático, a personagem
começa a nascer.
Conflito dramático: surge do choque de forças entre as personagens. Toda ação é recíproca, isto é, gera uma reação. Drama
significa fazer, lutar, agir. Desse modo, ação e personagem são a mola mestra do teatro; personagens entendidos como
instrumentos que executam a ação ou são afetados por ela.
Façamos uma pequena análise do conflito dramático vivido pela personagem do Padre. Ele não deseja de maneira alguma
benzer o cachorro. Na peça, ele tem medo de que o Bispo possa transferi-lo de paróquia, caso dê a benção. Durante a cena,
ele continua negando, mas o seu objetivo vai perdendo força à medida que ele se vê pressionado pelas outras personagens.
Desse modo, o Padre que, no início da cena, mostrava autoridade, vai perdendo, gradativamente, seu poder de decisão.
ATIVIDADE
C E D E R J 147
Artes na Educação | A personagem: processos criativos
RESPOSTA COMENTADA
Tomando como exemplo as personagens Mulher e Padre, podemos
exemplificar essa atividade. O mesmo, no entanto, pode ser feito para
as demais personagens. Perceba como a ação dramática é recíproca,
não existe em mão única. Toda ação gera uma reação.
Primeira unidade
Vai de “(...) Ouvem-se, fora, grandes gritos de mulher.”
Até “(...) Parem, parem! Um momento. Entre o senhor e entre a
senhora: o cachorro fica lá!” (SUASSUNA, 1967, p. 51)
Segunda unidade
Vai de “(...) Mulher: Ai, padre, pelo amor de Deus, meu cachorro
está morrendo. É o filho que eu conheço neste mundo, padre.”
Até ”(...) (João Grilo estendeu-lhe um lenço e ele se assoa
ruidosamente.)” (SUASSUNA, 1967, p. 51).
Título: A Compaixão
Objetivo do Padre: apiedar-se da mulher por um momento.
Emoção do Padre: compaixão.
Objetivo da Mulher: implorar a ajuda do padre.
Emoção da Mulher: humildade, fragilidade.
Terceira unidade
Vai de “(...) Padeiro: O senhor benze o cachorro, Padre João?”
Até “(...) Padeiro: Sou eu que estou custeando!
Padre (apaziguador): Que é isso, que é isso!” (SUASSUNA,
1967, p. 52)
Título: A discriminação
Objetivo do Padre: contornar a situação, colocando panos
quentes.
Emoção do Padre: medo, receio, dúvida.
Mulher: ameaçar ou chantagear o Padre.
Emoção: indignação, raiva, humilhação.
148 C E D E R J
18
AULA
PARA EXPANDIR O UNIVERSO INTERNO DAS
PERSONAGENS
AÇÃO DRAMÁTICA
É o choque de forças
Ações físicas na peça – o conflito
contínuo entre as
personagens – é o quê.
Feito o roteiro dos acontecimentos, encontradas as AÇÕES
DRAMÁTICAS, é hora de encontrar as AÇÕES FÍSICAS, pois é por intermédio delas AÇÃO FÍSICA
que as emoções e o conteúdo interior da personagem são expressos. O É a forma como o
jogador expressa as
jogador não deve se preocupar em expressar as emoções e sentimentos da ações dramáticas. As
ações físicas são uma
personagem. A expressão das emoções surge naturalmene da compreensão ilustração da ação
sensível das ações dramáticas e da realização das ações físicas. As ações dramática – é o como.
C E D E R J 149
Artes na Educação | A personagem: processos criativos
Relacionamento
Contextos diferentes
150 C E D E R J
O mágico se fosse
18
No trabalho de interpretação teatral, o jogador se
AULA
coloca no lugar da personagem. Uma forma de fazer isso !
é respondendo ativamente à seguinte pergunta: como você Realizar uma ação em cena é uma
tarefa concreta, enquanto a emoção é
agiria se fosse a personagem, ou seja, como você agiria algo abstrato. Se o jogador agir dentro
das circunstâncias propostas, alcançará
se estivesse na mesma situação que ela? Preste atenção, a certamente a emoção desejada. A ação
traduz ou revela os sentimentos da
pergunta é: como você agiria, e não como você se sentiria. personagem.
Isso faz toda a diferença. O mágico se fosse força o jogador
a resolver um problema concreto em cena, despertando
sua vontade de agir.
O que você faria, por exemplo, se um animal ou pessoa de quem
você gostasse estivesse muito doente? Você faria tudo para ajudá-la
ou ficaria indiferente? Que tipos de cuidados você teria? Pense em
algumas ações que você realizaria se você estivesse nas circunstâncias
da personagem Mulher do Padeiro. Cuidaria de sua comida? Ministraria
os remédios? Ficaria atenta para que não lhe faltasse conforto? Pediria,
humildemente, a ajuda de alguém ou daria ordens, constantemente, a
uma pessoa para lhe ajudar?
Memória afetiva
C E D E R J 151
Artes na Educação | A personagem: processos criativos
!
Cuidado! Evite o clichê, o estereótipo, o lugar-comum, isto é, a concepção genérica da
personagem. Não se esqueça de que ela é um indivíduo diferenciado, particular. Não
se pode compor uma pessoa velha, ressaltando, apenas, as características aparentes da
velhice, andar difícil, corpo curvo, falta de energia. Existem pessoas com mais de 80 anos
que são capazes de permanecer horas a fio conferindo uma palestra em pé, com a coluna
alongada, sem demonstrar cansaço.
ATIVIDADE
152 C E D E R J
18
Qual é sua religião? Você acredita em Deus?
AULA
________________________________________________________________
E seu pensamento político e filosófico? Você acredita na justiça humana?
________________________________________________________________
A que classe social você pertence? Você aceita sua condição social?
________________________________________________________________
Você tem dificuldade financeira? O que você faz quando não tem
dinheiro?
________________________________________________________________
Qual a sua relação com a Natureza? Você respeita a Natureza ou a explora
em benefício próprio? Você necessita dela para sobreviver?
________________________________________________________________
Gosta de animais? O que eles representam em sua vida?
________________________________________________________________
RESPOSTA COMENTADA
A entrevista pode ser feita em grupo com todos os alunos. Cada um
faz uma pergunta ao jogador da vez. Por meio dela, o ator descobre
aspectos da sua própria personagem e ainda compreende o universo
das outras personagens com quem contracena.
O uso do pronome pessoal eu ajuda o jogador a agir em nome da
personagem, como se fosse ela mesma, enquanto a utilização do
pronome na terceira pessoa – ele – distancia o ator da personagem,
interrompendo o efeito de ilusão e identificação.
A entrevista auxilia na criação do contexto de vida da personagem
e no entendimento da situação dramática. A sessão de perguntas
é livre. Os alunos criam as suas próprias perguntas para o
entrevistador responder. Eles podem levantar questões referentes
aos acontecimentos vividos pelas personagens na cena ou em outro
momento fora dela.
CONCLUSÃO
C E D E R J 153
Artes na Educação | A personagem: processos criativos
ATIVIDADE FINAL
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154 C E D E R J
RESPOSTA COMENTADA
18
A carta é um elemento didático que auxilia o jogador a entrar em contato
AULA
com o mundo interior da personagem, expandindo sua compreensão
sensível sobre as emoções e pensamentos da personagem. Esse recurso
pode ser usado antes de uma improvisação. Ele ajuda o jogador a se
colocar dentro das circunstâncias da peça, concentra a sua atenção
e cria um estado de disponibilidade física e emocional, auxiliando-o a
se colocar no lugar da personagem. Esse recurso funciona como uma
espécie de diálogo imaginário.
RESUMO
C E D E R J 155
19
AULA
A encenação teatral
Metas da aula
Apresentar algumas noções a respeito
da encenação teatral.
objetivos
INTRODUÇÃO Talvez você ainda não tenha tido a oportunidade de ir ao teatro, mas com
certeza já assistiu a uma festa folclórica e até mesmo ao carnaval pela TV.
Essas festas têm um caráter espetacular, pois são dirigidas a uma platéia
e possuem enorme magia.
Essa magia é criada pela disposição em cena dos mesmos elementos que
compõem uma encenação teatral. Por exemplo, numa Festa de Reis ou no
Bumba-meu-boi, você pode reconhecer a presença de personagens com
gestos característicos, figurino e adereços apropriados, objetos cênicos, a
expressão de dança, música, canções, efeitos sonoros e ainda um texto,
tema ou história a ser comunicada. Sem dizer, também, que os atores se
deslocam por um espaço físico determinado, existindo, ainda, um cenário e
uma iluminação cênica natural ou artificial com cores, raios e flashes.
Todos esses elementos são articulados para conferir à cena expressividade,
interesse e curiosidade. Esse conjunto organizado recebe o nome de
encenação. Mas, quem são os artistas responsáveis por essa organização?
Qual é a figura central que coordena com sensibilidade todas as atividades,
dá a palavra final e o tom do espetáculo? Conheça, a seguir, um pouco sobre
o papel de cada artista e aprenda algumas dicas sobre o processo de criação
da encenação teatral.
O SURGIMENTO DO ENCENADOR
158 C E D E R J
A expansão das fronteiras geográficas permitiu a difusão de
19
teorias, pesquisas e práticas teatrais. Os artistas começaram a viajar
AULA
em turnês por diversos países, entrando em contato com culturas
e manifestações teatrais diferentes, o que levou ao desenvolvimento de
novas técnicas, conceitos e procedimentos estéticos e artísticos.
Por sua vez, a descoberta da iluminação realçou a magia do
espetáculo. Mais do que um elemento complementar ou secundário,
ela passou a assumir uma função artística, não só definindo climas
e atmosferas, como também tornando-se parceira do ator, animando
e esculpindo espaços cênicos.
A iluminação elétrica, como afirma Roubine, enriqueceu
potencialmente a teoria e a prática do espetáculo na medida em que
coloca em destaque a temática da fluidez, acentuando, conseqüentemente,
a dialética entre o real e o imaginário, a estabilidade e a mobilidade, a
opacidade e a transparência etc. “Em suma, aparece pela primeira vez, sem
dúvida, a possilidade técnica de realizar um tipo de encenação liberto de
todas as amarras dos materiais tradicionais” (ROUBINE, 1998, p. 23).
C E D E R J 159
Artes na Educação | A encenação teatral
ATIVIDADE
RESPOSTA COMENTADA
Tomo emprestado esse termo do professor Marcos Bulhões por
acreditar que, na Pedagogia do teatro, mestre-encenador é aquele
que tem a visão da linguaguem teatral como um todo e que busca
reconhecer, na situação concreta da escola, os recursos capazes de
estimular no aluno a construção e a leitura da teatralidade durante
os jogos e ou realização de espetáculos. Ao ensinar, ele detém o
olhar sobre os indivíduos e também sobre a produção dos signos
teatrais em sala de aula.
Diante do desejo de um grupo de alunos de se expressar
cenicamente para um público, o professor, como um mestre-
encenador, deve saber orientá-lo nessa direção, propondo desafios
práticos e estéticos, sem perder de vista o caráter lúdico do teatro
e a expressão espontânea.
Na escola, uma prática interessante é distribuir entre os alunos as
funções artísticas e técnicas da encenação, atribuindo a cada um,
segundo a motivação pessoal, responsabilidades diferentes e/ou
estimulando, por sua vez, o trabalho de criação coletiva ao permitir
o envolvimento da turma em todas as etapas do processo criativo.
160 C E D E R J
19
Um pouco de história – A encenação de Vestido de noiva
AULA
No Brasil, a encenação de Ziembinsky (1908-1978) da peça de Nelson Rodrigues (1912-1980) Vestido
de noiva, em 1943, veio revolucionar o panorama do teatro nacional. Essa montagem foi um marco
do teatro moderno no Brasil, pois, a partir daí, a perspectiva era de que soprariam novos ventos em
relação à forma tradicional de se fazer teatro no país. A irreverência de Nelson, juntamente com o
gênio artístico de Ziembinsky resultou na criação de um espetáculo que integrava brilhantemente
o texto e a escritura cênica.
Nelson Rodrigues, considerado, por sua vez, um dos maiores dramaturgos nacionais, rompeu em
sua dramaturgia com uma série de paradigmas conceituais a respeito do texto teatral. Em Vestido
de noiva, descontruiu os princípios clássicos do texto dramático, as unidades de tempo, espaço e
ação. Na peça, a ação vai e volta no tempo, transcorrendo em três planos distintos – da realidade, da
memória e da alucinação –, submetendo a trajetória das personagens às forças do insconciente.
Para conhecer melhor sua dramaturgia, você poderá ler algumas de suas peças: A mulher sem pecado,
Os sete gatinhos, O beijo no asfalto, Toda nudez será castigada, Boca de Ouro, Dorotéia, Álbum de
família, dentre tantas outras.
C E D E R J 161
Artes na Educação | A encenação teatral
162 C E D E R J
19
AULA
O ponto é uma função que desapareceu do teatro. Antigamente, a
pessoa que exercia essa função sussurrava o texto para os atores. Ela
ficava escondida atrás de um caixote no palco e não era vista pela platéia.
Imagine! Naquela época, o ator tinha pouco tempo para decorar a fala. Os
ensaios e as temporadas teatrais duravam apenas alguns dias, o que quer
dizer muito trabalho para um curto período de tempo. As companhias,
geralmente, tinham um repertório de peças, revezando-as semanalmente.
Hoje, ao contrário, os ensaios envolvem um trabalho de pesquisa que pode
durar meses, e as temporadas se estendem por um tempo bem maior,
algumas peças chegando a permanecer em cartaz durante anos.
ATIVIDADE
COMENTÁRIO
Que tal, você gostou da atividade? Você acaba de assumir o lugar do
cenógrafo, que planeja o ambiente para uma possível encenação do
Auto da Compadecida. Se desejar, participe, oportunamente, de uma
exposição de maquetes no seu pólo e compartilhe com os colegas
o cenário que você criou. Nessa ocasião, você poderá perceber a
diferença de leituras e materiais utilizados por cada um para expressar
a mesma cena.
C E D E R J 163
Artes na Educação | A encenação teatral
Equipe artística
Dramaturgo ou autor: Thomas Bakk
Música: Lenine
Encenador ou diretor: André Paes Leme
Diretor musical: Lucas Ciavatta
Iluminador: Djalma Amaral
Figurinos e adereços: Bárbara Martins
Assistente de figurino e adereços: Orlanda Rosa
Preparador vocal: Jorge Luiz Cardoso
Criação dos bonecos: Luciana Maia
Atores: Márcia do Valle e Claúdio Mendes
164 C E D E R J
19
AULA
Aviso aos navegantes tem como estímulo cênico a literatura de
cordel. O diálogo é entremeado por músicas e desafios cantados à moda
dos repentistas nordestinos. Em contraponto com a literatura de cordel
– meio popular de comunicação que surgiu da tradição oral e é dos
tempos em que as áreas mais isoladas do Nordeste não tinham acesso
aos jornais e à impressão escrita –, utilizaram como contexto ficcional
uma viagem pela internet.
Seu Cifrão e Dona Mídia, as personagens principais que conduzem
a história, navegam pela internet em busca de um Cabral diferente,
um Cabral bem brasileiro, identificado com nossa cultura e tradições
populares. Se, por um lado, o espetáculo faz uma crítica à cultura de
massa, por outro lado, o texto faz referência ao modo de vida dos
alunos, destacando e valorizando suas opções estéticas, muitas vezes
subestimada por ser diferente da cultura erudita ou do conhecimento
tido como oficial.
O texto da peça ainda faz uma crítica à sociedade capitalista e à
prática materialista do homem contemporâneo, destacando a dependência
econômica e cultural do Brasil aos modelos estrangeiros. Num duelo
cantado com Lampião, Dona Mídia entoa a seguinte estrofe:
Libra esterlina, dólar cambial;
Escudo, marco, franco, vil metal,
Ouro, vintém, conto de réis, pataca...
Privatizando toda estatal.
Ai, ai, ai, ai...
Televisão, Internet, jornal, Rádio, revista, @ e outdoor...
Time is money, tudo é capital (LENINE, 2002, p. 42).
Neta
Estrelando Cabral da Peste,
Que veio lá do Nordeste,
Amontoado no lombo
De um jumento novo,
Pra descobrir se o ovo
É de Colombo,
Ou do povo!
Cabral
E apresentando Neta, que veio
Das bandas do interior,
Rápida como um e-email:
A Interneta do computador! (BAKK, 2002, p. 1)
Cabral
(...) Contanto que eu leve a fama,
Abra logo esse site da rede...
E atenção, Vasco da Gama,
Porque aviso aos navegantes:
Se Cabral descobriu o Brasil,
Agora é o Brasil que vai descobrir Cabral!...
Um Cabral que nunca se viu
Na Globo, SBT, Bandeirantes
Ou qualquer outro canal!
Mas com o site que a interneta abriu,
Serei descoberto, afinal! (BAKK, 2002, p. 6)
166 C E D E R J
Ao final do prólogo, os dois bonecos se recusam a fazer o
19
espetáculo. Não havendo outra saída, cabe aos próprios atores conduzir
AULA
a ação dramática. Numa espécie de alusão ao teatro dentro do teatro,
tem início a metamorfose dos atores nas personagens Dona Mídia e seu
Cifrão.
Na primeira cena da peça, Dona Mídia convence seu Cifrão
a patrocinar o seu projeto pela internet e com o patrocínio na mão dá
início à navegação, passando de um site a outro, isto é, de uma cena
a outra, refazendo os ciclos dramáticos de personagens típicos da
literatura de cordel: o Cego Aderaldo, Dona Genoveva, Lampião,
Padrinho Padre Cícero, o Diabo logrado.
A encenação, apesar do aspecto despojado – dispunha de poucos
e simples recursos –, era de grande inventividade e riqueza cênica,
articulando com harmonia e unidade os elementos da linguagem teatral.
O jogo teatral de grande vitalidade era recriado em cena, à vista do
espectador, deixando entrever os truques e soluções cênicas. A iluminação
natural contribuiu nesse sentido, tornando vísiveis as transformações
ocorridas em cena.
A peça, ao estilo das companhias mambembes, foi pensada para
ser montada em qualquer espaço, fechado ou aberto. Um tapete vermelho
delimitava a área de jogo, transformando o espaço da escola em espaço de
poesia. Seu formato redondo lembrava, ao mesmo tempo, o espaço do circo,
da festa, da comunhão entre ator e platéia.
C E D E R J 167
Artes na Educação | A encenação teatral
168 C E D E R J
Ao contrário de Dona Mídia, personagem que permaneceu
19
em cena durante toda a trama, seu Cifrão dava a sua vez às diversas
AULA
personagens do ciclo de cordel. Por meio da simples troca de adereços, o
ator que representava seu Cifrão, utilizando com maestria seus recursos
corporais, vocais e interpretativos, transformava, à vista do público, uma
personagem em outra com agilidade e surpresa.
ATIVIDADE
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Artes na Educação | A encenação teatral
COMENTÁRIO
Você já leu um livro ou foi a uma exposição de arte ou ao teatro e ao
final saiu de lá entusiasmado, encantado ou repleto de indagações?
Esse prazer estético foi possível porque o objeto apreciado produziu
sentido para a sua vida, sendo capaz de tocar a sua sensibilidade.
Posso, então, dizer que aquela obra lhe era atual.
No teatro, atualizar significa introduzir a encenação de um texto
no presente do espectador, suscitando questões que expressem o
sentimento e o pensamento do homem atual. Uma encenação torna-
se, também, atualizada quando os meios expressivos explorados
pelo encenador são capazes de tocar a sensibilidade do espectador
contemporâneo.
Na escola, é importante aproximar a encenação do universo dos alunos,
trazendo à tona a dimensão crítica da realidade. Aviso aos navegantes
cumpre essa função de maneira brilhante, ao trazer questões pertinentes
ao nosso tempo, ao resgatar o valor da cultura popular, e, ainda, ao
introduzir técnicas e soluções cênicas ricas em teatralidade.
CONCLUSÃO
ATIVIDADE FINAL
170 C E D E R J
RESPOSTA COMENTADA
19
Como você sabe, o mestre-encenador tem várias tarefas a coordenar
AULA
durante o processo de encenação, dentre elas, a organização do
programa da peça. O programa pode conter depoimentos do
encenador ou dos atores sobre a relevância do texto ou do espetáculo,
informações sobre o processo de criação, notas sobre o dramaturgo,
além de conter a ficha artística e técnica com o nome de cada pessoa
envolvida na montagem da peça e sua respectiva função como forma
de reconhecimento do esforço coletivo das equipes.
Encontram-se também discriminados no programa os agradecimentos
às pessoas que tornaram possível a realização do projeto e o nome
dos patrocinadores. Para o programa ficar mais interessante, você pode
colocar fotos ou desenhos que expressem imagens do espetáculo ou
do processo de criação.
O programa introduz o espectador no universo da peça antes mesmo
de ela começar, criando expectativas, indagações e despertando,
inicialmente, o interesse dele sobre o que irá se passar em cena.
RESUMO
Para ser dito como se você fosse um locutor de futebol muito, muito animado.
C E D E R J 171
20
AULA
Teatro de animação
Meta da aula
Apresentar repertório de recursos para a prática
do teatro de animação na escola.
objetivos
INTRODUÇÃO Nossa última aula reserva uma surpresa especial. Você conhecerá de perto o
mundo mágico do teatro de animação. Certamente, você já assistiu a um teatro
de bonecos. Talvez se lembre de Pinóquio, personagem típico da literatura
clássica infantil, um boneco que ganha vida nas mãos de Gepetto e sonha
um dia ser gente. Contudo, o teatro de animação é uma área mais extensa,
pois além dos bonecos inclui máscaras e objetos. Esses elementos materiais
ganham vida e transformam-se em personagens por intermédio do movimento.
“O movimento é a base da animação, pois é preciso ter-se sempre a ilusão de
uma ação executada durante o ato da apresentação, sem o qual não existe
o ato teatral” (AMARAL, 1996, p. 18).
O teatro de animação desperta grande interesse nas crianças e jovens e é um
excelente recurso para o trabalho criativo na escola. Com a sua ajuda, o aluno
poderá exercitar a dimensão artística desse aprendizado, confeccionando as
formas e também criando e realizando espetáculos. Nesta aula, o foco está
voltado, especificamente, para as máscaras e o teatro de bonecos. Você
aprenderá procedimentos técnicos e artísticos para que possa, oportunamente,
empreender a sua própria aventura dentro desse universo.
174 C E D E R J
20
AULA
Figura 20.1: Máscara trágica e máscara cômica.
O que é a máscara?
C E D E R J 175
Artes na Educação | Teatro de animação
176 C E D E R J
20
AULA
Figura 20.3: Máscara da Commedia Dell’arte.
ATIVIDADE
RESPOSTA COMENTADA
A confecção das máscara é apenas uma etapa do rico processo
que esta atividade pode proporcionar na escola. Após a sua
criação, o trabalho pode ser desdobrado, solicitando-se aos alunos
a pesquisa corporal e gestual das personagens, a proposição de
pequenas improvisações e até mesmo a criação de espetáculos.
Existe uma enorme variedade de máscaras oriundas de diferentes
culturas. Pesquise em livros, revistas, na internet e observe as festas
folclóricas de sua região. Esse material poderá ser útil para estimular
a imaginação e a exploração da máscara no fazer teatral.
C E D E R J 177
Artes na Educação | Teatro de animação
Um pouco de história
O teatro de sombras de Java, uma das ilhas da Indonésia, é um dos mais
famosos do mundo, e tem sua origem no ano 100 d.C. Nesse país, o teatro de
sombras aprimorou-se de tal maneira que se tornou uma de suas mais altas
expressões de cultura. Além de propiciar divertimento, o teatro de Java, em
sua essência, representa o sentido espiritual da vida. Realizado inicialmente
em família, o teatro era apenas uma cerimônia religiosa conduzida pelo
chefe da casa. “O seu objetivo era evocar os antepassados, cujos espíritos
retornavam a eles sob forma de figuras projetadas na tela. Essas cerimônias
passaram, depois, a ser realizadas no centro da comunidade e conduzidas
por um dalang” (AMARAL, 1996, p. 84). Ainda segundo Amaral, dalang é
nome dado ao bonequeiro que manipula as figuras, mas que é, ao mesmo
tempo, uma espécie de poeta, músico, conselheiro, sacerdote que ministra
a cerimônia ou apresentação.
178 C E D E R J
“unicamente de assuntos dessa vida”, ridicularizando as lendas sobre os
20
deuses e, mais tarde, no decorrer da História, os ritos cristãos. Estudiosos
AULA
sobre o assunto apontam, também, a existência de atores mímicos, que, já
no século V a.C., apresentavam-se com pequenas marionetes.
Na Idade Média, com a ascensão do Cristianismo, nasceu, no
Ocidente, uma arte sacra e religiosa que influenciou o teatro de bonecos
popular da Europa. Apesar de todas as mudanças históricas, os mimos
continuaram marcando sua presença em feiras e praças, representando
dramas de caráter religioso com enorme apelo popular. É dessa época,
também, o surgimento dos primeiros presépios vivos que deram origem
ao teatro de bonecos popular na Europa e, mais tarde, no Brasil.
Das pequenas cenas religiosas esculpidas em madeira, inicialmente com
figuras estáticas, surgiram os primeiros bonecos articulados que, com o
tempo, foram ganhando movimento por meio de um sistema de fios ou
varas, como nos conta Amaral (1996, p. 101). É interessante perceber
que o teatro, nessa época, convivia, de um lado, com o teatro religioso,
difundindo a moral cristã, e, de outro, com o teatro popular, em que a
paródia e o riso corriam soltos.
O termo “marionete” vem da Idade Média. Maries era o nome francês dado
à madeira com a qual se esculpiam as imagens religiosas. Essa designação
usada para nomear a madeira teria, também, relação com o nome da Virgem
Maria, mariola, mariotte, marotte, marion ou marrionnete, referência às
pequenas imagens de Nossa Senhora (AMARAL, 1996, p. 104).
O QUE É O MAMULENGO?
C E D E R J 179
Artes na Educação | Teatro de animação
180 C E D E R J
20
Receita de mamulengo
AULA
Material: balão, jornal, cola, tinta guache colorida, pincel, cabo de
vassoura, cabide, roupas usadas.
Modo de fazer: encha o balão e corte o jornal em tiras finas. Passe cola no
balão com o pincel. Em seguida, cole as tiras de jornal no balão formando
várias camadas. Espere secar por um período de dois dias. Pinte as tiras
de jornal usando tinta guache. Faça, desse modo, a cabeça e o rosto do
boneco. Depois, prenda o cabide no cabo da vassoura. Vista o cabide,
caracterizando o boneco segundo o que você imaginou. Use o cabo da
vassoura como suporte para a manipulação do mamulengo e divirta-se
com a sua turma.
ATIVIDADE
RESPOSTA COMENTADA
A experiência com o teatro de bonecos é um momento inesquecível na
vida de muitas crianças, jovens e também adultos. Desde muito cedo,
entramos em contato com uma ou outra forma de manifestação dessa
arte. Talvez você se lembre de uma brincadeira com fantoche, boneco
de vara ou, quem sabe, você se recorde dos momentos em que criava
com as mãos imagens de animais projetadas em sombra nas paredes.
Existem inúmeras técnicas de construção e manipulação de bonecos,
algumas mais simples e outras mais elaboradas. Conhecê-las mais de
perto certamente enriquecerá o seu trabalho artístico e pedagógico
com o teatro na escola.
Oportunamente, exponha o seu boneco no pólo e compartilhe com
o tutor e os colegas o seu processo de criação. Uma boa sugestão
é organizar com os colegas uma pequena apresentação da cena
escolhida do Auto da Compadecida, utilizando bonecos.
C E D E R J 181
Artes na Educação | Teatro de animação
182 C E D E R J
3. Boneco de luva ou fantoche é aquele que o bonequeiro
20
veste como uma luva. Pode ser confeccionado em couro
AULA
ou tecido, como feltro, seda e algodão. Utilize os recursos
disponíveis na escola, como sucata ou material reciclado.
Um jeito fácil de fazê-lo consiste em utilizar sacos de papel
(sacos de pão), sacos de plástico, garrafa PET, panos e,
ainda, meias velhas ou luvas. Para caracterizar o rosto e
fazer o figurino, basta pintar, colorir, fazer colagens com
recortes de revistas, tecidos, lãs, barbante etc. Botões e
sementes podem ser utéis para fazer olhos e nariz.
C E D E R J 183
Artes na Educação | Teatro de animação
184 C E D E R J
20
AULA
QUEM MANIPULA OS BONECOS E COMO?
um biombo ou à vista do público. Quando estiver vísivel, deve manter-se É aquele que
anima e dá vida
neutro, isto é, assumir uma atitude distanciada, para que a atenção do a personagens
espectador não recaia sobre si, e sim sobre o boneco. O manipulador inanimados,
enquanto o jogador
também pode manter-se neutro vestindo roupa preta. A cor preta não ou ator é aquele
que, diante do
permite a distinção entre figura (manipulador) e fundo (palco preto). público, representa
A manipulação do boneco exige concentração e controle do gesto, ou encarna uma
personagem.
o que poderá ser desenvolvido com a prática. Uma boa maneira de iniciar-
se no aprendizado da manipulação consiste em envolver-se pessoalmente
na construção do boneco, momento em que suas possibilidades técnicas
serão criadas. Segundo Amaral, é também durante essa fase que o jogador-
manipulador desenha e descobre os primeiros traços de personalidade
do boneco:
C E D E R J 185
Artes na Educação | Teatro de animação
186 C E D E R J
Para cada tipo de boneco existe uma técnica diferente de
20
manipulação. Veja pelas ilustrações a seguir algumas dicas para a
AULA
manipulação de bonecos na escola. Esses exemplos referem-se apenas
às modalidades mais simples de manipulação de bonecos, porém,
existem outras técnicas mais elaboradas, como a exigida pelo teatro de
marionetes.
1. Fantoches ou bonecos de luvas
a. De fácil manipulação pela criança. O polegar controla a parte
inferior da boca e os outros dedos a parte superior. Abrindo e fechando
a mão dentro da luva, a boca do boneco é movimentada.
C E D E R J 187
Artes na Educação | Teatro de animação
3. Boneco de varas
a. Duas varetas são presas ao boneco. Basta movimentar as
varetas para o boneco ganhar vida e expressão. Nesse exemplo, não há
a articulação dos membros separadamente.
188 C E D E R J
20
Para treinar a manipulação de bonecos, uma boa dica é a construção de um
AULA
boneco articulado, como propõe Amaral (2002, p. 92), de acordo com os
procedimentos resumidos a seguir.
Material: jornal, barbante e fita crepe.
Observe a figura humana e os pontos de articulação do corpo humano,
membros, cabeça e tronco.
Em grupo, construir um boneco de tamanho médio, usando jornal enrolado
para fazer as partes do corpo e barbante para fazer a articulação entre
uma parte e outra. Não se esqueça de fazer um rosto para o boneco,
principalmente o nariz, pois este direciona o foco de atenção do boneco.
Recomenda-se que três ou mais jogadores manipulem o boneco
diretamente, segurando a cabeça, os braços, os joelhos ou os pés. No
início, os alunos poderão brincar livremente, articulando os membros
e exercitando os movimentos básicos. Aos poucos, poderá ser sugerida a
realização de movimentos mais complexos, como: pegar objetos próximos
e distantes, dar adeus, coçar a cabeça, andar, sentar, ler etc.
C E D E R J 189
Artes na Educação | Teatro de animação
190 C E D E R J
e. Pendure uma toalha ou lençol num varal com prendedores de
20
roupa.
AULA
Recorte um quadrado ou retângulo na parte superior do lençol,
na altura dos manipuladores, de maneira que eles fiquem escondidos.
O espaço recortado é o palco onde aparecem os bonecos.
C E D E R J 191
Artes na Educação | Teatro de animação
192 C E D E R J
Ainda nessa perspectiva, podemos enumerar outros ganhos
20
pedagógicos, como o desenvolvimento da percepção visual, auditiva, tátil;
AULA
da percepção da seqüência de fatos (noção espaço-temporal); coordenação
dos movimentos; da expressão gestual, oral, vocal e plástica, sem dizer o
estimulo à criatividade, à imaginação, à memória, ao vocabulário etc.
Da confecção da máscara ou boneco, passando pela criação do
texto até a organização e a apresentação do espetáculo de animação, o
aluno envolve-se em atividades diversas que lhe permitem o aprendizado
de novos conhecimentos e percepções estéticas. Durante o manuseio do
material, ele experimenta e descobre as inúmeras qualidades físicas dos
objetos, como superfície (áspera, lisa, mole, dura etc.), cor, tamanho, altura,
espessura; percebe e relaciona formas (geométricas, reais e abstratas);
desenvolve noções espaciais e toma consciência do esquema corporal pelo
reconhecimento das diferentes partes do corpo (pernas, braços, cabeça,
tronco etc.) e pelo treino da lateralidade (esquerda e direita) e da localização
(atrás, na frente, ao lado, em cima, dentro e fora).
CONCLUSÃO
C E D E R J 193
Artes na Educação | Teatro de animação
ATIVIDADE DE FINAL
RESPOSTA COMENTADA
Um passo importante para elaborar o projeto de montagem de um teatro
de animação na escola é sua adequação ao nível de desenvolvimento dos
alunos com quem você pretende trabalhar. Esse dado norteará a escolha
dos materiais, a técnica de construção e manipulação, a seleção do texto
e as maneiras de propor e desenvolver as atividades.
Você poderá construir o projeto levando em consideração três ações
distintas:
– planejar (quem são os alunos, a quem se destina a apresentação,
seleção de materiais e da técnica mais apropriada aos alunos, escolha
das personagens, texto, palco etc.);
– executar (inclui a construção das máscaras e bonecos, palco, cenário,
iluminação, sonoplastia, ensaios e a apresentação do espetáculo);
– avaliar (durante a avaliação, cabe rever todos os momentos do
processo criativo, analisando o envolvimento dos alunos na atividade e o
aprendizado pedagógico e artístico, além de ser um bom momento para
o professor traçar novas estratégias educacionais).
RESUMO
194 C E D E R J
LEITURA RECOMENDADA
20
AULA
CALDAS Sarah, LADEIRA Idalina. Fantoche & Cia. São Paulo: Scipione, 2001.
C E D E R J 195
Artes na Educação Volume 3
8 CEDERJ
21
ARTE E COTIDIANO
AULA
Ao andarmos pelas ruas de qualquer cidade, verificamos a
arquitetura típica local, as esculturas públicas nas praças, os murais
decorativos, as pinturas ornamentais das igrejas com seus vitrais coloridos.
Você deve se tornar um observador mais sensível das coisas que o cercam.
Tudo ao nosso redor nos afeta e nos encanta, podendo provocar as reações
mais diferentes, do encantamento e admiração à reflexão.
ATIVIDADE
RESPOSTA COMENTADA
Nossas reações/emoções nos aproximam do pensamento do
artista no ato de criação, portanto, nossas sensações descobrem a
linguagem artística utilizada. As obras de arte materializam uma visão
de mundo, levam ao estranhamento do observador, no sentido de
realizarmos, diante do objeto observado, o desejo da contemplação,
a experiência estética, ou seja, a fruição.
A fruição, resultante do fenômeno da percepção sensível, é o que
nos une à sensibilidade do artista. Assim, o artista materializa sua
existência por meio do som, da linguagem oral ou escrita, da
linguagem corporal, da expressão visual, ou, em muitos casos,
da união de diversas linguagens.
CEDERJ 9
Artes na Educação | Arte, o que é? Artistas, quem são?
10 CEDERJ
21
No nosso caso, é a linguagem visual que nos interessa. Nossos
olhos se relacionam e se identificam com as coisas do mundo. Olhar
AULA
significa nos apoderar do que vemos, tornando-nos vedores qualificados
das imagens que nos afetam. As imagens visuais são estruturas perceptivas
construídas por formas, cores, linhas, pontos, volumes que representam,
simbolicamente, o mundo que nos rodeia, por diferentes materiais,
técnicas e formas de expressão. Contudo, muitas imagens visuais são
constituídas de códigos visuais transmissores de mensagens que devem
ser identificadas por todos aqueles membros pertencentes ao grupo social
(placas de trânsito, sinalização de restaurantes, placa de proibido fumar,
telefones públicos, dentre outros).
Figura 21.4
CEDERJ 11
Artes na Educação | Arte, o que é? Artistas, quem são?
linha ondulada
linha reta vertical
linha curva
Figura 21.5
12 CEDERJ
21
AULA
Figura 21.6: Amanhecer, de Fayga Ostrower.
CONCLUSÃO
CEDERJ 13
Artes na Educação | Arte, o que é? Artistas, quem são?
ATIVIDADE FINAL
Podemos conhecer lugares nos quais nunca estivemos, por meio de filmes
e fotografias, por exemplo.
RESPOSTA COMENTADA
Espera-se que, com esta e as demais atividades desta aula, você
tenha se tornado sensível ao processo do olhar, por isso enfatizamos
a importância da experiência da observação e do reconhecimento dos
objetos artísticos no cotidiano.
RESUMO
A arte, nos diferentes contextos históricos, sempre expressou a ação humana sobre
o mundo, ou seja, a interpretação e a representação do sentir e do viver.
O artista, na complexidade cultural, é o intérprete do mundo na produção
e socialização do conhecimento artístico.
LEITURA RECOMENDADA
14 CEDERJ
22
AULA
Como vejo o mundo:
arte, artistas e realidade
Metas da aula
Apresentar a triangulação arte/artista/realidade
e os desafios enfrentados pelo
artista na construção da imagem
e na percepção do mundo.
objetivos
Pré-requisitos
Para facilitar a compreensão desta aula,
você deve ter lido os conceitos de arte
apresentados na Aula 21.
Artes na Educação | Como vejo o mundo: arte, artistas e realidade
16 CEDERJ
22
ATIVIDADE
AULA
Figura 22.2: O Retrato do Papa Inocêncio X
(1650), de Diego Velázquez (1599-1660).
RESPOSTA COMENTADA
Você deve ter notado que o retrato do Papa Inocêncio X, em estilo
detalhado realista, esboça toda sutileza e virtuosismo do artista em
captar psicologicamente a personalidade do retratado e de capturar,
tecnicamente, o refinamento das vestes e do gestual da figura.
CEDERJ 17
Artes na Educação | Como vejo o mundo: arte, artistas e realidade
18 CEDERJ
22
O sistema da arte é uma forma de conhecimento por meio do
qual é acionado o raciocínio lógico, a imaginação, a pesquisa e a análise
AULA
sistematizada. Por isso, a arte apresenta um caráter inovador, muitas
vezes, vinculando-se às invenções científicas. Sua contribuição para a
História humana, ao ser veículo do questionamento, da emoção, de
reflexão, ou, ainda, um dos meios na representação de crenças, idéias
e pessoas, é, também, um procedimento para reflexão.
Devemos nos tornar observadores qualificados e espectadores
ativos na vivência junto aos objetos artísticos, ou seja, a experiência
estética de criar e recriar, explicar o inexplicável. Na tentativa da
interpretação do mundo, cada artista tem seu estilo e técnica, da mesma
forma que cada um de nós tem sua maneira própria de escrever ou falar,
apesar de sermos detentores do mesmo código lingüístico. O mesmo
acontece com as artes visuais, em especial com o ato de pintar, no qual
o artista utiliza diferentes tipos de suporte, como tela, madeira, metal,
papel etc. Os suportes são a base sobre a qual se executará a pintura.
E, por isso, segundo o suporte utilizado, a técnica de pintura pode assumir
características composicionais que materializem a estética do artista. Com
essas características, o artista determina o tema da obra como paisagem,
retrato, natureza-morta, fato histórico, tema religioso, dentre outros.
O tema é o conjunto de assuntos de que trata a obra de arte para
representar uma situação do cotidiano de uma época (de um lugar
determinado) ou é uma ficção de imagens.
ATIVIDADES
a. Do que eu gosto?
Observe e crie apontamentos sobre os objetos que você vê. Anote as formas
geométricas dos objetos analisados, as cores e a textura. Perceba quais
são as suas preferências sobre o volume e a funcionalidade dos objetos.
Observe quais os temas de sua escolha, os detalhes das coisas, os estilos
dos vídeos, das fotos ou dos filmes que mais aprecia. Permaneça atento,
sempre, e conheça profundamente suas experiências estéticas.
CEDERJ 19
Artes na Educação | Como vejo o mundo: arte, artistas e realidade
COMENTÁRIOS
O resultado esperado com a realização das Atividades 2 e 3 é
fazer com que o observador aprofunde seus níveis de percepção,
qualificando o olhar. Em referência à Atividade 3, pretende-se
que o texto visual torne-se uma síntese gráfica desse processo de
aperfeiçoamento do observador.
CONCLUSÃO
20 CEDERJ
22
ATIVIDADE FINAL
AULA
Observe a ambigüidade da imagem. Tente identificar o rosto feminino e o
saxofonista. Essa técnica é chamada figura-fundo; dependendo do que o olhar
do observador selecionar, uma imagem irá se construir.
Figura 22.4
____________________________________________________________________________
____________________________________________________________________________
____________________________________________________________________________
____________________________________________________________________________
__________________________________________________________________________
RESPOSTA COMENTADA
A experiência estética pode ser desenvolvida e aprimorada e, portanto,
torna-se vulnerável a essa ação transformadora, revivendo experiências
anteriores e evocando percepções adormecidas.
RESUMO
CEDERJ 21
Artes na Educação | Como vejo o mundo: arte, artistas e realidade
LEITURA RECOMENDADA
BARBOSA, Ana Mae (Org.). Som, gesto, forma e cor: dimensões da arte e seu
ensino. Belo Horizonte: C/Arte, 1995. (Coleção Arte & Ensino)
22 CEDERJ
O que os olhos (não) vêem
23
AULA
o coração (não) sente.
Leituras de Arte (parte 1)
Meta da aula
Apresentar os elementos (signos) constituidores
das artes visuais.
objetivos
INTRODUÇÃO As próximas aulas servirão para nos familiarizar ainda mais com as linguagens
visuais. Apresentaremos os elementos constituidores de uma mensagem visual
e sua importância no mundo atual, seja nas artes plásticas, em publicidade
ou em placas de trânsito.
DECIFRANDO MENSAGENS
ATIVIDADE
24 CEDERJ
23
RESPOSTA COMENTADA
AULA
A vida corrida que levamos nos dias de hoje faz com que nossas
ações se tornem cada vez mais automáticas. Prestando atenção nos
signos que nos rodeiam, veremos que para tudo há uma função e,
conseqüentemente, tudo possui importância. Nas placas sinalizadoras,
por exemplo, um simples desenho e uma faixa diagonal vermelha nos
fazem entender que atitude devemos ou não tomar.
PONTO
CEDERJ 25
Artes na Educação | O que os olhos (não) vêem o coração (não) sente. Leituras de Arte (parte 1)
LINHA
26 CEDERJ
23
A linha é uma marca contínua ou de aparência contínua. Pelo
modo como é representada, a linha pode sugerir diversas idéias e
AULA
sentimentos. É considerada o sinal mais versátil, quando traçada em
uma superfície. Por meio da linha, os artistas plásticos podem criar várias
formas de exprimir seus sentimentos, bem como transmitir movimento,
velocidade, violência, medo, agressividade, leveza, ascendência. A linha
é o elemento que define as figuras e as formas.
PROPORÇÃO
CEDERJ 27
Artes na Educação | O que os olhos (não) vêem o coração (não) sente. Leituras de Arte (parte 1)
SUPERFÍCIE E TEXTURA
28 CEDERJ
23
CORES
AULA
Como seria um mundo sem cor? As cores fazem parte de nossa
vida, do nosso dia-a-dia, e não podemos imaginar um mundo em preto
e branco. Mas, por estar tão presente em nosso cotidiano, não damos a
esse universo tanta importância. Só damos real atenção às cores quando
precisamos escolher algo para vestir ou combinar a cortina nova com os
móveis da sala. Alguns preferem cores mais extravagantes, outros, cores
mais sóbrias. Concluímos, assim, que as cores, além de compor nosso
gosto, são de extrema importância para definir nossa personalidade.
CEDERJ 29
Artes na Educação | O que os olhos (não) vêem o coração (não) sente. Leituras de Arte (parte 1)
ATIVIDADE
2. Selecione uma imagem (pode ser uma obra de arte ou até mesmo
uma foto de revista). Faça você mesmo(a) ou peça para os seus alunos:
redesenhem a imagem, inclusive luzes e sombras, utilizando apenas linhas.
Depois, repita a atividade, utilizando dessa vez apenas pontos. Observem
as diferenças entre os desenhos.
30 CEDERJ
23
RESPOSTA COMENTADA
AULA
Você deve ter percebido a importância de cada elemento (ponto,
linha) isoladamente. Caso você tenha feito, exercitamos, também,
o olhar crítico, utilizando os códigos da melhor forma possível para
que se obtenha um bom desenho.
CONCLUSÃO
ATIVIDADE FINAL
RESPOSTA COMENTADA
Fique atento às diferentes cores e texturas presentes em seu cotidiano;
assim, desenvolverá uma percepção mais aguda e sensível da
realidade.
CEDERJ 31
Artes na Educação | O que os olhos (não) vêem o coração (não) sente. Leituras de Arte (parte 1)
RESUMO
32 CEDERJ
O que os olhos (não) vêem
24
AULA
o coração (não) sente.
Leituras de Arte (parte 2)
Meta da aula
Apresentar os elementos (signos)
constituidores das artes visuais.
objetivos
34 CEDERJ
24
AULA
Figura 24.2: La Gioconda, de Leonardo da Vinci (1503-6).
ATIVIDADE
CEDERJ 35
Artes na Educação | O que os olhos (não) vêem o coração (não) sente. Leituras de Arte (parte 2)
COMENTÁRIO
O exercício o levará a compreender como ocorre a percepção de
volume em uma obra de arte a partir das relações de luz e sombra.
ESPAÇO
Uma figura plana sobre um fundo chapado não nos permite ter
noção do espaço, porque ela fica colada no fundo. Quando aplicamos luz e
sombra nessa figura, surge volume e, conseqüentemente, profundidade.
36 CEDERJ
24
Existem alguns efeitos que o artista pode dar à sua pintura para
que se tenha uma melhor noção de espaço e distância. Um desses efeitos
AULA
acontece em decorrência da utilização de cores mais intensas, no primeiro
plano da pintura, e cores mais esfumaçadas em objetos mais distantes e
ao fundo. Outra possibilidade consiste em dar maior detalhamento aos
objetos mais próximos e menor aos mais distantes.
PERSPECTIVA
CEDERJ 37
Artes na Educação | O que os olhos (não) vêem o coração (não) sente. Leituras de Arte (parte 2)
COMPOSIÇÃO
38 CEDERJ
24
Assim, a união de linhas, luz, sombra, cores, perspectiva, dentre
outros elementos, contribuirá para que o artista seja bem-sucedido ou
AULA
não em sua composição e alcance o que almeja com sua obra.
CONCLUSÃO
ATIVIDADE FINAL
Selecione uma obra em que a perspectiva seja facilmente percebida. Peça aos
seus alunos para identificarem onde o olhar do artista se situa com relação ao
que está sendo representado. Peça aos alunos que façam um desenho das linhas
convergentes que, na obra, dão a noção de perspectiva.
COMENTÁRIO
A atividade realizada trará aos alunos uma noção maior da organização
do espaço, profundidade, tridimensionalidade, fazendo-os perceber que
um artifício geométrico pode transmitir essas ilusões.
RESUMO
CEDERJ 39
25
AULA
A imagem no ensino da
Arte (parte 1)
Meta da aula
Demonstrar a importância da imagem e de sua
contextualização no ensino da arte.
objetivos
INTRODUÇÃO Como a leitura da imagem de uma obra de arte pode ajudar um professor
a ensinar em sala de aula? A leitura da imagem de uma obra de arte pode
ser desenvolvida e incrementada, permitindo que o observador reúna
uma série de informações e significados a seu respeito, enriquecendo, assim,
seus conhecimentos.
Ao apreciar uma obra de arte, assistir a um filme, ler um livro, observar uma
pintura ou escultura, configura-se na mente uma série de pensamentos que
podem ser diferenciados, a cada vez que se repete a mesma atividade de ver
e observar a obra de arte. Percebe-se que cada pessoa, de acordo com seu
repertório cultural e seu modo de vida, consegue ver um filme, por exemplo,
e interpretá-lo de forma totalmente diferente de uma outra pessoa. Além
disso, essa mesma pessoa, assistindo ao mesmo filme, no dia seguinte ou em
outro momento, produz uma descrição com idéias bem diferentes das que
produziu quando o viu pela primeira vez.
42 CEDERJ
25
singularidade da forma e do conteúdo não tem um fim em si mesma, mas
remete o leitor da imagem à complexidade social da qual ela faz parte.
AULA
Assim, a imagem na sala de aula pode oferecer elementos de discussão que
não se restringem a um aspecto ilustrativo ou à visualidade aparente.
ATIVIDADE
CEDERJ 43
Artes na Educação | A imagem no ensino da Arte (parte 1)
44 CEDERJ
25
possível compreender o objeto artístico relacionado às questões apresentadas
em cada momento histórico, em especial, àquelas de nosso próprio tempo e
AULA
lugar (questões de gênero, etnia, economia, classe social etc.).
A contextualização é um pressuposto necessário à leitura crítica
da imagem. É necessário analisar a produção, assim como a distribuição
e o consumo das imagens, para que se tenha condições de compreendê-
las de forma abrangente. Essa necessidade se impõe, principalmente na
atualidade, devido à grande força com que as imagens penetram em
nosso cotidiano e pela sua produção massiva na sociedade capitalista,
na propaganda, no cinema, em outdoors e outras formas.
No caso da publicidade, caberia perguntar: Quem faz? Para quem
faz? Com que objetivos? Quem recebe? Como o leitor delas se apropria
(passiva ou ativamente)?
CEDERJ 45
Artes na Educação | A imagem no ensino da Arte (parte 1)
CONCLUSÃO
46 CEDERJ
25
ATIVIDADE FINAL
AULA
Observe a tela a seguir. Você reconhece essa obra? Trata-se de
PABLO RUIZ
Guernica, uma das principais obras do gênio espanhol PABLO PICASSO
PICASSO. Que sentimentos essa obra pode estar representando? (Málaga, 25 de
outubro, 1881
Por que ela é pintada em preto-e-branco? Além de responder a – Mougins, 8 de
essas perguntas, tente extrair o máximo possível de informações abril, 1973). Foi
reconhecidamente
sobre essa obra no contexto meramente visual, e no contexto um dos mestres
da Arte no século
cultural/social. XX. É considerado
um dos artistas
mais famosos
Visite os sites abaixo e descubra novas informações sobre e versáteis do
o artista, sua vida e sua obra? mundo todo, tendo
http://www.picasso.fr/ criado milhares
de trabalhos, não
http://www.pintoresfamosos.com.br/?pg=picasso
somente pinturas
http://www.abcgallery.com/P/picasso/picasso.html
mas também
http://www.pintoresfamosos.com.br/?pg=picasso
esculturas, cerâmica;
enfim, usou todos os
tipos de materiais.
CEDERJ 47
Artes na Educação | A imagem no ensino da Arte (parte 1)
COMENTÁRIO
O acontecimento que inspirou esse conhecido quadro foi a própria cidade
de Guernica, que, em 26 de abril de 1937, foi alvo de bombardeios
por parte de aviões alemães, por ordem do general Franco. Dos 7.000
habitantes, 1.654 foram mortos e 889, feridos. O mural de Picasso
constituiu uma visão profética da desgraça.
48 CEDERJ
25
RESUMO
AULA
As reflexões sobre as imagens em sala de aula têm como ponto de partida os aspectos
meramente visuais, mas, num segundo momento, devem buscar a contextualização.
Para isso, o professor deve promover uma orientação segura de seus alunos no
sentido de aprofundar a análise das obras de arte, passando da apreciação de sua
estrutura aparente à superestrutura, que inclui aspectos como: consumo cultural,
interesses políticos, questões ecológicas etc. Ao realizar uma leitura crítica das
imagens, o aluno pode ver ampliados os seus referenciais imagéticos.
CEDERJ 49
26
AULA
A imagem no ensino da
Arte (parte 2)
Meta da aula
Demonstrar a importância da imagem no ensino da
arte e do contexto social na análise da obra de arte.
objetivos
INTRODUÇÃO Podemos extrair muito mais de uma obra de arte do que, simplesmente, o
juízo de valor do observador. A história de vida do artista, suas experiências
culturais, onde viveu, o que vivenciou, tudo isso é relevante no momento da
realização de uma obra. Picasso pintaria Guernica (Aula 25, Figura 25.3), se
não fosse espanhol? E Van Gogh pintaria do mesmo modo, sem sua inquietação
emocional? Não podemos desvincular a vida dos artistas de suas obras, pois
todo o tempo eles são influenciados pelos acontecimentos vividos.
52 CEDERJ
26
AULA
Figura 26.1: Noite estrelada, de Vincent Van Gogh (1889).
ATIVIDADE
COMENTÁRIO
É certo que, nessa análise, não poderemos desvincular a biografia
de Van Gogh de sua obra. Durante toda sua vida, Van Gogh teve
acessos de loucura. Podemos perceber que parte desses acessos
de loucura foram canalizados para suas obras. As pinceladas, o
movimento e as cores, em sua pintura, nos transmitem sentimentos
inquietos, perturbadores.
CEDERJ 53
Artes na Educação | A imagem no ensino da Arte (parte 2)
54 CEDERJ
26
AULA
Figura 26.3: Síntese da estrutura das obras.
CEDERJ 55
Artes na Educação | A imagem no ensino da Arte (parte 2)
CONCLUSÃO
56 CEDERJ
26
mundo, através das imagens de obras de arte; e, para tal, a visita orientada
a museus e galerias de arte deve ser incentivada nas escolas. É importante
AULA
apresentar a obra de arte como objeto significativo, vinculado às leituras
de mundo do artista, em um determinado tempo, lugar e espaço.
ATIVIDADE FINAL
COMENTÁRIO
Com esse exercício, o aluno terá uma abordagem sobre história,
exercitará a análise interpretativa e praticará o trabalho prático.
A presença de duas obras permite ao aluno a livre escolha, o que facilitará
sua expressão individual. É importante que o professor não exija uma
representação fiel, e, sim, que façam da obra um suporte interpretativo.
RESUMO
CEDERJ 57
27
AULA
O vídeo no ensino da Arte
Meta da aula
Demonstrar a eficiência do vídeo
como veículo de aprendizagem.
objetivos
60 CEDERJ
27
A produção de Jackson Pollock (Figura 27.1), por exemplo, pode ser
redimensionada, quando o suporte do vídeo é usado. Seu processo produtivo,
AULA
inserido na corrente da action painting, é sensivelmente mais explicitado, se
demonstrado por meio da imagem móvel, já que, nessa corrente artística, o
movimento por sobre a obra é essencial para o seu feitio.
ATIVIDADE
Filme Pollock
CEDERJ 61
Artes na Educação | O vídeo no ensino da Arte
Assista ao filme com seus alunos. Após discussão e análise de seu conteúdo
(a obra do artista, o contexto histórico, o processo de produção da obra),
procure mostrar imagens de obras de Jackson Pollock. Tais imagens servirão
para dar um panorama da obra e, ainda, fazer uma comparação entre a
absorção de imagens móveis e imagens estáticas. O que é mais atrativo
para os alunos e o que os faz aprender e apreender melhor o conteúdo?
Com o vídeo e as imagens como material de suporte para a apreensão
da obra de Pollock, pode-se desenvolver uma atividade prática. Por meio
das leituras que foram feitas das obras e do modo de produzir do artista,
propor aos alunos que, em um suporte, que pode ser o papel kraft, façam a
própria leitura do que apreenderam visualmente. Deve-se ter à disposição
tintas e pincéis para o desenvolvimento da atividade.
RESPOSTA COMENTADA
Certamente, você concluiu que a apresentação de imagens móveis e
estáticas permite um amplo repertório visual aos alunos, possibilitando
o desenvolvimento, tanto teórico quanto prático, em relação às Artes
Plásticas. Além disso, a presença do vídeo desperta maior interesse
por parte dos alunos, pois concilia imagem móvel e áudio, tornando
a aula mais atrativa e dinâmica.
62 CEDERJ
27
COMO USAR O VÍDEO EM SALA DE AULA
AULA
O vídeo aproxima a sala de aula do cotidiano e da comunicação
da sociedade urbana. Estando intimamente ligado à televisão e,
conseqüentemente, ao lazer, esse meio de se apresentar uma aula modifica
a recepção do aluno e sua expectativa em relação ao aprendizado, sendo
uma ótima fonte de informações, já que é dotado de superposições de
códigos e significados.
Vale ressaltar que o vídeo, assim como qualquer atividade apresentada
em sala de aula, deve ser utilizado de maneira adequada para que não perca
seu valor. Não se deve usar essa linguagem como “tapa buraco”, devido à
ausência de um professor ou vídeos sem ligação com a proposta do curso
ou, ainda, torná-lo o único meio da abordagem nas salas de aula.
O vídeo deve ser usado como forma de introdução a um
determinado assunto, para despertar curiosidade no aluno; como
aprofundamento dos conteúdos ou suporte ilustrativo, por exemplo, de
uma produção artística.
Após a exibição de um vídeo, deve-se discutir com o grupo a idéia
principal transmitida e os aspectos mais relevantes no âmbito visual ou
sonoro.
O vídeo se torna peça-chave para a compreensão de trabalhos de
arte em que o movimento e a interatividade do espectador são essenciais
HÉLIO OITICICA
para a realização da obra, como ocorre no caso dos parangolés de Hélio
(Rio de Janeiro, 26
Oiticica, de que falaremos adiante. de julho de 1937-
Rio de Janeiro,
22 de março de
OITICICA E A ARTE INTERATIVA: UMA EXPERIÊNCIA 1980). Artista
plástico brasileiro, é
PIONEIRA DE MOVIMENTO E CRIAÇÃO considerado um dos
mais revolucionários
O parangolé de HÉLIO OITICICA pode ser descrito como uma escultura de seu tempo e sua
obra experimental
em movimento, tendo o espectador como essencial para que a obra e inovadora é
reconhecida
“aconteça”. Pode ser uma espécie de capa, ou bandeira, estandarte ou internacionalmente.
tenda, que só mostra plenamente seus tons, cores, formas, texturas e Em 1959, fundou o
Grupo Neoconcreto,
grafismos, e os materiais com que é executado (tecido, borracha, tinta, ao lado de artistas
como Amilcar de
papel, vidro, cola, plástico, corda, palha), a partir dos movimentos de Castro, Lygia Clark
alguém que o vista. O parangolé tem o efeito de “liberar a pintura e Franz Weissmann.
Na década de 1960,
dos seus antigos liames”. Mas a pintura do parangolé já não é só Hélio Oiticica criou
o parangolé, que
– nem principalmente – pintura. Trata-se de algo que, em determinado chamava de “antiarte
por excelência”.
momento, Oiticica descreveu como “transobjeto”. Feito com as mais
CEDERJ 63
Artes na Educação | O vídeo no ensino da Arte
CONCLUSÃO
ATIVIDADE FINAL
64 CEDERJ
27
AULA
Figura 27.4: Capa do livro Marginália: arte e cultura na
idade da pedra de Marisa Alvarez Lima (Caetano Veloso
usando um parangolé de Hélio Oiticica).
COMENTÁRIO
A atividade permite que os alunos, além de exercitarem o senso estético
e prático nas Artes Plásticas, experimentem, nos próprios corpos, as
sensações que os parangolés de Hélio transmitem.
RESUMO
CEDERJ 65
28
AULA
Leitura de imagens
Meta da aula
Apresentar imagens que possibilitem uma
leitura diferenciada de obras de arte.
objetivos
AUGUSTE RENOIR RENOIR, na tela Le Moulin de la Galette, nos oferece uma cena
Nasceu em Limoges, narrativa. Algumas pessoas dançam num baile, numa tarde de sol,
em 25 de fevereiro de
1841. O pai era um enquanto outras, em primeiro plano, se divertem, conversando e
alfaiate que se mudou
bebendo. Geralmente, no Impressionismo, as telas eram pintadas ao ar
para Paris, onde o jovem
artista, aos quatorze livre para que o artista pudesse capturar melhor as nuances da natureza.
anos, entrou como
aprendiz numa firma de Os artistas, utilizando pinceladas soltas, tornavam a luz e a cor os
pintores de porcelana.
Seu talento natural para
principais elementos da composição.
as cores recebeu nova Na pintura de Renoir, podemos perceber que, inclusive, suas
direção quando ele
passou nos exames para sombras são iluminadas, contendo tons mais claros do que os de costume.
a Ecole des Beaux-Arts,
ingressando no ateliê Utilizando-se, basicamente, de azuis, verdes e amarelos, tornam suas
Charles Gleyre, onde sombras mais claras e “iluminadas” (geralmente, para fazer sombras,
conheceu outros jovens
pintores que, mais tarde, os artistas utilizam cores ocres, cinza, marrons, pretas).
seriam rotulados de
impressionistas.
68 CEDERJ
28
AULA
Figura 28.2: Nº. 1, de Jackson Pollock (1949).
ATIVIDADE
COMENTÁRIO
Neste exercício, será ressaltada a gestualidade dos alunos. Você
poderá verificar uma forte interação entre os mesmos e as obras, já
que poderão ficar e caminhar em cima da obra para realizá-la.
CEDERJ 69
Artes na Educação | Leitura de imagens
TINTORETTO
Nome pelo qual era
conhecido Jacopo
Robusti, nascido em
Veneza em 1518.
Foi, provavelmente,
o último grande Figura 28.3: São Jorge e o dragão, de
pintor da Renascença Tintoretto (1555-58).
Italiana. Por sua
energia fenomenal ao
pintar, foi chamado A pintura de TINTORETTO nos apresenta uma cena mítica. São Jorge
“Il Furioso” e sua
dramática utilização está matando o dragão que, como podemos perceber, fez uma vítima
da pespectiva e dos
e afugentou outra que vem em nossa direção, como se estivesse saindo
efeitos da luz tornou-o
um dos precursores do quadro. Na parte superior da tela, Deus observa a ação de São Jorge
do Barroco. Seu pai,
Battista Robusti, era como que o abençoando ou iluminando sua batalha.
tintore (tingia seda),
o que lhe valeu o
apelido.
JACQUES-LOUIS
DAVID
Nascido em 30 de
agosto de 1748,
foi o mais
característico
representante do
Neoclassicismo.
Esse pintor francês
controlou durante
anos a atividade
artística francesa, Figura 28.4: Marat assassinado, de Jacques-Louis
sendo o pintor oficial David (1793).
da Corte. Entre
seus quadros mais
famosos estão
O retrato de
Uma obra de arte pode tornar-se o testemunho de um fato real. Isso
Napoleão, acontece na tela de DAVID: Marat assassinado. Marat foi um importante
A morte de Sócrates
e O juramento dos personagem da Revolução Francesa. Próximo a sua morte, passava várias
Horácios.
horas imerso em uma banheira, devido a problemas de saúde, dentre eles
70 CEDERJ
28
a alergia. No dia de sua morte, um militante contrário às idéias de
Marat entrou em sua casa fazendo-se passar por um informante e o
AULA
assassinou com várias punhaladas. David retrata a morte de Marat e nos
dá detalhes, como por exemplo, a arma do crime deixada no chão.
Nesse quadro, Dalí mostra Santo Antônio sendo tentado, lutando para que os seres SALVADOR DALÍ
que estão se aproximando dele se afastem. Santo Antônio está nu, com um dos joelhos
Nascido em maio
no chão, segurando uma cruz de madeira e apoiando-se, com a outra mão, em uma
de 1904, foi um
pedra, atrás dele. Sua única defesa contra tais criaturas é a cruz. Tais criaturas podem
importante pintor
ser descritas como elefantes e um cavalo com pernas enormes e finas que estão acima
catalão, conhecido
das nuvens, carregando tentações, como por exemplo mulheres.
pelo seu trabalho
surrealista.
O trabalho de Dalí
A arte pode também externar nossos medos, sonhos e pesadelos. chama a atenção pela
incrível combinação
SALVADOR DALÍ e outros integrantes do MOVIMENTO SURREALISTA utilizavam de imagens bizarras,
como nos sonhos,
sua arte como instrumento para exteriorização do subconsciente. com excelente
qualidade plástica.
Dalí foi influenciado
pelos mestres da
A palavra SURREALISMO havia sido criada em 1917 pelo poeta Apollinaire, ligado
Renascença, e foi
ao cubismo, para identificar expressões artísticas que se esboçavam. É adotada
um artista com
pelos surrealistas por refletir a idéia de algo além do realismo. O surrealismo foi
grande talento e
um movimento artístico surgido em Paris, na década de vinte do século passado.
imaginação. Tinha
Fortemente influenciado pelas teorias psicanalíticas de Freud, o surrealismo
uma reconhecida
enfatiza o papel do subconsciente na criação artística. Segundo os surrealistas, a
paixão por atitudes
arte deve se libertar das exigências da lógica e da razão e ir além da consciência
e por fazer coisas
cotidiana, expressando o inconsciente e os sonhos. O principal teórico e líder do
extravagantes
movimento é o poeta, escritor, crítico e psiquiatra francês André Breton, que, em
destinadas a
1924, publicou o primeiro Manifesto Surrealista. Seus principais representantes
chamar a atenção,
são Max Ernst, René Magritte, Salvador Dalí e Joan Miró.
o que por vezes
aborrecia aqueles
que apreciavam
a sua arte, ao
mesmo tempo que
incomodava seus
críticos.
CEDERJ 71
Artes na Educação | Leitura de imagens
ATIVIDADE
PETER PAUL RUBENS foi esvaziada, mas, por muito tempo, o retrato foi utilizado para eternizar
Nasceu em Siegen, os indivíduos, as famílias, as linhagens dos nobres. A tela Cabeça de
no Sacro Império
menino (Figura 28.6), de PETER PAUL RUBENS, pode exemplificar a função
Romano-Germânico
em junho de 1577. específica da arte de retratar e eternizar os indivíduos.
Pintor flamengo
inserido no contexto Desde o Egito Antigo, o ser humano busca a sua eternização.
do Barroco, Rubens
nasceu fora da terra
Os faraós ordenavam a construção e a feitura de estátuas, câmaras
onde passou a maior mortuárias e máscaras para que pudessem ter vida eterna.
parte de sua vida e
à qual serviu, com
muito patriotismo:
Flandres (hoje uma
parte da Bélgica).
72 CEDERJ
28
HENRI-JULIEN-FÉLIX
AULA
ROUSSEAU
Nasceu em maio
de 1844, em Paris.
Conhecido também
pelo público como
o douanier
(aduaneiro) por
ter trabalhado
como inspetor
de alfândega,
foi um pintor
Figura 28.7: A guerra, de Henri Rousseau (1894).
francês inserido
no movimento
moderno do pós-
Além de pintar paisagens e naturezas-mortas, R OUSSEAU se impressionismo.
interessava por temas sociais. A tela A guerra revela não só a sua opção A sua obra foi pouco
apreciada pelo
pela arte popular como, também, o seu claro nacionalismo baseado em público em geral
e pelos críticos seus
ideais de cunho social. contemporâneos,
As obras de arte podem também ter a função de retratar mazelas tendo sido
constantemente
humanas e criticá-las. Muitos artistas retrataram, por exemplo, a guerra e remetida para
o grupo da arte
as suas conseqüências para o ser humano. Dentre elas, podemos destacar naïf e primitivista,
pelo seu caráter
obras famosas como Guernica, de Pablo Picasso, e Fuzilamento, de Goya.
autodidata, resultado
da inexistência de
formação acadêmica
no campo artístico,
pela recusa dos
cânones da arte
reconhecida até
então e pela aparente
ingenuidade grotesca.
GIAN LORENZO
BERNINI
Nascido em Nápoles
em dezembro
de 1598, foi um
eminente artista
barroco. Trabalhou,
Figura 28.8: O êxtase de Santa Teresa, principalmente,
de Gian Lorenzo Bernini (1645-52). em Roma.
Distinguiu-se como
escultor e arquiteto,
ainda que tivesse
O sublime está presente em muitas obras de arte. Em O êxtase
sido também pintor,
de Santa Teresa, de BERNINI, a escultura possui uma aura transcendental. cenógrafo, criador
de espetáculos de
Percebemos algo sublime, além da compreensão palpável da obra (apesar pirotecnia, dentre
outras atividades.
de ser feito em material pesado, mármore, a escultura de Bernini nos traz Esculpiu grande parte
uma leveza incomum, como se Santa Teresa estivesse pronta a ascender das obras de Roma e
do Vaticano.
aos céus, tomada pela energia divina).
CEDERJ 73
Artes na Educação | Leitura de imagens
74 CEDERJ
28
A arte de CARAVAGGIO é teatral. O artista barroco traz uma
CARAVAGGIO
atmosfera inovadora para a pintura, com suas luzes e sombras bem
AULA
Nome pelo qual
contrastantes. Ao olharmos suas obras, parece que nos deparamos com ficou conhecido
Michelangelo Merisi,
uma cena real, congelada; um instante eternizado pelo artista. pintor italiano
identificado com
o período final do
CONCLUSÃO Renascimento e com
o Barroco nascido em
Caravaggio em 1571.
Perpassando a história da arte e da humanidade, as obras de arte Embora tenha vivido
a transição entre
estão intimamente ligadas à vida do ser humano. Externam seus medos, Renascimento e o
seus sentimentos, fatos ocorridos, eternizam pessoas ou nos deixam livres Barroco (já que nasceu
poucos anos depois
para fazermos nossa própria história. da morte de Leonardo
da Vinci), sua obra,
sempre obscura e
pesada, enquadra-se
bem neste último,
retratando cenas
ou personalidades
bíblicas.
ATIVIDADE FINAL
Faça uma comparação entre a pintura Moça com brinco de pérola, de Johannes
Vermeer, e o filme com o mesmo título da obra. Se for possível, assista ao filme
com seus colegas no pólo. Comente com eles suas impressões e procure explicar:
Existem semelhanças entre ambos? O contexto em que se passa o filme e as
emoções do artista parecem estar transmitidos na obra?
CEDERJ 75
Artes na Educação | Leitura de imagens
RESUMO
76 CEDERJ
29
AULA
Arte-educação no Brasil
Meta da aula
Apresentar um panorama da arte-educação
brasileira, demonstrando como se desenvolveu
e se desenvolve o ensino de Arte no Brasil.
objetivos
78 CEDERJ
29
AULA
Figura 29.2: Museu Nacional de Belas Artes ao centro
(na Avenida Rio Branco, onde se situava a Escola de
Belas Artes, atualmente localizada na ilha do Fundão).
CEDERJ 79
Artes na Educação | Arte-educação no Brasil
80 CEDERJ
29
O grito do Ipiranga, pintura mais famosa de Pedro Américo, feita a pedido de
AULA
D. Pedro II. Podemos perceber o caráter ilustrativo, as poses escultóricas e a
peculiaridade do tema, confirmando a tendência neoclássica de preferir momentos
históricos. Pedro Américo não representou a exatidão dos fatos, mas exaltou o herói
nacional numa convincente ficção imagética.
ATIVIDADE
RESPOSTA COMENTADA
Com certeza, para muitos, a arte serve apenas como hobby. Mas
para outros, ela tem a função de desenvolver um lado mais sensível,
melhorar a coordenação motora de crianças com necessidades
especiais, servir de terapia ocupacional tanto para idosos como para
presidiários, entre outras tantas funções.
CEDERJ 81
Artes na Educação | Arte-educação no Brasil
INÍCIO DO SÉCULO XX
82 CEDERJ
29
A metodologia da Escola de Belas Artes influenciou enormemente o
Ensino Fundamental e Médio, neste início de século. Além disso, o processo
AULA
de encontro entre as artes e a indústria também exerceu influência no ensino
da arte, confirmando a crença de que as realizações nas duas primeiras
décadas do século XX correspondem às idéias do século anterior.
A maior preocupação nesse período era a implantação do ensino
de arte nas escolas de Ensino Fundamental e Médio e, também, sua
obrigatoriedade. No século XX, a ênfase no desenho continuaria nos
argumentos a favor de sua inclusão nas escolas de Ensino Fundamental
e médio, as quais se orientaram no sentido de considerá-lo mais uma
forma de escrita que uma forma das artes plásticas. Essa identificação do
desenho com a escrita foi um argumento não só para se tentar vencer o
preconceito com a arte como, também, para demonstrar que a capacidade
de desenhar era natural dos homens ou, ao menos, acessível a todos e
não um dom ou vocação excepcional/divina.
O primeiro surto industrial brasileiro, verificado entre 1885 e 1895,
reforçou o ideal da Educação para o progresso da nação. A arte aplicada
à indústria, vista não apenas como uma técnica, mas como detentora de
qualidades artísticas capazes de elevar a alma, foi ainda mais fortemente
defendida como parte do currículo das escolas. Nessa época, o assombroso
progresso industrial nos EUA foi atribuído à precoce iniciação da juventude
americana no estudo do desenho e à boa organização, naquele país, do
ensino de arte aplicado à indústria, sendo intensamente divulgado no jornal
O Novo Mundo.
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Artes na Educação | Arte-educação no Brasil
que o cerca, locais que lhe são conhecidos, que fazem parte do seu
cotidiano; no Brasil, esse método foi usado para descrição de objetos
desligados de seu ambiente, objetos isolados). Junto a uma metodologia
da arte profissionalizante, tendo como base os princípios já referidos,
conservou-se o método de observação da natureza dada sua identidade
com a ordem moral.
INFLUÊNCIA DO POSITIVISMO
O Positivismo é uma corrente filosófica, cujo iniciador principal foi Auguste Comte
(1798-1857). Surgiu como desenvolvimento filosófico do Iluminismo, a que se associou
a afirmação social das ciências experimentais. Propõe à existência humana valores
completamente humanos, afastando radicalmente teologia ou metafísica. Assim, o
Positivismo – em sua versão comtiana, pelo menos – associa uma interpretação das
ciências e uma classificação do conhecimento a uma ética humana, desenvolvida na
segunda fase da carreira de Comte.
84 CEDERJ
29
educação integral e integradora. Portanto, a educação do Primário como
mais um curso de adestramento para passar em exames, encontrou como
AULA
barreira, nesse estado, uma Escola Primária organizada no sentido da
formação de hábitos de vida e de trabalho e uma Escola Normal destinada
a preparar professores para desempenhar adequadamente suas funções,
de acordo com o modelo formativo proposto.
Em São Paulo, foi decisiva a influência americana. Os norte-
americanos missionários ou imigrantes criaram suas próprias escolas.
Em geral, as escolas estrangeiras, até 1914, no Brasil, ensinavam todos
os seus conteúdos por meio da língua estrangeira de origem. Na escola
americana, isso ocorreria apenas em uma classe, sendo todas as outras
organizadas em torno da Língua Portuguesa, representando o Inglês
apenas uma matéria do currículo.
O objetivo principal era desenvolver métodos de experimentação e
indagação nas investigações a serem feitas, relacionadas com os métodos
pedagógicos em uso na escola. Também resultaram na convicção de
que, antes da determinação de objetivos e métodos, a investigação
acerca das potencialidades orgânicas e funcionais da criança se fazia
necessária. Ficou, portanto, evidenciado ser a criança o ponto de partida
da pedagogia e o centro de interesse teórico e prático da Educação. Foi
a primeira vez que, no Brasil, se encarou o livre grafismo infantil como
índice de um processamento lógico-mental e como meio para investigá-lo.
Estabeleceu-se, assim, um novo modo de ver o desenho como elemento
informativo da natureza psicológica, um teste mental fornecendo dados
sobre o estado da cultura da criança.
A partir da Semana de Arte Moderna de 22 acentuam-se os traços
definidores de uma ruptura da inteligência brasileira, apresentando como
resultado específico, por um lado, a valorização do desenho como técnica
e, por outro, a exaltação dos elementos internos expressivos como
constituintes da própria forma.
A Semana de Arte Moderna ocorreu em São Paulo, no ano de 1922, no Teatro Municipal da cidade. Durante
os sete dias de evento, ocorreu uma exposição modernista no teatro e durante as noites do evento ocorreram
apresentações de poesia, música e palestras sobre a modernidade. Representou uma verdadeira renovação da
linguagem, na busca de experimentação, na liberdade criadora e na ruptura com o passado. O evento marcou
época ao apresentar novas idéias e conceitos artísticos. A nova poesia, por meio da declamação; a nova música,
por meio de concertos; a nova arte plástica, por meio de telas, esculturas e maquetes de arquitetura. O adjetivo
“novo”, marcando todas estas manifestações, propunha algo a ser recebido com curiosidade ou interesse.
Participaram da Semana nomes consagrados do Modernismo brasileiro, como Mário de Andrade, Oswald de
Andrade, Victor Brecheret, Heitor Villa-Lobos, Manuel Bandeira, Anita Malfatti e Menotti Del Pichia.
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86 CEDERJ
29
HELENA ANTIPOFF nasceu em 1892, na província
AULA
de Bielorrússia, em Grodno. Grande
pesquisadora e educadora, foi a responsável
pela implantação, no país, de uma política de
educação e assistência à criança portadora de
necessidades epeciais. Além disso, fundou a
primeira Sociedade Pestalozzi do Brasil, em
Belo Horizonte, Minas Gerais, iniciando o
movimento pestalozziano brasileiro, que conta,
atualmente, com cerca de 100 instituições
espalhadas por todo o país.
(Fonte: http://www.fundacaohantipoff.
mg.gov.br/imgs/Helena_Antipoff1.jpg)
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Artes na Educação | Arte-educação no Brasil
88 CEDERJ
29
AULA
Figura 29.7: A boba, de Anita Malfatti (1915-16).
ATIVIDADE FINAL
RESPOSTA COMENTADA
Com a Semana de Arte Moderna de 1922, surgiu no Brasil um
sentimento de brasilidade, de nacionalismo, culminando no manifesto
de Oswald. A arte brasileira sempre se inspirou na arte estrangeira,
e os modernistas pregavam, ao contrário, a produção de uma arte
originalmente brasileira.
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Artes na Educação | Arte-educação no Brasil
RESUMO
A arte brasileira e seu ensino sempre passaram por grandes preconceitos que, aos
poucos, vêm sendo eliminados. No século XX, houve uma grande mudança, que
valorizou o fazer artístico da criança e sua expressão, além de ter havido uma
mudança no modo de pensar a arte com a Semana de Arte Moderna de 1922,
em que foi pregada a realização de uma arte genuinamente brasileira, fato que
nunca havia ocorrido.
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Do Impressionismo
30
AULA
à fotografia e à
arte contemporânea
Meta da aula
Apresentar os fatos que determinaram
o surgimento da arte contemporânea.
objetivos
A FOTOGRAFIA
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30
AULA
Figura 30.1: Imagem da primeira fotografia permanente no
mundo feita por Nicéphore Niépce, em 1825.
O IMPRESSIONISMO
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Artes na Educação | Do Impressionismo à fotografia e à arte contemporânea
94 CEDERJ
30
objeto no mesmo plano. A representação do mundo passava a não ter qualquer
AULA
compromisso com a aparência real das coisas.
O Suprematismo foi um movimento artístico que surgiu na Rússia no início do século
XX (entre 1915 e 1923) e que teve como um dos seus expoentes e teóricos Kazimir
Malevich, dentre outros como El Lissitzky, Lyubov Popova, Ivan Puni, Aleksandr
Rodchenko. Na Última Exposição Futurística de Pinturas: 0-10, organizada por Ivan
Puni em Petrogrado, em dezembro de 1915, Kazimir Malevich, artista russo, que
escolheu o termo para descrever suas próprias pinturas, porque era o primeiro
movimento em artes a reduzir a pintura à pura abstração geométrica. Foi também o
movimento que mais influenciou o Construtivismo.
O Construtivismo russo, termo usado até hoje, foi um movimento estético-político
iniciado na Rússia, a partir de 1914, como parte do contexto dos movimentos de
vanguarda no país. Ele negava uma “arte pura” e procurou abolir a idéia de que
a arte é um elemento especial da criação humana, separada do mundo cotidiano.
Caracterizou-se, de forma bastante genérica, pela utilização constante de geometria,
cores primárias, fotomontagem e tipografia sem serifa. Seu principal representante
é Tatlin.
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Artes na Educação | Do Impressionismo à fotografia e à arte contemporânea
DUCHAMP
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30
ATIVIDADE
AULA
1. A partir da idéia de ready made, explicitada anteriormente, crie o seu
objeto artístico, recorrendo a um ready made. Na sua casa ou na rua, escolha
um objeto qualquer para se transformar em obra de arte. Após a escolha do
objeto, desenvolva, por escrito, uma defesa, que pode ser tanto visual quanto
conceitual, para que seu objeto seja elevado à categoria de obra de arte.
COMENTÁRIO
A própria seleção do seu objeto permite que você desenvolva a
acuidade visual e o pensamento crítico. Partindo do princípio de
que tudo pode ser arte, a defesa conceitual da obra por parte
do artista torna-se extremamente importante. Sem dúvida, seria
bastante interessante ouvir os relatos de seus colegas. Nesse dia,
seus objetos artísticos poderiam ficar expostos no pólo para serem
apreciados pelos demais alunos.
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Artes na Educação | Do Impressionismo à fotografia e à arte contemporânea
98 CEDERJ
30
Instalação é uma forma de manifestação artística que se propõe a discutir e ocupar
AULA
o espaço expositivo, colocando o espectador “dentro” da obra.
O happening (a palavra é inglesa e significa acontecimento) é uma forma de
expressão das artes visuais que, de certa maneira, apresenta características das artes
cênicas. Nesse tipo de obra, quase sempre planejada, incorpora-se algum elemento de
espontaneidade ou improvisação, que nunca se repete da mesma maneira a cada nova
apresentação. Apesar de ser definida por alguns historiadores como um sinônimo de
performance, o happening é diferente, porque, além do aspecto de imprevisibilidade,
geralmente envolve a participação direta ou indireta do público espectador.
A Performance é uma modalidade das artes visuais que, assim como o happening,
apresenta ligações com o teatro e, em algumas situações, com a música. Difere do
happening por ser mais cuidadosamente elaborada e não envolver, necessariamente,
a participação dos espectadores. Como, geralmente, possui um “roteiro” previamente
definido, é passível de ser reproduzida fielmente, em outros momentos ou locais.
Como, muitas vezes, a performance é realizada para uma platéia restrita ou mesmo
ausente, seu conhecimento depende de registros por meio de fotografias, vídeos
e/ou memoriais descritivos.
Intervenções Urbanas caracterizam-se por obras que ocupam o espaço urbano
aberto. Geralmente, têm caráter monumental para que possam ser percebidas pelos
indivíduos.
A Land Art, também conhecida como Earth Art ou Earthwork, é o tipo de arte em
que o terreno natural, em vez de prover o ambiente para uma obra de arte, é, ele
próprio, trabalhado de modo a integrar-se à obra.
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100 C E D E R J
30
CONCLUSÃO
AULA
A arte, hoje, privilegia o conceito, as idéias, a discussão do mundo
em que vivemos, assim como o embate arte-vida, a interatividade com o
espectador. Talvez por isso muitas pessoas se surpreendam quando estão
frente a uma obra contemporânea, que não mais privilegia o belo, como
nas pinturas renascentistas. Ao longo dos anos, passou-se a conferir à
arte a preocupação mais com o pensamento e menos com a técnica.
RESUMO
C E D E R J 101
Artes na Educação
Referências
Aula 1
Aula 2
126 CEDERJ
PERELMAN, Chaïm; OLBRECHTS-TYTECA, Lucie. Tratado da argumentação: a nova
retórica. São Paulo: Martins Fontes, 2000.
RAYNOR, Henry. História social da música: da idade média a Beethoven. Rio de Janeiro:
Guanabara, 1986.
WISNICK, José Miguel. O som e o sentido: uma outra história das músicas. São Paulo:
Cia das Letras, 1989.
Aula 3
MARTINEZ, José Luiz. Semiotics and the art music of India. Disponível em: <http:
//boethius.music.ucsb.edu/mto/issues/mto.00.6.1/mto.00.6.1.martinez.html>. Acesso em:
15 mar. 2004.
Aula 4
DUARTE, Mônica de Almeida. Por uma análise retórica dos sentidos do ensino de
música na escola regular. 2004. Tese (Doutorado em Educação) - Faculdade de Educação,
Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2004.
CEDERJ 127
______. Fragmentos de carreiras: repertórios musicais e práticas profissionais de estudantes
de música. In: ENCONTRO NACIONAL DA ANPPOM, 12. , 1999, Salvador. Anais
eletrônicos... Salvador: UFBA, 1999c.
Aula 5
____. Mundos musicais locais e educação musical. Em Pauta, Porto Alegre, v. 13, n. 20,
p. 95-121, jun. 2002.
PORCHER, Louis (Org.). Educação artística: luxo ou necessidade. São Paulo: Summus,
1982.
READ, Herbert. A redenção do robô: meu encontro com a educação através da arte. São
Paulo: Summus, 1986.
128 CEDERJ
Aula 6
FERREIRO, Emília. Reflexões sobre alfabetização. 24. ed. atual. São Paulo: Cortez,
1995.
FRADE, Cáscia (Org.). Guia do folclore fluminense. Rio de Janeiro: Presença, 1985.
GERALDI, João Wanderley. Portos de passagem. 4. ed. São Paulo: Martins Fontes,
1997.
Aula 7
GERALDI, João Wanderley. Portos de passagem. 4. ed. São Paulo: Martins Fontes,
1997.
Sites
CEDERJ 129
Aula 8
Aula 9
ALFAYA, Mônica; PAREJO, Enny. Musicalizar: uma proposta para vivência dos elementos
musicais. São Paulo: MUSIMED, 1987.
FERREIRO, Emília. Reflexões sobre alfabetização. 24. ed. atual. São Paulo: Cortez,
1995.
Aula 10
GAINZA, Violeta Hemsy. Oito estudos de psicopedagogia musical. São Paulo: Summus,
1988.
130 CEDERJ