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Fundamentos

Teóricos e
Metodológicos
de Artes Visuais
Artes na Educação Volume 1 - Módulo 1

SUMÁRIO Aula 1 – O ensino de música na Educação Básica está desaparecendo? ____ 7


Aula 2 – O som não é música, mas a música é (também) som __________ 19
Aula 3 – A construção social da música ___________________________ 29
Aula 4 – Repertório musical: como classificar? ______________________ 41
Aula 5 – O papel da música na escola ____________________________ 53
Aula 6 – A concepção humanista do papel da música na escola _________ 69
Aula 7 – Uma prática interacionista com música na escola _____________ 81
Aula 8 – A música como prática discursiva _________________________ 93
Aula 9 – O processo de representação da produção musical ___________ 105
Aula 10 – Linguagem falada e movimentos corporais:
recursos universais para produção musical________________ 115
Referências ____________________________________ 125
O ensino de música na

AULA
Educação Básica está
desaparecendo?
Meta da aula
Apresentar o fundamento teórico da
proposta pedagógica a ser desenvolvida
durante o curso.
objetivos

Esperamos que, após o estudo do conteúdo desta


aula, você seja capaz de:
• distinguir as práticas musicais em
desenvolvimento na escola de Ensino
Fundamental;
• descrever os elementos fundamentais da teoria
das representações sociais como base para
o desenvolvimento da prática pedagógica em
música proposta no curso.
Artes na Educação | O ensino de música na Educação Básica está desaparecendo?

INTRODUÇÃO Certamente você já passou por muitas estradas, tomou alguns atalhos e,
agora, estou aqui propondo mais uma opção de jornada: vamos, juntos,
percorrer os caminhos da música na Educação.
Você deve estar pensando: “Nunca estudei música! Como vou desenvolver,
com meus alunos, práticas musicais no nosso cotidiano?”
Por isso, estamos juntos nessa jornada! Quero partilhar com você uma proposta
de trabalho em que a estrutura da produção musical será desenvolvida, não
importando com que material você estiver trabalhando.
Começaremos pela análise da questão apresentada no título desta aula:
“O ensino de música na Educação Básica está desaparecendo?” À primeira
vista, pode parecer uma indagação exagerada. Porém, é comum ouvirmos
muitos teóricos afirmarem que a prática de educação musical não ocorre na
escola de Ensino Básico.

ONDE ESTÁ A MÚSICA NA ESCOLA?

Fuks (1993) acredita que é preciso desenvolver diferentes formas


de escuta para identificar o ensino de música, as práticas musicais e
seus produtos presentes na escola. Se alguém chegar em uma escola de
Ensino Básico e procurar as práticas musicais e sons que ouviria em um
conservatório ou escola de música, por exemplo, certamente dirá: “Aqui
não há ensino de música nem se faz música!”

!
Práticas musicais dizem respeito às
ações que as pessoas de um grupo
social consideram como sendo
próprias da música. Geralmente,
na cultura ocidental, consideram-
se práticas musicais as ações de
compor, executar um instrumento
ou cantar, ouvir e apreciar.

8 CEDERJ
MÓDULO 1
Veja que curioso: desde o século XIX, o canto coletivo existe na

1
escola de ensino básico, especialmente na escola pública (FUKS, 1993).

AULA
E, ainda hoje, professores de música classificam o resultado do canto
escolar como afinado ou desafinado. Bem, é preciso adiantar aqui que
esses critérios (afinado, desafinado) são muito relativos. Para Fuks
(1993), eles são “historicamente construídos”, variando de acordo com
as concepções de diferentes grupos sociais:

A questão da AFINAÇÃO, particularmente, precisa ser entendida AFINAÇÃO


através de duas dimensões: a espacial e a temporal. A primeira Em música, conceito
que diz respeito ao
está ligada às diferenças de uma cultura para a outra. É sabido que
ajuste dos sons entre
o que se considera como sendo afinado, em determinada cultura, si ou em relação a
pode soar de maneira desafinada em outra. Quanto à segunda uma altura sonora
apresentada como
dimensão – a temporal – podemos ressaltar que, com o passar a referência para o
do tempo, o sentido de afinação se modifica até em uma mesma ajuste sonoro dos
instrumentos ou vozes
cultura, em função da evolução da própria música e de todo o
envolvidos em uma
tecido sócio-cultural [sic] (FUKS, 1993, p. 138). prática musical.

ATIVIDADE

1. Vou propor duas experiências para que você possa compreender melhor
tanto a dimensão espacial quanto a dimensão temporal do conceito de
afinação:

Ouça uma música típica oriental – pode ser japonesa ou mesmo indiana.
Com certeza você vai estranhar, achar que os instrumentos e/ou cantores
estão desafinando. É isso mesmo?
Agora, experimente ouvir Dalva de Oliveira. Depois, ouça Nara Leão.
Ambas são cantoras que marcaram seu lugar na história da música popular
brasileira.
O que você acha das vozes dessas cantoras? São afinadas, desafinadas?
O que nelas é estranho para você? Por quê? Registre suas impressões.
Você consegue pensar em outros exemplos que confirmem essa dupla
dimensão do conceito de afinação?

Dalva de Oliveira Nara Leão

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Artes na Educação | O ensino de música na Educação Básica está desaparecendo?

RESPOSTA COMENTADA
Para quem estava acostumado com o estilo operístico e
melodramático de Dalva de Oliveira cantar, certamente classificou
de desafinado o modo de cantar de Nara Leão, precursora da Bossa
Nova no Brasil, como desafinado. O resultado da primeira experiência
diz respeito à dimensão espacial do conceito de afinação, enquanto o
resultado da segunda experiência refere-se à dimensão temporal.
Converse com seu tutor e colegas, no pólo, sobre os exemplos
pensados por você. Pode ser divertido e esclarecedor perceber que
um mesmo conceito costuma receber diferentes interpretações.

Um detalhe importante: Geralmente, na escola, a prática musical é


transmitida oralmente, ou seja, raramente se estabelece uma escrita para
ser decifrada por meio de canto ou pela execução de algum instrumento
“musical” (pode até ser caixinha de fósforo ou as carteiras da sala de
aula). No Ocidente, se as pessoas de uma determinada sociedade detêm
a escrita, são definidas como avançadas. Caso contrário, definem-se
como sociedades primitivas ou ágrafas. Então, imagine como deve ser
classificada uma prática que prescinde da escrita para ser realizada.
É provável que, por isso mesmo, as práticas musicais que existem na
escola nem cheguem a ser percebidas pelos estudiosos, ou possam mesmo
ser tomadas como inexistentes. Podemos concluir, portanto, que a música
na escola de Ensino Básico não está desaparecendo, ela sempre existiu,
está presente no cotidiano escolar há muito tempo, apenas não foi
devidamente percebida e reconhecida como tal pelos especialistas.

ATIVIDADE

2.a. Conheça o cotidiano de uma escola de Ensino Básico e enumere os


momentos ou atividades em que você pôde identificar a presença de
práticas musicais.
2.b. Que jogos e/ou brincadeiras feitos pelos estudantes na escola
envolvem canto, movimentos corporais ritmados (palmas, sapateados,
balanço corporal etc.), execução de instrumentos musicais convencionais
(pandeiro, violão etc.) ou não convencionais (caixas, lixas, molhos de
chaves etc.)?
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MÓDULO 1
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AULA
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COMENTÁRIO
Nos momentos de canto coletivo, de brincadeiras, jogos ou mesmo
do uso de walkman, no recreio, das batucadas dos alunos, das
canções inventadas pelos estudantes para “zoar” algum colega ou
professor, acontecem diferentes práticas musicais. Por meio dessas
práticas, acontecem aprendizagens de novas maneiras de produzir
música e novas maneiras de pensar o que é música. E é a partir
desses momentos que você pode coletar material muito rico para
trabalhar as práticas musicais com os estudantes das séries iniciais
do Ensino Fundamental.

PROFESSOR DAS SÉRIES INICIAIS DO ENSINO


FUNDAMENTAL ENSINA MÚSICA?

De fato, existem professores especialistas em música, tal como


existem professores especialistas em Matemática, Português, Biologia...
Mas o professor das séries iniciais ensina essas matérias, não é?
Então, por que com a música seria diferente? O professor
precisaria receber um dom divino para ensinar música? Podemos enunciar
a questão da seguinte maneira: o professor das séries iniciais do Ensino
Fundamental pode desenvolver práticas musicais com seus alunos.
Como vimos, na sociedade ocidental, entendemos por práticas
musicais as ações de ouvir/apreciar, executar um instrumento ou
cantar, compor ou improvisar. Um pedagogo musical da Universidade
de Londres, professor Keith Swanwick (2003), acredita nisso também.
E mais: pensa que em cada uma dessas práticas há um nível de tomada
de decisão por parte daquele que executa a ação.

Ao ouvir, podemos tomar poucas decisões, pois não podemos influir no curso da música. Podemos,
sim, no máximo, desligar o rádio ou trocar de estação.
Ao executar, podemos ter uma certa influência no curso da música, tocando ou cantando mais rápido
ou mais lento, mais forte ou mais suave.
Ao compor, no entanto, estamos exercendo nosso maior nível de decisão. Sabe por quê? Porque
escolhemos os materiais necessários que devem emitir os sons que desejamos, a maneira de emitir
esses sons e, depois, de organizá-los em uma seqüência que seja lógica para nós.

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Artes na Educação | O ensino de música na Educação Básica está desaparecendo?

Imagino que você ainda esteja se perguntando: “Como vou compor?


Como vou tocar um instrumento, mesmo que seja a lata de lixo que fica
ao lado da minha mesa na sala de aula?” Se você é capaz de desenvolver
uma idéia usando palavras (texto falado ou escrito) ou mesmo imagens
(desenho), é capaz, também, de desenvolver idéias usando sons.
Se pensarmos que música é um discurso, como o professor
Swanwick propõe, talvez fique mais fácil entender a idéia que funda a
proposta de ensino que eu trago para você.
Qualquer um pode desenvolver práticas musicais – compor,
executar, ouvir –, se tiver intenção. Isso porque o que entendemos por
música é definido por nós mesmos, em nossa relação social com os
outros. Você e seus alunos podem estipular critérios e parâmetros para as
práticas musicais do seu cotidiano. Tornando-as, desta forma, realmente
significativas para vocês.
Como pensar o processo pelo qual algo é definido como significativo
para alguém? Por quais processos cada um de nós toma as coisas ao redor
como significativas?
Na busca de respostas a tais questões, uma das contribuições
relevantes, a teoria das representações sociais, foi proposta, inicialmente,
por Moscovici (1985) e, posteriormente, desenvolvida e exposta por Jodelet
(2001) e Alves-Mazzotti (2000).
Essa teoria desenvolvida na Psicologia Social apresenta informações
muito importantes para entendermos os processos de produção. É bom
lembrar que as práticas musicais das quais estamos tratando são formas
de produção, além de música, de sentidos de música. Quem vai definir que
tipo ou conceito de música se está trabalhando são as pessoas envolvidas
naquela produção, ou seja, você e seus alunos.
A teoria das representações sociais analisa e aborda a pluralidade
dos modos de organização do pensamento. Por essa teoria, podemos
entender os processos individuais e coletivos de construção do significado
como processos integrados. Desse modo, é possível entender que a relação
da pessoa com o grupo social interfere na produção do seu pensamento.
Isso nos faz lembrar que todo conhecimento é socialmente
produzido e partilhado, e que o conhecimento tem a função de elaborar
comportamentos e promover a comunicação entre as pessoas,
proporcionando a construção de uma realidade comum a um grupo
social (JODELET, 2001).

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MÓDULO 1
!

1
Pela teoria das representações sociais, a maneira como você e seus alunos

AULA
pensarem “música” definirá a realidade da música entre vocês.

ATIVIDADE

3.a. Identifique, na lista que você fez, a presença de uma ou mais práticas
musicais que consideramos relevantes na sociedade ocidental.
3.b. Qual delas você considera viável desenvolver em sala de aula? Justifique
sua resposta.
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RESPOSTA COMENTADA
A música é um tipo de conhecimento do homem que vale por si
mesmo, e tem práticas próprias. Na lista que você complementou,
você está se aproximando da racionalidade própria da música.
As práticas musicais desenvolvidas por você e seus alunos são
decorrentes da função social da escola e da música na escola.
A música está na escola para que as práticas relacionadas a ela
possam ser desenvolvidas pelas pessoas. O sentido dado às práticas
musicais é um acordo sobre o que é propriamente musical para
determinados grupos sociais. A preocupação em estabelecer um
consenso é encontrada como motivação para a construção dos
discursos dos professores quando falam das práticas musicais
adequadas ao ensino ou à escola. A predicação “apropriado ao
uso escolar” resulta do processo de negociação, conversação
ou argumentação, que determina quais aspectos devem ser
considerados pertinentes à qualidade “musical”. Esse movimento
de negociação é amplo e estabelecido entre teóricos dos campos
da música e da pedagogia da música e, também, entre professores,
alunos e suas interações com outros âmbitos sociais, em uma
dinâmica de configuração da identidade grupal e negociação entre
grupos da distância que os afasta ou aproxima em seus movimentos
de interação.
Em suma, o que é próprio para a escola inscreve-se em alguma
doutrina sobre a escolarização. No caso da escola de ensino regular,
por exemplo, todas as disciplinas escolares inserem-se em alguma
doutrina sobre seu papel na formação dos educandos, adquirindo,
de acordo com aquela doutrina, maior ou menor valor educativo.
Em se tratando de música, no Brasil, o seu valor educativo precisa

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Artes na Educação | O ensino de música na Educação Básica está desaparecendo?

ser demonstrado, pois as doutrinas sobre a escola que permeiam


as decisões a respeito dos currículos não a consideram “útil”, uma
vez que o critério usual é o da utilidade imediata ou futura de alguma
disciplina escolar (“para que serve...?”).
O caráter comunicativo é fundamental nessa discussão, pois trata da
negociação da distância entre os homens a propósito de uma questão
– aqui, a dos discursos sobre a música e seu lugar na escola.

Na teoria das representações sociais, podemos verificar como


se formam e funcionam os sistemas de referência que utilizamos para
classificar objetos, pessoas e grupos, para interpretar os acontecimentos
da realidade cotidiana. Seu pressuposto é a idéia de que o conhecimento
produzido por um grupo social tem um sentido ou significado (senso)
comum aos seus integrantes, por isso é reconhecido e legitimado no
âmbito desse grupo. Só se produz conhecimento sobre algo que a pessoa
pode ou queira reconhecer e que tenha relevância social.
Por meio dessa teoria, conseguimos entender como acontecem
os processos de construção do conhecimento, principalmente aquele
conhecimento próprio para desenvolver uma “composição musical”
assim considerada por um determinado grupo social.
Nas turmas das séries iniciais do Ensino Fundamental, é possível
e recomendável trabalhar as práticas próprias do que se considera
música. Não importa se o resultado será próximo àquele que ouvimos
nas salas de concerto ou de shows de música popular. Devemos levar em
consideração a lógica da produção no trabalho que se vai desenvolver
em conjunto com os alunos.
A teoria das representações sociais permite compreender como
e por que os integrantes de um determinado grupo social defendem
determinadas práticas (no nosso caso, pedagógicas e musicais). Vamos
ver de que forma isso acontece?
Na interação entre as pessoas, acontece o desenvolvimento de
formas culturalmente organizadas. Como? Os membros do grupo social
desempenham um papel mediador entre eles mesmos e a cultura, pois
realizam ações interpretadas pelos outros de acordo com os significados
culturalmente estabelecidos. A partir dessa interpretação, constroem-se
significados para as ações e desenvolvem-se processos psicológicos internos.

14 CEDERJ
MÓDULO 1
Estes possibilitam a formação de mecanismos estabelecidos pelo grupo

1
social e compreendidos por meio de códigos compartilhados por vias

AULA
comunicacionais pelos membros desse mesmo grupo. Um exemplo: para
que uma criança aprenda a cantar, não precisa ter aulas de canto. Ela
ouve a mãe e outras pessoas cantando e tenta imitá-las, observando em
que momentos a ação do canto se apresenta. A resposta dos integrantes
do grupo social mais próximo à criança é decisiva para a construção da
sua auto-imagem em relação à capacidade de cantar.
Essas afirmações não apresentam nenhuma novidade a partir das
contribuições de Vygotsky (1989a,1989b). Mas queremos retomá-las aqui
para frisar que os códigos compartilhados dizem respeito a crenças, valores
e atitudes construídos por meio de processos argumentativos. Por meio
dos argumentos, as pessoas buscam convencer os outros, não é? Vamos
pensar que as práticas musicais são formas de argumentar para convencer
os outros a respeito das idéias que estamos veiculando por meio dos sons.
Convencer os outros por meio da música? Sim. Veja como.
Para Aristóteles, existem vários métodos de produção, tipos de
ciência que coincidem com a ARTE. A ARTE
(tékhne) ocupa-se da
A música, a pintura, a escultura e o teatro são artes que visam alterar produção de objetos,
e é um saber.
de alguma forma as crenças, os valores e atitudes de seus auditórios, no
sentido de afetá-los (MAZZOTTI, 2002). Contudo, isso não é novidade,
pois já na Poética Aristóteles mostra que os poetas falam para um dado
público e têm como finalidade mobilizar suas paixões, expressá-las e
modificá-las. Para emocionar ou convencer um público ou auditório, é
preciso conhecê-lo, saber como ele dá significado às coisas à sua volta.

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Artes na Educação | O ensino de música na Educação Básica está desaparecendo?

ATIVIDADE FINAL

Levando em consideração o conteúdo desta aula, aponte as contribuições da


teoria das representações sociais para o desenvolvimento das práticas musicais
na escola.

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RESPOSTA COMENTADA
A teoria das representações sociais reforça o caráter de interação
social como fundamental para a construção do conhecimento.
A música, como conhecimento humano, no campo da Poética, como
já queria Aristóteles, é construída na relação da pessoa com aqueles
que ela reconhece e legitima nos grupos sociais. Portanto, deve-se
saber emocionar os outros por meio da música. Para tanto, precisamos
conhecer esses outros, ou auditórios, para saber como afetá-los. A teoria
das representações sociais pode ajudar-nos nesse trabalho, porque,
por meio dela, temos condições de verificar como o conhecimento
sobre música é construído.

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MÓDULO 1
1
RESUMO

AULA
Na produção de qualquer conhecimento, a questão do sentido se impõe. No
processo cognitivo e afetivo pelo qual algo inteligível para cada grupo social é
produzido, o inteligível é definido pelo sentido partilhado pelas pessoas envolvidas.
Assim, o processo de produção de representações sociais ou conhecimento consiste,
por excelência, numa produção de sentidos. Reforçamos que entendemos por
conhecimento todo objeto que se apresenta como tal para nós, algo inteligível,
portanto.
Também no trabalho voltado para a continuidade e propagação do inteligível nos
grupos sociais, assim como na assimilação das novidades, o sentido é fundamental.
Entendemos que o sentido é construído por meio da efetivação da intenção das
pessoas de se aproximarem ou mesmo de se afastarem de uma determinada
situação, grupo social ou contexto. A intenção, é bom lembrar, é efetivada nas
ações, escolhas e tomadas de posição de cada um. Por isso, buscamos os valores,
conceitos e crenças das pessoas nos seus próprios discursos.
Se entendermos música como discurso, fica mais fácil verificar que as práticas
musicais em desenvolvimento na escola já espelham o que aquelas pessoas
envolvidas nas práticas entendem por música.

INFORMAÇÃO SOBRE A PRÓXIMA AULA

Na próxima aula, vamos verificar que o conhecimento, qualquer que seja, inclusive
o musical, é construído com base em uma epistemologia “conversacional”, na qual
a questão do sentido impõe-se como necessária.

CEDERJ 17
2

AULA
O som não é música, mas a
música é (também) som
Meta da aula
Apresentar a discussão sobre a definição/
significação de música em diferentes
contextos sociais e históricos, levando em
consideração a retórica como base fundadora
do processo de significação.
objetivo

Esperamos que, após o estudo do conteúdo desta


aula, você seja capaz de:
• resumir o processo pelo qual um fenômeno físico
e/ou social recebe a denominação “música” ou a
qualidade “musical”.
Artes na Educação | O som não é música, mas a música é (também) som

INTRODUÇÃO Na aula anterior, iniciamos a discussão sobre a construção do sentido das práticas
musicais nas escolas de Ensino Básico. Se ignorarmos essa discussão, correremos
o risco de privilegiar uma suposta psicologia do indivíduo, presente em discursos
tais como: “Os professores das séries iniciais do Ensino Fundamental são inaptos
para o trabalho com música nas escolas”; “os alunos não possuem o ‘dom’
para a música” também arriscamo-nos a privilegiar uma estrutura social que
determina o indivíduo, quando se diz que “pelos baixos salários, os professores
são levados a baixos rendimentos ou se afastam da atuação profissional na
educação básica”; “os alunos de classes econômicas desfavorecidas não têm
capacidade para entender a ‘boa’ música”.
Ao contrário dessas duas posturas, para desenvolver práticas musicais na escola,
deve-se buscar a sua “sociogênese”. Assim, ao compreendermos a maneira como
cada prática musical opera, podemos pensar em políticas mais adequadas à escola
e a cada turma de alunos das séries iniciais do Ensino Fundamental.
Buscamos uma resposta para o questionamento sobre o sentido das práticas
musicais que integre a interação comunicativa entre as pessoas no processo
de ensino/aprendizagem. Pensamos que se a comunicação estabelece algo em
comum, sendo preciso para isso a negociação das diferenças entre as pessoas
para a constituição do acordo necessário para as trocas sociais (dentre elas a que
consideramos educativa), a comunicação de sentidos pode ser feita. Conseguimos
negociar as diferenças por meio da apresentação dos argumentos que veiculam
nossas crenças, valores e preferências A interpretação dos discursos, visando
depreender o sentido, precisa estar atrelada ao acordo estabelecido pelas pessoas.
As palavras de Umberto Eco sintetizam bem o que queremos defender:

Que o digamos de um ou muitos modos, o ser é algo que se diz.


Será até o horizonte de qualquer outra evidência, mas torna-se
problema filosófico apenas no momento em que falamos sobre
ele. Antes, é justamente o fato de falarmos sobre ele que o torna
ambíguo e polivalente. O fato de que a polivalência possa ser
reduzida não nos priva de tomarmos conhecimento apenas através
de um dizer. O ser, enquanto pensante, se nos apresenta desde
o início como um efeito de linguagem. No momento em que
paramos à sua frente, o ser suscita interpretação; no momento
em que podemos falar sobre ele, este já é interpretado. Não há
mais nada a fazer (ECO, 1998, p. 27).

Vejamos como as palavras de Eco se aplicam ao caso da construção


dos sentidos das práticas musicais.

20 CEDERJ
MÓDULO 1
DISCUTINDO A NATUREZA DA MÚSICA

2
AULA
Para se falar do sentido das práticas musicais desenvolvidas nas
escolas, precisamos pensar na discussão sobre a natureza da música e da
escola. O primeiro problema, a natureza da música, refere-se aos critérios
pelos quais se seleciona algo, uma ocorrência, considerado “música”.
Entendo por esse algo tanto o desdobramento de um determinado
fenômeno (o resultado físico de vibrações acústicas, por exemplo) quanto
de um conjunto de elementos integrados à vida social (o ensino de música
na escola de ensino básico, uma composição musical etc.).
Como vimos na aula anterior, quando abordamos os aspectos
temporais e geográficos do conceito de afinação, se considerarmos o
problema de maneira independente de espaço e tempo determinados,
“música” será uma ocorrência, a despeito das relações humanas. Assim
colocado, o problema não tem saída, pois supõe a existência de um
ideal ao qual as pessoas têm de se adequar. Caso não possam ou não
consigam adequar-se ao ideal de música, então elas não são “dotadas”,
não nasceram com o talento para a música.
Não é essa a idéia que quero veicular neste curso. Principalmente
porque se trata de um curso de Pedagogia que, como tal, lida com a
mudança da qualidade do conhecimento das pessoas. Não podemos
falar de algum conhecimento que não possa ser adquirido, se quisermos
trabalhar no campo da Pedagogia.
Caso busquemos estabelecer algo próprio da música, algo que
determine limites no espaço e no tempo do que se denomina “música”,
precisamos lançar mão da fixação de alguma estrutura própria que tem
por referente a qualidade de ser musical. E essa estrutura própria à
música é o resultado da negociação dos significados entre as pessoas
envolvidas no debate sobre a natureza da música. Quem são essas
pessoas? Os teóricos, os musicólogos, os professores de música, seus
alunos, cantores, instrumentistas, regentes, compositores, arranjadores,
DJs, MCs, professores das séries iniciais do Ensino Fundamental, seus
alunos, eu, você...

CEDERJ 21
Artes na Educação | O som não é música, mas a música é (também) som

De fato, o discurso sobre a música é retórico. O que isso quer


dizer? A qualidade da música é determinada pelas contingências, pelo
uso que se pretende fazer dela em determinadas circunstâncias.

ATIVIDADE

1. Observe este trecho:

Um grito pode ser um som habitual no pátio de uma escola e um


escândalo na sala de aula ou num concerto de música clássica.
Uma balada ‘brega’ pode ser embaladora num baile popular
e chocante ou exótica numa festa burguesa. Tocar um piano
desafinado pode ser uma experiência interessante no caso de um
ragtime e inviável em se tratando de uma sonata de Mozart. Um
cluster pode causar espanto num recital tradicional, sem deixar de
ser tedioso e rotinizado num concerto de vanguarda acadêmica.
Um show de rock pode ser um pesadelo para os ouvidos do pai e
da mãe e, no entanto, funcionar para o filho como canção de ninar
no mundo do ruído generalizado (WISNICK, 1989, p. 29).

Aponte os elementos convergentes entre o teor desse trecho e o tema que


estamos debatendo no momento.
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22 CEDERJ
MÓDULO 1
2
RESPOSTA COMENTADA

AULA
Há música em algum momento ou lugar. É preciso, entretanto
que essa ocorrência, para ser chamada “música”, tenha algumas
qualidades reconhecidas por alguém como próprias da música.
Partimos do pressuposto de que a ‘música é’, mas divergimos quanto
às suas qualidades (predicados e categorias). Não colocamos em
dúvida o existente ‘música’, mas argumentamos a respeito de seus
predicados. Dessa maneira, as qualidades de algo considerado
existente, a música: estão em disputa e são demarcadas pelo que
não é música: pela antítese, portanto.

Em muitas sociedades, não há um termo ou palavra para designar


música como fenômeno geral (NATTIEZ, 1990), isto é, há palavras que
designam cada atividade musical, cada ator social que canta, dança ou
toca um instrumento e cada tipo de canção (secular ou religiosa). Assim,
a racionalização sobre o que é e o que não é música, na visão ocidental, é
inadequada para estudar a questão da presença ou não de música em todas
as sociedades, as articulações construídas por cada grupo social específico
dessas sociedades.

!
Não há um conceito único, intercultural, que defina música.

Esta é a idéia do semiólogo musical canadense Jean-Jacques


Nattiez:

Examinar os limites entre música e outras formas simbólicas em


um continuum dado revela que o conceito ‘música’ é deslocado
de uma cultura para outra. Isto fica particularmente claro nas
sociedades para as quais a palavra ‘música’ não existe. Os persas
fazem a distinção entre musiqi, a ciência ou arte da música, e
musik, o som ou performance musical. Lorraine Sakata, no
entanto, demonstrou que denominar algo como musiqi depende
do contexto e da avaliação particular da cultura sobre o que
é musical: as canções dos textos religiosos são musiqi, mas as
fórmulas para oração não são. Pode-se estender este tipo de
investigação para outros níveis: historicamente, a mousikê dos
antigos gregos designa grosso modo aquilo que nós chamaríamos
de ‘poesia lírica’ (NATTIEZ, 1990, p. 54. Tradução nossa).

CEDERJ 23
Artes na Educação | O som não é música, mas a música é (também) som

O que leva os professores a definirem determinadas ocorrências e


práticas como musicais, num primeiro momento, e adequadas à escola,
num segundo momento, está subordinado ao que eles entendem por
ser musical e por adequado ao uso escolar (adjetivos e interpretações
dadas por este grupo para aquelas ocorrências e práticas). Não seria
adequado pensar em uma história da música sem levar em conta que
esta é a história das interpretações e predicações das ocorrências, objetos
e práticas sociais e musicais.

!
A definição de música está aliada às práticas culturais nas formas definidas
por diversas articulações. Precisamos identificar, por analogia, o produto
das articulações que dão sentido às práticas consideradas musicais, para
que possamos dizer: “aqui há música” ou “isto é música”.

Cada tipo de organização ou prática musical requer uma


justificativa, um tipo de auto-apresentação das pessoas envolvidas na
sua busca por aprovação ou mesmo reprovação dos outros. O choque
ou o escândalo também são maneiras de afetar o outro, emocioná-lo.
Buscar a aprovação ou a reprovação significa levar o outro em conta, e
inclui os argumentos usados para esses fins.
Vejamos como chegamos à idéia de argumentação em música.
O trabalho da pessoa ao interferir e modificar os materiais sonoros de
acordo com o significado que quer empregar por meio de sua ação, diz
respeito a um tipo de produção desenvolvido para aqueles fins.
Todo processo de produção é uma intenção efetivada. Todo fazer
pode ser visto e avaliado segundo: (a) a efetividade (eficácia e eficiência);
(b) a qualidade das inferências realizadas (os argumentos utilizados para
explicar o que se fez, o que se fará etc., sempre expressos em discursos).
Aprender a expor uma idéia, entendendo-a de forma ampla para conter
o resultado de qualquer processo de produção, incluindo o sonoro e
o musical, consiste, fundamentalmente, em aprender uma técnica ou
arte de argumentar. Argumentar na/com música diz respeito ao modo
como o orador/professor/compositor, ou todo aquele que age (incluindo
a ação de fazer silêncio) escolhe interferir nos sistemas de significações
dos outros. Aprender a argumentar é aprender uma técnica. Entendemos
por técnica, de acordo com Mazzotti (2003), um esquema de ação, um
modo de fazer, um “estilo”, a partir do qual se chega aos procedimentos
considerados eficazes ou corretos.

24 CEDERJ
MÓDULO 1
Há, portanto, retórica em todo processo de produção, seja nesse

2
fazer relacionado com o professor que se considera responsável pela

AULA
construção/ampliação do “bom gosto musical” de seus alunos (e para
tanto seleciona e apresenta-lhes o repertório musical que ele considera de
“melhor qualidade”), seja nesse fazer relacionado ao compositor se auto-
proclamando como pertencente a determinado estilo ou grupo estético,
ao compositor que, no seu processo de produção/criação, dialoga com
todos aqueles que influenciaram a construção do seu “estilo” (modo
de argumentar) e com todos aqueles que ele busca atingir, emocionar
com o resultado da sua produção, com a sua obra. Em um caso ou em
outro, a intenção do orador/professor/compositor é materializada em
cada sonoridade, ou seja, criação e interpretação são retóricas, pois
nessas ações há, necessariamente, negociação dos sentidos.
Reforçamos que professor e compositor encontram-se na categoria
de agentes de produção. Eles colocam em ação os mesmos operadores
cognitivos em seus processos de produção, guardadas as proporções do
rigor argumentativo de cada intenção. Na próxima aula, trataremos
mais detidamente desses operadores cognitivos.

ATIVIDADE

2. Construa, com suas palavras, uma definição de “música” a partir do que


está apresentado nos parágrafos precedentes.
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RESPOSTA COMENTADA
Resumindo a discussão desenvolvida nos parágrafos precedentes,
definimos música como toda organização sonora que encerre
argumentos construídos para um determinado fim. Essa é a causa
para que a música esteja presente, de formas distintas, em cada
tempo e lugar.

CEDERJ 25
Artes na Educação | O som não é música, mas a música é (também) som

PARA QUEM SE FAZ MÚSICA?

Para responder a essa pergunta, tomamos como hipótese o fato


de que há um “auditório universal” que se apresenta como o grupo de
referência do agente da produção ou orador. O auditório universal é o
ponto de chegada do trabalho de produção de discursos (incluindo os
discursos musicais). Nesse caso, o auditório universal será aquele que é o
“ideal” para o agente da produção ou orador, algo que ele constrói para
si mesmo. Portanto, o “auditório universal” é um ideal regulador para o
orador/poeta/músico/professor e seus críticos, não é algo que exista sem
eles. O auditório universal existe em “todos” que partilham determinadas
crenças, valores e atitudes.
No processo de produção, estamos todo o tempo dialogando
com aqueles que constituem os nossos grupos de referência, o “auditório
universal” existente em nós. As referências para a nossa ação são todos
aqueles de quem queremos nos aproximar ou de quem queremos nos
distanciar. O “auditório universal”, como ideal regulador representado
pelos grupos reflexivos, materializa-se nas escolhas cotidianas de cada um
de nós e dá a direção/motivação das nossas ações.
A música está nos grupos no instante em que ocorrem os acordos
que se fazem na relação entre e intra-auditórios. Relativiza-se a música, por
tudo que ela pode/poderia/poderá ser diferente, de acordo com a própria
dinâmica das negociações entre as pessoas.

A RETÓRICA DA PRODUÇÃO MUSICAL

Temos como dado histórico que, entre as técnicas ou artes de


mover o outro, está a da citarística (nome da música no livro Poética, de
Aristóteles). No caso da música, não está em questão a “verdade” de seus
enunciados nem sua aplicação para resolver algum problema conceitual,
mas sua “capacidade” de ex motionare – pôr em movimento, atingir, afetar
– os ouvintes ou auditórios, os grupos sociais para os quais está voltada.
Como é uma técnica de mover o outro, é uma arte social. Ela é, então, uma
arte que parte de um pressuposto prático: é possível sensibilizar e mover
as paixões humanas lançando mão de técnicas específicas.
Temos por certo que as técnicas às quais nos referimos
anteriormente têm por pressuposto a necessidade de estabelecer, de se
partir de um acordo sobre o que é musical para determinados grupos

26 CEDERJ
MÓDULO 1
sociais ou auditórios, e esse acordo passa a ser a base para a construção

2
de qualquer produção.

AULA
Existe uma teoria muito antiga que pode nos explicar melhor essa
situação.
A teoria do eikos, desenvolvida antes de Aristóteles, nos quadros
da retórica judiciária, já tratava do que cada um, frente à experiência que
tem de sua própria conduta, pode conjecturar sobre a conduta humana
nas circunstâncias dadas (WOLFF, 1993). Diz respeito às idéias que temos
das coisas e pessoas a partir da nossa própria experiência.
Na Retórica, mas também na Poética, o eikos designa a idéia que
o orador/autor/compositor/professor deve ter sobre o auditório/leitor/
espectador/alunos, para construir a argumentação/produção mais eficaz.
Uma argumentação/produção eficaz é aquela que atinge o outro, mobiliza
a sua atenção, emociona-o. O orador deve “agenciar discursivamente
as condutas humanas no curso do mundo, de sorte que elas apareçam
conforme a experiência que o destinatário tem em um caso – o da Poética
– para que seja transformado, e no outro caso – o da Retórica – para que
seja persuadido” (WOLFF, 1993, p. 57). Assim, o eikos é o enunciado
que considera o conhecimento do auditório sobre as circunstâncias do
evento em questão, assim como sua experiência sobre os homens e o
mundo, para poder convencê-lo ou emocioná-lo.
Encontramos em Raynor (1986) uma discussão que nos permite
identificar o uso do eikos no caso das práticas musicais pela Poética, por
tratar da influência dos auditórios sobre a ação do compositor/intérprete.
Para aquele autor, um dos deveres essenciais do compositor/intérprete é
estar ciente dos desejos do seu auditório. Raynor apresenta como exemplo
a Igreja Católica, que aprovava, na Idade Média, apenas a música que
não se impusesse com demasiada força aos ouvintes; as autoridades
da Contra-Reforma aprovaram a obra de Palestrina, não porque era
perfeita de estilo ou por sua riqueza melódica, mas por ser possível ao
leigo em música considerá-la um modo emocionalmente agradável de
tratar o texto da missa, apropriando-se dele, portanto. Dessa forma, os
auditórios protestantes ouviam música religiosa de um ponto de vista
diferente dos católicos.

CEDERJ 27
Artes na Educação | O som não é música, mas a música é (também) som

ATIVIDADE FINAL

Faça um resumo da aula, buscando apontar os elementos fundadores da denominação


música ou musical para determinados fenômenos físicos e/ou sociais.

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RESPOSTA COMENTADA
Negociar sobre a natureza da música põe-se como necessário para a
conversação que deseja estabelecer o que pode ser “falado”, ensinado,
o que pode ser mostrado para o outro de maneira mais completa,
tanto quanto possível. Toda conversação envolve o estabelecimento
do que algo é para os envolvidos, para auditórios particulares e para
o “auditório universal” que se apresenta como “ideal regulador” das
produções. Na negociação dos diferentes sentidos dados à música, a
racionalidade retórica está presente. A negociação de sentidos existe
intra e entre grupos sociais.
Pela teoria do eikos, poética e retórica unem-se pelo que pretendem
fazer e pelo pressuposto do qual partem: é possível afetar ou modificar
as atitudes, crenças e valores dos outros, caso se lance mão das crenças
e valores que caracterizam o grupo social.

28 CEDERJ
3

AULA
A construção social
da música
Meta da aula
Apresentar as etapas de produção
do sentido de música e da qualidade
“musical”, com base na teoria das
representações sociais.
objetivos

Esperamos que, após o estudo do conteúdo desta aula,


você seja capaz de:
• especificar as etapas da produção do sentido
de música: objetivação e ancoragem;
• identificar, nas etapas do processo de significação
musical, contribuições para a pedagogia da música.
Artes na Educação | A construção social da música

INTRODUÇÃO O que é música? O que é preciso para alguém se tornar musical? De onde vem
o sentido da música? Estas são algumas questões que permeiam a história da
música e das práticas sociais a ela relacionadas: compor, improvisar, cantar,
tocar um instrumento, dançar, ouvir etc. As respostas a essas questões dizem
respeito à produção do sentido que, por sua vez, corresponde a um processo
de predicação. Qual o significado desse processo? A predicação define o que
cada prática social e o produto ou resultado dessa prática são em relação ao
que se entende por música ou musical.
Como acontece a produção de sentido de música? É o que vamos estudar a
seguir. Para o nosso curso, é muito importante esse estudo, porque queremos
demonstrar que as atividades que são desenvolvidas com alunos em sala de
aula podem passar pelas mesmas etapas do processo de significação musical
e, assim, chegar a um resultado mais consciente pelos alunos.

O PROCESSO DE SIGNIFICAÇÃO MUSICAL

Alguém se depara com um fenômeno físico (vibrações acústicas,


por exemplo) ou social (o resultado de um trabalho de manipulação
humana de qualquer tipo de material sonoro) e afirma: isso é música!
Como se chega a essa afirmação? Quais são as etapas deste processo?
A percepção, nas palavras de Martinez (2004), é o ponto de
partida desse processo. Mas o que é “perceber” algo? Em uma definição
bem simples, mas suficiente para nós, podemos afirmar que perceber
consiste em detectar qualidades, o que permite distinguir um fenômeno
em relação ao seu entorno. Por exemplo: no ar, eu percebo o ruído da
sirene (fenômeno físico) agudo e possante (qualidades). Talvez, se eu
não tivesse a experiência do que seja agudo e/ou possante, não poderia
distinguir o som da sirene, ou o faria a partir de outras qualidades com
as quais já tivesse familiaridade. Um músico, ao ouvir o mesmo som da
sirene, poderia afirmar: “Eu percebo um intervalo melódico de terça
menor ascendente”. O resultado da percepção, portanto, está vinculado
à quantidade e à espécie de informação que as pessoas detêm sobre as
coisas que as rodeiam.
Além disso, o significado que damos às coisas é o resultado de um
ato de comparação entre qualidades. O rap, por exemplo, é considerado
por muitas pessoas como “não-música”, porque, para elas, música é algo
que precisa apresentar variedade de instrumentos, articulação harmônica

30 CEDERJ
MÓDULO 1
entre os instrumentos, melodia definida etc. Essas pessoas procuram no

3
rap as qualidades que julgam serem próprias da música, ou de algo que

AULA
possa ser considerado música. Como não as encontram, afirmam: “rap
não é música”.
O rap, entretanto, é música adequada aos fins a que se propõe:

Surgido no final dos anos 70, no bairro do Bronx em Nova York,


o rap se constituiu como relato da vida dos jovens negros e de outros
grupos discriminados, como os latinos, da periferia das grandes
cidades norte-americanas. Sua forma discursiva, em que o cantor na
verdade parece estar falando, remete à tradição africana de relatos
orais, e não são poucos os estudiosos do rap que localizam na África
a gênese desse estilo musical (GUIMARÃES, 1999, p. 39).

As qualidades não existem nas coisas, mas no julgamento


perceptivo que fazemos delas, condicionado aos nossos GRUPOS SOCIAIS GRUPO SOCIAL DE
REFERÊNCIA
DE REFERÊNCIA. De fato, sabemos que o homem se relaciona com seus
É definido por
grupos sociais de referência a partir de suas intenções de aproximação fatores como
identidade ou laço
ou mesmo afastamento desses grupos. social (profissional,
Para os negros norte-americanos e muitos brasileiros, o rap religioso, estético
etc.), além da
apresenta-se como manifestação musical adequada para expressar comunicação social
e do modo comum
condições próprias de um grupo social específico. Neste sentido, de pensar ou saber
partilhado.
pensamos ser adequado definir música como toda organização sonora
voltada para um determinado fim.
Como já comentamos nas aulas anteriores, existe uma teoria que
trata do julgamento perceptivo que fazemos das coisas à nossa volta:
a teoria das representações sociais. Com base nessa teoria, também
podemos chegar à maneira como as pessoas produzem música e propor
esse mesmo processo para os alunos durante as aulas. Vejamos como.

Contribuições da teoria das representações sociais para o


ensino de música na escola

Comecemos frisando que qualquer fenômeno pode ser percebido


e representado como música ou como algo musical pelas pessoas de
um determinado grupo social, dependendo do significado ou sentido
que lhe é atribuído na estrutura cultural particular. O fenômeno é
percebido, representado e reapropriado pelas pessoas em suas trocas
comunicacionais, reconstruído no seu sistema cognitivo, integrado ao seu
sistema de valores, conforme sua história e o contexto social e ideológico

CEDERJ 31
Artes na Educação | A construção social da música

que as cerca e, dessa forma, passa a se constituir como “música” para


aquele grupo social específico.
Você e seus alunos constituem um grupo social dinâmico, podem
e devem estabelecer as qualidades que julgam serem próprias da música
e, a partir daí, produzir música. Vamos falar das etapas do julgamento
perceptivo e da produção musical, sugerindo que elas estarão presentes
em suas atividades de sala de aula, como desenvolveremos em nossas
próximas aulas.

As etapas da produção do sentido de música

Pela teoria das representações sociais, são dois os processos


formadores de sentido que, para nós, equivalem à produção musical:
a objetivação e a ancoragem.
Na objetivação, uma informação – seja ela sonora, o próprio
silêncio ou ausência expressiva de som – é selecionada de um determinado
fenômeno (físico ou social). A seleção é parcial, mas não ao acaso, uma
vez que os elementos selecionados são aqueles que “coincidem” com
o sentido que a pessoa pode ou quer dar ao som.
Vamos dar dois exemplos. Uma pessoa vem do interior para
o Rio de Janeiro e observa, pela primeira vez, o mar. Tudo o que ela
observar e expressar, por meio de palavras, consistirá em representações
construídas a partir da seleção que ela fez dos elementos que compõem
o mar. Ela vai priorizar alguns elementos em detrimento de outros tendo
em vista os condicionantes culturais (acesso diferenciado às informações)
e, sobretudo, os critérios normativos (guiados pelo sistema de valores
de seus grupos sociais de referência), de modo a proporcionar, a si
e àqueles com quem busca a interação comunicativa, uma imagem
coerente e facilmente reconhecível do mar: o som, a espuma das ondas,
a areia, a cor do mar, seu cheiro etc. Essa pessoa pode dizer: o mar
é como um dragão azul-esverdado, que lambe a areia. Essa é uma
expressão poética dos elementos selecionados (o tamanho do mar, sua
cor, o movimento das ondas na areia da praia) para a construção de uma
definição/representação do mar.
O mesmo acontece com o compositor que vai produzir algo cujo
tema seja o mar. Por meio de sons, precisa expressar essa idéia e, a partir
da espécie de informação que detém sobre o mar e sobre as técnicas de
expressão de idéias utilizando meios sonoros, selecionará elementos

32 CEDERJ
MÓDULO 1
do mar e buscará encontrar elementos sonoros de outras fontes para

3
expressá-los. Portanto, seja na percepção ou na produção, o processo

AULA
começa pela seleção de elementos de informação.
Junto com a seleção de elementos de informação, dá-se a sua
recontextualização, uma vez que eles são ressignificados pelas pessoas,
de acordo com os condicionantes culturais e critérios normativos que
propiciaram a sua seleção. O mar tem uma existência objetiva que
proporciona diversas representações, tantas quantas forem as pessoas
que o observam. Portanto, a realidade representada por cada um de
nós condiciona a produção das nossas representações, daí falarmos em
recontextualização, porque selecionamos elementos de informação de
uma fonte (a existência objetiva do mar) para construirmos outro objeto,
aquele da nossa representação (por exemplo, o dragão verde-azulado
que lambe a areia).
A incidência do contexto sobre o processo de produção de
representações sociais explica por que a mesma ocorrência pode ser
representada de diferentes maneiras, uma vez que esse processo está
relacionado a cada grupo social especificamente.

CEDERJ 33
Artes na Educação | A construção social da música

ATIVIDADE

1. Ouça alguma peça musical instrumental, de preferência do repertório


que convencionamos chamar de clássico. Verifique a idéia contida no título
da obra e escreva suas impressões sobre a idéia expressa pelo compositor:
você pode imaginar que essa música trata da idéia contida no título, se
não o conhecesse?
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RESPOSTA COMENTADA
Ao ouvirmos algo pela primeira vez, construímos hipóteses sobre
o seu significado. No caso de uma música instrumental, tendemos
a imaginar que tipo de idéias, fatos, acontecimentos ou mesmo
personagens estão sendo “narrados” por aquela manifestação
sonora. Selecionamos, no processo de percepção/apreciação da
obra, os elementos que podemos reconhecer, dar significado a
eles. O compositor passou por seu próprio mecanismo de seleção
e recontextualização dos elementos considerados pertinentes para
veicular, sonoramente, sua intenção produtiva. Compositor e ouvinte,
portanto, em seu trabalho de produção e apreciação, selecionam os
elementos que, em diálogo com seus grupos sociais de referência,
acreditam serem os ideais para expressar ou representar as suas
idéias e hipóteses. Se os grupos sociais de referência do compositor e
ouvinte não apresentarem nenhum tipo de convergência, certamente
as hipóteses sobre o significado da obra, construídas pelo ouvinte,
não coincidirão com as intenções do compositor. Esse fato não é
negativo, mas é próprio da apreciação de todo trabalho artístico. Se
tivermos informação a respeito do processo de produção da obra,
podemos nos aproximar das intenções do compositor, mas isso não é
obrigatório. Todos nós temos capacidade suficiente para produzirmos
nossas próprias idéias sobre as obras humanas.

34 CEDERJ
MÓDULO 1
A segunda etapa da objetivação refere-se à formação da

3
representação propriamente dita, ou seja, imagens sonoras, visuais

AULA
etc., todas no âmbito mental. Trata-se da estruturação ou organização
dos elementos de informação selecionados num complexo de imagens,
configurando-se um objeto reconhecível pelas pessoas a partir de um
determinado conjunto de predicados. Vamos dizer que corresponde ao
momento exato da formação da imagem do dragão azul-esverdeado que
lambe a areia da praia.
A terceira etapa do processo de objetivação é a naturalização,
ou seja, os elementos da representação passam a ser elementos da
“realidade” e não mais do pensamento. Se o mar se mostrou assustador
para o nosso amigo poeta, o elemento dragão deve ter sido escolhido
como imagem também por ser considerado negativo e, dificilmente, ele
poderá banhar-se no mar tranqüilamente. Dragão deixou de ser imagem
para se transformar em “realidade” para o poeta, ou seja, naturalizou-se
em seu cotidiano.
Um exemplo do processo de naturalização é o uso cotidiano das
quatro primeiras notas da “Quinta Sinfonia de Beethoven” por alguém
que queira apresentar um “clima” de suspense à sua conversação
(“Contarei uma novidade, tchan-tchan-tchan-tchan...”). Ou como ocorre
naquele anúncio do aparelho de barbear em que se diz que “a primeira faz
tchan, a segunda faz tchun e ... tchan-tchan-tchan-tchan...”. Os criadores
do anúncio passaram por aquelas etapas (seleção/recontextualização de
elementos de informação/formação de cognições centrais) e naturalizaram
as quatro primeiras notas de Beethoven na realidade do anúncio.
O esquema próprio da objetivação é um esquema de predicação,
que condensa e dá sentido aos objetos do pensamento, tornando-os
realidade para as pessoas. A partir desse sistema de predicação, ocorrem
os processos de denominação e classificação desse produto já estruturado.
Denominar (categorizar) e classificar são ações cognitivas que dizem
respeito ao segundo processo de formação das representações sociais,
a ancoragem. Ela se refere à assimilação de algo em um esquema ou
estrutura cognitiva já existente. No exemplo do poeta que vê o mar
pela primeira vez, ao representar o mar denominando-o como “dragão
verde-azulado que lambe a areia”, ele o insere na categoria das coisas
que devemos temer. Como o mar era uma novidade, nosso amigo, poeta
do interior, procurou encontrar no mar predicados que já conhecia e que

CEDERJ 35
Artes na Educação | A construção social da música

puderam ser utilizados para perceber e assimilar essa novidade. O caso do


rap, novamente, é exemplar. No início da propagação dessa manifestação
sociomusical, muitas pessoas estranharam, assim como ainda estranham
a sua qualificação de musical. Não conseguiram selecionar nenhum
elemento dessa manifestação que pudessem reconhecer como musical,
como pertencendo ao grupo de outros elementos já estocados em sua
memória em categorias que remetam à idéia de música.
Outros exemplos podem ser apresentados para reforçar o papel da
naturalização e da ancoragem nos processos de produção e recepção dos
objetos musicais que nos rodeiam. A partir da análise elaborada por Porta
(1998) da trilha sonora do filme Rei Leão, da Disney Produções, inspirado
na peça Rei Lear, de Sheakespeare, podemos verificar as representações
de tempo veiculadas por meio da música:

(a) O sentido de passado vincula-se à personagem Mufasa,


pai de Simba, o futuro rei. Mufasa, ao representar o reino
e o poder perdidos, aparece associado a um fragmento
musical que cita alguns compassos da obra “Ave Verum”
de Mozart, compositor do período clássico (século XVI),
no momento de sua morte.

(b) O sentido de presente tem, pela música que o veicula,


um caráter informal, cotidiano, veiculado por meio de
pequenas canções sem maiores tratamentos orquestrais
ou harmônicos, buscando o sentido da simplicidade. Este
é o momento em que Simba e Nara brincam e cantam,
ainda crianças.

(c) O sentido de futuro está naturalizado pelo estilo do


musical norte-americano, o da Broadway, como é exposto
na canção “Hakuna Matata”. A poética da canção trata
do paraíso alcançado sem sacrifício (com referência à
abundância natural e bem-estar do lugar almejado).
O uso do timbre de harpa ao se desvendar o cenário do
paraíso reforça esse sentido (o som da harpa naturaliza
e ancora o som angelical). E, também, a instrumentação
da cena seguinte: Simba, já adulto, canta no paraíso
com os amigos, sendo acompanhado por baixo elétrico
e clarinete, instrumentos clássicos do rock e do musical

36 CEDERJ
MÓDULO 1
norte-americanos. Os componentes formais, estilísticos

3
e tímbricos dos musicais da Broadway e da cultura do

AULA
rock ancoram a idéia de futuro denotada na imagem do
paraíso: Simba não voltará para a África, terra do reino
de seu pai, mas para o paraíso que é a América do Norte
representada, no filme da Disney, por sua música.

ATIVIDADE

2. Pensando no processo de naturalização e de ancoragem, tal como foi


apresentado, procure apresentar outros exemplos do uso de determinado
repertório nos desenhos animados, filmes, novelas ou anúncios televisivos.
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RESPOSTA COMENTADA
Podemos identificar o que se passa em uma novela ou filme
apenas levando em consideração a trilha sonora: romance, ação,
suspense, violência são ancorados pelos usos da música. Efeitos
sonoros ou repertórios musicais mais específicos, por sua vez, são
naturalizados na realidade cotidiana das pessoas por sua veiculação
nas trilhas sonoras. Tomando como referência um episódio do
desenho animado Bob Esponja, veiculado no Programa “Xuxa no
Mundo da Imaginação” (TV Globo), analisado por Tourinho (2004),
podemos encontrar elementos associáveis à idéia de naturalização
e ancoragem.
Nesse episódio, o som produzido com o deslizamento de um tubo
de metal sobre as cordas de uma guitarra típica do Havaí ancora a
idéia de cenário tropical, onde se desenrola a história. Já a música
eletrônica, expressa pelo som de uma guitarra, característica do
heavy metal, naturaliza a idéia dos desenhos de ação. De fato, no
momento em que se ouve a música eletrônica, os personagens do
desenho se comportam como “Batman e Robin”, na cena inicial
dos episódios do seriado da década de 1960 e a configuração da
imagem acontece da mesma maneira que a dos desenhos de ação
japoneses. Também a música erudita e o balé clássico, no contexto
do desenho animado, veiculam idéia de sofisticação estética.
Os personagens do desenho, Bob Esponja e Patrick, dançam e
cantam uma valsa de J. Strauss Jr. enquanto caçam, significando
que buscam mostrar maestria naquilo que fazem.

CEDERJ 37
Artes na Educação | A construção social da música

O que vimos até o momento é um problema para a Pedagogia da


Música, pois diversas são as músicas e práticas musicais que cada aluno
leva para a sala de aula e, muitas vezes, elas não coincidem com aquelas
classificadas pelo professor como sendo as músicas ou práticas ideais para
musicalizar alguém. O funcionamento do sistema de categorias e critérios
estabelecidos pelos professores em suas práticas pedagógicas é influenciado
por seus grupos sociais de referência, os quais, muitas vezes, não coincidem
com os grupos de referência dos alunos.
Uma vez que o significado de música, como qualquer outro
conhecimento, se realiza na interação, no diálogo social, colocar-se em
comum com o outro é condição para esse diálogo. Buscar estratégias que
aproximem as diversas realidades próprias de cada grupo social de referência
presente em sala de aula, torna eficaz o processo de significação, sem o qual
não há aprendizagem.
Entenda que toda prática ou escolha naturaliza representações
fundamentadas por sentidos de pertença social torna mais fácil e coerente
o trabalho com o material musical trazido pelos alunos. A eficácia do ensino
passa por essa estratégia.

ATIVIDADE FINAL

Leia a afirmação a seguir:

Todo compositor tem um público-alvo que busca atingir, emocionar por meio
do choque, do escândalo, ou mesmo do aplauso. Mas, nem sempre o público-
alvo do compositor coincide com o público que acessa a mensagem veiculada
por ele. O auditório, qualquer que seja, sempre reconstrói a mensagem, refaz
o trabalho de produção, é co-criador da obra. Ao receber a mensagem, ele
seleciona dela os elementos que pode ou quer selecionar a partir dos seus
próprios grupos sociais de referência.

A partir do conteúdo desta aula, que tratou das etapas da produção do


sentido de música – objetivação e ancoragem – você concorda que esta
afirmação se aplica à pedagogia da música? Por quê?

38 CEDERJ
MÓDULO 1
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3
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AULA
_______________________________________________________________________
_____________________________________________________________________

RESPOSTA COMENTADA
Sim, porque pela teoria das representações sociais, entendemos
que a música não é algo que se impõe, de maneira autônoma ou
independente, diante de nós. Limites de espaço e tempo emergem
quando entendemos que a música é uma produção humana. Eles
correspondem às teorias que, a todo instante, estamos construindo, ou
seja, às nossas interpretações acerca das ocorrências que consideramos
relevantes para a nossa vida social. Buscamos expor essas teorias aos
outros, mesmo que esse outro seja, inicialmente, nós mesmos em
nosso diálogo interno.
Da mesma maneira que as obras musicais, as práticas pedagógicas
desenvolvidas na escola dependem do significado ou sentido que lhes
são atribuídos dentro de uma estrutura social particularizada pelas
representações construídas.
Os professores podem ser complacentes com o ambiente físico da
escola e com os objetos musicais aceitos pelos alunos, mas tendem
a qualificá-lo como “não-música” a partir das representações sociais
que caracterizam os seus grupos de referência. Essa qualificação pode
trazer entraves para o desenvolvimento das práticas pedagógicas em
sala de aula.

CEDERJ 39
Artes na Educação | A construção social da música

RESUMO

São duas as etapas do processo de significação, as quais coincidem com o processo


da construção do conhecimento ou representação social.
A etapa da objetivação caracteriza-se por ser aquela em que se torna concreto,
objetivo, o significado/representação que se tem a respeito de alguma ocorrência.
A ancoragem é a etapa que se relaciona dialeticamente com a objetivação (como
as duas faces da mesma moeda). Ela diz respeito ao trabalho de denominação e
classificação daquela representação objetivada.
O processo de significação incide diretamente na configuração das atividades
pedagógicas em sala de aula, pois o professor pode deixar de perceber o repertório
e as práticas musicais de seus alunos, ou mesmo classificá-los como não musicais.
Sendo assim, propicia-se um distanciamento entre eles, que se torna obstáculo
para a comunicação (tornar idéias em comum) necessária no processo de ensino/
aprendizagem.

INFORMAÇÕES SOBRE A PRÓXIMA AULA

Na próxima aula, apresentaremos alguns critérios para a classificação do


repertório musical presente no nosso cotidiano. Assim, você pode encontrar
algumas pistas para se aproximar da diversidade de repertórios que existem
à sua volta e construir, de maneira consciente, os seus próprios critérios de
classificação.

40 CEDERJ
4

AULA
Repertório musical:
como classificar?
Meta da aula
Apresentar a lógica de construção dos
critérios de classificação do repertório
musical baseada na teoria das
representações sociais.
objetivo

Esperamos que, após o estudo do conteúdo desta


aula, você seja capaz de:
• construir os seus critérios de classificação
de repertório musical.
Artes na Educação | Repertório musical: como classificar?

INTRODUÇÃO Quando entramos em uma loja de discos, logo nos deparamos com a
disposição do material em categorias para venda: “música para crianças”,
“música de orquestra”, “música do mundo”, “rock internacional”, “rock
nacional”, “trilhas sonoras”, “música romântica” etc.
Não é raro verificar, por parte dos professores, atitude de total confiança nessa
classificação. Se o público-alvo for o infantil, claro que o repertório tem de ser
aquele já categorizado como “música infantil” ou “para crianças”. Escolha
correta? Errada! Toda classificação de repertório musical precisa ser entendida
no contexto em que foi formulada. Para tanto, é necessário que sejam explicitados
os critérios para a sua construção, para que possamos criticá-la e, então, construir
a nossa própria classificação. Por exemplo, muitas vezes, falamos de “música
folclórica”, trabalhamos um determinado repertório na semana do folclore, na
escola onde atuamos, e nem sempre percebemos que o repertório que estamos
apresentando aos alunos, retirado de livros sobre folclore, é uma representação
social de folclore construído pelo grupo de acadêmicos que viveu há décadas,
o que nem sempre coincide com a nossa realidade. Se folclore é a sabedoria de
um povo, por que as músicas inventadas para louvar as glórias de um time de
futebol, por exemplo, não podem ser entendidas como canções folclóricas?
Vamos, agora, apresentar uma discussão sobre a classificação do repertório
musical, visando a contribuir para a reflexão sobre o desenvolvimento de
práticas pedagógicas que utilizam repertório musical, o que desenvolveremos
na próxima aula.

A CLASSIFICAÇÃO DO REPERTÓRIO MUSICAL

Inicialmente, é importante assinalar que nenhuma classificação


é absoluta, pois está sempre atrelada aos interesses do grupo social
envolvido na ação de classificar. Como exemplo, vamos apresentar
algumas classes de repertório musical, tal como o fizeram professores
de música da cidade do Rio de Janeiro que entrevistamos, durante o ano
de 2003, para desenvolver uma pesquisa sobre o tema (DUARTE, 2004).
Assim, queremos demonstrar que não só o que está apresentado nos livros
é válido para utilizarmos como diretriz das nossas reflexões. O grupo
socioprofissional de professores de música da cidade do Rio de Janeiro
lida com representações que, certamente, serão mais úteis e próximas a
você, estudante do curso de Pedagogia, que está, neste momento, refletindo
sobre o repertório musical a ser apresentado aos seus (futuros) alunos.

42 CEDERJ
MÓDULO 1
Contrastaremos algumas dessas representações com a fala de acadêmicos

4
ou teóricos de Musicologia, visando a enriquecer a nossa reflexão. Vamos,

AULA
agora, “ouvir” os critérios utilizados por esses professores para categorizar
o repertório musical que está à nossa volta.
(1) Música erudita ou música de concerto – consagrada como
música culta ou representativa de períodos históricos da estética musical
ocidental. Nessa categoria, observamos a existência de dois grupos. Um
deles, para exemplificar o que entende por “música erudita”, citou períodos
históricos e estéticos mais amplos (Música Barroca, Romantismo), peças
musicais e seus compositores (“Missa de Notre-Dame”, de Guilhaume de
Machaut, “Sonata op. 111”, de Beethoven) ou compositores específicos
(J. S. Bach, Mozart etc.); e o outro apresentou, simplesmente, a expressão
“Música clássica”, “erudita” ou “de concerto”, como se essa expressão
já fosse suficiente para garantir o seu sentido. Ao especificar um estilo
ou período histórico, compositores e/ou peças musicais, os professores
buscaram demonstrar o seu conhecimento na área, sofisticação de gosto
e conhecimento e, portanto, sua pretensa inserção no grupo distinto de
apreciadores e conhecedores da “música culta” (TRAVASSOS, 1999b).
Há uma operação classificatória que Travassos (1999b, p. 121)
entende ser dominante no Brasil e que “cinde o universo da música
em dois grandes campos hierarquicamente relacionados”: a “música
artística” (ou de qualidade) e as demais. Comentando a discussão sobre as
hierarquias dos repertórios, na qual um grupo significativo de estudantes
e profissionais de música reivindica maior atenção para a música popular,
a autora percebe que os critérios de qualidade considerados válidos
por esse grupo são os mesmos aplicados à crítica da música erudita:
complexidade de forma ou estrutura, exigência técnica na interpretação
instrumental, possibilidade de exibição virtuosística (TRAVASSOS,
1999a, p. 11). Assim, Travassos (1998, 1999a, 1999b) entende que,
implicitamente, esses valores podem ser tomados por universais pelas
pessoas envolvidas no debate. Como veremos a seguir, é provável que
os professores entrevistados estejam tomando como básica a distinção
entre música artística ou de qualidade e “as outras”.

CEDERJ 43
Artes na Educação | Repertório musical: como classificar?

!
A qualidade musical não está no repertório em si, mas no juízo
interpretativo que fazemos desse repertório, de acordo com os diversos
usos que dele fazemos. Sabemos que o mesmo tipo de repertório pode
ser adequado em um determinado momento e, em outro, não ser mais.
A qualidade do repertório está vinculada às suas numerosas possibilidades
de uso.

(2) Música popular ou MPB – as canções ou artistas considerados


canônicos, os que estariam além dos debates sobre a qualidade musical,
mas apresentam uma interseção com o mercado de venda de discos.
É como resume um professor entrevistado: “é música boa, mas veiculada
pela mídia”. Essa fala mostra, bem nitidamente, a representação da
música veiculada pela mídia: música de pouca ou nenhuma qualidade.

!
A mídia propaga, necessariamente, música de baixa qualidade? Essa
música está voltada para os gostos de quem a produz (músicos e
gravadoras de discos) ou daqueles para quem é produzida?

No entanto, o termo MPB não explicita de que tipo de repertório se


está falando. Justificamos essa afirmação com Travassos (1999b, p. 135-
136), pois a autora indica que “O rótulo MPB constituiu-se, a partir dos
anos 60, em oposição, de um lado, ao iê-iê-iê (posteriormente ao rock), de
outro, à bossa-nova, em debates que eventualmente retomavam a questão
da autenticidade nacional e das raízes genuínas da música popular”.
Alguns dados históricos confirmam essa afirmação:
Num primeiro momento, quando o samba se converte em símbolo
da brasilidade, a noção de nação é central para a mediação dos
conflitos entre o Estado e as massas urbanas; posteriormente,
quando se traz para o campo da canção o ‘engajamento estético’
do modernismo, rompe-se com a hegemonia do samba. É quando a
vanguarda tropicalista assume posturas de autocrítica e abre espaços
para ‘novas misturas e novas hierarquias’; depois do tropicalismo
vale tudo (samba, Rock, reggae, etc.) (ULHÔA, 2001, p. 52).

Portanto, para Ulhôa (2001), o termo MPB é problemático, pois


pode ser usado tanto para designar um grupo sonoro restrito quanto
um determinado seguimento do mercado musical já consolidado, mas
com reduzido retorno comercial. Também é problemática a expressão
“música popular”, pois tanto pode agrupar ocorrências de um tipo de
raiz cultural quanto a indicação da abrangência do seu alcance em termos
de público (ULHÔA, 2001).

44 CEDERJ
MÓDULO 1
De fato, na reflexão sobre a categoria “Música Popular”

4
desenvolvida por Travassos (1999b), encontramos elementos

AULA
relevantes para o desenvolvimento da discussão sobre a categorização
de determinada ocorrência como música popular ou erudita.
Definições [de música popular] baseadas em critérios sem efeito
substantivador, como os que foram bastante discutidos por
folcloristas e etnomusicólogos, enfatizam os processos de criação
(‘coletiva’, a partir de ‘fórmulas’ e da contínua variação de material
preexistente etc.) e de transmissão (oral/aural por meio de contatos
interpessoais etc.). Contudo, como já observaram vários autores,
esses processos não estão ausentes da música erudita. Ademais, a
análise da gênese histórica da noção de cultura popular mostra
que esta é, antes de tudo, uma categoria erudita (CHARTIER,
1995). Resulta de uma classificação de níveis de cultura elaborada
por intelectuais, tingida de componentes políticos (o ‘povo’
aparece como depositário de signos valorados de autenticidade e
simplicidade, ameaçados pela crescente mercantilização da cultura)
e sujeita a variações que ora excluem a música ‘urbana’, ora a
‘comercial’, ora a que é difundida em grande escala nos meios de
comunicação de massa (TRAVASSOS, 1999b, p. 123).

Essa longa citação do artigo de Travassos traz à luz alguns aspectos


importantes para o nosso trabalho. Em primeiro lugar, corrobora o aspecto
histórico ligado às argumentações dos grupos sociais dos etnomusicólogos,
folcloristas, músicos “práticos”, estudantes de música, entre outros, o qual
incide sobre a construção dos conceitos e sobre as suas classificações e
categorizações. Além disso, toca em um ponto muito sensível para o
resultado da nossa análise, pois trata da representação que os intelectuais
de diversas épocas e linhagens teóricas construíram sobre o “povo”.
As citações aos artistas nos dão algumas pistas sobre a música a
qual os professores entrevistados se referem. Edu Lobo, Chico Buarque,
Tom Jobim, Caetano Veloso, Gilberto Gil, Milton Nascimento são artistas
considerados canônicos no campo da música popular “de qualidade”.
O mesmo ocorreu, como veremos, com as citações à música brasileira, com
as referências a Cartola e Pixinguinha. Sabemos, portanto, o que falam os
professores ao se referirem ao repertório popular e/ou brasileiro, quando
apresentam nomes de músicos já consagrados como “clássicos” em seus
diversos gêneros: “A música popular de autores consagrados, Caetano,
Chico, Gil”.

CEDERJ 45
Artes na Educação | Repertório musical: como classificar?

(3) Música instrumental – situa-se entre a “música clássica” e


a “MPB”, ou seja, é aquela que não possui canto nem está voltada
para outra função que não seja a fruição pessoal. Essa categoria é bem
explicada por Travassos (1999b), especialmente quando estabelece
relação entre as suas características musicais e o perfil social que o
grupo de apreciadores procura para si:

A chamada música instrumental é prestigiada como a nata da


popular. Associada a músicos ‘anfíbios’ que atuam também no
circuito erudito, evoca um refinamento do gosto, a posse simultânea
dos saberes escolares e das habilidades consideradas típicas do músico
popular. Trata-se de um tipo de música destacado por sua qualidade
intrínseca, que reflete a ‘preocupação artística’ de seus produtores.
Sofre a marginalização imposta pelos meios de comunicação de massa
e confina-se a espaços restritos e selos fonográficos alternativos. [...]
A música instrumental figura como repertório difícil, que exige
cultivo por parte de músicos e ouvintes, distante do gosto das massas.
Produto dirigido a ouvintes musicalmente qualificados, estabelece
uma relação entre músicas e seu público semelhante àquela que
caracteriza a música erudita (p. 115).

ATIVIDADE

1. Estabeleça um paralelo entre música erudita e música popular


instrumental, na ótica dos autores citados, apontando os elementos que
são comuns às duas.
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46 CEDERJ
MÓDULO 1
4
COMENTÁRIO

AULA
Os elementos comuns à classificação de repertório na categoria
“erudito” ou “popular instrumental” são: complexidade de forma
e estrutura do repertório; exigência técnica para a sua execução;
não é mero entretenimento; exige audição concentrada, daí seus
apreciadores precisarem ser musicalmente qualificados; supõe um
sentido de evolução (aumento da complexidade e capacidade
expressiva dos intérpretes); formação de uma “elite cultural”, de
“bom gosto” entre os seus apreciadores, que se distancia das
massas populares.

(4) Música brasileira – gêneros e artistas considerados canônicos


pelos critérios em prol do caráter nacional. Os professores apresentaram
alguns exemplos de compositores (Chiquinha Gonzaga, Cartola, Luiz
Gonzaga) e de gêneros (samba, choro, baião) para definir melhor o que
entendem por “música brasileira”.

(5) Música folclórica – aquela que obedece aos critérios de


anonimato e de música funcional desvinculada do mercado (“banda de
pífano”, “maracatu”, “coco”, “ciranda”, “frevo”, “caboclinho”). Sobre
esta categoria, Travassos (1999b) informa que

CEDERJ 47
Artes na Educação | Repertório musical: como classificar?

[...] músico folclórico’ não é, no Brasil, uma especialização


profissional socialmente reconhecida. Artistas cuja obra é calcada
em estilos da tradição oral (Luiz Gonzaga, por exemplo) são ditos
populares. Pertence ao universo do folclore quem não transpôs a
fronteira do anonimato e da música funcional desvinculada do
mercado (p. 140).

O incremento dos meios de comunicação de massa “empurrou” para


a categoria “música popular” as músicas veiculadas pela mídia, enquanto
na categoria “música folclórica” estão as tradições orais nas quais produtor
e consumidor não estão claramente definidos (ULHÔA, 1997).
(6) Músicas do mundo (world music) – vinculadas às tradições orais
de outros países (“Cantos do Azerbaijão”, “Música das mulheres búlgaras”,
“Música de tribo africana”).
(7) Música popular estrangeira – aquela que não é brasileira, mas
apresenta-se ligada à difusão do mercado de discos. Diferentes elementos
foram agrupados, pelos professores entrevistados, para explicitar o que
entendem por música popular estrangeira: jazz, rock e Astor Piazzola.
(8) Música da mídia ou popularesca – em termos de qualidade,
aquela abaixo da música popular; vincula-se, exclusivamente, ao valor
quantitativo da vendagem e não aos critérios de qualidade musical, tal
como apresentamos no subitem complexidade de forma ou estrutura,
exigência técnica na interpretação instrumental, possibilidade de exibição
virtuosística.
(9) Música religiosa – música ligada a cultos religiosos.

ATIVIDADE

2. A partir de que fatores podemos diferenciar a música da mídia ou


popularesca da música popular ou MPB, nos critérios estabelecidos pelos
professores entrevistados?
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48 CEDERJ
MÓDULO 1
4
COMENTÁRIO

AULA
A submissão dos artistas da música da mídia ou popularesca às
pressões extramusicais – o sucesso garantido pela indústria cultural, a
preocupação exclusiva com a vendagem dos discos – os afastaria dos
elementos que determinam a qualidade musical de um repertório.
Essas qualidades estariam presentes no repertório da MPB: domínio
técnico dos recursos instrumentais e vocais apresentado pelos
compositores e intérpretes e a conquista de um estilo próprio.

CONCLUSÃO

O professor deve ter clareza de que não há, a priori, repertório


musical inadequado ao uso escolar. A classificação que apresentamos
nesta aula serve como exemplo de uma forma de proceder à classificação
e explicita quanto interesse social existe nesta ação. Dependendo da
sua inserção profissional, com interesses bem específicos em relação à
música, uma pessoa pode considerá-la inadequada e, então, construir
a sua própria classificação, adequada aos usos que faz dos numerosos
repertórios musicais existentes.
O que deve prevalecer na escolha do repertório, para uso em
sala de aula, é: (a) o significado que ele tem entre as pessoas envolvidas
na prática pedagógica, ou seja, o professor e os alunos; (b) o que se quer
com o uso do repertório na atividade pedagógica. Caso seja interessante
para o grupo discutir as raízes da cultura brasileira, o repertório de
“música brasileira” pode ser ferramenta eficaz, caso o professor tenha
condições de, dialogicamente, estabelecer o sentido do baião, do samba
e do choro com seus alunos, mas nunca impô-lo a eles. O uso que se faz
do funk, pelos alunos, pode ser tão ou mais nacional que o daquele que
se faz, atualmente, dos sambas de enredo, pela indústria do carnaval.
Vale a pena refletir sobre isso e chegar às suas próprias conclusões.

CEDERJ 49
Artes na Educação | Repertório musical: como classificar?

ATIVIDADE FINAL

Elabore uma lista de músicas, de acordo com o seguinte critério: músicas que você
conhece, de que você mais gosta e que você tem em casa. Dê uma categoria para
cada exemplo. Você pode usar a classificação feita pelos professores de música do
Rio de Janeiro que apresentamos ou pode construir a sua própria classificação.

Como o entendimento sobre a expressão “música que você conhece” é amplo, a


sua indicação pode ser dada em termos de gênero musical (samba, tango, bolero,
funk etc.), de alguma peça musical (“Quinta Sinfonia”, “Yellow Submarine”, “Asa
Branca” etc.) ou de músicos (Beethoven, Beatles, Luiz Gonzaga etc.).

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RESPOSTA COMENTADA
Os exemplos apresentados por você do repertório musical que
conhece, aprecia ou, simplesmente, tem em casa, na forma de discos,
fitas, CDs, DVDs, ou outros, constituem um indicador do que você
considera música. Além disso, o uso que você faz da música revela
a sua identidade social, configura você como integrante de grupos
sociais determinados (religioso, profissional, econômico, cultural etc.).
Ao elaborar a sua lista, você expõe os acordos estabelecidos entre as
pessoas que integram os grupos sociais a que você pertence (ou quer
pertencer) pelo reconhecimento desse repertório. Como no caso da
música erudita ou instrumental, afirmar que se tem DVDs de ópera em
casa estabelece relação com o grupo social de pessoas com gostos
“refinados”, “sofisticados”, elaborando uma hierarquia social pelo uso
do repertório musical. Demais classificações do repertório musical
(“música de qualidade”, “música adequada ao uso didático”, entre
outras) também explicitam acordos e hierarquias sociais expressos
em nosso cotidiano.

50 CEDERJ
MÓDULO 1
4
RESUMO

AULA
Para chegar à lógica da classificação do repertório musical da atualidade, analisamos
o resultado de entrevista a professores de música do município do Rio de Janeiro.
Essa é uma maneira de classificar o repertório musical da atualidade; podemos
tomá-la como base ou não. No entanto, mais importante do que aceitar essa
classificação do repertório ou aquela oferecida pelo mercado de discos, é construir
nossa própria classificação de acordo com os nossos interesses e do uso que faremos
desse repertório.

INFORMAÇÃO SOBRE A PRÓXIMA AULA

Veremos, na próxima aula, como os professores de música conciliam a classificação


que fazem do repertório musical com as práticas pedagógicas que desenvolvem
na escola.

CEDERJ 51
5

AULA
O papel da música na escola
Metas da aula
Apresentar uma reflexão sobre o papel
da música na escola e propor uma
avaliação dos critérios de seleção de
repertório musical a ser aplicado em
atividades de sala de aula.
objetivo

Esperamos que, após o estudo do conteúdo desta


aula, você seja capaz de:
• descrever critérios próprios de seleção de
repertório musical para as práticas pedagógicas
desenvolvidas em sala de aula.
Artes na Educação | O papel da música na escola

INTRODUÇÃO Na aula anterior, comentamos que para desenvolver uma pesquisa sobre
categorias musicais entrevistamos vinte professores de música do município
do Rio de Janeiro. Vamos analisar, agora, os resultados dessa entrevista que
se relacionam com o tema desta aula, pois entendemos que será útil para
refletirmos sobre a construção de uma proposta de escolha de repertório
para as práticas pedagógicas.

O PAPEL DA MÚSICA NA ESCOLA

De fato, aquilo que consideramos adequado para a escola


inscreve-se em alguma concepção sobre a escolarização (MAZZOTTI,
2001). As disciplinas escolares integram certas concepções que determinam
seu papel na formação dos educandos. Qual seria, portanto, o valor
educativo da música?
Após a análise das respostas dos professores entrevistados,
inferimos que o papel da música na escola está centrado, principalmente,
em uma concepção romântica do ensino, na qual se evidencia um sentido
utópico e contestador da dinâmica escolar e uma função messiânica de
libertação do aluno e/ou da escola/sociedade dos efeitos da mídia.

O Romantismo é um movimento que surgiu a partir do final do


século XVIII. Privilegiando a emoção, a imaginação e a sensibilidade
inventiva, postula que “antes de compreender é preciso sentir” (PENNA;
ALVES, 2001, p. 62). O sentimento constitui-se como “a grande mola
propulsora não apenas da arte, mas da própria humanidade do homem”
(SILVA, 1996, citado por PENNA; ALVES, 2001, p. 62).

Os professores entrevistados apresentaram, em suas falas, os


seguintes elementos, próprios da concepção romântica, ao tratar do
papel da música na Educação:
(a) o despertar da sensibilidade e da criatividade do aluno.
Nesse caso, a música teria por função transformar os alunos em seres
ou “cidadãos melhores”, por meio do estímulo à auto-expressão, do
“despertar” da sensibilidade e da criatividade. Alguns depoimentos
dos professores entrevistados descrevem atitudes e práticas escolares
reveladoras dessa função da música na Educação:

54 CEDERJ
MÓDULO 1
Olha... acho que a música desenvolve a sensibilidade,

5
não? Sensibilidade, isso é importante, você mexer com o

AULA
tom sensível do seu aluno, porque todo mundo tem, não?
Sensibilidade todos os seres humanos possuem, mas você
tem que mexer de uma certa forma para despertar, e acho
que a música contribui muito para isso.

O termo despertar pressupõe a idéia de que algo está adormecido.


O trabalho com música, segundo os professores entrevistados, propiciaria,
portanto, as condições necessárias para que o aluno descobrisse em si a
criatividade, a sensibilidade e a possibilidade de expressão desses elementos
adormecidos por algum motivo. Você concorda com essa idéia?
(b) formação do gosto do aluno. O combate à música veiculada
pela mídia também seria um dos papéis da música na escola, conforme
podemos verificar na fala de alguns professores entrevistados:

Eu acho que o trabalho da escola é oferecer a contrapartida


para a mídia e subsídio para que ele possa se refletir em cima
daquilo que ele escuta, que é jogado em cima dele.

O argumento a favor da compreensão crítica do mundo também é


construído sobre valores românticos como: a crítica da indústria cultural,
o inconformismo, a oposição ao corriqueiro, ao superficial e ao mecânico.
Esse é um argumento que combate uma música banalizada por sua
exposição maciça, música que busca o sucesso do “grande público”, ou
seja, pauta sua qualidade no critério quantitativo do potencial para a
venda que se apresenta na mídia. Ainda nesta aula, teremos oportunidade
para refletir sobre este argumento.

CEDERJ 55
Artes na Educação | O papel da música na escola

(c) autotransformação do aluno. Parte-se do princípio de que o


contato com a música desenvolveria a capacidade de autotransformação,
tornando os alunos mais felizes. Vejamos o que diz um dos professores
entrevistados:

(...) a parte de transformação, o que o aluno pode fazer com


aquela matéria-prima sonora que ele tem, o que ele pode
transformar dali. E isso que ele faz na música, do som que ele
transforma, ele vai fazer da vida dele. Então, qual é o objetivo
principal da música na escola? Eu acho que é basicamente
isso aí, ser uma forma que o aluno tem, que o ser humano
tem, para se colocar no mundo, e que o faz mais feliz.

Encontramos a analogia entre música e vida. Na fala expressa


anteriormente, temos a relação direta entre a ação do aluno durante a aula
de música e as ações que ele pode desenvolver, em seu cotidiano, a partir
do que ele recebeu com o seu contato com a música: a matéria-prima
para sua autotransformação. Será que o simples contato com a música
transforma, necessariamente, as pessoas? Seria esse contato mágico?
Percebemos, entre os entrevistados, a reprodução do discurso do
movimento de “educação através da arte”, propagado por Herbert Read,
o qual entende por Arte

a única disciplina a que os sentidos se submetem


naturalmente (...), é uma disciplina que os sentidos
buscam em sua percepção intuitiva da forma,
harmonia, proporção e integridade ou totalidade de
qualquer experiência. (...) é inata: é parte de nossa
constituição fisiológica e está aí para ser incentivada
e amadurecida (1986, p. 46).

O autor também apresenta as diretrizes para o uso da arte na


Educação:
Não tem de ser imposta pelo mestre-escola ou pelo
servente ou bedel; não é uma espécie de tortura física.
É uma faculdade inerente à criança que corresponde à
simpatia e ao amor, à previsão inteligente dos impulsos
e tendências da individualidade da criança. Por essa
razão o professor precisa ser acima de tudo uma pessoa
e não um pedagogo, antes um amigo que mestre ou
professor, um colaborador de paciência infinita. (...)
o objetivo da educação é descobrir o tipo psicológico

56 CEDERJ
MÓDULO 1
da criança e permitir a cada tipo sua linha natural de

5
desenvolvimento, sua forma natural de integração.A

AULA
arte das crianças é sumamente importante por esta
mesma razão: trata-se do primeiro indício, e o mais
exato, da psicologia individual. Uma vez conhecida a
tendência ou propensão psicológica de uma criança,
sua própria individualidade pode ser desenvolvida pela
disciplina artística, até adquirir sua própria forma e
beleza, que é sua contribuição singular à beleza da
natureza humana. Naturalmente, isso é a antítese
daquelas doutrinas totalitárias de educação (...) que se
empenham em impor um conceito singular de natureza
humana sobre a infinita variedade das pessoas. A arte
de uma criança, portanto, é seu passaporte para a
liberdade, para a fruição plena de todos os seus dotes
e talentos, para a sua felicidade verdadeira e estável
na vida adulta. A arte transporta a criança para fora
de si mesma (Idem).
Os princípios deste movimento estão presentes na argumentação dos
professores entrevistados: a arte como livre expressão, redenção do homem
e, por extensão, da sociedade; o processo de aquisição do conhecimento
aliado à auto-expressão, respeito à individualidade e à evolução da criança,
valorização da criatividade e da autodescoberta do estudante.

ATIVIDADE

1. Converse com professores, em seu município, sobre o papel da música na


escola. Procure verificar se haverá predominância da concepção romântica
em seus depoimentos e, depois, leve suas conclusões para discutir com os
tutores e colegas no pólo.
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_____________________________________________________________________
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COMENTÁRIO
É possível verificar se um discurso está pautado sobre a concepção
romântica. É um discurso que trata da comunicação e expressão dos
sentimentos como única maneira de definir música; privilegia o valor
da criatividade, originalidade, espontaneidade e imaginação do fazer
musical sem estabelecer correspondência com o contexto cultural em
que esse fazer é desenvolvido; entende que há pessoas “dotadas” para
a música, entendidas como únicas, singulares e distantes do restante
da sociedade.

CEDERJ 57
Artes na Educação | O papel da música na escola

OS PROBLEMAS DA CONCEPÇÃO ROMÂNTICA

A concepção romântica que norteia muitos discursos sobre o papel


da música na escola apresenta alguns problemas. Por essa concepção,
postula-se, grosso modo, que a capacidade de compreender a música está
ligada a um dom inato de sensibilidade aos estímulos artísticos. Em outras
palavras, delimitar o papel da música na escola à expressão e comunicação
dos sentimentos, ao despertar da sensibilidade e criatividade, à formação
de um “bom gosto” distanciado daquele gosto reconhecido pelos alunos
como sendo “o seu”, à transformação dos alunos em seres humanos
“melhores”, não ajuda o professor a definir as suas práticas pedagógicas.
Portanto, frente à concepção romântica, fundada na idéia do dom, “como
pode ser encaminhado o processo pedagógico quando se considera que
tanto a produção quanto a apreciação artísticas se resumem à emoção?”
(PENNA; ALVES, 1997, p. 68) O contato “mágico” com a música seria
suficiente, pois cada um sabe da sua emoção, não é mesmo?
É importante salientar que as práticas comprometidas exclusivamente
com a livre expressão dos sentimentos “pressupõem uma familiarização
prévia, uma vez que ninguém cria (...) a partir do nada, mas manuseando
os elementos de linguagem interiorizados, os esquemas de percepção de
que dispõe” (PENNA; ALVES, 1997, p. 73). Cada um de nós interioriza
esquemas de percepção, ou maneiras de ver/ouvir/sentir as coisas à nossa
volta, a partir das relações que estabelecemos com os outros desde que
nascemos. Nesse sentido, Porcher (1982, p. 22) afirma que “as possibilidades
de um indivíduo não são independentes (...) de sua categoria sócio-cultural
[sic]”. Portanto, precisamos integrar os valores sobre música construídos
pelos grupos sociais de referência dos alunos nos trabalhos a serem
desenvolvidos em sala de aula.
Diferentemente da concepção romântica, pensamos em reforçar
a contextualização cultural como uma diretriz básica para se pensar o
papel da música na escola. Pensamos que assim contribuiremos para que
ela não permaneça apenas voltada para a compreensão de um grupo
específico, o qual o senso comum costuma denominar as pessoas de
“maior sensibilidade” ou “dotadas para a música”. Contribuiremos para
que não se resuma a produção e a apreciação musicais à emoção.
Pensamos em uma concepção humanista do ensino, ou seja,
que leve em consideração a ação interativa das pessoas na construção
de seu próprio conhecimento, respeitando as suas representações.

58 CEDERJ
MÓDULO 1
Nessa concepção, as artes ou técnicas para produzir, analisar ou

5
criticar o já produzido são conteúdos para o ensino, que apontam para

AULA
possibilidades de escolha daquele que aprende.
Uma estratégia de produção não é o único caminho a ser seguido
pelo estudante, mas um procedimento discursivo que apresenta aspectos
específicos ao contexto em que ele vive e interage com os demais.
Daí apreender processos de produção reconhecidos por um grupo
de especialistas ou autoridades como modelares (modelar no sentido de
apresentar modelos para algumas ações específicas, não verdades absolutas)
e extrair “regularidades” e “regras” que podem formar os estudantes
como competentes nas práticas que sejam relevantes para alguém ser
considerado “educado”. A competência é avaliada pelos grupos sociais
em seu momento histórico, e é válida para ocasiões específicas: grupo de
musicólogos, compositores de música erudita, professores da educação
básica, funkeiros, seus (futuros) alunos, todos têm representantes
especialistas que apresentam as competências necessárias para inserir-se
“no grupo”. Saber das competências válidas em cada contexto, tomar
as regras da produção como suas a partir da experiência e poder (ter a
competência para) aplicá-las quando e como julgar adequado (intenção),
este nos parece um caminho promissor para o ensino.

CRITÉRIOS PARA A ESCOLHA DO REPERTÓRIO PARA A


SALA DE AULA: DISCUTINDO UMA EXPERIÊNCIA

Agora, buscaremos apresentar nossa análise dos critérios de


escolha de repertório para as práticas pedagógicas apresentados pelos
professores entrevistados. De acordo com eles, selecionar a “música
de qualidade” para os alunos é a sua “obrigação profissional”, como
podemos verificar nas falas a seguir:

Eu ouço tudo, pesquiso, porque acho que no meu trabalho


tenho que pesquisar muita coisa e acabo apurando isso para
passar para os alunos.

A gente tem que estar aberto para ouvir tudo, para, então,
peneirar muita coisa.

A preocupação dos professores em “proteger” seus alunos da


música de “má qualidade” – associada à música veiculada pela mídia

CEDERJ 59
Artes na Educação | O papel da música na escola

– os faz buscar repertórios alternativos e os motiva a pesquisarem “novos


padrões” musicais. A música “da mídia” é entendida como elemento
estranho aos professores, algo que os perturba, que está fora do seu
trabalho, tal como é apresentado por uma professora:

Infelizmente, a gente é um pouco perturbada pela música


que está na mídia, é obrigado a consumir.

Para se contrapor à música “imposta pela mídia”, verificamos


que os professores efetuam uma pesquisa de repertório que se volta para
o repertório étnico (música do mundo ou World Music) ou folclórico:
a música étnica, a música folclórica, a música da cidade onde vivem os
alunos, a música de Bali, a música do Japão, a música indiana, a música
pernambucana, o calango. Essa preocupação com a pesquisa é explicitada
por um professor, quando afirma ter em casa uma fita que gravou “no
Museu do Folclore”. Vejamos o que dizem alguns entrevistados:

Tenho lá as mulheres búlgaras, os índios apaches dos Estados


Unidos, os xavantes do Brasil, a tribo não-sei-de-onde lá da
África, é muito variado assim.

Folclore, tudo aquilo que vem do Nordeste, banda de pífano,


maracatu...

O interesse pelas tradições orais musicais chegou no campo da


Pedagogia da Música nas três últimas décadas, sob a influência dos
estudos etnomusicológicos, dos Cultural Studies e da Nova Sociologia
da Educação configurando o Paradigma Cultural (ARROYO, 1999) ou
a Abordagem Sociocultural da Educação Musical (ARROYO, 2002). Tais
estudos buscam trazer para os sistemas “formais” de ensino as práticas
desenvolvidas em sistemas de diversos contextos considerados, pelos
pesquisadores e pedagogos, como estimuladores para o debate sobre
as pedagogias da música. Além disso, buscam combater o eurocentrismo,
tanto no repertório quanto nos métodos de ensino, que fundou o ensino
tradicional de música, trazendo à luz “os vários mundos musicais nas
sociedades contemporâneas” (ARROYO, 2002).

É provável que essa preocupação dos professores em apresentar


aos alunos o repertório das culturas orais esteja vinculada à abordagem
sociocultural da educação musical (ARROYO, 1999, 2002).
Os entrevistados afirmaram que identificam a audição das músicas de
grupos étnicos ou regionais como estratégia eficaz para a ampliação do
repertório do ouvinte (eles e seus alunos). Esse argumento pauta-se nas

60 CEDERJ
MÓDULO 1
idéias românticas de unicidade – o repertório é original – e de essência – o

5
repertório genuíno/puro do homem de tradição oral, sem as influências

AULA
“nocivas” e “desvirtuantes” da mídia.
Os professores também consideram a pesquisa de “novos padrões”
ou das músicas da comunidade dos alunos uma obrigação profissional.
Podemos verificar essa idéia na fala de um dos entrevistados:

Acho importante para o professor estar muito ligado na


produção que se faz no local onde ele atua. Então, acho
importante eu conhecer a música do Rio de Janeiro, a música
do Engenho Novo, a música de grupos aqui ao redor, porque
recebo alunos dessa redondeza e acho importante conhecer a
música que eles ouvem e a música de que eles gostam.

A gradação usada pelo professor, na fala anterior, expressa o


caminho que percorre para escolher o seu repertório musical, partindo
da música ouvida por um auditório mais amplo (“a música do Rio de
Janeiro”) até aquela ouvida por um auditório mais restrito (“a música
de grupos aqui ao redor”).
A representação que os professores constroem de seus alunos
coincide com a representação que folcloristas e demais teóricos, de
outras épocas, construíram sobre o “povo”, como vimos na aula passada.
Os entrevistados entendem que a ampliação do conhecimento sobre
música, por parte dos alunos, acontecerá por meio da pesquisa das músicas
do mundo ou étnicas e associam esse conhecimento à sua obrigação
profissional de formar seus alunos em ouvintes críticos, e de dar-lhes o
caráter de bem-educados musicalmente.
Para os professores, os alunos, sem as influências da indústria da
comunicação, tornam-se autênticos, pois permanecem em contato com
sua essência criativa. Por isso, entendem ser necessário protegê-los das
influências da música da mídia, afastando-a ou garantindo, por meio da
comparação com o repertório de outras culturas ou da música de “melhor
qualidade”, a sua superação. O combate à indústria cultural é explicitado
pela necessidade profissional de se buscar repertórios alternativos a ela,
visando a ultrapassá-la. Percebemos, também, que foi entendido, como
uma obrigação dos professores, tornar a música da cidade onde moram os
alunos a sua preferência pessoal, reforçando a associação entre apreciação
estética e grupo socioprofissional de referência.

CEDERJ 61
Artes na Educação | O papel da música na escola

Já a música erudita, ou “de concerto”, foi apontada por todos


os professores como a de sua preferência. Vamos verificar esse aspecto
com um pouco mais de atenção, para que possamos entender melhor a
classificação, já apresentada na aula anterior, baseada na antítese “música
de qualidade versus música de baixa qualidade”. A fala de uma professora
ilustra bem nossa afirmação:

Gosto muito de música erudita, e para mim é um alimento


da minha alma... A música erudita é uma música pela qual
eu também tenho um gosto muito, muito especial, é algo
que alimenta essa variedade, essa grandiosidade que eu acho
que a música tem.

A estrutura da analogia entre música e alimento (alimento para


a alma) pode ser descrita da seguinte forma: assim como o alimento dá
vida ao corpo, a música (erudita, “de qualidade”) dá vida à alma. Essa
dupla hierarquia associa a música ao divino. Se entendermos a alma
como o “corpo espiritual ou das emoções”, a melhor maneira de o corpo
assimilar elementos que o sustentam será por meio da ingestão desses
alimentos, o que nos leva a crer que a sustentação da alma (emoções) é
feita por meio da música erudita (e todas as músicas que estiverem de
acordo com os critérios que as estabelecem como tal).
A música erudita é destacada pelos professores entrevistados
sobretudo para a fruição pessoal, sendo reservada para momentos
especiais, ou de introspecção:

A música erudita, eu ouço mais em determinados momentos


que eu resolvo parar para ouvir; eu ouço num momento só
meu.

Os professores também afirmam partir do repertório da


preferência do aluno visando a ampliá-lo por meio do contraste com
aquele considerado, por eles, de melhor qualidade, tal como apontam
esses entrevistados:

Você tem que usar a música que está na mídia, porque é o


que está na cabeça deles, é o que eles sabem cantar. Mas,
lógico, junto, você vai dando também outras músicas, que
eu considero melhores.

62 CEDERJ
MÓDULO 1
Eu trabalho o que o aluno me pede, solicita, mas eu procuro

5
dar uma informação a ele, aquilo que eu gosto, que eu acho

AULA
que é um caminho da humanidade, eu procuro botar ele em
contato com música erudita, com Bach, com Beethoven, com
Mozart; a gente vai trabalhando essas coisas também. Porque
ali, no caso, é uma escola, tem que formar amplamente.

As falas demonstram que, a despeito de utilizarem a música


veiculada pela mídia, no espaço de “fora” da escola, os professores a
consideram “menos” educativa por ser de pior qualidade. Essa posição é
coerente com as argumentações a favor do combate à música da mídia e com
aquelas que apontam, como estratégia pedagógica dos professores, partir da
música que os alunos ouvem. Os professores, tanto ao tratarem da função
do ensino da música quanto de suas estratégias pedagógicas, apresentam a
necessidade de ampliar o repertório de referência do aluno, notadamente
veiculado pela mídia, por meio da comparação com outras músicas.
Podemos concluir que, para os professores de música entrevistados,
a música presente em sala de aula deve ser aquela de “melhor qualidade” (a
música erudita, a música “pura” das culturas orais e da “comunidade dos
alunos”), que está entre as suas preferências e nutre a sua “alma”, é aquela
que protege os alunos e a si mesmos da música da mídia, considerada de
“má qualidade”.
Verificamos, também, que os critérios subjacentes à indicação de
preferência são construídos, geralmente, sobre representações sociais, ou
seja, sobre a identidade social das pessoas, sua vinculação a grupos de
referência bem determinados, quais sejam, os grupos de pessoas “cultas”.
Portanto, a música veiculada pela mídia, por se dirigir a todos, não pode
ser considerada “culta”, pois apenas um grupo minoritário, seleto, teria
esse privilégio. Para os professores, a música que devem levar para a
sala de aula é aquela que reflete o seu interesse de integrar a classe de
pessoas “cultas”.

CEDERJ 63
Artes na Educação | O papel da música na escola

ATIVIDADE

2. Leia o trecho a seguir.

Por influência de empresários e produtores que, em geral, nada


entendem de música, mas muito conhecem de mercado, a
produção musical ultimamente tem perdido em qualidade (não
sou eu a única a reconhecer o triste fenômeno), e aumentado
em força e popularidade. Uma espécie de “lavagem cerebral”,
conseguida com a repetição incessante dos produtos musicais
em todos os meios de comunicação, é usada como artifício, e o
que se ouve é determinado por eles. Há um ditado que diz: uma
mentira falada mil vezes, se transforma em verdade (...) Parece
que nos encontramos diante de um impasse. De um lado há a
mídia, um enorme dragão soltando fogo por todos os lados, e
deixando suas marcas por onde passa. E de outro há as escolas
e os professores (...), pequenos, pouco numerosos, desejosos de
desenvolver um trabalho de qualidade, que eleve tanto a música
quanto o ser humano (ZAGONEL, 1998, p. 74-76).

Você concorda com as idéias sobre a mídia apresentadas no texto?


Apresente as suas conclusões, a partir do que já foi estudado nas aulas
anteriores.
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RESPOSTA COMENTADA
As pessoas – o público em geral, os músicos e os professores
de música – são entendidas, nesse texto, como passivas, meras
receptoras da mentira que se impõe pela repetição, não conseguindo
reagir às conseqüências do “triste fenômeno”. Isso ocorre porque
estão impotentes perante o “dragão soltando fogo [música veiculada
pela mídia] por todos os lados e deixando suas marcas por onde
passa”. A antítese é clara: mídia / fogo destruidor do “bom gosto”
/ empresários e produtores / dragão / mercado / popularidade
/ lavagem cerebral versus escola / música de boa qualidade /
professores / seres pequenos / idealismo, causa sublime / elevação
da música e do ser humano / ensino.
Os procedimentos conseqüentes dessa função da música na escola
– elevação do ser humano por sua exposição à música “de qualidade”
– cristalizam repertórios musicais transformando hipóteses em
verdades absolutas. O repertório eleito para as aulas pode tornar-se

64 CEDERJ
MÓDULO 1
5
material musical obrigatório para todos, cujas estratégias de

AULA
construção são válidas de antemão. O repertório, os compositores
são sacralizados. Os alunos/ouvintes, no contato mágico (e imposto)
com o repertório escolhido pelo professor, tornam-se “eruditos”
porque ouviram o que foi selecionado para tal.

CONCLUSÃO

Música é vida/alimento para escola, alunos e sociedade. Estas são


as metáforas que compõem a representação social que os professores
entrevistados constroem de música, de seu lugar na educação básica,
bem como do homem em sua existência.
Em que tipo de repertório os professores ancoram a sua representação
de música, aquela que alimenta sua alma, lugar das emoções, levando-os
à vida, e que deve ser apresentada a seus alunos na escola?
Os professores afirmam que tal repertório é aquele que apresenta
qualidades como “autenticidade” (como a música das culturas orais),
“espontaneidade” (como a música da “comunidade dos alunos”) e
“sofisticação” (como a música erudita ou construída sobre padrões
“eruditos”). Em suma, a música “de qualidade” é aquela próxima à
essência criadora do homem que, não influenciado pelos malefícios da
indústria cultural, volta-se para uma produção “mais pura”.
Então, por meio da exposição do aluno à música de qualidade,
“abre-se a sua consciência para a sua essência criativa”, assim como
“abre-se o seu ouvido” para a música que vale a pena ser ouvida,
aquela de outras etnias ou voltada para as culturas orais, ou mesmo
para os autores canônicos, já estabelecidos tanto na categoria de “música
erudita” quanto na de “música popular” ou “música brasileira”.

CEDERJ 65
Artes na Educação | O papel da música na escola

A presunção de qualidade construída pelos professores é: vale mais


o que é raro. Em contrapartida, torna-se banal e de pior qualidade o
que é transmitido a mais pessoas, em massa. A não-música é a de maior
venda, de maior difusão, concebida para o consumo do maior número
de pessoas, qualificada por isso como banal, intercambiável, homogênea
e que precisa ser combatida, pois a pessoa que a consome alinha-se, ela
mesma, a essas qualidades inferiores, já que o alimento de sua alma é
uma música de “má qualidade”.
Ao negarem a música veiculada pela mídia, voltando-se para a
música considerada “mais pura”, como repertório adequado para as
atividades em sala de aula, os professores corroboram o caráter romântico
do papel da música na escola. Essa visão romântica apresenta problemas,
pois não leva em consideração o trabalho humano na construção do
conhecimento e os valores e crenças de cada grupo sociocultural
representado pelos alunos em sala de aula. A concepção humanista
responde à questão do repertório “mais adequado” para a sala de aula
com uma outra questão: qual é a função atribuída ao repertório pelas
pessoas envolvidas na atividade pedagógica, ou seja, professor e alunos?
A qualidade do repertório é dada na própria relação comunicativa entre
professor e alunos.

ATIVIDADE FINAL

A partir do conteúdo apresentado nesta aula, e nas aulas anteriores, apresente


alguns critérios para a escolha do repertório musical “adequado para o uso
escolar”, em uma concepção humanista do papel da música na Educação.

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66 CEDERJ
MÓDULO 1
RESPOSTA COMENTADA

5
Na concepção humanista de ensino, o repertório musical se converte

AULA
em material que deve dar margem a processos de produção de novos
materiais. Não há critérios de valor estabelecidos a priori, não há um
repertório que seja melhor que outro “em essência”. É mais indicado
que o aluno traga para a sala de aula o repertório musical que ele
utiliza no seu cotidiano, para que o professor possa, a partir dos usos
já estabelecidos, constituir oportunidades de novas produções. As
intenções educativas, estabelecidas pelo professor, concretizam-se em
práticas desenvolvidas com o material cultural dos alunos, ou seja, as
representações de música que eles constroem na relação com os seus
grupos sociais de referência, não havendo necessidade, portanto, de
apresentar “canções didáticas” para esses fins. Mais importante do que
pensar em um repertório musical “que eduque”, deve-se pensar nas
práticas de produção próprias à música como área de conhecimento.
Toda representação é expressa em uma escolha que, por sua vez, tem
as suas razões. A representação de música construída pelos alunos,
presente em sua escolha e uso de determinado repertório musical,
deve ser respeitada pelas razões que apresenta, cabendo ao professor
conhecê-las.

RESUMO

Os professores de música entrevistados em nossa pesquisa sobre categorias


musicais afirmam que o repertório “adequado ao uso escolar” é aquele que
apresenta qualidades como “autenticidade” (como a música das culturas orais),
“espontaneidade” (como a música da “comunidade dos alunos”), e “sofisticação”
(como a música erudita contemporânea ou construída sobre padrões “eruditos”).
Em suma, a música “de qualidade” é aquela próxima à essência criadora do homem
que, não influenciado pelos malefícios da indústria cultural, volta-se para uma
produção “mais pura”.
Propomos uma concepção sobre o papel da música na escola que oriente a escolha
do repertório a partir das funções atribuídas a esse repertório pelas pessoas
envolvidas nas atividades pedagógicas. A participação dessas pessoas, professores
e alunos, na escolha/construção desse repertório deve ser a mola propulsora das
atividades com música na escola.

CEDERJ 67
Artes na Educação | O papel da música na escola

INFORMAÇÕES SOBRE A PRÓXIMA AULA

Nas próximas aulas, apresentaremos uma proposta de prática pedagógica que se


distancia da concepção romântica do ensino, e privilegiaremos a produção coletiva
do sentido de música, fundamentada na interação entre as pessoas, a partir de
seus próprios interesses e objetivos.

68 CEDERJ
6

AULA
A concepção humanista do
papel da música na escola
Meta da aula
Apresentar a concepção humanista do
papel da música na escola.
objetivo

Esperamos que, após o estudo do conteúdo desta


aula, você seja capaz de:
• descrever as características de uma prática
pedagógica fundada na concepção humanista
do papel da música na escola.
Artes na Educação | A concepção humanista do papel da música na escola

INTRODUÇÃO Na aula passada, tratamos, criticamente, de uma concepção que se afasta


da discussão proposta pela teoria das representações sociais: a concepção
romântica de ensino. Por essa concepção, há uma essência (dom, talento)
que eleva o homem à categoria de criativo, artista, gênio.
Já a teoria das representações sociais leva em consideração os aspectos
psicológicos e sociais da construção do conhecimento. Ela se enquadra no
que chamamos de concepção humanista do conhecimento (MAZZOTTI, 2004),
porque busca explicar os mecanismos pelos quais se concretiza a intenção,
presente em todo homem, de conhecer cada vez mais e melhor. A busca do
conhecimento é justificada pelo sentido de pertença social, ou seja, pelos
movimentos de aproximação ou afastamento do homem em relação aos
diversos grupos sociais com que ele interage ao longo da vida. A construção
do conhecimento ocorre, portanto, por meio da interação social, o que nos
leva a concluir que o conhecimento não é, simplesmente, inato.

CONTRIBUIÇÕES DA PERSPECTIVA SÓCIO-HISTÓRICA DA


PSICOLOGIA

Há uma perspectiva do início do século passado que podemos


entender como precursora desta maneira de pensar. É a perspectiva
sócio-histórica da Psicologia, uma construção sobre a produção teórica
do russo Lev Semyonovitch Vygotsky (1896-1934). As contribuições
do pensamento de Vygotsky para a Educação já foram estudadas por
você neste curso.
Você sabe que um importante princípio da Psicologia sócio-
histórica consiste na crença de que “os seres humanos transformam-se
ativamente à medida que transformam seu mundo social e natural”
(RATNER, 1995, p. 6). Assim, as formas sociais da vida humana
contribuem para o desenvolvimento mental humano.
Sabemos que os elementos-chave da perspectiva sócio-histórica
são: a ênfase sobre a atividade social e a prática cultural como fontes do
pensamento; a importância da mediação no funcionamento psicológico
humano; a centralidade da pedagogia no processo de desenvolvimento
e a inseparabilidade entre o individual e o social.
A perspectiva sócio-histórica aplicada à Educação significa a
necessidade de investigar como as práticas educacionais correntes
constrangem ou facilitam o pensamento. Assim, surge a necessidade
de criar práticas novas, e as idéias de Vygotsky contribuíram para isso.

70 CEDERJ
MÓDULO 1
A partir do conceito de zona de desenvolvimento proximal, por exemplo,

6
é possível perceber que práticas educacionais como a classificação de

AULA
habilidades, a seriação e outras formas de estratificação entre talentosos e
não-talentosos subestimam as habilidades das crianças e dos professores
por analisarem-nas individualmente. É claro que a concepção romântica
de ensino se afasta do modo de pensar de Vygostsky.
Vamos, agora, mostrar algumas possibilidades de trabalho com
música, levando em consideração a reflexão sobre o papel do homem ao
agir em interação social no sentido da construção do conhecimento.
Buscamos superar o essencialismo imobilizante da concepção
romântica, para recuperar um espaço de interação onde o sujeito
produza musicalmente e se assuma como autor, permitindo que sua
produção ultrapasse a condição de mera experiência escolar e, ainda, que
o professor procure menos “ensinar” músicas, excluindo possibilidades
novas e inusitadas, em benefício de clichês estabelecidos, e procure menos
passar exercícios para verificar se o aluno “aprendeu”. Ao contrário,
desejamos que a prática pedagógica represente uma situação social, na
qual o professor possa avaliar a performance dos alunos, o tipo de ajuda
de que necessitam e, ainda, se estão se apropriando do conhecimento e
realizando a atividade com autonomia intelectual.

ATIVIDADE

1. Redija um texto que comente a questão proposta:


Por que é correto afirmar que a perspectiva sócio-histórica da Psicologia
inscreve-se na concepção humanista da construção do conhecimento?
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RESPOSTA COMENTADA
Pela concepção humanista de ensino, o homem, em interação com os
grupos sociais de referência, constrói o seu conhecimento de maneira
ativa. Este não lhe é dado por meio de um dom ou talento, nem por
meio do contato “mágico” com determinados materiais (no nosso
caso, repertório musical) considerados de “melhor qualidade” em
si (por exemplo, a música clássica). Esta é a concepção romântica,
a que veicula a idéia de que o homem “recebe” o conhecimento
passivamente, sem atuar no processo. A perspectiva sócio-histórica

CEDERJ 71
Artes na Educação | A concepção humanista do papel da música na escola

enquadra-se na concepção humanista, porque trata da atividade social


do homem na construção do conhecimento, das possibilidades de
mudança na qualidade desse conhecimento e do caráter psicossocial
dessa construção. Indivíduo e sociedade não se separam durante a
construção do conhecimento, porque cada homem traz em si valores
e crenças dos seus grupos sociais de referência.

A CONSTRUÇÃO DE PRÁTICAS PEDAGÓGICAS


SOCIALMENTE SIGNIFICATIVAS

É importante frisar que as práticas pedagógicas, mais que


os métodos, dizem respeito à relação entre o sujeito e o objeto de
conhecimento, ou seja, estão apoiadas em determinado modo de conceber
o processo de aprendizagem e o objeto dessa aprendizagem pelos que
ensinam (FERREIRO, 1995).
É bem conhecido o quanto os “objetos” de estudos escolares são
indiferentes para a turma, em geral, provocando a necessidade contínua
de motivar os alunos a querer aprender o que a escola acha que deve
ser aprendido. O professor é, comumente, aquele que transmite um
saber tomado como verdade, e não como hipótese. As contribuições dos
alunos são desqualificadas quando não chegam ao “clichê” desejado
pelo professor, ensinando-os a calar, se não têm a resposta-padrão que
o professor deseja.
De acordo com Ehlich (apud GERALDI, 1997), ao estudar o
diálogo escolar, são contrapostos dois tipos de discurso: o discurso ensino-
aprendizagem e o de sala de aula. Entre os pontos em comum dessas
duas situações, encontram-se a distribuição desigual de conhecimentos
sobre o conteúdo ou tópico do diálogo entre os participantes (professores
e alunos), o reconhecimento dessa diferença e a vontade de superá-la.
Quanto às divergências, o discurso de sala de aula distribui, de forma
diferenciada, os papéis dos participantes e as funções dos atos praticados:
“pergunta quem já sabe a resposta”, e as “respostas” dos alunos serão
candidatas à “resposta certa”, cabendo a quem perguntou o poder de
avaliá-las. Gallimore e Tharp (1996) caracterizam esta forma de discurso
como script para “recitação”: os estudantes sentam-se em silêncio, seguem
ordens, lêem textos, preenchem folhas de trabalho e fazem testes.

72 CEDERJ
MÓDULO 1
No discurso ensino-aprendizagem, no entanto, “quando

6
alguém quer aprender algo e imagina que seu interlocutor lhe possa

AULA
ser útil, dirige-lhe perguntas cujas respostas poderão suprir a falta do
conhecimento desejado. Nesse sentido, a iniciativa da ação é de quem
aprende, e não de quem ensina” (GERALDI, 1997, p. 157). A ‘resposta
adequada’ resulta de uma construção entre os participantes.
Geraldi (1997) argumenta, a partir dos estudos de Ehlich, que a análise
de diálogos de sala de aula reflete o processo em que hipóteses científicas
(e conteúdos artísticos, acrescentamos) são traduzidos em conteúdos
escolares, fixando respostas e centrando-se na distinção entre certo/errado.
Essa distinção transforma-se em produto final do processo de escolarização.
Nesse sentido, ensino significa reconhecimento e reprodução.
No ensino de conhecimento e produção, relativizam-se as posições
que têm sido aprofundadas pela escola, e professor e alunos entendem-se
como sujeitos que se voltam para um objeto a conhecer e compartilham,
no discurso de sala de aula, contribuições exploratórias na construção do
conhecimento. As contribuições do professor, assim como as dos alunos,
serão, dependendo do momento do trabalho, maiores ou menores.
O professor não sonega as informações de que dispõe, mas “as respostas
que conhece, por sua formação (que não é apenas escolar, mas que está
sempre se dando na vida que se leva), são respostas, e não verdades a
serem ‘incorporadas’ pelos alunos e por ele próprio” (GERALDI, 1997,
p. 160). O aluno como condutor de seu processo de aprendizagem,
assumindo-se como tal, não implica a anulação do professor, mas o
estabelecimento de uma relação interlocutiva como princípio básico
que orienta todo o processo pedagógico e que atende aos princípios da
psicologia sócio-histórica.

COMO PENSAR O DISCURSO ENSINO-APRENDIZAGEM EM


RELAÇÃO À MÚSICA?

A música revela-se, na escola, por meio da produção do aluno


e do professor, como um conjunto de formas e como “discurso”,
resultado da relação entre as pessoas, marcada pela temporalidade e
suas dimensões.
A escolha de tal inspiração para o trabalho pedagógico em música
coloca-se no interior da discussão relativa ao sujeito e seu trabalho de
produção musical, concretizada na “ação musical” (tocar, cantar, ouvir,

CEDERJ 73
Artes na Educação | A concepção humanista do papel da música na escola

compor, improvisar, reger...). Além do mais, estudar características


psicológicas num quadro de referência como o sócio-histórico é estudar
os tipos de atividades sociais nas quais o indivíduo pode se engajar.
Voltemos ao início das nossas aulas: quais são as atividades
musicais consideradas relevantes pelos nossos (futuros) alunos? Qual é
a ação necessária para se chegar até elas?

Destacar a natureza da música como processo-e-produto (ação e


resultado) entrelaçado: música como ação direcionada (incluindo
fazer musical e escuta musical de todos os tipos), situada em
contextos específicos de realização musical e sensível a eles,
portanto, reveladora da noção de pessoa e da relação com outros
em uma comunidade (ELLIOT apud ARROYO, 1999, p. 343).

Se o conceito de zona de desenvolvimento proximal está


fundamentado na interação dos recursos mediadores que comunicam
significados na ação/produção, é factível pensar, como Arroyo (1999),
que o trabalho calcado na produção, no fazer musical, compreende:
os sujeitos, “as músicas que produzem e/ou consomem como ‘sons
ordenados simbolicamente’, as representações sociais que lhes dão
sentido, bem como executar, improvisar, compor, ouvir e outras ações”
(MIDDLETON, apud ARROYO, 1999, p. 29). E mais: o fazer musical
como ‘prática significativa’ para o grupo envolvido na ação produtiva.
O significado não é dado pelo repertório já pronto, mas é desconstruído,
negociado e reconstruído pelo grupo, posicionando os sujeitos como
produtores do seu próprio conhecimento.
Lembremos o caso dos pesquisadores associados à abordagem
da “linguagem integral” (whole language). Eles estão preocupados
com o estudo das atividades educacionais socialmente significativas ou
“autênticas”. Entendem a alfabetização, por exemplo, como entendimento
e comunicação de significados, enfatizando que “a compreensão da
leitura e a expressão escrita devem ser desenvolvidas por meio de
usos funcionais da linguagem que sejam relevantes e significativos”
(MOLL, 1996, p. 10). As salas de aula transformam-se em ambientes
“alfabetizadores”, onde muitas experiências de linguagem possam
ter lugar, a criação de contextos sociais é enfatizada para propiciar a
manipulação da linguagem pelas crianças, “colocando-a a serviço da
atribuição de sentido ou da criação de significado” (idem). Nessas salas
de aula, os atos de escrever e ler ocorrem de muitas formas, em geral

74 CEDERJ
MÓDULO 1
integrados como parte de uma atividade mais ampla; por exemplo, as

6
crianças lêem individualmente, escutam uma leitura ou lêem e escrevem

AULA
para preparar um relatório; escrevem por prazer, ou escrevem em jornais
e diários. Os tópicos e atividades são com freqüência escolhidos pelas
próprias crianças. Pensamos ser possível fazer as mesmas considerações
no campo da música.
Na produção musical, o sujeito articula sua representação, construída
socialmente, sobre a música (e sobre o mundo) que, vinculada a uma certa
formação discursiva, dela não é decorrência mecânica. A produção é mais
que mera reprodução. É mais que limitar a prática pedagógica às músicas
e experiências musicais dos alunos ou do professor.
O sujeito, para se constituir como tal, não precisa criar o novo:
a novidade está no comprometimento com a ação e na articulação
individual com a formação discursiva de que faz parte.
Tanto o comprometimento quanto a articulação com a produção
dizem respeito à não-gratuidade da ação/produção. Para Geraldi (1997),
ocupando-se do campo da Lingüística, mesmo numa conversação banal,
não há gratuidade no discurso. Para o autor, as condições para produzir
um texto são:

a. que se tenha o que dizer;


b. que se tenha uma razão para dizer o que se tem a dizer;
c. o locutor deve se constituir como tal, ou seja, “sujeito
que diz o que diz para quem diz” (p. 137).
d. que se escolham as estratégias para realizar (a), (b), e (c).

O autor assinala que, mesmo numa análise rápida dos textos


produzidos para a escola, há muita escrita e pouco significado (pouco texto
ou discurso), pois são construídas, nessas atividades, para cada um dos
aspectos apontados (o que dizer, razão para dizer etc.), “respostas diferentes
daquelas que se constroem quando a fala (e o discurso) é para valer”.
Transportando essa questão própria da Lingüística para o campo da
Pedagogia da Música, percebemos ser possível encontrar um paralelismo.
De fato, Penna (1997 p. 82), ao propor a substituição do termo
“língua”, – por restringir-se ao verbal – por “linguagem”, afirma ser
possível levar essas considerações para o campo da arte: “podemos tratar
a manifestação artística – ou seja, o discurso artístico – como a colocação
em funcionamento de uma linguagem artística [o que dizer] com certa
finalidade [razões para dizer], ou, em outros termos, o uso intencional

CEDERJ 75
Artes na Educação | A concepção humanista do papel da música na escola

de seus elementos e princípios de organização [estratégias para dizer]”).


É importante enfatizar que ter o que dizer será empregado, aqui,
em relação às idéias (musicais ou extramusicais), emoções, vivências
expressas e comunicadas através da linguagem musical.
Nesta concepção, um modelo construtivo, cognitivo e interacionista
para as práticas pedagógicas, no ensino da linguagem musical, torna-se
relevante.

ATIVIDADE

2. De todas as contribuições da Lingüística apontadas nesta aula como


relevantes para se estabelecer um trabalho pedagógico com música no
âmbito da concepção humanista, qual delas você considera ferramenta
mais eficaz para o desenvolvimento das suas aulas?
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COMENTÁRIO
A discussão sobre as formas dos discursos construídos na escola traz
contribuições para a reflexão das práticas pedagógicas com música.
Foram consideradas duas formas: o discurso ensino-aprendizagem
e o de sala de aula. O discurso de sala de aula é estabelecido na
distribuição desigual dos papéis e na demarcação rígida das funções
das pessoas envolvidas na prática pedagógica: os estudantes só
devem se manifestar quando solicitados, sua participação se
restringe à imitação de gestos determinados pelo professor.
Já o discurso ensino-aprendizagem é estabelecido pelo desejo de
se aprender algo dos interlocutores. Remete à busca, à procura, uns
pelos outros, em seus processos de produção. O estudante sabe
que o seu companheiro de produção, seja o professor ou algum
colega, pode lhe ser útil, ajudá-lo no que precisa no momento.
Assim, dirige-lhe perguntas cujas respostas poderão suprir a falta do
conhecimento desejado. A iniciativa da ação está em todos, e não só
no professor. A “resposta adequada” resulta de uma construção entre
os participantes. Portanto, estabelecer a representação de música
(o que é música para nós?) no grupo social vivo e dinâmico que é a

76 CEDERJ
MÓDULO 1
6
turma escolar e produzir essa música no cotidiano da escola é um

AULA
caminho de construção do discurso ensino-aprendizagem.
O professor não precisa ser um musicólogo para poder refletir sobre
os critérios que estabelece na interação cotidiana com seus alunos
de modo a que a ação sonora coletiva tenha, como produto, algo
que eles possam chamar “música”. A formação que se tem “na vida
que se leva” oferece respostas e não verdades absolutas. Assim como
os pesquisadores da “linguagem integral”, professores e estudantes
podem desenvolver o entendimento que têm da música por meio
dos seus usos funcionais que tenham significado para todos. As
práticas musicais (tocar, cantar, reger, compor, improvisar) podem
ocorrer de muitas formas, produzindo músicas a partir das questões
norteadoras da produção:
a. que se tenha o que dizer: O que quero veicular por meio da
produção sonora?
b. que se tenha uma razão para dizer o que se tem a dizer: Para
que (usos, finalidades) quero produzir sonoramente?
c. o locutor deve se constituir como tal, ou seja, “sujeito que diz
o que diz para quem diz”: A que grupo(s) social(is) eu pertenço
no momento da produção? A um grupo religioso, cultural,
socioeconômico, local, global? A quem estou me dirigindo nessa
produção? Quem eu quero emocionar (ex-movere, fazer com que
o outro se mova para fora de si e venha em minha direção)? d. que
se escolham as estratégias para realizar (a), (b), e (c): Por quais
etapas de produção eu devo passar? Que elementos sonoros devo
escolher? Como devo organizar o resultado da produção? Como
dar uma forma final?

CONCLUSÃO

A concepção humanista da Educação engloba abordagens teóricas


que colocam o homem no centro da produção do conhecimento. Uma
vez que entendemos que o discurso expressa o conhecimento, o homem
é o agente do discurso e toma decisões acerca da sua produção.
As considerações aqui apresentadas voltam-se para estratégias
pedagógicas que privilegiam as tomadas de posição de cada um sobre a
música e a sua função na sociedade. O homem é o produtor da música;
portanto, não precisamos colocá-la no patamar de algo sublime, tal como
faz a concepção romântica.

CEDERJ 77
Artes na Educação | A concepção humanista do papel da música na escola

O discurso ensino-aprendizagem também pode e deve ser o modelo


para as produções sonoras que o grupo constituído por professor e
estudantes considerem que sejam “música”.

ATIVIDADE FINAL

Leia os trechos a seguir:

a. Lucinha é uma professora da quarta série. Ela prepara, em casa, todo o material
didático para ser aplicado durante suas aulas. Como gosta de dourado, ela abusa
dessa cor. “Afinal, as crianças, por viverem em uma situação de carência material,
precisam viver um pouco as coisas bonitas da vida”, pensa Lucinha. Ela também gosta
muito do trabalho da Bia Bedran. Sempre que pode, compra os CDs da Bia e leva as
canções para a sala de aula. É claro que nem todas as crianças da quarta série gostam
da Bia Bedran, mas Lucinha força um pouquinho, porque acredita que elas precisam
gostar de música boa. Assim, com o contato com essa música, vão conhecendo um
mundo melhor do que aquele em que vivem. Ela aplica todas as atividades propostas
pela artista em sala de aula, mas toma o cuidado de dividir a turma por níveis de
desenvolvimento cognitivo: os fraquinhos com os fraquinhos, os mais adiantados
com os mais adiantados. Ela pensa ser melhor assim, para não haver constrangimento
entre eles.

b. Lucinha é professora da quarta série. Ela e os estudantes vão guardando em um


cantinho da sala de aula materiais e objetos que perderam a utilidade e que serão
reutilizados por eles na confecção de novos objetos, produtos do desenvolvimento
das aulas: resultados de experiências, mural, jornal da turma, revista da turma,
esculturas, composições da turma... O trabalho mais recente de composição musical
foi desenvolvido a partir de um desafio que Lucinha apresentou
para os estudantes: compor pregões para a venda de doces no
PREGÕES
sinal de trânsito. Os resultados seriam apresentados para o restante “fórmulas cantadas
das turmas da escola no festival de música que acontece a cada ou declamadas por
vendedores pelas
bimestre. Lucinha sabe que muitos estudantes, depois que saem ruas, feiras e praias
com a finalidade
da escola, ajudam no orçamento de casa vendendo balas no sinal, de anunciar sua
mercadoria. (...)
outros são engraxates, outros, aos sábados, trabalham na feira
São ditos alegres,
fazendo carreto. A situação do trabalho infantil é pouco trabalhada jocosos, às vezes
irônicos, dirigidos
na escola; então Lucinha promoveu, nesse bimestre, um festival de aos fregueses, para
atraí-los” (FRADE,
PREGÕES para venda de balas, para que a questão fosse ressignificada
1985).
pela comunidade escolar. A turma se dividiu em pequenos grupos

78 CEDERJ
MÓDULO 1
e Lucinha participava no momento em que era chamada para ajudar. Ela sabe que

6
as crianças gostam de Marcelo D2. Comprou alguns CDs do artista para conhecer

AULA
melhor o rap-samba, e então, se sentiu à vontade para apresentar sugestões. Ao final
do festival, Lucinha ficou muito feliz ao saber, por alguns estudantes, que chegaram
a aplicar os pregões que produziram em seu trabalho e que as vendas, inclusive,
aumentaram.

Analisando o conteúdo desses trechos, verifique qual deles expressa uma prática
pedagógica desenvolvida no âmbito da concepção humanista da Educação e do papel
da música na escola, tal como foi apresentada nesta aula, e justifique sua resposta.

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RESPOSTA COMENTADA
O trecho b apresenta uma prática pedagógica desenvolvida no âmbito da
concepção humanista da Educação e do papel da música na escola.
A construção do conhecimento ocorreu por meio da interação social.
A atividade social e a prática cultural foram fontes do trabalho, não
havendo separação entre o individual e o social. O objetivo da professora
foi recuperar um espaço de interação onde os estudantes produziram
musicalmente e assumiram essa produção como autores, tornando a
prática pedagógica representativa de uma situação social concreta e
significativa para os estudantes. A “resposta adequada” resultou de uma
construção/negociação entre os participantes.

CEDERJ 79
Artes na Educação | A concepção humanista do papel da música na escola

RESUMO

Na concepção humanista do papel da música na escola, a música é entendida como


discurso que remete a uma relação intersubjetiva constituída no próprio processo
de produção musical. Essa produção é marcada pelos interesses dos envolvidos
na ação que articulam sua representação construída socialmente sobre a música
(e sobre o mundo).
No discurso musical, colocam-se em funcionamento os elementos de uma linguagem
[o que dizer] com certa finalidade [razões para dizer], respeitando princípios de
organização [estratégias para dizer] reconhecidos pelos produtores.

INFORMAÇÃO SOBRE A PRÓXIMA AULA

Na próxima aula, apresentaremos alguns exemplos do desenvolvimento de práticas


pedagógicas em música que buscaram responder ao desafio apresentado pela
concepção humanista da Educação.

80 CEDERJ
7

AULA
Uma prática interacionista
com música na escola
Meta da aula
Apresentar fundamentos aplicados
em exemplo de prática pedagógica
desenvolvida no âmbito da concepção
humanista do papel da música na escola.
objetivo

Esperamos que, após o estudo do conteúdo desta


aula, você seja capaz de:
• identificar os fundamentos da prática pedagógica
exemplificada nesta aula e aplicá-los em outras
situações, próprias do seu cotidiano.
Artes na Educação | Uma prática interacionista com música na escola

INTRODUÇÃO Pensando em práticas interacionistas, produtoras de zonas de desenvolvimento


proximal, desenvolvidas no âmbito da concepção humanista do papel
da música na escola, apresentamos, a seguir, uma proposta de trabalho
pedagógico-musical.
Trata-se de um projeto de extensão desenvolvido na Universidade Federal
do Estado do Rio de Janeiro (Unirio) que buscou possibilitar novas práticas e
metodologias de ensino da música voltadas para crianças de seis a onze anos.

O PROJETO

O projeto se caracterizou pelo incentivo à exploração e criação


geradas por elementos sonoros, cênicos, gestuais e da linguagem verbal.
Todos os alunos se reuniam numa prática de conjunto que encontra a
origem de seu modelo nas manifestações populares em arte onde não há
separação por faixa etária, e onde todos, das crianças aos mais velhos,
participam ativamente. Essa interação dos alunos de diferentes idades e
diferentes níveis de musicalização é justificada pelo conceito de zona de
desenvolvimento proximal. Por meio do estudo desse conceito, concluímos
que a imitação é importante para o desenvolvimento da criança.
Buscamos propor tarefas que significassem um desafio que não
se mostrasse demasiado difícil para as crianças. Entendido como o nível
proximal, o desafio poderia consistir, para os iniciantes, em imitar o
colega já competente em uma determinada habilidade (executar um
ritmo criado em instrumento de percussão) ou, para os já iniciados,
“compor” um arranjo da canção produzida coletivamente, para que o
colega iniciante podesse participar com todo o grupo.
Toda a prática era assistida pelos professores. Estes não executavam
as tarefas para as crianças, mas guiavam a prática com uma clara
percepção do objetivo e dos resultados a serem atingidos. Mas, também
continuamente, a independência do desempenho era avaliada por meio de
sugestões de reelaboração da proposta de produção. Assim, uma criança
que assimilou, por imitação, um determinado ritmo executado no tambor
era convidada a executar uma variação para aquele ritmo de acordo com
o tema gerador da produção. Problematizar a produção musical a partir
do cotidiano das crianças pode incluir questões simples, tais como: Para
vocês, o que é mais importante em um xampu: O perfume? A capacidade
de deixar os cabelos brilhantes? A partir das respostas, idéias musicais

82 CEDERJ
MÓDULO 1
iam surgindo por analogia. Parte-se para a produção de uma idéia musical

7
entendida como combinação sonora executada a partir de uma intenção

AULA
definida: no nosso exemplo, veicular a idéia de algo brilhante.
Portanto, entendemos que a música construída por aquele grupo
social, professores e alunos do projeto de extensão, disse respeito às suas
representações das coisas do mundo e da música. A partir desse enfoque,
foram priorizadas as atividades que se mostraram necessárias e suficientes
para integrar toda a prática musical presente no contexto cultural e
histórico das crianças e professores nas condições gerais de aprendizagem:
uma prática pedagógico-musical que foi constituída pelo grupo.
A prática pedagógica desenvolvida no projeto consistiu em uma
série de atividades de aprendizagem inter-relacionadas, mas diversas:
tocar instrumentos musicais convencionais ou não, improvisar, compor,
reger e escutar, avaliando criticamente o resultado da produção, sempre
comparando com a intenção proposta. As atividades eram, usualmente,
organizadas em torno de um tema ou tópico específico. Durante o ano
de 1999, o tema desenvolvido foi “A Rádio Ex, de Experimental”, que
promoveu a construção de toda a programação, incluindo os jingles
publicitários. É preciso salientar que os trabalhos sobre este tema
não foram reduzidos a meros “instrumentos didáticos”, mas foram
construídos em conjunto, como projeto de trabalho do grupo.
Buscou-se, ao longo do projeto “A Rádio Ex, de Experimental”
(DUARTE, 2001, p. 75-94):

(a) a definição de “interlocutores” – o programa de


rádio não significou, simplesmente, um tema para o
desenvolvimento dos trabalhos, mas principalmente a
definição dos colegas e dos professores como destinatários
dos trabalhos de produção musical, além dos “ouvintes
da rádio” que, no dia da aula aberta para a comunidade,
concretizaram-se nos convidados presentes;

(b) razões para “dizer” – “um projeto de trabalho (...)


somente se sustenta quando os envolvidos encontram
motivação interna ao próprio trabalho a executar. Não
fosse assim, não haveria trabalho, mas tarefa a cumprir”
(GERALDI, 1997, p. 162). O prazer em apresentar e
compartilhar, no processo de construção do trabalho, a

CEDERJ 83
Artes na Educação | Uma prática interacionista com música na escola

melodia “inventada” coletivamente, a coreografia, entre


tantos outros produtos de cada integrante do grupo foi uma
forte razão para trazê-los para os colegas. O registro escrito
de cada produto, utilizando escrita não-convencional,
recuperou uma das funções da escrita musical, ou seja,
conservar e transmitir a idéia musical à posteridade;

(c) ter o que “dizer” – “A experiência do vivido passa a


ser o objeto da reflexão; mas não se pode ficar no vivido,
sob pena de esta reflexão não se dar. O vivido é ponto
de partida para a reflexão” (GERALDI, 1997, p. 163).
A ação educativa fundamentou-se nas comparações que
professor e alunos estabeleceram entre os diferentes
produtos, na ampliação de perspectivas que cada produto
individual permitiu;

(d) a escolha de estratégias de produção – para Geraldi


(1997), as estratégias são selecionadas ou construídas em
função do que se tem a dizer e das razões para dizer a quem
se diz. Na escolha das estratégias de produção é que entra,
mais decisivamente, a participação do professor. Este se faz
interlocutor, questionando, sugerindo, testando o resultado
da produção como ouvinte, colocando-se como co-autor
que aponta caminhos possíveis além dos já vislumbrados
pelo aluno. O papel do professor, nesses contextos, é
fornecer a direção e a mediação necessárias, em um sentido
vygotskyano, para que as crianças, por intermédio de seus
próprios esforços, assumam o controle completo dos
diversos propósitos e usos da linguagem musical.

84 CEDERJ
MÓDULO 1
ATIVIDADE

7
AULA
1. Em que sentido ocorreu a cooperação entre os participantes nas
atividades do projeto apresentadas como exemplo?
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RESPOSTA COMENTADA
Lembre que a cooperação entre a criança e o adulto, ou um colega
mais competente em determinado aspecto é, para Vygotsky, o
elemento central do processo educacional, ou seja, o conceito de
zona de desenvolvimento proximal. O conceito diz respeito ao que as
crianças podem realizar hoje com assistência ou em colaboração, e
que poderão, mais tarde, realizar com independência e competência,
ou seja, trata da performance antes da competência. Diz respeito,
também, ao uso em colaboração de recursos mediadores para criar,
obter e comunicar significado. No projeto de extensão, o significado
era comunicado por meio da música produzida pelo grupo social
composto pelos alunos e professores do projeto.
A prática em conjunto de professores e crianças de diferentes idades
e níveis de desenvolvimento, na qual a cooperação foi enfatizada,
possibilitou a formação de zonas de desenvolvimento proximal
relativas às funções mentais infantis. A imitação, como procedimento
metodológico, caracterizou a tese vygotskyana de que o “bom
aprendizado” será aquele que se adiantar ao desenvolvimento. As
crianças interiorizaram e transformaram o auxílio que receberam
dos outros e usaram esses mesmos meios como guias para dirigir
seus comportamentos na resolução de outros problemas como, por
exemplo, compor uma parte da canção produzida pelo grupo para o
colega iniciante. As trocas sociais foram centrais no desenvolvimento
das atividades pedagógico-musicais do projeto que aconteceram no
engajamento das crianças em atividades colaborativas.

CEDERJ 85
Artes na Educação | Uma prática interacionista com música na escola

UM TRABALHO COLETIVO DE PRODUÇÃO

Vejamos, como exemplo, as etapas de um trabalho de produção


colaborativa.
Os jingles publicitários da “Rádio Ex” foram construídos pelos
alunos, assim como o texto que anunciava os produtos: sabonete Hidratex,
xampu Lavex, inseticida Matex e desodorante Finex.
Os jingles, cantados por subgrupos constituídos pela dinâmica
da própria produção, eram antecedidos por uma chamada do “locutor
da rádio”, função revezada entre as crianças. Veja como:

1) Locutor: “Mais um dia com a Rádio Experimental! Um


oferecimento do sabonete Hidratex, que faz uma
limpeza total em você!”

Jingle: “Sua pele fica macia com sabonete Hidratex.”

2) Locutor: “Atenção, carecas! Chegou a solução!

Vocês já podem usar xampu, agora!

Lavex, em nova versão anticaspa.”

Jingle: “Com xampu Lavex, mesmo sendo careca, você pode


usar!”

3) Locutor: “Se sua casa virou um campo de guerra e você quer


se ver livre desses incômodos inimigos, você precisa
de um aliado: Matex! Este mata mesmo!”

Jingle: “Livre-se das baratas usando Matex!”

4) Locutor (com a voz modificada pelo nariz tampado):

“Se você anda solitário e ainda não encontrou


seu amorzinho, desodorante Finex resolve o seu
problema!”

Jingle: “Pra conquistar o seu amor, Finex!”

86 CEDERJ
MÓDULO 1
Os jingles intercalavam os quadros próprios da programação

7
de uma rádio. Por exemplo, o quadro da hora certa foi representado

AULA
por meio do canto coletivo, acompanhado por onomatopéias e gestos
corporais ritmados, da canção “O relógio”, de Vinicius de Moraes (leia
o poema no site http://www.secrel.com.br/jpoesia/vmi05.html). Os
gestos faziam alusão a um relógio de pêndulo, ao mesmo tempo que as
onomatopéias criavam um ambiente sonoro como o de muitos relógios
funcionando ao mesmo tempo.
Outro exemplo de um quadro da programação da rádio foi a
produção “Robin Hood”. Esta produção teve como fonte geradora uma
canção criada por dois alunos sobre Robin Hood, que vivia numa floresta
em Hollywood. Vejamos as etapas dessa produção:

1. Apresentação da canção criada pelos alunos para os


seus colegas:

Numa floresta, escura e bem bonita vivia Robin


Hood, com seu arco e flecha dourado.

2. Pesquisa de sonoridades típicas da floresta e de um centro


urbano, como a cidade de Hollywood.

3. Experimentação vocal de reproduções possíveis das


sonoridades pesquisadas.

4. Estruturação das sonoridades vocais numa paisagem


sonora florestal e noutra urbana.

5. Notação não-convencional das paisagens sonoras;.

6. Pesquisa dos instrumentos de percussão com timbres mais


próximos de sonoridades florestais; seleção de cocos,
caxixis, blocos de madeira, tambores e pau-de-chuva.

7. Improviso com os instrumentos selecionados, tendo em


vista a construção de um arranjo rítmico que se somasse
à canção, o que se realizou a partir da estruturação de
elementos rítmicos surgidos na improvisação.

8. Pesquisa de sonoridades de palavras próximas a Robin


Hood e Hollywood.

CEDERJ 87
Artes na Educação | Uma prática interacionista com música na escola

9. Criação coletiva de texto poético a partir das sonoridades


descobertas e sua recitação com acompanhamento rítmico
baseado no funk:

Robin Hood estava com seu alaúde;

espirrou (ATCHIM!); alguém falou:

-Saúde!

Atchim! Atchim! Atchim!

Ó-é Ó-ó-é!

Atchim! Atchim! Atchim!

Robin Hood fez um plano de saúde,

em Hollywood, pro seu alaúde.

Atchim! Atchim! Atchim!

Ó-é Ó-ó-é!

Atchim! Atchim! Atchim!

Robin Hood tocava o seu alaúde

com saúde lá em Sharwood.

Atchim! Atchim! Atchim!

Ó-é Ó-ó-é!

Atchim! Atchim! Atchim!

Robin Hood foi brincar de bolinha de gude

em Hollywood com seu alaúde.

Atchim! Atchim! Atchim!

Ó-é Ó-ó-é!

Atchim! Atchim! At!”

10. Estruturação de um arranjo utilizando todos os elementos


criados: a canção, as paisagens sonoras, o arranjo rítmico
e o texto poético-funk.

11. Gravações parciais, ao longo de todo o processo, tendo em


vista apreciação, análise e transformações, se necessárias,
e também gravações do todo com o mesmo objetivo das
parciais.
88 CEDERJ
MÓDULO 1
ATIVIDADE

7
AULA
2. Indique alguns temas para o desenvolvimento de projetos de produção
musical colaborativa. Uma sugestão é pensar na realidade da sua cidade,
nas práticas sociais mais cotidianas, para se inspirar.
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RESPOSTA COMENTADA
É importante manter em mente o fato de que a prática musical não
opera de maneira autônoma nas sociedades. Como vimos nesta
aula, as práticas musicais constituem e são constituídas pelos grupos
sociais. Portanto, devemos inserir a prática musical mais próxima
das pessoas envolvidas na ação pedagógica, de maneira que ela se
torne contextual e criticamente reflexiva. Mas atenção: mais próxima
não pressupõe proximidade física ou geográfica. Com a internet e os
avanços tecnológicos, as práticas musicais que são desenvolvidas na
Irlanda, voltadas para o rock, por exemplo, podem ser muito próximas
a determinados grupos de adolescentes brasileiros.

CONCLUSÃO

Centrar o ensino na produção não quer dizer populismo


pedagógico em que qualquer resultado da produção discente é elevado
à categoria de excelência. O projeto de extensão que apresentamos
nesta aula é um dos exemplos do movimento que parte do que é vivido
particularmente pelo aluno, somado, pela colaboração, a outros vividos
particulares revelados por seus colegas e professores, para a reflexão e
para a construção de um conhecimento sobre música e sobre o mundo
no qual ela e as pessoas se inserem.

CEDERJ 89
Artes na Educação | Uma prática interacionista com música na escola

ATIVIDADE FINAL

Apresente os fundamentos da prática pedagógica exemplificada nesta aula que


podem ser tomados como base para outras práticas no âmbito da concepção
humanista do papel da música na escola.

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RESPOSTA COMENTADA
Alguns fundamentos se apresentam como básicos para o desenvolvimento
de práticas pedagógico-musicais no âmbito da concepção humanista do
papel da música na escola: (1) Tomar a música como resultado de
processos de produção, tornando centrais a intenção e o contexto social,
representado pelo próprio grupo. (2) Engajar as crianças em atividades
que representem desafios e que propiciem a colaboração entre os
participantes, professores e alunos, para que todos possam participar,
independentemente do nível de desenvolvimento. (3) Sustentar uma
performance assistida e avaliar a independência do desempenho individual
e grupal. (4) Entender a importância da imitação, a performance antes da
competência, como fator propulsor do aprendizado. (5) Considerar que
o mundo social está “encarnado” nas práticas musicais que o adulto ou
o colega mais competente traz para o grupo e que este é o objetivo para
o qual tende o desenvolvimento da criança.

90 CEDERJ
MÓDULO 1
7
RESUMO

AULA
O conhecimento sobre música e mundo adquirido pela criança está diretamente
relacionado a como ela interage com outras pessoas em ambientes de resolução
de problemas específicos a processos de produção musical.
As crianças interiorizam e transformam o auxílio que recebem dos outros
e, eventualmente, usam esses mesmos meios como guias para dirigir seus
comportamentos e tomadas de decisão em relação à música na resolução de outros
problemas que surgem no cotidiano. Essa maneira de argumentar é própria de
uma concepção sobre o papel da música na Educação que leve em consideração
o homem no processo de construção do conhecimento.

INFORMAÇÕES SOBRE A PRÓXIMA AULA

Na próxima aula, discutiremos as possibilidades práticas de desenvolvimento da


idéia de música como prática discursiva.

CEDERJ 91
8

AULA
A música como
prática discursiva
Meta da aula
Apresentar a concepção da música
como discurso.

Esperamos que, após o estudo do conteúdo desta


objetivo

aula, você seja capaz de:


• organizar idéias a respeito de um tema e
expressá-las por meio sonoro, visando a uma
produção musical.
Artes na Educação | A música como prática discursiva

INTRODUÇÃO Em nossas aulas, estamos tratando de uma proposta de pensamento sobre o


papel da música na Educação e sobre atitudes decorrentes desse pensamento.
Portanto, não estamos propondo uma receita infalível, mas um percurso,
um caminho.
Essa maneira de pensar o papel da música na Educação está baseada na
teoria das representações sociais, pela qual percebemos que todos somos
criadores de teorias sobre as coisas do mundo que nos são relevantes e,
a partir dessas teorias, agimos no mundo. Então, as representações que
construímos sobre música, escola e Educação interferem na maneira como
agimos em relação a elas.
O processo de construção de representações sociais assemelha-se ao
da produção de qualquer tipo de conhecimento, inclusive aquele que
representamos como “artístico”. A construção de representações sociais
corre por meio da interação comunicativa entre as pessoas, tal como
postula a vertente histórica da psicologia, proposta por Vygostsky. Portanto,
a construção de um conhecimento em música (e não só sobre música), ou
seja, a produção musical também ocorre por meio da interação comunicativa
entre pessoas ou entre a pessoa que produz música e os agentes mediadores
da cultura (rádio, videoclips, shows, dvds etc).
No processo ensino-aprendizagem, a interação comunicativa com música
é esperada por aqueles que julgam que o conhecimento é produzido pelos
homens de maneira ativa, ou seja, por aqueles que postulam uma concepção
humanista da Educação (MAZZOTTI, 2004).

!
Promover oportunidades de interação comunicativa com
música pode ser pensado como um grande objetivo a ser
alcançado pelos professores em seu trabalho.

Nesta aula, assim como nas demais, trataremos mais profundamente desse
aspecto da música na escola. E, para esse fim, pediremos ajuda a um pedagogo
musical da Universidade de Londres, professor Keith Swanwick.

94 C E D E R J
MÓDULO 1
A MÚSICA COMO DISCURSO

8
AULA
Swanwick (2003) apresenta alguns princípios para o
desenvolvimento de uma educação musical. Um desses princípios é
“considerar a música como discurso”. O caráter expressivo da música
recebe importância por meio desse princípio, pois não basta tocar ou
cantar sons ou melodias, é preciso veicular intenções na maneira como
se toca ou canta. Sendo assim, os sons produzidos passam a ter
potencial para se tornar gestos ou mesmo perpassar os sentidos
como imagens (...), algumas notas parecendo ser vermrelhas, outras
azuis ou como os sons de sinos ou de um exército marchando
(GRAHME 1973, apud SWANIWCK, 2003, p. 60).

O caráter expressivo deve ser inseparável da performance, seja ela


qual for, se pretendermos aceitar a idéia da música como discurso. É uma
reflexão que se dá desde o momento da escolha dos materiais sonoros
adequados para veicular determinada intenção. Tocar ou cantar de
maneira expressiva diz respeito a tomadas de decisão para a performance:
(1) quanto à agógica (andamento) – “Cantaremos/tocaremos rápido?”,
“Lento?”, “Ao longo de todo o trecho ou com mudanças de andamento
em alguns trechos específicos?”, “As mudanças serão gradativas ou
abruptas?”; (2) quanto à dinâmica (intensidade do som) – “Cantaremos/
tocaremos forte?”, “Suave?”, “Faremos a intensidade crescer (do suave
ao forte)?”, “Diminuir (do forte ao suave)?”; (3) quanto à articulação
– “Cantaremos/tocaremos os sons ligando-os uns aos outros?”,
“Tocaremos/cantaremos os sons destacando-os?”; (4) quanto à densidade
(agrupamento sonoro) – “Quantas pessoas cantarão/tocarão ao mesmo
tempo?”, “Em que momentos da produção?”.

C E D E R J 95
Artes na Educação | A música como prática discursiva

ATIVIDADE

1. Experimente cantar uma canção que você conhece muito bem, da maneira
como habitualmente você faz. Agora, cante como se estivesse com raiva;
depois, como se estivesse feliz; em seguida, como se estivesse triste... Vá
variando os “estados de espírito” que você gostaria que fossem veiculados
por meio da canção e observe as mudanças expressivas em seu tom de voz,
nos gestos corporais, nos efeitos sonoros que você produziu com a boca
(lábios, língua, dentes). Registre, em um quadro, as mudanças expressivas
para veicular cada “estado de espírito” e compare esse resultado com o dos
seus colegas, no pólo.
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COMENTÁRIO
Repare que, inicialmente, você deve ter cantado a canção sem pensar
nela. Talvez, no máximo, tenha se preocupado com a afinação das
notas. Depois, com a intenção de cantar com raiva, ou feliz, você
foi dando expressividade ao canto, mudando a maneira de cantar,
valorizando cada aspecto da interpretação. Você deve, então, ter
percebido que podemos cantar/tocar de muitas maneiras diferentes.
Se o fizermos mais devagar, mais rápido, que efeitos conseguiremos
atingir? Esse tipo de reflexão nos faz ir além da materialidade
presente na canção.
Com essa experiência, você deve chegar ao que se apresenta como
discurso, ou seja, à veiculação de idéias/intenções por determinados
meios expressivos. Para tanto, devem ser agenciadas atitudes
expressivas que acolham as características já existentes na canção,
sem deixar de ampliar as suas possibilidades, trazendo novidades
ou aspectos de surpresa.

PRODUZINDO DISCURSOS MUSICAIS

A produção de um discurso musical pode ser encarada como


resposta a determinadas questões que colocamos para nós mesmos.
Na aula anterior, verificamos um exemplo de produção musical
apresentado em suas etapas constitutivas. Agora, vamos procurar dar
uma organização a esse processo, de maneira que você possa aplicá-lo
em várias circunstâncias do seu cotidiano escolar.
Já conhecemos as questões norteadoras da produção musical,
quais sejam:

96 C E D E R J
MÓDULO 1
a. O que quero veicular por meio da produção sonora?

8
AULA
b. Para que (usos, finalidades) quero produzir sonoramente?

c. Que grupo(s) social(is) eu represento no momento da


produção? Para quem estou me dirigindo?

d. Que elementos sonoros devo escolher? Como devo


organizar o resultado da produção? Como dar uma
forma final?
Forma é a maneira pela qual os meios expressivos se organizam.
É, portanto, a concretização de uma idéia. Algumas estratégias de
manipulação dos elementos sonoros são válidas para essa concretização:
a repetição, o contraste e a variação.
A repetição diz respeito à redundância, visa ao reforço de uma
idéia e dá unidade ao todo.
O contraste diz respeito ao inesperado, ao que não se ouviu antes,
e serve para articular idéias sonoras, diferenciando-as umas das outras.
Pode acontecer por meio da diferenciação entre dinâmicas (sons fortes e
suaves), duração (sons longos e curtos) e andamentos (rápidos e lentos)
numa mesma produção.
A variação diz respeito à modificação de uma idéia sonora sem
abandoná-la por completo, como é o caso do contraste. Veja como:
(1) uma série de sons que parte do som mais grave em direção ao mais
agudo pode ser invertida, partindo-se do mais agudo para o mais
grave; mas os sons usados são os mesmos; (2) um trecho sonoro pode
ser diminuído ou aumentado, retirando-se ou acrescentando-se mais
elementos (sonoros, cênicos, plásticos etc.).
Sobre os elementos sonoros passíveis de serem usados em uma
produção musical, podemos afirmar que todos os sons se enquadram
nessa classificação.
Sabemos, por Koellreutter (1987, p. 33-34), que o compositor
italiano Russolo organizou, em 1912, uma orquestra de ruídos, a Intona
Rumore, organizada em grupos:
1º grupo: estalos, estampidos, estouros;
2º grupo: assobios, sibilos;
3º grupo: murmúrios, sussurros;
4º grupo: chiados, guinchos;
5º grupo: percussão;
6º grupo: vozes de seres vivos (animais e humanos).

C E D E R J 97
Artes na Educação | A música como prática discursiva

Não podemos nos esquecer do silêncio, elemento expressivo


importantíssimo. Ele deve ser percebido como outro aspecto do fenômeno
sonoro, e não como ausência de som. Por exemplo: é interessante verificar
que um elemento sonoro repetido várias vezes (como é o caso dos mantras
religiosos) leva à meditação e, portanto, a um estado de silêncio (que não
é a ausência de som). Assim, o efeito máximo de redundância (repetição)
é o silêncio.
Pensemos em um trabalho de produção que se desenvolveu sobre
um tema recorrente entre o grupo de alunos de um curso de formação
de professores das séries iniciais do Ensino Fundamental: violência.
Iniciou-se um debate sobre as diversas interpretações e implicações do
termo e, por meio de associação de palavras e conceitos tais como “morte”,
“bala perdida”, “injustiça social”, “desemprego”, “corrupção”, chegou-se
à idéia básica de “caos”, a ser desenvolvida sonoramente. Essa foi a síntese
que o grupo entendeu representar melhor a idéia de violência.
Essa síntese, resultado do debate e associação de idéias, diz respeito
à representação da violência construída pelos integrantes do grupo. Essa
representação será convertida em elementos sonoros expressivamente
trabalhados em uma forma para dar conta do significado construído
pelo grupo.
Que sons representariam a idéia de caos? Toda a orquestra de
ruídos de Russolo foi utilizada. Além dela, sons graves, como aqueles
que soam quando tocamos as teclas do lado mais à esquerda do teclado
do piano, os sons das batidas de um bumbo e da ação de chacoalhar uma
caixa de sapato fechada e repleta de pedras. O grupo começou a construir
o elenco de materiais prováveis para a produção sonora adequada à
veiculação da idéia de caos, síntese da idéia de violência.
Passou-se à experimentação sonora, visando a adequar os sons à
intenção proposta. Essa etapa coincide com a seleção e descontextualização
dos elementos de informação, própria da produção de representações
sociais. Lembremos que a descontextualização tem a ver com o
“deslocamento” do sentido dado inicialmente; no nosso caso, a um
som (o assobio, por exemplo, usado rotineiramente para chamar a
atenção de alguém) para outro sentido (um som “cortante”, trazendo
a idéia de ruptura própria do caos).
A turma foi dividida nos grupos de ruídos propostos por Russolo.
O 1º grupo (estalos, estampidos, estouros) indicou que trará bombinhas

98 C E D E R J
MÓDULO 1
e estalinhos. O 2º grupo (assobios, sibilos) apresentou uma variedade

8
impressionante de efeitos sonoros e debateu sobre quais deles é o mais

AULA
próximo da intenção pretendida pelo grupo (ficou decidido que a imitação
de pássaros, proposta por alguns, não seria adequada). O 3º grupo
(murmúrios, sussurros) pensou ser mais adequado trabalhar com expressões
sussurradas e faladas de maneira a parecerem murmúrios (“confusãããão”,
“injusssssstiiiiiiçaaa” etc.). Já o 4º grupo (chiados, guinchos) decidiu trazer
gravado, em uma fita, o chiado da televisão quando não está sintonizada
em um canal. O 5º grupo (percussão) optou por trazer a gravação de
sons graves do piano, resultado de CLUSTERS realizados no lado esquerdo CLUSTER
do teclado, e optou por fazer, ao vivo, a execução das batidas do bumbo Grupo de notas
próximas em sua
e o chacoalhar da caixa de sapatos com pedras. altura que soam
Por fim, o 6º grupo (vozes de seres vivos – animais e humanos) simultaneamente.
No teclado do piano
considerou que o conceito de violência, sintetizado na idéia de caos, podemos executar
clusters tocando com
é fundamentalmente humano, não existe entre os animais. Portanto, o punho, a palma ou
o antebraço.
apenas vozes humanas foram escolhidas para serem usadas na fala de
um slogan construído pelo grupo.
Como executá-los? Um roteiro para o trabalho expressivo foi sendo
construído. Nesse trabalho, não foi usado poema, notícia ou imagem de
jornal que representasse a idéia e servisse de orientação para a produção
do grupo, mas a idéia ficou registrada para uma próxima produção.
Depois da apresentação do material sonoro trazido por todos os
grupos, fez-se a crítica sobre os elementos expressivos mais adequados e que
deveriam ser usados (agógica, dinâmica, densidade) e iniciou-se o debate
sobre a construção do roteiro. O professor da turma exerceu o papel de
mediador e sistematizador das idéias surgidas, anotando no quadro de giz
esboços do roteiro.
Pela idéia que a síntese ou representação de violência veicula (caos
= desordem, oposto de ordem), ficou decidido que o contraste seria o
procedimento mais adequado para iniciar o trabalho. Assim, após novas
experimentações, análise crítica e debate, chegou-se ao roteiro a seguir.
Após silêncio de aproximadamente 15 segundos (elemento
expressivo de expectativa), entra a gravação do chiado da televisão
realizada pelo 4º grupo que permanece soando ao longo de todo o
trabalho. Após 45 segundos do início da reprodução da gravação
(elemento de redundância absoluta), entra o 1º grupo com fortes
estouros emitidos, durante 10 segundos, pelos estalinhos, bombinhas e

C E D E R J 99
Artes na Educação | A música como prática discursiva

sons vocais em fortíssimo (elemento expressivo de dinâmica e densidade


apresentando o contraste pretendido). O 3º grupo começa a emitir as
palavras sussurradas, entrecortadas pelos assovios do 2º grupo durante
20 segundos. Cessam os dois grupos no final desse tempo e dá-se
início à execução do 5º grupo, apresentando, no início, sons suaves
do chacoalhar da caixa de sapatos com pedras, que vão se adensando
com as entradas sucessivas de cada participante daquele grupo (som
do bumbo e da gravação do piano). Esses sons vão crescendo em
intensidade (do suave ao forte), ao longo de 30 segundos, até chegar ao
fortíssimo pronunciamento do slogan gritado por todos do 6º grupo, ao
mesmo tempo: “Basta! Violência não! Queremos nossa vida de volta!”
No momento da execução do 6º grupo, todos os demais cessam, com
exceção do 4º grupo, que mantém a execução da gravação do chiado.
Terminada a performance do 6º grupo, mais 15 segundos de chiado para
entrar em silêncio absoluto.
Essa etapa de elaboração das idéias em um roteiro diz respeito ao
segundo momento da produção de representações sociais: organização
dos elementos de informação selecionados em uma imagem mental
coerente para o sujeito da representação.
Na primeira execução da idéia, verificou-se a necessidade de se
escolher um regente que pudesse controlar as entradas de cada grupo.
Utilizando uma caneta como batuta improvisada, o regente passa
a indicar o tempo da evolução do trabalho. São feitas algumas gravações
do resultado obtido, que são ouvidas e analisadas pelo grupo, buscando
aperfeiçoar o resultado a cada vez que o executa.
O resultado do trabalho foi levado para a aula de Ciências Sociais
para incrementar o debate sobre cidadania e Educação. O uso que foi feito
do resultado desse trabalho de produção diz respeito à terceira etapa de
produção das representações sociais, a naturalização, em que o resultado
da produção/representação se torna parte do cotidiano do grupo.
Tratamos de estabelecer um paralelo entre a produção e as três
etapas do processo de objetivação (seleção e descontextualização dos
elementos da informação, organização dos elementos selecionados em
uma imagem coerente para o sujeito da representação, naturalização do
resultado da representação no cotidiano do sujeito).

100 C E D E R J
MÓDULO 1
Já o processo de ancoragem, próprio da produção de representações

8
sociais, diz respeito à classificação e à denominação do resultado da

AULA
produção musical. Não só o título que foi dado – “O Caos nosso de cada
dia” – mas, também, a concepção de que o resultado é música construída
pelo grupo. Afinal, nada do que foi feito distancia-se do processo de
produção de compositores de diversos gêneros musicais.

ATIVIDADE

2. Todos nós estamos sofrendo, direta ou indiretamente, os efeitos da


violência. Pense você, agora, de preferência em grupo, em selecionar
materiais sonoros da proposta da orquestra de ruídos de Russolo,
incluindo o silêncio; dê-lhes um tratamento expressivo (dinâmica, agógica,
densidade), chegando a uma forma que utilize a repetição, o contraste
e/ou a variação das idéias sonoras que você construir.
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COMENTÁRIO
Verifique que o seu trabalho será resultado do sentido que você dá à
violência. Portanto, não há como se pensar em “certo” ou “errado” em
uma produção antes de se verificar se os meios expressivos e a forma
estão coerentes com a intenção do autor. Não é, simplesmente, fazer
“qualquer coisa”, mas pensar na produção como um discurso pelo
qual divulgaremos nossas idéias por meios sonoros. E isso é, sem
dúvida alguma, fazer música!

CONCLUSÃO

A produção musical, tal como a apresentamos, dá a oportunidade


de engajamento das pessoas na construção de uma forma discursiva que
torna a música mais um veículo de expressão. Isso amplia, fornecendo
novas ferramentas, a capacidade de cada pessoa de organizar idéias de
forma expressiva.
O papel da música na Educação também passa por esse
caminho.

C E D E R J 101
Artes na Educação | A música como prática discursiva

ATIVIDADE FINAL

Considere o seguinte excerto do poema de Ferreira Gullar, disponível no site http:


//www.secrel.com.br/jpoesia/gula.html:

Traduzir-se
Uma parte de mim
é todo mundo:
outra parte é ninguém:
fundo sem fundo.
Uma parte de mim
é multidão:
outra parte estranheza
e solidão.

Leia o poema, falando as palavras contrastantes do texto (por exemplo: multidão,


solidão) expressivamente, desenvolvendo um caráter, uma intenção, de maneira
a explicitar o contraste. Depois, busque desenvolver um trabalho de produção
musical, já pensando em como poderia ser desenvolvida em sua (futura) turma
de alunos. Desenvolva um roteiro para tal, que respeite a concepção das idéias
contrastantes.

RESPOSTA COMENTADA
Há uma maneira interessante de desenvolver esse trabalho com uma
turma: dividindo-a em grupos e, depois, cada grupo em dois subgrupos
para interpretar (ler de maneira expressiva) uma parte do poema. Veja
como: subgrupos A = “Uma parte de mim...”, subgrupos B = “outra
parte ...”. Ao final do trabalho, faz-se a performance dos grupos para
apreciação dos demais. Depois, pode ser proposta a produção de um
discurso musical a partir das idéias expressivas retiradas do poema.
Lembre-se de que, em todo trabalho de produção, deve ser
desenvolvida uma reflexão sobre os materiais, a expressividade e a
forma (SWANWICK, 2003).
Uma dica importante: a divisão da turma em grupos torna mais eficaz
o trabalho de produção. Não há necessidade de se trabalhar com o
“grupão” de quarenta estudantes!

102 C E D E R J
MÓDULO 1
8
RESUMO

AULA
Para a produção musical como prática discursiva, é importante levar em consideração
que: (1) todo o fenômeno sonoro é passível de ser utilizado no trabalho; (2) o
silêncio é mais do que ausência de som, é elemento expressivo por natureza; (3) na
performance, devem ser tomadas decisões quanto à agógica (andamento), dinâmica
(intensidade), densidade (agrupamento sonoro) etc.; (4) a constituição da forma do
discurso passa por estratégias de repetição, contraste ou variação.

INFORMAÇÃO SOBRE A PRÓXIMA AULA

Na próxima aula, vamos desenvolver uma proposta de representação do resultado


da produção musical, tomando como base os princípios desenvolvidos por Emília
Ferreiro para o processo de ensino-aprendizagem da linguagem escrita.

C E D E R J 103
9

AULA
O processo de representação
da produção musical
Meta da aula
Partindo dos princípios desenvolvidos
por Emília Ferreiro para o processo de
ensino/aprendizagem da linguagem
escrita, apresentar uma proposta de
representação do discurso musical.
objetivo

Esperamos que, após o estudo do conteúdo desta


aula, você seja capaz de:
• produzir a representação de um discurso musical,
respeitando os princípios teóricos tomados como
base para o desenvolvimento da aula.
Artes na Educação | O processo de representação da produção musical

INTRODUÇÃO As crianças, desde que nascem, são construtoras de conhecimento, como o


sistema de escrita, por exemplo. Essa afirmação deixou de ser novidade desde
que Ferreiro resgatou os pressupostos epistemológicos centrais da teoria de
Piaget e aplicou-os à análise do aprendizado da língua escrita.
Embora recorram à oralidade para propor hipóteses sobre a escrita, as crianças
usam-na de forma dinâmica “para conduzir uma análise da própria fala e
elaborar propostas de representação”. Pensamos que o mesmo acontece com
a representação do resultado da produção musical. Vejamos como.
Lembremos que, para Ferreiro (1995), o relevante é fazer a criança compreender
a natureza da escrita como um sistema de representação, e não como um
código de transcrição de unidades sonoras em unidades escritas:

(...) se a escrita é concebida como um código de transcrição, sua


aprendizagem é concebida como a aquisição de uma técnica; se
a escrita é concebida como um sistema de representação, sua
aprendizagem se converte na apropriação de um novo objeto
de conhecimento, ou seja, em uma aprendizagem conceitual
(FERREIRO, 1995, p.16).

Nesse sentido, o trabalho de representação do discurso musical, resultado de


um processo de produção, deve ser desenvolvido como mais uma “ocasião
de aprender” (FERREIRO, 1995), e não como uma brincadeira cuja finalidade
é exclusivamente entreter as crianças. Devemos propiciar às crianças o
desejo de desenvolver sistemas interpretativos do resultado da produção,
compreendendo a representação como um novo objeto de conhecimento
construído na sua interação com os outros, professor e colegas.
A representação de um discurso, contudo, não se restringe à escrita. Toda
interpretação do significado de um objeto, objetivando a construção de um
novo objeto, pode ser feita por meio de desenho, de gestos expressivos, de
uma construção plástica e tridimensional, de uma coreografia...
Verifique o caso da dança, seja em qualquer gênero: ela é uma interpretação
do objeto musical, a construção de um novo objeto. Podemos verificar
associações explícitas entre a materialidade sonora e a materialidade do
gesto da dança, por exemplo: andamento acelerado representado por passos
ou gestos também acelerados, sons fortes por gestos mais expansivos, sons
suaves, por gestos mais sutis etc. Mas, muito da interpretação do coreógrafo,
da sua subjetividade, da sua intenção na construção desse novo objeto,
do auditório que ele busca atingir etc. também estão presentes nessa

106 C E D E R J
MÓDULO 1
representação. É essa interpretação desenvolvida no diálogo que cada um

9
de nós travamos com o(s) nosso(s) grupo(s) social(is) de referência (lembra-se

AULA
das nossas primeiras aulas?), que define o processo de representação como
construção de um novo objeto.
Lembremos que, para Vygotsky (apud SILVA, 1991, p. 18), tanto os rabiscos
como as brincadeiras de faz-de-conta e o desenho são vistos como “momentos
diferentes de um processo essencialmente unificado de desenvolvimento da
linguagem escrita”. Portanto, sendo consideradas as primeiras manifestações
gráficas como precursoras da escrita, elas devem ser integradas ao processo
formal de aprendizagem.
A ação pedagógica desenvolvida no âmbito desse ponto de vista sobre a
representação abandona o “adultocentrismo” e adota o ponto de vista de
quem aprende, do sujeito em desenvolvimento (FERREIRO, 1995). Nesse
sentido, o professor:
a. restitui “à língua escrita seu caráter de objeto social” (FERREIRO, 1999, p. 44),
ou seja, privilegia o uso funcional da língua escrita em diversos contextos;
b. aceita que “todos na escola podem produzir e interpretar escritas, cada qual
em seu nível”, uma vez que “a heterogeneidade de níveis transforma-se em
vantagem em vez de ser vista como um empecilho” (FERREIRO, 1999, p. 45);
c. converte a linguagem escrita em objeto de ação, e não de contemplação,
trabalhando-a no sentido de propiciar a sua transformação e recriação;
d. descobre, com os alunos, o que não conseguiu descobrir quando ele
mesmo era aluno.
Mas, se toda escrita é um conjunto de marcas intencionais, nem todo conjunto
de marcas é uma escrita, pois “as práticas sociais de interpretação é que as
transformam em objeto lingüísticos” (FERREIRO, 1998, p.164). A existência da
escrita como objeto simbólico é condicionada à presença do “interpretante”,
aquele que, no ato de ler/tocar/cantar/compor, transforma as marcas escritas
em linguagem, veiculando, expressivamente, intenções.

C E D E R J 107
Artes na Educação | O processo de representação da produção musical

ATIVIDADE

1. De acordo com o quadro teórico tomado como base para o


desenvolvimento desta aula, a aprendizagem de um código é mais simples
que a compreensão de um sistema de representação. Você concorda com
essa afirmação? Por quê? Desenvolva sua resposta apontando em que
sentido a representação do resultado da produção musical pode contribuir
para o desenvolvimento da linguagem escrita da criança.

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RESPOSTA COMENTADA
Para assimilar um código, basta aprender a relação biunívoca existente
entre um símbolo ou sinal e o som. Já o processo de representação
pressupõe o trabalho de interpretação do material sonoro e sua
manifestação expressiva na elaboração de um novo objeto (a escrita,
um desenho, uma construção plástica e tridimensional, uma coreografia,
gestos expressivos etc.).
A alfabetização não é um estado ao qual se chega, mas um processo
cujo início é, na maioria dos casos, anterior à escola, e que não
termina ao finalizar as séries iniciais do Ensino Fundamental. No
processo de alfabetização, valoriza-se o trabalho de representação
nos mais variados contextos. A convivência com a representação
de todos os tipos de discursos, no nosso caso o musical, poderá
levar a criança a entender, mais facilmente, o simbolismo da
linguagem escrita. A partir da percepção das funções simbólicas da
representação do discurso, a criança passa a elaborar as da escrita.

108 C E D E R J
MÓDULO 1
UMA PROPOSTA DE REPRESENTAÇÃO DO PRODUTO

9
MUSICAL

AULA
Alfaya e Parejo (1987) apresentam a proposta do compositor
e pedagogo musical H. J. Koellreutter para a representação escrita do
produto musical. Para isso, Koellreutter utiliza a idéia de “plano”, o
espaço temporal no qual se compõe. Expliquemos melhor. O plano pode
ser considerado do ponto de vista mental e, então, diz respeito “ao
espaço de tempo a ser preenchido com alguma idéia sonora” (ALFAYA;
PAREJO, 1987, p. 100). Ou pode ser considerado do ponto de vista
material, visual e, nesse sentido, diz respeito ao espaço concreto para
a representação do discurso musical como uma folha de papel, por
exemplo. Veja o desenho de um plano:

O plano é multidirecional porque nele podem ser inscritos/lidos


sinais em qualquer direção: da esquerda para a direita ou vice-versa,
de cima para baixo ou vice-versa... O que vale é apresentar um sistema
coerente com a interpretação dada ao objeto musical.
A proposta que aqui apresentaremos é feita apenas a título de
ilustração de uma lógica de representação. Não temos a intenção de
apresentá-la como modelo ou convenção para serem utilizados em suas
(futuras) aulas. Afinal, tal como é proposto no modelo piagetiano de
equilibração, retomado por Emília Ferreiro na descrição das fases de
evolução da escrita na criança, esta chega a um estado de “coragem
suficiente para se comprometer em um novo processo de construção”
(FERREIRO, 1995, p. 27). E essa construção é da criança...

Proposta de representação das durações dos sons

Alfaya e Parejo (1987, p. 101) apresentam a proposta de


Koellreutter para a representação da duração sonora. Veja:

Sons longos _____________________ (uma linha contínua no


tempo)

C E D E R J 109
Artes na Educação | O processo de representação da produção musical

Sons médios ___________


Sons curtos _ _ _ _ _
Sons mais curtos . . . . . .
Agrupamento de sons curtos .........................

A ausência de sinais representaria silêncio.


Para indicar o tempo em que acontece o discurso musical,
Koellreutter sugere duas soluções:
1. que se coloquem tracinhos que representem segundos ao longo
do plano;

2. indicando o tempo em segundos sobre o próprio elemento visual;

2 3 4

A representação anterior corresponde à duração de um som por


dois segundos, ao silêncio de três segundos e a repetição do mesmo som
por quatro segundos.
Também podemos pensar em um tempo determinado para o
trabalho de produção musical. Então, apresentaríamos o plano como
espaço de tempo (em segundos ou minutos) no qual se desenvolve o
processo de produção.
40s

Proposta de representação gráfica das alturas sonoras

A altura diz respeito à freqüência do som. Freqüência é a medida


que corresponde ao número de vibrações por segundo de um corpo
sonoro (uma corda vibratória, uma coluna de ar etc.). Quanto maior a
freqüência, maior a altura. O som fica mais agudo quando a freqüência é
aumentada. Som agudo é aquele da voz feminina, em relação à masculina,
que algumas crianças costumam chamar “som fininho”. O inverso se dá
em relação aos sons graves.

110 C E D E R J
MÓDULO 1
Convencionou-se falar que existe um movimento sonoro

9
ascendente quando se parte de um som grave e se passa para sons mais

AULA
agudos, e um movimento sonoro descendente quando se parte de um
som agudo e se passa a executar sons cada vez mais graves.
Koellreutter (apud ALFAYA; PAREJO, 1987) sugere que se divida
o plano em três níveis ou regiões, de acordo com a altura sonora: grave,
médio e agudo

______________ = som longo que se mantém na mesma altura

_ _ _ _ _ _ _ _ = sons curtos que se mantêm na mesma altura

= som longo ascendente

_
_ = sons curtos ascendentes

Também podemos identificar a área do plano usada para representar


os sons de diferentes fontes sonoras. Assim, identificamos no plano, os
diferentes TIMBRES utilizados na produção do discurso musical. TIMBRES
Dizem respeito à
qualidade sonora
característica de um
instrumento ou de
Representação gráfica de intensidade uma voz.

O tamanho do elemento visual pode ser alterado de acordo com


a intensidade do som:

Existem sinais convencionais para indicar a intensidade do som.


São eles:
pp – pianíssimo (palavra italiana significa dizer suavíssimo);

C E D E R J 111
Artes na Educação | O processo de representação da produção musical

p – piano (palavra italiana que significa suave);


mf – mezzo-forte (meio forte);
f – forte;
ff – fortíssimo;
< - crescendo;
> - diminuindo.

Representação gráfica de densidade

____ = um som

____
____ = dois sons simultâneos

= vários sons, muito curtos, executados ao mesmo tempo.

ATIVIDADE

2. Considere o exemplo de representação a seguir.

Levando em consideração as relações entre as características materiais


do discurso musical (altura, duração, dinâmica etc.) e o processo de
interpretação subjetiva própria da representação, indique qual dentre as
canções seria mais bem representada por aquele exemplo: “Atirei o pau
no gato” ou “Marcha Soldado”?

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112 C E D E R J
MÓDULO 1
9
RESPOSTA COMENTADA

AULA
A escrita representa um objeto e esta representação permite múltiplas
interpretações. Vemos que, no caso do discurso musical, a leitura, a
interpretação e a representação estão diferenciadas, ou seja, é possível
distinguir interpretações diferentes de uma mesma representação. No
entanto, aspectos materiais do discurso musical pedem coerência na
representação. Não é camisa de força, pois a interpretação dá a garantia
da entrada do sujeito no processo.

CONCLUSÃO

A representação do discurso musical é mais uma oportunidade


para o professor das séries iniciais do Ensino Fundamental trabalhar no
incremento do processo de alfabetização. Ela explicita o processo que
leva em consideração os aspectos materiais do discurso e a interpretação
que cada um dá ao discurso na construção de um novo objeto (o da
representação).
Tal como vimos nas primeiras aulas, a interpretação é desenvolvida
levando em consideração as características do grupo social de referência
de cada um de nós e o(s) auditório(s) a que buscamos atingir e emocionar
com a nossa produção.

ATIVIDADE FINAL

“Era uma vez uma ilha...”. Esse é o início de uma pequena história que pode
ser construída coletivamente: cada integrante do grupo acrescenta uma parte
à história, de acordo com o que já foi apresentado pelos seus antecessores,
apresentando contrastes ou redundâncias (confirmação). Após esse trabalho,
sonorize a história, criando um discurso musical para ela (leve em consideração
os aspectos expressivos do discurso).
Depois da construção do discurso musical, faça a representação gráfica desse
resultado, utilizando os recursos mais adequados: desenho, sinais, material de
sucata, gestos etc., desde que sejam coerentes com os elementos componentes
do discurso.

C E D E R J 113
Artes na Educação | O processo de representação da produção musical

RESPOSTA COMENTADA
Todas as etapas da produção são interpretações, ou seja, são processos
de construção, por analogia, de novos objetos ou discursos a partir
da interpretação que se desenvolve de algo já existente. No caso da
atividade proposta, das idéias/experiências/imagens que se têm sobre
a vida em uma ilha, constrói-se uma história; os elementos da história
considerados mais significativos pelo grupo são interpretados no âmbito
do discurso musical. Podem surgir perguntas do tipo: “Que sons são
melhores para veicular nossa idéia de uma tempestade sobre a ilha?”,
“Como trabalhar, expressivamente, os sons?”, “Que organização/forma
final daremos a esses elementos?”. Os elementos expressivos e a forma
final do discurso musical, por sua vez, são representados em outro
âmbito, aquele dos recursos que mais bem sintetizam os seus aspectos
materiais e expressivos.

RESUMO

A representação do discurso musical vem a ser mais um momento de aprendizagem


para a criança, pois torna evidentes as hipóteses construídas por ela naquela
elaboração.
Dar oportunidade à criança para interpretar códigos, construindo discursos ou
novas representações, com novos recursos, é estratégia eficaz para incrementar
o processo de alfabetização.
Na próxima aula, concluiremos este módulo, refletindo sobre aplicação de alguns
recursos para a produção musical: a linguagem falada e os movimentos corporais.

INFORMAÇÃO SOBRE A PRÓXIMA AULA

Na próxima aula, concluiremos esse módulo refletindo sobre a aplicação de alguns


recursos para a produção musical: a linguagem falada e os movimentos corporais.

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Linguagem falada e
movimentos corporais:

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AULA
recursos universais para a
produção musical
Metas da aula
Apresentar a linguagem falada e os movimentos
corporais como recursos para a produção musi-
cal em sala de aula, assim como critérios para a
avaliação final do trabalho a ser desenvolvido.
objetivo

Esperamos que, após o estudo do conteúdo


desta aula, você seja capaz de:
• identificar, nas práticas cotidianas de seus
(futuros) alunos, a aplicação da linguagem
falada e dos movimentos corporais em
produção musical.
Artes na Educação | Linguagem falada e movimentos corporais: recursos universais
para a produção musical

INTRODUÇÃO A partir das últimas décadas do século XX, é grande a velocidade das transfor-
mações que a pedagogia musical moderna sofreu. Novos princípios incidem
sobre a ideologia da educação musical, novos objetos artísticos e musicais
são considerados como tais, novas técnicas e, sobretudo, novas atitudes es-
téticas e filosóficas diante do fato criativo passam a ser levados em conta. Os
conceitos de jogo e criatividade ampliam-se, e são abertos novos caminhos
para a expressão e a criação.

PEDAGOGIA MUSICAL CONTEMPORÂNEA: UMA SÍNTESE

Podemos pensar em uma gradação implícita nessa nova maneira de


lidar pedagogicamente com a música: definida a intenção da produção, o
aluno experimenta livremente os materiais sonoros, desenvolve tratamento
expressivo desses materiais e, depois, ordena o que faz. Assim, o método
de ensino deixa o status de “verdade absoluta”, e a lógica da produção
de cada grupo adquire prioridade. Ao final do processo de produção,
busca-se avaliar, criticamente, o que foi produzido, ouvindo o resultado
de maneira a tornar manipulável o que foi percebido (transforma-se,
assim, a “recepção passiva” em uma “criação ativa”).
Sintetizando, as características da abordagem pedagógico-musical
contemporânea são: (1) o tratamento informal e espontâneo do material
sonoro, desenvolvido no sentido da descoberta e exploração por parte
dos alunos; (2) a manipulação ativa do som sem preconceitos quanto
aos materiais sonoros; (3) a construção de um sistema de representação
coerente com os aspectos materiais e expressivos do resultado da
produção sonora.
Mas, mesmo com todo esse avanço, alguns recursos mantêm-se
soberanos para o trabalho com música na escola: a fala (linguagem) e
os movimentos corporais. E, no uso dessas fontes sonoras entendidas
como básicas, ainda vale uma proposta desenvolvida em meados do
século passado: a do músico e pedagogo musical alemão Carl Orff
(1895-1982).

BRINCADEIRAS E JOGOS INFANTIS: FONTES


INESGOTÁVEIS DE RECURSOS

A linguagem oral se caracteriza não só pelo significado de seus


vocábulos, mas, principalmente, pelo ritmo de suas frases. As diferentes

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10 MÓDULO 1
línguas faladas existentes singularizam-se pela musicalidade inerente a
cada uma delas. A acentuação tônica das palavras e das frases, a pro-

AULA
núncia, a cadência dos diversos linguajares, dialetos ou regionalismos
constituem rico material para o desdobramento de produções musicais
em sala de aula. Também nos jogos populares encontramos significativa
presença de fala ritmada e de movimentos corporais. Vejamos alguns
exemplos:
– fórmulas de escolha: u-ni-du-ni-tê; zé-ri-nh’ou-um; par-
ímpar-um-do-lá-si-já;
– jogos de salão: jogos de mão: eu-co’as- qua-tro; o trem
maluco;
– jogos de competição: piques; jogo de elástico;
– jogos musicados: brinquedos de roda;
– jogos gráficos: amarelinha, caracol.

As parlendas, ditos rimados populares, são muito usadas com a


finalidade de entreter, acalmar, divertir e embalar as crianças nos pri-
meiros anos de vida. Muitas vezes, são acompanhadas por movimentos
corporais ritmados. Ex.: Serra-serra-serrador; Bão-ba-la-lão; Dedo min-
dinho; Um-dois-feijão-co’ar-roz.

ATIVIDADE

1. Faça uma lista de parlendas, jogos e brincadeiras musicais dos quais


você se lembra de ter participado em sua infância. Experimente descrevê-
los minuciosamente.
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Artes na Educação | Linguagem falada e movimentos corporais: recursos universais
para a produção musical

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RESPOSTA COMENTADA
A descrição minunciosa de jogos e brincadeiras infantis pode rever-
ter-se em repertório de recursos para o desenvolvimento de práticas
pedagógicas com música, tal como estamos defendendo em nos-
sas aulas. O repertório de jogos constitui material importante para
o desenvolvimento de práticas pedagógicas em música devido à
forte ligação afetiva que oferecem (quem participou das atividades
quando criança guarda as recordações) e pela possibilidade de
desenvolvimento dos aspectos motores e rítmicos, sem abrir mão
da ludicidade necessária para o desenvolvimento das crianças.

AINDA VALE A PROPOSTA DE CARL ORFF?

Orff toma como base de seu método para ensinar música os ritmos
da linguagem. A palavra representa para Orff a célula geradora do ritmo.
Expressão e ritmo são inseparáveis: o aluno que recita as rimas e os re-
frões deve sentir toda a riqueza rítmica, dinâmica e expressiva sugerida
pelas inflexões naturais e os acentos do idioma. O ritmo que nasceu da
linguagem e que, lenta e progressivamente, se vai musicalizando é logo
transmitido ao corpo. O corpo, para Orff, é instrumento de percussão
capaz de produzir as mais variadas combinações de timbres.
Do mesmo modo que o ritmo das palavras é transmitido ao corpo,
pode ser transmitido também a instrumentos musicais, convencionais
ou construídos pelos alunos. Fecha-se, assim, para o pedagogo alemão,
o ciclo de ensino-aprendizagem em música.
A tríade que serve de base para o desenvolvimento da proposta
de Orff é, portanto, MOVIMENTO ↔ PALAVRA ↔ SOM. Música só
existe quando é cantada, tocada ou dançada.
Os geradores da experiência musical são, para Orff, uma canção,
um texto, um elemento da natureza, uma coreografia, um conto, uma

118 C E D E R J
10 MÓDULO 1
palavra (rimas, jogo de palavras soltas, versos, provérbios, onomato-
péias), uma notícia de jornal lida expressivamente etc.

AULA
O professor deve atentar para a qualidade da elaboração coletiva,
pois os alunos são estimulados a criar a própria música, que serve ao
trabalho corporal e à sua execução instrumental.
Podemos apontar as seguintes etapas para o desenvolvimento
de produções musicais a partir da linguagem falada e dos movimentos
corporais: parte-se de uma palavra; procura-se o seu acento tônico, ou
seja, o ritmo próprio, natural, da pronúncia; numa fase posterior, es-
colhe-se uma frase que o professor diz de forma monocórdica, a fim de
que seja o próprio aluno a redescobrir a acentuação que lhe é própria.
Uma vez adaptado o ritmo que mais valoriza o texto (parlendas, refrões,
provérbios, adivinhanças), procura-se sublinhá-lo com instrumentos de
percussão e/ou com sons corporais (estalos de dedos, palmas etc.) e vozes
acrescentando-se uma melodia.
A seguir, apresentamos alguns exemplos:

1. A partir da palavra “carregada”, pede-se aos alunos que


procurem o seu acento tônico; depois, que a pronunciem
de maneiras diferentes, alterando o acento: a) car-re-
GA-da; b) CAAAR-re-ga-da; c) car-RRRRRE-ga-da; d)
car-REEEEEEE-ga-da; e) car-re-ga-DAAAAAA etc. Que
efeitos incidem sobre o significado da palavra à medida
que se alternam os acentos tônicos? Que imagens pode-
mos associar a cada resultado das mudanças?

2. O professor apresenta a seguinte adivinhação: “Carregada


vai, carregada vem. E no caminho não se detém.” Os alu-
nos devem falar o texto dando expressividade às palavras:
como falar a palavra “carregada” de maneira que expresse
o sentido de alguém carregando algo pesado? Esse alguém
anda muitos quilômetros, sempre carregando algo pesado;
como expressar o sentido de longo caminho ao falar as
palavras “vai” e “vem”? Esse alguém não pára, em nenhum
momento de sua viagem; como expressar essa determina-
ção ao falar o texto “e no caminho não se detém”? Como
incrementar o resultado do texto falado acrescentando a
ele o acompanhamento de sons corporais (estalos de dedos,
palmas, batidas nas coxas etc.)?

C E D E R J 119
Artes na Educação | Linguagem falada e movimentos corporais: recursos universais
para a produção musical

3. Quais são as respostas possíveis à adivinhação?


A formiga é uma delas. Como responder à adivinhação
falando a palavra “formiga” de maneira que expresse o
antagonismo entre o tamanho do inseto e a sua força e
determinação?

4. Na repetição do resultado do trabalho, é possível identifi-


car uma melodia “escondida” na fala, ou seja, a entoação
expressiva das palavras leva a uma fala “cantada”, não é
mesmo? Vamos acentuar esse canto até configurar uma
música?

Penna (1990) questiona, porém, o uso exclusivo e idealizado do


folclore, haja vista a televisão, a música popular e outros elementos que
atuam também sobre a criança e não devem ser negligenciados. Pode-se
trabalhar um provérbio conhecido, mas também um slogan famoso de
televisão, até mesmo para “desalienar” o normalmente passivo processo
de educação televisiva. Para a autora, o essencial é:

– aproximação com a realidade do aluno;


– diversificação de manifestações musicais (popular, eru-
dito, ruído);
– ampliação da atividade criativa/expressiva.

120 C E D E R J
10 MÓDULO 1
ATIVIDADE

AULA
2. Construa uma proposta de produção musical, seguindo as etapas apresen-
tadas nesta aula, a partir do seguinte slogan: “Globo e você, tudo a ver.”
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COMENTÁRIO
Um sentido de crítica ou confirmação do slogan pode ser dado pela
expressividade empregada na produção musical. Os movimentos
corporais servem de apoio e explicitação de alguns elementos expres-
sivos da fala, acontecendo uma implicação muito intensa entre os
dois elementos. O terceiro elemento da produção – a melodia – é
decorrente dessa conjugação fala-movimento corporal.
Um lembrete: os instrumentos que podem ser utilizados no tra-
balho não são, necessariamente, instrumentos convencionais. O
abrir e fechar do zíper do estojo, o lápis sendo esfregado na pasta
de poliondas, o abrir do velcro da mochila – todas essas e outras
ações remetem a sons que servem como coadjuvantes dos sons
corporais nesse trabalho.

ALGUMAS CONSIDERAÇÕES FINAIS

Neste módulo, não foi apresentado um método como único cami-


nho ou resposta de um especialista para o problema da inserção da música
na Educação. Em vez disso, foi proposta a visão de que são possíveis
várias respostas para uma mesma questão, dada a infinita diversidade
das realidades e circunstâncias humanas.
Sobre os materiais sonoros, a fala e os movimentos corporais são
recursos inesgotáveis e presentes, como tais, nas últimas décadas, e con-
sideramos que podem, e devem, continuar sendo utilizados. Um critério
básico para o desenvolvimento do trabalho é a coerência (expressiva)
entre a intenção (realidade e circunstância) e o resultado da produção.

C E D E R J 121
Artes na Educação | Linguagem falada e movimentos corporais: recursos universais
para a produção musical

Como avaliar essa coerência?


Swanwick (2003, p. 91) nos apresenta algumas pistas para a ava-
liação da produção musical que adaptamos para o caso da formação de
professores das séries iniciais do Ensino Fundamental.
É preciso verificar se os alunos:

– manipulam, intencionalmente, os materiais sonoros,


fazendo a distinção entre timbres, intensidade, duração
e altura;

– controlam, intencionalmente, o caráter expressivo da


produção, modificando-o a partir de uma análise crítica
e adequando-o à intenção desejada;

– constroem, intencionalmente, uma forma musical repe-


tindo, transformando, contrastando ou conectando idéias
sonoras;

– estão conscientes do valor pessoal e cultural da música


que produziram por meio da explicitação de avaliação
crítica do resultado da produção e de compromisso com
determinados estilos (preexistentes ou não).

CONCLUSÃO

A proposta de trabalho com música na escola apresentada neste


curso leva em consideração os materiais sonoros disponíveis em qualquer
ambiente: fala e sons corporais se apresentam como conseqüência de
movimentos expressivos. A intenção do trabalho e o uso que será feito
do seu resultado é o norteador da elaboração de sua forma final. Portanto,
o grupo formado pelos alunos e pelo professor é o elemento determinante
de todo o trabalho, e está presente em todas as etapas de produção.

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10 MÓDULO 1
ATIVIDADE FINAL

AULA
Faça a análise crítica da proposta desenvolvida neste módulo, apresentando a sua
proposta para trabalhar com música na escola.

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RESPOSTA COMENTADA
Pensamos que, por meio do caminho proposto neste módulo, você
poderá fazer com que seu futuro aluno encontre, por si próprio, pos-
sibilidades de desenvolver práticas de produção de música, antes de
desenvolver a habilidade de executá-la. A produção musical, como
produção de conhecimento do grupo constituído pelos estudantes e
pelo professor, assim como o é a representação social, é aqui proposta
como cerne norteador do trabalho com música na escola.

RESUMO

Carl Orff apresentou uma proposta que permanece válida ainda hoje, inclusive para
o trabalho com música na escola desenvolvido por alunos e professores das séries
iniciais do Ensino Fundamental: o valor rítmico e expressivo da linguagem cotidiana
falada e dos movimentos corporais, e sua relação com a linguagem musical.
Para avaliar o resultado da produção musical, deve-se levar em consideração
a autonomia com que os alunos estão atuando nas tarefas e se, de fato, estão
voltados para a concretização de uma intenção.

C E D E R J 123
Aula 8

JORNAL DE POESIA. Ferreira Gullar. Disponível em: http://www.secrel.com.br/jpoesia/


gula.html. Acesso em: 7 dez. 2005.

KOELLREUTTER, H. J. Introdução à estética e à composição contemporânea. Porto


Alegre: Movimento, 1987.

MAZZOTTI, Tarso Bonilha. Para uma ultrapassagem da debandada epistemológica das


ciências da educação, 2004. Inédito.

SWANWICK, Keith. Ensinando música musicalmente. São Paulo: Moderna, 2003.

Aula 9

ALFAYA, Mônica; PAREJO, Enny. Musicalizar: uma proposta para vivência dos elementos
musicais. São Paulo: MUSIMED, 1987.

FERREIRO, Emília. Reflexões sobre alfabetização. 24. ed. atual. São Paulo: Cortez,
1995.

______. Sobre a necessária coordenação entre semelhanças e diferenças. In: CASTORINA,


José Antonio et al. Piaget-Vygotsky: novas contribuições para o debate. São Paulo: Ática,
1998. p. 147-175.

______. Com todas as letras. 7. ed. São Paulo: Cortez, 1999.

SILVA, Ademar. Alfabetização: a escrita espontânea. São Paulo: Contexto, 1991.

Aula 10

GAINZA, Violeta Hemsy. Oito estudos de psicopedagogia musical. São Paulo: Summus,
1988.

PENNA, Maura. Reavaliações e buscas em musicalização. São Paulo: Loyola, 1990.

130 CEDERJ
Artes na Educação Volume 2

SUMÁRIO Aula 11 – Teatro é jogo ______________________________________ 7


Aula 12 – O teatro é linguagem _______________________________ 29
Aula 13 – O corpo expressivo _________________________________ 49
Aula 14 – Poesia no espaço __________________________________ 67
Aula 15 – Capacidade de jogo ________________________________ 87
Aula 16 – A criação das pequenas formas teatrais_________________ 103
Aula 17 – Jogando com o texto no teatro _______________________ 119
Aula 18 – A personagem: processos criativos ____________________ 135
Aula 19 – A encenação teatral _______________________________ 157
Aula 20 – Teatro de animação _______________________________ 173
Referências ____________________________________ 197
11
AULA
Teatro é jogo
Meta da aula
Apresentar a natureza lúdica do
teatro na Educação.
objetivos

Esperamos que, ao final desta aula, você seja capaz de:


• distinguir a natureza sensível do saber teatral
do conhecimento meramente intelectivo;
• identificar os princípios lúdicos do teatro na Educação.
Artes na Educação | Teatro é jogo

INTRODUÇÃO Ouça... Preste atenção ao som de três sinais. Talvez ao canto de um pássaro,
ao apito de um navio, à buzina de um carro, ao repicar de um sino ou, ainda,
quem sabe, ao mugido de uma vaca, ou ao coaxar de um sapo. Solte a sua
imaginação. Vamos dar início ao estudo do teatro.
Molière, renomado ator e autor francês de comédias do século XVII, com o
objetivo de silenciar o público muito barulhento da época, criou três pancadas
ou sinais para avisar que o espetáculo teria início. Este costume virou moda e
até hoje é utilizado.

Um pouco de história
Meu nome é Jean-Baptiste Poquelin, mas sou conhecido como
Molière (1622-1673). Adotei esse pseudônimo, provavelmente,
para não causar constrangimento ao meu pai e poupá-lo
do embaraço de ter um ator na família. Imagine, meu pai,
próspero tapeceiro da corte, solicitado pelas mais nobres damas
e cavalheiros, ter em casa um filho ator!!! Ser ator, naquela
época, era sinônimo de ser boêmio, vadio e outros títulos mais.
Apesar do preconceito, consegui tornar-me um prestigiado
homem de teatro, produtor, ator e autor de comédias, que
foram aplaudidas por toda a França.
Iniciei minha carreira teatral aos 21 anos, integrando a
companhia L’Illustre Théâtre, sediada, primeiramente, em Paris
e, depois, percorrendo em excursão as províncias.
Por volta de doze anos, nossa companhia viajou de um lado a outro e, assim, converteu-
se no mais perfeito grupo de comediantes do reino.
Então, partimos de volta para os arredores de Paris. Em outubro de
1658, apresentamo-nos, finalmente, diante do rei Luís XIV e sua corte.
A representação? Uma tragédia de Corneille. Um fiasco!!! Antes, porém, de estar tudo
perdido, pedi permissão ao rei para encenar uma pequena farsa: O Doutor Enamorado.
O favor foi concedido. A alegria tomou conta do salão e o rei morreu de rir. Foi um dia
glorioso; recebi muitos aplausos e obtive o reconhecimento do rei.
Minhas comédias satirizavam a sociedade francesa, os valores e costumes da época,
mostrando, ao mesmo tempo, um profundo conhecimento da natureza humana. Escrevi,
ao todo, 30 comédias. Dentre elas, destacam-se As preciosas ridículas, O misantropo, O
avarento, Tartufo, e O doente imaginário. Sugiro que você leia algumas delas para nos
conhecermos melhor.

Da mesma maneira que Molière, convido você a silenciar a sua mente,


os seus pensamentos e voltar a sua atenção para os ritmos internos do seu
corpo. Feche os olhos por um momento; perceba a sua respiração. Perceba
o ar entrando e saindo de seu corpo. Depois, sinta o ritmo do seu coração.
Como está o seu batimento cardíaco agora? Acelerado? Lento? Faça uma
pausa na leitura, feche os olhos e experimente por alguns segundos.

!
SINAL VERMELHO!!! NÃO AVANCE NA LEITURA. EXPERIMENTE!!!

8 CEDERJ
Agora, tome consciência do seu corpo. Onde você está? Como

11
você se encontra? Sentado, em pé ou deitado? Perceba o estado do

AULA
seu corpo. Seu corpo está atento, com vigor, ou está sem energia,
sem vontade, entregue à força da gravidade? Como está à sua coluna
vertebral? Procure alongá-la. Desperte o seu olhar para o que está à sua
volta e perceba o ambiente ao redor, observando os objetos, as formas,
as relações de distância entre eles, os volumes, as cores, a temperatura,
a luminosidade, os sons, as pessoas, os gestos e os movimentos de cada
uma delas. Somente observe. Não faça nenhum tipo de julgamento, não
critique, apenas contemple...
Você conseguiu deixar-se envolver pelas instruções sugeridas? Qual
foi o seu grau de credibilidade nos comandos propostos? Você resistiu
ou se permitiu experimentar?
O ensino-aprendizagem do teatro passa, primeiramente, pela
vivência das sugestões indicadas. Para que isso ocorra de forma efetiva,
é necessário criar um estado de disponibilidade, ou seja, de abertura
interior, para jogar, brincar, sorrir, imaginar e sentir prazer. Convido
você, então, a iniciar o curso com essa postura de ousadia. Assuma uma
atitude lúdica diante dele, explore e experimente as sugestões dadas.
Entre comigo nessa aventura teatral.

A NATUREZA SENSÍVEL DO SABER TEATRAL

No estudo do teatro e de seus processos criativos, é importante


reconhecer e praticar um novo modo de conhecimento, “o saber sensível”,
que requer o envolvimento de todo o corpo no ato de conhecer. Este
saber ainda pressupõe uma nova qualidade do olhar, atento, consciente,
voltado para o momento presente, para os acontecimentos, formas
e sentimentos humanos. É no corpo, portanto, que reside, segundo
Duarte, o fundamento básico da Educação Estética:

Começa aí, portanto, nesse “corpo-a-corpo” primeiro mantido com o


mundo que nos rodeia, a aventura do saber e do conhecer humanos.
Sem dúvida há um saber sensível, inelutável, primitivo, fundador de
todos os demais conhecimentos, por mais abstratos que estes sejam;
um saber direto, corporal, anterior às representações simbólicas
que permitem os nossos processos de raciocínio e reflexão...Aqui se
insistirá, pois, na necessidade atual e algo urgente de uma educação do
sentimento, que poder-se-ia muito bem denominar educação estética.

CEDERJ 9
Artes na Educação | Teatro é jogo

Contudo não nesse sentido um tanto desvirtuado que a expressão


parece ter tomado no âmbito escolar, onde vem se resumindo ao
repasse de informações teóricas acerca da arte, de artistas consagrados
e de objetos estéticos. Trata-se, antes, de um projeto radical: o de
retorno à raiz grega da palavra “estética” – aisthesis, indicativa da
primordial capacidade do ser humano de sentir a si próprio e ao
mundo num todo integrado (DUARTE, 2003, p. 12).

Na Educação Estética, a supremacia não é do intelecto, que


atua, medindo, julgando, enumerando ou conceituando. Pensamento e
sentimento surgem como resultado primeiro do contato sensível do aluno
com o mundo. O saber sensível é, portanto, de outra ordem; abre espaço
para a intuição, a imaginação e as novas formas de ver o mundo. Uma
educação sensível se volta para o desenvolvimento e o refinamento de
nossos sentidos, para a percepção sensível e direta da realidade.

Curiosidade
o verbo saber, nas acepções mais antigas, indica “ter o sabor de” ou “agradar ao
paladar”. Assim, segundo Duarte (1999, p.14), “o saber carrega um sabor, fala aos
sentidos, agrada o corpo, integrando-se como um alimento à nossa existência.
Por este viés, o sábio se distingue do especialista, esse detentor de conhecimentos
parcializados que, na quase totalidade das vezes, não se conectam às ações de seu
próprio dia-a-dia”.

10 CEDERJ
Por isso, um dos pré-requisitos básicos do “fazer e apreciar” teatral

11
é aguçar e nutrir os sentidos. Como isso pode ser feito? Recorrendo, por

AULA
exemplo, a atividades sensoriais como a auto-observação do corpo, seus
sentimentos, pensamentos e emoções ou à contemplação da Natureza,
das ações e das imagens cotidianas. Portanto, fique atento às impressões
presentes na sua rotina diária ou, ainda, existentes na memória de suas
emoções: o cheiro da chuva, o aroma de café coado, a luminosidade de
um dia de sol ou de um dia nublado, o perfume das flores, o florescer
das árvores, o gosto de uma fruta comida ao pé da árvore, os sons que
atravessam o seu dia, os gestos desenhados por uma pessoa, a maneira
como alguém se movimenta. Desperte para tudo aquilo que estimula
os seus cinco sentidos: tato, audição, paladar, visão e olfato. Como
diz Duarte, “aquilo que é imediatamente acessível a nós, através dos
órgãos dos sentidos, já carrega em si uma organização, um significado,
um sentido”. Este saber sensível, vivenciado primeiramente pelo corpo,
é característico do jogo teatral, como veremos adiante.
Com essa proposta, gostaria de sugerir a você a criação de um
portifólio, ou seja, um diário de bordo, no qual possa fazer anotações,
desenhos e colagens de suas experiências teatrais. Como as experiências
teatrais são efêmeras, acontecem no momento presente, o portfolio
constitui-se numa forma de registro, “protocolo”, a que você poderá
recorrer, caso queira se lembrar ou rever o seu processo de aprendizagem
em teatro e, ainda, servirá de instrumento de avaliação que você,
oportunamente, poderá mostrar ao seu tutor.

ATIVIDADE

O que estou tocando?


1. Na sala de aula, os mais variados jogos de percepção sensorial podem ser
realizados com este objetivo. Vamos fazer um pequeno jogo de percepção
tátil neste momento.
a. Trabalhando individualmente ou “em dupla, escolha, na mochila ou na
bolsa de seu colega, sem olhar, um objeto qualquer. Sem retirá-lo, toque-
o, percebendo seu tamanho, sua textura, sua forma, sua materialidade”
(MARTINS, 1998, p. 31). Perceba, ainda, se este objeto produz algum som.
Procure visualizar, imaginar o objeto antes de vê-lo. Depois, retire-o da
bolsa. Ele corresponde ao que você imaginou?
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CEDERJ 11
Artes na Educação | Teatro é jogo

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b. Agora, procure dar um uso cotidiano a esse objeto. Se for uma chave,
você poderá abrir uma porta real ou imaginária com ela. Em seguida,
procure dar a essa chave um uso inusitado. Ela poderá ser transformada,
por meio de sua ação, em um detector de tesouros. Você, como um
pirata destemido, começará a explorar o ambiente, procurando encontrar
o tesouro. Certamente, enfrentará muitas dificuldades nesta aventura.
A mesa à frente se transformará na entrada de uma caverna perigosa.
A cortina balançando na janela passará a ser a vela de um navio pirata se
aproximando-se. A partir daí, toda uma realidade cênica poderá ser criada.
Repita o exercício e experimente outros objetos. Deixe o livro de lado e
comece o jogo.
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c. Agora, faça um registro escrito ou um desenho dessa experiência. O
que ela lhe trouxe de novo? Que descobertas lhe foram possíveis? Você
acreditou em suas ações? Que realidade cênica você criou? O que você
aprendeu sobre o fazer teatral a partir desta atividade?
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COMENTÁRIO
O ritmo imposto pela vida contemporânea acaba inibindo e
anestesiando os nossos sentidos. Estamos cada vez mais afastados
da Natureza, dos seus ritmos e elementos. Na cidade, principalmente
nos grandes centros urbanos, o tempo a partir do qual vivemos
é artificial, marcado pelos ponteiros do relógio e pela correria
desenfreada. As paisagens que percorremos no nosso dia-a-dia se
afiguram monótonas, desbotadas, diante de nosso olhar mecânico
e condicionado. A poluição retira das ruas o aroma peculiar de cada
lar. O barulho ensurdecedor silencia a nossa audição. Diante de tal
crise dos sentidos, é indispensável educar nossa sensibilidade para
reaprender a olhar, ouvir, tocar e sentir.
Nesse aspecto, o teatro e a arte em geral têm papel importante na
reeducação dos sentidos e no desenvolvimento de nossa capacidade
de dar significação ao mundo e à vida. O teatro torna isso possível ao
estimular uma atitude ativa, participativa e criativa do aluno diante do

12 CEDERJ
11
mundo! Exercitando constantemente os sentidos, deixamos de atuar

AULA
meramente como robôs, como seres mecânicos, reprodutores de
valores destituídos de sentido e comportamentos estereotipados. Toda
e qualquer ação, pensamento e sentimento nascem fundados na
experiência sensível, surgem a partir do nosso corpo, num movimento
vindo de dentro para fora, e não a partir do que nos é imposto.
Além de refinar a percepção estética, podemos observar, a partir de
um simples exercício, como o proposto nessa atividade, um outro
aspecto importante do ensino-aprendizagem do teatro. A qualidade
da imaginação no teatro é diferente. Ela é “imagem em ação”. Por
meio da ação, do uso ativo do corpo no espaço, objetos e lugares
ganham uma nova dimensão, diferente daquela manifestada pela
vida real, criando-se, a partir daí, todo um universo ficcional, que
será chamado de realidade cênica.
Gostaria de chamar a atenção para outro aspecto importante dos jogos
com os sentidos. O aluno é preparado, progressivamente, não apenas
para fazer teatro, mas, também, para apreciar a obra teatral produzida
por uma outra pessoa à medida que o seu saber sensível é estimulado.
Este ponto será abordado com mais detalhes em outra aula.
Não se esqueça: esta é uma atividade para você experimentar.
Largue o livro por um momento e entre em ação. Não fique preso aos
resultados. Não julgue a sua experiência partindo da premissa de que
isso é certo ou errado, de que deveria ser assim ou assado, de que isso
é bom ou ruim, belo ou feio, pois esse tipo de julgamento não cabe
aqui. O jogo requer uma atitude dinâmica, criativa e transformadora.
Racionalizar a experiência inibe a criatividade e o prazer.
O importante é que você se abra internamente para a experiência
sensível do mundo. Eu sei que não é um exercício tão simples assim,
pois estamos acostumados a agir mecanicamente, mas vale a pena
tentar, porque, desse modo, a vida fica mais rica em poesia. Aos poucos,
durante o curso, você estará sendo estimulado neste sentido.
Recorra, constantemente, ao seu portfolio para registrar suas
impressões. Nele, você poderá colar um elemento da Natureza que lhe
despertou interesse num determinado dia, descrever suas sensações,
emoções e descobertas em torno de determinada experiência, fazer
um desenho daquilo que lhe foi significativo durante o jogo teatral e
até mesmo anotar uma dificuldade que queira solucionar.
Diante do que foi exposto, sugiro que você invente um novo jogo
com o objetivo de nutrir a percepção sensível do seu aluno. Aplique,
depois, na escola ou num grupo de amigos. Perceba o prazer e a
alegria que essas atividades despertam e lembre-se de anotar no
portfolio suas impressões a respeito desse jogo.

CEDERJ 13
Artes na Educação | Teatro é jogo

PERCEPÇÃO ESTÉTICA E IMAGINAÇÃO

Segundo Mirian Celeste Martins (1999, p. 117), “a percepção


estética e a imaginação criadora são o passaporte sensível para
a aventura no mundo da arte”, ou seja, dois modos de aprender o fazer
e o apreciar artístico. Esclarece, ainda, que a percepção estética não
é apenas a coleta de dados sensoriais, mas a ressignificação destes dados,
segundo a experiência particular de cada pessoa no mundo, utilizando-
se, também, das referências anteriores, construídas em tantas outras
percepções.
Por meio deste corpo perceptivo que integra pensamento
e sentimento, encontramos e damos sentido ao mundo que nos cerca.
“O estar atento ao mundo é desta maneira um constante despertar”.
Martins sugere, também, uma reflexão sobre o papel da escola na
promoção de uma Educação Estética:
Que oportunidade a escola oferece para o corpo perceptivo
do aluno? Se a escola permite apenas o olho da mente, mente!
O olho da mente é um olho sensível. Não podemos correr o risco
de oferecer desafios que apenas trabalhem o sujeito cognitivo.
É preciso criar situações em que o olhar e o ouvir, juntamente com
o olfato, o tato, o paladar, possam ser filtros sensíveis no contato
com o mundo (MARTINS, 1999, p. 117).

ATIVIDADE

2. Registre, por escrito, a sua opinião a respeito da citação anterior.


Procure se lembrar de situações reais de ensino-aprendizagem na escola
que poderiam ilustrar o que foi dito. Você pode recorrer a lembranças
pessoais de quando era estudante do Ensino Fundamental ou Médio ou,
ainda, rever situações atuais que ocorreram na escola.
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14 CEDERJ
11
RESPOSTA COMENTADA

AULA
Essa atividade traz uma sugestão que considero importante no curso.
Quando você relaciona uma reflexão teórica à prática pessoal ou à
observação das práticas escolares, adquire uma postura ativa e crítica
diante da questão proposta e da educação atual. A partir dessa leitura,
você poderá traçar novas estratégias, assumindo, diante da prática
escolar e do conhecimento, uma atitude de pesquisa, questionamento
e reavaliação constante. Essa maneira de refletir facilita, também, a
assimilação e apropriação do saber aqui proposto.
Na aula de teatro, conteúdos teóricos não devem ser priorizados em
detrimento do aprendizado sensível, do estar em jogo. A história do
teatro, certamente, é um conteúdo teórico importante.
Através do seu estudo, compreendemos as diversas manifestações
teatrais, ao longo da história, o sentimento e o pensamento humano
de diferentes épocas e culturas, seus distintos valores e modos de
vida. No entanto, este aprendizado deve vir acompanhado de
um saber vivo, dinâmico, integrado ao jogo e, ainda, estabelecer
relação direta com a atualidade e os modos de ser contemporâneos.
Da mesma forma, o objetivo principal da aula de teatro não deve
estar na apresentação do “teatrinho”, que aprisiona os alunos em
textos decorados e personagens estereotipados. Neste tipo de teatro,
os corpos dos alunos se apresentam rígidos, tensos, sem nenhuma
espontaneidade e expressividade. Ao contrário desses exemplos, toda
e qualquer atividade teatral deve estar permeada pela atitude e pelo
espírito do jogo, fundamento básico do teatro contemporâneo. É, pois,
na atitude de jogo que se encontram a beleza e a expressividade da
cena teatral e o seu princípio estético.

OS PRINCÍPIOS LÚDICOS DO TEATRO

Agora que já estudamos a natureza sensível do saber teatral, vamos


comentar os princípios lúdicos ou estéticos do teatro. Afirmei no título
desta aula: “teatro é jogo”. O que esta afirmação quer dizer? Que tal uma
analogia entre o teatro e algum outro jogo para começar esta reflexão?
Por exemplo, o futebol, um dos ícones de nossa cultura.
O jogo de futebol ocorre dentro de um campo, numa área claramente
delimitada por linhas e pela trave. Ao redor desse campo, encontra-se a
arquibancada onde ficam os torcedores. Da mesma forma, o jogo teatral
ocorre dentro de um espaço definido, de um círculo mágico, que difere o
lugar do ator do lugar do observador. Esses dois pontos são distintos, apesar

CEDERJ 15
Artes na Educação | Teatro é jogo

de poderem se relacionar, de maneira dinâmica, durante o jogo teatral. Assim,


temos no teatro o espaço da ação, onde os jogadores ou atores agem, e o
espaço da observação, de onde o espectador assiste ao espetáculo.

É curioso observar que a origem grega da palavra teatro, thèatron, significa,


segundo Patrice Pavis (1999, p. 372), “local de onde o público olha uma ação que
lhe é apresentada num outro lugar”. Nesse contexto, o termo teatro faz referência
ao jogo de olhares entre jogadores e espectadores. O círculo mágico, a delimitação
precisa no espaço, constitui, por assim dizer, um dos princípios lúdicos do teatro.

Em nossas aulas de Teatro na Educação, não estamos visando à


formação profissional de atores. O objetivo principal do curso consiste
em desenvolver a capacidade de jogo do alunos. Assim, o aluno será
encarado como jogador muito mais do que como ator. Em relação à
denominação espectador, você poderá utilizar, também, outros termos,
tais como: observador, platéia e público.
Mas voltemos ao jogo de futebol. O foco do jogador é a bola. Seu
objetivo é marcar o gol. Ele está focado nesse objetivo e fica atento à bola.
O jogo apresenta uma série de dificuldades e imprevistos, o que desperta
a nossa atenção e emoção, deixando o nosso coração por um fio. Esse
estado de tensão ou atenção permanente é uma outra qualidade estética
do jogo. Quanto mais difícil ele é, mais tensão sentimos e, quando o
jogador marca o gol – que maravilha! –, uma espécie de prazer percorre
o corpo. Nesse instante, nós gritamos, comemoramos, e uma alegria
incontida se manifesta. A alegria e o prazer são, também, segundo
Johan Huizinga (1996), características estéticas do jogo, talvez as mais
essenciais. Podemos verificar que até mesmo os animais se divertem e
sentem uma espécie de prazer em suas brincadeiras.
Vamos nos lembrar, também, dos malabaristas de circo. Eles
começam a apresentação dos malabares com uma ou duas bolas.
À medida que a apresentação prossegue, eles acrescentam mais uma bola,
depois outra, assim sucessivamente. O grau de dificuldade vai aumentando.
A atenção do jogador se redobra e a do espectador também. O desafio
é, portanto, natural ao jogo. No intuito de superá-los, buscamos novas
soluções, diferentes das que já foram encontradas. O desafio mobiliza todo
o nosso ser, o nosso corpo, ações, sentimentos e pensamento na busca de
uma resolução. O desafio é responsável por estimular a ação lúdica.

16 CEDERJ
Jogo é, portanto, uma experiência sensível, orgânica, que ocorre na

11
esfera do corpo e não na esfera racional, puramente cognitiva. Nenhum

AULA
jogador de futebol interrompe o jogo quando está com a bola no pé e
começa a pensar nas possíveis soluções e jogadas que poderia tomar.
Caso ficasse pensando, raciocinando, perderia a bola para outro jogador.
A escolha é feita a partir da ação, do “saber sensível”, intuitivo, que o corpo
já possui e que será reinventado no momento do próprio jogo. Ele está
totalmente absorvido no que está fazendo. Neste caso, a atenção do jogador
está voltada para o momento presente, para o aqui e agora da ação.
Todo jogo tem, também, uma duração, um início e um fim, ocorrendo
num intervalo de tempo definido. Esta é mais uma característica estética do
jogo: sua duração é efêmera assim como a própria vida.
No jogo teatral, o desafio se apresenta como um problema cênico a
ser resolvido. O aluno-jogador persegue este desafio durante todo o jogo.
Ao mesmo tempo que joga, aprende habilidades teatrais e cria uma forma
expressiva a ser comunicada à platéia que assiste a ele.

!
Durante o jogo, o jogador está focado na solução do problema, que no dizer de
Viola Spolin (1982), arte-educadora norte-americana, recebe o nome de foco de
atenção ou ponto de concentração. O ponto de concentração auxilia o aluno a se
manter concentrado no que ocorre na esfera do jogo. Isto o auxilia a ultrapassar
o sentimento de desconforto inicial provocado pelo fato de estar diante de uma
platéia e a agir de maneira espontânea em cena.

A atenção do jogador, portanto, está focada no momento presente


e em tudo aquilo que acontece no decorrer do próprio jogo. Jogando,
o aluno-ator desenvolve a flexibilidade e a prontidão, habilidades
necessárias ao fazer teatral. Essa urgência ou tensão despertadas pela
busca do objetivo confere à atividade teatral vivacidade, naturalidade,
beleza e prazer. Assim, os alunos aprendem jogando.
Nos jogos teatrais, os grupos de alunos não devem permanecer
discutindo por muito tempo o que acontecerá durante o jogo. A intensa
atividade intelectual inibe o jogo. Os grupos devem apenas rascunhar,
inicialmente, algumas idéias e premissas e, depois, entrar em ação. As
soluções dos problemas cênicos deverão ocorrer durante a ação lúdica
propriamente dita, assim como no exemplo do jogo de futebol.
Todo jogo ocorre a partir de certas regras. Quais são as regras do
futebol? Vamos enumerar algumas. Onze jogadores de um lado, onze de

CEDERJ 17
Artes na Educação | Teatro é jogo

outro. Quando um time joga a bola fora do campo, a bola retorna para o
time adversário; mão na bola é falta; pênalti é falta dentro da área, e assim
por diante. As regras precisam ser seguidas para que o jogo ocorra.
Da mesma maneira, o jogo teatral obedece a certas regras indicadas
pelo professor, pelo diretor ou, ainda, poderão ser criadas pelos próprios
jogadores a partir de uma proposta de trabalho coletivo. As regras são as
mais diversas e sua criação dependerá do problema cênico ou de atuação
indicado pelo professor. Por exemplo, podemos dividir a turma em grupos,
destinando a cada equipe um número certo de jogadores. A comunicação
só poderá ocorrer por meio da linguagem não-verbal, ou seja, nenhuma
palavra poderá ser proferida durante o jogo. A ação deverá ser criada no
espaço vazio, sem auxílio de nenhum objeto. As premissas dependem de
cada jogo e do objetivo cênico que o professor quer trabalhar. É importante
lembrar, entretanto, que, no jogo teatral, apesar de as regras serem fixas,
podem estar, constantemente, sendo reinventadas, criando-se novos
elementos expressivos e novas formas de comunicação com a platéia.
Além disso, como nos esclarece Huizinga (1996), ao obedecer a
certas regras, “o jogo é ordem e cria ordem”, querendo isto dizer que, ao
ser regrado, o jogo confere uma forma expressiva e estética a tudo aquilo
que está sendo criado. O jogo tem uma estrutura significante, através
da qual o homem atribui sentido e significado ao mundo. Ao organizar
formas expressivas, o jogo manifesta certos princípios estéticos, tais
como: beleza, harmonia, ritmo, cadência, continuidade, ruptura etc.
Vocês já repararam? Podemos apreciar o jogo de futebol como se
fosse um jogo de corpos, um balé humano em que a bola é a protagonista.
No jogo há ritmo, suspense, ruptura. Formas são desenhadas no espaço
por meio do deslocamento dos jogadores. Existe uma beleza plástica e
cênica no jogo de futebol, nas jogadas precisas e inusitadas dos jogadores,
não há como negar.
Você ainda está com fôlego? Faça uma pausa. Respire um pouco,
relaxe o corpo, alongue os braços para cima, inspirando. Agora, retorne
os braços para baixo, expirando. Repita esses movimentos e, em seguida,
inspire levantando os braços. Agora, procure alongá-los ao máximo, para
cima, como se fosse colher uma maçã na árvore e, num impulso só, dobre
o tronco para baixo como se fosse colocar a maçã dentro de um cesto de
palha aos seus pés. Solte os braços. Dobre um pouco o joelho ao abaixar
o tronco. Alongue as pernas e permaneça com o tronco dobrado para

18 CEDERJ
baixo. Relaxe os ombros e a cabeça nesta posição. Solte o peso do seu

11
tronco e de sua cabeça para baixo, relaxando todo o seu corpo. Perceba

AULA
a sua respiração. Volte, desenrolando a coluna, como se fosse uma cobra.
A cabeça é a última a voltar. Torne o seu corpo consciente, ativo. Então,
vamos adiante, ainda temos alguns aspectos interessantes a abordar.

O jogo, ao ocorrer dentro de espaço e tempo definidos, cria um


intervalo em nossa vida cotidiana, instaurando uma outra realidade,
paralela, diferente da vida corriqueira. Por exemplo, ao assistirmos a
um jogo de futebol ou ao ouvirmos uma música, somos transportados
para uma outra esfera. Esquecemo-nos de nossos deveres e compromissos
diários e deixamos até mesmo nossas preocupações de lado. Puxa, que
alívio!!! Pois então, o jogo nos coloca dentro de uma outra realidade?
Quando o jogo ou a música termina, pronto, voltamos ao cotidiano.
Retomamos nossas ações diárias e seguimos em frente.
No teatro, ocorre a mesma coisa. Durante o jogo teatral, um
universo ficcional e poético é criado. Você se lembra de nossa primeira
atividade: “O que estou tocando?”. Nela, uma nova realidade foi criada,
uma “realidade paralela”, ou seja, uma realidade cênica. Enquanto o
jogo se realiza, jogadores e espectadores acreditam no que está sendo
proposto, comprovando a cumplicidade de uma experiência entre eles.
Assim sendo, no teatro, um mundo imaginário é criado e compartilhado
por todos. Para que o teatro exista, é necessário dar um certo grau de
credibilidade ao que está sendo proposto, a esta “mentira ou fingimento”.

CEDERJ 19
Artes na Educação | Teatro é jogo

Assim, quando a cortina é aberta, as batidas no chão anunciam o início do


espetáculo, os atores entram em cena ou a ação se inicia, vislumbramos
um outro universo, diferente da vida comum.
Dessa maneira, segundo Huizinga, o jogo tem uma função
simbólica e poética. Jogando, criamos novas imagens, novos símbolos,
reinventando e redimensionando nós mesmos e o mundo.
Você pode me perguntar: “Onde está a imaginação no jogo de
futebol? Ele não cria uma realidade ficcional”. É verdade. No entanto,
podemos dizer que a imaginação está presente no jogo de futebol, ainda
que não esteja explícita como no jogo teatral. O jogador, no entanto,
ao fazer uma nova jogada, utiliza a sua imaginação, antecipa, prevê,
intui, levanta hipóteses. Essa é uma das características da imaginação.
O homem, antes de ir à Lua, imaginou o foguete, o seu funcionamento,
levantou hipóteses sobre as condições atmosféricas e o solo lunar, fez
previsões, traçou cenários e, só depois, tornou possível esta conquista.
Mirian Celeste Martins comenta a importância do papel da
imaginação no aprendizado da arte, reconhecendo que a criança, no
decorrer do processo criativo, levanta hipóteses para sua ação, testando
concretamente suas idéias e imagens internas:

A imaginação é também um modo de conhecer. Quando a criança,


em seu pensamento projetante, maneja a matéria – massinha, lápis e
papel, tecidos, roupas, sons – e cria no contato com ela, a imaginação
criadora se desvela. Uma imaginação que é também capaz de antecipar,
antever, pois imaginar é também levantar hipóteses para sua ação.
É exercitando esse pensar imaginativo que podemos encontrar soluções
inovadoras e ousadas, seja no campo da ciência, seja no da arte.
Valorizar o repertório pessoal de imagens, gestos, “falas”, sons,
personagens, instigar para que os aprendizes persigam idéias, respeitar
o ritmo de cada um no despertar de suas imagens internas são aspectos
que não podem ser esquecidos pelo ensinante de arte. Essas atitudes
poderão abrir espaço para o imaginário (MARTINS, 1999, p. 117).

Vamos retomar a temática do jogo e de seus princípios estéticos?


O jogo tem caráter voluntário. As pessoas jogam por livre e espontânea
vontade, pois esta é uma atividade atraente e prazerosa. Ninguém joga
por obrigação. Se uma pessoa entra no jogo com esta atitude, há duas
possibilidades: ou o jogo não avança ou o estado interno da pessoa se
modifica e ela se envolve diretamente na ação lúdica, começando, realmente,
a jogar. Além disso, o jogo pode ser suspenso a qualquer hora.

20 CEDERJ
Por último, o jogo tem, também, um caráter desinteressado.

11
Ele tem um fim em si mesmo, ou seja, uma estrutura autônoma. Não

AULA
jogamos para adquirir algo, cumprir uma tarefa ou aprender um
conteúdo específico. O jogo, segundo Huizinga, não tem uma dimensão
prática. Essa função objetiva da ação lúdica pode ser entendida como
um aspecto secundário do jogo, como uma estratégia humana, porém
não faz parte da natureza do jogo em si. Não podemos defini-lo segundo
este princípio, pois ele foge a qualquer conceituação. Jogamos por jogar,
exatamente porque o jogo desperta em nós a alegria e o divertimento,
porque é uma forma de celebração da vida, da força e da energia humana
de transformação. O jogo aproxima-se, portanto, da experiência estética
que é desinteressada, voluntária e livre.
Para qualquer jogo existir, as qualidades estéticas mencionadas
devem estar presentes. Somente por meio delas podemos compreender
o jogo e presenciar o seu desenrolar. São estas qualidades que atribuem
ao jogo teatral e ao jogo de futebol o seu caráter estético e sensível.
No teatro, essa experiência é imprescindível. O fazer e o apreciar
teatral se fundam na experiência do prazer estético, e é por meio dele
que o aluno amplia sua capacidade de sentir, tornando-se consciente do
seu potencial de realização e transformação do mundo e da vida.

ATIVIDADE

3. Releia o item “Os princípios lúdicos do teatro” e enumere, no espaço


abaixo, de forma resumida, as características estéticas do jogo teatral.
Procure, depois, lembrar-se de algum outro jogo que você conheça,
identificando nele essas mesmas características.
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CEDERJ 21
Artes na Educação | Teatro é jogo

RESPOSTA COMENTADA
Ao reconhecer no jogo uma realidade autônoma, independente,
distinta de qualquer outra atividade da “vida comum”, Huizinga (1996)
aproxima o jogo do domínio da estética, esclarecendo que este resiste
a qualquer análise racional, podendo ser descrito apenas pelo estudo
de suas características formais. Dentre elas, destaca a intensidade, a
tensão ou a incerteza, o prazer, a alegria, o divertimento, a atividade
voluntária, o caráter desinteressado, a delimitação do jogo em limites
de tempo e espaço, a criação de uma realidade cênica diferente da
vida habitual, o caráter fictício ou representativo e a sujeição do jogo
a uma certa ordem ou a certas regras.
Na escola, a beleza do jogo teatral encontra-se diretamente
relacionada a essas características formais. A observância desses
princípios em sala de aula garantem ao jogo teatral sua autenticidade,
seu caráter vivo e orgânico. Caso contrário, os exercícios teatrais
propostos pelo professor não disporão de nenhum significado lúdico,
servindo apenas como recurso para o aprendizado de habilidades ou
a fixação de conteúdos e hábitos. A partir de uma abordagem lúdica,
reasseguramos, ao mesmo tempo, dentro da escola, uma relação
pedagógica significativa tanto para o aluno quanto para o professor,
transformando o ato de ensinar e de aprender teatro um processo
de criação. Trata-se, portanto, de identificar, durante a realização do
jogo teatral na escola, a presença dessas qualidades e verificar o
seu significado para a criação e a leitura da teatralidade.

CONCLUSÃO

Procure ficar atento e reconhecer as qualidades lúdicas ou


estéticas do jogo nas diferentes brincadeiras que ocorrem ao seu redor.
Por exemplo, procure identificá-los no jogo de amarelinha ou em outro
qualquer. Aos poucos, você irá se familiarizando com essas qualidades
e ficará mais fácil praticar e apreciar o jogo teatral.
Quando você for aplicar um jogo teatral com os alunos, em sala
de aula, procure estar presente, de corpo inteiro, vibrando com eles,
estimulando-os em sua capacidade de jogo e, acima de tudo, respeitando
aquele que ainda teme ou “desconfia” de sua própria capacidade. Você
também poderá participar de alguns jogos com os alunos. Eles se divertem
vendo o professor jogando.

22 CEDERJ
Vá se familiarizando, também, com o vocabulário da linguagem

11
teatral. Escreva esses termos, em seu portifólio, e procure definir os

AULA
seus significados. Tenha tranqüilidade. Talvez você esteja entrando em
contato com um universo completamente diferente. Vá com calma, sem
ansiedade, porque a ansiedade dificulta o sentir. Reflita, pense, reinvente
e desdobre o saber que você vem adquirindo neste curso, procurando
relacioná-lo a situações que ocorreram ou que ocorrem em sua vida
diária e em sua prática escolar.

ATIVIDADE FINAL

Observe o quadro e enumere os jogos que você conhece. Já brincou assim


na sua infância? Reconhece esses jogos nas brincadeiras atuais das crianças?
O recorte a seguir destaca o jogo da cabra-cega. Relacione-o com o que você
aprendeu sobre teatro. Como transformá-lo num jogo teatral?

CEDERJ 23
Artes na Educação | Teatro é jogo

RESPOSTA COMENTADA
Jogos infantis é um quadro de Peter Brueghel (1525-1569), datado de
1560. Nesse quadro, Brueghel, pintor flamengo, fornece um painel dos
múltiplos jogos realizados em sua época, mostrando o caráter universal
da brincadeira infantil. São cerca de 80 jogos populares; alguns deles,
contudo, já desapareceram, mas muitos chegaram até nós, sendo
transmitidos oralmente de geração a geração.
Você gostou de apreciar o quadro? Quantas brincadeiras enumerou?
Certamente, você já se divertiu com muitas delas. Vamos rever juntos
alguns dos jogos conhecidos ainda hoje: pula-carniça, pegador,
amarelinha, três Marias, perna-de-pau, “Maria Cadeira”, cabra-cega,
jogo-de-guerra, cavalinho-de-pau, pião, siga o chefe, trenzinho,
cambalhota, equilibrando o cabo da vassoura, esconde-esconde etc.
Você notou que o teatro está, também, representado no quadro pela
presença de pequenas dramatizações? Observe, ao centro, uma cena
de casamento e, à esquerda, próxima ao edifício, uma cena de batismo
– uma fila de crianças e o chefe, à frente, levando nos braços um bebê
de pano. No segundo andar do mesmo prédio, você poderá observar,
ainda, uma criança brincando com uma máscara na janela.
As brincadeiras infantis são uma fonte rica para o aprendizado do
teatro. Em conseqüência dos novos modos de vida contemporâneos, a
criança perde cada vez mais espaço para o lúdico. Que criança brinca,
atualmente, na rua como antigamente? Como andam os parques
infantis? Cercados, gradeados. É preciso recuperar a cultura dos jogos
infantis e populares: as canções, regras e movimentos gestuais. É preciso
trazer à memória os jogos de infância, ensiná-los aos alunos. Pode-se,
ainda, transformá-los em motivo cênico ou em jogos teatrais.
Como podemos fazer isto, a partir do jogo da cabra-cega?
Vamos seguir a trilha percorrida por outros mestres brasileiros em relação
à teatralização dos jogos tradicionais infantis, como as professoras Ingrid
Dormien Koudela e Maria Lúcia de Souza Barros Pupo, ambas da
Universidade de São Paulo e, mais recentemente, do professor Ricardo
Japiassu, da Universidade do Estado da Bahia, que desenvolve no livro
Metodologia do ensino do teatro uma proposta didática e um guia de
jogos teatrais para as séries iniciais do Ensino Fundamental.
Podemos transformar o jogo tradicional infantil em jogo teatral,
primeiramente, introduzindo a platéia. Para isso, é necessário dividir a
turma em duas equipes. Uma irá jogar e outra irá somente observar.
Durante a aula, as duas equipes se alteram, trocando-se, desta forma,
os papéis. Conseqüentemente, é preciso delimitar a área de jogo ou o
círculo mágico do teatro.
Pode-se acrescentar, também, a sugestão de uma nova regra. Os
jogadores, incluindo o cabra-cega, terão de agir como se fossem ratos
famintos, cobras gordas, tartarugas apressadas ou, ainda, pessoas velhas,
ou alguém que esteja apertado para ir ao banheiro, e assim por diante.

24 CEDERJ
As sugestões podem ser anunciadas e alternadas pelo próprio professor,

11
durante o jogo. Poderão, também, ser propostas pelo jogador cabra-cega.

AULA
Quando o cabra-cega pegar alguém, proporá um novo papel, em voz
alta, e o jogo recomeçará.
A outra equipe de alunos, a platéia, terá a função de observar se os
jogadores estão mantendo a atenção no problema proposto. Como
nos aconselha Viola Spolin (1982), verificar se o ponto de concentração
está sendo mantido, ou seja, se o desafio permanece presente.
Ao final do jogo, durante a avaliação, o professor poderá perguntar
à platéia: “Os jogadores agiram a partir dos papéis propostos? A expressão
do corpo se modificou? Que sons surgiram? Estes sons auxiliaram
a comunicação? É complicado agir de acordo com um determinado papel
e ter de manter as regras da cabra-cega? Por quê?” (JAPIASSU, 2001).
A avaliação do jogo é feita de forma objetiva, em torno de critérios
definidos, relacionados ao teatro e à sua expressão. Durante a avaliação,
não é recomendável a utilização de críticas ou julgamentos de aprovação
ou desaprovação, pois, como nos recomenda Spolin (1982, p. 8), “(...)
a verdadeira liberdade pessoal e a auto-expressão só podem florescer
numa atmosfera onde as atitudes permitam a igualdade entre o aluno e
o professor”. Em momento, oportuno, falaremos mais sobre esse ponto.
Cabra-Cega está diretamente relacionada ao saber sensível necessário ao
fazer e apreciar teatro. Os olhos fechados aguçam a percepção estética.
O jogador fica mais atento à audição, ao tato, aos cheiros, a toda atmosfera
de sons, ruídos, toques, aromas que lhe chegam durante a brincadeira.
No quadro de Brueghel, Jogos infantis, você poderá perceber que o espaço
ganha dinamismo e plasticidade pelo movimento dos corpos das crianças
que brincam e pela distribuição dos pequenos agrupamentos. Observe
como o espaço está quase todo ocupado. A rua está em festa, repleta de
gente, sendo, portanto, local de encontro e alegria.
Assim como nas artes plásticas a pintura ganha dimensão pela exploração
dos diversos elementos expressivos que compõem a sua linguagem, a
teatralidade, ou seja, a expressividade, no teatro, é esculpida pela expressão
dos corpos, cores, sons, roupas, texto, luzes, objetos e movimentos no
espaço. No teatro, porém, o espaço cênico não é o espaço bidimensional
da tela, mas o espaço físico tridimensional da ação lúdica.
Então, para transformar, de forma mais clara, o jogo infantil em jogo teatral,
na sala de aula, é interessante seguir as sugestões propostas, como, por
exemplo, dividir a turma em duas equipes: jogador e espectador e introduzir
situações dramáticas ou imaginárias, enriquecendo assim mais o jogo.
O professor tem total liberdade para reinventar os jogos, para criar novas
regras. Não perca, portanto, o objetivo da aula: o ensino do teatro e seus
processos criativos.

CEDERJ 25
Artes na Educação | Teatro é jogo

RESUMO

O saber teatral é de natureza sensível. O ensino do teatro não pode ocorrer apenas
no nível teórico. Devem-se experimentar as sugestões propostas. Só assim você
poderá incorporar tal saber: “Incorporar significa precisamente trazer ao corpo,
fundir-se nele: o saber constitui parte integrante de quem o possui, torna-se uma
qualidade sua” (DUARTE, 2001, p. 14). No mundo contemporâneo, as atividades
humanas tornam-se cada vez mais mecânicas. Cabem à Educação e à Arte estimular
o saber sensível, nutrindo os sentidos, refinando a percepção estética.
O teatro tem uma natureza lúdica que se aproxima do domínio da Estética e,
portanto, resulta num saber sensível, direcionado para o sentir. Teatro é jogo.
O jogo teatral é o fundamento básico do teatro contemporâneo, tornando-se,
desse modo, expressão de uma experiência humana viva e significativa. Pode ser
reconhecido por suas qualidades estéticas, como a ordem, a harmonia, o ritmo
e a beleza provenientes de determinadas regras. O jogo teatral ainda ocorre
dentro de um intervalo de tempo e espaço definidos. A ação lúdica no teatro
está diretamente direcionada a uma platéia. Ele tem um caráter desinteressado
e voluntário, além de despertar prazer, alegria e tensão, definidas por Huizinga
como características formais ou estéticas.
Além disso, o jogo teatral é a expressão de uma realidade cênica, ficcional, um
universo simbólico rico em metáforas e poesia.

INFORMAÇÕES SOBRE A PRÓXIMA AULA

Para ser dito em tom de suspense... Não perca! Não perca a próxima cena
desta aventura teatral: “Teatro é linguagem”. Nela, você e eu iremos descobrir
juntos os segredos da linguagem teatral, sua importância para o pensamento
contemporâneo do teatro na Educação e, ainda, conhecer os elementos expressivos
desta linguagem. Aproveite as dicas e sugestões e até a próxima aula.

26 CEDERJ
LEITURAS RECOMENDADAS

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AULA
JAPIASSU, Ricardo. Metodologia do ensino do teatro. Campinas,SP: Papirus, 2001.
Esse livro faz um apanhado das principais abordagens pedagógicas do Teatro na
Educação, além de desenvolver uma didática para o ensino do teatro dirigido,
especialmente, às séries iniciais, fundamentada nos pressupostos teórico-práticos
do sistema de jogos teatrais formulado por Viola Spolin.

SPOLIN, Viola. Improvisação para o teatro. São Paulo: Perspectiva, 1982.

Essa obra é uma referência indispensável a todos aqueles que desejam ensinar
teatro. Viola Spolin, educadora norte americana, na década de 1960, sistematizou
um método de jogos teatrais bastante objetivo e prático, direcionado ao ensino
da linguagem teatral. Nesse livro, Spolin expõe os pressupostos básicos do ensino
do teatro e fornece um guia de jogos teatrais.

CEDERJ 27
12
AULA
O teatro é linguagem
Meta da aula
Demonstrar a importância da
linguagem teatral para o
ensino do teatro na Educação.
objetivos

Esperamos que, ao final desta aula, você seja capaz de:


• identificar os elementos da linguagem teatral;
• reconhecer a natureza do signo teatral;
• distinguir as concepções moderna
e contemporânea a respeito do ensino
do teatro na Educação.
Artes na Educação | O teatro é linguagem

INTRODUÇÃO Você está curioso? Pronto para embarcar nesta nova aventura? Então, aperte o
cinto e vamos em frente. Nesta aula, descobriremos os segredos da linguagem
teatral, seus elementos expressivos e sua importância para o pensamento
contemporâneo do ensino do teatro na Educação.
Certamente, você já viu ou participou de algum evento na escola, de alguma
festa em que o teatro esteve presente. Tente recordar este momento. Como
eram essas pequenas apresentações? Que recursos foram utilizados? Sobre
o que tratava a história da peça? Talvez você também se lembre de que, na
escola, a professora, com o objetivo de ilustrar determinado tema da aula de
História, tenha recorrido ao teatro. Em que outras circunstâncias o teatro esteve
presente na sua vida escolar? Ele surgia como um elemento novo, um elemento
surpresa diante da monótona rotina escolar? Qual era o seu sentimento em
relação a esses eventos?
É verdade; o teatro é mesmo um instrumento lúdico e gostoso para ensinar
e aprender os conteúdos de outras disciplinas. E mais: por meio do teatro, o
aluno também pode desenvolver hábitos e habilidades. Quanta utilidade tem
o teatro! Ele é realmente um instrumento valioso para a Educação.
Você, no entanto, deve estar curioso e se perguntando: “Mas, afinal de contas,
qual a relação do teatro com a linguagem?”. Antes disso, porém, um pouquinho
mais de suspense. Vamos rever juntos alguns momentos importantes da história
do teatro na educação brasileira.

ERA UMA VEZ...

... um jesuíta espanhol conhecido como Padre José de Anchieta. Ele


veio de Portugal para o Brasil, logo após o Descobrimento, no século XVI.
Ficou famoso em sua época e, até hoje, é lembrado pelos inúmeros autos
religiosos que escreveu e encenou. O teatro jesuítico, como é chamado,
cumpria uma função didática. Era um meio interessante e lúdico de
catequizar os índios, que adoravam a dança, a representação e a música.
O teatro era utilizado, portanto, como uma ferramenta para transmitir aos
índios a religião católica. Podemos dizer, então, que as manifestações teatrais,
no Brasil, vincularam-se, desde o início, a um contexto educacional.

30 CEDERJ
12
Um pouco de história
Sou conhecido como Padre José de Anchieta (1534-1597). Fui

AULA
também apelidado o “Apóstolo do Brasil” pela admirável
tarefa de cristianização dos índios. O teatro jesuítico foi um
instrumento de catequese. Aliás, um veículo mais ameno
e agradável do que o discurso árido dos sermões religiosos.
Escrevi e encenei diversos autos religiosos, dentre eles: Auto
da Pregação Universal, Quando, no Espírito Santo, se recebeu
uma relíquia das Onze Mil Virgens, Dia da Assunção, Na festa
de São Lourenço, Na festa de Natal.
Você conhece algum auto religioso? Certamente, já viu o Auto
da Compadecida, de Ariano Suassuna, uma comédia que retrata
o povo nordestino e explora a temática da injustiça social.
É um auto moderno, bastante divertido, bem diferente dos
autos que escrevi em minha época. No entanto, pertencem à
mesma tradição religiosa medieval.
Os autos são peças teatrais de caráter religioso, que contam a
história da vida dos santos, representam os milagres, retratam
a luta entre o bem e o mal, o pecado e a verdade, segundo a moral cristã.
Na Festa de São Lourenço, considerado o auto mais complexo e rico de minha autoria, o personagem do índio
Guaixará, inimigo temido pelos portugueses na vida real, personifica o diabo, a força do mal. Ele deseja disseminar
os vícios na aldeia, ou seja, conservar os velhos costumes indígenas, tais como a bebida do cauim, o hábito do fumo
e a prática do curandeirismo. O virtuoso São Lourenço, guardião valente, sai em defesa de todos, lembrando que
o arrependimento e o caminho do bem podem salvar e instaurar a paz na aldeia.
Assim como na Idade Média, os autos jesuíticos tinham um caráter festivo, eram realizados em datas especiais,
comemorativas e mobilizavam toda a aldeia. Só mais uma curiosidade: meu teatro foi escrito em três línguas diferentes.
Em uma mesma peça, diálogos são travados ora em português, ora em castelhano ou tupi (MAGALDI, 1997).

Tempos depois, ao longo da história do teatro brasileiro, mais


exatamente no século XVIII, o teatro se infiltrou na escola como atividade
conservadora e moralizante. Correspondendo aos interesses de um ensino
tradicional, que se caracterizava por apresentar, principalmente, um
caráter conteudístico e centrar suas atividades de ensino, a prática do
teatro na escola visava, antes de tudo, ao produto, à encenação de um
clássico, ao desenvolvimento da língua pátria, ao conhecimento erudito
e ao acesso à literatura, deixando de lado seu caráter lúdico. O jogo não
fazia parte das atividades pedagógicas, e o teatro, na escola, se submetia
ao jugo da cópia e da reprodução.
Com a introdução da Escola Nova Brasileira, na década de 1920, os
jogos dramáticos começaram a ser aplicados na Educação. Correspondendo
aos princípios de uma educação ativa, que enfatizava a atividade da criança
no processo criativo, o teatro e o jogo se tornaram estímulos valiosos para
o desenvolvimento psicológico e social do aluno. Os jogos dramáticos
eram utilizados para estimular a livre expressão, a criatividade, a memória,
habilidades em geral e, também, o aprendizado didático de outras disciplinas
do currículo, tais como História, Geografia, Português etc.

CEDERJ 31
Artes na Educação | O teatro é linguagem

A tentativa de associar o jogo ao teatro e à Educação nasce de


maneira empírica e pode ser reconhecida no pioneirismo de Olga Reverbel,
que iniciou sua carreira acadêmica em 1936, como professora primária.
Diante do fracasso ao alfabetizar sua primeira turma de 64 alunos, ela
encontrou no teatro um novo caminho para ensinar a ler e escrever.
Reverbel (1979, p. 9), em Teatro na sala de aula, sob uma base
conceitual modernista, afirma que o objetivo do teatro na Educação
“é o de favorecer a auto-expressão, oferecendo meios para que,
gradativamente, se desenvolvam a espontaneidade, a imaginação, a
percepção e, conseqüentemente, a criatividade”.
Durante muitos anos, o teatro na escola foi uma atividade realizada
assistematicamente, ou ocorria segundo o interesse pessoal de alguns
educadores. Não havia valorização do ensino da arte nas escolas, mas a partir
da Lei de Diretrizes e Bases da Educação 5.692/71, a disciplina Educação
Artística passa a ser obrigatória dentro do currículo escolar. Até aquele
momento, no entanto, não havia, dentro dos quadros oficiais das escolas,
professores especializados em ensinar Artes. A solução foi, então, direcionar
profissionais de outras matérias para lecionar Educação Artística.
Para atender a essa demanda, o Governo Federal criou os cursos
de licenciatura curta, cujo ensino era polivalente. O professor, durante
dois anos, aprendia um pouco sobre cada linguagem artística, o que não
lhe permitia, no entanto, o domínio de uma arte específica.

A Escolinha de Arte do Brasil, fundada por Augusto Rodrigues, em 1948, na cidade


do Rio de Janeiro, teve importante papel na formação de inúmeros profissionais e
professores ligados à Arte na Educação no Brasil. Foi um centro educacional e cultural
de enorme valor. Com o intuito de promover a educação através da arte, reuniram-se
na Escolinha artistas de diversas áreas, dentre eles, Noêmia Varela, Cecília Conde, Ilo
Krugli e Fayga Ostrower.

A partir de 1973, surgiram os cursos de licenciatura plena em


Educação Artística, dentre eles um direcionado especificamente ao ensino
das Artes Cênicas, o que significou um avanço, em todos os sentidos, para
o desenvolvimento do teatro na Educação.
Hoje em dia, encontramos um professor bem mais preparado para
ensinar teatro, pois valoriza a livre expressão, a criatividade, a espontaneidade
reconhecendo e promovendo, junto aos alunos, a reflexão em torno da
linguagem teatral e o seu significado para a vida. Agora, convido você a
compreender esta nova perspectiva do teatro na Educação.

32 CEDERJ
O TEATRO E SUA LINGUAGEM

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O teatro é, antes de tudo, uma linguagem com valor artístico. Como

AULA
toda “língua do mundo”, a linguagem teatral tem elementos gramaticais,
códigos e signos que precisam ser apreendidos para serem decodificados
e reinventados. No decorrer do curso, vamos nos ater a esses elementos,
perceber como eles podem ser manipulados e organizados para a criação
de um conjunto expressivo e rico em teatralidade.
A partir dessa perspectiva, a prática do teatro na Educação dá um salto
qualitativo. A ação pedagógica deixa de estar vinculada, exclusivamente,
ao aspecto utilitário do teatro, mas reafirma o seu caráter estético pela
compreensão e o estudo dos princípios que orientam a sua linguagem. Desse
modo é possível concluir que, as atividades teatrais têm um fim em si mesmas
e um sentido estético próprio, veiculado ao prazer de fazer ou ao próprio
ato de inventar, independente de sua função ou utilidade.
Neste sentido, o teatro na educação não pode ser visto apenas como
um instrumento ou ferramenta. É preciso reconhecê-lo no seu potencial
artístico e, portanto, transgressor, como forma de conhecimento capaz de
mobilizar no aluno uma compreensão mais profunda em relação a si mesmo
e ao mundo.
Para isso, é importante reconhecer o jogo teatral em sua essência, em
seus elementos expressivos e estéticos, em sua capacidade de articulação,
ressignificação e comunicação dos códigos e signos específicos à sua
linguagem. Por meio da prática do jogo teatral na escola e de sua linguagem,
podemos refletir sobre questões pertinentes a nosso modo de ser no mundo,
entrar em contato, de forma mais profunda, com o universo humano e
existencial de nossos alunos, conhecer seus sentimentos e pensamentos a
respeito da vida.

A criação do signo teatral

Para entender o teatro como linguagem, gostaria de lembrar que


a feitura ou a forma do jogo teatral nos remete, primeiramente, ao faz-
de-conta infantil. Lembre-se de uma situação de sua infância em que o
faz-de-conta esteve presente. Nesse jogo, estão contidos alguns elementos
da linguagem teatral: o personagem, o "como se", a criação de um lugar e
situações ficcionais. No entanto, o jogo do faz-de-conta infantil se diferencia,
do teatro, como linguagem, por não conter uma intencionalidade em suas
ações, como veremos a seguir.

CEDERJ 33
Artes na Educação | O teatro é linguagem

O jogo simbólico é característico do faz-de-conta, ocorrendo,


de acordo com Piaget, por volta do segundo ano de vida, ou seja, no
momento em que a criança começa a desenvolver a linguagem falada.
Antes disso, porém, a criança já se comunicava por meio de gestos e sons,
como nos primórdios do desenvolvimento do homem pré-histórico.
No jogo simbólico, a criança começa a formar símbolos, a
representar a realidade por meio de palavras, a substituir um objeto por
outro, atribuindo-lhe um novo sentido. Nesse período, o pensamento da
criança é livre e mágico. Rapidamente, pode se deslocar da Terra para
a Lua, e “ai de quem duvide dela”.
Sabemos que, diferentemente do faz-de-conta infantil, a criação
de símbolos, no teatro, é seguida de uma ação intencional. Por quê? No
teatro, o personagem, o gesto, o espaço, os objetos são explorados e
recriados, de maneira intencional, e possuem um valor artístico e estético.
No processo criativo em teatro, por meio dos jogos teatrais, o aluno
toma consciência, gradativamente, do seu gesto e de sua expressividade.
O faz-de-conta que, originalmente, é realizado longe dos olhos da platéia,
ganha, agora, uma intencionalidade e, também, uma direção, o desejo
de ser comunicado e compartilhado com a platéia.
Por meio dos jogos teatrais, o aluno aprende, paulatinamente,
a pesquisar e a explorar o seu corpo e a torná-lo expressivo. Também
passa a pesquisar os espaços, os objetos, as roupas, o personagem, a luz, o
som, a voz, o texto e o cenário, transformando cada um desses elementos
da linguagem teatral em signos artísticos, atribuindo-lhes uma imagem
poética. Neste sentido, o fazer teatral é acompanhado de um trabalho
intenso de pesquisa, de seleção, de experimentação e ressignificação,
próprios da criação artística.
Vejamos, agora, o que Maria Lúcia Pupo nos ensina sobre o signo
teatral e a construção do sentido no teatro.

Nas últimas décadas, a análise de como se produz a significação,


ou as significações no teatro, vem ganhando um impulso
particular a partir da configuração gradativa de um novo campo
de conhecimento, a semiologia teatral.

(...) Assim, sabemos que um signo teatral, presença que representa algo,
comporta um significante – seus elementos materiais –, um significado
– seu conceito – e um referente, objeto ao qual remete na realidade.

34 CEDERJ
Essa distinção entre o significado e significante, no entanto, longe de

12
ser um atributo exclusivo da situação teatral, já aparece em torno

AULA
do segundo ano de vida, em uma atividade comum às crianças de
toda e qualquer cultura e condição social: o brinquedo do faz-de-
conta. Ao deslocar a lata fazendo “bi-bi...”, ou ao andar na ponta
dos pés como quem usa saltos altos, a criança opera uma distinção
entre o significado (carro, sapatos de saltos altos) e o significante
(lata, pés elevados). Tal distinção indica que ela está sendo capaz
de operar com a noção de representação, ou seja, já é capaz de
tornar presente algo que não está diante de si. O faz-de-conta e
a aquisição da linguagem constituem as primeiras manifestações
da função simbólica, que, ao longo do desenvolvimento, irá se
ampliando em direção ao pensamento abstrato.

(...) A substância da expressão dos signos teatrais, como se sabe,


é bastante heterogênea e o exame da articulação entre eles nos
auxilia a compreender o funcionamento da dimensão lúdica em
cena. Contrariamente ao cinema, onde todos os signos são emitidos
através de um único suporte, a fita, o acontecimento teatral nos
oferece signos manifestados mediante diferentes materialidades,
configurando aspectos tão diversificados quanto a iluminação, o
cenário, o movimento do corpo do ator, o que ele diz, os sons que
se fazem presentes e assim por diante.

No que diz respeito, por exemplo, à duração da sua presença,


os signos teatrais também são bastante variáveis. Alguns podem
permanecer do início ao final da representação, como aqueles
ligados à espacialidade. Outros, como aqueles vinculados à
gestualidade do ator, tendem a ter caráter efêmero. Assim, um
mesmo significado, ponte, pode ser concretizado em cena através de
diferentes significantes: telão pintado, dispositivo de tipo praticável,
postura do jogador no espaço, música, etc. Inversamente, o teatro
de nossos dias tem sabido tirar proveito do fato de um mesmo
significante poder remeter a vários significados: uma caixa de
papelão em cena pode significar tanto um armário, quanto uma
gruta, ou um barco (PUPO, 2001, pp. 182-183).

A dimensão lúdica e poética da atividade teatral fica aqui, mais


uma vez, evidenciada. O signo teatral surge, portanto, do mesmo
mecanismo simbólico utilizado pela criança no faz-de-conta infantil,
no qual opera-se uma distinção entre o significante e significado, dando
origem à representação.

CEDERJ 35
Artes na Educação | O teatro é linguagem

ATIVIDADE

1. Baseando-se no depoimento de Denise Stoklos, genial artista brasileira


da atualidade, atriz, diretora, escritora e produtora do próprio espetáculo,
identifique os elementos da linguagem teatral presentes na sua pequena
performance infantil e comente, por escrito, a maneira que ela encontrou
de explorá-los teatralmente.

Desde muito pequena, percebi que estar viva era a


possibilidade de transmitir cenicamente o que me
impressionava. Em casa tinha o ambiente perfeito. Na minha
mãe performática energética de berço, no meu pai libertário,
a estimular a escolha pessoal de caminhos. Minha família
sempre suporte, em todos os momentos, e sempre meu
melhor público, assistia a minhas encenações domésticas
e ria, aplaudia, pedia bis. Uma família de muito humor,
crítica, original, amorosa e unida. Um dos números de maior
sucesso era a minha representação de pipoca estourando
na panela. Eu me atirava pela cozinha toda, transformava a
cozinha em panela, eu em pipoca e representava estouro.
Era uma correria e muita gargalhada. Representava também
uma imaginária caminhoneira que enchia os pneus de seu
caminhão a sopro, e descrevia os colegas. Assumia vários
personagens. Depois de assistir a filmes de cowboy, eu
voltava para casa e representava em uma mesma cena o
mocinho, o cavalo e o bandido. Produzia sozinha o evento
teatral com objetos que achava necessários e nunca partia de
adereços; o cerne era a possibilidade de desdobramento dos
instrumentos que me expressavam: o som e a massa (isto é:
a voz e o corpo), isto é, a musicalidade e o dimensionamento
do espaço (STOKLOS, 1993, p. 38).
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RESPOSTA COMENTADA

AULA
O depoimento de Denise Stoklos é uma recordação de infância e,
naturalmente, está permeado pelo saber atual da autora sobre o
teatro. Ainda assim, por meio dele, podemos perceber que, desde a
infância, Denise contava com uma compreensão intuitiva dos
elementos da linguagem teatral com que jogava. Ela mantinha
sobre eles uma intencionalidade, e suas ações estavam direcionadas
para o seu pequeno público familiar.
Denise se envolve corporalmente com todo o espaço. Ela é a pipoca e
a cozinha é a panela. Ela pula de um lado para outro, dimensionando
o espaço, ou seja, a realidade cênica. A cozinha é o seu campo de
jogo, compartilhado com a platéia que, por sua vez, também corre
por todo o espaço e se diverte. Existe uma cumplicidade direta
de Denise com o público, o que pode ser comprovado, quando
verificamos que ele participa ativamente da ação lúdica, entrando e
saindo dela à medida que a cena prossegue. A artista, desta maneira,
explora o espaço, o corpo, objetos e todos os recursos disponíveis
no momento, transformando-os em elementos expressivos, ou seja,
em signos teatrais.
No texto, ela diz que o número da pipoca era o que mais agradava
a todos, deixando supor que costumava repeti-lo vez ou outra.
A repetição do jogo, certamente, permitia a ela o conhecimento
progressivo e intencional dos elementos teatrais, proporcionando
a oportunidade de pesquisar e encontrar os melhores meios de
provocar o efeito teatral e o interesse da platéia.
Denise frisa, no depoimento, que não faz uso de nenhum adereço.
Por meio do corpo e da voz, unicamente, cria e recria toda uma
realidade cênica, imaginária, projetando-a no espaço. O espaço
é, desta forma, esculpido por seus gestos, movimentos e voz. Ao
final do depoimento, ela afirma: “O cerne era a possibilidade de
desdobramento dos instrumentos que me expressavam: o som e a
massa (a voz e o corpo), isto é, a musicalidade e o dimensionamento
do espaço”. Quando assistimos aos espetáculos dessa atriz, é
interessante perceber que, para ela, a essência do teatro está, até
hoje, nesta possibilidade de desdobramento do corpo e da voz no
espaço. Se, um dia, você tiver a oportunidade de assistir a ela, não
perca. Vale a pena. Em seu espetáculo, você terá uma aula sobre a
dimensão lúdica do teatro.
Pode-se afirmar, então, que Denise, em sua infância, cria cenas que
se situam na esfera do jogo teatral. Pela prática do jogo teatral na
escola, o aluno aprende, gradualmente, a diferença entre a simples
brincadeirinha e o universo do teatro. Começa a se familiarizar com
os elementos da linguagem teatral e a pesquisar novos meios de
transformá-los em signos teatrais, conferindo à cena teatralidade.

CEDERJ 37
Artes na Educação | O teatro é linguagem

Ao longo do curso, à medida que você praticar e reinventar os elementos


da linguagem teatral, descobrirá a magia de transformá-los em signos
artísticos. Isto também tornará possível reconhecê-los e decodificá-los
nas peças teatrais a que tiver oportunidade de assistir.

O QUE NOS SURPREENDE NA LINGUAGEM DO ARTISTA?

Na linguagem do artista, é surpreendente a maneira como ele


utiliza os elementos da linguagem teatral, ou seja, o uso inusitado que
ele faz destes elementos, a maneira original como dispõe e combina os
códigos e signos da linguagem, recriando estes mesmos signos e, ainda,
atribuindo a eles novas redes de significações.
No teatro, um gesto, uma postura, um olhar, um objeto, um
espaço, uma palavra, uma luz, a distância entre um objeto e outro,
a maneira como um ator oferece a mão, tudo isso é tomado como um
signo, e, a partir dele, algo está sendo comunicado à platéia. Portanto,
fique atento a tudo ao seu redor. Tudo pode servir como material para
a criação teatral. Preste atenção a uma pessoa, perceba o seu gesto, a
maneira como ela lhe dá bom-dia. Perceba o tom da sua voz, a tonicidade
de seu corpo, a maneira como ela entra na sala, o seu olhar. Se está
cansado, triste ou alegre. Cada palavra, cada gesto tem uma intenção, um
significado, nem sempre explícito, mas, com o desenvolvimento contínuo
da sensibilidade, você será capaz de percebê-lo com mais facilidade.
Por exemplo, as mãos calejadas de uma pessoa podem trazer as
marcas ou os sinais do trabalho intenso na lavoura, a aridez do clima e do
universo onde vive. Tudo pode ser tomado como signo, como expressão e
comunicação de uma mensagem. No teatro, tudo isso é importante. Todo
sinal indica, faz referência, representa, é e compõe a metáfora de uma
experiência viva.
Os signos teatrais são, portanto, a expressão de metáforas, ou
seja, de imagens poéticas construídas no decorrer da ação lúdica. São
formas expressivas que falam diretamente ao nosso ser sensível. Como
nos lembra Suzana Langer (1980), os signos artísticos chegam até nós
pela criação de “formas simbólicas do sentimento humano”.
É por meio da prática do jogo teatral na escola que os alunos,
de acordo com o universo e percepções pessoais, articulam os diversos
elementos da linguagem teatral: corpo, palavra, som, figurino, cenário,
objetos, luz, música e espaço na criação de signos artísticos.
38 CEDERJ
Por meio da linguagem teatral, uma visão de mundo, um modo

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de ser, uma experiência humana estão sendo comunicados e, por meio

AULA
deles, podemos sentir, refletir e conhecer o mundo que nos cerca e a
nós mesmos. Cada pessoa utiliza esses elementos imprimindo-lhes
características próprias, segundo o seu estilo, sua experiência de mundo,
suas percepções e sentimentos.
Assim, ao manipular os elementos da linguagem, cada artista
cria METÁFORAS, imagens poéticas, signos artísticos. Para deixar isto mais METÁFORA
“De origem
claro, vou dar um pequeno exemplo. grega, o termo
Algum tempo atrás, encontrei na rua uma mulher muito pobre que metáfora significa
transposição,
estava vendendo pequenas casas feitas de papelão e madeira. A seguir, translação. Consiste
no uso de alguma
você poderá ver uma fotografia de um desses trabalhos; Eu o comprei, coisa no lugar de
pois se tornara significativo para mim. Aparentemente pobre e feio, outra, por causa
de certo ponto de
o trabalho era de grande força expressiva e me impressionou muito, já contato entre as
duas, permitindo
que por intermédio dele consegui perceber e sentir o universo existencial estabelecer uma
comparação”
daquela pobre mulher. Esse entendimento foi possível a partir da maneira
(MARTINS,
como ela dispôs os elementos da linguagem com que trabalhava no espaço 1999, p. 43).

e pela escolha dos materiais utilizados: sucata de papelão e pequenos


palitos de madeira.

O trabalho dessa artista é bastante simples e despojado.


O confinamento do espaço e a fragilidade dos materiais utilizados por
ela transmitem, de maneira intensa, o sentimento de vulnerabilidade, de
isolamento, de falta de horizonte, de privação pessoal a que está exposta.
Desse modo, mais do que a representação de pequenas casas ou de uma
favela, a obra da artista cria uma metáfora, torna viva a imagem da
miséria no seu sentido mais profundo. Suas pequenas casas são, portanto,
a expressão de uma experiência humana rica e significativa.

CEDERJ 39
Artes na Educação | O teatro é linguagem

Assim como essa simples mulher, o artista está ao seu redor, em


todos nós, e não apenas naquele sujeito consagrado cuja obra está numa
galeria de arte, num museu ou num teatro. Então, fique de olho em seus
alunos, no vendedor de bala, no tocador de viola, no mendigo da esquina,
no palhaço de rua, muitos deles são verdadeiros artistas.
A criatividade é uma qualidade inata de todo ser humano. Não
é uma questão de talento. Em certa medida, todos nós podemos
desenvolvê-la artisticamente. No entanto, é preciso que a sensibilidade
esteja sendo trabalhada ou estimulada neste sentido, e que o ambiente
onde a pessoa viva lhe seja propício.

AS CONCEPÇÕES MODERNA E CONTEMPORÂNEA A


RESPEITO DO ENSINO DO TEATRO NA EDUCAÇÃO

Fazer teatro envolve, também, conhecimento, o aprendizado de


uma linguagem específica e o contato com várias outras modalidades do
fazer artístico. Para seguir esta idéia, lembremos mais uma vez do jogo de
futebol. O jogador, para se tornar um craque, precisa treinar diariamente
o seu corpo, necessita aprender técnicas, desenvolver habilidades como
rapidez, resistência, prontidão etc. Podemos dizer, assim, que a arte
do futebol exige um conhecimento próprio. Da mesma maneira, a
arte da qual estamos falando também envolve um conhecimento, um
aprendizado que, segundo o pensamento contemporâneo do ensino da
arte, articula três eixos conceituais:

1 – criação/produção;

2 – percepção/análise;

3 – conhecimento da produção artístico-estética da Humanidade,


compreendendo-a histórica e culturalmente.

Esses três eixos conceituais estão presentes nos Parâmetros


Curriculares Nacionais-Artes, documento publicado pelo MEC em
1998, e são denominados, respectivamente, produção, fruição e
reflexão. Vejamos, juntos, o que eles significam. Até pouco tempo atrás,
o pensamento moderno do ensino da arte na Educação, de acordo com
Ana Mae Barbosa (1999), valorizava o fazer, a criação artística como
ponto central de uma didática voltada para a arte. O objetivo principal
era desenvolver e dar vez à livre expressão do aluno. Era necessário,

40 CEDERJ
portanto, salvaguardar a expressão própria, singular, de cada aluno, sem

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impor modelos artísticos ou referências de fora. Muitos professores não

AULA
recorriam às obras de grandes artistas, achando que isso iria influenciar
e tolher a expressão individual do aluno. Desse modo, o pensamento
moderno deu ênfase a um ensino da arte que valorizava a originalidade
ou a ingenuidade infantil.
Por outro lado, o despreparo profissional de muitos educadores
em relação ao ensino da arte transformou a bandeira da livre expressão em
justificativa para qualquer atividade em arte. Assim, o professor propunha
uma atividade e deixava o aluno se virar livremente, sem proporcionar
nenhum apoio ou sem complementar o conhecimento artístico que estaria
sendo construído naquela situação.
O pensamento contemporâneo do ensino da arte, por sua vez, coloca
no centro da discussão o conhecimento da linguagem e a especificidade de
cada linguagem artística. Deste modo, propõe a articulação entre o fazer
e todos os outros procedimentos metodológicos que possam ampliar este
saber fazer artístico. Dentre eles, a apreciação e a leitura de espetáculos
teatrais e o contato com as obras de arte. Por meio da fruição e da análise
de obras de outros artistas e pela percepção de como o artista articulou
ou dispôs os elementos da linguagem com que trabalha, o aluno tem
a oportunidade de aprofundar o seu conhecimento a respeito da arte e
desvelar novos caminhos para a sua própria criação.
Outro procedimento metodológico importante, segundo a
perspectiva contemporânea, consiste em pesquisar e conhecer a vida e
a obra de artistas, ao longo da História, entrando em contato com as
diversas manifestações teatrais da Humanidade. Cada época histórica
tem uma forma de fazer teatral que se difere da outra. É importante
saber que relação esta forma tem com o pensamento do homem no
passado e no momento atual, ou seja, com as formas contemporâneas de
expressão. Portanto, é necessário conhecer a produção estética e artística
da Humanidade, compreendendo-a histórica e culturalmente.

Quando houver uma oportunidade, saia com os alunos, visite exposições,


artesãos locais, vá a teatros, cinemas, feiras, faça passeios, viagens, amplie
o horizonte cultural dos alunos e o seu também. Além disso, traga para
a aula livros de arte, fotografias, desenhos, esculturas, tudo aquilo que
possa enriquecer o imaginário dos alunos e a sua produção artística.

CEDERJ 41
Artes na Educação | O teatro é linguagem

Não se trata, contudo, de valorizar o teatro na Educação apenas como


instrumento didático ou estímulo à livre expressão do aluno. Certamente,
ele pode ser usado com estes objetivos, mas é importante lembrar-se de que
existe, por trás de todo jogo e da atividade teatral na escola, uma linguagem,
e que o conhecimento desta linguagem faz a diferença. A força expressiva
de uma imagem, sua capacidade de tocar o nosso imaginário, de nos
colocar em contato com uma experiência humana significativa depende da
maneira como a linguagem é organizada e construída. A linguagem guarda a
capacidade de transformar nossa potência em ato, de nos colocar em contato
com a vida e com nossa subjetividade de maneira mais profunda.
O ensino do teatro na escola, a partir do ponto de vista da linguagem,
da arte como conhecimento, ou melhor, da arte como saber, é capaz de
proporcionar situações de aprendizagem que extrapolam o campo puramente
didático e conceitual, permitindo ao aluno entrar em contato com aquilo que
lhe é singular, com sua própria beleza e poesia. Por meio da arte, o aluno
amplia o seu universo, supera preconceitos, liberta-se de condicionamentos
e hábitos errôneos adquiridos e impostos ao longo da vida.

Vale a pena assistir ao filme Billy Elliot, pois ele nos dá um depoimento
sensível sobre o sentido de liberdade advindo do fazer artístico. Billy é um
jovem de 11 anos que enfrenta todos os preconceitos de uma pequena
cidade da Inglaterra, na década de 1960, para afirmar a sua paixão pela
dança. Ele vai contra a expectativa de toda uma comunidade que acredita
que o papel do menino seja aprender boxe, o que, na verdade, significa
aprender a ser forte, combativo, resistente às dificuldades da vida, enfim,
um guerreiro (como se, por meio da arte, do sentimento e da poesia não
fosse possível adquirir estas qualidades...). Quando perguntam a Billy o
que sente quando está dançando, ele responde: “Não sei... eu me sinto
bem. No começo é duro, mas quando começo... então me esqueço de tudo.
Pareço desaparecer. Sinto algo mudando no meu corpo. Como um fogo
dentro de mim. Eu fico lá voando como um pássaro, como eletricidade.
É, como eletricidade” (2000).

Fonte: Imagem de divulgação do filme Billy Elliot.

42 CEDERJ
CONCLUSÃO

12
O teatro na Educação pode ser utilizado com diversas finalidades:

AULA
como meio para o desenvolvimento social e psicológico do aluno, como
instrumento didático, voltado para o aprendizado de outras disciplinas:
Português, História, Geografia etc. Pode servir como instrumento político
para a transmissão de uma determinada ideologia ou, ainda, como forma
de propor uma atividade prazerosa, “menos séria”, entre uma aula e
outra, na escola.
Não podemos nos esquecer, no entanto, de que o teatro na Educação
é, sobretudo, um fazer e apreciar artísticos, e como tal possui uma
linguagem específica. Aprender, portanto, os segredos desta linguagem
se torna fundamental. De maneira lúdica, na escola, o aluno organizará,
de acordo com o seu universo vivencial, os elementos da linguagem na
criação de signos artísticos de grande significação. Manipulando, de
maneira lúdica, os elementos teatrais na criação de signos artísticos, os
alunos expressam e compartilham uma experiência humana significativa,
um modo de ser e perceber o mundo. Tal experiência desperta uma visão
nova, diferente daquela que lhes era usual, rotineira, levando-os a romper
preconceitos e condicionamentos.

ATIVIDADE FINAL

Para você experimentar:


a. Apanhe, no armário ou em algum canto da casa, um pano qualquer. Pode ser
uma canga, um lençol ou, ainda, um lenço. Perceba a textura desse pano, se ele é
macio ou duro, armado, se é áspero ou sedoso. Perceba se ele é transparente ou
não. Qual o seu tempo de uso? É velho ou é novo? Qual o tipo do tecido, a cor,
o tamanho, o volume, enfim, todos os detalhes. Agora, feche os olhos por um
momento. Toque o tecido de forma delicada, tentando capturar novas sensações.
Sinta o cheiro do tecido. Procure senti-lo com outras partes do seu corpo. Que
sensações você experimenta quando o passa em seu rosto, seu braço, sua barriga,
suas pernas? Traga essa sensação para todo o corpo.
b. Num segundo momento, explore este tecido dinamicamente no espaço.
Coloque uma música e dance com ele como se fosse o seu parceiro de jogo.
Rodopie, corra, jogue-o para cima. Brinque. Transforme-o num personagem com
quem você se relaciona, pode ser uma criança de colo, uma cobra, um ladrão.
A criança começa a chorar. Entre em contato com ela. Invente.

CEDERJ 43
Artes na Educação | O teatro é linguagem

c. Num terceiro momento, dê novas significações para este mesmo tecido. Ele
pode ser a manta surrada de um mendigo ou a capa luxuosa de um grande
rei. Experimente. Que gestos, sentimentos ou sensações surgiram a partir desta
sugestão? O pano pode ser transformado também num tapete mágico, numa
barraca, num barco a vela, num oceano com águas agitadas ou num lago calmo,
assumindo inúmeras plasticidades.
d. Ele pode servir também para delimitar o espaço do jogo ou da realidade cênica.
Vamos supor que o pano estendido no chão ou na parede é um lugar da casa.
Quando eu estiver em cima do pano, estou dentro da casa; quando estiver fora do
pano, já estou na floresta ou em outro local. A imaginação é inesgotável. Vou dar
apenas mais uma idéia para você explorar o objeto com o qual está trabalhando.
Depois, eu prometo, faço uma pausa para você alongar um pouco o corpo, beber
um gole de água e, depois, conversaremos sobre a atividade, está bem?
e. Então, preste atenção à cor do tecido, observe se ele é transparente ou opaco,
macio ou duro. Explore essas características do objeto. Que climas ou atmosferas
elas propõem para a cena? Um dia ensolarado, uma lua dourada, um local perigoso,
obscuro... Você pode dispor o objeto no espaço como quiser, isto é, explorar sua
plasticidade, dando vida a inúmeras imagens poéticas diante dos olhos dos alunos.
Agora é com você. Sempre que houver oportunidade, exercite a imaginação com
os alunos. Agora, pausa para você descansar um pouco. Depois do descanso,
experimente uma das sugestões anteriores, sabendo, desde já, que não precisa
fazer todas de uma só vez.

44 CEDERJ
RESPOSTA COMENTADA

12
Quando estiver experimentando, não se preocupe se alguém que passar

AULA
por perto disser que você parece um maluco. Ao contrário, você está em
pleno processo criativo. No teatro, é assim que se cria, pesquisando e
explorando as inúmeras possibilidades expressivas de um mesmo objeto,
gesto, personagem, luz, figurino, som, música, texto etc. Esses elementos
são a matéria-prima do teatro, e os signos teatrais surgem da exploração
ativa dos diferentes elementos da linguagem.
Dessa maneira, o signo teatral pode ser compreendido por conter uma
parte material, concreta, conhecida por suas qualidades físicas e estéticas,
o significante (pano), e uma parte simbólica (criança de colo, tapete
mágico, manto do rei etc.), mais precisamente, o significado. O significado é
atribuído ao objeto por meio da ação ou imaginação de quem o manipula
ou o aprecia, neste caso, o jogador e espectador, respectivamente.
Nesta atividade, indiquei uma série de sugestões para você perceber
a riqueza do processo criativo e a dimensão lúdica da ação no teatro.
Assim, o significante, pano, foi o substrato material por meio do qual a
teatralidade foi construída, dando origem a variados elementos cênicos.
Desse modo, o pano foi explorado ora como cenário ora como figurino,
serviu para demarcar o espaço da ação, conferiu um clima à cena ou,
ainda, transformou-se no personagem com quem você contracenou.
Gostaria de chamar a atenção para dois elementos metodológicos do
ensino do teatro. O primeiro diz respeito ao foco, ao ponto de concentração,
como estudamos na aula anterior. Neste caso, o problema está em explorar
as possibilidades expressivas do tecido através do corpo no espaço. Ao
jogar, ao buscar a solução para o problema proposto, é importante que
você deixe a imaginação e o gesto acontecerem livremente, criando outras
situações ou atribuindo novas significações para o mesmo objeto. Você
tem total liberdade para inventar.
O segundo elemento metodológico está relacionado às instruções.
Preste atenção: durante a atividade, eu mantive sua imaginação acesa,
viva, o tempo todo, propondo novas imagens. As instruções são dadas
à ação de forma simultânea. Não precisa interromper a ação para ouvir
as sugestões do professor. O jogador reage e se relaciona com o objeto,
à medida que as instruções estão sendo dadas em voz alta.
As instruções, segundo Spolin (1982), auxiliam o aluno a manter o
foco de atenção no problema proposto, no aqui – e – agora da ação, e
ainda estimula a imaginação. Ela não precisa ser usada durante todo o
exercício e, ainda, pode ser omitida, caso a imaginação do aluno esteja
reagindo de forma autônoma em relação ao problema colocado.
Outra dica: quando fizer este jogo com uma classe de alunos, realize-o
com todo o grupo ou divida a turma em dois grupos – jogadores e
espectadores – ou, ainda, em pequenos grupos.

CEDERJ 45
Artes na Educação | O teatro é linguagem

Lembre-se de que não existem regras precisas, receitas fixas para uma
metodologia de ensino. Ela precisa e deve ser reinventada o tempo todo,
de acordo com cada situação de aprendizagem e a criatividade de cada
professor. O que estou indicando são algumas trilhas, algumas pistas
para você experimentar e fazer as modificações que forem necessárias.
Não se esqueça de fazer o registro desta atividade no seu portfolio.
O registro é muito importante e pode ser feito em forma de desenho,
colagem ou de um texto escrito.

RESUMO

A linguagem teatral tem seus segredos e sua importância para o teatro na


Educação. Existem elementos que fazem parte desta linguagem, tais como o corpo,
a voz, o som, o texto, o cenário, o figurino e os objetos. Por meio do jogo teatral,
o aluno poderá transformar os elementos da linguagem em signos artísticos,
expressivos. A poesia, no teatro, surge, portanto, da manipulação e organização
desses elementos e signos.
A prática do teatro na Educação, ao ir além do campo puramente prático e utilitário,
tem alcance pedagógico amplo, pois, pela linguagem e sua força expressiva, uma
experiência humana significativa será compartilhada por todos.
Deste modo, é possível distinguir o pensamento moderno do ensino da arte do
pensamento contemporâneo. O primeiro está centrado na livre expressão, no fazer
artístico, na originalidade, enquanto o segundo articula três eixos conceituais:
criação/produção; percepção/análise; conhecimento da produção artístico-estética
da Humanidade, compreendendo-a histórica e culturalmente.
Não podemos nos esquecer, no entanto, de que o teatro na Educação é, sobretudo,
um fazer e apreciar artístico e, como tal, possui uma linguagem específica. Aprender,
portanto, os segredos desta linguagem se torna fundamental. De maneira lúdica,
na escola, o aluno organizará, de acordo com o seu universo vivencial/existencial,
os elementos da linguagem na criação de signos artísticos de grande significação.
Manipulando, de maneira lúdica, os elementos teatrais na criação de signos artísticos,
os alunos expressam e compartilham uma experiência humana significativa, um modo
de ser e de perceber o mundo. Tal experiência desperta uma visão diferente daquela
que lhes era usual, levando-os a romper preconceitos e condicionamentos.

46 CEDERJ
INFORMAÇÕES SOBRE A PRÓXIMA AULA

12
AULA
Para ser dito em voz alta, como se você fosse um apresentador de circo:
– Comprem os últimos ingressos para assistir ao nosso novo espetáculo: o corpo
expressivo! Nele, não há mulher-monstro nem contorcionista. Você terá a
oportunidade de descobrir a importância do corpo no processo de criação teatral.

MOMENTO PIPOCA

O auto da compadecida
Este filme conta a aventura de João Grilo e de seu parceiro, Chicó, que, agindo de
forma astuta, tentam enganar os mais poderosos para adquirir o sustento diário.
É uma comédia muito divertida. A história contém elementos dramáticos
típicos dos autos religiosos medievais, como, por exemplo, Nossa Senhora,
que, à semelhança dos “milagres” mais antigos, surge no momento final da
peça para defender e absolver João Grilo de seus pecados, argumentando
com Jesus a seu favor.
Filme baseado na peça teatral de Ariano Suassuna. Direção de Guel Arraes.
Produção Globo filmes, 2000.
Billy Elliot
Conta a história de um menino que enfrenta todos os preconceitos sociais para
realizar o seu sonho pessoal, a dança. É um filme inteligente e sensível. Observe
como Billy encontra na dança uma forma de expressar seus sentimentos diante
do mundo. Além disso, ele encara o aprendizado da dança como uma atividade
que exige disciplina, treino e estudo.
Dirigido por Stephen Daldry, com Julie Walters, Gary Lewis, Jamie Bell, 2000.
Working Tittle Films e BBC films, em associação com The Arts Concil of England.
Produção de Tiger Aspect Pictures. England.

LEITURAS RECOMENDADAS

Indico três obras de Olga Reverbel. Talvez você possa interessar-se por uma delas.
Os escritos de Reverbel surgem de sua experiência direta com o ensino do teatro na
sala de aula. Ela expõe os fundamentos de uma didática para o ensino do teatro,
além de fornecer um guia de jogos teatrais e técnicas de expressão dirigidas às
diversas séries.

REVERBEL, Olga. Teatro na sala de aula. Rio de Janeiro: Olympio,1979.


__________, Olga. Jogos teatrais na escola. São Paulo: Scipione, 1996.
__________, Olga. Um caminho do teatro na escola. São Paulo: Scipione, 1997.

CEDERJ 47
13
AULA
O corpo expressivo
Meta da aula
Mostrar a importância do corpo no
processo criativo em teatro.
objetivos

Esperamos que, ao final desta aula, você seja capaz de:


• definir o conceito de fisicalização segundo Viola Spolin;
• pesquisar as possibilidades expressivas do próprio corpo.
Artes na Educação | O corpo expressivo

INTRODUÇÃO Abre-se a cortina vermelha. No centro do palco, um homem de fraque e cartola


anuncia, em bom tom, o início do espetáculo: “Senhoras e senhores, o espetáculo
vai começar!” Muita emoção à vista. Novas descobertas. Um novo corpo até
então desconhecido por você. É com muito prazer que, neste momento, eu
apresento a você o corpo expressivo e sua importância para o processo criativo
em teatro. Você vai aprender a investigar o próprio corpo, tomar consciência de
suas partes e descobrir a forma integrada como elas se relacionam, visando a
uma comunicação vibrante no teatro e na vida. E ainda aprenderá novas técnicas
teatrais que poderá utilizar, oportunamente, com os alunos.

MOSTRANDO A REALIDADE CÊNICA COM O PRÓPRIO


CORPO

Você sabia que podemos fazer teatro sem que seja preciso dizer
uma só palavra? Vamos verificar se isso é verdade. Sugiro que conte uma
história usando apenas o seu corpo. Imagine a seguinte situação: você está
diante de seus alunos representando um homem da pré-história. Como
você se locomove a partir dessa sugestão? Sua coluna está totalmente
ereta? Seus braços são longos ou curtos? Seu corpo é leve ou pesado? Sua
estatura é alta ou baixa? Em seguida, você acaba de voltar de uma caçada.
Está orgulhoso, quer contar para todos ao redor os perigos que enfrentou.
Como ainda não aprendeu a falar, emite sons, ruídos estranhos, graves,
guturais, vindos lá do fundo da garganta e do peito. É estranho, não?
Mas é engraçado também. Todos se divertem. Vá em frente. Utilizando
apenas o corpo e os sons, procure mostrar os detalhes da caçada com
seu corpo, represente o momento em que a presa foi morta, o instante
de silêncio e de tensão, quando você se vê diante da fera, cara a cara.
Mostre a forma certeira como arremessou a lança e perfurou o corpo do
animal. Agora, jogue a presa atrás dos ombros. Que força é necessária
para realizar essa ação? Depois, carregue a caça até a aldeia. Ela é o seu
grande troféu, sinal de coragem. Que peso tem o animal? Sinta o peso,
perceba o tamanho, sinta o pêlo tocando o seu corpo. Como ele reage a
essas sensações? Chegando à aldeia, você derruba a caça no chão diante
dos olhares de admiração de todos. Naquela época o clima era muito
frio, e você neste momento, precisa aquecer um pouco o corpo. Agora,
faz uma fogueira. Pense: de que maneira tornará a fogueira viva para
seus alunos. Depois de acesa, corte um pedaço de carne bem grande do
animal e coloque para assar. Hum... Um cheirinho de churrasco gostoso.

50 CEDERJ
Deu até água na boca. Está sentindo? Então, coma um pedacinho. Sinta

13
o sabor, a consistência da carne, sinta a deglutição. Você, então, oferece

AULA
um pedaço a seu amigos. Alguns aceitam, outros rejeitam, tire partido
disso. Compartilhe a ação com a turma. Integre os alunos no jogo. De
repente, você começa a passar mal. Que situação, hein! Alguém pode
assumir o lugar do curandeiro, outro, do ajudante que chega com a
maca. Assim, o jogo prossegue, tomando outras direções, de acordo com
a imaginação e a criatividade do grupo.
Está vendo, não disse? É possível. Você acaba de mostrar uma
história para os seus alunos sem precisar dizer uma só palavra, sem
precisar contar nada. Note bem o que eu acabei de dizer: você mostrou,
não contou. No teatro, isso faz toda a diferença.

Drama é uma palavra de origem grega, drao, que significa agir, lutar. A ação
dramática está, portanto, ligada a uma postura ativa do sujeito na relação com o
ambiente, que luta ou age em direção à realização de um objetivo.

Quando lemos uma história para alguém, primeiro abrimos o livro


e, depois, contamos ou narramos os acontecimentos a este alguém. Já no
teatro é diferente, pois, quando atuamos, esses mesmos acontecimentos são
mostrados a uma platéia por meio de nossas ações, de nossa imaginação e,
principalmente, por meio do uso expressivo do corpo. Desse modo, sem que
seja necessária a utilização de um objeto real, concreto, tornamos física e
palpável uma realidade cênica diante dos olhos de uma platéia. Surge, nesse
momento, a dúvida: como tornar concreto algo que não existe?
A magia do teatro está exatamente nessa capacidade de invenção, de
criação de uma realidade cênica a partir de um espaço vazio. Viola Spolin
(1982) chama de fisicalização a capacidade do ator de tornar real um objeto,
ou seja, a capacidade de dar vida a uma realidade cênica por intermédio do
uso do corpo no espaço. Vejamos como ela define este termo:

Mostrar não é contar; a manifestação física de uma comunicação;


a expressão física de uma atitude; usar a si mesmo para colocar
um objeto em movimento; dar vida ao objeto; “Fisicalize este
sentimento! Fisicalize este relacionamento! Fisicalize esta máquina
de fliperama. Fisicalize, dê vida a este papagaio de papel, este peixe,
este objeto, este gosto etc.!”, representar é contar, fisicalizar é
mostrar; uma maneira visível de fazer uma comunicação subjetiva
(SPOLIN, 1982, p. 340).

CEDERJ 51
Artes na Educação | O corpo expressivo

Spolin inspirou-se nas idéias do grande mestre, ator e diretor russo


Constantin Stanislavski, para a realização do sistema de jogos teatrais que
utilizamos, com freqüência, nesta disciplina. Segundo Stanislavski (2001),
no processo criativo, o jogador elabora uma série de imagens interiores que
deverão ser projetadas no espaço para se tornarem vivas e reais. Funciona
como uma espécie de filme imaginário que o ator visualiza com todos os
detalhes de cor, movimento, perfumes, sensações táteis, sons e que ganha
vida, progressivamente, à medida que ele age ou se relaciona corporalmente
com o espaço ao redor.
Assim, se quero tornar real uma rosa, devo tomá-la nas mãos
imaginando a sua cor, sentindo o seu perfume, o seu peso, a fragilidade
das pétalas ao tocar a minha pele, o espinho que, supostamente, fere os
meus dedos. Visualizar cada detalhe é importante. À medida que imagino
ativamente suas qualidades físicas, dou um uso concreto a esta rosa. Por
exemplo: coloco-a no cabelo. Olho-me no espelho. Mostro a você. Fiquei
bonita? Que tal? Em seguida, talvez a ofereça a uma pessoa amada. Crio,
portanto, a partir da imagem interna que formei da rosa, uma série de ações
que virão a torná-la cada vez mais concreta e visível a quem a observa.
Pronto, a rosa agora está lá no vaso, em cima da mesa da
professora, disponível para ser regada todos os dias. Talvez um dia
desses alguém, por acaso, quebre o vaso e a terra se esparrame pelo chão,
mas essa é uma outra história para ser inventada por você e sua turma.
Tenho certeza de que muitas ainda surgirão.
As emoções e sentimentos do jogador em relação a essa rosa surgem,
naturalmente, a partir de suas ações concretas, e somente a partir delas.
Segundo Stanislavski (2001), o ator não deve forçar a expressão de um
sentimento, como o choro, a alegria, a raiva, a mágoa etc. Caso aja desta
maneira, a expressão se manifestará de forma artificial e estereotipada.
Como sabemos, o sentimento é subjetivo, não pode ser fixado, e surge de
maneira natural e sincera quando ocorre do contato físico, corporal e real
do jogador com o ambiente e as circunstâncias da cena.
É importante, novamente, chamar atenção para as instruções que o
professor fornece ao aluno. Por meio delas, o professor auxilia o aluno a
manter-se focado nas qualidades físicas das ações. Por exemplo, se, durante
o jogo, o aluno fizer uma viagem e carregar uma mala, deverá ser estimulado
a mostrar o seu peso e o tamanho. Assim, ao reagir corporalmente a esses
estímulos, o jogador torna concreta a realidade cênica que estará sendo, por
sua vez, compartilhada com a platéia.

52 CEDERJ
No contexto da sala de aula, dependendo do número de alunos

13
e do ruído, o uso de instruções durante o jogo fica prejudicado, pois

AULA
será difícil ao professor comunicá-las. Neste caso, é melhor fazer as
observações necessárias posteriormente, durante a avaliação do jogo.
Preste bastante atenção nesse ponto, o objetivo da instrução não é a
condução do jogo pelo professor. O jogo é uma atividade livre, que
deverá ser inventada pelos alunos no momento presente. O aluno deve
ter autonomia para propor e executar o seu próprio jogo, não cabendo ao
professor dirigir suas ações. Muitas vezes, as instruções nem precisarão
ser sugeridas. Você deverá exercer o seu bom senso em relação a esse
ponto. As instruções são utilizadas para manter o foco da ação e para
estimular a exploração dos alunos em torno da realidade cênica que
ele próprio estará criando. Lembre-se: nosso objetivo principal consiste
em oferecer ao aluno condições adequadas para que, gradativamente,
adquira maior autonomia para lidar com a linguagem teatral, assim
como liberdade em seu próprio processo criativo.
Agora que você já sabe o significado de fisicalização, transcrevo,
a seguir, um exercício proposto por Viola Spolin (1982) para você
experimentar, oportunamente, com os alunos. É importante, também, que
você realize os exercícios sugeridos anteriormente, ou invente um outro.
Ao trazer este saber para o seu próprio corpo, você poderá transmiti-lo
com mais propriedade e sensibilidade aos seus alunos.

Um pouco de história
Sou Constantin Stanislavski (1863-1938). Fundei o Teatro de Arte de
Moscou, juntamente com Niemirovitch-Dantchenko em 1897, sou
um grande homem de teatro, porém, um caso polêmico. Alguns me
consideram um inovador da cena moderna. Dizem que introduzi
uma nova maneira de atuar, mais sincera e natural, comparada
ao exagero da época. Sistematizei um método de interpretação
teatral muito utilizado ainda hoje, denominado Método das Ações
Físicas. Outros, porém, me tomam como uma figura ultrapassada,
retrógrada, argumentando que meu teatro ficou parado no tempo,
restrito à cena realista, isto é, à imitação ou cópia da realidade, tal
qual ela se apresenta ao nossos olhos.
Gosto, porém, daquele velho ditado: Falem bem ou falem mal, mas
falem de mim. A verdade é que minhas idéias ressoam até hoje. Acredito que todo homem importante
do teatro contemporâneo já tenha lido os meus livros, dentre eles: A criação de um papel, A construção
da personagem, A preparação do ator. Fique, portanto, de olho bem aberto quando mencionarem o
meu nome e tomem partido nesta polêmica.

CEDERJ 53
Artes na Educação | O corpo expressivo

Dicas de jogos teatrais


O jogo da bola é uma dica para você praticar com os alunos o conceito de fisicalização.
É um jogo simples e apropriado a todas as séries do Ensino Fundamental. Você
poderá, também, utilizá-lo para integrar toda a turma no início da aula de teatro,
ou para confraternizar, alegremente, com os alunos, ao término da mesma.

Jogo da bola
Primeiro, o grupo decide sobre o tamanho da bola e, depois, os
membros jogam a bola de um para o outro no palco, ou espaço do
jogo. Uma vez começado o jogo, o professor-diretor dirá que a bola
terá vários pesos e tamanhos.

Ponto de concentração: peso e tamanho da bola.


Instrução: a bola é cem vezes mais leve! A bola é cem vezes mais
pesada! A bola é normal, novamente!

Pontos de observação
1. Observe se os alunos usaram o corpo para mostrar o relacionamento
com a bola. O corpo tornou-se mais leve e flutuou com a bola mais
leve? O corpo tornou-se pesado com a bola mais pesada? Não chame a
atenção dos alunos para isso até que o problema tenha sido trabalhado.
Se a avaliação for dada antes que todos tenham ido ao palco, muitos
tentarão agradar ao professor e representarão a leveza ou peso em vez
de sustentar o Ponto de Concentração (que produz espontaneamente
o resultado que procuramos) (SPOLIN, 1982, p. 58).
Este jogo teatral foi retirado do livro Improvisação teatral, de Viola Spolin (1982).
Você poderá reinventá-lo. Deixo algumas sugestões: coloque toda a turma em
círculo ou altere o tamanho da bola no decorrer do jogo, fornecendo imagens, como
por exemplo: uma bola de gude, de tênis, de vôlei, de praia grande e leve, depois
boliche, uma bola de chumbo. Será possível lançá-la no ar? Como o aluno poderá
repassá-la ao colega? Surgirão situações inusitadas. A bola pode ser transformada,
também, num balão que cresce, gradativamente, tornando-se cada vez maior, até
alcançar o tamanho da própria sala. Neste, momento, é necessário que todos possam
segurá-la conjuntamente.

ATIVIDADE

Jogo do espelho
1. Convide um amigo ou familiar para jogar com você durante esta aula.
O jogo do espelho ocorre em dupla e utilizando a linguagem não-verbal.
Coloquem-se diante um do outro. Uma pessoa olhará o espelho imaginário
e a outra será o seu reflexo. Deixe o seu amigo iniciar o movimento. Você
será o reflexo. Siga os movimentos exatamente. Repita, ao mesmo tempo,
os movimentos e gestos que ele propõe.
Troque, depois, os papéis. Você faz os movimentos e seu amigo o reflexo.
Explorem gestos pequenos, grandes, exagerados ou ainda ações cotidianas,
como escovar os dentes, fazer a barba, calçar os sapatos, lavar a louça,
tomar o café-da-manhã etc.
Façam caretas, lutem boxe, esgrima, dancem.
Utilizem o corpo nos diferentes planos espaciais: alto, médio e baixo.
Criem pequenas cenas: médico fazendo consulta, uma aula de ginástica,
um barbeiro cortando o cabelo de alguém imaginário.

54 CEDERJ
13
Reinvente o exercício livremente.

AULA
COMENTÁRIO
Que tal a atividade? O corpo está aquecido? Você está mais
descontraído? Riu bastante ou ficou acanhado? Este exercício ajuda
a liberar o corpo, suas tensões, provoca o riso e a descontração. Ao
mesmo tempo, por meio deste jogo, o aluno começa a perceber
as possibilidades expressivas do seu corpo no espaço. O corpo é o
instrumento pelo qual nos relacionamos com o mundo. Ao perceber
o corpo do outro, entramos em contato com o nosso próprio corpo.
CONTRACENAR
No jogo do espelho, uma pessoa coloca-se disponível e aberta Significa olhar,
para estar com a outra. Este jogo reforça os laços interpessoais, ou escutar, estar atento
seja, favorece a integração do grupo. O aluno aprende, também, à ação/reação do
outro, deixando
a CONTRACENAR, regra básica para o fazer teatral. Durante o jogo, o corpo pronto,
procure incentivar a variação de movimentos, a exploração e a atento, para emitir,
imediatamente,
pesquisa corporal, nosso próximo item. uma resposta
durante o jogo.

CEDERJ 55
Artes na Educação | O corpo expressivo

PESQUISANDO O CORPO

Partindo do princípio de que o corpo, no teatro, é o instrumento


por meio do qual o jogador cria e expressa a realidade cênica, é necessário
exercitá-lo constantemente para adquirir expressividade e desse modo
estabelecer uma comunicação clara com a platéia.
Assim como se pesquisa a natureza e a vida ao redor para o
enriquecimento de nosso mundo interior, é necessário, também, pesquisar
o corpo, descobrir suas possibilidades e limitações, tomando consciência
de cada uma de suas partes e de seu funcionamento. O corpo é, portanto,
a casa, o abrigo que necessita ser descoberto, demarcado, para que o
aluno reafirme a sua presença no espaço do teatro e no mundo. Por meio
de um corpo saudável, harmônico, dinâmico, espontâneo e forte, o aluno
poderá realizar seu potencial criativo e se relacionar de forma harmoniosa
consigo mesmo e com o mundo. Sendo assim, a pesquisa sobre o corpo
e sua capacidade de expressão merece nossa atenção especial.
A criança realiza sua energia criativa por meio do movimento,
da brincadeira e do jogo. O que se verifica, no entanto, dentro de uma
educação de base tradicional, predominante na maioria de nossas escolas,
é o aprisionamento progressivo do corpo do aluno. O próprio espaço
físico amontoado de carteiras da sala de aula já restringe a necessidade
natural da criança de movimento. Como exigir do aluno concentração
diante de operações matemáticas, de ordem abstrata, se não lhe foi possível
realizar a energia do movimento? O corpo pedindo liberdade de ação e as
metodologias tradicionais de educação e a própria escola fixando o aluno
na carteira, mantendo as mãos atadas, a caneta e o olhar direcionado
apenas para o quadro-negro à sua frente. É realmente impossível exigir
desse aluno total concentração e o aprendizado de um conteúdo intelectual,
antes que o corpo em sua necessidade vital possa se expressar, manifestando
seus sentimentos e pensamentos, ou seja, seu próprio saber.
Desse modo, crie, sempre que lhe for possível, um ambiente livre
de móveis, carteiras, um espaço aberto para o movimento, o jogo, a
dança e a pesquisa corporal, enfim, o espaço ideal para a aula de teatro.
Caso não lhe seja possível criar um ambiente como esse, tire partido da
situação concreta que encontrar na sala de aula, explorando os objetos
e as carteiras e atribuindo a eles novas significações. Falaremos mais
adiante sobre essa questão.

56 CEDERJ
13
AULA
Gostaria de chamar a atenção para a falta de consciência que
temos sobre o nosso próprio corpo. Reagimos, a maior parte do tempo,
de forma automática, sem que a consciência esteja focada no aqui e agora
das nossas sensações corporais. Essa falta de conhecimento é motivada
por uma educação que não atribui ao corpo o seu devido valor no
processo de desenvolvimento. Podemos verificar que a criança, à medida
que cresce, perde gradativamente a naturalidade e a espontaneidade do
gesto, o contato verdadeiro com o próprio corpo, em função de uma série
de valores morais, imposições sociais, preconceitos religiosos e sexuais,
que entram em cena reprimindo o movimento.
O corpo deixa de ser um instrumento de descoberta, de conhecimento
e de prazer, para se tornar um local proibido. Como afirma Castro (apud
Stokoe e Hart, 1987, p. 12), “a expressão do corpo termina esquecida ou
anulada e é expressa apenas por pequenos gestos codificados. Se o corpo
é reprimido, o movimento não pode ser livre”.
Essa percepção distorcida a respeito do corpo é acentuada,
também, pelos meios de comunicação de massa, que banalizam o
domínio do corpo, transformando-o, exclusivamente, em mercadoria
a ser comercializada. Além disso, hoje, um grande número de crianças
e jovens passa a maior parte do dia em frente à TV. Isto acaba por
provocar neles uma atitude passiva em relação à vida, tornando-os pouco
receptivos à realização de atividades próprias do jogo, saltar e correr.

CEDERJ 57
Artes na Educação | O corpo expressivo

Por sua vez, Augusto Boal chama a atenção para a forma como
o trabalho e as atividades diárias alienam o corpo, ou seja, determinam
padrões e máscaras sociais que acabamos por assumir de forma definitiva
e inflexível. Cada profissão apresenta um conjunto de gestos, rituais e
atitudes corporais característicos à sua função. O perigo reside no fato de o
indivíduo se identificar cegamente com a função que exerce, esquecendo-se
de sua verdadeira natureza, que é livre de qualquer estereótipo.
Assim, observe as atitudes corporais de um soldado, de um padre,
de uma diretora, da servente da escola, do vendedor de pipoca ou de um
gari. Esta observação será importante, também, quando formos trabalhar
com a criação de personagens. Segundo Boal, é importante ter consciência
desses padrões corporais, desmontá-los e, a partir daí, reconstruir um novo
corpo, mais livre, mais consciente, mais autêntico.
A pesquisa corporal inclui o conhecimento e a descoberta de cada
parte do corpo, a tomada de consciência sobre os movimentos, posturas
e gestos, e a percepção da forma integrada como o corpo funciona ou
se comunica, como podemos concluir a partir das considerações de
Patrícia Stokoe e Ruth Hart (1987 p. 19) “pesquisar, para os nossos
fins, é pesquisar para conhecer e transformar; é ir além do mero atuar
automático, é tratar de averiguar o como, o porquê e o para quê de nosso
corpo e suas ações”.
Nosso corpo é a expressão viva daquilo que sentimos, falamos,
pensamos, comemos. Perceba como ele está, após um dia intenso de
trabalho. Faça uma pausa, dê-lhe um tempinho e relaxe. Perceba como
ele reage, depois que você come algo que não devia. Perceba a disposição
dele num dia de alegria e de festa ou seu estado de tensão no dia em que
você está preocupado ou tem uma prova para fazer. Então, reflita: o que
posso fazer nesse dia para alterar este estado corporal?
O trabalho de consciência corporal, tão necessário ao fazer teatral,
exige, assim, uma atitude de pesquisa sobre o próprio corpo, o corpo
do outro, os objetos e o espaço ao redor. Para facilitar esta averiguação,
Stokoe e Hart (1987, p. 20) dividem o processo de pesquisa corporal em
dois grandes itens:
1- As qualidades que podem ser descobertas num objeto (o como é):
forma, tamanho, consistência, textura, superfície, peso, temperatura, cor,
resistências específicas, mobilidade, resistência, maleabilidade.

58 CEDERJ
2- As ações que podem ser realizadas sobre o próprio corpo, outros

13
corpos ou coisas (o “que pode fazer”): amassar, prensar, golpear, esticar,

AULA
torcer, sacudir, acariciar, beliscar, apertar, chicotear, apalpar etc.
O item 1 estimula a consciência sobre cada parte do corpo,
enquanto o item 2 enfatiza as possibilidades de ação ou qualidades
do movimento. Para compreender o que os dois autores acabaram de
propor, vamos fazer um pequeno exercício: toque suas mãos, perceba
a temperatura, sinta as partes duras e moles, o tamanho dos dedos, os
espaços entre eles, sua mobilidade e articulação etc. Depois, explore
os movimentos que você pode realizar com elas, como sacudir, torcer,
pressionar, acariciar etc.; sabendo que também podem variar, segundo
uma dinâmica temporal, espacial e energética diferente. Assim, uma
ação pode ser lenta ou rápida, forte ou suave, direta ou indireta. Volte
ao exercício do homem da pré-história e repita-o, desta vez procurando
perceber as qualidades de movimentos presentes em cada ação. Preste
atenção, também, às suas ações diárias, percebendo nelas a existência
dessas mesmas qualidades. Registre no portfolio suas novas descobertas.
Com certeza, suas anotações ficarão muito curiosas...
Ao tomar consciência sobre cada parte do corpo, o aluno melhora
o seu uso funcional, adquire a postura correta para cada movimento,
aprende a utilizar a energia necessária à realização de cada gesto, sem
que precise despender esforço desnecessário, como também enriquece
sua possibilidade expressiva, justamente o objetivo desta aula.
Ao abrir a porta, por exemplo, o movimento mais corriqueiro é o
de levar a mão à maçaneta, torcer e depois puxar ou empurrar a porta.
Nessa situação, podemos observar a presença de três qualidades de ações
diferentes: torcer, puxar ou empurrar. Para cada ação que realizamos,
encontramos uma qualidade específica.
Vamos supor, agora, que suas mãos estejam ocupadas. Você acaba
de voltar do supermercado e está cheio de sacolas nas mãos. Como
você abrirá esta mesma porta? Que outras partes do seu corpo poderá
utilizar? Talvez os cotovelos, talvez os pés ou ainda, quem sabe, você
poderá empurrar a porta com os quadris. Nessa situação, que qualidades
de ações foram realizadas com cada parte do corpo? É importante notar
que existem diferentes formas de realizar uma mesma ação. Este tipo de
compreensão torna a ação teatral mais enriquecida e interessante.

CEDERJ 59
Artes na Educação | O corpo expressivo

Andando pela sala, imagine uma caminhada sobre diferentes


tipos de solos. Que ação seus pés poderão fazer ao tocar o chão? Por
exemplo, imagine-se caminhando sobre areia quente, depois sobre um
lago congelado, depois sobre um tapete de algodão, sobre folhas secas,
sobre uma superfície cheia de grude. Seu corpo reagirá de forma diferente
a cada uma dessas sensações. Observe. Seus pés poderão sacudir, deslizar,
pressionar, acariciar, torcer, amassar, e assim por diante. Este é um jogo
curioso para fazer com os alunos em conjunto ou, ainda, dividindo a
turma em dois grupos.
Estou expondo a você uma série de fundamentos teóricos. Na
prática com os alunos, naturalmente, essa explicação teórica não é
necessária. O mais importante é levá-los a experimentar, a voltar a
atenção sobre o corpo e a sua capacidade expressiva.
Na disciplina Teatro na Educação, para tornar a pesquisa corporal
mais dinâmica, utilizamos o jogo teatral. O aluno tomará consciência
do seu corpo e de sua possibilidade expressiva à medida que joga, isto é,
relaciona-se consigo mesmo, com o outro e com o espaço ao redor. Como
já disse em aula anterior, por meio da ação lúdica, o aluno desenvolve
técnicas, habilidades cênicas, ao mesmo tempo que cria uma forma
artística e teatral.

ATIVIDADE

Ver um filme com uma parte do corpo

2. Convide um amigo ou familiar para ir ao cinema com você. Explique,


porém, que se trata de um cinema imaginário, mas que ele vai se divertir
ainda assim. Sente-o numa cadeira. Ele será o observador do jogo, a platéia,
e você, o jogador. Vez por outra vocês podem alternar os papéis.

Agora, diga-lhe que você irá assistir a um filme com uma parte do corpo.
A primeira sessão é um filme de comédia, mas só você sabe. Então você se
posiciona na poltrona do cinema e começa a ver o filme silenciosamente.
Só que você tem um desafio pela frente: use somente os ombros para
mostrar ao seu colega que o filme a que você assiste é uma comédia.
Mantenha o foco de atenção. Veja com os ombros.

A sessão acabou, você e seu amigo ou parente ficaram surpresos.


Descobriram que os ombros também podem se comunicar. Mas o jogo
está interessante, e você resolve assistir a uma nova sessão. Agora, um
filme de horror. Você tem um novo problema cênico para solucionar: veja
com o tronco. Curta os momentos de suspense.

60 CEDERJ
13
O filme foi de arrepiar, não foi? Seu amigo ficou tão impressionado que

AULA
quase saiu da sala. Agora, um momento de relaxamento, para os dois
ficarem mais tranqüilos. Veja um filme romântico, um daqueles bem
açucarados, usando apenas as mãos. Mostre, com as mãos, todos os
momentos: o encontro dos amantes, a despedida, o beijo; ouça, com as
mãos, a declaração de amor, sinta, com as mãos, as lágrimas escorrendo.
Visualize cada detalhe do filme.

“Ei, ei, vocês dois aí! O filme terminou.” Surge o lanterninha para avisar
que o cinema vai fechar. Você e seu amigo ficaram tão emocionados que
esqueceram das horas. Tomem um lenço emprestado e enxuguem as
lágrimas.

COMENTÁRIO
Você mostrou ou contou ao seu parceiro de jogo o filme a que
estava assistindo? Antes de responder, faça-lhe esta pergunta. O
que ele viu? Com que parte do corpo a comunicação foi efetivada?
Confira as impressões do colega tomando como base observações
concretas. Esta é uma forma objetiva de avaliar o jogo. Desse modo,
evitamos a relação de aprovação/desaprovação, o julgamento
certo/errado. Nessa atividade, trabalhamos com cada parte do
corpo separadamente. Utilizamos o jogo teatral para empreender
a pesquisa e desenvolver a expressividade corporal, além de exercitar
na prática o conceito de fisicalização.

JOGANDO COM O CORPO TODO

No teatro, a comunicação se faz dos pés à cabeça. O corpo deve


estar totalmente envolvido no ato de comunicação. Pare um momento
para observar as pessoas se comunicando. Verifique que a maior parte
delas utiliza, de forma restrita, o próprio corpo, recorrendo apenas às
extremidades, braços e mãos ou, ainda, apenas à expressão oral.
Observe também a si mesmo. Que partes do corpo utiliza com
mais freqüência para se comunicar? A comunicação predominante é a
verbal, não é mesmo? No entanto, você já parou para observar o seu pé
quando você está se comunicando com alguém? Como ele reage? E o seu
tronco, o seu pescoço, as suas costas? Volte a atenção para suas costas.
Para que servem cada uma destas partes? Que movimentos podemos
fazer com cada uma delas? Descubra as suas possibilidades. De que
forma posso tocar a minha cabeça?

CEDERJ 61
Artes na Educação | O corpo expressivo

Associe uma imagem a cada movimento do corpo. Imagine que seu


braço é um limpador de pára-brisa: como ele pode se mexer? Movimente
outras partes do seu corpo, mantendo essa mesma imagem. Como você
movimentaria a cabeça, o tronco, os olhos, se eles fossem realmente um
limpador de pára-brisa? Experimente essa sugestão com cada parte do
seu corpo. Explore o espaço à medida que experimenta.
Durante a pesquisa corporal, é interessante associar o movimento
do corpo a uma imagem. Isso fornece ao movimento uma intenção,
tornando o gesto mais claro e expressivo, além de despertar o imaginário
dos alunos provocando e estimulando reações motoras, torna mais clara
a intenção do movimento.
Divida a turma em dois grupos. Imagine que um dos grupos é um
vento, ora forte, ora suave, e o outro grupo é a relva de um campo que se
movimenta de acordo com o vento. O foco do problema é movimentar-
se com todo o corpo. Mantenha esse ponto vivo para os alunos. Perceba
como todo o corpo está envolvido no movimento.
Agora trabalhe com a tensão e o relaxamento. Imagine que seu corpo
é um imenso lago gelado. Perceba a tensão muscular, como a tonicidade de
cada músculo é modificada. O sol de repente aparece, e o lago começa a
degelar lentamente. Tome consciência de cada parte do corpo, relaxando.
Existem inúmeras técnicas de relaxamento, que podem ser
introduzidas em qualquer momento da aula. No início, para eliminar
a tensão e disponibilizar a atenção do aluno, no final, para fornecer um
momento de descanso após uma atividade motora intensa ou em um outro
momento qualquer que você achar apropriado. Olga Reverbel fala sobre a
importância do relaxamento corporal para o processo criativo do teatro.

Poderíamos dizer que o relaxamento é o marco zero do qual o aluno


parte para a descoberta dos movimentos corporais. O equilíbrio e
domínio do corpo dependem de um completo relaxamento, que
elimina a tensão e o nervosismo e enseja a criação espontânea do gesto.
O relaxamento é um estado particular provocado por uma descontração
muscular geral, seguida de completa tranqüilidade interior.
Para facilitar semelhante estado propõem-se temas que levem o
pensamento a fixar-se numa série de imagens. A fixação dessas
imagens permite a liberação dos pensamentos que nos preocupam,
dando lugar a outros, mais livres, que nos colocam, pouco a pouco,
em estado de contemplação trazido pelo relaxamento.
Os exercícios de relaxamento não são passivos, mas ativos e
necessitam de treinamento pessoal (REVERBEL, 1979, p. 51).

62 CEDERJ
Por meio do jogo teatral, o corpo poderá ser trabalhado

13
constantemente. É importante, porém, que o professor crie um ambiente

AULA
favorável para que o aluno se aventure livremente nesta descoberta.
Segundo Spolin (1979, p. 129), o corpo é uma unidade, um todo
expressivo e harmônico. “O corpo deve ser um veículo de expressão e
precisa ser desenvolvido para tornar-se um instrumento sensível, capaz
de perceber e estabelecer contato e comunicar.” Neste caso, para que ele
se expresse de maneira natural e espontânea, em oposição ao movimento
artificial, é necessária a sua liberação, e não o seu controle.

Envolvimento sem as Mãos é um jogo teatral que estabelece o relacionamento


entre os jogadores e o objeto sem que seja permitido utilizar as mãos, o que
estimula no aluno a descoberta das possibilidades expressivas de outras partes
do corpo. O jogo ainda propõe a criação de um objeto imaginário com o qual
todos os alunos do grupo devam estar envolvidos conjuntamente, o que os
leva a exercitarem a noção de fisicalização. A maneira como Viola Spolin
apresenta o jogo é esquemática, cabendo a você introduzir o toque especial,
reinventando-o no momento em que estiver praticando com os alunos. Este
jogo é mais apropriado aos alunos a partir da 4ª série, mas você poderá fazer
algumas modificações, tornando-o mais acessível a outras séries.

ENVOLVIMENTO SEM AS MÃOS

Dois jogadores ou mais. Os jogadores estabelecem um objeto


animado ou inanimado entre eles. Os jogadores devem colocar o
objeto que está entre eles em movimento sem o auxílio das mãos.
Ponto de Concentração: mostrar e manipular o objeto entre eles
sem usar as mãos.
Exemplo: empurrar uma pedra, empurrar um carro, torcer um
lençol, escalar uma montanha (corda amarrada na cintura), colocar uma
tábua nos ombros.
Avaliação: eles mostraram o objeto ou contaram?
Pontos de observação

1 – Não deixem que os alunos escolham o objeto


originalmente que não precisem das mãos, (sic) como
amassar uvas com os pés, pois isto é uma resistência ao
Ponto de Concentração.

2 – Observe a espontaneidade e as maneiras não-usuais de


colocar os objetos em movimento.

CEDERJ 63
Artes na Educação | O corpo expressivo

3 – Para o exercício acima, pode ser aconselhável ter alguma


coisa que una todos os jogadores, como, por exemplo, um
grupo de prisioneiros presos a uma corrente (SPOLIN,
1982, p. 59).

CONCLUSÃO

Fique atento à linguagem corporal. Observe, no cotidiano e na


vida, como as pessoas gesticulam e se movimentam. Fique atento ao seu
próprio corpo e às suas formas de comunicação. Tome consciência de
suas atitudes corporais. Esta leitura traz elementos e dados significativos
para a criação teatral.
O corpo guarda uma memória corporal, um banco de imagens
a que você poderá recorrer durante o trabalho de pesquisa. Exercite o
corpo, movimente-se, dance. O corpo é dinâmico, precisa ser exercitado,
explorado em suas possibilidades expressivas. Respeite, por outro lado,
os seus limites. Seja o seu melhor amigo. Cuide bem dele. Ouça suas
confidências. Aprenda com ele. Faça dele um instrumento harmonioso
na sua relação com o outro e com a vida.
Exercite-o durante o jogo teatral. Observe como ele produz no
teatro uma comunicação rica e significativa. Ouse! Mostre corporalmente
a realidade cênica!

ATIVIDADE FINAL

Loja de brinquedos
Você e seu parceiro de jogo acabam de sair do cinema e passam diante de uma
vitrine repleta de brinquedos. Resolvem entrar na loja, ignorando, porém, o que
os aguarda lá dentro. Na loja de brinquedos mora um duende que adora fazer
diabruras, pregar peças, e acaba de transformar os dois em brinquedos. Pode
ser um urso dançante, uma boneca que anda ou dá piruetas, um fantoche, uma
caixinha de música. Escolha um deles a seu gosto. Vocês não têm outra saída.
Movimentem-se como bonecos. Mantenham o foco de atenção. Envolvam todo
o corpo no movimento. O duende está se divertindo vendo vocês jogarem.
O dono da loja está chegando. Já é tarde. O duende desfaz a magia e volta correndo
para a sua prateleira. E vocês, o que farão a partir de agora? Continuem a improvisação
e dêem um desfecho para ela.

64 CEDERJ
RESPOSTA COMENTADA

13
Nesta atividade, demos continuidade à exploração corporal através

AULA
dos jogos teatrais. Diferentemente da atividade anterior, em que o
foco estava em cada parte do corpo, neste jogo, você utilizou todo o
corpo para a comunicação teatral. O envolvimento se deu da cabeça
aos dedos dos pés. Converse com o seu colega e verifique se isso
realmente ocorreu. Você poderá aplicar este jogo, oportunamente,
com os alunos. Anote no portfolio suas descobertas e dúvidas. Existem
muitos outros jogos que trabalham a expressão corporal. Consulte os
livros recomendados.

RESUMO

Nesta aula, você estudou a importância do corpo no processo criativo do teatro.


Verificou que a realidade cênica resulta da utilização do corpo no espaço. Conheceu
o conceito de fisicalização proposto por Viola Spolin. Lembre-se: o aluno deve
mostrar, não contar. Descobriu, ainda, que o corpo necessita ser exercitado,
trabalhado, para se tornar expressivo e comunicativo. Reconheceu que, por meio
da pesquisa, pode-se descobrir instâncias ou partes do corpo até então esquecidas.
Aprendeu que a comunicação, no teatro, ocorre da cabeça aos dedos dos pés e
que, portanto, é necessário envolver todo o corpo na comunicação teatral.

INFORMAÇÃO SOBRE A PRÓXIMA AULA

Para ser dito como se você estivesse rezando uma missa:


Toca o sino!!! Espaço. A poesia no espaço. Vamos estudar como o espaço auxilia
a entrada do aluno no jogo teatral. Por hora, é sóóó... Até a próxima aula...
Atééééé...

LEITURA RECOMENDADA

STOKOE, Patricia, HARF, Ruth. Expressão corporal na pré-escola. São Paulo: Summus,
1987.
Os autores do livro expõem de maneira simples e atualizada o trabalho em torno
da expressão corporal, sugerindo caminhos práticos para a pesquisa em sala de
aula. Apesar de ser destinado a crianças da pré-escola, o livro é bastante apropriado
aos alunos das séries iniciais do Ensino Fundamental.

CEDERJ 65
14
AULA
Poesia no espaço
Meta da aula
Evidenciar a importância do
espaço para a construção da
teatralidade na escola.
objetivos

Esperamos que, ao final desta aula, você seja capaz de:


• listar alguns princípios do jogo teatral contemporâneo
associados à espacialidade;
• descrever procedimentos metodológicos utilizados
na criação e leitura da teatralidade.
Artes na Educação | Poesia no espaço

INTRODUÇÃO O título desta aula foi inspirado em Antonin Artaud, para quem o teatro é
“poesia no espaço”. Em sua época, nos anos 30, dava-se muita importância
ao texto teatral. Assim, se alguém queria fazer uma peça, partia sempre de
DRAMATURGO um texto preestabelecido, geralmente escrito por um DRAMATURGO famoso.
Autor teatral.
Os atores decoravam o texto, o diretor fazia algumas MARCAÇÕES no espaço

MARCAÇÃO e, pronto, a peça já reunia as condições ideais para ser apresentada. O jogo
Marcar significa cênico dizia muito mais respeito à forma como o texto era dito, às entonações
determinar, escolher
os lugares por onde e ao timbre vocal do atores do que às possibilidades expressivas do corpo e à
os atores terão de se
reinvenção do espaço.
movimentar em cena.
“É a combinação
de onde cada ator
vai estar em cada Um pouco de história
momento da peça, Meu nome é Antonin Artaud (1896-1948). Sou conhecido
para não ficar todo como o profeta do teatro moderno. Apesar de minhas
mundo embolado idéias sobre o teatro terem sido revolucionárias para a
num canto do palco época, muito pouco consegui colocar em prática. Essa
e para ninguém mudança radical no modo de fazer teatro só se tornou
trombar quando possível mais tarde, a partir da ousadia de encenadores
se movimentar” contemporâneos, dentre eles, Grotowski, Ariane
(SOUZA, 2001, p. 19). Mnouchkine e Peter Brook.
Meu teatro é conhecido como o teatro da crueldade.
Esse termo suscitou alguns mal-entendidos. Sendo
assim, gostaria de esclarecer que como crueldade
entendo rigor, isto é, disciplina, estando o caos e a anarquia no teatro sujeitos a um
sentido de ordem, concebido conscientemente (GROTOWSKI, 1971).
Vejo o teatro como um local de transformação espiritual e os atores “como mártires
queimados vivos, que nos fazem sinais de dentro de uma fogueira”. Isto quer dizer:
o ator deve desfazer-se de todas as suas máscaras, realizando um ato de entrega
total, para que o encontro entre ator e espectador se dê sob uma base verdadeira e
transformadora.
Portanto, defendo uma estética da “violência”, ou seja, do choque, capaz de sacudir os
espectadores e de levá-los a uma experiência mais profunda do sentido da vida.
No livro de minha autoria o Teatro e seu duplo, você poderá conhecer minhas
principais idéias.

Artaud, no entanto, como muitos encenadores do início do século


ENCENAÇÃO XX, defendia a idéia de que o texto, ou seja, a palavra era um dos
Ordenação e elementos da cena, e não o único.
articulação dos
diferentes elementos Acreditava, enfim, que o teatro precisava ir além das palavras
da linguagem teatral,
no espaço e no tempo,
para comunicar uma experiência humana mais profunda. Para atingir
visando à criação esse objetivo, era necessário que o espaço cênico pudesse expressar um
de um conjunto ou
todo expressivo, ou sentido construído diretamente em cena por meio da exploração dos
seja, de uma escritura
cênica. Em francês, diversos elementos da linguagem teatral, ou seja, por meio do jogo, como
a terminologia vimos estudando nesta disciplina.
correspondente para
encenação é mise-en- Sob essa perspectiva, na ENCENAÇÃO teatral, o espaço deixa de ser
scène, que significa
dispor, colocar em considerado um elemento secundário, passando a ser entendido como
cena.
uma espécie de substrato material, uma "argila", por meio do qual nasce
a forma expressiva ou poética.

68 CEDERJ
Desse modo, a cena não necessita estar restrita ao texto teatral e,

14
muitas vezes, prescinde deste, podendo surgir de estímulos diferentes, como

AULA
de uma música, uma imagem de revista, um objeto, uma idéia proposta por
uma pessoa ou um grupo, a fim de ser explorada diretamente no espaço da
cena. Como resultado disso, o corpo do ator ganha, também, uma nova
dimensão, passando a ser considerado local de invenção.
Essa idéia sobre a importância do espaço no teatro, defendida
por Artaud, é bastante atual e tem norteado a pesquisa de muitos
encenadores e arte-educadores contemporâneos. Com o propósito de
mantê-lo atualizado, gostaria de expor, nesta aula, alguns princípios e
formas criativas de trabalhar com esse tema.

O ENFRENTAMENTO DO ESPAÇO

Um dos primeiros desafios impostos ao aluno, durante o exercício


teatral, é o enfrentamento do espaço, um espaço diferente do usual,
cercado, deliberadamente, pelo olhar do outro, o que torna o jogo uma
atividade, ao mesmo tempo, desafiante e ameaçadora. Vou explicar
melhor: o aluno tem de ir à frente, agir, recriando uma nova realidade
com seu próprio corpo, sua imaginação e emoções. Spolin (1982) utiliza
a expressão “penetração no ambiente” para se referir a esta condição de
concretude (exploração, ocupação e reinvenção) do espaço no teatro.
Isto significa que somente através do envolvimento sensível do jogador
no ambiente, o espaço ganha vida e o jogo teatral começa a existir.
A necessidade de ocupação do espaço gera, muitas vezes, uma
atitude de retraimento, levando o aluno a não entrar no jogo ou, ainda,
a ocupar um lugar restrito ou acanhado dentro do espaço da cena. No
início do curso, é comum verificar que os alunos ocupam um espaço
diminuto, realizam as ações perto da parede ou de costas, com o receio
de enfrentar o olhar da platéia formada pelos colegas e professor. No
pólo oposto a essa tendência, encontramos uma outra atitude: o aluno
coloca-se no centro das atenções, muitas vezes, contrariando o acordo
coletivo e as regras propostas.

!
Partindo dos pressupostos formulados por Piaget sobre o desenvolvimento do pensamento na criança,
além do jogo motor e do jogo simbólico, podemos relacionar o jogo teatral ao jogo de regras, este último
caracterizado por um acordo coletivo e pela obediência a certas regras. O jogo coletivo ocorre por volta dos
sete anos de idade, momento em que a criança começa a fortalecer os laços do convívio social.

CEDERJ 69
Artes na Educação | Poesia no espaço

Cabe ao professor demonstrar discernimento para contornar essas


duas situações e estimular nos alunos uma atitude mais autêntica em
relação ao espaço de revelação propiciado pelo jogo teatral. Brook (2000)
nos lembra que “o grande desafio é saber discernir a todo momento”.
Saber discernir, além de ser um exercício a ser praticado pelo professor
durante a vida toda, é uma qualidade que se aprimora com o tempo, no
dia-a-dia de trabalho, a partir da intuição e, também, dos erros.
É necessário estar atento ao ritmo de cada aluno e a cada vitória
conquistada, pois, dependendo do aluno, é preciso esperar mais um
tempo antes de propor um novo desafio. Crianças muito tímidas, por
exemplo, são como pequenas jóias que necessitam de cuidado especial,
para não serem violadas no seu direito de se calarem.

Ao explorar objetivamente o espaço externo, mudanças e


transformações também se processam no espaço subjetivo. A
maneira como me coloco no espaço altera minha forma de sentir;
ou a maneira como me sinto me faz ocupar determinados lugares
no espaço. O trabalho com o espaço está carregado de simbolismo;
nele são expressas atitudes, modos de pensar e sentir o mundo e a
si mesmo (SOARES, 2001).

Desse modo, à medida que o aluno ocupa o espaço do jogo teatral,


lança-se nele, experimenta-o com o seu próprio corpo, expressando modos
de ser e de sentir e, da mesma maneira, mudanças internas entram em
curso. O espaço que até então parecia grande, amedrontador e desafiante,
gradativamente, com a prática do jogo, torna-se pequeno, confortável e
acolhedor. No entanto, como disse anteriormente, é preciso respeitar o
ritmo e o processo de cada aluno e sua vontade de se envolver com esse
espaço de experimentação.
Por meio do exercício teatral, o sujeito toma consciência, em maior ou
menor grau, da relação existente entre o mundo que o cerca e o eu interno,
como revela um aluno ao avaliar o curso de teatro: “Eu aprendi a ter mais
desenvoltura, utilizar bem o espaço, ter menos vergonha, movimentar-me
mais, ter uma boa relação com os outros participantes.” Pode-se perceber, em
seu depoimento, que o jogo lhe proporcionou, ao mesmo tempo, crescimento
interior e maior penetração no espaço à sua volta.

70 CEDERJ
ATIVIDADE

14
AULA
Exercício de penetração no espaço

1.1. Ande pelo ambiente onde você se encontra, observando o espaço ao


seu redor. Observe as paredes, o teto, o chão, os objetos, a amplitude do
lugar, as distâncias entre um ponto e outro, conscientizando-se de todos
os detalhes. Perceba aquilo que até então havia passado despercebido
para você.

1.2. Continue caminhando, agora alternando o seu olhar: ora você vai entrar
em contato com os objetos e o espaço ao redor, ora vai ignorá-lo, como se
os objetos se tornassem invisíveis. Que modificações você percebeu?

1.3. Desenhe, no seu portfolio, a área de jogo que você explorou durante
essa aula, registrando o que observou.

__________________________________________________________________
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__________________________________________________________________
__________________________________________________________________
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_________________________________________________________________

RESPOSTA COMENTADA
Essa brincadeira com o olhar modifica sua percepção sobre o espaço
onde você se encontra. Você, provavelmente, passou a percebê-lo
com mais minúcias, tomou uma consciência maior sobre ele e o
seu próprio corpo. No segundo item dessa atividade, é interessante
perceber que, ao entrar em contato com o espaço e os objetos, o
corpo e o olhar tornam-se mais presentes e mais ativos, enquanto,
ao tornar os objetos invisíveis, dirigimos a atenção para o espaço
mais subjetivo.

O ESPAÇO VAZIO

Que tal se lançar no espaço e enfrentá-lo? Acredito que você já


venha encarando este desafio. Quanto mais você experimentar o espaço
do jogo, superando o receio e a insegurança naturais a essa atividade,
mais conquistas pessoais e artísticas você estará alcançando.
O espaço criativo nem sempre é seguro, pronto ou acabado. Ao
contrário, é um espaço onde o risco está presente, revelado aos poucos,
à medida que você age.
Peter Brook (2000), renomado mestre-encenador do teatro
contemporâneo, tem afirmado que o espaço do jogo é um “espaço

CEDERJ 71
Artes na Educação | Poesia no espaço

vazio”, exatamente por não conter essa segurança toda. Ao enfrentá-lo,


saímos da zona de conforto a que estamos habituados e nos lançamos
em direção ao novo, à criação de formas artísticas vivas, tornando-nos
capazes de comunicar uma experiência humana significativa.
O jogo teatral, dessa maneira, aproxima-se da vida, instância onde
não temos certeza do que está por vir. Pode-se planejar algo hoje e, de
repente, sair tudo diferente amanhã, o que nos leva a pensar que o melhor é
permanecer no presente, nem preso ao que já passou nem temeroso a respeito
do futuro. Quanto mais estivermos focados no presente, mais seremos
capazes de perceber a poesia da vida e respeitar o seu próprio ritmo.
Para viver o presente, devemos assumir uma atitude de jogo, isto
é, enfrentar o espaço vazio com todas as suas incertezas, deixar a vida
fluir, sem ficar preocupado à toa. Isso, com certeza, traz um sentido maior
de liberdade e maior flexibilidade interna, mas não é uma atitude fácil e
requer um amadurecimento interior constante. A prática do jogo teatral,
portanto, solicita dos jogadores o desenvolvimento das habilidades de escuta,
flexibilidade e confiança.
Brook desenvolveu o conceito de espaço vazio como reação a muitos
espetáculos atuais, denominados por ele como teatro morto, porque,
além de não comunicarem nada de significativo, não têm beleza, vida ou
encantamento, entrando em cartaz apenas por interesse comercial.
O espaço vazio não é um espaço atravancado de móveis ou recursos
TEATRO REALISTA cênicos como no TEATRO REALISTA, onde o cenário procura recriar o espaço
Estética teatral
que imita o real.
real, com todos os detalhes, dando ao espectador a ilusão de que a ficção
Ao esconder os seja mesmo realidade. Ao contrário, o espaço vazio é um campo de jogo,
instrumentos,
maquinarias e desprovido de recursos, cabendo aos atores e espectadores recriá-lo segundo
recursos produtores
da teatralidade, sua imaginação.
leva o espectador A noção do espaço vazio já estava presente no teatro elisabetano,
a se esquecer de
que está no teatro, que recebeu esse nome, porque ocorreu no reinado de Elisabeth I, no século
transmitindo a ilusão
de que o que ocorre XVI, encontrando em Shakespeare um dos seus maiores expoentes.
em cena é real.
Se você assistir ao filme Shakespeare apaixonado, verá que os
atores utilizam-se do mesmo espaço, ora transformado em floresta, ora
em sala real, sem utilizar nenhum cenário. Quando muito, recorria-se
a pequenas tabuletas que indicavam ao espectador o local da cena, por
escrito. Os recursos cênicos eram poucos, cabendo à imaginação dos
atores e espectadores dar vida ao universo poético de Shakespeare.

72 CEDERJ
No teatro elisabetano, as mulheres não podiam atuar, pois o palco

14
não era considerado um local adequado para uma mulher de respeito.

AULA
Cabia, então, aos homens a interpretação dos papéis femininos. Além
disso, havia alguns truques cênicos, característicos da estética teatral
daquela época como, por exemplo, a utilização de um lenço vermelho
para indicar o sangue. Isto é chamado de convenção teatral.
O teatro se parecia com uma feira, com as pessoas conversando
alto e, muitas vezes, entrando no palco. A própria arquitetura do teatro
lembrava uma praça cercada. O teatro era a céu aberto, com um palco
coberto, posicionado em um dos lados e com um espaço grande bem à
frente do palco, onde o povo assistia à representação em pé; ao redor,
camarotes destinavam-se à nobreza e às pessoas de posses. Os ricos se
instalavam em cadeiras, possuindo um melhor ângulo de visão sobre o
espetáculo. Essa forma de distribuição da platéia pelo espaço reflete, por
outro lado, uma relação de desigualdade ou hierarquia social.

Um pouco de história
Meu nome é William Shakespeare (1564-1616).
Sou considerado um dos maiores dramaturgos
da história do teatro. Escrevi comédias, tragédias
e dramas históricos. Talvez você já tenha ouvido
falar em Romeu e Julieta, Hamlet, Otelo, Rei
Lear, Macbeth, A tempestade, Noite de reis, O
mercador de Veneza ou, ainda, Sonhos de uma
noite de verão.
Minhas peças são encenadas até hoje, pois
estão carregadas de poesia e transmitem um
conhecimento profundo sobre o universo humano.
Para escrever, busquei inspiração na literatura, nos
contos, lendas e situações da vida real. Romeu e
Julieta, por exemplo, surgiu de uma história real,
muito antiga, ocorrida entre dois adolescentes
apaixonados que pertenciam a famílias inimigas.
Além de escritor fui ator, diretor, produtor teatral
e sócio de um dos teatros mais famosos da época,
o Teatro Globe.

CEDERJ 73
Artes na Educação | Poesia no espaço

Figura 14.1: Teatro Globe, visto


por fora (a) e por dentro (b).

Como você pode perceber, o espaço vazio prescinde de tudo


aquilo que não lhe é essencial: cenário, figurino, cortinas, palco, texto,
iluminação, música, cadeiras; exige apenas um espaço onde o ator possa
agir e uma platéia possa observar a ação cênica. A essência do teatro
está, portanto, nessa relação de comunicação entre ator e espectador
num espaço tridimensional.
Assim, você não necessita de muita coisa para fazer teatro na
escola. Lá já existe o principal: seres humanos e espaço. Contando,
ainda, com uma dose de paixão, muito pode ser realizado. Utilize todos
os espaços disponíveis na escola e nos seus arredores para a realização
do jogo teatral, pois qualquer espaço pode ser transformado em
campo de jogo: a sala de aula, a cantina, o corredor, o pátio, o portão,
a igreja ao lado, o parque, a rua etc. Todo espaço é um espaço vazio, à
espera de que possamos descobrir ou revelar sua teatralidade.

O termo teatro é usado para designar tanto o fenômeno ou acontecimento teatral


como o edifício teatral, isto é, o lugar físico onde a peça é representada. No edifício
teatral, há um local destinado à ação, conhecido como palco, e outro, destinado
aos espectadores. O edifício teatral modificou-se no decorrer da história, de acordo
com a visão de mundo e valores de determinada sociedade. Assim, no século V a.C.,
surgiu o teatro de arena, na Grécia antiga; no século XI d.C., as mansões do teatro
medieval; no século XVI, o teatro elisabetano, na Inglaterra; os currales, na Espanha
e os tablados da commedia dell’arte erguidos nas ruas, praças e feiras. Ainda no
século XVI, o teatro italiano surgiu nos principados, sendo considerado, até meados
do século XX, uma espécie de imperativo ou modelo ideal de espaço cênico.

74 CEDERJ
14
O teatro italiano é considerado o espaço cênico mais tradicional.
O tablado situa-se em local mais alto do que aquele destinado à

AULA
platéia, que é, por sua vez, colocada de frente para a cena. No
início do século XX, encenadores modernos começam a questionar
esse tipo de organização: a disposição passiva, frontal e a distância
ocupada pelo espectador em relação ao espetáculo. A partir de então,
inúmeras pesquisas espaciais vêm sendo realizadas, visando a romper
com a relação de hierarquia social imposta por este espaço, a fim de
diminuir a distância entre ator e espectador, transformando, desse
modo, o acontecimento teatral numa experiência compartilhada e
participativa.

A UTILIZAÇÃO DE ESPAÇOS NÃO-CONVENCIONAIS

Um marco importante do teatro contemporâneo, como se costuma


dizer, é a explosão do espaço. O que isto significa? Significa uma mudança
radical em relação aos espaços tradicionais reservados ao público e aos
atores. Assim, os encenadores contemporâneos tornaram mais dinâmica
e democrática essa relação espacial, procurando modificar a postura
passiva, frontal e a distância do espectador diante do espetáculo,
propondo uma participação maior do mesmo na cena e no processo
criativo ou, ainda, solicitando dele posicionamento crítico em torno da
realidade apresentada no palco.
Essa busca levou os encenadores a questionar o lugar destinado
tradicionalmente, no teatro, ao espectador e à exploração de espaços
não-convencionais de representação. Atualmente, podemos assistir a
peças de teatro representadas em galpões de fábricas, igrejas, museus,
hospitais, presídios etc., onde o público, muitas vezes, está frente a frente
com os atores.
O tiro que mudou a História, com direção de Aderbal Freire Filho,
foi encenada no Palácio do Catete, no Rio de Janeiro, onde o presidente
Getúlio Vargas morreu. Nessa peça, o público não se sentava numa
poltrona confortável; ao contrário, permanecia em pé durante todo o
espetáculo, acompanhando os atores que se deslocavam pelos ambientes
da casa. A cena final ocorria no próprio quarto de Getúlio, cenário onde
pôs fim à sua própria vida. Por ser encenado em espaço real, o espetáculo
ganhou maior dramaticidade.

CEDERJ 75
Artes na Educação | Poesia no espaço

Outro espetáculo interessante que utilizou espaços não-


convencionais foi Romeu e Julieta, encenado pelo Grupo Galpão, de
Belo Horizonte. Partindo de uma estética popular, o espetáculo ocorria
nas ruas e praças, com os atores utilizando pernas de pau e tendo como
tablado um carro.

Desse modo, para fazer teatro com os alunos, basta que você
esteja disposto, internamente, a jogar, a estar com eles, respeitando e
estimulando em cada um sua capacidade criativa.
Na escola, se houver um espaço livre destinado à aula de teatro,
ótimo! Caso não haja, o que é muito comum, pode-se improvisar novos
espaços dentro da sala de aula e, mesmo, fora dela. Você também poderá
colocar os móveis de lado, abrindo um pequeno espaço ou utilizando o
espaço total. Ainda poderá transformar os móveis em elementos cênicos,
incorporando-os à cena. No próximo item, estudaremos algumas formas
de enquadrar o espaço. Que tal uma atividade, antes de avançarmos na
compreensão da espacialidade?

ator espectador

76 CEDERJ
ATIVIDADE

14
AULA
2.1. Escolha um espaço por onde você circule habitualmente. Procure
lembrar-se de sua arquitetura, da disposição de seus objetos, suas cores,
formas, volumes etc. Anote no portfolio as sensações que esse espaço
lhe transmite. Agora, escreva uma breve cena ou um acontecimento que
possa ocorrer nesse espaço.

2.2. Pense numa história clássica infantil. Agora, identifique uma praça ou
parque de que você goste em sua cidade. Faça um pequeno projeto de
encenação da história, utilizando os espaços concretos desse ambiente.
Anote ou desenhe suas idéias no portfolio. Em que lugares se passa a
história que você escolheu? Que lugar da praça ou do parque seria mais
interessante para representar cada cena? Tire partido do ambiente concreto,
de suas qualidades físicas, visando à criação do local de ficção. Coloque
também o olhar do espectador em relação ao espaço. De que lugar o
público vai assistir a cada cena do espetáculo?

Escolha uma das opções apresentadas e desenvolva sua imaginação


cênica.

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COMENTÁRIO
Os espaços onde vivemos estão carregados de teatralidade. É muito
importante descobrir a teatralidade presente no ambiente imediato,
concreto, que nos rodeia. Podemos tirar partido da própria arquitetura
do espaço para a criação cênica. Esse exercício desenvolve o olhar
estético, tão fundamental à prática teatral, permitindo que você
descubra a poesia do espaço.

CEDERJ 77
Artes na Educação | Poesia no espaço

O ENQUADRAMENTO DO ESPAÇO

O que significa enquadrar o espaço? Preste atenção a um quadro


qualquer. Ele tem uma moldura que delimita o seu espaço. Da mesma
maneira, vamos enquadrar o espaço real onde nos encontramos, através
de um recorte neste espaço, criando uma moldura para ele. Podemos fazer
quantos recortes quisermos no espaço, grandes, médios ou pequenos.
Você e seus alunos poderão delimitar um espaço pequeno no canto
da sala; outro, perto do quadro-negro, ou um médio, no fundo da sala, no
meio ou próximo à janela ou, quem sabe, enquadrar um espaço ainda maior.
Por exemplo, a sala inteira é transformada em campo de jogo. Lembre: são
infinitas as possibilidades de enquadramento do espaço.
Por meio desse procedimento metodológico, o jogo teatral passa a
ocorrer num espaço definido intencionalmente. Você se lembra da nossa
primeira aula? O campo de jogo é um do princípios estéticos do jogo
teatral. O jogo só existe a partir da delimitação de um espaço e, apenas
jogando, esse espaço passa a existir.
Há algumas maneiras simples de demarcar o espaço de jogo na escola:
um traçado de giz no chão, a utilização de um barbante ou de um tapete e,
ainda, simplesmente, pela indicação verbal de formas geométricas. Por meio
desse procedimento, você poderá verificar que todos os espaços da escola
podem ser explorados teatralmente, permitindo que a ação cênica não se
restrinja à existência do tradicional palco italiano.
A possibilidade de enquadrar múltiplos locais na escola para a
realização do jogo teatral consiste, também, numa tentativa de romper
com o princípio da relação frontal, estática e passiva, comum ao teatro
tradicional, como à relação educador-educando. “Este automatismo
está tão incorporado à rotina escolar que é comum, durante os jogos,
os alunos tomarem o espaço em frente ao quadro-negro como único
espaço da ação” (SOARES, 2003).
Ao demarcar uma área de jogo, a atenção do aluno está sendo
deslocada para aquele espaço específico, para os objetos e a própria
arquitetura do local. Ao proceder dessa forma, o olhar sobre um
determinado espaço se intensifica e o aluno começa a perceber detalhes,
formas, nuanças de cores que até então passavam despercebidas.
A consciência se expande. Os sentidos e sentimentos ficam mais aguçados,
despertando no aluno o desejo de interagir com aquele espaço.

78 CEDERJ
Seguindo esse princípio, você poderá, junto com os alunos,

14
enquadrar diversos espaços dentro da sala de aula, ou seja, dividi-la

AULA
em subáreas, para que o jogo possa ocorrer. Podem ser demarcados
ambientes internos ou externos como, por exemplo, o corredor, o pátio, a
cantina, uma árvore. Você ainda poderá ultrapassar os portões da escola
para jogar com os seus alunos nos arredores.

CEDERJ 79
Artes na Educação | Poesia no espaço

ATIVIDADE

3.1. Vamos experimentar a idéia anterior, recorrendo a um exercício bem


simples de enquadramento do espaço. Pegue uma folha de papel ofício e
dobre-a, marcando-a em quatro partes. Em seguida, faça um pequeno corte
quadrado no centro da folha. Observe, por meio desse pequeno buraco,
o ambiente onde você está. Alterne a distância do papel em relação aos
seus olhos. Comente, por escrito, essa experiência. De que maneira o seu
olhar sobre o espaço se modificou?

3.2. Circulando, agora, pelo espaço, você vai dirigir o seu olhar, enfocando
diferentes círculos de atenção. Primeiramente, utilizará o círculo pessoal,
aquele que está relacionado ao seu eu subjetivo. Nesse círculo, sua atenção
está voltada para você mesmo e seu próprio corpo. Em seguida, observará
o círculo pequeno, aquele que compreende os objetos que estão mais
próximos a você, ou seja, o espaço mais imediato. Depois, expandindo
ainda mais este círculo, irá observar o espaço grande, a totalidade da sala.
Por último, o espaço infinito, aquele que ultrapassa o local onde você se
encontra. O olhar, neste momento, se lança para fora da janela, para o
horizonte. Brincando desse modo, alterne o olhar enquanto caminha, não
sendo necessário seguir uma ordem preestabelecida.

3.3. Anote no portfolio suas observações a respeito da experiência com


os círculos de atenção.

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COMENTÁRIO
Ao modificar a distância entre o olho e o furo do papel, surgem novos
enquadramentos do espaço. Ora você enquadra o espaço total, ora
tem a visão de um detalhe, dentro desse mesmo espaço. Esse tipo de
exercício intensifica o olhar sobre o espaço, levando você a percebê-lo
em suas diferentes nuanças.
No dia-a-dia, alternamos o olhar automaticamente; você já percebeu?
Passe a observar os círculos de atenção que você utiliza durante cada
momento ou atividade diária. Esse exercício nos torna conscientes
do movimento natural de passagem entre o interior e o exterior
de nós mesmos, entre o subjetivo e o objetivo, a realidade e a
fantasia. Estimula também a prontidão – premissa do jogo teatral
contemporâneo – e facilitando, por sua vez, maior autoconhecimento
e, conseqüentemente, maior enfrentamento do espaço ao redor.

80 CEDERJ
CÍRCULO DE ATENÇÃO

14
Podemos associar cada círculo de atenção a uma circunstância

AULA
ou ação específica. Por exemplo, uma pessoa, ao andar na rua envolta
em seus pensamentos, focaliza a atenção no círculo pessoal. Uma pessoa
que abre o armário, escolhe uma blusa, veste-se, olha-se no espelho, está
com o olhar focado no pequeno círculo de atenção. Ela entra em contato
com uma pessoa ou um objeto específico, a cada vez, no espaço. Agora,
vamos supor que essa mesma pessoa entre numa casa que até então não
conhecia. Ela começa a olhar todo o espaço, perceber os detalhes, os lustres,
as janelas, as cortinas, focando a atenção no círculo grande. Por último,
quando lança o olhar para o horizonte, procurando ver o que está além
das montanhas ou do mar, concentra-se no círculo infinito.
A teoria dos círculos de atenção foi desenvolvida por Stanislavski
(2001). Consiste num recurso didático utilizado pelo autor para auxiliar
o aluno a concentrar a atenção no espaço da cena, ou seja, naquilo
que acontece na esfera do jogo teatral. Ao trabalhar sobre o círculo de
atenção, o aluno estabelece um foco de atenção em relação aos objetos
colocados mais próximos ou mais distantes dele mesmo. Ao realizar tal
objetivo – ao colocar-se de forma atenta na relação com o espaço do jogo
–, o desconforto de atuar diante de uma platéia é superado, ampliando-se
a consciência do aluno em relação aos elementos necessários à criação
da realidade cênica.

A DELIMITAÇÃO DA ÁREA DE JOGO

O enquadramento do espaço é um dos princípios básicos do jogo


teatral. Ao delimitar o “espaço do jogo” do “espaço do não-jogo”, você
está definindo duas áreas diferentes: aquela onde ocorre a ação e a que
abriga o olhar do espectador, o local da platéia. O teatro, como já vimos
anteriormente, ocorre a partir deste jogo de olhares. Veja algumas dicas
de como você pode trabalhar essa proposição com os alunos:

Explorando a realidade imediata do espaço

• Você pode enquadrar uma área de jogo escolhendo um


dos procedimentos citados anteriormente e, depois, pedir
aos alunos que ocupem essa área. A turma toda fica fora
do espaço de jogo. Peça aos alunos que ocupem, um a um,

CEDERJ 81
Artes na Educação | Poesia no espaço

a área de jogo. Eles devem penetrar o espaço, propor uma


imagem corporal e congelar, ou seja, tornar a imagem fixa.
Eles não podem se mexer após a criação da imagem. Com
esse jogo, os alunos se relacionam com a realidade imediata
do espaço, explorando suas formas arquitetônicas e objetos
ali dispostos. Isso significa que o trabalho criativo nasce
do estímulo que o próprio espaço oferece, como tamanho,
volume, linhas, ângulos, cores, luminosidade, textura e
suas relações com o exterior e o interior. Delimite, agora,
outros espaços e repita o jogo.

Promovendo a leitura da teatralidade do espaço

• Enquadre uma área de jogo na escola ou peça aos alunos


para fazê-lo. Depois, é interessante que eles, simplesmente,
observem esse espaço de fora. O que há dentro dele?
Como os objetos estão dispostos? De que materiais são
feitos? São objetos industrializados ou naturais? Novos
ou antigos? Que lembranças esse espaço traz? Instigue,
também, a percepção dos alunos sobre a arquitetura do
local: volumes, luminosidade, planos etc.

• Que local imaginário esse espaço pode representar?


Que cenas podem ser representadas nesse lugar? Que
personagens podem viver ali? O que fazem? Como se
relacionam? Pouco a pouco, o imaginário dos alunos
começa a ser estimulado e a vontade de entrar no jogo é
despertada. O espaço cumpre, assim, a função de facilitar
a entrada do aluno no jogo.

Criando uma pequena cena

• Num segundo momento, você pode dividir a turma


em pequenos grupos e pedir a cada um deles que crie
uma breve situação cênica dentro de um dos espaços
delimitados anteriormente. A situação cênica poderá
surgir de uma lembrança, sensação ou sentimento que o
próprio espaço ofereça ou, ainda, pela invenção de um
lugar imaginário.

82 CEDERJ
Certa vez, jogando com os alunos, enquadrei um espaço da

14
sala onde havia um piano. Os alunos transformaram esse

AULA
espaço num balcão de bar, num esconderijo secreto, num
banco de ônibus, suscitando múltiplas situações teatrais.

Para Jean Pierre Ryngaert (1985), renomado professor de teatro


da universidade Sorbonne, em Paris, o enquadramento consiste numa
forma de recarregar os espaços, ou seja, de atribuir-lhes novos sentidos.
É possível transformar os espaços institucionais em poéticos. Por meio
desse procedimento, você poderá transformar, por exemplo, o espaço
da escola num espaço lúdico, rico em poesia.

Slade (1978) afirma que, a partir da atividade livre no espaço tridimensional,


a criança começa a desenvolver consciência sobre o seu próprio corpo, a
perceber os volumes, os espaços cheios e os vazios, a relação de distância
entre um corpo e outro e a se relacionar dinamicamente com o mundo.
Ao realizar essa atividade, a criança, segundo Slade, adquire a noção de
eqüidistância, tornando-se capaz de traçar suas primeiras composições
formais. Ao perceber as formas, os corpos, os volumes se relacionando no
espaço, a criança começa a dar forma ao desenho e, conseqüentemente,
a perceber a teatralidade se esboçando no espaço da vida. O objetivo,
portanto, da aula de teatro na Educação consiste em proporcionar ao
aluno essa primeira experiência de liberdade no espaço, tornando seus
gestos e ações, progressivamente, mais conscientes.

CONCLUSÃO

Todo e qualquer espaço possui uma dimensão física que contém,


por si só, uma carga de expressividade. No jogo teatral contemporâneo,
trabalhamos sobre essa materialidade, explorando-a de forma sensível, lúdica
e simbólica. O espaço teatral ou artístico surge, assim, como resultado da
junção entre esses dois espaços, real (ou concreto) e ficcional.
O enquadramento da área de jogo é um procedimento que permite
ao aluno o desenvolvimento de sua percepção estética, como também
a possibilidade de ressignificação dos espaços cotidianos. Desse modo,
por intermédio do jogo teatral, os espaços institucionais transformam-se
em espaços poéticos.
Ao reconhecer a beleza do espaço, os alunos são estimulados
a enfrentá-lo, ou seja, a experimentá-lo corporalmente, superando,
gradualmente, qualquer receio ou defesa pessoal. O espaço funcionaria,
desse modo, como um convite de entrada no jogo teatral.

CEDERJ 83
Artes na Educação | Poesia no espaço

Além disso, a exploração de espaços não-convencionais na


escola lança a questão da relação de poder entre os pares professor e
aluno, ator e espectador, instalando-os, agora, sob uma nova base, mais
democrática e dinâmica. Sob essa perspectiva, o saber e o acontecimento
teatral resultam de uma ação compartilhada e participativa.

ATIVIDADE FINAL

O objeto brinquedo
• Demarque uma área de jogo, fazendo um traçado de giz no chão ou utilizando
um barbante.
• Em seguida, construa o espaço, utilizando objetos fabricados, novos ou velhos:
caixotes de feira, caixas de papelão, tudo aquilo que você não usa mais em
casa ou na escola, ou seja, qualquer sucata, além de objetos da natureza,
como folhas secas, galhos de árvores, pedras etc. Assim como os brinquedos de
construção, você disporá os objetos no espaço, testando inúmeras possibilidades
de organização e criando pequenas esculturas.
• Depois que o espaço estiver organizado, procure observá-lo de fora, colocando-se
sob diferentes ângulos de visão. O mesmo trabalho pode ser visto pela frente,
por trás, pelo lado etc. Dependendo do ângulo, o olhar sobre a escultura se
modifica.
• Agora, interfira no espaço, procurando ocupá-lo corporalmente. Relacione-se
sensivelmente com o espaço, não se preocupando com a criação de um sentido
real ou figurativo. Imagine, se preferir, um lugar ficcional, improvisando, a partir
dele, uma pequena cena.
• Anote no portfolio suas impressões a respeito desse jogo.
Você poderá realizar esse procedimento na sala de aula, dividindo os alunos
em pequenos grupos, os quais delimitam sua área de jogo e constroem o seu
próprio espaço. Depois, toda a turma poderá percorrer a sala, apreciando, sob
diferentes ângulos, o trabalho feito por cada grupo. A seguir, eles poderão
recriar o espaço por meio de suas ações.
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84 CEDERJ
COMENTÁRIO

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O objeto-brinquedo se aproxima dos brinquedos de construção, que

AULA
despertam enorme prazer ao serem manuseados e organizados
segundo suas qualidades físicas: volume, tamanho, peso, equilíbrio
etc. Por meio deste procedimento, você constrói um espaço cênico
expressivo, posteriormente reinventado, através de inúmeras variáveis,
segundo sua imaginação e ação corporal. Leve o resultado de suas
pesquisas ao pólo – desenhos, fotos, observações escritas sobre o
objeto-brinquedo – e compartilhe com o tutor e colegas.

RESUMO

No teatro contemporâneo, o sentido nasce da articulação ativa de todos os


elementos da linguagem teatral diretamente com o espaço. Desse modo, o espaço
passa a ser valorizado como um elemento expressivo da cena.
No espaço do jogo, denominado por Peter Brook (2000) espaço vazio, o desafio está
presente, exigindo dos jogadores disponibilidade interna para enfrentar o novo e
transformar o acontecimento teatral numa ação compartilhada e participativa.
A busca de espaços não-convencionais e o enquadramento da área de jogo são
dois procedimentos metodológicos que aproximam as ações pedagógicas aos
princípios do jogo teatral contemporâneo.
O espaço funciona, desse modo, como um elemento facilitador do jogo teatral,
estimulando e convidando o aluno a enfrentar o desafio de estar no jogo.

INFORMAÇÕES SOBRE A PRÓXIMA AULA

Para ser dito como se você fosse um político fazendo um discurso:


"Meu caro aluno, não estou aqui para fazer promessas vazias. Jogo é ação.
Na próxima aula, você terá acesso a um guia de jogos teatrais, com objetivos e
dicas de como trabalhar, na prática, a integração e as premissas do jogo teatral
contemporâneo".

CEDERJ 85
Artes na Educação | Poesia no espaço

MOMENTO PIPOCA

• Hamlet. Filme baseado numa das mais famosas obras de William Shakespeare.
A peça é uma tragédia e conta a história de Hamlet, príncipe da Dinamarca,
que fingindo-se de louco promete vingar a morte do pai, que lhe aparece
como fantasma.
Direção: Laurence Olivier, 1948.
• Romeu e Julieta: Clássica história de amor de William Shakespeare. Conta
a história de dois jovens apaixonados que vivem um amor impossível. Indico
duas versões:
• Paramount Pictures, BHE FILM. Produção e direção de Franco Zefirelli.
• Twentieth Century Fox Corporation. Produção Bazmark, Leonardo DiCaprio
e Claire Danes. Dirigido por Baz Luhrman. 2000.
• Shakespeare apaixonado – Vencedor de sete Oscar. William Shakespeare ganha
nova inspiração para escrever ao se apaixonar por Lady Viola. William, no entanto,
desconhece que Viola está prometida para se casar com outro e que interpreta
secretamente um papel masculino em sua última produção teatral. O romance
do casal se confunde com a história da peça que William escreve.
Miramax Films/Universal Pictures/The Bedford Falls Company. Escrito por Marc
Norman e Tom Stoppard. Dirigido por John Madden. 1997.
• Sonho de uma noite de verão. Inspirado na comédia romântica de Willian
Shakespeare. A peça retrata o misterioso poder do amor e como num sonho
mistura realidade e fantasia, trazendo à cena tanto personagens realísticos
quanto, fadas e duendes.
Twentieth Century Fox Film Corporation. Com Michelle Pfeiffer e Kevin Kline.
Direção: Michel Hoffman, 1998.

86 CEDERJ
15
AULA
Capacidade de jogo
Meta da aula
Apresentar uma proposta de
organização da aula de teatro,
dando destaque à primeira parte da
estrutura: a integração.
objetivos

Esperamos que, ao final desta aula, você seja capaz de:


• conceituar a noção de capacidade de jogo;
• identificar os primeiros passos para a organização
de uma aula de teatro;
• listar jogos que exercitem as premissas do jogo
teatral contemporâneo.
Artes na Educação | Capacidade de jogo

INTRODUÇÃO Agora, que tal um novo desafio? Tendo em vista o que você já aprendeu sobre
o ensino-aprendizagem do teatro, é hora de traçar os primeiros passos para a
organização de uma aula de teatro.
Estarei junto a você, fornecendo algumas informações sobre jogos teatrais,
esclarecendo o objetivo de cada um deles e propondo uma estrutura de aula,
de acordo com as seguintes etapas:
1 – integração do grupo;
2 – estímulo cênico;
3 – composição cênica;
4 – avaliação.
Por questão didática, ao organizar uma aula de teatro, sugiro dividi-la em quatro
etapas. É interessante que a aula siga a estrutura apresentada, embora esta
seqüência não seja rígida, podendo ser alterada segundo a dinâmica, o contexto e
o tempo disponível para cada aula. O tempo ideal para o cumprimento de todas as
etapas é de 1h30min. Caso disponha de um tempo menor, por exemplo, 50min,
você poderá desenvolver duas ou três etapas, incluindo sempre a avaliação.
A estrutura proposta será realizada por você em duas aulas separadas. Hoje, o
enfoque será dado ao primeiro momento da aula: a integração do grupo. Há
uma variedade de jogos apropriados para esse momento. Você poderá fazer as
adequações necessárias segundo a idade, a série e o número de alunos, e ainda
criar outros tantos jogos pela sua imaginação.
Na Aula 16, darei destaque às seguintes etapas: estímulo, composição cênica e
avaliação; tratarei, mais especificamente, da criação cênica, propriamente dita.

Hilton Araújo (1974, p. 23) estabelece a diferença entre jogo preparatório e jogo
dramático no ensino do teatro na escola. Segundo ele, o jogo preparatório, como
o nome indica, é uma preparação. Ele tem como objetivo estimular no aluno
habilidades necessárias para a realização do jogo dramático, tais como criatividade,
socialização, observação, imaginação e relaxamento. Este último já contém, em si
mesmo, a representação de uma situação imaginária.

CRIANDO UM AMBIENTE APROPRIADO

Se for possível, utilize uma sala ampla da escola, específica para


aula de teatro, onde os alunos possam experimentar livremente o espaço.
Caso isso não seja viável, crie uma área de jogo, pequena ou grande,
colocando as carteiras num canto da sala. Leve para lá um baú ou
uma arara (suporte para cabides), onde possam ser guardados roupas,
chapéus e objetos variados, que serão de grande utilidade durante os

88 CEDERJ
jogos teatrais. Além disso, você poderá confeccionar alguns praticáveis

15
(cubos de madeira), que poderão ser agrupados para a criação do cenário,

AULA
servindo ora de cama ora de sofá ou mesa ou carro etc. Estou dando
a para você a noção de um ambiente ideal. Como já mencionamos, se
este ambiente não for possível, você ainda assim poderá fazer teatro com
seus alunos. Lembre-se das possibilidades oferecidas pelo espaço-vazio
ao teatro, de como ele está inteiramente aberto à imaginação.
O lugar da arte e da criatividade na escola deve e precisa ser
reafirmado constantemente. Esta conquista, muitas vezes, é gradual e
depende do seu interesse e esforço pessoal.
À medida que você consolida esta conquista, poderá incrementar
o espaço da sala de teatro, criando uma identidade para ela, expondo os
trabalhos dos alunos, reinventado os lugares do espectador e da ação e,
ainda, convidando outras turmas da escola para assistir às cenas. Isto,
é claro, se for do desejo dos próprios alunos.
Incentive o uso de roupas confortáveis para as aulas e, além disso,
reserve um lugar onde os alunos possam deixar seus pertences, de maneira
que consigam movimentar-se livremente pelo espaço.
Se for conveniente, você poderá solicitar que os alunos tirem os
sapatos. Os pés são a base de nosso corpo; eles conferem equilíbrio e
segurança. É importante que as crianças aprendam a sentir as plantas e
os dedos dos pés tocando firmemente o chão.

Você já prestou atenção nas danças indígenas? Já percebeu como eles batem com
firmeza os pés no chão? Por meio da dança, os índios preparam o corpo e se
tornam guerreiros corajosos e atentos. Desenvolvendo uma base sólida, a presença
corporal se intensifica. Procure dançar dessa mesma forma com os alunos. Essa
atividade auxilia a deslocar a energia por todo o corpo, tornando-o mais sensível e
eliminando a fadiga mental.

CÍRCULO DE DISCUSSÃO

Ao iniciar esta disciplina, faça um pequeno círculo de discussão


com os seus alunos e converse um pouco sobre a importância da aula
de teatro. Explique que eles aprenderão a fazer teatro usando todo o
corpo, jogando e se divertindo. Diga que o teatro é uma forma gostosa
de compartilhar histórias com os colegas e é expressão daquilo que
pensamos e sentimos sobre o mundo.

CEDERJ 89
Artes na Educação | Capacidade de jogo

ESTRUTURA DA AULA – ETAPA 1 – INTEGRAÇÃO

Todos de pé, em círculo. Nesta primeira etapa, é freqüente a


utilização de uma disposição circular. Procure fazer um círculo perfeito,
em que as distâncias entre as pessoas sejam iguais. Agora, amplie esse
círculo ao máximo. Depois, faça um círculo pequeno no espaço. Brinque
com essas distâncias. Esses são alguns desafios que você pode propor,
de início, aos alunos.
O círculo fortalece a integração do grupo e estabelece a
cumplicidade do olhar, provocando, desde o início, uma forma de contato.
Ele é um local protegido, seguro, que não expõe os seus membros em
separado. No círculo, o indivíduo pertence a um todo, enquanto mantém
sua singularidade. O círculo representa o símbolo da totalidade.

As formas circulares são dinâmicas e orgânicas, guardam a potência da transformação


e da criação. Esse padrão circular se repete com freqüência na Natureza. Basta
observar a semente de uma planta ou a estrutura em espiral, por exemplo, da coluna
vertebral, do tronco das árvores, do chifre da corça ou das ondas do mar.
O círculo é, ao mesmo tempo, um espaço democrático. Marca desde o início, um
novo ritual na sala de aula, quebra com a relação habitual entre professor e aluno,
frontal e a distância. Nele, o lugar da liderança pode ser alternado, não havendo
nem primeiro nem último colocado. Não existe, também, uma relação de hierarquia
na sua ocupação, já que todos ocupam lugar de igualdade.

90 CEDERJ
É comum presenciar, no início do curso, os olhares dirigidos para o

15
chão, mas, depois de algum tempo, no decorrer do ano, os alunos passam a se

AULA
sentir mais apoiados na relação com os outros e com o espaço ao redor.
Comece a aula em círculo. Essa é, também, uma forma de reunir a
atenção dos alunos. Um dos objetivos dessa primeira etapa é estimular nos
alunos o espírito coletivo, levando cada um a se sentir responsável pelo
crescimento do grupo. Mas, para integrar a turma, é necessário primeiro
que os alunos se conheçam.

Jogos de apresentação

No início do curso, é importante que os alunos se apresentem uns aos


outros e que, gradativamente, se conheçam pelo nome. A seguir, sugiro alguns
jogos de integração que você poderá praticar, oportunamente, com eles.
Num primeiro momento, a apresentação de cada aluno deve ser feita
dentro do próprio grupo, sem que seja necessário o enfrentamento imediato
do espaço, o que evita constrangimento. Dentro do círculo, o aluno não está
colocado em destaque, não se expondo sozinho ao olhar dos colegas.

• Apresentação com a bola I

Utilizando uma bola de verdade, o jogo pode proceder da


seguinte maneira: o professor começa o jogo lançando a
bola para o aluno, dizendo o seu próprio nome. O aluno
recebe a bola e, ao jogar para o colega, diz o seu nome,
e assim sucessivamente.

• Apresentação com a bola II

O mesmo exercício anterior, agora com uma nova regra.


Ele pode ser realizado logo após o exercício anterior ou
introduzido na aula seguinte. O professor, ao lançar a
bola, diz o seu nome e, em seguida, o nome da pessoa que
irá receber a bola. Por exemplo, Carmela – José. Então, o
aluno recebe a bola e, ao lançá-la, novamente, diz o seu
nome e o do colega: José – Marcela, e assim por diante.

• Apresentação com a bola III

O mesmo jogo anterior, agora com um grau maior de


dificuldade. Pode ser realizado na seqüência ou em outro
momento do curso. O jogador, ao lançar a bola, deve dizer

CEDERJ 91
Artes na Educação | Capacidade de jogo

o seu nome, o nome de quem lançou a bola para ele e o


nome da pessoa para quem ele enviará a bola. Isso ocorre
da seguinte maneira: Carmela recebe a bola de Joana
e manda para Rosa. Rosa recebe a bola de Carmela e
manda para Ricardo etc. Os jogos de apresentação com
a bola ajudam os alunos a desenvolverem a memória e,
aos poucos, eles vão conhecendo os nomes dos colegas e
fortalecendo a integração do grupo.

• Jogo de apresentação usando uma marcação ritmada

A turma toda vai bater a mão duas vezes na coxa e


depois levantar o braço, estalando os dedos duas vezes.
Todo mundo faz juntamente o mesmo movimento. Não
se preocupe se alguém perder o ritmo ou se atrapalhar;
se o grupo mantiver a batida, o ritmo será sustentado
coletivamente. O professor tem o importante papel, neste
sentido, de manter o fluxo do exercício e o ritmo da batida.
Agora vou dizer o meu nome duas vezes, no momento
em que estalo os dedos com os braços levantados. Todos
juntos continuam batendo de leve na coxa e estalando os
dedos lá em cima. O aluno ao meu lado direito, quando
estalar os dedos, diz o seu nome duas vezes, e assim por
diante, até chegar a mim novamente. Durante todo o
exercício, o grupo mantém o movimento.

Num segundo momento, ao estalar os dedos lá em cima,


digo o meu nome uma vez e depois o nome de um aluno:
Carmela, José. Assim, José continua o jogo dizendo o
nome dele e o do colega: José, Maria. Maria, Joana.
Joana, Ricardo; e assim por diante.

• Jogo de apresentação nome-animal

Este jogo contém um novo desafio em relação aos


jogos anteriores, ou seja, o enfrentamento do espaço.
É necessário penetrar o espaço e enfrentar o olhar do
colega. O aluno deve ir ao centro da roda e dizer o seu
nome, acompanhado de um gesto ou movimento. Todo o
grupo repete. Em seguida, o mesmo aluno, expressando

92 CEDERJ
com o corpo, diz o nome de um animal com a letra

15
inicial do seu próprio nome. O grupo repete novamente

AULA
o nome e o movimento. O jogo continua, dando lugar
à apresentação de um novo aluno. Esse jogo pode ser
realizado quando os alunos já tiverem alcançado uma
certa liberdade ou segurança dentro do grupo. Quando
realizado prematuramente, acaba por inibi-los.

ATIVIDADE

Criando um arsenal de expressões


1. Uma pequena atividade para você se exercitar. Pesquise algumas formas
gestuais de você se apresentar aos alunos. Procure gestos largos e, também,
gestos médios ou menores, mais contidos. Brinque com essa variedade.
Diga o seu nome usando todo o seu corpo. Tome consciência do seu
movimento e escolha, dentre as tentativas, três maneiras de apresentar-se
aos alunos. Faça o mesmo em relação a um animal. Pesquise três formas
diferentes de esse animal se expressar. Procure as sensações desse animal
no seu próprio corpo.
Anote suas observações a respeito do exercício no portifólio. Guarde essas
informações ou modos de expressão para usar oportunamente em sala de
aula. Você estará criando o seu próprio arsenal de jogos e expressões.
Depois, escreva um pequeno texto, dirigindo-se aos alunos, contando a
eles algo a seu respeito. Compartilhe um momento importante de sua
vida ou, quem sabe, uma travessura que você tenha feito na infância etc.
Aproveite e transforme o que você escreveu numa pequena cena a ser
mostrada aos alunos.
Havendo oportunidade, pratique um dos jogos de apresentação com
colegas e tutor no pólo. Divirta-se, observando a dinâmica dos jogos e o
tempo utilizado.
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COMENTÁRIO
Quando iniciar o curso, não se esqueça de fazer sua apresentação
pessoal aos alunos. Afinal de contas, você é parte integrante do
grupo. Tanto professor como alunos precisam desenvolver sua
capacidade de jogo, ou seja, a possibilidade de se relacionarem um
com o outro de forma aberta, autêntica e espontânea. É importante
que os alunos sintam que o professor é de carne e osso e que está
ali para compartilhar e construir o conhecimento junto com eles.

CEDERJ 93
Artes na Educação | Capacidade de jogo

Um pouco de história
O teatro grego surgiu no século V a.C, a partir de um ritual religioso conhecido
como ditirambo, realizado em homenagem ao deus Dionísio. Dionísio era o deus
do vinho, da alegria, da festa, do renascimento, isto é, do mistério da vida e da
morte. Ainda hoje, ele é reconhecido como o patrono do teatro. O ditirambo
consistia num poema cantado com uma parte narrativa. Era realizado por um coro
de pessoas que cantavam e dançavam. Téspis é considerado o primeiro ator da
história do teatro, pois dizem os estudiosos que ele teria sido a primeira pessoa a
sair do coro e a assumir o lugar de Dionísio, ou seja, o lugar do personagem.
No decorrer do tempo, esse ritual foi sendo estruturado dentro de um sistema
de códigos artísticos. Surgiram os primeiros textos dramáticos e um espaço cênico
específico à representação.
O espaço cênico do teatro grego é conhecido como teatro de arena e lembra muito
um estágio de futebol. É um espaço arredondado, construído de pedras e ao ar
livre. A platéia sentava numa arquibancada disposta em semicírculo, ao redor de
uma área circular de terra batida, onde ficava o coro. Havia, ainda, um palco baixo
para os atores.

AS PREMISSAS DO JOGO TEATRAL CONTEMPORÂNEO

O teatro na Educação não é uma disciplina voltada para a


PRONTIDÃO formação de atores. Seu objetivo principal é o desenvolvimento da
Estado em que
capacidade de jogo dos alunos. Dessa maneira, está sintonizada com
o ator é capaz
de se colocar os princípios lúdicos do teatro contemporâneo, que tem, dentre suas
inteiramente no
presente. Significa premissas, o desenvolvimento da escuta, do olhar, da concentração, da
adquirir agilidade,
concentração,
flexibilidade e da confiança.
flexibilidade para Trabalhando a partir dessas premissas, desejamos que o aluno
reagir prontamente,
ou seja, alcance o estado de PRONTIDÃO necessário à ação cênica, tornando-se capaz
imediatamente ao
que lhe é proposto de reagir, prontamente, a cada nova jogada ou circunstância proposta.
durante o jogo.

94 CEDERJ
Para Jean-Pierre Ryngaert, a noção de capacidade de jogo está

15
relacionada à capacidade do indivíduo de se engajar na ação lúdica,

AULA
isto é, de se colocar no momento presente da ação, aberto e disponível
a todos os riscos que este espaço oferece. Nessa perspectiva, o foco dos
jogadores deve estar voltado para o processo, para a experimentação
criativa, e não para a obtenção de um determinado resultado, como
comenta Ryngaert (1984):

Talvez seja preciso, como o fazem Emmanuelle Gilbert e Dominique


Oberlé, deslocar o problema, interrogar a atividade e não o
indivíduo. É necessário então substituir “eu jogo mal, eu sou um
péssimo ator” por “tenho dificuldades de jogar”: ou o que deve ser
encontrado para cada um... não é o resultado (o que resulta), mas o
envolvimento onde o indivíduo experimenta sua criatividade. Esta
experiência se acompanha de maneira bastante tocante e visível de
uma reapropriação do jogo pelos jogadores, estes podendo então
jogar para eles diante de outros, e não mais para os outros. Passe-se
então do “eu jogo mal” para “tenho dificuldade de jogar.

!
Jogar diante do outro, e não para o outro
Existe uma mudança radical de valor nessas duas atitudes. Ao jogar para o outro,
o jogador está atrelando suas ações a um julgamento externo, à aceitação ou à
rejeição e, portanto, essas ações já se originam de uma forma contraída, enquanto
ao jogar diante do outro, o jogador se encontra num estado de total liberdade,
pois o móvel aqui é o prazer, a vontade de participar do jogo e o desejo de
compartilhamento.

A forma artística adquire maior expressividade à medida que os


alunos desenvolvem sua própria capacidade de jogo. No entanto, esse
é um trabalho lento, depende do ritmo e da disponibilidade interna de
cada grupo. Algumas turmas reagem bem às propostas trazidas pelo
professor; outras, no entanto, precisam ter sua imaginação estimulada,
constantemente, até demonstrarem maior autonomia e vontade de
participar do jogo.

Para Winnicott (1975, p. 71), o jogo se constitui num “vasto campo de experimentação criativa do real” e, como
tal, localiza-se dentro de um espaço intermediário que ele denomina espaço em potencial. O espaço em potencial
se constitui num entre dois, não está nem dentro nem fora do sujeito, mas ocorre a partir de uma relação de troca,
de intercâmbio entre sujeito e objeto, entre realidade e fantasia.
Segundo Winnicott, aqueles que têm sua capacidade de jogo, de interação lúdica com a realidade, prejudicada,
vivem num estado de alheamento, de “submissão”, de indiferenciação que corresponderia a uma mente
psicologicamente doente.

CEDERJ 95
Artes na Educação | Capacidade de jogo

Direita – esquerda

Todos em círculo. O jogo consiste em uma premissa bastante


simples. O professor dá início ao jogo, batendo primeiro o pé esquerdo
no chão e depois o direito. O próximo aluno da roda faz o mesmo
movimento e assim por diante. Pode-se repetir algumas vezes a mesma
seqüência, buscando o envolvimento e a soltura de todo o corpo,
tornando o movimento prazeroso.
Simples, não é? Nem tanto. Agora, repita o exercício da seguinte
maneira: você vai bater seu pé esquerdo, ao mesmo tempo que o pé
direito do aluno que está à sua esquerda e, depois, levantar seu pé direito
junto com o pé esquerdo do aluno que está a sua direita, e assim o jogo
prossegue. Parece confuso, mas não é. A seqüência, na verdade, continua
a mesma; no entanto, agora é necessário que o movimento seja feito de
forma coordenada, junto com a outra pessoa.
Observe: algumas turmas encontram dificuldade para realizar esse
simples jogo. Os pés custam a sair do chão quando esta nova proposição
é feita. Esse jogo só ocorre de maneira natural e agradável quando os
alunos deixam de pensar em como ele deve ser realizado, no momento
em que o conhecimento se desloca da mente para o corpo. Então, relaxe,
leve o conhecimento para o corpo.

Escravos de Jó

Coloque a turma em círculo. Cante uma ou duas vezes com os


alunos a cantiga Escravos de Jó, para que eles aprendam a letra e a
melodia. Depois, todos juntos vão cantar e se movimentar de acordo
com a seqüência a seguir:

96 CEDERJ
– Os escravos de Jó jogavam o caxangá – (quatro pulos para a

15
direita).

AULA
– Tira (pulando para fora da roda).
– Bota (pulando para dentro da roda).
– Deixa o Zé Pereira ficar (todos ficam no mesmo ponto e mexem
o corpo no ritmo da música).
– Guerreiros com guerreiros (dois pulos para a direita).
– Fazem zigue, zigue, zá. (um pulo para a direita, outro para a
esquerda e outro para a direita, acompanhando a música).
Ao praticar este jogo, os alunos estarão exercitando a escuta, a
memória, a coordenação motora e a harmonia coletiva. Vamos colocar
um novo desafio nesse jogo? Repita os movimentos, cantarolando a
melodia com a boca fechada, produzindo apenas o som. Por fim, repita
a brincadeira, realizando, agora, os movimentos em silêncio. A música
deverá ser cantada apenas mentalmente. Divirta-se com os alunos.

Jogos das bolas em número crescente

Confeccione algumas bolas de meia ou utilize bolas macias do


tamanho de uma bola de tênis. Você irá precisar de três a quatro bolas.
Faça um círculo. Não deixe os alunos verem quantas bolas você tem em
mãos. Coloque-as dentro de um saco.
Retire a primeira bola e comece a jogar de acordo com as seguintes

CEDERJ 97
Artes na Educação | Capacidade de jogo

premissas: lançar a bola apenas quando o contato com o olhar do


colega for estabelecido. É necessário ter a certeza de que o contato foi
estabelecido antes de jogar. O grupo permanece jogando com apenas uma
bola durante alguns minutos. Depois, uma segunda bola é introduzida.
A atenção deve ser redobrada. No entanto, mantenha a calma, não fique
ansioso. Se o contato do olhar for estabelecido, a bola não cairá no
chão. Cada ação deve ser realizada com foco total no seu próprio tempo.
Não adianta correr, alterar o ritmo do jogo.
Passado algum tempo, introduza uma terceira bola. Nesse
momento, a atenção do aluno precisa ser alargada e agilizada; contudo,
a calma deve permanecer. O olhar agora se lança em várias direções,
não deve se fixar apenas em um ponto só; ao contrário, necessita
movimentar-se de forma livre, sem perder o foco e estabelecer contanto
com o outro.
Esse jogo é desafiador. O grau de dificuldade aumenta
gradativamente. O objetivo principal é o desenvolvimento do olhar,
sem o qual uma relação autêntica no teatro não pode acontecer.
Jogo é relação. Relação com o outro, consigo mesmo e com
o ambiente ao redor. Para criar e perceber a forma cênica criada, o
jogador precisa se relacionar atentamente com o outro e com o ambiente,
percebendo sensivelmente tudo o que ocorre na esfera do jogo, flexível
a toda e qualquer variável ou circunstância nova.

Mestre e detetive

Colocar a turma em roda. Um aluno sai da sala, ocupando o lugar


do detetive. Um outro aluno é escolhido para ser o mestre. O mestre é
responsável por conduzir o movimento. Todos deverão imitá-lo. Podem
ser propostos movimentos cotidianos ou não. Então, o detetive entra na
sala, colocando-se no centro do círculo. Ele terá três chances para descobrir
quem é o mestre. O mestre, ao ser descoberto, sai da sala, tomando o lugar
do detetive. Escolhe-se um novo mestre e o jogo prossegue.

98 CEDERJ
Expressando as vogais com movimentos

15
Os alunos são alinhados horizontalmente no fundo da sala, como

AULA
se fossem participar de uma corrida. Sugira a eles um pequeno treino. O
professor é responsável por dizer, em voz alta, as letras. Cada vogal tem um
movimento correspondente, o qual os alunos em grupo deverão realizar:
A – um passo à frente;
E – um passo para o lado direito;
I – um pulo no lugar;
O – duas palmas;
U – permanecer parado no lugar.
Pronto! Os alunos treinaram os movimentos, aprenderam as
regras; agora o jogo vai começar para valer. A partir desse momento,
o professor diz as letras fora da ordem, criando novas seqüências,
surpreendendo, assim, a turma. O aluno que errar o movimento sai do
jogo, permanecendo junto ao professor, que lhe repassará o comando
da brincadeira ou a tarefa de observar a equipe.

CONCLUSÃO

Nesse primeiro momento, o trabalho está voltado para a busca


de uma integração coletiva maior. É uma espécie de preparação para as
etapas posteriores da aula, que exigirão maior liberdade corporal e o acordo
grupal.
A função dos jogos preparatórios é a de tornar os alunos mais
disponíveis para a criação cênica, momento em que deverão enfrentar
mais abertamente o olhar de um outro, a platéia, e lidar com objetivos
mais específicos à linguagem teatral. Tais jogos são de grande valia para o
ensino do teatro, pois preparam o ânimo dos alunos, tornam o grupo mais
coeso, quebram as defesas pessoais, instauram um clima de descontração e
confiança mútua. Ao se reunir com o tutor, crie um momento no qual você
e seus colegas possam vivenciar estes jogos.

CEDERJ 99
Artes na Educação | Capacidade de jogo

ATIVIDADE FINAL

Leia atentamente as idéias de Jean-Pierre Ryngaert sobre a importância da


capacidade de jogo no teatro. De que maneira esse conceito pode ser aplicado à
ação pedagógica na escola? Como ele pode contribuir para a relação professor/
aluno e que pertinência tem para a organização de uma aula? Redija um pequeno
texto a esse respeito.

Aumentar a capacidade de jogo é um trabalho sobre a observação, a tomada


de consciência, a invenção, o movimento e a aprendizagem para reagir
através de uma conduta nova ou inesperada. O primeiro investimento do
indivíduo significa então estar presente no jogo. Evidência difícil a atingir,
já que se trata de estar lá, em pessoa, para reagir ao que acontece e intervir
no processo de jogo.
Trata-se, então, para ator e não-ator, criança ou adulto, assim como para o
ator ocupado em desenvolver sua capacidade de jogo, não entrar dentro
de um molde em função de um sentido pré-existente, mas dentro de uma
perspectiva de prazer e de presença real, de reinventar a cada vez as suas
regras de representação. A utopia não reside aqui, na espontaneidade, mas na
crença de uma aprendizagem que não submete o indivíduo a leis enrijecidas
de não sei qual teatralidade, mas lhe permite ao contrário jogar com elas e
tirá-las do jogo (RYNGAERT, 1984).

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COMENTÁRIO
Na escola, a noção de capacidade de jogo está diretamente associada
à qualidade da relação professor/aluno. Desse modo, ela interfere na
maneira como o professor se coloca disponível para estar com o outro,
aceitando e reconhecendo-o na sua singularidade. É necessário, na escola,
fornecer um apoio ao olhar dos alunos, estabelecer um contato verdadeiro
com cada um deles. É necessário para fazer com que se sintam vivos,
amados, respeitados, ouvidos e vistos. Portanto, deve-se ir além daquilo

100 CEDERJ
que nos é aparente, reconhecendo em cada um suas necessidades,

15
incertezas e aspirações.

AULA
Ao estabelecer essa presença real na sala de aula, o professor
transforma, conseqüentemente, sua ação pedagógica numa ação
lúdica onde os ganchos da aprendizagem são a criatividade e o
prazer. Não é necessário ater-se a velhos padrões de conhecimento
ou valores, pois o que importa é estar em jogo, isto é, a experimentação
daquilo que se impõe no momento. Assim, até mesmo as atividades
organizadas para o dia podem ser reinventadas durante a aula ou até
mesmo colocadas de lado, dando margem a um novo conhecimento
e a novas maneiras de compartilhá-lo.

RESUMO

O planejamento de uma aula de teatro pode obedecer à seguinte estrutura:


1- integração; 2 – estímulo cênico; 3 – composição cênica; 4 – avaliação. Essa
estrutura, no entanto, é flexível, podendo ser modificada de acordo com os
objetivos perseguidos.
O objetivo da primeira etapa é desenvolver a integração do grupo e a capacidade
de jogo dos alunos, estimulando neles uma atitude mais aberta e receptiva diante
da ação lúdica. Com essa finalidade, é proposto um guia de jogos que você poderá
praticar, oportunamente, com os alunos. São jogos coletivos que envolvem toda a
turma e que trabalham as premissas do jogo teatral contemporâneo, estimulando
a imaginação, a capacidade de observação, a atenção (escuta, olhar), a agilidade,
a memória, a flexibilidade e a cooperação.

INFORMAÇÕES SOBRE A PRÓXIMA AULA

Para ser dito como se você estivesse admirado.

Etapa 2, Etapa 3, Avaliação. Na próxima aula, a estrutura total da aula de teatro


será apresentada. Fique atento, também, aos novos jogos, divertidíssimos, para
praticar na escola.

CEDERJ 101
Artes na Educação | Capacidade de jogo

LEITURA RECOMENDADA

BOAL, Augusto. Jogos para atores e não atores. Rio de Janeiro: Civilização
Brasileira, 1999.

Este livro faz uma exposição sobre os princípios inovadores do Teatro do Oprimido,
criado por Augusto Boal, além de conter um guia riquíssimo de jogos.

MOMENTO PIPOCA

Poderosa Afrodite – Comédia inteligente e divertida. O escritor, diretor e


autor do filme, Wood Allen, utiliza o cenário de um teatro grego, trazendo
à cena personagens das tragédias gregas: Édipo, Jocasta, Laio, Tirésias e o
coro grego para contar a história de um casal, Lenny e Ananda, que decide
adotar um filho.
Miramax Filmes e Sweetland Films. Produção Jean Doumanian. Escrito e
dirigido por Wood Allen.

102 CEDERJ
16
AULA
A criação das pequenas
formas teatrais
Meta da aula
Apresentar as seguintes etapas para a
organização da aula de teatro: estímulo
cênico, composição cênica e avaliação.
objetivos

Esperamos que, ao final desta aula, você seja capaz de:


• identificar procedimentos para a organização de uma
aula de teatro;
• avaliar a conceituação de estrutura dramática proposta
por Viola Spolin;
• descrever os passos necessários para a realização
do Teatro Imagem, segundo Augusto Boal;
• identificar jogos que auxiliam a criação da cena teatral.
Artes na Educação | A criação das pequenas formas teatrais

INTRODUÇÃO Você praticou os jogos de integração? Que tal? Esse é um momento-chave da


aula de teatro, pois ajuda a descontrair a turma, focar a atenção dos alunos
no momento presente, disponibiliza a energia corporal e fortalece a noção do
coletivo, fundamento básico do fazer teatral.
Agora, o importante é compreender os passos da organização da aula de
teatro: estímulo, composição cênica e avaliação. Primeiro, você conhecerá os
objetivos de cada uma dessas etapas e, depois, seguirá dois roteiros completos,
que contemplarão a estrutura de organização da aula, do princípio ao fim, com
direito a um guia de jogos teatrais. Ah, e mais, você terá a oportunidade de
conhecer a estrutura dramática, baseada no esquema “onde, quem e o quê”,
proposto por Viola Spolin, um jeito divertido de compor a cena teatral. Além
disso, irá jogar a partir da criação de imagens corporais, entrando em contato
com as idéias de Augusto Boal sobre o Teatro Imagem, uma modalidade do
Teatro do Oprimido.
Imagine que você, nesse momento, é um professor-artista, um compositor,
voltado para a criação de pequenas formas teatrais, estimulando nos alunos a
descoberta e o prazer de criar.

ESTÍMULO CÊNICO

Na segunda etapa da aula, é introduzido um estímulo, isto é,


aquilo que incita a ação cênica. Pode ser uma pergunta, a proposição
de uma ação simples, uma canção, um objeto, uma peça de figurino, um
texto, um poema, uma notícia de jornal, uma fotografia, um quadro,
um espaço físico, uma história contada por um dos alunos, um tema
que você queira discutir com a turma; enfim, tudo aquilo que estimule
o imaginário e a expressão cênica dos alunos.
O estímulo cênico serve para desencadear o processo criativo,
levantando material de pesquisa e, ao mesmo tempo, exercitando as
habilidades cênicas dos alunos e a compreensão dos elementos da
linguagem teatral. De acordo com o material levantado nessa etapa, o
professor propõe e desenvolve a etapa seguinte, a composição cênica.

COMPOSIÇÃO CÊNICA

Durante essa etapa da aula, os alunos organizarão, de forma


improvisada, uma composição cênica. Partindo do estímulo proposto
anteriormente, eles se organizarão em pequenos grupos, explorando e

104 CEDERJ
articulando, de maneira intencional, os diversos recursos e elementos da

16
linguagem teatral, visando à criação de uma pequena cena.

AULA
Nesse momento, o professor orienta os alunos quanto à forma
da IMPROVISAÇÃO, levando em conta o material de pesquisa produzido na IMPROVISAÇÃO
Segundo Pavis
etapa anterior e o objetivo cênico com o qual está trabalhando, ou seja, (1999, p. 205),
um conteúdo diretamente relacionado à linguagem teatral. Por meio de a improvisação é
algo que ocorre de
perguntas ou problemas cênicos, o professor orienta os alunos em relação forma imprevista,
sem preparação,
à composição da cena teatral. “sendo ‘inventada’
Ao dividir a turma em pequenos grupos, é importante que o no calor das ações”.
A cena improvisada
professor percorra a sala, acompanhando as discussões, esclarecendo pode surgir a partir
da proposição de
dúvidas, propondo novos problemas e enriquecendo a imaginação dos um roteiro aberto,
de uma senha, de
alunos. O professor permanece ativo, verificando e orientando a dinâmica
um tema ou, ainda,
dos grupos. por intermédio
das soluções de
Durante a improvisação, o professor poderá ainda intervir, problemas cênicos,
de acordo com a
sugerindo instruções que reafirmem as regras propostas. Enquanto as concepção de jogo
instruções são dadas, não é necessário que os alunos paralisem a ação teatral proposto
por Viola Spolin. É
cênica. Elas são fornecidas simultaneamente à ação, permitindo um maior um ato de criação
que ocorre no
aprofundamento dos alunos em relação à exploração e à experimentação momento presente,
da realidade cênica. estando, portanto,
em constante
transformação.

AVALIAÇÃO

A avaliação pode ser realizada ao término da aula ou logo após a


execução de um jogo ou etapa da aula. O foco da avaliação está na atividade
executada, e não no julgamento subjetivo como, por exemplo, bom ou
ruim, melhor ou pior, saber jogar ou não saber jogar, bonito ou feio etc.
Não estamos preocupados com o resultado, e sim com o processo, com
o modo como os alunos experimentaram o jogo e as descobertas que se
tornaram possíveis a partir dele. A ação de avaliar volta-se para os problemas
e objetivos cênicos propostos pelo professor e para as soluções cênicas que
o grupo trouxe à tona enquanto jogava.
O grupo explorou o espaço? De que maneira o espaço foi explorado,
de forma total ou parcial? Ele mostrou o lugar onde estava? Os alunos
estavam escutando uns aos outros? Eles estavam se relacionando, ou
seja, contracenando? Mostraram ou contaram o que estavam fazendo?
Quem eram os personagens? Qual era a idade dos personagens? O grupo
compartilhou o que estava fazendo com a platéia, ou seja, as ações
realizadas no espaço eram visíveis?

CEDERJ 105
Artes na Educação | A criação das pequenas formas teatrais

A avaliação do jogo é uma atividade compartilhada por todos:


platéia, jogadores e professor. Os alunos adquirem liberdade quando
percebem que não estão submetidos a julgamento. A avaliação deve
ser feita num clima de respeito, sendo, portanto, um instrumento de
crescimento e aprendizagem coletivo.
Considerada um dos momentos mais delicados do trabalho, a
avaliação requer a escuta e o olhar afiado do professor sobre as soluções
cênicas expostas pelos alunos. Diante disso, o professor apontará os
caminhos possíveis para o aprofundamento da linguagem teatral.
Seu papel consiste em tornar claras as observações dos alunos,
orientando as discussões, fazendo perguntas que facilitem a compreensão
das questões cênicas.
A avaliação representa, também, um bom momento para colher
as sugestões e as opiniões dos alunos, que, dessa maneira, estarão
contribuindo para a próxima rodada de jogos em torno de um mesmo
conteúdo ou não.
Quando a avaliação é feita de forma objetiva, dá margem à criação
de um vocabulário próprio, por meio do qual os problemas cênicos serão
abordados. Isso permite conscientização dos elementos da linguagem
teatral e suas possíveis dinâmicas de composição e articulação.
À medida que o vocabulário é introduzido, a linguagem e os seus
elementos tornam-se um referencial concreto. A avaliação dos jogos
se faz exatamente em torno deste vocabulário, e não mais a partir de
julgamentos pessoais, vagos e generalistas. Após a elaboração de um
vocabulário, alunos e professores se comunicam, criam uma realidade
cênica e avaliam o que foi feito. Com o tempo associado à idéia da
brincadeira, o teatro passa a ser percebido pelos alunos como algo que
necessita de uma estruturação, de leis próprias, de uma linguagem para
ser comunicado. A criação da cena é introduzida, na sala de aula, como
situação de jogo. Os alunos começam, aos poucos, a fazer uso de um
novo vocabulário para definir a aula de teatro, “improvisar, criar uma
cena”. A brincadeira adquire, assim, o significado de TEATRO.

ESTRUTURA CÊNICA

Antes de desenvolver a segunda e a terceira etapas de organização


da aula, é interessante conhecer a estrutura dramática proposta por Viola

106 CEDERJ
Spolin: “onde, quem e o quê”. Esses três elementos correspondem ao que

16
Stanislavski (2002) denominou circunstâncias dadas ou CIRCUNSTÂNCIAS As CIRCUNSTÂNCIAS

AULA
PROPOSTAS
PROPOSTAS. Definem o contexto
do acontecimento
Essa estrutura fornece o contexto básico ao redor do qual uma
teatral ou universo
determinada situação cênica acontece. O onde corresponde ao local da peça, dentro
do qual a ação se
onde se passa a ação. O quem define os personagens envolvidos na ação desenrola: onde,
quem, o que,
cênica. O que está diretamente associado à ação dos personagens, ao que quando, por que
é preciso que eles façam para alcançar determinado objetivo. e para que da
ação cênica. Elas
Vamos tornar isso mais claro. Imagine um onde, um lugar de ficção fornecem os dados
principais em torno
qualquer, onde se passa a ação. Pode ser um elevador, uma praça, um dos quais ocorrerá a
avião, uma sala de aula etc. Não se esqueça de definir a área de jogo e criação da realidade
cênica; dessa forma,
colocar no espaço o olhar da platéia. Escolhido o onde, os alunos iniciam contribuem para
a construção da
o jogo. O problema cênico consiste em mostrar o onde, utilizando apenas lógica das ações dos
personagens.
o corpo. Lembre-se de que esta é apenas uma opção de jogo; existem
inúmeras variáveis que poderão ser realizadas a partir da combinação
dessas três proposições.
O jogo teatral pode iniciar a partir de qualquer um dos elementos
da estrutura dramática. O onde, o quem e o que podem ser escolhidos
pelos próprios alunos, sorteados ou indicados pelo professor.
Veja, a seguir, algumas sugestões de jogos com base nessa estrutura
cênica. O professor poderá iniciar o jogo sorteando, entre os alunos de
cada grupo, o quem, os personagens que participarão da ação cênica,
como, por exemplo, um pai, uma mãe, uma avó, uma filha, uma
empregada doméstica, um técnico que conserta tevês. Poderá, ainda,
sortear o local onde se passa a ação: a varanda da casa, a cozinha, a
sala, o telhado, um barco etc.
O grupo jogará de acordo com os dados sorteados, definindo,
cada qual por sua vez, o quê. Por exemplo, podemos fazer a seguinte
suposição: o dia hoje está muito quente, e a família decidiu levar o
aparelho de tevê para a varanda. O que cada personagem pode fazer
para arrumar a varanda, de maneira que todos se sintam confortáveis
para assistir ao programa preferido? Cada personagem pode realizar
uma ação diferente: carregar o sofá, varrer o chão, limpar o banco da
varanda, arrumar um lugar confortável para a avó sentar-se, mandar o
cachorro embora, procurar uma tomada para ligar a tevê etc. Como você
pode concluir, as possibilidades de ação são infinitas. O problema cênico
pode tornar-se mais interessante se, durante a mudança para a varanda,

CEDERJ 107
Artes na Educação | A criação das pequenas formas teatrais

a TV cair no chão. É preciso, então, realizar outras ações: acudir o filho


que teve o pé machucado com o fato, ou telefonar, chamando o técnico
que conserta tevês etc. A improvisação se enriquece à medida que surgem
outros acontecimentos. Isso traz um elemento novo à cena.
Definida a estrutura cênica, a improvisação se inicia, dando
margem ao surgimento de novas ações. Atenção! Não é necessário criar
um roteiro fechado. Define-se apenas o essencial, ou seja, a estrutura
cênica, pois o restante surge a partir das próprias ações dos alunos,
diretamente no espaço.
O jogo pode surgir, também, de um objeto qualquer: quem sabe, da
mesa da professora? O aluno poderá transformá-la num banco de praça,
num palanque de políticos, num túnel, num carrinho de montanha-russa,
dando margem à criação de diferentes lugares de ficção. Vejamos, então,
no roteiro de aula a seguir, alguns exemplos práticos que obedecem a
essa estrutura dramática. Antes disso, porém, uma atividade.

ATIVIDADE

Onde: um quarto

1. No portfolio, faça um desenho do local onde você dorme, lembrando-se


de todos os detalhes, da localização e disposição dos móveis e objetos no
espaço real. Depois, defina, com giz ou um pedaço de corda, uma área
de jogo. Imagine, agora, que esse espaço é o seu quarto. Usando todo o
seu corpo, realize, num espaço vazio, três ações físicas que você realiza
pela manhã, ao acordar. Lembre-se: o onde definido foi o quarto. Faça a
atividade num ambiente físico diferente do seu quarto real. O problema
cênico aqui colocado é este: usando a linguagem não-verbal, isto é, apenas
o corpo, mostrar o onde, realizando ações simples e cotidianas.

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108 CEDERJ
16
RESPOSTA COMENTADA

AULA
Nos jogos com o onde, é importante dimensionar a ação física, torná-la
concreta, como se você estivesse agindo na vida real. Durante a ação,
é necessário sentir os objetos, o peso da gaveta, a altura do armário, o
tamanho do lençol, a forma como ele é esticado ou dobrado, o esforço
necessário para vestir uma roupa, os gestos necessários para calçar
o sapato, a direção em que a janela é aberta, tornando visível cada
objeto que você manipula no espaço vazio. Ao agir dessa maneira, o
onde – nesse caso, o quarto – começa a existir diante dos seus próprios
olhos, e também dos olhos daqueles que assistem à ação.
O onde é uma proposição muito simples que permite ao aluno explorar
o ambiente, atribuindo a ele uma dimensão cênica, ou seja, um valor
simbólico e ficcional.

ROTEIRO DE AULA 1

O quê

Nesse roteiro de aula, merece destaque o elemento o quê. Ele será


o elemento estimulador da ação cênica. O problema cênico consiste em
mostrar o quê, utilizando apenas o corpo, ou seja, a linguagem não-
verbal. O aluno irá pesquisar e explorar, corporalmente, a realização
de ações simples. O objetivo é criar, ao final da aula, uma composição
cênica que inclua, dentre outras, as ações pesquisadas na etapa do
estímulo cênico.
Integração – jogo do espelho. Esse jogo, descrito na Aula 3, além
de preparar os alunos corporalmente, reforça o relacionamento, dando
margem à pesquisa de ações corporais simples ou cotidianas.
Estímulo cênico – ações simples indicadas verbalmente pelo
professor ou sorteadas por meio de papeizinhos.
Disponha a turma em círculo e sorteie, entre os alunos, papeizinhos
com ações simples, desenhadas ou escritas, como: varrer a sujeira do chão e
esconder debaixo do tapete, regar um jardim, trocar uma lâmpada queimada,
lavar pratos, entrar escondido em casa, vender picolé na rua, trocar o pneu
furado do carro, escorregar na casca de banana, fechar a janela, fazer pipoca,
andar de bicicleta, abrir um guarda-chuva, dirigir um ônibus etc. Ponto de
concentração: mostrar o quê, usando apenas o corpo.

CEDERJ 109
Artes na Educação | A criação das pequenas formas teatrais

Durante o jogo, os alunos exploram inúmeras possibilidades de


ação, compartilhando-as ao mesmo tempo com a platéia de colegas, que
pode estar disposta em círculo.
As ações podem ser realizadas individualmente, em duplas, trios, ou
seja, em pequenos grupos, dependendo da capacidade de jogo da turma
ou da timidez dos alunos. Dessa forma, em pequenos grupos, um colega
incentiva o outro a enfrentar o espaço e o olhar da platéia, tornando-os
mais confiantes e livres para a brincadeira e o prazer de jogar. Cabe ao
professor, nesse momento, demonstrar discernimento para reconhecer a
capacidade de jogo de cada aluno, estimulando a sua entrada no jogo,
assim como aceitar a recusa daqueles que não querem jogar.

COMPOSIÇÃO CÊNICA

Depois que os alunos pesquisarem as ações simples, enfrentarem


o espaço de jogo e disponibilizarem mais o instrumento corporal, você
poderá propor a criação de uma composição cênica. Dividindo a turma
em pequenos grupos, sugira a improvisação de uma cena em que não haja
palavras, mas apenas a expressão corporal de pequenas ações físicas.
Dê liberdade aos alunos para que criem o seu próprio jogo. Caso
eles tenham dificuldade, você poderá ajudar propondo um tema para
a cena: a arrumação da casa, o conserto de um automóvel, a viagem
de ônibus, os preparativos para o aniversário, o batizado, o passeio no
parque, o trabalho do papai, o guarda-chuva quebrado etc., dependendo
do que foi explorado na etapa anterior. Cada um desses temas comporta
uma série de ações físicas.

110 CEDERJ
Por meio do jogo teatral, os alunos, gradativamente, começam a

16
estabelecer relações com o próprio corpo, com o espaço cênico, com os

AULA
colegas de cena e, conseqüentemente, irão construir e elaborar uma forma
cênica capaz de ser comunicada e compartilhada com a platéia.
Avaliação – após cada cena, faça perguntas à pequena platéia de
alunos. Que ações foram mostradas? Eles mostraram ou contaram a
ação? Procure, depois, saber as opiniões daqueles que jogaram. O que
eles sentiram? O que eles desejaram mostrar? Que dificuldades tiveram?
Durante o jogo, você poderá observar também o grau de liberdade com
que os alunos participaram, como se relacionaram com o espaço, os
colegas, a realidade cênica e, ainda, como trabalharam em grupo, o grau
de acabamento das ações e imagens criadas etc.

Você percebeu? Nesta aula, demos ênfase à linguagem não-verbal durante os


jogos. Essa instrução não é uma regra fixa e deverá ser modificada à medida que os
alunos avançarem na descoberta cênica. Contudo, é importante que, primeiramente,
eles tomem consciência da linguagem corporal e descubram, gradativamente, a
possibilidade expressiva do próprio corpo no espaço, sendo este um elemento
indispensável ao processo criativo em teatro.

ROTEIRO DE AULA 2

INTEGRAÇÃO: ESCULTURA

Explique aos alunos o que é uma escultura. Separe a turma


em duplas. O jogo consiste em criar esculturas utilizando o corpo do
colega. Os alunos de número 1 serão os escultores e os de número 2,
a matéria-prima a ser manipulada. Imagine o material a ser utilizado.
Poderá ser argila, pedra-sabão, gesso, cobre, madeira, ferro etc. Trate
com respeito e atenção esse material. A imagem pode ser criada pela
manipulação direta da matéria-prima. Desse modo, o aluno escultor
levanta o braço do colega, dobra a coluna, vira a cabeça etc. A imagem
poderá ser criada, ainda, a partir de indicações corporais feitas pelo
aluno escultor e reproduzidas pelo colega. Assim, se o aluno deseja que
o colega ajoelhe, poderá mostrar o gesto a ser feito, utilizando o seu
próprio corpo, ou seja, ajoelhando ele próprio. Lembre-se: esculturas
não podem se mover depois de prontas. Agora, que tal um passeio pelo
museu? Percorra as galerias com os alunos escultores, observando cada
obra criada, sob vários ângulos diferentes. Faça uma nova rodada do

CEDERJ 111
Artes na Educação | A criação das pequenas formas teatrais

jogo, modificando as posições: quem era escultor se transforma em


matéria-prima e vice-versa.

ESTÍMULO CÊNICO

Introduza, nessa etapa, um quadro ou imagem. Que tal o quadro


Segunda classe, de Tarsila do Amaral? Nele, está representada uma cena
comum no meio urbano brasileiro: miséria, dor, desigualdade social. Peça
aos alunos que componham uma imagem fixa, congelada, a partir desse
quadro. Não se esqueça de pedir que definam a área de jogo e coloquem
o olhar do espectador em relação ao espaço onde a imagem está sendo
criada. Pronto, foi feita a primeira imagem. Agora você poderá solicitar
a criação de uma segunda e uma terceira imagens que representem,
respectivamente, o momento anterior e posterior àquele acontecimento.
Além da imagem, os alunos poderão escolher um som ou frase para cada
imagem formada. Pela indicação sonora do professor – palmas, apito,
pandeiro –, os alunos modificam as imagens, mostrando aos colegas as
três imagens criadas no espaço. O professor poderá trabalhar com uma
mesma imagem para toda a turma ou propor uma diferente para cada
grupo de alunos.

Figura 16.1: Segunda classe, de Tarsila do Amaral (1933).

112 CEDERJ
COMPOSIÇÃO CÊNICA

16
Peça a cada grupo que crie uma improvisação a partir do material

AULA
pesquisado na etapa anterior. A improvisação é livre, os alunos poderão
utilizar a linguagem verbal, sons, objetos, figurinos, espaços diversos etc.

AVALIAÇÃO

Pergunte aos alunos observadores: Quem eram os personagens?


Onde eles estavam? O que estavam fazendo? Os jogadores estavam
concentrados na ação cênica?
Numa etapa mais avançada, em que os alunos já estejam mais
familiarizados com a linguagem teatral, você, ainda, poderá perguntar:
Qual era o objetivo dos personagens? Que impressões ou sensações eles
transmitiam? De que forma o espaço foi utilizado: total ou parcialmente?
Os planos espaciais, baixo, médio ou alto foram explorados? O corpo foi
utilizado para mostrar a ação cênica ou a cena ficou restrita ao diálogo
e à informação verbal dos acontecimentos? A ação era visível? Foi
compartilhada com a platéia? O que eles estavam manipulando, vendo,
ouvindo? Os jogadores se relacionaram? Eles compartilharam a voz?
Pergunte aos alunos jogadores: Como se sentiram? O que puderam
perceber da linguagem teatral? O que pode ser feito para a cena ficar mais
interessante? Que outros acontecimentos podem ocorrer para tornar a
"receita do bolo" mais saborosa? Durante a avaliação, é importante que
seja criado um diálogo entre os alunos. Destaque os aspectos pertinentes à
linguagem teatral que tenham passado despercebidos. Esse procedimento
desenvolve a consciência dos alunos sobre os elementos da linguagem
teatral.

TEATRO IMAGEM

O roteiro 2 deu ênfase à composição de imagens fixas. Augusto


Boal, renomado homem do teatro brasileiro da atualidade, utilizou
bastante esse recurso em sua experiência teatral no Brasil e no exterior,
atribuindo a ele a denominação Teatro Imagem, uma modalidade formal
do Teatro do Oprimido. Segundo Boal, o Teatro Imagem obedece aos
passos descritos a seguir:

CEDERJ 113
Artes na Educação | A criação das pequenas formas teatrais

Um pouco de história
Eu sou Augusto Boal. Brasileiro. Isso mesmo, brasileiro.
Viajei por diversos países, experimentando minhas
idéias teatrais. Sistematizei um método, O Teatro do
Oprimido, respeitado e reconhecido hoje no mundo
inteiro. Com um cunho político, esse método surgiu
em1970, durante a ditadura militar no Brasil. Em 1971,
fui exilado do país. Percorri a Argentina, praticando o
Teatro Invisível, técnica muito interessante: uma cena
é representada na rua sem que as pessoas saibam que
é uma encenação. A intenção é levar o espectador a
participar da ação dramática, contribuindo com o seu
ponto de vista sobre o acontecimento representado.
No Peru, desenvolvi o Teatro Fórum, no qual os
atores apresentam um problema e os espect-atores
entram em cena propondo possíveis alternativas para
solucioná-lo.
Ao refletir sobre as relações de dominação, o Teatro
do Oprimido se pretende libertador. Seu objetivo
principal é “transformar o povo, ‘espectador’, ser
passivo no fenômeno teatral, em sujeito, ator, em transformador da ação dramática”, potencializando,
desse modo, a capacidade do sujeito de agir diante da sociedade (BOAL, 1980, p. 126). Por isso o
termo espect-ator.
O Teatro do Oprimido tem diversas modalidades teatrais, dentre elas: Dramaturgia Simultânea, Teatro
Imagem, o Jornal, Teatro Invisível, Teatro Fórum etc. Meu primeiro livro a esse respeito se chama Teatro
do Oprimido e outras poéticas políticas. Sobre esse assunto, você ainda poderá ler outros livros de
minha autoria: Jogos para atores e não-atores, O arco-íris do desejo e O teatro como arte marcial.

1. O próprio grupo propõe um tema a ser analisado ou


estudado: “pede-se que os espect-atores esculpam como
escultores um grupo de estátuas, isto é, imagens formadas
pelos corpos dos outros participantes e por objetos
encontrados no local” (BOAL, 1999, p. 5). Segundo
Boal, essa imagem corresponde à representação visual
de um pensamento coletivo ou uma opinião generalizada
sobre o tema dado.

Vamos supor que o tema seja a família, como Boal a


descreve: “Um primeiro grupo vai à frente e constrói
sua imagem: se o público não estiver de acordo, um
segundo espect-ator refará as estátuas de outra forma”,
e assim por diante, até que haja o consenso de todo o
grupo em torno da representação da imagem da família.
Essa imagem é chamada de “imagem real, que é sempre
a representação de uma opressão”;

2. Pede-se, então, que os espectadores construam uma


segunda imagem, denominada imagem ideal, na qual a

114 CEDERJ
opressão tenha desaparecido. Essa imagem representa o

16
sonho, a sociedade que se quer construir, uma sociedade

AULA
“na qual os problemas atuais tenham sido superados.
São sempre imagens de paz, tranqüilidade, amor etc.”
(BOAL, 1999, p. 6);

3. Na terceira etapa, o grupo constrói a imagem de


transição. Ela representa a passagem da imagem real
para a ideal. Nessa fase, os espect-atores são convidados
a modificar a imagem real, buscando aproximá-la mais
e mais da imagem ideal. Ao final do jogo, os próprios
jogadores movimentam-se em câmera lenta, fazendo a
passagem da imagem real para a imagem ideal.

Para Augusto Boal (1999, p. 5), o Teatro Imagem tem “o objetivo de ajudar
os participantes a pensar com imagens, a debater um problema sem o
uso da palavra, usando apenas seus próprios corpos”. um procedimento
apropriado para crianças e adolescentes que estão aprendendo a pensar
com palavras e possuem, em geral, um vocabulário restrito. Desse modo,
Boal afirma: “Imagens são mais fáceis de inventar do que palavras. E,
até certo ponto, mais ricas em significados possíveis, mais polissêmicas”
(BOAL, 1999, p. 8).

ATIVIDADE

2. Augusto Boal escreveu:


Em Portugal, representaram uma família de uma província do interior:
um homem sentado à cabeceira da mesa, a mulher, que lhe serve um
prato de sopa, de pé ao lado dele, e muitas pessoas jovens sentadas
à mesa. Todos olhavam para o chefe de família enquanto comiam.

CEDERJ 115
Artes na Educação | A criação das pequenas formas teatrais

Esta era a imagem tida como consensual da família portuguesa


naquela região do país. Tempos mais tarde, um rapaz de Lisboa refez
a cena mais ou menos da mesma maneira, salvo que todos, menos
o chefe da família, tinham os olhos cravados em um ponto fixo que
hipnotizava: a televisão. O poder do chefe de família tinha sido abalado
pelo poder de informação da TV. No entanto, o pai continuava no seu
posto, agora apenas simbólico (BOAL, 1999, p. 7).

a. Partindo do relato descrito, identifique a imagem real. Depois, desenhe


no seu portfolio uma imagem ideal para esse tema.
b. Podemos observar que a imagem sobre o tema se modifica de acordo
com os valores de um determinado grupo social. Faça um segundo desenho,
representando a imagem real da família, segundo sua visão pessoal sobre
esse tema.
c. Responda por escrito: a imagem real da família portuguesa se aproxima
da sua imagem real sobre o tema? Em que aspectos elas se diferenciam?
Quais as relações de poder existentes na família que você representou?
Quem desempenha os papéis de opressor e oprimido? Por meio de que
atitudes essas relações podem ser transformadas?
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RESPOSTA COMENTADA
A composição da imagem real reflete o modo como as relações
entre os membros das famílias se estruturam, os papéis sociais
desempenhados por cada um e a qualidade dos laços afetivos.
A utilização do Teatro Imagem, como proposto por Boal na escola,
não pode ser vista dentro de uma perspectiva de acompanhamento
terapêutico. Essa função é específica, e cabe a um profissional
qualificado desempenhá-la, um psicólogo por exempo. Como
afirmou Boal, o Teatro Imagem é uma reflexão crítica sem palavras.
A discussão se dá naturalmente e está implícita na própria feitura das
imagens, que são reveladoras. Não é necessária ou conveniente a
intervenção ou análise psicológica do professor junto aos alunos, em
relação ao tema proposto, pois o próprio jogo se encarrega dessa
função crítica. É jogando, portanto, que os alunos desenvolvem o

116 CEDERJ
16
seu saber sobre o mundo. As atitudes transformadoras apontam as

AULA
possibilidades de mudança em direção à imagem ideal, geralmente
concretizadas quando a ação é libertadora e resulta de uma
expressão amorosa.

CONCLUSÃO

Uma didática do ensino do Teatro na Educação deve atender


tanto aos objetivos específicos da linguagem teatral, quanto aos objetivos
pedagógicos relacionados à formação educacional do aluno. Você poderá,
ainda, atrelar essa didática ao conteúdo trabalhado em sala de aula.
Portanto, essa didática é bastante flexível, devendo ser redesenhada
segundo o seu planejamento de curso ou de aula.
Os objetivos relacionados diretamente à linguagem teatral serão
assimilados por você, gradativamente, à medida que forem exercitados
na prática escolar. Uma vez que esses conteúdos tenham sido assimilados,
você se sentirá mais livre para fazer os arranjos necessários à estruturação
da aula. A proposta apresentada na Aulas 15 e 16 é apenas um instrumento
de apoio, um estímulo para que você comece, agora mesmo, a organizar
a sua própria estrutura de aula.

ATIVIDADE FINAL

Lembre-se do conteúdo de tudo o que você já estudou sobre o Teatro na Educação


e dos jogos que aprendeu, inclusive. Deixe sua intuição fluir e esboce, por escrito,
uma aula em que o teatro seja o eixo condutor das atividades. Você pode organizá-
la segundo a estrutura proposta anteriormente: integração, estímulo, composição
cênica e avaliação. Pode, ainda, inventar um jeito próprio de fazer. Compartilhe,
oportunamente, suas idéias com os colegas e o tutor.
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CEDERJ 117
Artes na Educação | A criação das pequenas formas teatrais

RESPOSTA COMENTADA
Quando utilizar o teatro como eixo das atividades e da aprendizagem,
tenha sempre em mente os elementos da linguagem teatral com a qual
está trabalhando. Não esqueça: teatro é linguagem, e é pelo domínio
da linguagem artística que os alunos ampliarão sua possibilidade de
expressão criativa.
Você percebeu? Qualquer conteúdo temático pode ser adequado à
estrutura de aula proposta nesse estudo. Ela valoriza uma atitude
ativa e participativa do aluno e do professor frente ao tema proposto,
incluindo a pesquisa, o levantamento de hipóteses, a experimentação
e a avaliação constante.
Talvez você encontre alguma dificuldade de avaliar. Mantenha a calma.
Essa é uma etapa complexa, exige um certo domínio da disciplina,
objetividade de análise e capacidade de escuta e observação, ou seja,
capacidade de perceber o que e como o grupo está propondo as soluções
cênicas. Com a prática, você certamente desenvolverá esse olhar.

RESUMO

Além da etapa integração, apresentada na Aula 15, estímulo, composição cênica e


avaliação são os outros componentes da organização de uma aula de teatro. Para
exemplificar essa estruturação, sugiro dois roteiros de aulas completos com um guia
de jogos para cada etapa. A estrutura dramática “onde, quem e o quê”, proposta
por Viola Spolin, é uma forma dinâmica e simples de compor pequenas cenas teatrais.
Por sua vez, o Teatro Imagem – modalidade do Teatro do Oprimido –, criado por
Augusto Boal, é uma técnica instigante que estimula no aluno o desenvolvimento
do pensamento crítico em torno da realidade representada.

INFORMAÇÕES SOBRE A PRÓXIMA AULA

Para ser dito como se você estivesse debaixo de uma ducha gelada: Quais são as
características de um texto dramático? O que é o texto no teatro? Que questões
o teatro contemporâneo levanta a esse respeito? Como o texto pode ser jogado?
Novas indagações. Aguarde até a próxima aula.

118 CEDERJ
17
AULA
Jogando com
o texto no teatro
Meta da aula
Apresentar algumas questões
atuais sobre o texto no teatro.
objetivos

Esperamos que, ao final desta aula, você seja capaz de:


• conceituar texto dramático;
• avaliar as questões atuais sobre o conceito
de texto teatral;
• identificar procedimentos lúdicos para trabalhar
com o texto no teatro.
Artes na Educação | Jogando com o texto no teatro

INTRODUÇÃO Alguns textos teatrais têm início com um prólogo, ou seja, uma introdução,
apresentando o fio da fábula e introduzindo, pouco a pouco, o espectador
no universo ficcional da peça. Esse elemento era comum nos textos clássicos
e, hoje, já não se encontra tão presente. Desse modo, o prólogo antecede
a ação dramática, fornecendo pistas sobre o que vai acontecer, assim como
estou fazendo nesta aula.
Agora que você já está familiarizado com os jogos teatrais, vai conhecer os
meandros do texto dramático. Uma peça de teatro não foi escrita apenas para
ser lida, mas, sobretudo, para ser encenada. Por isso, tem toda uma estruturação
que lhe é própria.
Contudo, o teatro não está restrito apenas ao texto dramático. Muitos outros
tipos de textos podem ser explorados e transformados em cena. Notícias de
jornal, histórias clássicas ou situações cotidianas, poemas, canções, literatura de
cordel, lendas populares, tudo isso pode ser utilizado como material textual.
O teatro contemporâneo questiona o estatuto do texto dramático, o lugar
de importância que ocupou durante décadas. Assim, concebe o texto de
forma mais aberta, como tudo aquilo que está sendo comunicado durante o
acontecimento teatral, seja ele verbal ou não-verbal.
Como pode perceber, você está diante de novos desafios. Então, atenção, a
peça vai começar!

CENA 1: O TEXTO DRAMÁTICO

Como você já sabe, o texto dramático tem características


específicas. Ele está dividido em atos, de acordo com o desenrolar da
ação dramática, ou em função do tempo. Os atos são as partes maiores
do texto, que contêm, por sua vez, partes menores denominadas cenas.
Um ato pode conter uma ou mais cenas.
Diferentemente da narração, em que os acontecimentos são
narrados pelo autor ou personagem, no texto dramático, as personagens
realizam a ação dramática e o texto é construído a partir do diálogo
entre elas. A ação dramática avança, à medida que cada personagem
luta pela realização de um objetivo que lhe é particular. O drama surge
exatamente do conflito entre os objetivos manifestos pelas diferentes
personagens. Desse modo, as personagens evoluem, no decorrer da trama,
modificando atitudes de acordo com as pressões que sofrem, advindas
do meio e das outras personagens.

120 CEDERJ
A escritura do texto dramático contém indicações cênicas que

17
revelam o contexto da peça, o sentimento ou a ação das personagens,

AULA
fornecendo, ainda, marcações ou dados para que se possa,
imaginariamente, visualizar ou conceber uma possível encenação.
Essas indicações cênicas são chamadas de rubricas, e, geralmente,
vêm grifadas de maneira diferente no texto ou encontram-se entre
parênteses. A rubrica corresponde a uma visualização subjetiva do
autor sobre a encenação. No entanto, a montagem do espetáculo não
precisa, necessariamente, coincidir com as rubricas sugeridas pelo autor.
O diretor e o grupo têm total liberdade para encenar a peça teatral,
segundo o seu desejo artístico.

!
Segundo Silvia Fernandes (2000, p. 25), “as fronteiras do drama se alargam a ponto de
incluir romances, poemas, roteiros cinematográficos e até mesmo fragmentos de falas
esparsas, desconexas, usadas para pontuar a dramaturgia cênica do diretor ou ator.”

Desse modo, a escritura teatral contemporânea abarca fontes


textuais diversas que vão além do gênero dramático, prescindindo, muitas
vezes, do diálogo, do conflito, da noção de personagem e da situação
dramática. A partir do século XX, algumas encenações apresentam o
texto estruturado a partir de frases soltas, desconexas e sem sentido
aparente. Imagine, até mesmo a lista telefônica pode ser encenada. Isso
não é uma piada, como nos sugere Pavis (1999, p. 405). Todo texto é
“teatralizável, a partir do momento que o usam em cena”.
Essa forma mais aberta de conceber o texto teatral surgiu como
necessidade de expressão de conteúdos ou realidades que os modelos
dramáticos tradicionais já não conseguem mais atingir.

CEDERJ 121
Artes na Educação | Jogando com o texto no teatro

ATIVIDADE

Eu chovo, tu choves, ele chove...


1. Partindo de uma cena da peça Eu chovo, tu choves, ele chove..., de autoria
de Sylvia Orthof, um dos maiores nomes do teatro e da literatura infantil
brasileiros, faça uma pequena análise do texto, respondendo por escrito às
seguintes perguntas: Quem são as personagens? Qual o objetivo de cada uma
delas? Que conflito é estabelecido em cena? Qual é a função das rubricas
feitas pelo autor?

(Barulho de trovões. O barulho é feito à vista das crianças, para não assustar.
Deve ser ridículo. Surge o chuveiro. Vem nevolto em uma cortina de plástico
e traz uma escova na mão, em pose de rei.)
Chuveiro – (canta)
Sou Chuveiro bem elétrico
sou patrão... trão... trão...
manda-chu... va... va...
mando to... dos... dos...
tomar ba... nho... nho...
com escova, com chuveiro e sabão... bão... bão!
hoje estou mal-humora... do... do...
sou patrão... trão... trão...
sabão... bão... bão...
mando to... dos... dos...
tomar ba... nho... nho... mas eu mando e não tomo banho, não!

Pingo – Seu Patrão, posso falar com o senhor?


Chuveiro – (de dentro da cortina, responde, como quem está no banheiro e
alguém bate à porta) O que é? Estou ocupado!
Pingo – Eu podia falar com o senhor, seu Patrão Chuveiro?
Chuveiro – Estou ocupado!
Pingo – Só um instantinho, seu Patrão Chuveiro!
Chuveiro – Estou ocupado, no banheiro!
Pingo – Mas eu preciso falar com o senhor... É urgente!
Chuveiro – Estou ocupado... estou urgente também!
Pingo – O Senhor está tomando banho?
Chuveiro – Estou ocupado, já disse! Fala mais alto... Não estou escutando
direito... Estou com água nos ouvidos!
Pingo – Escuta, seu Chuveiro...
Chuveiro– O quê? Dinheiro? Você quer dinheiro? Não tenho! Estou com
água nos ouvidos, ouviu?
Pingo – Puxa, o senhor não entende o que a gente fala!
Chuveiro – Dinheiro para comprar bala? Ora, não tenho, estou ocupado! Só
tenho tenho água nos ouvidos... Faz uma cócega... ui... ai... ui... ai... ui... Ora,
pulei tanto... que saiu a água dos ouvidos... que pena! Bem que minha mãe
Torneira dizia: pra tirar água do ouvido, pule num pé e pule no outro!

122 CEDERJ
17
Pingo – Seu Patrão Chuveiro, posso ter licença pra chover hoje?

AULA
Chuveiro – (começa a fazer barulho de telefone ocupado) Pon... pon...
pon... pon... pon... Estou ocupado... pon... pon... pon... pon...
Pingo – Seu Patrão Chuveiro, posso chover um pouquinho?
Chuveiro – Você conhece telefone? Telefone ocupado não faz: pon... pon...
pon... pon...? Pois eu sou Chuveiro ocupado: pon... pon... pon... pon... (sai
Chuveiro)
Pingo – Puxa, patrão é sempre assim: ou está zangado ou surdo ou
ocupado! (ORTHOF, 2001, p. 25-28).

RESPOSTA COMENTADA
Com muito humor, as personagens, nessa pequena cena, são o
Patrão Chuveiro e o Pingo. O conflito dramático é estabelecido pelo
choque entre dois objetivos divergentes: o Pingo deseja falar com o
patrão e pedir sua permissão para chover, enquanto isso, o Patrão
Chuveiro está no banheiro e não quer ser incomodado.
As rubricas marcam a entrada e a saída das personagens, fornece
dicas para a encenação: sonoplastia (efeitos sonoros), figurino,
adereço e a intenção dramática das personagens.
A entrada do chuveiro em cena é anunciada com barulhos de
trovões, simbolizando algumas de suas qualidades: elétrico, zangado,
chato, trovejante. A canção inicial é de melodia popular e, por meio
dela, a personagem Chuveiro se apresenta ao público.

CENA II: OS PROCESSOS DE ESTUDO DO TEXTO UNIVERSO


AMBIENTAL DA PEÇA
ou circunstâncias
Na atividade anterior, fizemos uma análise bastante intelectual da
dadas são
peça teatral. Assim se fazia antigamente, e ainda se faz, tradicionalmente, informações
que revelam o
nos dias de hoje. Nesse processo, as pessoas sentam-se ao redor de uma ambiente em que
as personagens
mesa para estudar o texto, lêem a peça em voz alta e, depois, debatem vivem (lugar, época,
suas idéias, percepções e sentimentos em relação às personagens e clima, hora, data da
ação) e, também,
acontecimentos dramáticos. dados sobre nível
social, religiosidade,
Durante essa fase de estudo, o grupo procura compreender o idade, estado civil,
contexto da situação dramática (UNIVERSO AMBIENTAL DA PEÇA), os objetivos participação política
das personagens.
das personagens, a intenção do autor, e, ainda, a visão particular do
diretor e de cada ator sobre o universo da peça.
ANÁLISE ATIVA
Essa compreensão da peça é importante, no entanto, ela pode Análise prática de um
ocorrer a partir do jogo ou improvisação, ou seja, do procedimento texto teatral por meio
da improvisação.
metodológico denominado ANÁLISE ATIVA. A partir da perspectiva lúdica
do teatro, o estudo da peça se modificou. O entendimento do texto é

CEDERJ 123
Artes na Educação | Jogando com o texto no teatro

feito diretamente em cena por meio do jogo e pela descoberta e pesquisa


ativa de soluções cênicas que possam comunicar, com sensibilidade, as
idéias contidas no texto ou inspiradas a partir dele.
COMMEDIA DELL’ Na escola, podemos observar que a compreensão intelectual
ARTE
prematura do texto ou, ainda, o simples decorar, sem que tenha havido
A Commedia dell’arte
surgiu no começo do anteriormente a experiência e a exploração sensível do corpo no espaço,
século XVI, na Itália.
Constitui-se de peças
levam os alunos a adotarem uma rigidez corporal, eliminando, desse
improvisadas a partir modo, qualquer possibilidade de expressão e comunicação espontânea.
de um roteiro de
ações conhecido como Na busca do resultado final, o prazer do processo é negligenciado.
canevas ou scenario.
Eram encenadas Sabemos, no entanto, que é o prazer das descobertas coletivas que
na ruas, e o texto confere vida e significação ao fazer teatral.
surgia no momento
da ação. Os atores Dessa maneira, antes de introduzir um texto escrito, é necessário
se organizaram em
Companhias Teatrais, que os alunos estejam familiarizados com o jogo e a experiência sensível
que circulavam em
dos elementos teatrais no espaço. Até pouco tempo atrás, o teatro estava
carroças de uma
cidade a outra, circunscrito ao domínio do texto. Os atores deveriam saber dizê-lo
levando o riso e
a sátira social. bem, explorando, com sensibilidade, os recursos vocais, as entonações,
Seus atores eram
profissionais exímios
o timbre, o volume etc. Atualmente, ao contrário, considera-se o texto
na arte do improviso e como mais um dos elementos do fazer teatral, e não o principal. O teatro
utilizavam acrobacia,
música e poesia. contemporâneo está voltado para o jogo, para as soluções cênicas e a
Eles representavam
personagens- articulação dos diversos elementos da linguagem.
tipo, dentre eles
o Pantaleão, o
Doutore, o Soldado, CENA III: A CRIAÇÃO COLETIVA
o Arlequim, a
Colombina. Cada
personagem possuía Que tal, agora aprender algumas formas de jogar com o texto?
um repertório de
Como já foi dito, uma notícia de jornal pode ser transformada em cena,
gestos e também de
efeitos ou truques ou, ainda, um simples roteiro pode ser improvisado pelos alunos na sala
cômicos, conhecidos
como lazzi. Com de aula, assim como se fazia na COMMEDIA DELL’ ARTE.
exceção do par
romântico e das
criadas, todas as
outras personagens
usavam máscaras
características. Os
atores especializavam-
se em apenas um
tipo de personagem,
representando-o
durante toda a vida e
em algumas famílias,
as personagens eram
passadas de geração a
geração.

124 CEDERJ
Nessa proposta, o texto (aquilo que será comunicado) vai sendo

17
construído, gradativamente, com os alunos, surgindo, de maneira

AULA
espontânea e viva, através da ação. A palavra não se apresenta mais
como algo vazio, sem vida, pois o seu significado brota da experimentação
sensório-corporal dos alunos. Se o professor desejar, pode, ao longo do
processo, registrar as falas, diálogos e soluções cênicas. Dizemos, então, que
o texto é resultado de uma criação coletiva e que ele está em processo, pois
pode ser modificado a qualquer momento, de acordo com o surgimento de
uma nova idéia. Desse modo, conteúdo e forma surgem ao mesmo tempo,
ou seja, o texto nasce da descoberta das SOLUÇÕES CÊNICAS. SOLUÇÃO CÊNICA
É a expressão que
sugere a forma pelo
qual o conteúdo será
comunicado. Surge
da articulação ou do
jogo em cena entre
os diversos elementos
da linguagem teatral:
corpo, voz, palavra,
espaço, iluminação,
figurino, música,
cenário etc.

Figura 17.1: Arlequim, após roubar alimentos, diverte-se


com o amigo e é surpreendido pelo patrão.

ATIVIDADE

Criação de um roteiro de ações


2. O roteiro de improvisação a seguir foi criado por Maria Clara Machado,
figura de grande prestígio do teatro nacional. Ela foi uma das maiores
responsáveis pelo estímulo do teatro infanto-juvenil no Brasil. Fundou o
Teatro Tablado em 1951, no Rio de Janeiro, além de ser autora de diversos
textos teatrais para crianças e jovens, dentre eles: O cavalinho azul, Pluft,
o fantasminha e O rapto das cebolinhas.

O bolo
Um bolo de aniversário está escondido dentro de um
armário. Dois meninos, proibidos de provar o bolo, não
resistem e aproveitam que estão sozinhos para dar uma
provadinha. Sentimentos: receio de serem descobertos e
gula. Devagarzinho, abrem o armário e começam a comer
o bolo. De repente, ouvem barulho de passos. Apavorados,
se escondem. Quando são descobertos, fazem cara de
dissimulação (MACHADO, 2001, p. 32).

CEDERJ 125
Artes na Educação | Jogando com o texto no teatro

A partir desse exemplo, crie um roteiro que poderá, oportunamente, ser


desenvolvido com seus futuros alunos.

RESPOSTA COMENTADA
Um roteiro de ações provoca curiosidade pela maneira como o
autor propõe o desenrolar dos acontecimentos. A surpresa e as
descobertas são elementos que provocam suspense e prendem o
interesse do espectador. Para facilitar a estruturação de um roteiro
observe os elementos dramáticos contidos na proposta de Maria
Clara Machado:
- estrutura dramática: onde, quem e o quê;
- conflito dramático ou obstáculos: os meninos foram proibidos de
provar o bolo; o bolo estava escondido dentro do armário;
- a indicação implícita ou explícita de simples ações físicas: verificar
se alguém está por perto, abrir o armário, provar o bolo, esconder-
se etc;
- sentimentos contraditórios: desejo de comer o bolo e medo de
ser descoberto;
- elementos de surpresa e reviravolta: Alguém se aproxima – “ouvem
barulhos de passos” – os meninos são descobertos.

CENA IV: JOGO COLADO AO TEXTO

No momento, você conhecerá alguns procedimentos lúdicos para


trabalhar com o texto no teatro. A professora doutora Ingrid Dormien
Koudela, da Universidade de São Paulo, com base em sua pesquisa sobre
a peça didática de Bertold Brecht, sugere um procedimento interessante
de apropriação do texto pelo aluno, denominado colado ao texto.

126 CEDERJ
17
Um pouco de história
O teatro épico e a peça didática

AULA
Meu nome é Bertold Brecht (1898 - 1956), inovador da cena
moderna. Nasci na Alemanha e criei um modo próprio de fazer
teatro, conhecido como Teatro Épico. Diferentemente do teatro
realista, no qual o efeito da ilusão leva o espectador a esquecer-se
de que está no teatro, propus um outro tipo de efeito, denominado
estranhamento. Por meio desse efeito, o espectador não se identifica
com os personagens em cena, ou seja, não se envolve emocionalmente
com as situações que lhes são apresentadas, ao contrário, mantém
uma postura de distanciamento crítico, refletindo e tecendo opiniões
sobre o que lhe é mostrado.
Escrevi numerosas peças épicas, como por exemplo, Mãe Coragem e
seus filhos; Vida de Galileu; Os fuzis da senhora Carrar, A alma boa
de Setsuã etc.
Fui, também, o criador da Peça Didática, escrita para ser
encenada pelo próprio espectador: operários, estudantes, pessoas sem formação dramática, em
escolas, fábricas, sindicatos de classes etc. Meu teatro tem um cunho político-estético, sendo
a Peça Didática um excelente instrumento de aprendizagem, pois estimula o pensamento
dialético entre teoria e prática. O texto da Peça Didática funciona como um modelo de ação,
ou seja, um roteiro aberto sujeito a diferentes leituras, podendo ser recriado, segundo o ponto
de vista e o universo dos participantes. Se você se interessar pelo assunto, leia algumas Peças
Didáticas de minha autoria: Aquele que diz sim e aquele que diz não; Vôo sobre o oceano;
A decisão, A peça didática de Baden-Baden sobre o acordo etc.

O jogo colado ao texto tem como princípio a experimentação


sensório-corporal daquilo que se pretende comunicar. O texto não é
decorado e nem estudado antes da realização da cena, mas esta se compõe
a partir da experimentação simultânea do texto durante o jogo. Desse
modo, a sua compreensão ocorre, gradativamente, à medida que o aluno
experimenta o espaço, a relação com os outros colegas e personagens.
Essa forma de trabalho também confere ao aluno a oportunidade de
realizar múltiplas leituras sobre um mesmo texto, de acordo com o jogo
estabelecido por cada grupo.

CEDERJ 127
Artes na Educação | Jogando com o texto no teatro

O texto permanece na mão do aluno a maior parte do tempo


durante o jogo, por isso o termo colado ao texto. Não é necessário,
também, enunciar o texto de forma linear ou seqüencial. O aluno tem total
liberdade de utilizar frases soltas, palavras, trechos do texto e até mesmo o
título, a data e qualquer outra informação, intercalando com outras falas,
imagens e insights pessoais que surjam no momento da improvisação.
Segundo Koudela (1999, p. 20), o procedimento colado ao texto
é uma forma de apropriação que não visa, num primeiro momento, à
compreensão do sentido global inerente ao próprio texto. “Ao ‘brincar’
com o texto, os jogadores permitem o livre jogo de associações, de imagens
e significados que o texto provoca, sem se fixar em um único significado
ou buscar uma mensagem/lição totalizante.”
Por meio dessa dinâmica, o texto se apresenta como uma estrutura
aberta, sujeita à complementação, críticas, confrontos, oposições ou
reafirmação. A proposta é que o texto possa ser recriado pelo grupo,
segundo seu universo vivencial, suas idéias e sentimentos.
O procedimento do jogo colado ao texto pode ser aplicado, também,
em relação a outros tipos de texto: histórias, poemas, notícias de jornais
etc. Vejamos como isso ocorre na prática. Escolha um pequeno poema e
jogue com seus alunos, respeitando as etapas descritas a seguir.

1 – Os alunos andam pela sala aleatoriamente, explorando


os espaços. Durante a caminhada no espaço, os alunos,
com o texto em mãos, lêem, simultaneamente, o poema
em voz alta. Cada um lê no seu próprio ritmo.

2 – Peça a cada aluno que escolha uma frase, palavra


ou qualquer outro dado do texto, incluindo título,
data, autor etc. Feita a escolha, os alunos continuam a
caminhada no espaço e, à medida que vão encontrando
os colegas, vão dizendo, no ouvido deles, a sua frase e
escutando, por sua vez, as frases dos outros.

3 – Todos em círculo. Um aluno diz a sua frase em voz alta,


estabelecendo contato com o colega através do olhar e
assim por diante, como uma espécie de conversa com o
texto. Durante o jogo, novas frases do texto podem ser
escolhidas. É interessante perceber, nesse momento, que
o texto vai ganhando uma significação, mesmo dito de

128 CEDERJ
forma aleatória e não-seqüencial, de acordo com a intenção

17
conferida por cada aluno ao que está sendo dito.

AULA
4 – Em círculo, de costas para o centro, todos os alunos vão
dizer a sua frase em voz alta, de acordo com as intenções
sugeridas pelo professor, tais como: dizer a frase como
se estivesse fofocando, chorando, pedindo desculpa,
precisado ir ao banheiro, dentro de uma caverna quente,
irritado, feliz etc.

5 – Divida a turma em pequenos grupos e peça que façam


uma improvisação. O texto pode ser mantido ou não em
mãos. A improvisação é livre, quer dizer, o texto pode
ser recriado, segundo a imaginação dos alunos, durante
o desenrolar da ação. Eles podem tanto utilizar frases do
próprio texto como intercalá-las com frases espontâneas,
decorrentes da ação cênica.

6 – Uma outra forma de improvisação: peça a cada grupo


que definam um onde, um quem e um que específicos.
O texto pode ser jogado livremente a partir dessa escolha.

CENA V: DRAMATIZANDO HISTÓRIAS

Qualquer narração pode ser dramatizada. As histórias são uma


fonte riquíssima para o fazer teatral. A história pode ser introduzida
em sala de aula de diferentes formas, seja pela leitura, de acordo com
o procedimento do jogo colado ao texto, seja contada pelo professor.
Essa opção é livre, devendo adequar-se ao nível de escolarização e
alfabetização do aluno. Veja, a seguir, algumas dicas de jogos.

Criando imagens congeladas

1 – Conte a história para os alunos. Utilize os recursos


vocais, as entonações, a expressão corporal, modifique
os ritmos, crie as atmosferas, valorize os momentos de
tensão, explore os efeitos dramáticos, tornando dinâmica
a contação.

CEDERJ 129
Artes na Educação | Jogando com o texto no teatro

2 – Coloque os alunos em círculo. Eles deverão criar


imagens congeladas a partir das sugestões fornecidas
por você sobre a história. Destaque os personagens e as
principais situações dramáticas de uma forma lúdica.

3 – Outra variante do jogo é dividir a turma em grupos,


solicitando que cada grupo componha a imagem
congelada de um momento da história. Dê um tempo
para que cada grupo organize a sua imagem. Em seguida,
poderão apresentar as imagens criadas à platéia formada
pelos colegas.

4 – A imagem pode ser realizada, também, de forma


coletiva. Os alunos entram em cena, um a um, propondo
uma imagem e congelando, criando um quadro de um
momento da história. Esse jogo funciona como uma
espécie de colagem.

5 – Improvisação dinâmica (composição cênica). Os grupos


fazem a improvisação em torno das imagens criadas.

Contando e dramatizando coletivamente

1 – Dividir a turma em dois grupos. Um grupo narra a


história e o outro representa as ações narradas. O grupo
narrador senta-se de frente para o outro grupo, que está
em pé no espaço. A história é inventada na hora. Um
aluno começa a contar e, após alguns segundos, dá a vez
ao colega, que continua a narração. Enquanto isso, os
jogadores em cena representam as situações sugeridas.

CENA VI: BLABLAÇÃO

A blablação é uma linguagem inventada na hora, resultante da


articulação de sonoridades e articulações vocais estranhas, como se fosse
a expressão de uma língua estrangeira. Essa técnica serve para demonstrar
que a ação cênica surge mais da intenção e das atitudes das personagens
em relação ao contexto proposto do que propriamente da letra escrita
ou do sentido literal das palavras.

130 CEDERJ
Muitas vezes, o aluno tem dificuldade de expor suas idéias, sua

17
capacidade de expressão verbal é pequena ou ele fica preso à lógica

AULA
formal daquilo que é dito durante a cena. Nesse caso, a bablação é um
ótimo recurso. Como os sons articulados aleatoriamente não têm um
sentido conceitual, as ações surgem da intenção que está por trás da
expressão verbal.

!
O texto no teatro não é a mera expressão de informações, não pode ocorrer apenas no nível verbal. Todo texto
tem um subtexto, ou seja, uma intenção que está oculta ou está “nas entrelinhas”, mas que é, ao mesmo tempo,
determinante da ação dramática. Por exemplo, a expressão “Bom-dia” pode ser dita de diferentes maneiras, de
acordo com o sentimento, a intenção do personagem ou o contexto da situação dramática. Desse modo é possível
dizer “Bom-dia” quando, na verdade, o que se quer dizer é “Não me aborreça hoje, estou cansado”, ou “o que
será de mim hoje, tenho uma prova e não estudei nada” e, ainda, “Estou tão feliz, hoje é um dia muito especial,
dia do meu casamento”.

ATIVIDADE

3. Imagine que você representa os personagens a seguir: um político,


um camelô e um professor. Desenvolva uma cena para cada um desses
personagens, utilizando a blablação. Por exemplo, faça um discurso político
num palanque, imagine os eleitores, que são personagens invisíveis, e
direcione o discurso a eles.

RESPOSTA COMENTADA
Uvitoculuntamiva? Setoumbanaco? Traduzindo literalmente: “Que
tal? Você experimentou a atividade proposta? Encontrou alguma
dificuldade?”. Não se preocupe com a sonoridade, ela é estranha,
mas, ao mesmo tempo, engraçada. Direcione a fala às personagens
invisíveis. Converse com elas. O importante é que você experimente,
de forma sensível, a expressão verbal e reconheça que ela vem
acompanhada de uma intenção, de uma atitude e, ainda, de uma
expressão corporal, que lhe atribuem significação.

CEDERJ 131
Artes na Educação | Jogando com o texto no teatro

CONCLUSÃO (OU EPÍLOGO)

Nesta aula, forneci algumas questões e dicas práticas sobre a


utilização do texto no teatro. Esse é um universo complexo, abrange o
conhecimento da dramaturgia clássica e moderna, das peças nacionais
e estrangeiras, do teatro adulto e infanto-juvenil, o estudo do texto, as
características do texto dramático e as possibilidades do texto no teatro
contemporâneo, que inclui desde a utilização de frases desconexas que
pontuam a escritura cênica do encenador, passando pelos romances,
pela narração, até a utilização de textos não-verbais etc. Sugiro que
você fique alerta para esse universo. Pesquise a respeito, leia algumas
peças, colete material textual e, principalmente, exercite na prática os
jogos com os alunos.

ATIVIDADE FINAL: MODIFICANDO O CONTEXTO DRAMÁTICO

Crie e registre, por escrito, um contexto dramático para o texto dramático a seguir.
Defina as personagens, o objetivo de cada uma delas, a rubrica, o local onde se
passa a cena, a hora, os obstáculos ou desafios a serem vividos etc. determinando,
desse modo, as circunstâncias dadas para a encenação.

Personagem A: Que horas são?


Personagem B: Está quase na hora.
Personagem A: Ele está chegando.
Personagem B: Cuidado.
Personagem A: Ouço um barulho.
Personagem B: Vai dar tudo certo. Coragem.
Exemplo
É tarde da noite, a cena se passa entre dois presidiários que estão prestes a fugir.
Reginaldo vigia o corredor e Augusto prepara a situação de fuga.
Reginaldo (nervoso): Que horas são?
Augusto (preparando o explosivo): Está quase na hora.
Reginaldo: Ele está chegando. (Um guarda se aproxima).
Augusto: Cuidado! (Os dois se escondem)
Reginaldo: Pronto, não foi nada. (Os passos do guarda se distanciam).
Augusto: Chegou a hora. Coragem!
(Eles detonam o explosivo e fogem pela janela).

132 CEDERJ
COMENTÁRIO

17
Compare o exemplo anterior e a cena construída por você nesta

AULA
atividade. Perceba que o diálogo ganha significação à medida
que as circunstâncias dadas são definidas. Modificando, por
sua vez, as circunstâncias dadas, um mesmo texto apresentará
diferentes subtextos e situações dramáticas. Desse modo, o texto
ganha nova significação e expressão cênica (utilização do corpo,
da voz, do espaço, dos objetos e iluminação) de acordo com o
contexto e o objetivo das diferentes personagens.

RESUMO

O texto dramático é construído pelo diálogo entre as personagens. Nele, as rubricas


indicam coordenadas do próprio autor a respeito de uma possível encenação. No
entanto, ele pode conter novas significações, dependendo da interpretação dos
atores e diretores em relação à situação dramática.
O teatro utiliza-se não apenas do texto dramático, mas de qualquer outra fonte
textual: narrações, poemas, notícias de jornal, histórias, roteiros etc.
Podemos, ainda, dizer que, dentro de uma perspectiva contemporânea, o texto,
no teatro, não se restringe ao que é dito, mas àquilo que é comunicado em cena,
seja uma expressão não-verbal ou a impressão de uma imagem.
Dessa forma, o estudo do texto no teatro contemporâneo supõe procedimentos
lúdicos. Seu sentido é construído diretamente no espaço, por meio da exploração
sensório-corporal do aluno.

INFORMAÇÕES SOBRE A PRÓXIMA AULA

Para dizer como se você estivesse fofocando:


Foi o Joaquim. Isso mesmo, o Joaquim. Aquele português. Ele arrumou uma
confusão. Chega, Maria, não quero mais conversa. Então, vou falar do pipoqueiro
do cinema, da dançarina, do ladrão de galinhas. É isso, vou falar sobre a criação
da personagem no teatro.

CEDERJ 133
Artes na Educação | Jogando com o texto no teatro

LEITURAS RECOMENDADAS

KOUDELA, Ingrid Dormien. Texto e jogo. São Paulo: Perspectiva,1999.


A professora Ingrid Koudela expõe, de forma criativa, procedimentos lúdicos para
a exploração e a pesquisa cênica da peça didática. Essa metodologia se estende
a outros tipos de texto para o teatro.
MACHADO, Maria Clara e ROSMAN, Marta. 100 jogos dramáticos: teatro. Rio
de Janeiro: Agir, 2001.
Essa obra contém um guia de roteiros dramáticos que podem ser explorados
com os alunos na escola.

PEÇA TEATRAL RECOMENDADA

ORTHOF, Sylvia. Eu chovo, tu choves, ele chove...Rio de Janeiro: Objetiva,2001.


Literatura em minha casa; v.5.
Peça infantil de grande humor e criatividade. Uma leitura prazerosa e de uma
enorme riqueza cênica para uma montagem teatral. O texto contém musicalidade,
os diálogos são rápidos, o conflito é nítido e o conteúdo irreverente (Sylvia faz
uma crítica ao autoritarismo dos manda-chuvas). Possuindo grande espírito lúdico,
a autora brinca com o título da peça conjugando o verbo impessoal chover.

MOMENTO PIPOCA

A incrível aventura do capitão Tornado.


Direção de Ettore Scola. Produção Globo Vídeo, 1992.
É um filme sensível que mostra a vida e o trabalho de uma companhia de
atores da Commedia dell’arte. Jovem barão fracassado, após perder toda a
fortuna viaja em direção a Paris com um grupo intinerante de artistas. Durante
a viagem, envolve-se com o drama vivido pelos comediantes, tornando-se ao
final um deles.

134 CEDERJ
18
AULA
A personagem:
processos criativos
Meta da aula
Apresentar processos criativos para a construção
da personagem no teatro.
objetivos

Esperamos que, após o estudo do conteúdo desta


aula, você seja capaz de:
• discriminar as duas vias para a criação da
personagem: caracterização física e vida interior;
• identificar procedimentos lúdicos para a criação
da personagem;
• construir ativamente uma personagem a partir da
peça Auto da compadecida, de Ariano Suassuna.
Artes na Educação | A personagem: processos criativos

INTRODUÇÃO No teatro, o ator assume um lugar poético e ficcional conhecido como


personagem. O jogo de representação de papéis é natural ao desenvolvimento
do ser humano e é realizado desde muito cedo. O homem da pré-história,
por exemplo, ao vestir a máscara do animal durante os rituais primitivos, já
operava com um mecanismo simbólico de deslocamento entre ele e um outro,
adquirindo, gradativamente, consciência sobre si mesmo e o mundo ao redor.
O mesmo ocorre com a criança por volta dos dois anos de idade, quando, por
meio do faz-de-conta, representa e dá vida a diversas personagens.
No teatro, por sua vez, a personagem é o móvel da ação dramática, aquela
que dá vida aos acontecimentos. Ao representá-la durante o jogo teatral,
o aluno tem a oportunidade de se colocar no lugar de uma outra pessoa,
experimentar sentimentos, pensamentos e modos de agir que não lhe são
familiares, ampliando seu universo humano e social.
A criação da personagem no teatro é, portanto, o tema desta aula. De certa
maneira, falamos sobre ela desde o início do curso. Lembra-se da estrutura
dramática proposta por Viola Spolin: onde, quem e o quê? O quem é uma
forma simples e prática de abordar o assunto. Contudo, nesta aula, daremos
um passo adiante em relação a esse tema, aprofundando o conhecimento
teórico e prático sobre a criação da personagem.
Essa aula contém uma proposta prática de construção da personagem. Todo
o seu conteúdo lhe parecerá uma grande atividade. Esse tom é proposital.
A intenção é que você perceba o aspecto lúdico de uma aula prática de
interpretação teatral. Não há necessidade de cumprir as indicações na
hora da leitura. No entanto, reserve um tempo da sua rotina diária
para experimentar as sugestões aqui apresentadas. Entre no jogo,
experimente!!! Não tenha receio. Dê a si mesmo o direito de jogar
e experimentar as situações ficcionais. Desse modo, aprenderá
a agir em nome de uma personagem.

136 C E D E R J
AS DUAS VIAS

18
A concepção da personagem pode ser realizada por duas vias PESSOA-

AULA
PERSONAGEM
diferentes, podendo iniciar-se do exterior, a partir da caracterização física
Essa terminologia
da personagem, ou do interior, por meio da pesquisa dos processos suscita a relação
íntima entre o
subjetivos. A caracterização física e a vida interior da personagem estão jogador, a pessoa que
inter-relacionadas, isto é, uma influencia a outra. A composição física cria, e a personagem,
o objeto a ser criado.
(aparência, postura, atitude física, gesto, olhar, jeito de andar, estatura A pessoa empresta
à personagem
etc.) desperta na PESSOA-PERSONAGEM sentimentos e pensamentos específicos. sentimentos próprios,
reinventa-os de
Por sua vez, atitudes internas determinam e agem sobre a expressão
maneira simbólica
física da personagem, moldando-a corporalmente. Existe, portanto, um e imaginária,
transferindo-os ao
processo de reversibilidade entre atitude física e atitude interna. Aqui, ser em criação. A
personagem, por sua
jogaremos com as duas formas de construir a personagem. vez, não é a pessoa
do jogador, tem um
universo que lhe é
AUTO DA COMPADECIDA – A CONSTRUÇÃO DA próprio, apesar de
ganhar vida por
PERSONAGEM meio do corpo e dos
sentimentos do seu
Para começar o trabalho de pesquisa em relação à construção da intérprete.

personagem, leia, atentamente, uma cena da peça Auto da compadecida,


de Ariano Suassuna.

Um pouco de história
Meu nome é Ariano Suassuna (1927- ). Nasci na capital do
Estado da Paraíba, e, ainda menino, fui morar em Taperóa,
onde assisti, pela primeira vez, a uma apresentação de
teatro de mamulengos e um desafio de viola, cujo caráter
de “improvisação” incorporou-se como marca registrada
de minha dramaturgia.
Fiz o curso secundário em Recife e em 1946 ingressei na
faculdade de advocacia. Como estudante universitário,
fundei, junto com Hermínio Borba Filho, o Teatro de
Estudante de Pernambuco. No ano de 1947, escrevi minha
primeira peça, Uma mulher vestida de sol.
Sou escritor, teatrólogo, advogado e professor de Teatro.
O Auto da compadecida (1955), peça de minha autoria,
estreou em Recife, em 1956, e depois, viajou para o Rio de
Janeiro e São Paulo. De lá para cá, fiquei conhecido como
um dos nomes mais importantes da dramaturgia brasileira.
Um dos traços inéditos de minha obra é que ela funde,
com originalidade, as tradições do teatro religioso medieval e do imaginário nordestino.
Apaixonado pela cultura brasileira, defendi tese de livre docência sobre o tema e fundei em 1970,
no Recife, o Movimento Armorial, com o objetivo de promover o desenvolvimento e o conhecimento
das formas de expressão populares tradicionais. Dentre outras funções públicas, exerci o cargo de
Secretário de Educação e Cultura do Estado de Pernambuco, no governo de Miguel Arraes (1994-
1998), e no ano 2000 fui eleito membro da Academia Brasileira de Letras.
Para conhecer melhor minha obra teatral, leia, dentre outras, as peças: Auto de João da Cruz, O arco
desolado, O rico avarento, O casamento suspeitoso, A farsa da boa preguiça, O santo e a porca.

C E D E R J 137
Artes na Educação | A personagem: processos criativos

Ouvem-se, fora, grandes gritos de mulher.


João Grilo: É a velha, com o cachorro. Como é, o senhor benze
ou não benze?
Padre: Pensando bem, acho melhor não benzer. O bispo está aí e
eu só benzo se ele der licença. (À esquerda aparece a mulher do
padeiro e o padre corre para ela.) Pare, pare! (Aparece o padeiro).
Parem, parem! Um momento. Entre o senhor e entre a senhora:
o cachorro fica lá!
Mulher: Ai, padre, pelo amor de Deus, meu cachorro está
morrendo. É o filho que eu conheço neste mundo, padre. Não
deixe o cachorrinho morrer, padre.
Padre (comovido): Pobre mulher! Pobre cachorro!
(João Grilo estendeu-lhe um lenço e ele se assoa ruidosamente.)
Padeiro: O senhor benze o cachorro, Padre João?
João Grilo: Não pode ser. O bispo está aí e o padre só benzia se
fosse o cachorro do major Antônio Morais, gente mais importante,
porque senão o homem pode reclamar.
Padeiro: Que história é essa? Então Vossa Senhoria pode benzer
o cachorro do Major Antônio Morais e o meu não?
Padre (apaziguador): Que é isso, que é isso?
Padeiro: Eu é que pergunto: que é isso? Afinal de contas eu sou
presidente da Irmandade das Almas, e isso é alguma coisa.
João Grilo: É, padre, o homem aí é coisa muita. Presidente da
Irmandade das Almas! Para mim isso é um caso claro de cachorro
bento. Benza logo o cachorro e fica tudo em paz.
Padre: Não benzo, não benzo e acabou-se! Não estou pronto para
fazer essas coisas assim de repente. Sem pensar, não.
Mulher (furiosa): Quer dizer, quando era cachorro do major, já
estava tudo pensado, para benzer o meu é essa complicação! Olhe
que meu marido é o presidente e sócio benfeitor da Irmandade
das Almas! Vou pedir a demissão dele!
Padeiro: Vai pedir minha demissão!
Mulher: De hoje em diante não me sai lá de casa nem um pão
para a Irmandade.
Padeiro: Nem um pão!
Mulher: E olhe que os pães que vêm para aqui são de graça!
Padeiro: São de graça!
Mulher: E olhe que as obras da igreja é ele quem está
custeando!
Padeiro: Sou eu que estou custeando!
Padre (apaziguador): Que é isso, que é isso!
Mulher: O que é isso? É a voz da verdade, padre João. O senhor
agora vai ver quem é a mulher do padeiro!
João Grilo: Ai, ai, ai, e a senhora, o que é que é do padeiro?

138 C E D E R J
Mulher: A vaca...

18
Chicó: A vaca?!

AULA
Mulher: A vaca que eu mandei para cá, para fornecer leite ao
vigário, tem que ser devolvida hoje mesmo.
Padeiro: Hoje mesmo!
Padre: Mas até a vaca? Sacristão, sacristão!
João Grilo: A vaca também é demais! (Arremedando o padre)
Sacristão, sacristão!
O sacristão aparece à porta. É um sujeito magro, pedante,
pernóstico, de óculos azuis que ele ajeita com as duas mãos de
vez em quando, com todo cuidado. Pára no limiar da cena, vindo
da igreja, e examina todo o pátio.
João Grilo: Sacristão, a vaca da mulher do padeiro tem que
sair!
Sacristão: Um momento. Um momento. Em primeiro lugar, o
cuidado da casa de Deus e seus arredores. Que é isso? Que é
isso?
Ele domina toda a cena, inclusive o Padre, que tem uma confiança
enorme na empáfia, segurança e hipocrisia do secretário.
Mulher e Padeiro, ao mesmo tempo, em resposta à pergunta do
Sacristão: É o padre...
Sacristão, afastando os dois com a mão e olhando para a direita:
Que é aquilo? Que é aquilo?
Sua afetação de espanto é tão grande, que todos se voltam para
a direção em que ele olha.
Sacristão: Mas, um cachorro morto no pátio da casa de Deus?
Padeiro: Morto?
Mulher: Morto?
Sacristão: Morto, sim. Vou chamar a prefeitura.
Padeiro, correndo e voltando-se do limiar: É verdade, morreu.
Mulher: Ai, meu Deus, meu cachorrinho morreu.
(SUASSUNA, 1967, p. 50-56)

C E D E R J 139
Artes na Educação | A personagem: processos criativos

ATIVIDADE

1. Determine as circunstâncias dadas da cena, respondendo por escrito:


a. Onde a cena ocorre?
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___________________________________________________________________
_________________________________________________________________
b. Quem são as personagens envolvidas na cena?
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___________________________________________________________________
_________________________________________________________________
c. O que elas estão fazendo?
___________________________________________________________________
___________________________________________________________________
_________________________________________________________________

RESPOSTA COMENTADA
Antes de iniciar a pesquisa prática de construção da personagem,
é importante definir o contexto básico da situação dramática: quem
são as personagens, onde elas se encontram e o que estão fazendo.
Esse é o jeito mais simples de começar a jogar.
As circunstâncias dadas fornecem informações sobre o universo
dentro do qual a ação se desenrola. À medida que o trabalho
prosseguir, elas serão detalhadas com maior rigor, apoiando o
processo de criação da personagem. Podemos definir as seguintes
circunstâncias para a cena sugerida:
Onde: Adro ou porta da igreja.
Quem: João Grilo, Chicó, Mulher do Padeiro, Padeiro, Padre e
Sacristão.
O que: João Grilo, Chicó, Mulher do Padeiro e Padeiro desejam benzer
o cachorro e procuram, cada um a sua maneira, convencer o Padre
a dar a bênção. Ele nega o pedido e, diante da pressão sofrida pelas
outras personagens, pede ajuda ao Sacristão.

140 C E D E R J
CRIANDO UM CORPO IMAGINÁRIO

18
A criação da personagem é feita passo a passo, por meio da

AULA
pesquisa ativa do corpo no espaço. Não há como concebê-la de uma só
vez. Ela nasce à medida que o processo avança. Nesse primeiro momento,
você conhecerá alguns procedimentos práticos para a caracterização
física da personagem. Usando recursos próprios e alguns acessórios,
experimentará a criação de um corpo imaginário. É como vestir um
casaco estranho, de tamanho diferente do seu, sendo necessário moldar,
gradativamente, um novo corpo para que ele lhe fique natural.
Tomando como exemplo a cena anterior, escolha uma das
personagens que você gostaria de interpretar e jogue de acordo com as
sugestões a seguir.

O que você faz para viver?

Agora que você já escolheu a sua personagem, vamos pesquisar


ativamente no espaço alguns modos de dar vida a ela. Primeiro, verifique
a sua profissão. Que atividade ela exerce para viver? Padre, Padeiro,
empregado da padaria ou Sacristão. E a Mulher do Padeiro? Ela é
simplesmente dona de casa ou administra, também, a padaria? Durante
o processo de criação da personagem, as escolhas são pessoais, por isso
cada ator interpreta de forma diferente uma mesma personagem.
Enfrente o espaço de jogo: mostre com o seu corpo a profissão da
personagem escolhida. Vamos ver quem advinha!
Faça uma pequena lista de atividades para a personagem escolhida
segundo a sua profissão. Por exemplo, se sua escolha foi João Grilo
– empregado da padaria – as ações podem ser: varrer a padaria, tirar o
lixo, arrumar as prateleiras, espantar as moscas, atender os clientes, dar
comida para o cachorro etc.
Anote no portfolio e, depois, experimente!!! Não se esqueça de
jogar com as sugestões!!!

Que idade tem a sua personagem?

É criança, adolescente, jovem ou velho? Siga adiante. Responda


com o seu corpo, realizando as atividades da personagem no espaço.

C E D E R J 141
Artes na Educação | A personagem: processos criativos

Você pode fazer a pesquisa individualmente ou, ainda, com um grupo de


colegas. Oportunamente, escolha um texto ou história pertinente à idade
e ao interesse dos alunos e realize com eles esse trabalho na escola.

Vestindo a personagem

Que tal, agora, acrescentar uma peça de figurino ou ADEREÇO que


caracterize a personagem, isto é, que lhe seja particular? No primeiro
ADEREÇOS
momento, escolha um único elemento: bota, lenço, sandália, chapéu,
São objetos que
complementam colar, cajado, óculos etc.
o figurino e a
Experimente esse elemento. Ande pelo espaço e perceba as
caracterização física
da personagem, como, transformações corporais que esse elemento provocou. O andar se
por exemplo, chapéus,
bengalas, colares, modificou? Ficou determinado, ágil ou ganhou um certo desânimo? E
coroa etc.
a coluna? Talvez tenha se alongado e você se sinta mais altivo. Você
adquiriu maior auto-confiança? Quem sabe, ela tenha se tornado mais
flexível e você se sinta mais descontraído e brincalhão.
Perceba também a forma como você passou a olhar o ambiente
ao redor ou as pessoas com quem você se encontra, reais ou imaginárias.
E a energia do corpo? O gesto ficou mais suave ou duro? E a palavra, a
forma de falar, é a mesma? A fala ficou atenciosa, despreocupada ou o
tom de sua voz ficou mais seco, ríspido?
A caracterização física ou externa altera o comportamento e o
sentimento da pessoa-personagem. Fique sensível a essas modificações.

142 C E D E R J
Reflita um momento. Você quando veste uma roupa diferente da usual

18
não tem sensações diferentes? Observe o mundo e as pessoas ao redor e

AULA
procure reconhecer a relação entre corpo, gesto e atitudes internas.
No decorrer do exercício, não se prenda ao texto e aos diálogos
da cena. Foque a atenção no corpo, na maneira como ele responde aos
estímulos. Tome consciência do comportamento físico, dos pensamentos,
sentimentos e atitudes internas que surgem durante a pesquisa de criação
da personagem.

Cumprimentando as personagens

Experimente cumprimentar as outras personagens com quem


você contracenará. Depois, congele o gesto por um instante. Perceba o
seu corpo, o olhar, as mãos, o tronco, as pernas. O gesto se modificou?
O cumprimento é diferente para cada personagem com quem você
se encontra? Deixe o cumprimento nascer do contato com a outra
personagem.
O cumprimento será transformado de acordo com o relacionamento
que a sua personagem mantém com uma outra. Experimente. Como
é o cumprimento entre duas pessoas que não se gostam? Como é o
cumprimento de uma pessoa que sente vergonha ou ciúmes da outra?
Esse jogo pode ser realizado em grupo, com caminhada pelo
espaço ou você, ainda, poderá experimentá-lo sozinho, contracenando
com personagens imaginárias.

C E D E R J 143
Artes na Educação | A personagem: processos criativos

A imagem de um animal

Escolha um animal que simbolize a sua personagem: talvez um


elefante, um roedor, uma lebre, um pato, uma cobra, um urubu etc.
Relacione o animal com a personagem e ande pelo espaço como se fosse
esse animal. Procure imagens ou sensações corporais presentes nesse
animal que você possa transferir para a sua personagem. O pescoço
comprido e elegante de uma girafa, o corpo atarracado e forte do elefante,
o andar desengonçado de um pato, o porte franzino de um roedor.
Você poderá tomar essas imagens emprestadas para criar o corpo
imaginário da personagem. A barriga, o tronco, o ombro, a coluna,
as pernas, a cabeça, os braços, cada parte do corpo pode ser moldada
segundo uma característica física própria ao animal pesquisado.
A sensação corporal do elefante talvez lhe desperte
a imagem de um padre barrigudo e bonachão que vive
!
O Auto da compadecida é um texto preguiçosamente das benesses dos fiéis. O porte franzino de
cômico, portanto, brinque, utilize os
contrastes, o exagero, o tom jocoso, um rato e sua agilidade talvez possam trazer a imagem de
acentue as características ou defeitos das
personagens, tire partido das situações um homem desnutrido e ao mesmo tempo astuto, esperto,
engraçadas propostas pelo texto e que apronta um monte de embrulhadas. As possibilidades
invente outras.
são inúmeras. Experimente no espaço!!! Crie um corpo
imaginário para a sua personagem e tome posse dele.

ATIVIDADE

2. Como é a caracterização física da personagem escolhida por você? Faça


um desenho no portfolio desse corpo imaginário.

RESPOSTA COMENTADA
O registro no portfolio do processo de pesquisa cria um banco de
dados ou memórias que enriquecem o seu imaginário, permitindo que
as descobertas sobre a personagem fiquem vivas na lembrança.

144 C E D E R J
18
AULA
Dicas de jogos

1. Vestindo o figurino – leve para a escola roupas e adereços. Distribua


uma peça a cada aluno. Divida a turma em pequenos grupos. Definido o
onde e o que, cada aluno criará a sua personagem, tendo como estímulo
cênico o figurino.
2. O que faço para viver? – faça o sorteio das profissões (quem) entre os
alunos e distribua a turma em pequenos grupos. Cada grupo define o onde
e o que e, a partir disso, cria a sua própria improvisação.

SUSCITANDO IMAGENS INTERNAS

OBJETIVO
Objetivo da personagem
É aquilo que a
personagem persegue,
Como você imagina a personalidade da personagem? Quais são luta para obter.
Pode ser uma posse
seus objetivos, pensamentos, sentimentos ou emoções? Vamos pesquisar material, poder,
esse aspecto da vida interior da personagem, estudando as ações que domínio sobre os
outros, amor de uma
ela exerce. Toda personagem, ao realizar uma ação, tem um objetivo pessoa, integridade
moral, uma vida
principal, que segue, por sua vez, uma lógica, uma razão que lhe é melhor etc.
própria. Ao entrar em contato com essa lógica da ação, o jogador começa
FORÇA DE VONTADE
a entender o mundo interior da personagem, os pensamentos e emoções
Vontade interior
que a levam a agir de uma determinada forma. O primeiro passo nessa da personagem
para alcançar o seu
direção é compreender o OBJETIVO da personagem na cena e sua FORÇA DE objetivo.
VONTADE para alcançar o que deseja.

C E D E R J 145
Artes na Educação | A personagem: processos criativos

ATIVIDADE

3. Para começar a agir no lugar da personagem, você deve ter clareza de


quem ela é, quais são suas características, como ela é, onde ela vive e,
principalmente o que ela deseja. Desse modo, responda por escrito: qual
o objetivo da sua personagem na cena?
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RESPOSTA COMENTADA
Suponhamos que a personagem escolhida por você foi a Mulher
do Padeiro. Podemos dizer que seu maior desejo na cena seja
salvar a vida de seu cachorro, que está morrendo. A personagem
se empenha nessa luta. Depois de vários dias cuidando dele, tem
mais uma esperança, benzer o animal. Ela acredita piamente nessa
possibilidade e vai em busca do Padre, que recusa o seu pedido. A
personagem, no entanto, não admite a recusa do Padre e começa
a pressioná-lo. Que artifícios ela utiliza para pressioná-lo? Perceba
que ela não mede esforços para alcançar o seu objetivo. Sua força
de vontade demonstra firmeza e determinação, apesar de utilizar
meios inescrupulosos ou amorais para conseguir o que deseja.
Estudando o roteiro dos acontecimentos, você poderá discriminar
com detalhes a estratégia usada por cada personagem para atingir
o seu objetivo. Veja a seguir algumas sugestões para a cena.
Mulher do Padeiro: obrigar o Padre a benzer o cachorro.
Padre: negar a bênção.
Padeiro: apoiar a esposa, convencendo o Padre a benzer o
cachorro.
João Grilo: ridicularizar o Padre, deixando-o em maus lençóis;
convencer o Padre a dar as bênçãos.
Chicó: ausentar-se da discussão; evitar confusão para o seu lado.
Sacristão: impedir que “o patrimônio da igreja” seja lesado.

146 C E D E R J
Roteiro dos acontecimentos

18
Para entender a alma da personagem, isto é, sua psicologia,

AULA
devemos entender a natureza de sua ação dramática. Esse estudo, no
entanto, deve ser feito de maneira ativa, por meio da improvisação da
cena, a partir da qual o jogador, gradativamente, entra em contato com
o universo emocional da personagem.
Para orientar a improvisação, divide-se a cena em pequenas
unidades, atribuindo um título a cada uma delas e definindo, também, o
objetivo de cada uma das personagens para cada unidade. Esses pequenos
objetivos somados definem a trajetória pela qual a personagem caminha
em direção ao seu objetivo principal na cena.
Para definir o objetivo, é aconselhável escolher um verbo que
sintetize a ação. Ao perseguir seu objetivo, a personagem revela pouco a
pouco os traços de sua personalidade. A forma como reage às situações
e aos acontecimentos que enfrenta revela sua atitude, suas emoções e
seus modos de pensar. Por meio desse estudo prático, a personagem
começa a nascer.

Conflito dramático: surge do choque de forças entre as personagens. Toda ação é recíproca, isto é, gera uma reação. Drama
significa fazer, lutar, agir. Desse modo, ação e personagem são a mola mestra do teatro; personagens entendidos como
instrumentos que executam a ação ou são afetados por ela.
Façamos uma pequena análise do conflito dramático vivido pela personagem do Padre. Ele não deseja de maneira alguma
benzer o cachorro. Na peça, ele tem medo de que o Bispo possa transferi-lo de paróquia, caso dê a benção. Durante a cena,
ele continua negando, mas o seu objetivo vai perdendo força à medida que ele se vê pressionado pelas outras personagens.
Desse modo, o Padre que, no início da cena, mostrava autoridade, vai perdendo, gradativamente, seu poder de decisão.

ATIVIDADE

4.a. Qual é a trajetória de ação e emoção da sua personagem na cena


proposta? Improvise um pequeno trecho da cena e perceba as mudanças
de objetivo e de emoção da sua personagem.
4.b. Faça por escrito o roteiro das ações dramáticas da sua personagem.
Para isso, divida o texto em pequenas unidades, que podem ser definidas
em função da mudança de objetivo. Discrimine apenas as três primeiras
unidades, de acordo com a orientação a seguir:
• determine no texto o trecho da unidade (início e fim do aconte-
cimento);
• dê um título para cada unidade que sintetize a sua idéia principal.
• defina com um verbo o objetivo da personagem para cada unidade.
• identifique as emoções da personagem em cada unidade.

C E D E R J 147
Artes na Educação | A personagem: processos criativos

RESPOSTA COMENTADA
Tomando como exemplo as personagens Mulher e Padre, podemos
exemplificar essa atividade. O mesmo, no entanto, pode ser feito para
as demais personagens. Perceba como a ação dramática é recíproca,
não existe em mão única. Toda ação gera uma reação.

Primeira unidade
Vai de “(...) Ouvem-se, fora, grandes gritos de mulher.”
Até “(...) Parem, parem! Um momento. Entre o senhor e entre a
senhora: o cachorro fica lá!” (SUASSUNA, 1967, p. 51)

Título: Grito de socorro


Objetivo do Padre: impedir a entrada do cachorro na igreja.
Emoção do Padre: surpresa.
Objetivo da Mulher do Padeiro: correr em busca de socorro para
o cachorro.
Emoção da Mulher: desespero, aflição.

Segunda unidade
Vai de “(...) Mulher: Ai, padre, pelo amor de Deus, meu cachorro
está morrendo. É o filho que eu conheço neste mundo, padre.”
Até ”(...) (João Grilo estendeu-lhe um lenço e ele se assoa
ruidosamente.)” (SUASSUNA, 1967, p. 51).

Título: A Compaixão
Objetivo do Padre: apiedar-se da mulher por um momento.
Emoção do Padre: compaixão.
Objetivo da Mulher: implorar a ajuda do padre.
Emoção da Mulher: humildade, fragilidade.

Terceira unidade
Vai de “(...) Padeiro: O senhor benze o cachorro, Padre João?”
Até “(...) Padeiro: Sou eu que estou custeando!
Padre (apaziguador): Que é isso, que é isso!” (SUASSUNA,
1967, p. 52)

Título: A discriminação
Objetivo do Padre: contornar a situação, colocando panos
quentes.
Emoção do Padre: medo, receio, dúvida.
Mulher: ameaçar ou chantagear o Padre.
Emoção: indignação, raiva, humilhação.

148 C E D E R J
18
AULA
PARA EXPANDIR O UNIVERSO INTERNO DAS
PERSONAGENS
AÇÃO DRAMÁTICA
É o choque de forças
Ações físicas na peça – o conflito
contínuo entre as
personagens – é o quê.
Feito o roteiro dos acontecimentos, encontradas as AÇÕES

DRAMÁTICAS, é hora de encontrar as AÇÕES FÍSICAS, pois é por intermédio delas AÇÃO FÍSICA
que as emoções e o conteúdo interior da personagem são expressos. O É a forma como o
jogador expressa as
jogador não deve se preocupar em expressar as emoções e sentimentos da ações dramáticas. As
ações físicas são uma
personagem. A expressão das emoções surge naturalmene da compreensão ilustração da ação
sensível das ações dramáticas e da realização das ações físicas. As ações dramática – é o como.

físicas funcionam como ímãs que atraem ou despertam as emoções dos


jogadores comunicando a vida interior das personagens.
Aqui estão algumas sugestões de ações físicas para a primeira
unidade grito de socorro.
Padre: entrar na igreja e cerrar a porta.
João Grilo: correr até a porta da igreja e impedir que ela seja
fechada.
Chicó: carregar o cachorro até a porta e depois depositar no
pátio.
Mulher: gritar por socorro e tropeçar durante a corrida até a
porta da igreja.
Padeiro: ajudar a mulher quando ela tropeçar.

C E D E R J 149
Artes na Educação | A personagem: processos criativos

Relacionamento

Não basta conhecer as emoções das personagens, é preciso saber


o que uma personagem é da outra e como se relacionam. Deste modo,
qual é o relacionamento da Mulher com o Padeiro? Eles são fiéis?
Eles se amam? Ela depende dele financeiramente? Ela tem influência
emocional sobre ele? Quanto a João Grilo e Chicó, como eles se
relacionam com o patrão e vice-versa? Eles são humilhados pelos patrões
ou os patrões sentem estima e respeitam os empregados?
Durante a improvisação, a personagem pode ser colocada diante
de diferentes relacionamentos. Numa improvisação, a Mulher pode
gostar do marido e, numa outra, pode detestá-lo. De que forma a
personagem age quando está diante dessas duas situações? Que ações
dramáticas e ações físicas realiza? Transforme os relacionamentos das
personagens em algo físico. A Mulher não dá importância ao marido e
procura ridicularizá-lo diante dos outros; não reconhece seu esforço e
sua proteção; não lhe serve o jantar quando ele chega a casa; não se senta
à mesa para conversar; permanece distraída enquanto ele fala e conta
sobre o seu dia de trabalho; trai o marido com outros homens. Algumas
dessas ações, certamente, poderão ser realizadas pela personagem Mulher,
caso ela não sinta afeto pelo marido.

Contextos diferentes

Coloque a personagem dentro de situações diferentes da cena. A


Mulher vai com o Padeiro visitar a sogra. Como ela se comporta? Quais
suas atitudes internas e físicas? E se ela for ao salão de beleza, como
agirá diante da cabeleireira e dos fregueses? O que faz enquanto está
sentada esperando ser atendida? Aguarda tranqüilamente ou se sente
preterida e resmunga alto? Lê uma revista silenciosamente? Conversa ao
telefone? Escreve um bilhete? Puxa conversa com outra pessoa? Conta
detalhes de sua vida ou quer saber sobre a vida alheia? Brinque com a
personagem, expandindo o seu universo, colocando-a diante de novos
relacionamentos e situações dramáticas. Procure realizar fisicamente as
ações dramáticas. Lembre-se: as ações físicas funcionam como um ímã
que atrai as emoções dos atores, levando-os a comunicarem a vida interior
da personagem para a platéia.

150 C E D E R J
O mágico se fosse

18
No trabalho de interpretação teatral, o jogador se

AULA
coloca no lugar da personagem. Uma forma de fazer isso !
é respondendo ativamente à seguinte pergunta: como você Realizar uma ação em cena é uma
tarefa concreta, enquanto a emoção é
agiria se fosse a personagem, ou seja, como você agiria algo abstrato. Se o jogador agir dentro
das circunstâncias propostas, alcançará
se estivesse na mesma situação que ela? Preste atenção, a certamente a emoção desejada. A ação
traduz ou revela os sentimentos da
pergunta é: como você agiria, e não como você se sentiria. personagem.
Isso faz toda a diferença. O mágico se fosse força o jogador
a resolver um problema concreto em cena, despertando
sua vontade de agir.
O que você faria, por exemplo, se um animal ou pessoa de quem
você gostasse estivesse muito doente? Você faria tudo para ajudá-la
ou ficaria indiferente? Que tipos de cuidados você teria? Pense em
algumas ações que você realizaria se você estivesse nas circunstâncias
da personagem Mulher do Padeiro. Cuidaria de sua comida? Ministraria
os remédios? Ficaria atenta para que não lhe faltasse conforto? Pediria,
humildemente, a ajuda de alguém ou daria ordens, constantemente, a
uma pessoa para lhe ajudar?

Memória afetiva

Agora, lembre-se de uma situação de sua vida em que você já tenha


agido da forma como a personagem age em cena. Que sentimentos você
vivenciou nessa situação? Se você não tiver passado por uma experiência
semelhante, lembre-se de alguém que já tenha vivido algo parecido.
Você estará recorrendo à memória de suas emoções. Trata-se, aqui, de
pesquisar suas próprias experiências no campo emocional e transportá-
las simbolicamente para a personagem. Ao explorar a memória afetiva,
o jogador busca encontrar, por meio de sua própria vivência, emoções
análogas ou semelhantes às da personagem.

Elementos das personagens

Uma boa maneira de descobrir os elementos da personagem é


observar a vida ao redor, as pessoas, os animais, os elementos da natureza,
fotografias e, também, explorar a imaginação. Depois, escolha um ou dois
elementos para a sua personagem. Como você fisicalizaria o elemento

C E D E R J 151
Artes na Educação | A personagem: processos criativos

observado? Algumas sugestões: preguiçoso, astuto, sedutor, meticuloso,


ambicioso, sarcástico, fidedigno, aventureiro, temperamental, tímido,
irritadiço, vulnerável, ríspido, despreocupado etc.
Coloque, agora, a personagem em diferentes circunstâncias. Por
exemplo: um jantar em família, dia de prova, na missa etc. O que você
faria se estivesse num jantar em família? Que atividades físicas você faria
para mostrar o elemento escolhido? Por exemplo, ser preguiçoso. Você
poderia: demorar-se a sentar à mesa quando é chamado, não lavar as
mãos, espreguiçar-se constantemente, deixar a comida cair no chão e
não apanhar, comer muito, recusar-se a ir até a cozinha para apanhar
um talher, pedir que os outros lhe sirvam, querer tudo em mãos, ver TV
enquanto os outros lavam a louça etc.

!
Cuidado! Evite o clichê, o estereótipo, o lugar-comum, isto é, a concepção genérica da
personagem. Não se esqueça de que ela é um indivíduo diferenciado, particular. Não
se pode compor uma pessoa velha, ressaltando, apenas, as características aparentes da
velhice, andar difícil, corpo curvo, falta de energia. Existem pessoas com mais de 80 anos
que são capazes de permanecer horas a fio conferindo uma palestra em pé, com a coluna
alongada, sem demonstrar cansaço.

ATIVIDADE

5. Baseando-se na cena anterior, responda a esta pequena entrevista como


se você fosse a personagem escolhida. Responda usando a primeira pessoa,
ou seja, o pronome pessoal eu.
Qual o seu nome?
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Qual a sua idade?
________________________________________________________________
Você tem família? É casado? Tem filhos?
________________________________________________________________
Como é o seu relacionamento com seus familiares?
________________________________________________________________
Qual é a sua profissão? Você gosta do que faz?
________________________________________________________________
Qual o seu maior sonho?
________________________________________________________________
O que você pretende fazer para realizar seu sonho?
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Você seria capaz de agir de forma desonesta para conseguir o que você
deseja?
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152 C E D E R J
18
Qual é sua religião? Você acredita em Deus?

AULA
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E seu pensamento político e filosófico? Você acredita na justiça humana?
________________________________________________________________
A que classe social você pertence? Você aceita sua condição social?
________________________________________________________________
Você tem dificuldade financeira? O que você faz quando não tem
dinheiro?
________________________________________________________________
Qual a sua relação com a Natureza? Você respeita a Natureza ou a explora
em benefício próprio? Você necessita dela para sobreviver?
________________________________________________________________
Gosta de animais? O que eles representam em sua vida?
________________________________________________________________

RESPOSTA COMENTADA
A entrevista pode ser feita em grupo com todos os alunos. Cada um
faz uma pergunta ao jogador da vez. Por meio dela, o ator descobre
aspectos da sua própria personagem e ainda compreende o universo
das outras personagens com quem contracena.
O uso do pronome pessoal eu ajuda o jogador a agir em nome da
personagem, como se fosse ela mesma, enquanto a utilização do
pronome na terceira pessoa – ele – distancia o ator da personagem,
interrompendo o efeito de ilusão e identificação.
A entrevista auxilia na criação do contexto de vida da personagem
e no entendimento da situação dramática. A sessão de perguntas
é livre. Os alunos criam as suas próprias perguntas para o
entrevistador responder. Eles podem levantar questões referentes
aos acontecimentos vividos pelas personagens na cena ou em outro
momento fora dela.

CONCLUSÃO

Por meio das atividades indicadas anteriormente, você tomou


contato com alguns procedimentos criativos para conceber imaginária
e ativamente o corpo físico e a vida interior da personagem. O objetivo
desse processo é desencadear o estado criador do jogador, estimulando
sua imaginação e preparando seu instrumento psicofísico para “viver”
a personagem.

C E D E R J 153
Artes na Educação | A personagem: processos criativos

O processo de criação da personagem ocorre no nível sensório-


corporal, não se restringindo ao conhecimento intelectual. As descobertas
a respeito da personagem surgem por meio da improvisação no espaço,
ou seja, analisando ativamente as circunstâncias da peça, por isso é muito
importante que você experimente as sugestões aqui propostas.
Organize um tempo da sua rotina diária e se lance nessa aventura!
Torne sua essa experiência! Feito isso, você poderá aplicar com mais
domínio os jogos de criação da personagem na escola. Não se esqueça,
no entanto, de fazer as adaptações necessárias. Escolha ou crie um texto
adequado à idade e ao nível de desenvolvimento dos alunos. Modifique
também os comandos, isto é, a maneira de conduzir as atividades,
tornando-a mais apropriada à série com que trabalha.

ATIVIDADE FINAL

Colocando-se no lugar da personagem, escreva uma carta dirigida a uma outra


personagem contando um segredo ou algum fato importante de sua vida. Escolha
uma personagem que seja significativa para você dentro da peça.

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154 C E D E R J
RESPOSTA COMENTADA

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A carta é um elemento didático que auxilia o jogador a entrar em contato

AULA
com o mundo interior da personagem, expandindo sua compreensão
sensível sobre as emoções e pensamentos da personagem. Esse recurso
pode ser usado antes de uma improvisação. Ele ajuda o jogador a se
colocar dentro das circunstâncias da peça, concentra a sua atenção
e cria um estado de disponibilidade física e emocional, auxiliando-o a
se colocar no lugar da personagem. Esse recurso funciona como uma
espécie de diálogo imaginário.

RESUMO

A criação da personagem leva em consideração duas vias que estão intimamente


relacionadas: caracterização física e vida interior. A construção da personagem
ocorre por meio da improvisação, isto é, da pesquisa ativa em cena do seu universo
vivencial e dos acontecimento dramáticos. O Auto da compadecida, peça de Ariano
Suassuna, apresenta uma gama de personagens, que poderão ser exploradas como
exercício de interpretação.

INFORMAÇÕES SOBRE A PRÓXIMA AULA

Para ser dito em tom de curiosidade.

En – cena – ação é o tema de nossa próxima aula. Prepare o espírito e a imaginação.


Você irá avaliar as dimensões artística e estética da encenação teatral. Conhecerá,
também, as funções dos diversos profissionais envolvidos na realização de um
espetáculo teatral.

C E D E R J 155
19
AULA
A encenação teatral
Metas da aula
Apresentar algumas noções a respeito
da encenação teatral.
objetivos

Esperamos que, após o estudo do conteúdo


desta aula, você seja capaz de:
• avaliar as dimensões artística e estética da
encenação teatral;
• listar os diferentes elementos que compõem
o conjunto da encenação teatral;
• identificar a equipe artística e técnica
responsável pela criação do espetáculo;
• apresentar o registro de uma encenação
teatral atual.
Artes na Educação | A encenação teatral

INTRODUÇÃO Talvez você ainda não tenha tido a oportunidade de ir ao teatro, mas com
certeza já assistiu a uma festa folclórica e até mesmo ao carnaval pela TV.
Essas festas têm um caráter espetacular, pois são dirigidas a uma platéia
e possuem enorme magia.
Essa magia é criada pela disposição em cena dos mesmos elementos que
compõem uma encenação teatral. Por exemplo, numa Festa de Reis ou no
Bumba-meu-boi, você pode reconhecer a presença de personagens com
gestos característicos, figurino e adereços apropriados, objetos cênicos, a
expressão de dança, música, canções, efeitos sonoros e ainda um texto,
tema ou história a ser comunicada. Sem dizer, também, que os atores se
deslocam por um espaço físico determinado, existindo, ainda, um cenário e
uma iluminação cênica natural ou artificial com cores, raios e flashes.
Todos esses elementos são articulados para conferir à cena expressividade,
interesse e curiosidade. Esse conjunto organizado recebe o nome de
encenação. Mas, quem são os artistas responsáveis por essa organização?
Qual é a figura central que coordena com sensibilidade todas as atividades,
dá a palavra final e o tom do espetáculo? Conheça, a seguir, um pouco sobre
o papel de cada artista e aprenda algumas dicas sobre o processo de criação
da encenação teatral.

O SURGIMENTO DO ENCENADOR

O encenador ou diretor é a pessoa que organiza artisticamente os


elementos da encenação teatral dentro de um conjunto, isto é, de uma
unidade ou um todo orgânico, atribuindo expressividade, harmonia e
interesse à cena. É uma figura relativamente nova dentro do cenário
teatral, sendo responsável pelo nascimento do teatro moderno. Seu
surgimento é datado dos últimos anos
do século XIX. Segundo Roubine (1998,
p. 19), a descoberta da iluminação elétrica
e a expansão das fronteiras geográficas
teriam criado as condições adequadas para
o surgimento do encenador, na medida em
que tiveram importância decisiva para a
evolução do espetáculo.

158 C E D E R J
A expansão das fronteiras geográficas permitiu a difusão de

19
teorias, pesquisas e práticas teatrais. Os artistas começaram a viajar

AULA
em turnês por diversos países, entrando em contato com culturas
e manifestações teatrais diferentes, o que levou ao desenvolvimento de
novas técnicas, conceitos e procedimentos estéticos e artísticos.
Por sua vez, a descoberta da iluminação realçou a magia do
espetáculo. Mais do que um elemento complementar ou secundário,
ela passou a assumir uma função artística, não só definindo climas
e atmosferas, como também tornando-se parceira do ator, animando
e esculpindo espaços cênicos.
A iluminação elétrica, como afirma Roubine, enriqueceu
potencialmente a teoria e a prática do espetáculo na medida em que
coloca em destaque a temática da fluidez, acentuando, conseqüentemente,
a dialética entre o real e o imaginário, a estabilidade e a mobilidade, a
opacidade e a transparência etc. “Em suma, aparece pela primeira vez, sem
dúvida, a possilidade técnica de realizar um tipo de encenação liberto de
todas as amarras dos materiais tradicionais” (ROUBINE, 1998, p. 23).

Antigamente, as pessoas iam ao teatro para assistir a montagens de


textos teatrais clássicos ou a performances de atores de prestígio, isto é,
as grandes estrelas. Hoje em dia, é comum o interesse pelos encenadores
contemporâneos. Destacam-se no cenário nacional o trabalho de
encenadores como Antunes Filhos, Gerald Thomas, Zé Celso Martinez,
Gabriel Vilella e Paulo de Moraes, dentre outros.

Se a função do encenador ou diretor moderno de encontrar a


unidade do espetáculo hoje nos parece natural, devemos entender que
isso não passa de um avanço histórico e que, antigamente, as coisas
não era assim. Ao contrário, a direção de cena era feita pelo régisseur,
responsável por apenas registrar ou marcar no espaço a movimentação
dos atores, as entradas e saídas, como também determinar as inflexões
das falas e os gestos dos intérpretes.
Além disso, cenário, figurinos, adereços e marcação dos atores eram
pensados separadamente. Os atores, por exemplo, só se encontravam na
véspera do espetáculo, e o figurino surgia da escolha pessoal dos atores,
que desfilavam em cena os últimos modelitos da moda. Assim, não havia
uma pessoa responsável pela coesão e harmonia desses elementos. Já o
teatro moderno conta com o princípio do trabalho em equipe, conferindo
ao encenador o estatuto do maestro que rege uma grande orquestra.

C E D E R J 159
Artes na Educação | A encenação teatral

ATIVIDADE

1. O professor Marcos Bulhões Martins, da Universidade Federal do Rio


Grande do Norte (UFRN), utiliza a terminologia mestre-encenador para
falar sobre o papel do professor de teatro. Segundo ele, o professor de
teatro deve saber encenar, procurando, também, conhecer as práticas
contemporâneas de encenação. Destaca como objetivo do mestre-
encenador um conjunto de competências pedagógicas e artísticas, dentre
elas, a responsabilidade de conduzir o grupo de iniciantes desde a escolha
do tema até a efetivação do acontecimento cênico, sem perder de vista o
aspecto lúdico do processo teatral.
Comente por escrito a relevância do papel do mestre-encenador na escola.
De que modo ele pode proporcionar o trabalho em equipe?
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RESPOSTA COMENTADA
Tomo emprestado esse termo do professor Marcos Bulhões por
acreditar que, na Pedagogia do teatro, mestre-encenador é aquele
que tem a visão da linguaguem teatral como um todo e que busca
reconhecer, na situação concreta da escola, os recursos capazes de
estimular no aluno a construção e a leitura da teatralidade durante
os jogos e ou realização de espetáculos. Ao ensinar, ele detém o
olhar sobre os indivíduos e também sobre a produção dos signos
teatrais em sala de aula.
Diante do desejo de um grupo de alunos de se expressar
cenicamente para um público, o professor, como um mestre-
encenador, deve saber orientá-lo nessa direção, propondo desafios
práticos e estéticos, sem perder de vista o caráter lúdico do teatro
e a expressão espontânea.
Na escola, uma prática interessante é distribuir entre os alunos as
funções artísticas e técnicas da encenação, atribuindo a cada um,
segundo a motivação pessoal, responsabilidades diferentes e/ou
estimulando, por sua vez, o trabalho de criação coletiva ao permitir
o envolvimento da turma em todas as etapas do processo criativo.

160 C E D E R J
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Um pouco de história – A encenação de Vestido de noiva

AULA
No Brasil, a encenação de Ziembinsky (1908-1978) da peça de Nelson Rodrigues (1912-1980) Vestido
de noiva, em 1943, veio revolucionar o panorama do teatro nacional. Essa montagem foi um marco
do teatro moderno no Brasil, pois, a partir daí, a perspectiva era de que soprariam novos ventos em
relação à forma tradicional de se fazer teatro no país. A irreverência de Nelson, juntamente com o
gênio artístico de Ziembinsky resultou na criação de um espetáculo que integrava brilhantemente
o texto e a escritura cênica.
Nelson Rodrigues, considerado, por sua vez, um dos maiores dramaturgos nacionais, rompeu em
sua dramaturgia com uma série de paradigmas conceituais a respeito do texto teatral. Em Vestido
de noiva, descontruiu os princípios clássicos do texto dramático, as unidades de tempo, espaço e
ação. Na peça, a ação vai e volta no tempo, transcorrendo em três planos distintos – da realidade, da
memória e da alucinação –, submetendo a trajetória das personagens às forças do insconciente.
Para conhecer melhor sua dramaturgia, você poderá ler algumas de suas peças: A mulher sem pecado,
Os sete gatinhos, O beijo no asfalto, Toda nudez será castigada, Boca de Ouro, Dorotéia, Álbum de
família, dentre tantas outras.

Nelson Rodrigues Ziembinsky

EQUIPE ARTÍSTICA E TÉCNICA DO ESPETÁCULO TEATRAL

Uma montagem teatral envolve a participação


de várias pessoas, cada uma delas com uma função
diferente. O ator, o figurinista, o cenógrafo, o diretor
musical, o iluminador, o dramaturgo, o maquiador,
o preparador corporal e coreógrafo compõem a
equipe artística, pois participam, criativamente,
junto do encenador, do processo de concepção do
espetáculo teatral.

C E D E R J 161
Artes na Educação | A encenação teatral

Existe, também, a equipe técnica, aquela que cuida da montagem


da cena, como, por exemplo, o montador e operador de luz (que executa
o plano de luz criado pelo iluminador, instala os refletores e cuida da parte
elétrica), o contra-regra (responsável pela guarda e colocação dos cenários
e objetos em cena), o maquinista (aquele que abre e fecha as cortinas e
desce os cenários) e o cenotécnico (que constrói o cenário), o sonoplasta
(que opera o som criado para o espetáculo), a camareira (que cuida do
figurino e ajuda os atores a se vestirem). Esses profissionais exercem uma
função prática ou operacional, não participando da concepção artística
do espetáculo.
Por fim, temos também a figura do produtor teatral, aquela pessoa
que coapta os recursos econômicos necessários para a realização da
montagem. Eles buscam os patrocínios de empresas ou órgãos públicos
e, ainda, a cessão ou aluguel de um teatro, isto é, de um espaço teatral.
Juntando todos, temos a equipe artística e técnica do espetáculo, que
tem o nome discriminado no programa da peça.
A equipe artística assiste aos ensaios dos atores, discutindo com
o encenador as melhores soluções cênicas, aquelas que expressarão com
maior teatralidade a idéia a ser comunicada. Por exemplo, o figurinista,
durante os ensaios, verifica a movimentação dos atores, as características
físicas e emocionais da personagem, e a época em que a peça se passa,
ou seja, recolhe todos os dados importantes para a criação do figurino.
Faz, também, pesquisa em revistas, livros de época e recorre, sobretudo,
à imaginação para bolar as roupas mais adequadas para caraterizar as
personagens.
É comum, também, o desenho do esboço de figurinos, de planos de
luz e a construção de pequenas maquetes do cenário, que, gradativamente,
ganham vida, constituindo o corpo da encenação.
A criação do espetáculo teatral surge, muitas vezes, de uma vaga
intuição ou de uma simples imagem, talvez inacabada. Esse sentimento
de incerteza inerente ao espaço vazio, como já foi dito, faz parte do
processo e é, ao mesmo tempo, desafiante e bastante produtivo. Não
deve ser tomado como motivo de receio ou impedimento. Qualquer
idéia teatral nasce e frutifica por meio da coragem, da pesquisa e da
experimentação em cena.

162 C E D E R J
19
AULA
O ponto é uma função que desapareceu do teatro. Antigamente, a
pessoa que exercia essa função sussurrava o texto para os atores. Ela
ficava escondida atrás de um caixote no palco e não era vista pela platéia.
Imagine! Naquela época, o ator tinha pouco tempo para decorar a fala. Os
ensaios e as temporadas teatrais duravam apenas alguns dias, o que quer
dizer muito trabalho para um curto período de tempo. As companhias,
geralmente, tinham um repertório de peças, revezando-as semanalmente.
Hoje, ao contrário, os ensaios envolvem um trabalho de pesquisa que pode
durar meses, e as temporadas se estendem por um tempo bem maior,
algumas peças chegando a permanecer em cartaz durante anos.

ATIVIDADE

2. O cenário do Auto da Compadecida


Crie um cenário expressivo para a encenação de um trecho da peça Auto
da Compadecida, de Ariano Suassuna, estudada na Aula 18. Você pode
utilizar uma caixa de sapato ou papelão. Reúna o material disponível em
casa – sucata, tecidos, papéis, palitos, fitas, lantejoulas, barbante, metal,
elementos da Natureza – e elabore a sua maquete.

COMENTÁRIO
Que tal, você gostou da atividade? Você acaba de assumir o lugar do
cenógrafo, que planeja o ambiente para uma possível encenação do
Auto da Compadecida. Se desejar, participe, oportunamente, de uma
exposição de maquetes no seu pólo e compartilhe com os colegas
o cenário que você criou. Nessa ocasião, você poderá perceber a
diferença de leituras e materiais utilizados por cada um para expressar
a mesma cena.

C E D E R J 163
Artes na Educação | A encenação teatral

Por meio da iluminação, o diretor procura transmitir ao público várias


sensações ou atmosferas diferentes. Como os refletores são caros, um bom
substituto são as latas onde são colocadas lâmpadas. Para dar cores numa
iluminação, usa-se gelatina ou papel celofone colorido. Lembrete: adequar
a potência da lâmpada ao tamanho da lata, fazer pequenos furos na lata
para ventilação e manter o papel distante da lâmpada para evitar que
queime. Não se esqueça, também, de levar para a escola roupas velhas,
tecidos e objetos diversos para a criação do figurino e do cenário.

DOCUMENTO DA ENCENAÇÃO AVISO AOS NAVEGANTES

Equipe artística
Dramaturgo ou autor: Thomas Bakk
Música: Lenine
Encenador ou diretor: André Paes Leme
Diretor musical: Lucas Ciavatta
Iluminador: Djalma Amaral
Figurinos e adereços: Bárbara Martins
Assistente de figurino e adereços: Orlanda Rosa
Preparador vocal: Jorge Luiz Cardoso
Criação dos bonecos: Luciana Maia
Atores: Márcia do Valle e Claúdio Mendes

Que tal conhecer algo sobre a encenação de Aviso aos navegantes,


em temporada no Rio de Janeiro, durante o ano de 2002? Como a obra
teatral tem um caráter efêmero, o documento é um registro que permite
conhecer a forma como a encenação foi concebida.
A peça fez parte de um projeto educacional patrocinado pelo
Centro Cultural Banco do Brasil e, à maneira dos antigos comediantes
populares, circulou pelas escolas públicas do Rio.
O tom bem-humorado e inteligente da encenação contagiava a
todos, professores, alunos e funcionários. O riso corria solto na sala, e
a partipação dos alunos se deu completamente, seja assistindo, curiosa e
atentamente, ao espetáculo, seja respondendo aos estímulos ou perguntas
das personagens ou, ainda, entrando em cena quando a ação exigia.

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19
AULA
Aviso aos navegantes tem como estímulo cênico a literatura de
cordel. O diálogo é entremeado por músicas e desafios cantados à moda
dos repentistas nordestinos. Em contraponto com a literatura de cordel
– meio popular de comunicação que surgiu da tradição oral e é dos
tempos em que as áreas mais isoladas do Nordeste não tinham acesso
aos jornais e à impressão escrita –, utilizaram como contexto ficcional
uma viagem pela internet.
Seu Cifrão e Dona Mídia, as personagens principais que conduzem
a história, navegam pela internet em busca de um Cabral diferente,
um Cabral bem brasileiro, identificado com nossa cultura e tradições
populares. Se, por um lado, o espetáculo faz uma crítica à cultura de
massa, por outro lado, o texto faz referência ao modo de vida dos
alunos, destacando e valorizando suas opções estéticas, muitas vezes
subestimada por ser diferente da cultura erudita ou do conhecimento
tido como oficial.
O texto da peça ainda faz uma crítica à sociedade capitalista e à
prática materialista do homem contemporâneo, destacando a dependência
econômica e cultural do Brasil aos modelos estrangeiros. Num duelo
cantado com Lampião, Dona Mídia entoa a seguinte estrofe:
Libra esterlina, dólar cambial;
Escudo, marco, franco, vil metal,
Ouro, vintém, conto de réis, pataca...
Privatizando toda estatal.
Ai, ai, ai, ai...
Televisão, Internet, jornal, Rádio, revista, @ e outdoor...
Time is money, tudo é capital (LENINE, 2002, p. 42).

A peça foi conduzida por dois execelentes atores prossionais, que


cumpriram com brilhantismo e criatividade a tarefa de dar vida às diferentes
personagens, Márcia do Valle e Cláudio Mendes, também autores da idéia
original da encenação.
C E D E R J 165
Artes na Educação | A encenação teatral

Lembrando dois atores circenses, Márcia e Cláudio entram em


cena e anunciam o espetáculo, tirando de dentro da mala dois bonecos,
Cabral e Neta, um duplo dos dois artistas:
Cabral
Dentro de alguns instantes
Terá início a função
De nós comediantes,
Artistas do Sertão!

Neta
Estrelando Cabral da Peste,
Que veio lá do Nordeste,
Amontoado no lombo
De um jumento novo,
Pra descobrir se o ovo
É de Colombo,
Ou do povo!

Cabral
E apresentando Neta, que veio
Das bandas do interior,
Rápida como um e-email:
A Interneta do computador! (BAKK, 2002, p. 1)

Durante o prólogo, Neta e Cabral, manipulados pelos atores,


conectam o computador:
Neta
Home page é feito
Um site aberto,
Pra tu ser descoberto
Pelos navegantes

Cabral
(...) Contanto que eu leve a fama,
Abra logo esse site da rede...
E atenção, Vasco da Gama,
Porque aviso aos navegantes:
Se Cabral descobriu o Brasil,
Agora é o Brasil que vai descobrir Cabral!...
Um Cabral que nunca se viu
Na Globo, SBT, Bandeirantes
Ou qualquer outro canal!
Mas com o site que a interneta abriu,
Serei descoberto, afinal! (BAKK, 2002, p. 6)

166 C E D E R J
Ao final do prólogo, os dois bonecos se recusam a fazer o

19
espetáculo. Não havendo outra saída, cabe aos próprios atores conduzir

AULA
a ação dramática. Numa espécie de alusão ao teatro dentro do teatro,
tem início a metamorfose dos atores nas personagens Dona Mídia e seu
Cifrão.
Na primeira cena da peça, Dona Mídia convence seu Cifrão
a patrocinar o seu projeto pela internet e com o patrocínio na mão dá
início à navegação, passando de um site a outro, isto é, de uma cena
a outra, refazendo os ciclos dramáticos de personagens típicos da
literatura de cordel: o Cego Aderaldo, Dona Genoveva, Lampião,
Padrinho Padre Cícero, o Diabo logrado.
A encenação, apesar do aspecto despojado – dispunha de poucos
e simples recursos –, era de grande inventividade e riqueza cênica,
articulando com harmonia e unidade os elementos da linguagem teatral.
O jogo teatral de grande vitalidade era recriado em cena, à vista do
espectador, deixando entrever os truques e soluções cênicas. A iluminação
natural contribuiu nesse sentido, tornando vísiveis as transformações
ocorridas em cena.
A peça, ao estilo das companhias mambembes, foi pensada para
ser montada em qualquer espaço, fechado ou aberto. Um tapete vermelho
delimitava a área de jogo, transformando o espaço da escola em espaço de
poesia. Seu formato redondo lembrava, ao mesmo tempo, o espaço do circo,
da festa, da comunhão entre ator e platéia.

C E D E R J 167
Artes na Educação | A encenação teatral

No centro do tapete, um único objeto, uma caixa grande,


retangular, de cor prateada e brilhante, remetia-nos à imagem do
computador, como, também, à frieza e ao aspecto desumano do mundo
tecnológico.
Num segundo momento, a caixa, espécie de mala com rodinhas, ao
ser aberta, revela toda a sua magia. Em oposição à frieza anterior, cores
diversas saltam de dentro dela, revelando a vitalidade da cultura popular.
Lenços, sinos, fitas coloridas, chapéus, banquinhos para os atores sentarem,
óculos, chifres e outros adereços ou objetos, necessários à composição
das personagens e do cenário, são retirados de dentro da caixa, que é
movimentada no espaço cênico pelos atores, recriando, com inventividade,
as diferentes circunstâncias ficcionais da peça ou ambientações.

O figurino, também despojado, possuía cores neutras, dando margem


às caracterizações das diversas personagens. Dona Mídia vestia um macacão
preto, cor básica no teatro. Seu feitio justo delineava todo o corpo da atriz,
o que atribuía sensualidade à personagem, reforçando o caráter sedutor das
mídias, que desejam vender, por meio de todos os apelos sensoriais, o seu
produto. No peito do macacão, havia um detalhe bordado de lantejoulas,
conferindo um toque carnavalesco e popular ao figurino.
Por sua vez, seu Cifrão vestia um macacão solto, largo, de algodão
cru, com remendos e estampas de xilogravuras de Cordel. A personagem
de seu Cifrão relembra-nos a tradição dos mimos, arlequins, clowns ou
palhaços que recheiam a cultura teatral popular de todos os tempos.

168 C E D E R J
Ao contrário de Dona Mídia, personagem que permaneceu

19
em cena durante toda a trama, seu Cifrão dava a sua vez às diversas

AULA
personagens do ciclo de cordel. Por meio da simples troca de adereços, o
ator que representava seu Cifrão, utilizando com maestria seus recursos
corporais, vocais e interpretativos, transformava, à vista do público, uma
personagem em outra com agilidade e surpresa.

O ritmo da peça era dinâmico, o diálogo rápido e vivo era recheado


por achados cômicos, dança e muita música. Vale a pena destacar a
originalidade do texto e a riqueza das letras musicais. Aviso aos navegantes
deixa marcada na memória de muitos a sua lembrança evocada pela força
cênica de suas imagens e pela atualidade da encenação.

ATIVIDADE

3. Comente por escrito a importância da atualização da encenação teatral.


O que isso significa? Cite alguns aspectos do memorial que o levaria a
reconhecer a atualidade da encenação Aviso aos navegantes.

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Artes na Educação | A encenação teatral

COMENTÁRIO
Você já leu um livro ou foi a uma exposição de arte ou ao teatro e ao
final saiu de lá entusiasmado, encantado ou repleto de indagações?
Esse prazer estético foi possível porque o objeto apreciado produziu
sentido para a sua vida, sendo capaz de tocar a sua sensibilidade.
Posso, então, dizer que aquela obra lhe era atual.
No teatro, atualizar significa introduzir a encenação de um texto
no presente do espectador, suscitando questões que expressem o
sentimento e o pensamento do homem atual. Uma encenação torna-
se, também, atualizada quando os meios expressivos explorados
pelo encenador são capazes de tocar a sensibilidade do espectador
contemporâneo.
Na escola, é importante aproximar a encenação do universo dos alunos,
trazendo à tona a dimensão crítica da realidade. Aviso aos navegantes
cumpre essa função de maneira brilhante, ao trazer questões pertinentes
ao nosso tempo, ao resgatar o valor da cultura popular, e, ainda, ao
introduzir técnicas e soluções cênicas ricas em teatralidade.

CONCLUSÃO

O surgimento do encenador ou do diretor confere ao teatro o


estatuto de arte, sendo este um dos marcos do teatro a partir do século
XIX. No teatro moderno, a produção de um espetáculo envolve o esforço
criativo de diversas pessoas, dramaturgos, cenógrafos, figurinistas,
iluminadores e atores, que estarão sob a orientação do encenador.
Ao desenvolver um jogo em sala de aula ou montar um espetáculo
na escola, é interessante inseri-lo em uma perspectiva atual, relacionando
seu conteúdo ao universo existencial dos alunos, e também descobrindo
soluções cênicas expressivas capazes de tocá-los sensivelmente.

ATIVIDADE FINAL

O programa do espetáculo é o material impresso entregue ao espectador quando


ele chega ao teatro. O programa contém informações sobre o espetáculo. Imagine
que você está organizando com a turma o programa de um espetáculo ou cena que
os alunos desejam apresentar para uma platéia. Liste por escrito as informações
que deveriam constar do programa.

170 C E D E R J
RESPOSTA COMENTADA

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Como você sabe, o mestre-encenador tem várias tarefas a coordenar

AULA
durante o processo de encenação, dentre elas, a organização do
programa da peça. O programa pode conter depoimentos do
encenador ou dos atores sobre a relevância do texto ou do espetáculo,
informações sobre o processo de criação, notas sobre o dramaturgo,
além de conter a ficha artística e técnica com o nome de cada pessoa
envolvida na montagem da peça e sua respectiva função como forma
de reconhecimento do esforço coletivo das equipes.
Encontram-se também discriminados no programa os agradecimentos
às pessoas que tornaram possível a realização do projeto e o nome
dos patrocinadores. Para o programa ficar mais interessante, você pode
colocar fotos ou desenhos que expressem imagens do espetáculo ou
do processo de criação.
O programa introduz o espectador no universo da peça antes mesmo
de ela começar, criando expectativas, indagações e despertando,
inicialmente, o interesse dele sobre o que irá se passar em cena.

RESUMO

Os primeiros encenadores ou diretores deram origem ao teatro de nosso tempo.


No final do século XIX, a descoberta da iluminação e a expansão das fronteiras
foram elementos decisivos para a evolução do espetáculo, na medida em que
contribuíram para aquilo que designamos como o surgimento do encenador.
O professor, como mestre-encenador, tem a função de conduzir ludicamente
os alunos em direção à realização de uma encenação, estimulando o trabalho
em equipe e proporcionando a produção e leitura dos signos teatrais na escola.
O documento Aviso aos navegantes é um registro escrito com imagens que permitem
conhecer o processo de criação de uma encenação teatral da atualidade.

INFORMAÇÕES PARA A PRÓXIMA AULA

Para ser dito como se você fosse um locutor de futebol muito, muito animado.

Na próxima aula, você irá descobrir os mistérios do teatro de animação. Anima


significa alma! No teatro de animação, máscaras, objetos e bonecos ganham vida
por meio do movimento feito pelos manipuladores.

C E D E R J 171
20
AULA
Teatro de animação
Meta da aula
Apresentar repertório de recursos para a prática
do teatro de animação na escola.
objetivos

Esperamos que, após o estudo do conteúdo


desta aula, você seja capaz de:
• conceituar teatro de animação;
• listar suas diferentes modalidades;
• identificar recursos materiais e procedimentos
técnico-artísticos para a confecção de
máscaras e bonecos na escola.
Artes na Educação | Teatro de animação

INTRODUÇÃO Nossa última aula reserva uma surpresa especial. Você conhecerá de perto o
mundo mágico do teatro de animação. Certamente, você já assistiu a um teatro
de bonecos. Talvez se lembre de Pinóquio, personagem típico da literatura
clássica infantil, um boneco que ganha vida nas mãos de Gepetto e sonha
um dia ser gente. Contudo, o teatro de animação é uma área mais extensa,
pois além dos bonecos inclui máscaras e objetos. Esses elementos materiais
ganham vida e transformam-se em personagens por intermédio do movimento.
“O movimento é a base da animação, pois é preciso ter-se sempre a ilusão de
uma ação executada durante o ato da apresentação, sem o qual não existe
o ato teatral” (AMARAL, 1996, p. 18).
O teatro de animação desperta grande interesse nas crianças e jovens e é um
excelente recurso para o trabalho criativo na escola. Com a sua ajuda, o aluno
poderá exercitar a dimensão artística desse aprendizado, confeccionando as
formas e também criando e realizando espetáculos. Nesta aula, o foco está
voltado, especificamente, para as máscaras e o teatro de bonecos. Você
aprenderá procedimentos técnicos e artísticos para que possa, oportunamente,
empreender a sua própria aventura dentro desse universo.

A MAGIA DAS MÁSCARAS

Assim como Dionísio – deus da vida, da


fertilidade e do vinho – é considerado o patrono
do teatro, as máscaras da tragédia e da comédia
grega simbolizam a arte do teatro. É comum elas
serem ilustradas juntinhas para representar as
Artes Cênicas.

O teatro grego nasceu do ritual em homenagem ao deus Dionísio,


conhecido também como deus-máscara. Por ocasião da representação
das tragédias e comédias gregas, já no espaço formal do teatro grego,
as máscaras desempenhavam as seguintes funções: conferir teatralidade
à cena, representar as diversas personagens e, também, as figuras
femininas, uma vez que as mulheres não podiam atuar naquela época
e, ainda, amplificar a voz dos atores. A abertura exagerada dos lábios da
máscara funcionava como uma espécie de alto-falante, aumentando o
volume da voz. Esse recurso técnico aliado à excelente acústica do edifício
teatral grego permitia a projeção da voz por todo o anfiteatro.

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20
AULA
Figura 20.1: Máscara trágica e máscara cômica.

O que é a máscara?

A máscara é um elemento expressivo que confere teatralidade à


cena, presente no teatro de todos os tempos, tanto no Oriente como no
Ocidente. Seu uso remonta à tradição das danças ritualísticas, ao culto
religioso e à magia do sobrenatural. Fazendo a ponte entre o mundo
material e o espiritual, a máscara é um disfarce, simula e transporta o
homem para dimensões diferentes da realidade quotidiana. Veja o que
Ana Maria Amaral fala sobre a função ritualística da máscara:

A máscara ritual transcende. Dá vida a um ser divino. É uma


simulação de poderes divinos. Concretiza conceitos abstratos.
Confere uma qualidade espiritual ao homem. Representa o
espírito dos mortos e dos animais. Ao representar determinado
animal, a máscara transfere qualidades e poderes desse animal.
Quando esculpida em madeira as qualidades sagradas das
árvores impregnam a máscara, e se transferem depois para os
seus portadores (AMARAL, 1996, p. 18).

Figura 20.2: Máscara ritualística.

C E D E R J 175
Artes na Educação | Teatro de animação

O caráter transcendental da máscara ficou esquecido durante


muito tempo pelo teatro ocidental. A partir do século XX, no entanto,
surgiu um movimento de alguns encenadores para resgatar seu valor
mágico e sua importância artística.

No Brasil, além de ser objeto ritualístico da cultura indígena, a


máscara está presente, também, no carnaval e nas festividades folclóricas,
como o Bumba-meu-boi, os reisados etc. A diversidade de formas e
materiais com que podem ser confeccionadas, aliada ao seu enorme
poder expressivo, torna a máscara um recurso riquíssimo a ser explorado
pelo teatro na escola. Podem ser confeccionadas em couro, madeira,
gesso ou, ainda, com materiais mais simples, como tecido, papel maché,
cartolinas, papelão, jornais, sacos de papel, prato de papelão etc. Uma
outra opção são as máscaras vivas, aquelas que podem ser desenhadas
no próprio rosto do aluno.
A máscara tem semblante fixo, e é o gesto que lhe confere vida.
É por meio do corpo que ela adquire força dramática. “Máscaras e
bonecos são rostos em busca de um corpo ou seres em busca de alma”
(AMARAL, 1996, p. 18). Ao ser vestida, a máscara desperta sensações
e imagens que fazem nascer no corpo do jogador novas qualidades de
movimento, muitas vezes inusitadas e diferentes do gestual quotidiano.
A própria máscara estimula o corpo a reagir, tornando-o mais expressivo
e sensível aos estímulos vindos do ambiente, porque a atenção do jogador
volta-se para o corpo e o espaço ao redor.

176 C E D E R J
20
AULA
Figura 20.3: Máscara da Commedia Dell’arte.

ATIVIDADE

1. Que tal agora confeccionar a sua própria máscara? Selecione material


simples, disponível em sua casa: jornal, cartolina ou papelão para o suporte,
cola, tintas, pincel, lápis de cor ou de cera, papéis coloridos, fitas, botões,
miçangas, barbante, algodão, lã, elástico, parafusos, elementos da natureza
etc. Lembre-se de alguém que você já viu ou imagine uma personagem.
Recorte o contorno do rosto, dos olhos e da boca no material para suporte,
depois crie a caracterização usando elementos de que você dispõe. Pronta
a máscara, você poderá prendê-la ao rosto usando um pedaço de barbante
ou elástico. Agora, experimente! Use o espaço, descubra a maneira de andar
da personagem e as qualidades do seu gestual. Experimente gestos solenes
ou não, movimentos lentos e rápidos. Brinque! Seja ousado e se divirta!

RESPOSTA COMENTADA
A confecção das máscara é apenas uma etapa do rico processo
que esta atividade pode proporcionar na escola. Após a sua
criação, o trabalho pode ser desdobrado, solicitando-se aos alunos
a pesquisa corporal e gestual das personagens, a proposição de
pequenas improvisações e até mesmo a criação de espetáculos.
Existe uma enorme variedade de máscaras oriundas de diferentes
culturas. Pesquise em livros, revistas, na internet e observe as festas
folclóricas de sua região. Esse material poderá ser útil para estimular
a imaginação e a exploração da máscara no fazer teatral.

C E D E R J 177
Artes na Educação | Teatro de animação

A TRADIÇÃO DO TEATRO DE BONECOS NO ORIENTE


E OCIDENTE

O teatro de bonecos, assim como as máscaras, tem sua origem ligada


ao sagrado. No Oriente, essa tradição continua viva até hoje, pois em países
como a Índia, a Indonésia e o Japão o teatro de bonecos continua sendo
realizado dentro desse espírito de celebração religiosa ou mística.

Figura 20.4: Boneco do teatro de sombras, Java.

Um pouco de história
O teatro de sombras de Java, uma das ilhas da Indonésia, é um dos mais
famosos do mundo, e tem sua origem no ano 100 d.C. Nesse país, o teatro de
sombras aprimorou-se de tal maneira que se tornou uma de suas mais altas
expressões de cultura. Além de propiciar divertimento, o teatro de Java, em
sua essência, representa o sentido espiritual da vida. Realizado inicialmente
em família, o teatro era apenas uma cerimônia religiosa conduzida pelo
chefe da casa. “O seu objetivo era evocar os antepassados, cujos espíritos
retornavam a eles sob forma de figuras projetadas na tela. Essas cerimônias
passaram, depois, a ser realizadas no centro da comunidade e conduzidas
por um dalang” (AMARAL, 1996, p. 84). Ainda segundo Amaral, dalang é
nome dado ao bonequeiro que manipula as figuras, mas que é, ao mesmo
tempo, uma espécie de poeta, músico, conselheiro, sacerdote que ministra
a cerimônia ou apresentação.

Já no Ocidente, o teatro de bonecos está associado à realidade


terrena e aos aspectos poéticos dessa mesma realidade, pois retrata o
homem nas suas imperfeições, nas suas relações e situações sociais,
provocando o riso, a surpresa, o sonho e a fantasia. Segundo Amaral
(1996, p. 102), a origem do teatro de bonecos no Ocidente estaria ligada aos
mimos, atores populares gregos e romanos que, utilizando-se muito mais
do corpo, da ação e do gesto do que propriamente de um texto, tratavam

178 C E D E R J
“unicamente de assuntos dessa vida”, ridicularizando as lendas sobre os

20
deuses e, mais tarde, no decorrer da História, os ritos cristãos. Estudiosos

AULA
sobre o assunto apontam, também, a existência de atores mímicos, que, já
no século V a.C., apresentavam-se com pequenas marionetes.
Na Idade Média, com a ascensão do Cristianismo, nasceu, no
Ocidente, uma arte sacra e religiosa que influenciou o teatro de bonecos
popular da Europa. Apesar de todas as mudanças históricas, os mimos
continuaram marcando sua presença em feiras e praças, representando
dramas de caráter religioso com enorme apelo popular. É dessa época,
também, o surgimento dos primeiros presépios vivos que deram origem
ao teatro de bonecos popular na Europa e, mais tarde, no Brasil.
Das pequenas cenas religiosas esculpidas em madeira, inicialmente com
figuras estáticas, surgiram os primeiros bonecos articulados que, com o
tempo, foram ganhando movimento por meio de um sistema de fios ou
varas, como nos conta Amaral (1996, p. 101). É interessante perceber
que o teatro, nessa época, convivia, de um lado, com o teatro religioso,
difundindo a moral cristã, e, de outro, com o teatro popular, em que a
paródia e o riso corriam soltos.

O termo “marionete” vem da Idade Média. Maries era o nome francês dado
à madeira com a qual se esculpiam as imagens religiosas. Essa designação
usada para nomear a madeira teria, também, relação com o nome da Virgem
Maria, mariola, mariotte, marotte, marion ou marrionnete, referência às
pequenas imagens de Nossa Senhora (AMARAL, 1996, p. 104).

O QUE É O MAMULENGO?

Mamulengo é o nome dado ao teatro de bonecos típico do


Norte e Nordeste do Brasil. É um teatro popular com características
bem brasileiras, rico em situações cômicas e sátiras. Os mão-molengas
chegaram ao Brasil pelas mãos dos colonizadores. Utilizados primeiro
como instrumentos religiosos – presépios vivos –, aos poucos os bonecos
foram sendo incorporados à cultura popular. Não se sabe muito bem a
sua origem, mas conta-se que eles já existiam nas feiras da antiga Grécia
e de lá migraram para a Itália.
Suas personagens, dentre elas o Doutor, o Dentista, o Policial e o
Capitão, guardam semelhança com os personagens-tipo da Commedia
Dell’arte. Contudo, acredita-se que a partir da metamorfose de

C E D E R J 179
Artes na Educação | Teatro de animação

PUCHINELLA teriam surgido João Redondo, Babau, João Minhoca ou


PUCHINELLA
mamulengo – a terminologia varia de acordo com a região –, personagens
Polichinelo, em
português. conhecidos por sua irreverência, espontaneidade, comicidade e, por vezes,
sua crueldade. É, também, atribuída a Puchinella a origem da variada
galeria dos bonecos populares, tradicionais de outros países, como o
Punchinella ou Punch, na Inglaterra; Polichinelle e Guignol, na França,
Kaspar, na Alemanha etc.
Há, no teatro de mamulengo, resquícios da cultura medieval.
Aparecem figuras da mitologia popular, como o diabo, a morte, a alma
e animais que, como a cobra e o jacaré, representam o espírito do mal
e estão ligadas à idéia do pecado original.
Os bonecos são construídos, na maior parte das vezes, em madeira,
têm talhe simples e aparecem em formas abstratas, sintetizando símbolos
ou idéias. As cenas são recheadas de confusão e briga, e as canções,
acompanhadas por uma sanfona ou pandeiro, são tocadas em ritmo de
xaxado, forró e baião.

Teatro de improviso, o mamulengo interage com o público,


integrando-o na brincadeira. Na zona rural, é aguardado com
muito interesse e curiosidade pela comunidade. Mamulengueiro
é a pessoa que manipula os bonecos, dando vida às personagens.
Não é simplesmente um ator ou apresentador. “Ele tem uma
atitude mística diante da sua arte, acredita que as almas dos
seus personagens dele se apoderam no momento da atuação”
(AMARAL,1994, p. 22).

180 C E D E R J
20
Receita de mamulengo

AULA
Material: balão, jornal, cola, tinta guache colorida, pincel, cabo de
vassoura, cabide, roupas usadas.
Modo de fazer: encha o balão e corte o jornal em tiras finas. Passe cola no
balão com o pincel. Em seguida, cole as tiras de jornal no balão formando
várias camadas. Espere secar por um período de dois dias. Pinte as tiras
de jornal usando tinta guache. Faça, desse modo, a cabeça e o rosto do
boneco. Depois, prenda o cabide no cabo da vassoura. Vista o cabide,
caracterizando o boneco segundo o que você imaginou. Use o cabo da
vassoura como suporte para a manipulação do mamulengo e divirta-se
com a sua turma.

ATIVIDADE

2. Para fazer esta atividade, lembre-se da personagem da peça Auto


da Compadecida, que você construiu na Aula 18. Quais eram suas
características físicas e psicológicas? Retome os elementos que utilizou
para compô-la, idade, profissão, animal, figurino, adereço etc. Você poderá
recorrer, também, ao desenho da personagem registrado no seu portfolio.
A partir desses dados, construa um boneco de sucata ou outro material
disponível em sua casa. Ao construí-lo, reflita sobre as maneiras como ele
poderá ser manipulado durante uma apresentação teatral.

RESPOSTA COMENTADA
A experiência com o teatro de bonecos é um momento inesquecível na
vida de muitas crianças, jovens e também adultos. Desde muito cedo,
entramos em contato com uma ou outra forma de manifestação dessa
arte. Talvez você se lembre de uma brincadeira com fantoche, boneco
de vara ou, quem sabe, você se recorde dos momentos em que criava
com as mãos imagens de animais projetadas em sombra nas paredes.
Existem inúmeras técnicas de construção e manipulação de bonecos,
algumas mais simples e outras mais elaboradas. Conhecê-las mais de
perto certamente enriquecerá o seu trabalho artístico e pedagógico
com o teatro na escola.
Oportunamente, exponha o seu boneco no pólo e compartilhe com
o tutor e os colegas o seu processo de criação. Uma boa sugestão
é organizar com os colegas uma pequena apresentação da cena
escolhida do Auto da Compadecida, utilizando bonecos.

C E D E R J 181
Artes na Educação | Teatro de animação

AS DIFERENTES TÉCNICAS DO TEATRO DE BONECOS E SUA


CONSTRUÇÃO NA ESCOLA

Você conhecerá, a partir de agora, algumas técnicas de construção


e manipulação de bonecos ou títeres.

1. Uma forma bem simples de boneco é aquele pintado na


palma ou no dorso da mão. Basta fazer os olhos, a boca
e o nariz com caneta ou tinta, colocar cabelo, lenço ou
chapéu, na parte superior das mãos, um laço ou gravata
no pulso e está pronta a brincadeira.

2. O boneco de vara é também muito simples. É controlado por


varas ou varetas, que podem ser presas à cabeça do boneco,
às mãos ou aos pés. Na escola, você poderá confeccioná-lo
com os alunos, utilizando palitos de picolé, churrasco ou
até mesmo uma colher. Sua confecção é fácil. Com sucata,
material reciclado e elementos da natureza, podem fazer
bonecos bem criativos. A cabeça da personagem pode ser
feita de bolinha de isopor, copinhos de papel, tubo de papel
higiênico, caixinhas ou, ainda, pintando o dorso de uma
colher; as roupas podem ser de tecido, papéis coloridos,
material reciclado ou elementos da natureza. Enfeite e
caracterize a personagem utilizando a imaginação.

182 C E D E R J
3. Boneco de luva ou fantoche é aquele que o bonequeiro

20
veste como uma luva. Pode ser confeccionado em couro

AULA
ou tecido, como feltro, seda e algodão. Utilize os recursos
disponíveis na escola, como sucata ou material reciclado.
Um jeito fácil de fazê-lo consiste em utilizar sacos de papel
(sacos de pão), sacos de plástico, garrafa PET, panos e,
ainda, meias velhas ou luvas. Para caracterizar o rosto e
fazer o figurino, basta pintar, colorir, fazer colagens com
recortes de revistas, tecidos, lãs, barbante etc. Botões e
sementes podem ser utéis para fazer olhos e nariz.

4. Marionete é o boneco movido a fios. Os fios comandam o


movimento do corpo do boneco, por meio de um suporte
articulado pelo manipulador. Uma forma econômica
de confeccioná-los consiste em utilizar rolos de papel
higiênico, rolinhos de cabelo, tubos de retrós ou carretéis
de linhas. A marionete possui uma técnica mais elaborada
de construção e manipulação.

C E D E R J 183
Artes na Educação | Teatro de animação

5. Bonecos de sombra são figuras, em geral, bidimensionais,


podendo ou não ser articuladas, e são visíveis com a
projeção da luz. Essas figuras, projetadas em sombra, são
manipuladas a distância, por meio de varetas.

Conta-se que, na Pré-História, os homens, ao verem suas sombras


movendo-se nas paredes das cavernas, ficavam fascinados, e as mães, já
naquela época, costumavam brincar com as mãos, projetando pequenas
sombras nas paredes para distrair os filhos.
Já o teatro de sombras é uma arte muito antiga, originária da
China. Diz a lenda que, durante a dinastia Han, no século II a.C., o
imperador, desesperado pela morte da esposa, teria oferecido uma fortuna
para quem pudesse trazer a imperatriz de volta à vida. Apareceu, então,
um bonequeiro que, usando pele de peixe macia e transparente, teceu a
silhueta da imperatriz. Nos jardins do palácio, contra a luz do Sol, foi
armada uma cortina branca que deixava transparecer a luminosidade.
Na hora marcada, iniciou-se a apresentação. A partir daquele momento,
o imperador, encantado, passou a assistir aos espetáculos todos os dias.
Desse modo, teria surgido o teatro de sombras.
Para realizar um espetáculo de sombras na escola, basta reunir
o seguinte material: uma fonte de luz, tela (lençol ou tecido branco não
transparente) e silhuetas para serem projetadas. Idalina Ladeira e Sarah
Caldas (2001, p. 74) apresentam algumas sugestões para a confecção
do teatro de sombras. Veja a seguir:

As lâmpadas utilizadas não devem ser lâmpadas leitosas, pois estas


não possibilitam a projeção, ou seja, a formação de sombras na tela.
O espote, por projetar luz muito forte, também não é aconselhado.
O mais indicado é utilizar lâmpadas transparentes, de 40 ou 60 watts,
dentro de latas de óleo, para possibilitar a concentração de luz.
Querendo figuras coloridas, basta cobrir as latas com papel
celofane na cor desejada ou construir silhuetas com elementos
vazados em papel celofane colorido.
Para a tela usa-se tecido branco, não transparente. Coloque do lado
de dentro do palco duas lâmpadas acesas, uma de cada lado.
Como silhueta, usam-se bonecos de vara, recortados em cartão,
cartolina ou papel grosso ou qualquer outro objeto.
Os bonecos são movimentados atrás do papel ou tecido,
projetando a sombra.
As crianças, escondidas atrás do palco, interpretam a história,
movimentando os bonecos (LADEIRA & CALDAS, 2001, p. 74).

184 C E D E R J
20
AULA
QUEM MANIPULA OS BONECOS E COMO?

Bonequeiro é o jogador que manipula o boneco, despertando a


sua alma. Nesse momento, o boneco sai da condição de simples objeto
e ganha o estatuto de personagem, expressando idéias e sentimentos por
JOGADOR-
meio do movimento. O JOGADOR-MANIPULADOR pode estar oculto atrás de MANIPULADOR

um biombo ou à vista do público. Quando estiver vísivel, deve manter-se É aquele que
anima e dá vida
neutro, isto é, assumir uma atitude distanciada, para que a atenção do a personagens
espectador não recaia sobre si, e sim sobre o boneco. O manipulador inanimados,
enquanto o jogador
também pode manter-se neutro vestindo roupa preta. A cor preta não ou ator é aquele
que, diante do
permite a distinção entre figura (manipulador) e fundo (palco preto). público, representa
A manipulação do boneco exige concentração e controle do gesto, ou encarna uma
personagem.
o que poderá ser desenvolvido com a prática. Uma boa maneira de iniciar-
se no aprendizado da manipulação consiste em envolver-se pessoalmente
na construção do boneco, momento em que suas possibilidades técnicas
serão criadas. Segundo Amaral, é também durante essa fase que o jogador-
manipulador desenha e descobre os primeiros traços de personalidade
do boneco:

Essa autonomia, essa vida interior própria que caracteriza o


boneco, é criada a partir de sua construção. Antes de o ator-
manipulador animar um boneco, ou seja, antes de habitá-lo, no
sentido de dar-lhe vida, quem o construiu já o habitou, já colocou
ali um personagem (AMARAL, 2002, p. 80).

C E D E R J 185
Artes na Educação | Teatro de animação

A mão do jogador-manipulador é o motor do boneco.


Diferentemente da máscara, que depende totalmente da movimentação
corporal do ator, os bonecos têm maior mobilidade, dependendo mais
da energia concentrada na mão do manipulador.

De acordo com Amaral (2002, p. 99), exercitar com os alunos alguns


jogos de expressão é uma boa forma de treinar a agilidade das mãos.
Veja algumas de suas dicas:
1. Coloque os alunos em roda e proponha que eles se expressem usando
apenas as mãos e os dedos:
– emoções diferentes, como alegria, raiva, tristeza, curiosidade, medo,
amor;
– personagens: velho, criança, mulher apaixonada, animais selvagens ou
domésticos, aves, lesmas, insetos, monstros etc.;
– ações que descrevem a seqüência de um dia: acordar, espreguiçar-se,
lavar-se, escovar os dentes, tomar café, ir para a escola etc;
– elementos da natureza: flor, estrela, sol nuvens, borboleta etc.

2. Divida a turma em pequenos grupos e peça que cada grupo improvise


pequenos acontecimentos, usando apenas as mãos, tais como: uma
flor que se abre, luta de boxe, céu estrelado, estrela cadente, viagem
de avião etc. Nesse jogo, é interessante que os alunos se coloquem
atrás de um biombo para que a platéia só veja as mãos dos jogadores.
Uma nova rodada desse jogo pode ser realizada com a utilização de
luvas coloridas.

186 C E D E R J
Para cada tipo de boneco existe uma técnica diferente de

20
manipulação. Veja pelas ilustrações a seguir algumas dicas para a

AULA
manipulação de bonecos na escola. Esses exemplos referem-se apenas
às modalidades mais simples de manipulação de bonecos, porém,
existem outras técnicas mais elaboradas, como a exigida pelo teatro de
marionetes.
1. Fantoches ou bonecos de luvas
a. De fácil manipulação pela criança. O polegar controla a parte
inferior da boca e os outros dedos a parte superior. Abrindo e fechando
a mão dentro da luva, a boca do boneco é movimentada.

b. Exige coordenação motora fina. O dedo indicador veste a cabeça


do boneco. O dedo polegar e o médio vestem cada um dos braços. Por
meio do movimento desses dedos, a cabeça e o braço do boneco são
manipulados.

2. Fantoche de corpo inteiro


a. Esse tipo de fantoche utiliza o corpo inteiro do manipulador, e
não apenas as mãos. A cabeça e o corpo do manipulador ficam dentro
do boneco.

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Artes na Educação | Teatro de animação

3. Boneco de varas
a. Duas varetas são presas ao boneco. Basta movimentar as
varetas para o boneco ganhar vida e expressão. Nesse exemplo, não há
a articulação dos membros separadamente.

b. As duas varetas servem para articular os braços ou a boca do


boneco em separado do resto do corpo.

188 C E D E R J
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Para treinar a manipulação de bonecos, uma boa dica é a construção de um

AULA
boneco articulado, como propõe Amaral (2002, p. 92), de acordo com os
procedimentos resumidos a seguir.
Material: jornal, barbante e fita crepe.
Observe a figura humana e os pontos de articulação do corpo humano,
membros, cabeça e tronco.
Em grupo, construir um boneco de tamanho médio, usando jornal enrolado
para fazer as partes do corpo e barbante para fazer a articulação entre
uma parte e outra. Não se esqueça de fazer um rosto para o boneco,
principalmente o nariz, pois este direciona o foco de atenção do boneco.
Recomenda-se que três ou mais jogadores manipulem o boneco
diretamente, segurando a cabeça, os braços, os joelhos ou os pés. No
início, os alunos poderão brincar livremente, articulando os membros
e exercitando os movimentos básicos. Aos poucos, poderá ser sugerida a
realização de movimentos mais complexos, como: pegar objetos próximos
e distantes, dar adeus, coçar a cabeça, andar, sentar, ler etc.

ONDE APRESENTAR O TEATRO DE BONECOS NA ESCOLA?

O teatro de bonecos pode ser apresentado em qualquer lugar da


escola. Basta que você confeccione uma empanada, isto é, um palco
ou biombo atrás do qual os manipuladores possam se esconder. Existem
algumas formas bem simples de fazer a empanada. Veja os exemplos a
seguir.
a. Cubra algumas carteiras ou cadeiras da sala com lençol, toalha
ou cortina. Caso necessite, use uma vassoura na horizontal sobre as
cadeiras para o tecido ficar bem esticadinho.

C E D E R J 189
Artes na Educação | Teatro de animação

b. Estique o lençol na parte inferior da porta.

c. Estique o lençol no canto de uma sala ou corredor.

d. Use uma janela como empanada.


Os manipuladores ficam escondidos atrás da parede, e a abertura
da janela é o palco onde os bonecos agem.

190 C E D E R J
e. Pendure uma toalha ou lençol num varal com prendedores de

20
roupa.

AULA
Recorte um quadrado ou retângulo na parte superior do lençol,
na altura dos manipuladores, de maneira que eles fiquem escondidos.
O espaço recortado é o palco onde aparecem os bonecos.

f. Crie um pequeno palco com uma caixa de papelão.

Lembrete: não se esqueça de criar um cenário para a história


e recorra, também, à sonoplastia, à música e à iluminação para criar a
atmosfera do espetáculo.

C E D E R J 191
Artes na Educação | Teatro de animação

PEQUENAS DICAS SOBRE O TEXTO E A ANIMAÇÃO

Durante a animação, o texto pode surgir de forma improvisada,


no momento mesmo em que os alunos vestem as máscaras, manipulam
os bonecos e se relacionam com as outras personagens ou, ainda, pode
nascer de uma história interessante. Como é um texto aberto, pode
ser verbal ou não-verbal, constituído de imagens, símbolos, metáforas,
palavras, diálogos, narrações, perguntas e respostas.
Depois que os bonecos ou máscaras estiverem prontos, é hora
de unir o gesto à palavra. Segundo Ladeira e Caldas (2001, p. 12), de
início o boneco é, para a criança pequena, apenas um brinquedo com que
deseja brincar. É importante que se dê a ela essa liberdade. Aos poucos,
o professor poderá introduzir a animação, dialogando com o boneco e
estimulando a criança a inventar uma personagem e a conversar com
ela. Numa etapa seguinte, poderão ser introduzidas algumas histórias
simples, contos, quadrinhas, rimas de palavras ou frases. Com crianças
maiores e adolescentes, podem ser criados espetáculos mais elaborados
a partir de histórias inventadas, lidas ou ouvidas.
Lembrete: utilizando-se de um procedimento ou outro em relação
ao texto, não se esqueça de assegurar a sua exploração lúdica durante o
processo criativo com o teatro de animação. Teatro é jogo, brincadeira;
portanto, devem ser garantidas a expressão e a comunicação espontânea
dos alunos.

O USO DO TEATRO DE ANIMAÇÃO NA ESCOLA

Durante a atividade com o teatro de animação na escola,


paralelamente ao trabalho artístico, múltiplos aspectos educacionais estão
sendo promovidos. Dentre eles, Ladeira e Caldas ressaltam o estímulo e
o desenvolvimento das seguintes habilidades dos alunos:
– comunicação por meio da prática da narração ou construção
de diálogos entre as personagens;
– socialização da criança, a partir do momento em que é preciso
“esperar sua vez de falar, ouvir o que os outros falam, respeitar a opinião
dos outros, exprimir seu desacordo com argumentos convincentes”
(LADEIRA e CALDAS, 2001, p. 13).

192 C E D E R J
Ainda nessa perspectiva, podemos enumerar outros ganhos

20
pedagógicos, como o desenvolvimento da percepção visual, auditiva, tátil;

AULA
da percepção da seqüência de fatos (noção espaço-temporal); coordenação
dos movimentos; da expressão gestual, oral, vocal e plástica, sem dizer o
estimulo à criatividade, à imaginação, à memória, ao vocabulário etc.
Da confecção da máscara ou boneco, passando pela criação do
texto até a organização e a apresentação do espetáculo de animação, o
aluno envolve-se em atividades diversas que lhe permitem o aprendizado
de novos conhecimentos e percepções estéticas. Durante o manuseio do
material, ele experimenta e descobre as inúmeras qualidades físicas dos
objetos, como superfície (áspera, lisa, mole, dura etc.), cor, tamanho, altura,
espessura; percebe e relaciona formas (geométricas, reais e abstratas);
desenvolve noções espaciais e toma consciência do esquema corporal pelo
reconhecimento das diferentes partes do corpo (pernas, braços, cabeça,
tronco etc.) e pelo treino da lateralidade (esquerda e direita) e da localização
(atrás, na frente, ao lado, em cima, dentro e fora).

CONCLUSÃO

Que tal? Chegamos ao final do módulo, e agora você dispõe de um


repertório de procedimentos artísticos e jogos teatrais para ser aplicado
na escola com os alunos. Rico em possibilidades, o teatro de animação
é uma arte que estimula a imaginação, o sonho e a fantasia. Essa é um
atividade artesanal, pois envolve a participação direta dos alunos em
todas as fases do processo de criação, desde a confecção das máscaras
e bonecos até a elaboração dos textos e a encenação.
Perceba os objetos e a realidade ao seu redor, vislumbre a energia
e a vida que podem existir no mundo material. Basta um gesto, uma
intenção para que os objetos inanimados recebam um sopro de vida e
passem a transmitir idéias e sentimentos, adquirindo, dessa maneira, um
valor artístico e estético.
Espero que, a partir dos recursos aqui disponíveis, você se divirta
com os alunos, encontrando o prazer de jogar e experimentar. Dê asas
à sua imaginação, e lembre-se: desenvolva a sua própria capacidade de
jogo, e dê ao seu aluno a oportunidade de fazer o mesmo.

C E D E R J 193
Artes na Educação | Teatro de animação

ATIVIDADE DE FINAL

Elabore um projeto de encenação, utilizando o teatro de animação. Descreva,


minuciosamente, os passos e estratégias necessários para que esse projeto possa
ser realizado numa escola.

RESPOSTA COMENTADA
Um passo importante para elaborar o projeto de montagem de um teatro
de animação na escola é sua adequação ao nível de desenvolvimento dos
alunos com quem você pretende trabalhar. Esse dado norteará a escolha
dos materiais, a técnica de construção e manipulação, a seleção do texto
e as maneiras de propor e desenvolver as atividades.
Você poderá construir o projeto levando em consideração três ações
distintas:
– planejar (quem são os alunos, a quem se destina a apresentação,
seleção de materiais e da técnica mais apropriada aos alunos, escolha
das personagens, texto, palco etc.);
– executar (inclui a construção das máscaras e bonecos, palco, cenário,
iluminação, sonoplastia, ensaios e a apresentação do espetáculo);
– avaliar (durante a avaliação, cabe rever todos os momentos do
processo criativo, analisando o envolvimento dos alunos na atividade e o
aprendizado pedagógico e artístico, além de ser um bom momento para
o professor traçar novas estratégias educacionais).

RESUMO

O teatro de animação inclui máscaras, teatro de bonecos e objetos, mas,


especialmente, valoriza o aprendizado técnico e artístico das máscaras e do teatro
de bonecos. A atividade com o teatro de animação envolve diferentes etapas:
escolha de material e texto, construção dos bonecos, aprendizado das técnicas de
manipulação e apresentação do espetáculo. Aliada ao trabalho artístico, à pesquisa
de formas e às imagens poéticas, a atividade com o teatro de animação proporciona
o desenvolvimento de habilidades diversificadas: comunicação; percepção visual,
auditiva e tátil; expressão gestual, oral e plástica; coordenação motora etc.

194 C E D E R J
LEITURA RECOMENDADA

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AULA
CALDAS Sarah, LADEIRA Idalina. Fantoche & Cia. São Paulo: Scipione, 2001.

Livro prazeroso e indispensável ao trabalho artístico e pedagógico com o teatro de


animação na escola. Rico em ilustrações, fornece uma série de exemplos práticos
para a construção de máscaras e bonecos. Dispõe, também, de um guia de moldes,
além de sugerir pequenas histórias para a encenação.

C E D E R J 195
Artes na Educação Volume 3

SUMÁRIO Aula 21 – Arte, o que é? Artistas, quem são? ________________________ 7


Aula 22 – Como vejo o mundo: arte, artistas e realidade ______________ 15
Aula 23 – O que os olhos (não) vêem o coração (não) sente.
Leituras de Arte (parte 1) ____________________________ 23
Aula 24 – O que os olhos (não) vêem o coração (não) sente.
Leituras de Arte (parte 2) ____________________________ 33
Aula 25 – A imagem no ensino da Arte (parte 1) ____________________ 41
Aula 26 – A imagem no ensino da Arte (parte 2) ____________________ 51
Aula 27 – O vídeo no ensino da Arte _____________________________ 59
Aula 28 – Leitura de imagens __________________________________ 67
Aula 29 – Arte-educação no Brasil _______________________________ 77
Aula 30 – Do Impressionismo à fotografia e à arte contemporânea ______ 91
Referências ____________________________________ 103
21
AULA
Arte, o que é?
Artistas, quem são?
Meta da aula
Apresentar um texto-base para a introdução
dos conceitos arte e artistas.
objetivos

Esperamos que, após o estudo do conteúdo


desta aula, você seja capaz de:
• definir o conceito de arte;
• identificar os objetos artísticos que fazem
parte de nosso cotidiano;
• pensar o processo de criação dos artistas.
Artes na Educação | Arte, o que é? Artistas, quem são?

INTRODUÇÃO Sejam bem-vindos ao universo da arte! Juntos, caminharemos rumo à criação


artística.
A linguagem da arte permite descobrir novas sensações, vivenciar a criatividade
e despertar emoções muitas vezes adormecidas por nosso cotidiano. Nosso
percurso de descobertas se fará através das artes visuais.
Muitos acreditam estarem distantes dos objetos artísticos e que nada conhecem
de artes visuais por não conviverem com arte. Entretanto, estamos próximos
da criação artística desde o momento em que acordamos, ao olharmos
o relógio. Os objetos que decoram nosso quarto e tudo o mais que nos cerca
também são produtos de criação.
Todos esses objetos foram estudados e desenhados por especialistas que
aplicaram os conceitos de forma, cor, volume, funcionalidade e produção
final. Enfim, o relógio e os objetos que nos cercam são o resultado da longa
história da imaginação criativa do homem.
Encontramos a arte aplicada no empreendimento de nosso dia-a-dia para
a produção de objetos característicos em todas as culturas.
Nesta aula, as imagens que você encontrará fazem parte de uma estratégia
para sua familiaridade com a imagem como texto visual autônomo e
independente da palavra escrita.

Figura 21.1: Monumento à juventude, de Bruno Giorgi (1946).


Palácio da Cultura, RJ.

8 CEDERJ
21
ARTE E COTIDIANO

AULA
Ao andarmos pelas ruas de qualquer cidade, verificamos a
arquitetura típica local, as esculturas públicas nas praças, os murais
decorativos, as pinturas ornamentais das igrejas com seus vitrais coloridos.
Você deve se tornar um observador mais sensível das coisas que o cercam.
Tudo ao nosso redor nos afeta e nos encanta, podendo provocar as reações
mais diferentes, do encantamento e admiração à reflexão.

ATIVIDADE

1. Vemos coisas, todos os dias, ao nosso redor: nossa casa, a escola, a


praça, a rua e o lugar onde fazemos compras ou nos divertimos. Tente
descrever, dentre os objetos que você vê no seu cotidiano, quais os que
considera artísticos.
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RESPOSTA COMENTADA
Nossas reações/emoções nos aproximam do pensamento do
artista no ato de criação, portanto, nossas sensações descobrem a
linguagem artística utilizada. As obras de arte materializam uma visão
de mundo, levam ao estranhamento do observador, no sentido de
realizarmos, diante do objeto observado, o desejo da contemplação,
a experiência estética, ou seja, a fruição.
A fruição, resultante do fenômeno da percepção sensível, é o que
nos une à sensibilidade do artista. Assim, o artista materializa sua
existência por meio do som, da linguagem oral ou escrita, da
linguagem corporal, da expressão visual, ou, em muitos casos,
da união de diversas linguagens.

CEDERJ 9
Artes na Educação | Arte, o que é? Artistas, quem são?

Figura 21.2: Aleijadinho. Cristo a caminho do Calvário, de Capelas


dos Passos da Paixão, Congonhas do Campo, Minas Gerais.

ARTE, REALIDADE E SOCIEDADE

Em muitas sociedades, as linguagens artísticas foram e ainda são


veículos para o homem reverenciar a religião. Em todas as culturas, os
locais sagrados são privilegiados de expressão artística, nos quais a arte
é memória do tempo. Por esse motivo, objetos, indumentária, instrumentos
musicais, adereços, imaginário e música compõem a ritualística de muitos
cerimoniais religiosos.
Entretanto, cabe ressaltar que, em outras culturas e épocas, a arte
está dissociada de qualquer vinculação religiosa, atuando, portanto, como
expressão independente. Assim, as manifestações artísticas exprimem
e revelam aspectos da cultura e de uma época de grupos sociais.
Nesse caminho, compete ao artista provocar a emoção, proporcionar
a fruição, experimentar as formas de expressão, viver o seu tempo,
materializar a imaginação e revelar o ato criador.

Figura 21.3: São Paulo (1924), de Tarsila do Amaral (1897-1973).


Pinacoteca do Estado, São Paulo.

10 CEDERJ
21
No nosso caso, é a linguagem visual que nos interessa. Nossos
olhos se relacionam e se identificam com as coisas do mundo. Olhar

AULA
significa nos apoderar do que vemos, tornando-nos vedores qualificados
das imagens que nos afetam. As imagens visuais são estruturas perceptivas
construídas por formas, cores, linhas, pontos, volumes que representam,
simbolicamente, o mundo que nos rodeia, por diferentes materiais,
técnicas e formas de expressão. Contudo, muitas imagens visuais são
constituídas de códigos visuais transmissores de mensagens que devem
ser identificadas por todos aqueles membros pertencentes ao grupo social
(placas de trânsito, sinalização de restaurantes, placa de proibido fumar,
telefones públicos, dentre outros).

Figura 21.4

Tanto os códigos visuais quanto as obras de arte possuem um


repertório de elementos da linguagem visual que se constitui na técnica
expressiva do seu criador, e combiná-los é o ato de criação do artista.
A seguir, listamos alguns códigos mais utilizados.

• Ponto – elemento primordial da forma na linguagem


visual: é a célula da imagem que vemos. Seria um
equívoco acreditarmos que o ponto, na linguagem visual,
é um pequeno círculo. Ele adquire outras formas (uma
mancha, por exemplo), por ser a base da imagem visual.
Dele resultam as linhas, que nada mais são do que o
deslocamento de um ponto sobre uma superfície.

• Linha – a linha ou traço é o rastro de um ponto no espaço ou


na superfície. Pela liberdade do movimento, há muitos tipos
de linhas, e cada uma delas sugere sensações diferentes.

• Reta – é um traço contínuo em uma única direção e


sentido. Dá a impressão de rigidez, estabilidade.

• Curva – forma que sugere o arredondado, expressa


suavidade.

CEDERJ 11
Artes na Educação | Arte, o que é? Artistas, quem são?

• Quebrada – formada pela combinação de linhas retas em


direções e sentido contrários. Sugere instabilidade, raiva.

• Ondulada – é a união de linhas curvas em sentidos


diferentes. Sugere movimento.

• Espiralada – é um tipo de linha curva que descreve um


movimento ondulado, iniciado do centro para fora.
Sugere concentração.

• Posição vertical – linha que sugere a força da gravidade;


em muitas obras de arte, é expressão de espiritualidade, ou
seja, a força que o observador deve fazer para elevar-se.

• Posição horizontal – indica repouso e sugere silêncio.

• Posição inclinada – é a força oposta à posição vertical e


horizontal e por isso sugere movimento.

linha reta horizontal

linha ondulada
linha reta vertical
linha curva

linha reta inclinada linha quebrada linha espiral

Figura 21.5

Assim sendo, ao analisarmos as imagens visuais, devemos perceber


que elas se constituem em figuras e que estas nos revelam texturas.
As figuras se destacam pelas texturas que apresentam, separando a
superfície na qual o objeto está representado da área de figuração em si.
Neste sentido, a cor é o veículo fundamental para a textura na
linguagem visual, e o fenômeno da cor é uma experiência retiniana.
As cores são classificadas, tecnicamente, em cores primárias (vermelho, azul
e amarelo) e cores secundárias, resultantes da mistura das cores primárias
(verde, laranja e violeta). Na experiência visual cromática, podemos, ainda,
identificar as cores complementares (aquelas que são diametralmente
opostas no círculo cromático): vermelho e verde, laranja e azul e amarelo
e violeta. Há, também, as cores quentes, que nos lembram o Sol e o fogo,
e as cores frias, que nos remetem à água e ao gelo.

12 CEDERJ
21
AULA
Figura 21.6: Amanhecer, de Fayga Ostrower.

Portanto, em nosso primeiro contato com o universo da arte,


demos o primeiro passo para vivermos o mundo das imagens visuais.
Também para revermos nossas idéias sobre as coisas que vemos e como
vemos e, ainda, para aprender olhando.

Figura 21.7: Meteoro, de Bruno Giorgi.

CONCLUSÃO

Nesta aula falamos sobre arte e artistas e afirmamos que os objetos


artísticos fazem parte de nosso cotidiano. Aprecie a diversidade das
linguagens artísticas e a ação criativa do homem na produção cultural.

CEDERJ 13
Artes na Educação | Arte, o que é? Artistas, quem são?

ATIVIDADE FINAL

Podemos conhecer lugares nos quais nunca estivemos, por meio de filmes
e fotografias, por exemplo.

Crie um roteiro-guia de um filme a partir das observações dos objetos simbólicos


ou mais significativos que você vê em seu dia-a-dia, analisando-os nos aspectos
que julgue significativos em sua interpretação.

RESPOSTA COMENTADA
Espera-se que, com esta e as demais atividades desta aula, você
tenha se tornado sensível ao processo do olhar, por isso enfatizamos
a importância da experiência da observação e do reconhecimento dos
objetos artísticos no cotidiano.

RESUMO

A arte, nos diferentes contextos históricos, sempre expressou a ação humana sobre
o mundo, ou seja, a interpretação e a representação do sentir e do viver.
O artista, na complexidade cultural, é o intérprete do mundo na produção
e socialização do conhecimento artístico.

INFORMAÇÃO SOBRE A PRÓXIMA AULA

Na próxima aula apresentaremos questões sobre o olhar e a abordagem arte/


artista/realidade.

LEITURA RECOMENDADA

BOSI, Alfredo. Reflexões sobre a arte. São Paulo: Ática, 1985.

Neste livro o autor aborda diferentes conceitos de arte e processos de criação


artística.

14 CEDERJ
22
AULA
Como vejo o mundo:
arte, artistas e realidade
Metas da aula
Apresentar a triangulação arte/artista/realidade
e os desafios enfrentados pelo
artista na construção da imagem
e na percepção do mundo.
objetivos

Esperamos que, após o estudo do conteúdo


desta aula, você seja capaz de:
• estabelecer as diferentes correlações entre
representação visual e realidade;
• analisar a visão de mundo do artista
e a produção da imagem artística.

Pré-requisitos
Para facilitar a compreensão desta aula,
você deve ter lido os conceitos de arte
apresentados na Aula 21.
Artes na Educação | Como vejo o mundo: arte, artistas e realidade

INTRODUÇÃO Em alguns períodos, a arte buscou imitar a realidade. As artes visuais,


em especial, procuravam retratar, com fidelidade e perfeição ao extremo,
a natureza ou o mundo das coisas que cercavam as pessoas. Os artistas
que dessa maneira se expressavam ganhavam status e reconhecimento
inabaláveis.
Os objetos artísticos recebiam valor e destaque no grupo social. Nesses
períodos, a arte figurativa prevalecia como a única capaz de transmitir
narrativas, fatos históricos ou memória dos costumes. Também era um
veículo poderoso de representação retratística de personagens ou pessoas
de determinada classe, pois permitia a identificação de traços da personalidade
do retratado, informações do nível social e da forma de vida, costumes ou
referências históricas.
Essa preocupação ou exigência de copiar a realidade, em determinados
períodos da história da arte, vem da Antigüidade Clássica (gregos e romanos).
Entretanto, com o passar do tempo, as manifestações artísticas conquistaram sua
autonomia e, gradativamente, produziram rupturas e se libertaram da vinculação
fiel ao real. Essa transformação lentamente adaptou o olhar do observador às
imagens desvinculadas da representação fidedigna, articulando-as ao universo
da abstração.

Figura 22.1: A Carioca (1882), de Pedro Américo.


Fonte: Acervo Museu Nacional de Belas Artes. Rio de Janeiro.

16 CEDERJ
22
ATIVIDADE

AULA
Figura 22.2: O Retrato do Papa Inocêncio X
(1650), de Diego Velázquez (1599-1660).

1. Observe o quadro de Diego Velázquez e perceba toda a importância e


imponência da autoridade religiosa e o olhar soberano do personagem
retratado. Escreva sua análise a partir desse roteiro.
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RESPOSTA COMENTADA
Você deve ter notado que o retrato do Papa Inocêncio X, em estilo
detalhado realista, esboça toda sutileza e virtuosismo do artista em
captar psicologicamente a personalidade do retratado e de capturar,
tecnicamente, o refinamento das vestes e do gestual da figura.

CEDERJ 17
Artes na Educação | Como vejo o mundo: arte, artistas e realidade

REALIDADE, FIGURAÇÃO E ABSTRAÇÃO

As formas abstratas (conceito para as imagens que não são


realistas) revelaram, certamente, uma linguagem artística atravessada
por outros recursos técnicos que permitiram aos artistas visuais novas
possibilidades representacionais. Com o advento da fotografia, da
imagem em movimento cinematográfico e da era da Informática,
novos conhecimentos se conjugaram e atualizaram o olhar em relação
à realidade. Esses novos meios tecnológicos permitiram aos observadores
modernos uma redefinição das relações com a realidade circundante.
A ciência e a rapidez das descobertas científicas proporcionaram ao artista
novos recursos para sua expressão e, portanto, suscitaram interpretações,
estranhamentos e novos questionamentos.
Assim, ao observarmos uma imagem abstrata, com técnicas ou
materiais considerados artísticos ao processo de criação, acionamos um
olhar atualizado. Outros critérios de análise, anteriormente impensados,
passam agora a fazer parte de nosso cotidiano, fazendo-nos repensar os
valores ou as nossas verdades consideradas imutáveis, reconciliando-
nos, pelo ato da observação, ao gesto criador e a uma sociedade cuja
mutabilidade é infinita. Tornando-nos parte dessa mutação cultural e
atualizando-nos, periodicamente, nos integramos ao fascinante mundo
da invenção humana.
Podemos inferir que a arte é uma das formas de representação e
interpretação do mundo. O artista, no ato da criação, produz objetos,
materializando sua visão de mundo, e, ao observarmos esses objetos, nos
deparamos com o significado da existência humana, como um elaborado
sistema resultante da emoção e da sensibilidade.

Figura 22.3: Buscando o Impossível (1928),


de René Magritte (1898-1967).

18 CEDERJ
22
O sistema da arte é uma forma de conhecimento por meio do
qual é acionado o raciocínio lógico, a imaginação, a pesquisa e a análise

AULA
sistematizada. Por isso, a arte apresenta um caráter inovador, muitas
vezes, vinculando-se às invenções científicas. Sua contribuição para a
História humana, ao ser veículo do questionamento, da emoção, de
reflexão, ou, ainda, um dos meios na representação de crenças, idéias
e pessoas, é, também, um procedimento para reflexão.
Devemos nos tornar observadores qualificados e espectadores
ativos na vivência junto aos objetos artísticos, ou seja, a experiência
estética de criar e recriar, explicar o inexplicável. Na tentativa da
interpretação do mundo, cada artista tem seu estilo e técnica, da mesma
forma que cada um de nós tem sua maneira própria de escrever ou falar,
apesar de sermos detentores do mesmo código lingüístico. O mesmo
acontece com as artes visuais, em especial com o ato de pintar, no qual
o artista utiliza diferentes tipos de suporte, como tela, madeira, metal,
papel etc. Os suportes são a base sobre a qual se executará a pintura.
E, por isso, segundo o suporte utilizado, a técnica de pintura pode assumir
características composicionais que materializem a estética do artista. Com
essas características, o artista determina o tema da obra como paisagem,
retrato, natureza-morta, fato histórico, tema religioso, dentre outros.
O tema é o conjunto de assuntos de que trata a obra de arte para
representar uma situação do cotidiano de uma época (de um lugar
determinado) ou é uma ficção de imagens.

ATIVIDADES

2. Vamos exercitar nossa experiência estética e ampliar a ação transformadora


que ela poderá exercer em nosso cotidiano. Podemos iniciar nos
perguntando:

a. Do que eu gosto?
Observe e crie apontamentos sobre os objetos que você vê. Anote as formas
geométricas dos objetos analisados, as cores e a textura. Perceba quais
são as suas preferências sobre o volume e a funcionalidade dos objetos.
Observe quais os temas de sua escolha, os detalhes das coisas, os estilos
dos vídeos, das fotos ou dos filmes que mais aprecia. Permaneça atento,
sempre, e conheça profundamente suas experiências estéticas.

CEDERJ 19
Artes na Educação | Como vejo o mundo: arte, artistas e realidade

b. Como você reage diante de uma obra de arte?


Observe uma obra de arte. Retenha sua imagem longamente na memória.
Feche os olhos e tente descrevê-la no número máximo de aspectos. Procure
recordar-se de outros objetos que já tenha visto e que, de alguma forma,
já tenham chamado a sua atenção; tente, também, descrevê-los. Pense
nas sensações que tais objetos evocam, ou na razão de terem despertado
a sua atenção, de forma especial.

3. Observe, cuidadosamente, a disposição dos objetos que você vê em seu


cotidiano, a relação que cada um exerce sobre o outro, se a decoração
do espaço expressa traços da personalidade do proprietário, ou se é um
ambiente público com a neutralidade necessária a um espaço para a
coletividade. Redija, em seguida, um texto, apresentando suas observações
às perguntas anteriores.
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COMENTÁRIOS
O resultado esperado com a realização das Atividades 2 e 3 é
fazer com que o observador aprofunde seus níveis de percepção,
qualificando o olhar. Em referência à Atividade 3, pretende-se
que o texto visual torne-se uma síntese gráfica desse processo de
aperfeiçoamento do observador.

CONCLUSÃO

A nossa atitude diante de um objeto artístico demonstra a maneira


como vemos o mundo. Descobrir a criação artística é desvendar e se
aproximar da leitura do mundo. Arte/Artista/Realidade respondem à
dinâmica de um encontro com a própria existência.

20 CEDERJ
22
ATIVIDADE FINAL

AULA
Observe a ambigüidade da imagem. Tente identificar o rosto feminino e o
saxofonista. Essa técnica é chamada figura-fundo; dependendo do que o olhar
do observador selecionar, uma imagem irá se construir.

Figura 22.4

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RESPOSTA COMENTADA
A experiência estética pode ser desenvolvida e aprimorada e, portanto,
torna-se vulnerável a essa ação transformadora, revivendo experiências
anteriores e evocando percepções adormecidas.

RESUMO

A expressão artística, ação de interpretar o mundo, pode ser apresentada de forma


figurativa ou abstrata. Arte/Artista/Realidade é a síntese da experiência estética
de criar e recriar em imagens a representação do mundo.

CEDERJ 21
Artes na Educação | Como vejo o mundo: arte, artistas e realidade

INFORMAÇÃO SOBRE A PRÓXIMA AULA

Na próxima aula, abordaremos os métodos de leituras de arte.

LEITURA RECOMENDADA

BARBOSA, Ana Mae (Org.). Som, gesto, forma e cor: dimensões da arte e seu
ensino. Belo Horizonte: C/Arte, 1995. (Coleção Arte & Ensino)

Nesse texto, você terá a oportunidade de encontrar análises sobre as diferentes


linguagens artísticas na prática pedagógica.

22 CEDERJ
O que os olhos (não) vêem

23
AULA
o coração (não) sente.
Leituras de Arte (parte 1)
Meta da aula
Apresentar os elementos (signos) constituidores
das artes visuais.
objetivos

Esperamos que, após o estudo do conteúdo


desta aula, você seja capaz de:
• identificar os signos essenciais formadores
das linguagens visuais;
• analisar a importância desses signos para a
leitura visual.
Artes na Educação | O que os olhos (não) vêem o coração (não) sente. Leituras de Arte (parte 1)

INTRODUÇÃO As próximas aulas servirão para nos familiarizar ainda mais com as linguagens
visuais. Apresentaremos os elementos constituidores de uma mensagem visual
e sua importância no mundo atual, seja nas artes plásticas, em publicidade
ou em placas de trânsito.

DECIFRANDO MENSAGENS

A linguagem visual, assim como todas as linguagens, possui um


código, isto é, elementos que servirão para formar uma mensagem. Para
que tenhamos possibilidade de decifrar/decodificar a mensagem, precisamos
conhecer seus elementos constitutivos e o funcionamento dessas simbologias
sobre nossos sentidos, ou seja, o alfabeto visual que utilizamos.
Quando nosso corpo entra, por acaso, em contato com alguma
superfície, pode produzir marcas. E quando existe intenção de produzir tais
marcas, nós as denominamos signos. Eles constituem uma forma associada
a uma idéia, é o meio pelo qual iremos nos comunicar com outras pessoas
e transmitir nossas mensagens e idéias.
Em nosso dia-a-dia, produzimos signos o tempo todo com a
intenção de chamarmos atenção para algo que consideramos relevante.
Para produzirmos esses signos gráficos intencionais, não espontâneos,
que usamos para comunicar idéias, utilizamos instrumentos como lápis,
pincel, giz, caneta e outros. Esses instrumentos produzirão marcas
gráficas que possuem várias configurações.

ATIVIDADE

1. O nosso cotidiano, os lugares aonde vamos, e até a nossa casa estão


repletos de signos. Sendo assim, tente listar alguns signos que você
conhece, para que servem e qual a sua importância.
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24 CEDERJ
23
RESPOSTA COMENTADA

AULA
A vida corrida que levamos nos dias de hoje faz com que nossas
ações se tornem cada vez mais automáticas. Prestando atenção nos
signos que nos rodeiam, veremos que para tudo há uma função e,
conseqüentemente, tudo possui importância. Nas placas sinalizadoras,
por exemplo, um simples desenho e uma faixa diagonal vermelha nos
fazem entender que atitude devemos ou não tomar.

Figura 23.1: Placas sinalizadoras.

PONTO

O ponto é o sinal gráfico primordial, unidade de comunicação


visual mais simples. Quando qualquer material, líquido ou duro, seja
tinta ou um bastão, toca uma superfície, assume uma forma arredondada,
mesmo que esta não represente um ponto perfeito.

Figura 23.2: Pontos em diversas localizações num plano.

CEDERJ 25
Artes na Educação | O que os olhos (não) vêem o coração (não) sente. Leituras de Arte (parte 1)

A utilização do ponto como uma marca gráfica é infinita.


Multiplicando os mesmos, aumentamos o seu poder de expressão,
podendo ser utilizado para produzir vários efeitos, de acordo com
sua cor, distanciamento ou quantidade. O ponto pode dar idéia de
movimento, volume, sombra, além de criar idéias. A seguir, temos a
figura do pintor impressionista Georges Seurat, que usava a técnica do
pontilhismo (desenho ou pintura feitos a partir da organização de pontos
no espaço) para fazer seus quadros.

Figura 23.3: Uma tarde de domingo na ilha La Grande


Jatte (1884 – 1886), de Georges Seurat.

Nessa obra, Seurat estava interessado em um estudo de composição


através de cores, luz e sombra. Na técnica do pontilhismo, cada ponto
representa um raio de luz que possui cor diferente. Podemos notar que
a obra não oferece detalhamento dos indivíduos presentes (não possuem
rosto), executados de forma mais rígida, sem representar movimentos.

LINHA

A linha é o elemento constituído pela união de vários pontos, lado


a lado. Podemos percebê-la em nosso cotidiano, se analisarmos as linhas
de uma estrada, um mapa geográfico ou o contorno de objetos.

Figura 23.4: Linhas presentes numa


torre de transmissão.

26 CEDERJ
23
A linha é uma marca contínua ou de aparência contínua. Pelo
modo como é representada, a linha pode sugerir diversas idéias e

AULA
sentimentos. É considerada o sinal mais versátil, quando traçada em
uma superfície. Por meio da linha, os artistas plásticos podem criar várias
formas de exprimir seus sentimentos, bem como transmitir movimento,
velocidade, violência, medo, agressividade, leveza, ascendência. A linha
é o elemento que define as figuras e as formas.

Figura 23.5: Estudo para Mercure (1924), de Pablo Picasso.

Na Figura 23.4, percebemos as linhas que compõem um elemento


presente em nosso mundo, nesse caso, em uma torre de transmissão. São
linhas retas e rígidas. Já na Figura 23.5, podemos perceber que Picasso queria
obter leveza e movimento através das linhas que constituem o desenho.

PROPORÇÃO

Se observarmos tudo ao nosso redor, veremos que há sempre uma


relação entre altura e largura. Essa relação matemática existente entre as duas
medidas chama-se proporção. Quando queremos aumentar ou diminuir um
desenho, devemos respeitar essas relações para que não fique disforme.

Figura 23.6: Desenhos proporcionais.

CEDERJ 27
Artes na Educação | O que os olhos (não) vêem o coração (não) sente. Leituras de Arte (parte 1)

Há artistas que se desvencilham da proporção e, a partir dessa


liberdade artística, criam trabalhos com uma atmosfera inquietante
obtida por essa desproporcionalidade proposital, como o pintor
norueguês Edvard Munch (1863 – 1944).

SUPERFÍCIE E TEXTURA

Quando desenhamos ou pintamos, imprimimos marcas em uma


superfície: tela, madeira, parede, papel. Ao observarmos essa superfície
mais atentamente, percebemos que, o que a olho nu era aparentemente
liso, com a ajuda de uma lente, mostra-se uma superfície enrugada,
aveludada, ondulada, granulada, felpuda. A essas características das
fibras que constituem uma superfície chamamos textura.

Figura 23.7: Diferentes tipos de textura (parede/madeira).

Cada forma de textura pode nos trazer diversas impressões


e sensações, uma vez que nos provoca lembranças táteis diferentes.
A combinação de várias texturas em um mesmo contexto pode produzir
efeitos interessantes, como podemos ver abaixo, nos panejamentos da
pintura de Van Eyck.

Figura 23.8: Van der Paele (1436), de Jan Van Eyck.

28 CEDERJ
23
CORES

AULA
Como seria um mundo sem cor? As cores fazem parte de nossa
vida, do nosso dia-a-dia, e não podemos imaginar um mundo em preto
e branco. Mas, por estar tão presente em nosso cotidiano, não damos a
esse universo tanta importância. Só damos real atenção às cores quando
precisamos escolher algo para vestir ou combinar a cortina nova com os
móveis da sala. Alguns preferem cores mais extravagantes, outros, cores
mais sóbrias. Concluímos, assim, que as cores, além de compor nosso
gosto, são de extrema importância para definir nossa personalidade.

Figura 23.9: Fonte de cores em nosso cotidiano.

Dessa forma, as cores acabam exercendo profunda influência sobre as


pessoas. Um ambiente extremamente colorido, por exemplo, incomoda-nos;
há cores que nos induzem ao movimento, à dança (amarelo, vermelho); outras
nos transmitem paz e tranqüilidade (azul, branco, tons pastéis). A energia
transmitida pelas cores interfere diretamente em nosso estado de espírito,
como podemos perceber se prestarmos atenção em nosso comportamento
em uma lanchonete fast -food, em um hospital ou em uma igreja. Em igrejas
e hospitais, são utilizadas cores sóbrias e em tons pastéis que sugerem paz,
tranqüilidade, introspecção. Já em lanchonetes fast-food, são usadas cores
quentes, como o vermelho e o amarelo, que, depois de um certo tempo, nos
tornam agitados, irrequietos, obrigando-nos a uma refeição rápida e uma
alta rotatividade de clientes.
A cor é um fenômeno físico que depende diretamente da luz para
existir. O que percebemos como cor é, na verdade, reflexo da luz. Um objeto
vermelho, por exemplo, absorve todas as cores e reflete a cor vermelha, ou
seja, o que vemos é o reflexo da luz vermelha em forma de cor.

CEDERJ 29
Artes na Educação | O que os olhos (não) vêem o coração (não) sente. Leituras de Arte (parte 1)

Todas as cores secundárias que conhecemos surgem a partir de


três cores denominadas primárias. São elas: vermelho, azul e amarelo.
Combinadas entre si, complementam-se por oposição, formando o que
chamamos de cores complementares. A cor complementar do vermelho é
o verde, do amarelo é o violeta e do azul é o laranja. Quando colocadas
lado a lado, as complementares vibram de forma intensa, sem permitir
que saibamos o que é figura e o que é fundo.
Ao juntarmos cores quentes (amarelo, vermelho e suas variações)
e cores frias (verde, azul e suas variações) obtemos outro efeito. As cores
quentes e claras tendem a parecer mais perto e maiores, enquanto as frias
parecem estar mais ao fundo e, conseqüentemente, menores.
O conhecimento que os artistas adquirem sobre as cores possibilita
a produção de novos efeitos em seus trabalhos de pintura, fotografia,
cinema e propagandas, dentre outros.

Figura 23.10: A dança (1910), de Henry Matisse.

ATIVIDADE

2. Selecione uma imagem (pode ser uma obra de arte ou até mesmo
uma foto de revista). Faça você mesmo(a) ou peça para os seus alunos:
redesenhem a imagem, inclusive luzes e sombras, utilizando apenas linhas.
Depois, repita a atividade, utilizando dessa vez apenas pontos. Observem
as diferenças entre os desenhos.

30 CEDERJ
23
RESPOSTA COMENTADA

AULA
Você deve ter percebido a importância de cada elemento (ponto,
linha) isoladamente. Caso você tenha feito, exercitamos, também,
o olhar crítico, utilizando os códigos da melhor forma possível para
que se obtenha um bom desenho.

CONCLUSÃO

O homem contemporâneo convive com as mais variadas formas


de signos que ditam o ritmo de suas vidas. Por isso, é importante saber
identificar os elementos constitutivos dos mesmos. Tendo conhecimento
desses elementos, podemos entender melhor como se dá o surgimento
dos signos, e não apenas enxergá-los mecanicamente, como acontece
em nosso cotidiano.

ATIVIDADE FINAL

Em sua casa, procure registrar diversos tipos de textura, imprimindo as mesmas,


colocando um papel por cima e rabiscando com o lápis (preto, ou de cor, ou também
giz de cera). Após ter recolhido as texturas da parede, do chão, dos móveis, por
exemplo, procure comentar as sensações provocadas por cada uma delas.

RESPOSTA COMENTADA
Fique atento às diferentes cores e texturas presentes em seu cotidiano;
assim, desenvolverá uma percepção mais aguda e sensível da
realidade.

CEDERJ 31
Artes na Educação | O que os olhos (não) vêem o coração (não) sente. Leituras de Arte (parte 1)

RESUMO

Vimos que para interpretarmos as linguagens visuais precisamos ter conhecimento


dos elementos essenciais que constituem essas linguagens, dentre eles, as formas e
as cores. Dessa forma, percebemos que cada mínimo elemento possui sua função
e devida importância para que uma boa comunicação seja estabelecida.

INFORMAÇÃO SOBRE A PRÓXIMA AULA

Na próxima aula, daremos prosseguimento ao conhecimento dos elementos


constitutivos das linguagens visuais.

32 CEDERJ
O que os olhos (não) vêem

24
AULA
o coração (não) sente.
Leituras de Arte (parte 2)
Meta da aula
Apresentar os elementos (signos)
constituidores das artes visuais.
objetivos

Esperamos que, após o estudo do conteúdo


desta aula, você seja capaz de:
• identificar os signos essenciais formadores
das linguagens visuais;
• perceber a importância desses signos para
a leitura da visualidade.
Artes na Educação | O que os olhos (não) vêem o coração (não) sente. Leituras de Arte (parte 2)

INTRODUÇÃO Nesta aula, continuaremos conhecendo os elementos formadores das


linguagens visuais: os códigos visuais.

LUZ, SOMBRA, VOLUME

Onde existe luz sempre haverá sombra. Estes são elementos


indissociáveis, e é a relação entre os mesmos que possibilita a percepção
do volume.
A forma e a direção da sombra estão sempre de acordo com o
direcionamento da luz. Um objeto iluminado em diferentes horas do dia
ou por diferentes fontes luminosas, como o Sol, lâmpadas ou velas, terá
aspecto diferente em cada uma dessas situações.

Figura 24.1: Projeção de luz e sombra.

Denominamos claro-escuro o contraste produzido entre luz e


sombra. Esse efeito é responsável por dar volume às pinturas. Através
da técnica do sfumatto – que se iniciou na Renascença e teve como seu
precursor Leonardo da Vinci, com o famoso quadro Monalisa ou La
Gioconda –, os artistas conseguiam esse efeito de volume e de gradações
de luz, o que foi um marco para a história da Arte. A técnica do sfumatto
consiste em esfumaçar ou sombrear o entorno de uma imagem com uma
tonalidade de cor mais escura do que a mesma possui. Dessa forma, a
imagem é “empurrada” para a frente da tela, ganhando volume.

34 CEDERJ
24
AULA
Figura 24.2: La Gioconda, de Leonardo da Vinci (1503-6).

A Monalisa é a obra de arte mais famosa do mundo, e seu autor


é uma das mentes mais brilhantes que já existiram. La Gioconda, como
também é conhecida, possui um sorriso e um olhar enigmáticos; para
onde quer que você vá, parece estar sendo acompanhado por ela. Foi
a primeira vez que se utilizou, na pintura, a técnica do sfumatto e,
conseqüentemente, criou-se uma impressão maior de volume em uma
representação, o que era revolucionário para a época.
Se colocarmos um objeto sob a incidência de alguma luz, natural
ou artificial, perceberemos que tal luz produzirá uma sombra no próprio
objeto, que terá uma parte iluminada e outra não, e uma sombra projetada
que corresponde à direção de onde vêm os raios luminosos.

ATIVIDADE

1. Luz e sombra dependem uma da outra para existir. Conforme a posição


da luz, a sombra muda de direção, podendo ser mais ou menos intensa e,
ainda, atingir tamanhos diferentes.
Peça também aos alunos que, em suas casas, observem e desenhem,
sempre de um mesmo ponto de vista, um objeto sob o sol, em diferentes
horários, incluindo as diferentes sombras produzidas. Em sala de aula,
discuta as relações de luz e sombra.

CEDERJ 35
Artes na Educação | O que os olhos (não) vêem o coração (não) sente. Leituras de Arte (parte 2)

COMENTÁRIO
O exercício o levará a compreender como ocorre a percepção de
volume em uma obra de arte a partir das relações de luz e sombra.

ESPAÇO

Uma figura plana sobre um fundo chapado não nos permite ter
noção do espaço, porque ela fica colada no fundo. Quando aplicamos luz e
sombra nessa figura, surge volume e, conseqüentemente, profundidade.

Figura 24.3: Sombra aplicada à letra “A”.

A relação do espectador com o espaço a sua volta varia de acordo


com a distância entre ele e um determinado objeto. As dimensões dos
objetos se transformam à medida que nos aproximamos ou nos afastamos
deles. Esses dados de dimensão e proporção são levados em consideração
quando, por exemplo, um artista pinta um quadro.

Figura 24.4: Relação de distância sobre um mesmo ponto de vista.

36 CEDERJ
24
Existem alguns efeitos que o artista pode dar à sua pintura para
que se tenha uma melhor noção de espaço e distância. Um desses efeitos

AULA
acontece em decorrência da utilização de cores mais intensas, no primeiro
plano da pintura, e cores mais esfumaçadas em objetos mais distantes e
ao fundo. Outra possibilidade consiste em dar maior detalhamento aos
objetos mais próximos e menor aos mais distantes.

Figura 24.5: Aparição da Virgem a S. Bernardo, de Perugino (1490-4).

PERSPECTIVA

Quando estamos em uma estrada reta, temos a impressão de que


os dois lados da mesma encontram-se no final, onde alcança nossa vista.
Chamamos esse efeito de perspectiva. Através da perspectiva, percebemos
o espaço por meio de linhas paralelas que irão convergir em um ponto
denominado ponto de fuga.

Figura 24.6: Visão perspectivada em uma estrada.

CEDERJ 37
Artes na Educação | O que os olhos (não) vêem o coração (não) sente. Leituras de Arte (parte 2)

O estudo da perspectiva começou com os artistas renascentistas,


no século XV, que procuraram bases científicas para suas obras. Através
da perspectiva, eles conseguiam dar uma idéia precisa de profundidade
em seus desenhos e, conseqüentemente, em suas pinturas.
A imagem em perspectiva nos dá a impressão de que objetos estão
mais próximos ou distantes, semelhante às imagens tridimensionais que
nossos olhos captam.

Figura 24.7: Estudo de perspectiva, de Leonardo da Vinci, Renascimento.

Cada um de nossos olhos capta uma imagem de forma ligeiramente


diferente. O cérebro recebe essas imagens e as compõe em uma única
imagem tridimensional. É por isso que encontramos dificuldade em
perceber a profundidade de uma paisagem qualquer, se fecharmos um
de nossos olhos.

COMPOSIÇÃO

Os elementos apresentados ao longo das aulas, quando analisados


individualmente, não parecem ter grande importância. Mas, unindo os
mesmos, assim como fazem os artistas, podemos perceber que eles
ganham vida.
O artista parte de uma primeira idéia e, a partir dela, produz
estudos, esboços, ajustando os vários elementos da melhor forma
para atingir seu objetivo, seja ele dar harmonia à sua composição ou
justamente o contrário, causar perturbação ao espectador. Este trabalho
exige tempo, concentração e paciência, já que, muitas vezes, os estudos
não agradam e têm de ser repetidos diversas vezes.

38 CEDERJ
24
Assim, a união de linhas, luz, sombra, cores, perspectiva, dentre
outros elementos, contribuirá para que o artista seja bem-sucedido ou

AULA
não em sua composição e alcance o que almeja com sua obra.

CONCLUSÃO

Tomamos conhecimento dos elementos básicos das artes visuais.


O importante não é memorizá-los, mas ter consciência de que fazem
parte de uma linguagem e que, se forem utilizados de forma adequada,
farão com que a comunicação visual aconteça.

ATIVIDADE FINAL

Selecione uma obra em que a perspectiva seja facilmente percebida. Peça aos
seus alunos para identificarem onde o olhar do artista se situa com relação ao
que está sendo representado. Peça aos alunos que façam um desenho das linhas
convergentes que, na obra, dão a noção de perspectiva.

COMENTÁRIO
A atividade realizada trará aos alunos uma noção maior da organização
do espaço, profundidade, tridimensionalidade, fazendo-os perceber que
um artifício geométrico pode transmitir essas ilusões.

RESUMO

Foram apresentados os elementos formadores das linguagens visuais, culminando


na composição, que é a reunião de todos esses elementos, fazendo surgir uma
obra de arte. A seguir, temos um belo exemplo de composição, aliando cor, luz,
sombra, linha e outros elementos que a tornam uma grande obra de arte.

Figura 24.8: A criação de Adão, de Michelangelo Buonarroti.


(teto da Capela Sistina), 1508.

CEDERJ 39
25
AULA
A imagem no ensino da
Arte (parte 1)
Meta da aula
Demonstrar a importância da imagem e de sua
contextualização no ensino da arte.
objetivos

Esperamos que, após o estudo do conteúdo desta aula, você seja


capaz de:
• avaliar a importância da leitura contextualizada de imagens;
• explicar a influência dos processos de produção e de
interpretação da arte na sociedade;
• planejar estratégias de leitura contextualizada de imagens.
Artes na Educação | A imagem no ensino da Arte (parte 1)

INTRODUÇÃO Como a leitura da imagem de uma obra de arte pode ajudar um professor
a ensinar em sala de aula? A leitura da imagem de uma obra de arte pode
ser desenvolvida e incrementada, permitindo que o observador reúna
uma série de informações e significados a seu respeito, enriquecendo, assim,
seus conhecimentos.
Ao apreciar uma obra de arte, assistir a um filme, ler um livro, observar uma
pintura ou escultura, configura-se na mente uma série de pensamentos que
podem ser diferenciados, a cada vez que se repete a mesma atividade de ver
e observar a obra de arte. Percebe-se que cada pessoa, de acordo com seu
repertório cultural e seu modo de vida, consegue ver um filme, por exemplo,
e interpretá-lo de forma totalmente diferente de uma outra pessoa. Além
disso, essa mesma pessoa, assistindo ao mesmo filme, no dia seguinte ou em
outro momento, produz uma descrição com idéias bem diferentes das que
produziu quando o viu pela primeira vez.

AFINAL, O QUE É A LEITURA DE UMA IMAGEM?

A leitura de imagens consiste na observação e análise visual,


auditiva, tátil, sensorial e/ou por meio de outros sentidos de uma obra de
arte, com a posterior produção de uma análise descritiva. Inicialmente,
percebe-se a obra finalizada, o resultado do trabalho produzido pelo artista.
No momento seguinte, inicia-se uma investigação sobre os meios utilizados
pelo artista para produzi-la e, por último, buscam-se informações sobre
a vida do artista. Os passos acima diferem de intérprete para intérprete,
mas, nas aulas de Arte, é possível produzir um caminho para munir os
professores e seus alunos de informações e detalhes, visando à produção
de uma leitura mais aprofundada da obra, abordando novos detalhes e
novas informações.
As informações e os detalhes que um professor e/ou aluno
conseguem explorar em uma composição artística, por meio da
observação da imagem, são subjetivas, e, portanto, o papel do professor
consiste em respeitar a leitura produzida pelos alunos. Além disso, o
professor deve se preocupar em articular o saber artístico com a
construção de uma proposta de ensino de Arte voltada à formação do
cidadão, na qual se reconheça a Arte como produto do trabalho humano.
Para isso, é fundamental que os alunos compreendam o conhecimento
artístico-estético como expressão de uma generalidade humana, na qual a

42 CEDERJ
25
singularidade da forma e do conteúdo não tem um fim em si mesma, mas
remete o leitor da imagem à complexidade social da qual ela faz parte.

AULA
Assim, a imagem na sala de aula pode oferecer elementos de discussão que
não se restringem a um aspecto ilustrativo ou à visualidade aparente.

ATIVIDADE

1. A três de maio de 1808, cerca de 400 espanhóis, presos no dia anterior,


fforam executados pelos pelotões de fuzilamento das tropas francesas.
Repare na imagem a seguir e experimente analisá-la não no âmbito
meramente visual, mas considerando uma leitura mais aprofundada.
A tela que você vê a seguir foi concebida pelo
pintor romântico espanhol FRANCISCO GOYA. GOYA
Nasceu em
Visite o site http://goya.unizar.es/ e conheça
Fuentedetodos, uma
um pouco mais a obra de Goya.
vila muito pobre,
perto de Saragoça,
Espanha. Iniciou
sua aprendizagem
como pintor em
1759, aos treze
anos, com Don José
Luzan y Martinez.
Como era costume
na época, começou
fazendo cópias de
pinturas de vários
mestres. Durante sua
vida seus trabalhos
Figura 25.1: Fuzilamento, de Francisco Goya (1808). foram ficando cada
vez mais obscuros,
culminando em uma
COMENTÁRIO obra extremamente
O quadro representa o que a arte pode ter de mais crítica do ser
humano, o que
profundo de universalidade da representação de o tornou um dos
fatos. Podemos ver o desespero das pessoas que grandes pintores
serão executadas e a luz dramática que o artista da História
e o principal
faz incidir sobre os prisioneiros. Ao mesmo tempo, representante da
os soldados, movidos por um sentimento de culpa, escola romântica.
escondem os rostos. O desespero dos que estão
sendo executados é ainda mais acentuado pela dramaticidade da
luz empregada pelo pintor. Nota-se que, apesar de ser noite e de
a cena estar iluminada apenas por uma lanterna, a tela é bastante
iluminada onde se encontram as vítimas, ao contrário dos soldados,
que têm seu lado obscurecido.

CEDERJ 43
Artes na Educação | A imagem no ensino da Arte (parte 1)

A imagem pode criar horizontes interpretativos mais amplos, em


qualquer idade escolar.
Na educação infantil não se trata de proceder a uma análise
histórica, social ou estrutural aprofundada, mas de ampliar os referenciais
e oferecer opções para a construção de novas interpretações. Nessa fase,
podem ser oferecidas as bases para identificação de estruturas e formas
que possibilitem a expressão crítica do aluno para além dos estereótipos
e da imagem da mídia. Também no Ensino Fundamental é importante
oferecer uma compreensão da arte como expressão do homem, de seus
valores, sua cultura, seus costumes, em tempos e lugares distintos.
No Ensino Médio, cabe-nos desfazer, gradativamente, a idéia de arte
como arremedo de artesanato, com finalidade de retorno financeiro, ou da
arte como ocupação para o jovem em situação de “desvios de conduta”, ou
ainda, a arte como integradora de disciplinas. É importante confrontar essas
e outras práticas, com a possibilidade de oferecer uma formação abrangente
voltada para o exercício da cidadania e a construção de uma identidade.
Ao professor do ensino de Arte está proposto o desafio de orientar
seus alunos para uma leitura contextualizada de imagens e de uma
compreensão abrangente dos processos de produção e interpretação da
Arte e cultura em nossa sociedade.
A experiência artística, aqui, não se restringe à questão da
informação, visto que temos mais informações em nosso meio do que
as que “vemos”. Requer, também, o direcionamento do olhar, ou seja,
torna-se uma necessidade, hoje, contar outras histórias, a partir de outros
olhares: do negro, do presidiário, do homem, da mulher, da criança, entre
outros. Assim, representa um desafio para o arte-educador auxiliar o aluno
a estabelecer relações, não apenas de caráter formal (quando percebe em
diferentes imagens a presença de elementos comuns – a intertextualidade),
mas de caráter social, percebendo sua condição de cidadão.
Neste sentido, espera-se que o profissional para o ensino de Arte
compreenda o produto artístico a partir de seu processo de produção, sua
contextualização histórica e sua relação de uso e recepção na sociedade.
A produção artística é constituída de significados. No caso das
artes visuais, o objeto artístico é a imagem. Esta, como produto do
trabalho humano, está relacionada à multiculturalidade e ao homem em
lugares e tempos distintos. Para tanto, é importante oferecer aos alunos os
fundamentos necessários para uma leitura abrangente de mundo, na qual seja

44 CEDERJ
25
possível compreender o objeto artístico relacionado às questões apresentadas
em cada momento histórico, em especial, àquelas de nosso próprio tempo e

AULA
lugar (questões de gênero, etnia, economia, classe social etc.).
A contextualização é um pressuposto necessário à leitura crítica
da imagem. É necessário analisar a produção, assim como a distribuição
e o consumo das imagens, para que se tenha condições de compreendê-
las de forma abrangente. Essa necessidade se impõe, principalmente na
atualidade, devido à grande força com que as imagens penetram em
nosso cotidiano e pela sua produção massiva na sociedade capitalista,
na propaganda, no cinema, em outdoors e outras formas.
No caso da publicidade, caberia perguntar: Quem faz? Para quem
faz? Com que objetivos? Quem recebe? Como o leitor delas se apropria
(passiva ou ativamente)?

Figura 25.2: Publicidade.

O contexto também passa por aquilo que o aluno vê: as informações


que recebe em seu meio, o “olhar dirigido” que recebe na escola, as relações
que estabelece entre as imagens, seu processo de produção e suas próprias
vivências e o cruzamento de informações que faz com outras imagens, outras
vivências, outras culturas, outras faces da mesma realidade. Uma condição
necessária à leitura crítica da imagem reside em desvelar as mediações que a
constituem. Assim, lemos as obras de arte como expressão da generalidade
humana, que são atuais em qualquer tempo, e também podemos ler
imagens efêmeras, produtos da mídia contemporânea, que se direcionam à
movimentação da engrenagem do consumo capitalista. As imagens, assim,
são compreendidas como uma particularidade. O caráter pedagógico da
leitura da imagem em sala de aula reside em fazer rupturas com a imagem
coisificada e de consumo, com a superficialidade e com a aparência, levando
o aluno a se perceber em sua condição.

CEDERJ 45
Artes na Educação | A imagem no ensino da Arte (parte 1)

É importante buscar a origem da imagem, compreendendo-a como


produto do trabalho humano, falando, por exemplo, da vida do artista.
Além disso, outros pontos são importantes, como: localizar a obra no
espaço e no tempo; identificar suas possíveis missões sociais; percebê-la
como representação do artista inserido na sociedade e na trajetória da
humanidade; identificar a obra como expressão de um mundo exterior
e interior, do universal e do singular.
O planejamento e o tempo dedicados à análise são aspectos a serem
levados em consideração, pois não se trata de uma divagação sobre o
aparente. São necessárias investigações sobre o contexto da produção
da obra, sobre a sua presença e distribuição na sociedade, bem como
um conhecimento prévio do leitor – no caso, o aluno –, seu tempo, suas
vivências e seus interesses.
A contextualização da imagem em sala de aula diz respeito tanto à
obra e seu autor (artista) quanto ao aluno (leitor/intérprete), sua vivência
social, seu conhecimento estético. Que imagens são disponíveis aos alunos?
Que imagens fazem parte do seu contexto de vida (tempo histórico, classe
social)? Como posso ampliar o referencial básico de que os alunos já dispõem
para ler essas imagens? Que intertextualidade posso construir a partir da
obra desse artista e de outros acontecimentos artístico-culturais e sociais?

CONCLUSÃO

A imagem no ensino da arte é de extrema importância para a


formação do indivíduo. O professor de Arte deve orientar e promover uma
leitura abrangente e crítica de imagens e, sobretudo, ampliar os referenciais
imagéticos dos alunos, sem usar a imagem apenas como ilustração. Neste
novo campo de pesquisa para a Educação e a Comunicação, a imagem
passa a ser vista como importante elemento de (in)formação e, por isso,
espaço para o estudo de seu potencial pedagógico.

46 CEDERJ
25
ATIVIDADE FINAL

AULA
Observe a tela a seguir. Você reconhece essa obra? Trata-se de
PABLO RUIZ
Guernica, uma das principais obras do gênio espanhol PABLO PICASSO
PICASSO. Que sentimentos essa obra pode estar representando? (Málaga, 25 de
outubro, 1881
Por que ela é pintada em preto-e-branco? Além de responder a – Mougins, 8 de
essas perguntas, tente extrair o máximo possível de informações abril, 1973). Foi
reconhecidamente
sobre essa obra no contexto meramente visual, e no contexto um dos mestres
da Arte no século
cultural/social. XX. É considerado
um dos artistas
mais famosos
Visite os sites abaixo e descubra novas informações sobre e versáteis do
o artista, sua vida e sua obra? mundo todo, tendo
http://www.picasso.fr/ criado milhares
de trabalhos, não
http://www.pintoresfamosos.com.br/?pg=picasso
somente pinturas
http://www.abcgallery.com/P/picasso/picasso.html
mas também
http://www.pintoresfamosos.com.br/?pg=picasso
esculturas, cerâmica;
enfim, usou todos os
tipos de materiais.

Figura 25.3: Guernica, de Pablo Picasso (1937).

Guernica está em exposição no Museu Nacional Centro de Arte Rainha Sofia, em


Madri. Nela, o artista retrata, de maneira muito peculiar, a cidade basca de Guernica,
após bombardeio pelos aviões da Luftwaffe de Adolf Hitler.

Na Segunda Guerra Mundial, Picasso continuou vivendo em Paris durante a


ocupação alemã. Tendo fama de simpatizante comunista, era alvo de controles
freqüentes pelos alemães. Durante uma revista do seu apartamento parisiense, um
oficial nazista observou uma fotografia do mural Guernica na parede e, apontando
para a imagem, perguntou: “Foi você quem fez isso?” E Picasso respondeu, após um
segundo de reflexão: “Não, vocês o fizeram...”

CEDERJ 47
Artes na Educação | A imagem no ensino da Arte (parte 1)

COMENTÁRIO
O acontecimento que inspirou esse conhecido quadro foi a própria cidade
de Guernica, que, em 26 de abril de 1937, foi alvo de bombardeios
por parte de aviões alemães, por ordem do general Franco. Dos 7.000
habitantes, 1.654 foram mortos e 889, feridos. O mural de Picasso
constituiu uma visão profética da desgraça.

APRENDENDO A LER IMAGENS EM SALA DE AULA

Alguns questionamentos podem estabelecer uma relação entre


o produto artístico e um saber filosófico, histórico, social, ecológico,
psicológico, literário, entre outros, o que significa, de alguma maneira,
uma compreensão do fenômeno artístico pela via interdisciplinar. Algumas
perguntas podem ser formuladas no sentido de desencadear a reflexão,
por exemplo: Qual o uso da imagem? Quando e onde foi produzida?
O que vejo nela? Quem são os personagens (sua identidade profissional,
de gêneros, étnica, idade etc.) ou ambiente (urbano, natureza, poluição)
representados? Qual a expressão (catártica) identificável nesta obra? Que
influências o artista pode ter sofrido, na construção de seu traço e na
definição temática de sua obra? Quais são o traço e o tema/conteúdo e
a forma distintivos da obra?
Provavelmente, as discussões em sala de aula se iniciam sobre o
visível da imagem: a cor, a forma e os elementos de percepção imediata.
A contextualização precisa ser trabalhada a partir da orientação do
professor de Arte, abrangendo desde a estrutura aparente (roupas,
pessoas, ruas) até a superestrutura: classe social, consumo cultural,
interesses políticos, questões ecológicas.
Selecionar imagens é importante para que ocorra um estudo
no sentido da cultura visual. Algumas características das imagens
podem, desta forma, ser destacadas. Por estarem abertas a múltiplas
interpretações, as imagens podem se referir à vida das pessoas, expressar
valores estéticos, permitir, enfim, que o espectador pense.

48 CEDERJ
25
RESUMO

AULA
As reflexões sobre as imagens em sala de aula têm como ponto de partida os aspectos
meramente visuais, mas, num segundo momento, devem buscar a contextualização.
Para isso, o professor deve promover uma orientação segura de seus alunos no
sentido de aprofundar a análise das obras de arte, passando da apreciação de sua
estrutura aparente à superestrutura, que inclui aspectos como: consumo cultural,
interesses políticos, questões ecológicas etc. Ao realizar uma leitura crítica das
imagens, o aluno pode ver ampliados os seus referenciais imagéticos.

CEDERJ 49
26
AULA
A imagem no ensino da
Arte (parte 2)
Meta da aula
Demonstrar a importância da imagem no ensino da
arte e do contexto social na análise da obra de arte.
objetivos

Esperamos que, após o estudo do conteúdo desta aula,


você seja capaz de:

• definir a obra de arte como objeto significativo;


• relacionar os acontecimentos da vida do artista
à sua obra.
Artes na Educação | A imagem no ensino da Arte (parte 2)

INTRODUÇÃO Podemos extrair muito mais de uma obra de arte do que, simplesmente, o
juízo de valor do observador. A história de vida do artista, suas experiências
culturais, onde viveu, o que vivenciou, tudo isso é relevante no momento da
realização de uma obra. Picasso pintaria Guernica (Aula 25, Figura 25.3), se
não fosse espanhol? E Van Gogh pintaria do mesmo modo, sem sua inquietação
emocional? Não podemos desvincular a vida dos artistas de suas obras, pois
todo o tempo eles são influenciados pelos acontecimentos vividos.

A obra de arte, desde os seus primórdios, esteve intimamente ligada


ao figurativo, à representação da realidade tal qual ela é. Com o advento
da câmera fotográfica, que reproduz a realidade como cópia fiel, não se
fez mais necessário o uso da pintura para tal fim. Os artistas puderam
sugerir outras finalidades para a arte. Assim, surgiu o impressionismo,
protagonizado pelos artistas Claude Monet, Édouard Manet, Auguste
Renoir, Camille Pissarro.
Preocupados em estudar os problemas da luz, idealizaram uma
VINCENT VAN
obra sem uma preparação prévia, produzida ao ar livre, já que tentavam
GOGH
Filho de pais
captar a incidência do sol sobre a natureza, em diferentes horas do dia,
protestantes, o que exigia que a obra fosse feita de maneira rápida, sem esboço e sem
o artista nasceu
numa pequena traços definidores.
vila holandesa, em
1853. Faleceu em Esses artistas, sentindo-se marginalizados com a indiferença da
1890, com apenas sociedade em relação ao seu trabalho, permaneciam descontentes com as
trinta e sete anos;
apesar de uma vida finalidades e os métodos da arte que efetivamente agradava ao público.
curta, representou
um marco para a Uma sociedade que atribui ao trabalho de arte a finalidade exclusiva do
história da arte.
lucro não pode senão rejeitar aqueles que, preocupados com a condição
Durante sua vida, o
artista apresentou e o destino da humanidade, trazem à tona suas verdades. Nesse campo,
distúrbios psíquicos,
cortou parte de sua podemos citar três artistas que, de fato, não se enquadraram em nenhum
orelha e cometeu
suicídio, no auge
movimento artístico, contudo se tornaram um marco na história da arte.
de sua criatividade. São eles: Paul Cézanne, Paul Gauguin e VINCENT VAN GOGH.
Mesmo assim,
deixou mais de mil
pinturas e desenhos
extraordinários.
Van Gogh não estava
interessado em pintar
apenas uma cena,
mas em expressar
seus sentimentos
mais profundos. Para
ele, a pintura possuía
uma expressão
quase religiosa.

52 CEDERJ
26
AULA
Figura 26.1: Noite estrelada, de Vincent Van Gogh (1889).

Visite os sites abaixo e conheça um pouco mais sobre Van


Gogh:
www.vangoghmuseum.nl
www.vangoghgallery.com
www.historiadaarte.com.br/vangogh.html

ATIVIDADE

Observe a Figura 26.1, Noite estrelada, de Van Gogh. Vamos analisá-la


cuidadosamente. Primeiramente, descreva o que você vê na pintura. Em
seguida, perceba como Van Gogh organizou as sombras, as formas e o
espaço. A partir da leitura da tela, reflita sobre as relações entre a vida do
artista, seu comportamento intempestivo e os aspectos de sua obra. Que
efeito expressivo lhe proporcionam as sombras maiores? Que tipos de
ritmos (como é a pincelada, o movimento do desenho) Van Gogh utilizava?
Qual ritmo predomina na obra? Que área apresenta mais movimento?

COMENTÁRIO
É certo que, nessa análise, não poderemos desvincular a biografia
de Van Gogh de sua obra. Durante toda sua vida, Van Gogh teve
acessos de loucura. Podemos perceber que parte desses acessos
de loucura foram canalizados para suas obras. As pinceladas, o
movimento e as cores, em sua pintura, nos transmitem sentimentos
inquietos, perturbadores.

CEDERJ 53
Artes na Educação | A imagem no ensino da Arte (parte 2)

Agora, podemos fazer uma leitura comparada da pintura Noite


KATSUSHIKA
HOKUSAI estrelada (Figura 26.1), de Van Gogh, e da gravura Grande onda
(1760-1849) (Figura 26.2), de HOKUSAI.
Pintor, gravador e Sabe-se que, em 1886, Van Gogh mudou-se para Paris para morar
ilustrador de livros
japoneses, que com seu irmão Theo. Durante esse período, ele tomou conhecimento do
interessado em todos
movimento impressionista e se deixou influenciar por suas cores, assim
os aspectos da vida,
produziu dezenas de como pelos diferentes estilos das gravuras japonesas.
milhares de obras,
entre desenhos,
gravuras, pinturas. Na gravura, o artista trabalha uma matriz de metal, pedra, madeira, linóleo ou seda
Exerceu grande com o propósito de imprimir, geralmente em papel, a imagem criada em tiragem de
influência na arte exemplares idênticos, e feita diretamente da matriz, pelo artista ou por impressor
ocidental, sobretudo especializado, mas sob sua orientação. A gravura apresenta quatro vertentes
por meio de Van técnicas principais: litografia (pedra), xilogravura (madeira), gravura em metal e
Gogh, Edgar Degas, serigrafia (seda).
Toulouse Lautrec,
Claude Monet e Paul
Gauguin.

Figura 26.2: A grande onda de Kanagawa, Katsushika Hokusai


(1823-29).

Em Noite estrelada, temos, em primeiro plano, à esquerda, um


enorme cipreste que quase toca o alto da tela. Em segundo plano, há uma
cidade com casas às escuras e pouca luz ao redor da igreja. Em seguida,
vemos montanhas e, depois, um céu com movimentos ondulatórios, cheio
de estrelas e, à direita, uma lua bastante iluminada.
Em Grande onda, no primeiro plano, uma onda média encobre
parte de um barco. Em seguida, à esquerda, temos uma onda que quase
toca a parte de cima do quadro. Ao fundo, temos um outro barco ao
sabor das ondas. É o próprio movimento da onda que nos faz enxergar
o monte Fuji, ao fundo, assim como é o próprio movimento do céu,
em Noite estrelada, que nos faz reparar na cidade. Se compararmos a
estrutura das duas obras, ambas parecem estar divididas por uma linha
transversal mais elevada, à direita.

54 CEDERJ
26
AULA
Figura 26.3: Síntese da estrutura das obras.

Tanto em uma quanto em outra o que acontece na metade acima


do quadro parece ser mais importante do que o que acontece abaixo. Na
obra de Van Gogh, o que cresce à esquerda é o cipreste (Figura 26.4);
na de Hokusai, é a onda (Figura 26.5). O que chama mais atenção na
obra de Van Gogh é uma onda existente no céu que se assemelha, em
estrutura, à onda de Hokusai. Podemos comparar, também, a força de
expressão e tensão presentes, tanto na onda como no céu, que acabam
por tornar os barcos e a cidade temas secundários nas obras.

Figura 26.4: Estrutura - Noite estrelada.

Figura 26.5: Estrutura - A grande onda


de Kanagawa.

CEDERJ 55
Artes na Educação | A imagem no ensino da Arte (parte 2)

Peça aos alunos que façam um desenho ou pintura (lápis de cor,


giz de cera, guache...) a partir das imagens discutidas e analisadas na aula
(Figuras 26.1 e 26.2), levando em consideração a estrutura, o movimento,
a cor e a mensagem contidas nas obras de Hokusai e Van Gogh.
Nessa proposta é fundamental o aluno perceber, visualmente, que
o modo de fazer arte também revela conteúdo. Por isso, a percepção dos
materiais, das técnicas, das formas deve levar à leitura do conteúdo, de
modo a fundir tudo num só bloco.
Todo artista tem suas influências, aprende com outros artistas. Por
exemplo, é fato histórico que Van Gogh teve contato com as gravuras
japonesas, no período em que morou em Paris. Podemos perceber,
contudo, a singularidade do artista frente ao que estava em voga no
âmbito da arte, da metade ao final do século XIX e início do XX. Três
artistas, sendo Van Gogh o de maior destaque, rebelaram-se contra o
sistema das artes e fizeram seus próprios movimentos.
Desvinculados da representação ideal, devido ao surgimento da
fotografia, Cézanne, Gauguin e Van Gogh trouxeram outros problemas
para o campo da arte. Van Gogh, em especial, colocou em suas telas toda
a sua inquietação diante da vida. Notamos isso em Noite estrelada, na
movimentação do céu (estrelas, lua, nuvens), das montanhas, do cipreste.
Como você percebeu, essa é uma obra que tem como foco principal o
movimento.
Van Gogh, Cézanne e Gauguin trouxeram para a arte os sentimentos
humanos, a história de vida do artista, os acontecimentos mundiais, agora,
não só como representação, mas como meio de refletir sobre os problemas
do mundo e do homem. Esses três homens foram um marco para a história
da arte. Antes, ela era pura e simplesmente figurativa, depois se abriu
numa gama infinita de possibilidades, indo desaguar na total abstração
da pintura e, posteriormente, na arte contemporânea.

CONCLUSÃO

O objetivo geral da leitura de obras de arte consiste em valorizar


a expressão singular do aluno, desenvolvendo sua percepção visual e
imaginação criadora para que ele se sinta indivíduo integrante da cultura.
Para desenvolver a percepção visual e a imaginação criadora dos alunos,
é preciso ampliar o seu repertório de leitura e construção da imagem do

56 CEDERJ
26
mundo, através das imagens de obras de arte; e, para tal, a visita orientada
a museus e galerias de arte deve ser incentivada nas escolas. É importante

AULA
apresentar a obra de arte como objeto significativo, vinculado às leituras
de mundo do artista, em um determinado tempo, lugar e espaço.

ATIVIDADE FINAL

A partir da análise e discussão das imagens apresentadas nesta aula (situando as


mesmas no tempo e no contexto histórico), peça a seus alunos que façam uma
releitura, a partir de um desenho ou pintura (com guache, giz de cera, lápis de
cor, hidrocor etc.), de uma das duas obras.

COMENTÁRIO
Com esse exercício, o aluno terá uma abordagem sobre história,
exercitará a análise interpretativa e praticará o trabalho prático.
A presença de duas obras permite ao aluno a livre escolha, o que facilitará
sua expressão individual. É importante que o professor não exija uma
representação fiel, e, sim, que façam da obra um suporte interpretativo.

RESUMO

Devido a um acontecimento histórico (o surgimento da máquina fotográfica),


o modo de ver e pensar a arte se modificou. A arte, que antes era meramente
retiniana, passou a ter uma função social. Ao refletir as angústias dos artistas,
tornou-se mais crítica em relação ao mundo.

CEDERJ 57
27
AULA
O vídeo no ensino da Arte
Meta da aula
Demonstrar a eficiência do vídeo
como veículo de aprendizagem.
objetivos

Esperamos que, após o estudo do conteúdo desta aula,


você seja capaz de:

• listar possibilidades de leitura de obras de arte por


meio da imagem móvel;
• avaliar a relevância do uso do vídeo nas aulas de
Artes Plásticas.
Artes na Educação | O vídeo no ensino da Arte

INTRODUÇÃO A abordagem triangular do ensino propõe um currículo que interligue


o fazer artístico, a história da arte e a análise da obra de arte de maneira que
o desenvolvimento, as necessidades e os interesses dos alunos sejam respeitados.
Nesta aula, analisaremos a importância do emprego do vídeo, ou seja, de
imagem móvel, nas aulas de Artes Plásticas.

A introdução da linguagem do vídeo em sala de aula é facilitada,


devido à familiaridade que a maioria da população brasileira tem com
a televisão. A inserção do vídeo nas aulas de Arte permitiu acesso ao
mundo da arte, antes, praticamente inexistente, já que muitos alunos não
costumam ter a possibilidade de irem a museus e centros culturais e as
imagens presentes nos livros didáticos geralmente ficam comprometidas
pelo processo de impressão gráfica.
Imagens de boa qualidade no ensino da Arte possibilitam aos
alunos uma melhor visão, adequada interpretação e correto julgamento
do que lhes é apresentado. O vídeo ainda possui a vantagem de tornar
disponíveis informações visuais e verbais.
São várias as funções da linguagem do vídeo: reunião de diferentes
informações, exploração de recursos técnicos referentes ao movimento,
à sonoridade, ao tempo e à documentação. O vídeo, além de todos esses
recursos, permite aos alunos acompanhar o desenvolvimento do fazer
artístico, assim como o comportamento do artista durante o ato criador.
A descoberta de como ocorre o processo artístico proporciona um maior
envolvimento do estudante com seu próprio trabalho.

Figura 27.1: Jackson Pollock: Lavender Mist: Number 1, 1950.

60 CEDERJ
27
A produção de Jackson Pollock (Figura 27.1), por exemplo, pode ser
redimensionada, quando o suporte do vídeo é usado. Seu processo produtivo,

AULA
inserido na corrente da action painting, é sensivelmente mais explicitado, se
demonstrado por meio da imagem móvel, já que, nessa corrente artística, o
movimento por sobre a obra é essencial para o seu feitio.

As principais características da action painting (estilo norte-americano), também


conhecida como expressionismo abstrato, eram a revolta contra a pintura tradicional, a
crítica à sociedade contemporânea, a liberdade e a espontaneidade. Jackson Pollock foi
um dos precursores da action painting. Outros representantes dessa tendência são Philip
Guston, Willem de Kooning e Clyfford Still.

Acesse o site oficial – http://www.sonyclassics.com/pollock


– e conheça o filme Pollock, do diretor Ed Harris. Nele, temos a
oportunidade de aplicação da metodologia triangular (Figura 27.2), já
que nos permite abordagens nos âmbitos do fazer artístico, da História
da Arte e da leitura da obra de arte.

ATIVIDADE

1. Pollock, fiel à história do artista plástico, descreve de forma satisfatória


um período da História da Arte, da vida do artista, sua obra e seu processo
artístico.

Filme Pollock

Fazer artístico História da Arte Análise da obra


de arte

Figura 27.2: Aplicação da metodologia triangular no filme Pollock.

CEDERJ 61
Artes na Educação | O vídeo no ensino da Arte

Assista ao filme com seus alunos. Após discussão e análise de seu conteúdo
(a obra do artista, o contexto histórico, o processo de produção da obra),
procure mostrar imagens de obras de Jackson Pollock. Tais imagens servirão
para dar um panorama da obra e, ainda, fazer uma comparação entre a
absorção de imagens móveis e imagens estáticas. O que é mais atrativo
para os alunos e o que os faz aprender e apreender melhor o conteúdo?
Com o vídeo e as imagens como material de suporte para a apreensão
da obra de Pollock, pode-se desenvolver uma atividade prática. Por meio
das leituras que foram feitas das obras e do modo de produzir do artista,
propor aos alunos que, em um suporte, que pode ser o papel kraft, façam a
própria leitura do que apreenderam visualmente. Deve-se ter à disposição
tintas e pincéis para o desenvolvimento da atividade.

Conheça a vida e a obra de Jackson Pollock nos sites:


http://www.jacksonpollock.org
http://www.ibiblio.org/wm/paint/auth/pollock
http://www.nga.gov/feature/pollock/pollockhome.html
http://www.artcyclopedia.com/artists/pollock_jackson.html
http://www.beatmuseum.org/pollock/jacksonpollock.html

RESPOSTA COMENTADA
Certamente, você concluiu que a apresentação de imagens móveis e
estáticas permite um amplo repertório visual aos alunos, possibilitando
o desenvolvimento, tanto teórico quanto prático, em relação às Artes
Plásticas. Além disso, a presença do vídeo desperta maior interesse
por parte dos alunos, pois concilia imagem móvel e áudio, tornando
a aula mais atrativa e dinâmica.

Figura 27.3: Ed Harris como o artista plástico Jackson


Pollock, em cena da cinebiografia.

62 CEDERJ
27
COMO USAR O VÍDEO EM SALA DE AULA

AULA
O vídeo aproxima a sala de aula do cotidiano e da comunicação
da sociedade urbana. Estando intimamente ligado à televisão e,
conseqüentemente, ao lazer, esse meio de se apresentar uma aula modifica
a recepção do aluno e sua expectativa em relação ao aprendizado, sendo
uma ótima fonte de informações, já que é dotado de superposições de
códigos e significados.
Vale ressaltar que o vídeo, assim como qualquer atividade apresentada
em sala de aula, deve ser utilizado de maneira adequada para que não perca
seu valor. Não se deve usar essa linguagem como “tapa buraco”, devido à
ausência de um professor ou vídeos sem ligação com a proposta do curso
ou, ainda, torná-lo o único meio da abordagem nas salas de aula.
O vídeo deve ser usado como forma de introdução a um
determinado assunto, para despertar curiosidade no aluno; como
aprofundamento dos conteúdos ou suporte ilustrativo, por exemplo, de
uma produção artística.
Após a exibição de um vídeo, deve-se discutir com o grupo a idéia
principal transmitida e os aspectos mais relevantes no âmbito visual ou
sonoro.
O vídeo se torna peça-chave para a compreensão de trabalhos de
arte em que o movimento e a interatividade do espectador são essenciais
HÉLIO OITICICA
para a realização da obra, como ocorre no caso dos parangolés de Hélio
(Rio de Janeiro, 26
Oiticica, de que falaremos adiante. de julho de 1937-
Rio de Janeiro,
22 de março de
OITICICA E A ARTE INTERATIVA: UMA EXPERIÊNCIA 1980). Artista
plástico brasileiro, é
PIONEIRA DE MOVIMENTO E CRIAÇÃO considerado um dos
mais revolucionários
O parangolé de HÉLIO OITICICA pode ser descrito como uma escultura de seu tempo e sua
obra experimental
em movimento, tendo o espectador como essencial para que a obra e inovadora é
reconhecida
“aconteça”. Pode ser uma espécie de capa, ou bandeira, estandarte ou internacionalmente.
tenda, que só mostra plenamente seus tons, cores, formas, texturas e Em 1959, fundou o
Grupo Neoconcreto,
grafismos, e os materiais com que é executado (tecido, borracha, tinta, ao lado de artistas
como Amilcar de
papel, vidro, cola, plástico, corda, palha), a partir dos movimentos de Castro, Lygia Clark
alguém que o vista. O parangolé tem o efeito de “liberar a pintura e Franz Weissmann.
Na década de 1960,
dos seus antigos liames”. Mas a pintura do parangolé já não é só Hélio Oiticica criou
o parangolé, que
– nem principalmente – pintura. Trata-se de algo que, em determinado chamava de “antiarte
por excelência”.
momento, Oiticica descreveu como “transobjeto”. Feito com as mais

CEDERJ 63
Artes na Educação | O vídeo no ensino da Arte

diversas técnicas, o parangolé utiliza diversos materiais que, no entanto,


parecem se esquecer do sentido de suas individualidades originais ao se
refundirem na totalidade da obra. O parangolé não pode ser exposto
como uma pintura convencional. Ele deve ser não apenas visto, mas
tocado; e não apenas tocado, mas vestido. O corpo compõe com o
parangolé que veste uma unidade sempre nova. Como disse Oiticica, “o
ato de vestir a obra já implica uma transmutação expressivo-corporal do
espectador, característica primordial da dança, sua primeira condição”.
Além de ser um dos pioneiros no âmbito da arte interativa, o artista,
por meio de seus parangolés, rompe com os suportes tradicionais da
escultura e da pintura.

CONCLUSÃO

O vídeo é mais um recurso para o desenvolvimento perceptivo dos


alunos nas aulas de Artes Plásticas. Por meio dele, pode-se apresentar,
de melhor maneira, a metodologia triangular, explicitando mais
profundamente o campo teórico e permitindo maior desenvoltura na parte
prática. Além disso, o vídeo torna as aulas mais atrativas e proporciona
uma maior aproximação do aluno com as Artes Plásticas, principalmente
para aqueles que não têm acesso a museus e centros culturais.

ATIVIDADE FINAL

Selecione, na internet, imagens dos parangolés de Hélio Oiticica e mostre-as aos


alunos. Explicite como eram feitos os parangolés, ressaltando a importância da
interatividade espectador-obra. Após situá-los em um contexto teórico, proponha
que façam os próprios parangolés. Para isso serão necessários materiais como
cola, tesoura, retalhos de tecido, plástico, papel, tinta, entre outros. Feitos os
parangolés, os alunos poderão vestir os mesmos e trocar com seus colegas de
classe, experimentando todos.

64 CEDERJ
27
AULA
Figura 27.4: Capa do livro Marginália: arte e cultura na
idade da pedra de Marisa Alvarez Lima (Caetano Veloso
usando um parangolé de Hélio Oiticica).

Conheça a vida e a obra de Hélio Oiticica nos sites: www.pitoresco.com.br/brasil/oiticica/oiticica.htm


www.itaucultural.org.br/aplicExternas/enciclopedia/ho/home/dsp_home.cfm
http://www.artnet.com/artist/23058/helio-oiticica.html
http://www1.uol.com.br/bienal/24bienal/nuh/enuhoiticic01.htm
http://vejinha.abril.com.br/red/galerias_vejinha/helio_oiticica/
http://www.galerielelong.com/artists/estate-of-helio-oiticica/images.php
Se quiser aprofundar seu conhecimento sobre a obra desse pioneiro da arte interativa, leia:
OITICICA, Hélio. Aspiro ao grande labirinto, Rio de Janeiro: Rocco, 1986.

COMENTÁRIO
A atividade permite que os alunos, além de exercitarem o senso estético
e prático nas Artes Plásticas, experimentem, nos próprios corpos, as
sensações que os parangolés de Hélio transmitem.

RESUMO

O vídeo é apresentado como alternativa para as aulas de Artes Plásticas e para o


uso da metodologia triangular de ensino, que propõe um currículo que articule
o fazer artístico, a História da Arte e a análise da obra de arte. A imagem móvel
permite uma maior compreensão da História da Arte e do fazer artístico.

CEDERJ 65
28
AULA
Leitura de imagens
Meta da aula
Apresentar imagens que possibilitem uma
leitura diferenciada de obras de arte.
objetivos

Esperamos que, após o estudo do conteúdo desta aula,


você seja capaz de:

• definir as finalidades da arte;

• identificar os recursos estéticos utilizados na pintura;

• explicar o significado dos efeitos estéticos


provocados pelos elementos pictóricos.
Artes na Educação | Leitura de imagens

INTRODUÇÃO Ao exercitar o olhar, podemos compreender as imagens e lê-las como um texto


visual. Basta instrumentalizar nossa visão para que as leituras se tornem mais
acessíveis e mais ricas. As imagens, assim como a escrita, podem representar
cenas ou situações históricas, fictícias, transcendentais.

Figura 28.1: Le Moulin de la Galette, de Auguste Renoir (1876).

AUGUSTE RENOIR RENOIR, na tela Le Moulin de la Galette, nos oferece uma cena
Nasceu em Limoges, narrativa. Algumas pessoas dançam num baile, numa tarde de sol,
em 25 de fevereiro de
1841. O pai era um enquanto outras, em primeiro plano, se divertem, conversando e
alfaiate que se mudou
bebendo. Geralmente, no Impressionismo, as telas eram pintadas ao ar
para Paris, onde o jovem
artista, aos quatorze livre para que o artista pudesse capturar melhor as nuances da natureza.
anos, entrou como
aprendiz numa firma de Os artistas, utilizando pinceladas soltas, tornavam a luz e a cor os
pintores de porcelana.
Seu talento natural para
principais elementos da composição.
as cores recebeu nova Na pintura de Renoir, podemos perceber que, inclusive, suas
direção quando ele
passou nos exames para sombras são iluminadas, contendo tons mais claros do que os de costume.
a Ecole des Beaux-Arts,
ingressando no ateliê Utilizando-se, basicamente, de azuis, verdes e amarelos, tornam suas
Charles Gleyre, onde sombras mais claras e “iluminadas” (geralmente, para fazer sombras,
conheceu outros jovens
pintores que, mais tarde, os artistas utilizam cores ocres, cinza, marrons, pretas).
seriam rotulados de
impressionistas.

68 CEDERJ
28
AULA
Figura 28.2: Nº. 1, de Jackson Pollock (1949).

O que você vê ou sente ao apreciar a tela de Jackson Pollock


(Figura 28.2)? A pintura de Pollock, um dos precursores da action
painting, assim como a maioria das pinturas abstratas, nos remete
a uma ausência. Por não representar nada concreto, permite que o
espectador imagine e talvez defina o que lhe vem em imagens mentais,
podendo representar, inclusive, algo imaterial. Como na tela está presente
a gestualidade do pintor, é possível que nos transmita um sentimento.

As principais características da action painting (estilo norte-americano), também


conhecida como expressionismo abstrato, eram a revolta contra a pintura
tradicional, a crítica à sociedade contemporânea, a liberdade e a espontaneidade.
Jackson Pollock foi um dos precursores da action painting. Outros representantes
dessa tendência são Philip Guston, Willem de Kooning e Clyfford Still.

ATIVIDADE

1. Um dos aspectos mais curiosos ligados à personalidade de Pollock, precursor


da action painting, era a maneira como realizava suas obras: estendia a tela
no chão, utilizando-se de varas, facas, colheres de pedreiros, gotejamento de
líquidos e até areia, com a finalidade de tornar-se parte integrante de sua obra
e fazer com que “a vida” da pintura “viesse à tona”. Se for possível, experimente
propor aos alunos a seguinte atividade: pegue uma lata (de achocolatado
ou leite em pó), coloque tinta até a metade e faça um furo embaixo da lata.
Em um grande papel pardo ou kraft colocado no chão, todos irão fazer uma
pintura coletiva por meio dos movimentos feitos com a lata.

COMENTÁRIO
Neste exercício, será ressaltada a gestualidade dos alunos. Você
poderá verificar uma forte interação entre os mesmos e as obras, já
que poderão ficar e caminhar em cima da obra para realizá-la.

CEDERJ 69
Artes na Educação | Leitura de imagens

TINTORETTO
Nome pelo qual era
conhecido Jacopo
Robusti, nascido em
Veneza em 1518.
Foi, provavelmente,
o último grande Figura 28.3: São Jorge e o dragão, de
pintor da Renascença Tintoretto (1555-58).
Italiana. Por sua
energia fenomenal ao
pintar, foi chamado A pintura de TINTORETTO nos apresenta uma cena mítica. São Jorge
“Il Furioso” e sua
dramática utilização está matando o dragão que, como podemos perceber, fez uma vítima
da pespectiva e dos
e afugentou outra que vem em nossa direção, como se estivesse saindo
efeitos da luz tornou-o
um dos precursores do quadro. Na parte superior da tela, Deus observa a ação de São Jorge
do Barroco. Seu pai,
Battista Robusti, era como que o abençoando ou iluminando sua batalha.
tintore (tingia seda),
o que lhe valeu o
apelido.

JACQUES-LOUIS
DAVID
Nascido em 30 de
agosto de 1748,
foi o mais
característico
representante do
Neoclassicismo.
Esse pintor francês
controlou durante
anos a atividade
artística francesa, Figura 28.4: Marat assassinado, de Jacques-Louis
sendo o pintor oficial David (1793).
da Corte. Entre
seus quadros mais
famosos estão
O retrato de
Uma obra de arte pode tornar-se o testemunho de um fato real. Isso
Napoleão, acontece na tela de DAVID: Marat assassinado. Marat foi um importante
A morte de Sócrates
e O juramento dos personagem da Revolução Francesa. Próximo a sua morte, passava várias
Horácios.
horas imerso em uma banheira, devido a problemas de saúde, dentre eles

70 CEDERJ
28
a alergia. No dia de sua morte, um militante contrário às idéias de
Marat entrou em sua casa fazendo-se passar por um informante e o

AULA
assassinou com várias punhaladas. David retrata a morte de Marat e nos
dá detalhes, como por exemplo, a arma do crime deixada no chão.

Figura 28.5: A tentação de Santo Antônio, de Salvador


Dalí (1946).

Nesse quadro, Dalí mostra Santo Antônio sendo tentado, lutando para que os seres SALVADOR DALÍ
que estão se aproximando dele se afastem. Santo Antônio está nu, com um dos joelhos
Nascido em maio
no chão, segurando uma cruz de madeira e apoiando-se, com a outra mão, em uma
de 1904, foi um
pedra, atrás dele. Sua única defesa contra tais criaturas é a cruz. Tais criaturas podem
importante pintor
ser descritas como elefantes e um cavalo com pernas enormes e finas que estão acima
catalão, conhecido
das nuvens, carregando tentações, como por exemplo mulheres.
pelo seu trabalho
surrealista.
O trabalho de Dalí
A arte pode também externar nossos medos, sonhos e pesadelos. chama a atenção pela
incrível combinação
SALVADOR DALÍ e outros integrantes do MOVIMENTO SURREALISTA utilizavam de imagens bizarras,
como nos sonhos,
sua arte como instrumento para exteriorização do subconsciente. com excelente
qualidade plástica.
Dalí foi influenciado
pelos mestres da
A palavra SURREALISMO havia sido criada em 1917 pelo poeta Apollinaire, ligado
Renascença, e foi
ao cubismo, para identificar expressões artísticas que se esboçavam. É adotada
um artista com
pelos surrealistas por refletir a idéia de algo além do realismo. O surrealismo foi
grande talento e
um movimento artístico surgido em Paris, na década de vinte do século passado.
imaginação. Tinha
Fortemente influenciado pelas teorias psicanalíticas de Freud, o surrealismo
uma reconhecida
enfatiza o papel do subconsciente na criação artística. Segundo os surrealistas, a
paixão por atitudes
arte deve se libertar das exigências da lógica e da razão e ir além da consciência
e por fazer coisas
cotidiana, expressando o inconsciente e os sonhos. O principal teórico e líder do
extravagantes
movimento é o poeta, escritor, crítico e psiquiatra francês André Breton, que, em
destinadas a
1924, publicou o primeiro Manifesto Surrealista. Seus principais representantes
chamar a atenção,
são Max Ernst, René Magritte, Salvador Dalí e Joan Miró.
o que por vezes
aborrecia aqueles
que apreciavam
a sua arte, ao
mesmo tempo que
incomodava seus
críticos.

CEDERJ 71
Artes na Educação | Leitura de imagens

ATIVIDADE

2. Acesse a comunidade virtual e observe as telas de Dalí (Rosa meditativa,


Canibalismo de outono, Gala com duas costeletas de carneiro em
equilíbrio sobre o seu ombro). Tente fazer uma leitura das obras pelo viés
do estranhamento. Existem, nessas obras, elementos do mundo real? Você
percebe alguma coerência? Algo parece estranho a você? Registre suas
impressões sobre as obras na comunidade virtual. Comente as impressões
de dois colegas.
COMENTÁRIO
Não há, no surrealismo, compromisso com a lógica e a razão. Uma
leitura “pelo viés do estranhamento”, conforme foi sugerido nesta
atividade, permite que você perceba que a aparente incoerência
entre os elementos representados guarda significados expressivos,
revelando, muitas vezes, a ação do subconsciente na criação.

Figura 28.6: Cabeça de menino, de


Peter Paul Rubens (1620).

As obras de arte podem ter a finalidade de retratar o indivíduo.


Com o advento da máquina fotográfica, a função da pintura de retratos

PETER PAUL RUBENS foi esvaziada, mas, por muito tempo, o retrato foi utilizado para eternizar
Nasceu em Siegen, os indivíduos, as famílias, as linhagens dos nobres. A tela Cabeça de
no Sacro Império
menino (Figura 28.6), de PETER PAUL RUBENS, pode exemplificar a função
Romano-Germânico
em junho de 1577. específica da arte de retratar e eternizar os indivíduos.
Pintor flamengo
inserido no contexto Desde o Egito Antigo, o ser humano busca a sua eternização.
do Barroco, Rubens
nasceu fora da terra
Os faraós ordenavam a construção e a feitura de estátuas, câmaras
onde passou a maior mortuárias e máscaras para que pudessem ter vida eterna.
parte de sua vida e
à qual serviu, com
muito patriotismo:
Flandres (hoje uma
parte da Bélgica).

72 CEDERJ
28
HENRI-JULIEN-FÉLIX

AULA
ROUSSEAU
Nasceu em maio
de 1844, em Paris.
Conhecido também
pelo público como
o douanier
(aduaneiro) por
ter trabalhado
como inspetor
de alfândega,
foi um pintor
Figura 28.7: A guerra, de Henri Rousseau (1894).
francês inserido
no movimento
moderno do pós-
Além de pintar paisagens e naturezas-mortas, R OUSSEAU se impressionismo.
interessava por temas sociais. A tela A guerra revela não só a sua opção A sua obra foi pouco
apreciada pelo
pela arte popular como, também, o seu claro nacionalismo baseado em público em geral
e pelos críticos seus
ideais de cunho social. contemporâneos,
As obras de arte podem também ter a função de retratar mazelas tendo sido
constantemente
humanas e criticá-las. Muitos artistas retrataram, por exemplo, a guerra e remetida para
o grupo da arte
as suas conseqüências para o ser humano. Dentre elas, podemos destacar naïf e primitivista,
pelo seu caráter
obras famosas como Guernica, de Pablo Picasso, e Fuzilamento, de Goya.
autodidata, resultado
da inexistência de
formação acadêmica
no campo artístico,
pela recusa dos
cânones da arte
reconhecida até
então e pela aparente
ingenuidade grotesca.

GIAN LORENZO
BERNINI
Nascido em Nápoles
em dezembro
de 1598, foi um
eminente artista
barroco. Trabalhou,
Figura 28.8: O êxtase de Santa Teresa, principalmente,
de Gian Lorenzo Bernini (1645-52). em Roma.
Distinguiu-se como
escultor e arquiteto,
ainda que tivesse
O sublime está presente em muitas obras de arte. Em O êxtase
sido também pintor,
de Santa Teresa, de BERNINI, a escultura possui uma aura transcendental. cenógrafo, criador
de espetáculos de
Percebemos algo sublime, além da compreensão palpável da obra (apesar pirotecnia, dentre
outras atividades.
de ser feito em material pesado, mármore, a escultura de Bernini nos traz Esculpiu grande parte
uma leveza incomum, como se Santa Teresa estivesse pronta a ascender das obras de Roma e
do Vaticano.
aos céus, tomada pela energia divina).

CEDERJ 73
Artes na Educação | Leitura de imagens

O êxtase de Santa Teresa (1645-1652), nicho em mármore e bronze dourado, Capela


Cornaro, Igreja de Santa Maria da Vitória, Roma. Representa a experiência mística de
Santa Teresa de Ávila trespassada por uma seta de amor divino por um anjo. A madre
Teresa de Jesus, nascida Teresa de Cepeda y Ahumada, morreu em Alba de Tormes,
em 4 de outubro de 1582.

Figura 28.9: Coluna de Trajano (Roma, 114 d.C.).

As imagens podem possuir uma carga de memória, como na Coluna


de Trajano, monumento erguido em Roma por ordem do imperador
Trajano. O seu baixo-relevo em espiral comemora as vitórias das
campanhas militares contra os dácios. A coluna tem, aproximadamente,
30 metros de altura acrescidos de 8 metros de pedestal, perfazendo, assim,
38 metros. A Coluna de Trajano assemelha-se a um livro de história visual,
no qual são relatados fatos verídicos ocorridos em determinada época.

Figura 28.10: Tomé, o incrédulo, de Caravaggio (1602-03).

74 CEDERJ
28
A arte de CARAVAGGIO é teatral. O artista barroco traz uma
CARAVAGGIO
atmosfera inovadora para a pintura, com suas luzes e sombras bem

AULA
Nome pelo qual
contrastantes. Ao olharmos suas obras, parece que nos deparamos com ficou conhecido
Michelangelo Merisi,
uma cena real, congelada; um instante eternizado pelo artista. pintor italiano
identificado com
o período final do
CONCLUSÃO Renascimento e com
o Barroco nascido em
Caravaggio em 1571.
Perpassando a história da arte e da humanidade, as obras de arte Embora tenha vivido
a transição entre
estão intimamente ligadas à vida do ser humano. Externam seus medos, Renascimento e o
seus sentimentos, fatos ocorridos, eternizam pessoas ou nos deixam livres Barroco (já que nasceu
poucos anos depois
para fazermos nossa própria história. da morte de Leonardo
da Vinci), sua obra,
sempre obscura e
pesada, enquadra-se
bem neste último,
retratando cenas
ou personalidades
bíblicas.
ATIVIDADE FINAL

Faça uma comparação entre a pintura Moça com brinco de pérola, de Johannes
Vermeer, e o filme com o mesmo título da obra. Se for possível, assista ao filme
com seus colegas no pólo. Comente com eles suas impressões e procure explicar:
Existem semelhanças entre ambos? O contexto em que se passa o filme e as
emoções do artista parecem estar transmitidos na obra?

Figura 28.11: Moça com brinco de


pérola, de Johannes Vermeer (1665).

CEDERJ 75
Artes na Educação | Leitura de imagens

RESUMO

É possível ler as imagens como um texto. Podendo representar cenas ou situações


do cotidiano ou históricas, reais ou fictícias, as imagens, em diferentes momentos
da história da arte, articularam-se de distintos modos à vida dos seres humanos.

76 CEDERJ
29
AULA
Arte-educação no Brasil
Meta da aula
Apresentar um panorama da arte-educação
brasileira, demonstrando como se desenvolveu
e se desenvolve o ensino de Arte no Brasil.
objetivos

Esperamos que, após o estudo do conteúdo desta aula,


você seja capaz de:
• descrever os métodos de ensino de Arte;
• identificar as principais correntes artísticas
que se desenvolveram no Brasil;
• avaliar a importância do ensino de Arte.
Artes na Educação | Arte-educação no Brasil

INTRODUÇÃO Nesta aula, apresentaremos a você um panorama da trajetória do ensino


de Arte no Brasil, desde os seus primórdios até a Semana de Arte Moderna
ocorrida em 1922, no Brasil.
ACADEMIA IMPERIAL DE Ao longo de praticamente cento e cinqüenta anos, desde a sua implementação
BELAS ARTES,ou Academia
Imperial das Belas Artes, em nosso país, o ensino de arte foi tratado com muito preconceito. Somente
é o antigo nome (1822-
agora e, lentamente, essa atitude vem se modificando.
1889) da atual Escola de
Belas Artes, hoje, unidade
da Universidade Federal
do Rio de Janeiro. Foi SÉCULO XIX
primeiro chamada Escola
Real de Ciências, Artes e
Ofícios, desde a fundação
A organização do ensino artístico no país começou pelo nível
da academia, em 12 de superior antecedendo, em muitos anos, o ensino nos níveis Fundamental e
agosto de 1816, ao fim do
período colonial brasileiro. Médio. Tentava-se justificar tal tendência argumentando-se que o Ensino
Após a Independência do
Brasil, em 1822, a escola
Superior seria a fonte de formação de todo um sistema de ensino.
passou a ser conhecida No entanto, a prioridade dada ao Ensino Superior teve como
como Academia Imperial
das Belas Artes e, depois, principal fator, no Reinado e no Império, a necessidade de formação de
Academia Imperial de Belas
Artes, sendo definitivamente uma elite que defendesse a colônia dos invasores e que movimentasse
instalada em 5 de novembro culturalmente a mesma.
de 1826, em edifício próprio,
à altura da Travessa do Com a República, o preconceito com o ensino de Arte, simbolizado
Sacramento (atual Avenida
Passos, no Rio de Janeiro), pela ACADEMIA IMPERIAL DE BELAS ARTES, foi reforçado, pois, como estava a
inaugurado por D. Pedro I
serviço do Reinado e do Império, associava-se à conservação do poder.
(1822-1831). Foi responsável
pela primeira exposição
de Artes realizada no país,
a Exposição da Classe de
Pintura Histórica, instalada
em 1829. Durante o Segundo
Reinado, entre 1850 e 1880,
a Academia contribuiu para
o estabelecimento de uma
identidade nacional por
meio da chamada pintura
histórica. Foi produzida
uma série de pinturas
monumentais, cuja finalidade
era construir, para a nação
que se pretendia civilizada,
um passado heróico, de
origem européia. O elemento
Figura 29.1: Academia Imperial
indígena também tinha um
de Belas Artes (Av. Passos).
espaço nesse passado, mas,
da mesma forma que na
literatura do Romantismo,
o seu papel era fortemente
idealizado. Com o advento
do Período Republicano,
novamente mudou de nome,
passando a ser chamada de
Escola Nacional de Belas
Artes (1890).

78 CEDERJ
29
AULA
Figura 29.2: Museu Nacional de Belas Artes ao centro
(na Avenida Rio Branco, onde se situava a Escola de
Belas Artes, atualmente localizada na ilha do Fundão).

A Academia Imperial de Belas Artes sofria oposição política, pois


os professores eram todos franceses bonapartistas convictos. Aqui no
Brasil, o ódio contra Bonaparte tinha razões evidentes, já que Portugal
estava subordinado à influência inglesa e o país sentia-se ameaçado por
uma provável invasão francesa.
É possível acrescentar preconceito estético à oposição política.
Os professores franceses tinham como referência o estilo neoclássico,
contudo, no Brasil, a tradição artística à época era o barroco-rococó.
Desse modo, a implantação do estilo neoclássico no Brasil encontrou
resistência, conseguindo uma pequena adesão entre a burguesia, que via
essa aliança com a estética francesa uma forma de ascensão.

Movimento cultural do fim do século XVIII, o neoclassicismo está identificado com


a recuperação da cultura clássica por parte da Europa ocidental em reação ao estilo
barroco. A arte neoclássica busca inspiração no equilíbrio e na simplicidade, bases da
criação na Antiguidade. As características marcantes são o caráter ilustrativo e literário,
marcado pelo formalismo e pela linearidade, poses escultóricas, com anatomia correta
e exatidão nos contornos, temas “dignos” e clareza. No Brasil, a tendência torna-se
visível na arquitetura. Seu expoente é Grandjean de Montigny (1776-1850), que chegou
com a Missão Francesa. Suas obras, como a sede da reitoria da Pontifícia Universidade
Católica do Rio de Janeiro, adaptam a estética neoclássica ao clima tropical, mesmo
que sua fundamentação fosse de uma sociedade agrário-escravocrata e com um
comércio relativamente atrasado, tendo um governo monárquico. Na pintura, a
influência neoclássica está submetida ao romantismo. A composição e o desenho
seguem os padrões de sobriedade e equilíbrio, mas o colorido reflete a dramaticidade
romântica. Um exemplo é Flagelação de Cristo, de Vitor Meirelles (1832-1903).

CEDERJ 79
Artes na Educação | Arte-educação no Brasil

O Barroco foi um período estilístico e filosófico da História da sociedade ocidental,


ocorrido durante os séculos XVI e XVII (Europa) e XVII e XVIII (América), inspirado
no fervor religioso e na passionalidade. Embora o Barroco tenha assumido diversas
características ao longo de sua história, seu surgimento está intimamente ligado
à Contra-Reforma. A arte barroca procura comover intensamente o espectador.
Nesse sentido, a Igreja converte-se numa espécie de espaço cênico, num teatro
sacrum onde são encenados os dramas. Contrariamente à arte do Renascimento, que
pregava o predomínio da razão sobre os sentimentos, no Barroco há uma exaltação
dos sentimentos, a religiosidade é expressa de forma dramática, intensa, procurando
envolver emocionalmente as pessoas. Além da temática religiosa, os temas mitológicos
e a pintura, que exaltava o direito divino dos reis (teoria defendida pela Igreja e pelo
Estado Nacional Absolutista que se consolidava), também eram freqüentes. O Barroco
chega à América Latina, especialmente ao Brasil, com os missionários jesuítas, que
trazem o novo estilo como instrumento de doutrinação cristã. As primeiras obras
arquitetônicas surgem da exportação cultural, usando modelos arquitetônicos e de
peças construtivas e decorativas trazidas de Portugal.

Figura 29.3: Flagelação de Cristo, de


Vitor Meirelles (1856).

Figura 29.4: O grito do Ipiranga, de Pedro Américo (1888).

80 CEDERJ
29
O grito do Ipiranga, pintura mais famosa de Pedro Américo, feita a pedido de

AULA
D. Pedro II. Podemos perceber o caráter ilustrativo, as poses escultóricas e a
peculiaridade do tema, confirmando a tendência neoclássica de preferir momentos
históricos. Pedro Américo não representou a exatidão dos fatos, mas exaltou o herói
nacional numa convincente ficção imagética.

Esse processo interrompeu a tradição da arte colonial, que estava


enraizada no Brasil como uma arte popular, acentuando a distância
entre a massa e a Arte. Por conseqüência, ao afastar a Arte do povo,
alimentou-se um preconceito existente até hoje em nossa sociedade que
ainda considera a Arte como uma atividade supérflua, um acessório
complementar para outros setores de atividade.

ATIVIDADE

1. Você considera a Arte uma atividade supérflua? Procure discutir e


pesquisar a influência da arte na vida das pessoas e, em seguida, registre
suas conclusões. Será que ela serve apenas como passatempo ou pode
realmente mudar a vida das pessoas? A arte pode desenvolver outras
percepções no indivíduo?

RESPOSTA COMENTADA
Com certeza, para muitos, a arte serve apenas como hobby. Mas
para outros, ela tem a função de desenvolver um lado mais sensível,
melhorar a coordenação motora de crianças com necessidades
especiais, servir de terapia ocupacional tanto para idosos como para
presidiários, entre outras tantas funções.

Figura 29.5: A última ceia, do Aleijadinho: (final do século XVIII).

CEDERJ 81
Artes na Educação | Arte-educação no Brasil

A última ceia, de Antonio Francisco Lisboa, o Aleijadinho, em Congonhas do Campo,


é o que há de melhor para exemplificar o barroco. O Cristo, ao centro, está isolado,
e os apóstolos formam pequenos grupos que completam a obra; na obra de Aleijadinho,
nossa visão é conduzida até o fundo pelas mãos dos apóstolos; as mãos se interligam
formando curvas onduladas até Cristo; e este está ligado ao conjunto, pela direita, por
São João, que repousa a cabeça sobre seu ombro, e pela esquerda, pela sua mão que se
liga à mão de São Pedro; as cabeças dos apóstolos acompanham o mesmo sentido das
mãos, formando um semicírculo ondulante até o fundo, em direção à cabeça do Cristo:
isto é o barroco, com sua teatralidade empolgante.

Apesar de serem moderadamente aceitas pelas classes altas como


símbolo de refinamento para preencher as horas vagas, as atividades
manuais sofreram graves preconceitos. Costumava-se associar as atividades
manuais aos escravos, já que o trabalho escravo era essencialmente manual.
Com a abolição da escravatura começou um processo de respeitabilidade
do trabalho manual. Mesmo assim, ele era respeitado quando aplicado
à indústria e não como passatempo de luxo, como no caso da burguesia
que fazia da pintura um hobby.

INÍCIO DO SÉCULO XX

A escola brasileira procurou acompanhar as mudanças sociais


ocorridas com a Abolição e a Proclamação da República. Esse processo
de mudança foi lento e gradativo, prolongando-se até as duas primeiras
décadas do século XX. Neste período, tivemos uma espécie de preparação
para as idéias que iriam surgir com os modernistas, na Semana de 22.

Figura 29.6: Integrantes da Semana de Arte Moderna de 1922.


(Fonte: http://www.historianet.com.br/imagens/historia_saopaulo_4.jpg)

82 CEDERJ
29
A metodologia da Escola de Belas Artes influenciou enormemente o
Ensino Fundamental e Médio, neste início de século. Além disso, o processo

AULA
de encontro entre as artes e a indústria também exerceu influência no ensino
da arte, confirmando a crença de que as realizações nas duas primeiras
décadas do século XX correspondem às idéias do século anterior.
A maior preocupação nesse período era a implantação do ensino
de arte nas escolas de Ensino Fundamental e Médio e, também, sua
obrigatoriedade. No século XX, a ênfase no desenho continuaria nos
argumentos a favor de sua inclusão nas escolas de Ensino Fundamental
e médio, as quais se orientaram no sentido de considerá-lo mais uma
forma de escrita que uma forma das artes plásticas. Essa identificação do
desenho com a escrita foi um argumento não só para se tentar vencer o
preconceito com a arte como, também, para demonstrar que a capacidade
de desenhar era natural dos homens ou, ao menos, acessível a todos e
não um dom ou vocação excepcional/divina.
O primeiro surto industrial brasileiro, verificado entre 1885 e 1895,
reforçou o ideal da Educação para o progresso da nação. A arte aplicada
à indústria, vista não apenas como uma técnica, mas como detentora de
qualidades artísticas capazes de elevar a alma, foi ainda mais fortemente
defendida como parte do currículo das escolas. Nessa época, o assombroso
progresso industrial nos EUA foi atribuído à precoce iniciação da juventude
americana no estudo do desenho e à boa organização, naquele país, do
ensino de arte aplicado à indústria, sendo intensamente divulgado no jornal
O Novo Mundo.

INFLUÊNCIA DO LIBERALISMO – RUI BARBOSA

Os elementos liberais que lutavam a favor da Revolução Industrial


objetivavam, com o ensino do desenho, abrir à população em geral
ampla, fácil e eficaz iniciação profissional. Rui Barbosa é considerado
um dos mais fiéis intérpretes da corrente liberal brasileira. A intenção de
transplantar o modelo americano de ensino de arte estende-se também
aos princípios metodológicos. Entretanto, o método intuitivo, que se
baseava no estudo dos fenômenos naturais, foi reduzido, no Brasil, à
mera visão ou descrição dos objetos desligados do seu ambiente natural,
e quase sempre, sem relação com a vida da criança (o método foi criado
para estimular a observação e intuição do aluno em relação à paisagem

CEDERJ 83
Artes na Educação | Arte-educação no Brasil

que o cerca, locais que lhe são conhecidos, que fazem parte do seu
cotidiano; no Brasil, esse método foi usado para descrição de objetos
desligados de seu ambiente, objetos isolados). Junto a uma metodologia
da arte profissionalizante, tendo como base os princípios já referidos,
conservou-se o método de observação da natureza dada sua identidade
com a ordem moral.

INFLUÊNCIA DO POSITIVISMO

É, talvez, do ponto de vista de uma política educacional que


o liberalismo e o Positivismo apresentam pontos divergentes mais
acentuados. Proclamada a República, os positivistas, ao estimularem
o avanço reformista, pretenderam consolidar um novo regime. Com o
objetivo de regenerar o povo, achavam que o governo devia difundir o
ensino de arte em todas as escolas públicas e em todos os graus. A arte
era encarada como um poderoso veículo para o desenvolvimento do
raciocínio desde que ensinada por meio do método positivo, utilizando
a imaginação e a observação e identificando as leis que regem a forma.

O Positivismo é uma corrente filosófica, cujo iniciador principal foi Auguste Comte
(1798-1857). Surgiu como desenvolvimento filosófico do Iluminismo, a que se associou
a afirmação social das ciências experimentais. Propõe à existência humana valores
completamente humanos, afastando radicalmente teologia ou metafísica. Assim, o
Positivismo – em sua versão comtiana, pelo menos – associa uma interpretação das
ciências e uma classificação do conhecimento a uma ética humana, desenvolvida na
segunda fase da carreira de Comte.

Com o positivismo, a Geometria ganhou força no ensino escolar e,


conseqüentemente, atribuiu-se maior importância ao desenho. O conteúdo
das aulas de desenho foi cada vez mais se geometrizando, já que a Geometria
era matéria exigida nos exames para ingressar no ensino universitário. Nesse
período, a arte foi reconhecida como fenômeno social, tendo função não
só na criação artística como também com objetivo de despojar o indivíduo
de si mesmo e identificá-lo com todos.

A EXPERIMENTAÇÃO PSICOLÓGICA E O ENSINO DE


DESENHO – LIDERANÇA DE SÃO PAULO NO ENSINO
PRIMÁRIO E NORMAL

Em São Paulo, a organização do antigo Ensino Primário procurou


centrar-se, desde os primórdios republicanos, nos objetivos de uma

84 CEDERJ
29
educação integral e integradora. Portanto, a educação do Primário como
mais um curso de adestramento para passar em exames, encontrou como

AULA
barreira, nesse estado, uma Escola Primária organizada no sentido da
formação de hábitos de vida e de trabalho e uma Escola Normal destinada
a preparar professores para desempenhar adequadamente suas funções,
de acordo com o modelo formativo proposto.
Em São Paulo, foi decisiva a influência americana. Os norte-
americanos missionários ou imigrantes criaram suas próprias escolas.
Em geral, as escolas estrangeiras, até 1914, no Brasil, ensinavam todos
os seus conteúdos por meio da língua estrangeira de origem. Na escola
americana, isso ocorreria apenas em uma classe, sendo todas as outras
organizadas em torno da Língua Portuguesa, representando o Inglês
apenas uma matéria do currículo.
O objetivo principal era desenvolver métodos de experimentação e
indagação nas investigações a serem feitas, relacionadas com os métodos
pedagógicos em uso na escola. Também resultaram na convicção de
que, antes da determinação de objetivos e métodos, a investigação
acerca das potencialidades orgânicas e funcionais da criança se fazia
necessária. Ficou, portanto, evidenciado ser a criança o ponto de partida
da pedagogia e o centro de interesse teórico e prático da Educação. Foi
a primeira vez que, no Brasil, se encarou o livre grafismo infantil como
índice de um processamento lógico-mental e como meio para investigá-lo.
Estabeleceu-se, assim, um novo modo de ver o desenho como elemento
informativo da natureza psicológica, um teste mental fornecendo dados
sobre o estado da cultura da criança.
A partir da Semana de Arte Moderna de 22 acentuam-se os traços
definidores de uma ruptura da inteligência brasileira, apresentando como
resultado específico, por um lado, a valorização do desenho como técnica
e, por outro, a exaltação dos elementos internos expressivos como
constituintes da própria forma.

A Semana de Arte Moderna ocorreu em São Paulo, no ano de 1922, no Teatro Municipal da cidade. Durante
os sete dias de evento, ocorreu uma exposição modernista no teatro e durante as noites do evento ocorreram
apresentações de poesia, música e palestras sobre a modernidade. Representou uma verdadeira renovação da
linguagem, na busca de experimentação, na liberdade criadora e na ruptura com o passado. O evento marcou
época ao apresentar novas idéias e conceitos artísticos. A nova poesia, por meio da declamação; a nova música,
por meio de concertos; a nova arte plástica, por meio de telas, esculturas e maquetes de arquitetura. O adjetivo
“novo”, marcando todas estas manifestações, propunha algo a ser recebido com curiosidade ou interesse.
Participaram da Semana nomes consagrados do Modernismo brasileiro, como Mário de Andrade, Oswald de
Andrade, Victor Brecheret, Heitor Villa-Lobos, Manuel Bandeira, Anita Malfatti e Menotti Del Pichia.

CEDERJ 85
Artes na Educação | Arte-educação no Brasil

Estava preparado, ao longo do caminho percorrido, desde as


influências do liberalismo, procedente do século XIX, até as primeiras
manifestações da Arte Moderna, em 1922, para que no Brasil fosse possível,
sobretudo após a Segunda Guerra Mundial, sob a influência da Bauhaus, o
desdobramento dialético das tensões entre o desenho como arte e o desenho
Fonte: http: como técnica, entre a expressão do eu e a expressão dos materiais.
//www.ensayistas.org/
filosofos/brasil/teixeira/
anisio.jpg O termo Bauhaus refere-se à Staatliches Bauhaus (literalmente, casa estatal de
ANÍSIO SPÍNOLA TEIXEIRA construção), uma escola de design, artes plásticas e arquitetura de vanguarda, que
nasceu em julho de funcionou entre 1919 e 1933, na Alemanha. A Bauhaus foi uma das maiores e mais
1900, em Caetité, na importantes expressões do que é chamado Modernismo no design e na arquitetura,
Bahia. Foi advogado, sendo uma das primeiras escolas de design do mundo. A escola foi fundada por
intelectual, educador Walter Gropius, em Weimar, em 1919, a partir da reunião da Escola do Grão-Duque
e escritor brasileiro. para Artes Plásticas, com a Kunstgewerberschule.
Personagem central
na história da
Educação no Brasil, ESCOLINHA DE ARTE DO BRASIL
nas décadas de 1920
e 1930, difundiu A escolinha de arte do Brasil foi criada em 1948, no Rio de Janeiro,
os pressupostos
do movimento por iniciativa do artista pernambucano Augusto Rodrigues (1913-1993),
da Escola Nova,
que tinha como da artista gaúcha Lúcia Alencastro Valentim (1921) e da escultora norte-
princípio a ênfase
americana Margareth Spencer (1914). Funciona nas dependências da
no desenvolvimento
do intelecto e na Biblioteca Castro Alves, do Instituto de Previdência e Assistência Social
capacidade de
julgamento, em dos Servidores de Estado – Ipase e está voltada fundamentalmente para o
detrimento da
memorização.
público infantil, enfocando as distintas expressões artísticas (dança, pintura,
Reformou o sistema teatro, desenho, poesia etc.
educacional da
Bahia e do Rio de A escola é ancorada no princípio de que a Educação é o princípio
Janeiro, exercendo
vários cargos da arte. O espírito não-diretivo e aberto da escolinha de arte do Brasil
executivos. Foi um pode ser constatado na tentativa de ampliação do repertório artístico pela
dos mais destacados
signatários do inclusão de elementos da arte popular e do folclore (teatro de fantoches
Manifesto da
Escola Nova, em e bonecos) também na intensificação do diálogo entre as diferentes
defesa do ensino
modalidades artísticas e, finalmente, na adoção de um método pouco
público, gratuito,
laico e obrigatório, convencional de ensino. A escolinha recebe forte apoio de educadores
divulgado em
1932. Fundou a atuantes, como ANÍSIO TEIXEIRA e HELENA ANTIPOFF. Vale lembrar que as
Universidade do
Distrito Federal
relações entre Arte e Educação Especial mobilizam a escolinha de arte
em 1935, depois do Brasil, desde o início, favorecidas por convênios com a Pestalozzi e
transformada em
Faculdade Nacional a Apae, por intermédio de Antipoff e de NISE DA SILVEIRA.
de Filosofia da
Universidade do
Brasil.

86 CEDERJ
29
HELENA ANTIPOFF nasceu em 1892, na província

AULA
de Bielorrússia, em Grodno. Grande
pesquisadora e educadora, foi a responsável
pela implantação, no país, de uma política de
educação e assistência à criança portadora de
necessidades epeciais. Além disso, fundou a
primeira Sociedade Pestalozzi do Brasil, em
Belo Horizonte, Minas Gerais, iniciando o
movimento pestalozziano brasileiro, que conta,
atualmente, com cerca de 100 instituições
espalhadas por todo o país.

(Fonte: http://www.fundacaohantipoff.

mg.gov.br/imgs/Helena_Antipoff1.jpg)

NISE DA SILVEIRA nasceu em Maceió, Alagoas, em 15 de fevereiro de 1906, e foi


uma renomada médica psiquiatra brasileira, aluna de Carl Jung. Após formar-
se na Faculdade de Medicina da Bahia, em 1926, dedicou sua vida à psiquiatria
e foi radicalmente contra as formas agressivas de tratamento de sua época, tais
como o confinamento em hospitais psiquiátricos, eletrochoques, insulinoterapia
e lobotomia. Em 1952, fundou o Museu de Imagens do Inconsciente, no Rio de
Janeiro, um centro de estudo e pesquisa onde colecionava os trabalhos produzidos
em estúdios de modelagem e pintura. Nise da Silveira introduziu no Brasil a
psicologia junguiana.

A produção de materiais específicos para o ensino de arte é outra


inovação da escolinha de arte do Brasil, que sistematiza, pela primeira
vez, técnicas pouco conhecidas e até hoje utilizadas pelas escolas: lápis de
cera e anilina; lápis de cera e varsol; desenho de olhos fechados; impressão
e pintura de dedo; mosaico de papel; recorte e colagem coletiva sobre ANA MAE BARBOSA
É a principal referência
papel preto; carimbo de batata; bordado criador, desenho raspado e de
no Brasil para o ensino
giz molhado, entre outras. da Arte nas escolas.
Professora aposentada
da USP, acredita
que a arte estimula
ABORDAGEM TRIANGULAR DE ENSINO a construção e a
cognição das crianças e
A Abordagem Triangular no ensino de arte foi idealizada e adolescentes, ajudando
a desenvolver outras
apresentada a arte-educadores pela professora doutora ANA MAE BARBOSA, áreas de conhecimento.
Criadora da teoria da
da Escola de Comunicações e Artes da USP, na década de 80. abordagem triangular,
Basicamente, essa proposta defende a necessidade de se trabalhar a arte-educadora
entende a necessidade da
pedagogicamente o conteúdo da área de Artes, levando em consideração existência de educadores
atualizados, artistas e
três eixos de trabalho para que o professor aplique o fazer artístico, a leitura acesso aos trabalhos
das obras de arte e a contextualização dessa produção artística. A proposta contemporâneos para
que os estudantes
metodológica triangular, inclusive, é a viga mestra das diretrizes para o ensino consigam atingir
o máximo do
de arte que são apresentadas oficialmente pelo governo brasileiro. desenvolvimento do
conhecimento.

CEDERJ 87
Artes na Educação | Arte-educação no Brasil

O professor deve tornar possível valorizar e orientar a expressão


artística dos alunos. O arte-educador deve oferecer suporte estético ao
aluno para que o mesmo possa valorizar e compreender a expressão
artística de diferentes culturas (auxiliar o aluno na apreciação ou leitura
estética dos objetos e bens artístico-culturais). O professor deve, também,
tornar disponíveis informações que permitam ao aluno compreender em
que contexto social se insere um determinado produto ou bem artístico.
A metodologia triangular aplica-se às diferentes linguagens artísticas que
compõem o ensino de Arte (Artes Visuais, Dança, Música e Teatro).
O que se pretende alcançar com esse método é a função primordial da
arte-educação na escola, a formação estética dos indivíduos que os conduza
a um entendimento dos alfabetos visuais e a uma reflexão frente às imagens,
tanto na arte, quanto no meio em que vive.
No meio escolar, segundo Ana Mae Barbosa, deveria haver um
currículo interligando o fazer artístico, a história da arte e a análise da
obra de arte. Dessa forma, a criança, suas necessidades, seus interesses e
seu desenvolvimento estariam sendo respeitados, assim como a matéria
a ser aprendida, seus valores, sua estrutura e a contribuição específica
para a cultura.
ANITA CATARINA
MALFATTI
(São Paulo, 2 de CONCLUSÃO
dezembro de 1889-São
Paulo, 6 de novembro
de 1964), filha de mãe A valorização da aula de Arte como objeto para se traçar o perfil
norte-americana e pai do aluno resultou, principalmente, na configuração de uma atitude de
italiano, foi a primeira
artista plástica brasileira respeito para com o grafismo da criança e na idéia do desenho infantil
a aderir ao modernismo,
tendo sido uma das como um produto interno refletindo a organização mental da criança, a
expositoras da mostra,
estruturação de seus diversos aspectos e seu desenvolvimento.
que integrava a Semana
de Arte Moderna de Entre os modernistas brasileiros, ANITA MALFATTI e MÁRIO DE ANDRADE
1922, realizada no
Teatro Municipal desempenhariam atividades de grande importância para a valorização
de São Paulo.
estética da arte infantil e para a introdução de novos métodos de ensino
de arte baseados na liberdade de ação, com ênfase na valorização do
MÁRIO RAUL DE expressionismo e da espontaneidade da criança.
MORAIS ANDRADE
(São Paulo, 9 de outubro
de 1893 - São Paulo, 25
de fevereiro de 1945),
poeta, romancista,
crítico de arte,
folclorista, musicólogo e
ensaísta brasileiro.

88 CEDERJ
29
AULA
Figura 29.7: A boba, de Anita Malfatti (1915-16).

Lidamos, ainda, com muitos preconceitos em relação ao ensino de


arte, mas, aos poucos, os mesmos estão sendo vencidos, não havendo,
portanto, meios de comparação com a época do Império.

ATIVIDADE FINAL

Leia o manifesto antropofágico de Oswald de Andrade no seguinte link: http:


//www.tanto.com.br/manifestoantropofago.htm. O movimento antropofágico
pregava a absorção da cultura estrangeira e a transformação da mesma em algo
genuinamente nacional. O que o manifesto lhe transmite? Você percebe nele
sentido de patriotismo e nacionalidade?

RESPOSTA COMENTADA
Com a Semana de Arte Moderna de 1922, surgiu no Brasil um
sentimento de brasilidade, de nacionalismo, culminando no manifesto
de Oswald. A arte brasileira sempre se inspirou na arte estrangeira,
e os modernistas pregavam, ao contrário, a produção de uma arte
originalmente brasileira.

CEDERJ 89
Artes na Educação | Arte-educação no Brasil

RESUMO

A arte brasileira e seu ensino sempre passaram por grandes preconceitos que, aos
poucos, vêm sendo eliminados. No século XX, houve uma grande mudança, que
valorizou o fazer artístico da criança e sua expressão, além de ter havido uma
mudança no modo de pensar a arte com a Semana de Arte Moderna de 1922,
em que foi pregada a realização de uma arte genuinamente brasileira, fato que
nunca havia ocorrido.

90 CEDERJ
Do Impressionismo

30
AULA
à fotografia e à
arte contemporânea
Meta da aula
Apresentar os fatos que determinaram
o surgimento da arte contemporânea.
objetivos

Esperamos que, após o estudo do conteúdo desta aula,


você seja capaz de:

• analisar o processo de surgimento da


arte contemporânea;
• identificar os movimentos de vanguarda
que fundamentaram o conceito de arte
contemporânea.
Artes na Educação | Do Impressionismo à fotografia e à arte contemporânea

INTRODUÇÃO Como a História, a arte também se modifica. Passando pelo movimento


impressionista e, em seguida, pelo desenvolvimento da fotografia, discutiremos,
nesta aula, os fatos que desencadearam o surgimento da arte contemporânea,
buscando desmitificar a produção artística atual, muitas vezes, ainda,
incompreendida ou considerada sob a ótica do preconceito.

A FOTOGRAFIA

Desde os primórdios, a arte tem a importante função da


representação. Na Pré-História tinha o papel mágico de representar as
caçadas para que os homens fossem bem-sucedidos em suas empreitadas.
No Egito Antigo, os faraós eram representados por meio de relevos,
esculturas e pinturas. Geralmente, eram dispostos em seus leitos de morte,
juntamente com suas riquezas e até com seus escravos, para que seus
espíritos descansassem em paz. Para a nobreza e a burguesia européias,
principalmente do século XV até o século XIX, era praticamente
obrigatório ter seu retrato e o de suas famílias feitos por grandes pintores
da época. A arte era utilizada, também, para representar paisagens e
fatos históricos, permanecendo, desse modo, intimamente ligada à
representação fiel da realidade.
Com o advento da fotografia, no século XIX, a representação do
real por meio da arte não se fez mais necessária. No início, a fotografia
ainda era uma atividade complexa de se realizar. Imagine que o processo
de feitura de uma foto poderia durar até seis horas! Com a gradual
evolução tecnológica, o processo fotográfico foi se tornando cada vez
mais rápido, e a representação da realidade por meio da pintura foi se
tornando obsoleta.

Para saber uma pouco mais da história da fotografia, acesse o site


http://www.fotoreal.com.br/interna.asp?idCliente=29&acao=materia&id=336&nPag=1

92 CEDERJ
30
AULA
Figura 30.1: Imagem da primeira fotografia permanente no
mundo feita por Nicéphore Niépce, em 1825.

O IMPRESSIONISMO

A arte precisou se transformar e, com isso, foram surgindo


movimentos artísticos que traziam outras reflexões e indagações acerca
da vida e do mundo e, conseqüentemente, do modo de se entender e
realizar a criação das obras artísticas. O Impressionismo foi um dos
movimentos que revolucionaram profundamente a pintura e deu início
às grandes tendências da arte do século XX.
No Impressionismo, a pintura registra os tons que os objetos
adquirem ao refletir a luz solar, num determinado momento.
A proposta dos impressionistas era pintar ao ar livre. Em suas obras, as
figuras não têm contorno nítido; as sombras são luminosas e coloridas,
como a impressão visual que nos causam. Os artistas acreditavam que as
cores e tonalidades não deveriam ser obtidas misturando-se as tintas na
paleta do pintor; deviam, sim, ser puras e separadas nos quadros, cabendo
ao espectador observar a pintura, combinando as cores e percebendo o
resultado final.

CEDERJ 93
Artes na Educação | Do Impressionismo à fotografia e à arte contemporânea

Figura 30.2: Catedral de Rouen, de


Claude Monet (1894).

Com o Impressionismo, estava aberta a porta para as maiores


transformações que a arte sofreu em toda a sua história. Surgiram,
sucessivamente, movimentos artísticos curtos, porém marcantes:
Simbolismo, Expressionismo, Abstracionismo, Cubismo, Construtivismo,
Suprematismo, Dadaísmo, Surrealismo, Futurismo.

O Simbolismo é um estilo literário, do teatro e das artes plásticas que surgiu na


França, no final do século XIX. A partir de 1881, na França, pintores, autores teatrais
e escritores – influenciados pelo misticismo advindo do grande intercâmbio com as
artes, o pensamento e as religiões orientais – procuram refletir em suas produções
a consonância às diferentes formas de olhar sobre o mundo, de ver e demonstrar o
sentimento. Alguns pintores do Simbolismo são Frida Kahlo, Gustav Klimt, Franz von
Stuck e Gustave Moreau.
Denominam-se, genericamente, expressionistas os vários movimentos de vanguarda
do fim do século XIX e início do século XX que estavam mais interessados na
interiorização da criação artística do que em sua exteriorização, projetando na
obra de arte uma reflexão individual e subjetiva. Sob o rótulo expressionista, estão
movimentos e escolas como o grupo alemão Die Brücke (que significa A ponte), as
últimas Secessões vienenses e de certa forma o Fauvismo. A arquitetura produzida por
Mendelsohn também é chamada de expressionista. Alguns de seus principais artistas
são Ernst Ludwig Kirchner, Emil Nolde, Henri Matisse, Edvard Munch.
A arte abstrata, ou Abstracionismo, é geralmente entendida como uma forma de arte
(especialmente nas artes visuais) que não representa objetos próprios da nossa realidade
concreta exterior. Em vez disso, usa as relações formais entre cores, linhas e superfícies
para compor a realidade da obra, de uma maneira “não-representacional”. Surge a
partir das experiências das vanguardas européias, que recusam a herança renascentista
das academias de arte. Wassily Kandinsky foi seu principal representante.
O Cubismo, movimento estético que ocorreu entre 1907 e 1914, teve como principais
fundadores Pablo Picasso e Georges Braque. O Cubismo tratava as formas da
natureza por meio de figuras geométricas, representando todas as partes de um

94 CEDERJ
30
objeto no mesmo plano. A representação do mundo passava a não ter qualquer

AULA
compromisso com a aparência real das coisas.
O Suprematismo foi um movimento artístico que surgiu na Rússia no início do século
XX (entre 1915 e 1923) e que teve como um dos seus expoentes e teóricos Kazimir
Malevich, dentre outros como El Lissitzky, Lyubov Popova, Ivan Puni, Aleksandr
Rodchenko. Na Última Exposição Futurística de Pinturas: 0-10, organizada por Ivan
Puni em Petrogrado, em dezembro de 1915, Kazimir Malevich, artista russo, que
escolheu o termo para descrever suas próprias pinturas, porque era o primeiro
movimento em artes a reduzir a pintura à pura abstração geométrica. Foi também o
movimento que mais influenciou o Construtivismo.
O Construtivismo russo, termo usado até hoje, foi um movimento estético-político
iniciado na Rússia, a partir de 1914, como parte do contexto dos movimentos de
vanguarda no país. Ele negava uma “arte pura” e procurou abolir a idéia de que
a arte é um elemento especial da criação humana, separada do mundo cotidiano.
Caracterizou-se, de forma bastante genérica, pela utilização constante de geometria,
cores primárias, fotomontagem e tipografia sem serifa. Seu principal representante
é Tatlin.

Como a arte não precisava mais ser mimética, o aprimoramento


técnico foi deixando de ser importante. Com o passar do tempo, dava-se
mais atenção ao pensamento e menos à técnica. A famosa frase de Da
Vinci “La pittura è cosa mentale” (“A pintura é coisa mental”) tomou
grande dimensão e foi realmente levada a cabo.

O Movimento Dadá (Dada) ou Dadaísmo foi uma vanguarda moderna fundada em


Zurique, em 1916, por um grupo de escritores e artistas plásticos, dois deles desertores
do serviço militar alemão. O Dadaísmo é caracterizado pela oposição a qualquer tipo
de equilíbrio, pela combinação de pessimismo irônico e ingenuidade radical, pelo
ceticismo absoluto e pela improvisação. Enfatizou o ilógico e o absurdo. Entretanto,
apesar da aparente falta de sentido, o movimento protestava contra a loucura da
guerra. Assim, sua principal estratégia era mesmo denunciar e escandalizar. Tristan
Tzara, Marcel Duchamp, Hans Arp, Francis Picabia, Max Ernst, Man Ray foram alguns
de seus principais representantes.
O Surrealismo foi um movimento artístico e literário surgido, primariamente, na
Paris dos anos 1920, inserido no contexto das vanguardas que viriam a definir o
Modernismo. Reuniu artistas anteriormente ligados ao Dadaísmo e, posteriormente,
expandiu-se para outros países. Fortemente influenciado pelas teorias psicanalíticas
de Sigmund Freud (1856-1939), o Surrealismo enfatiza o papel do inconsciente na
atividade criativa. Seus representantes mais conhecidos são Max Ernst, René Magritte
e Salvador Dalí, no campo das artes plásticas, e André Breton, na literatura.
O Futurismo foi um movimento artístico e literário que surgiu oficialmente em 1909,
com a publicação do Manifesto Futurista, pelo poeta italiano Filippo Marinetti, no
jornal francês Le Figaro. Os adeptos do movimento rejeitavam o moralismo e o
passado. Suas obras baseavam-se, fortemente, na velocidade e nos desenvolvimentos
tecnológicos do final do século XIX. Os primeiros futuristas europeus também
exaltavam a guerra e a violência.

CEDERJ 95
Artes na Educação | Do Impressionismo à fotografia e à arte contemporânea

DUCHAMP

Em 1917, uma obra de arte chocou o mundo. Marcel Duchamp


fazia parte da comissão de seleção do Armory Show, salão de arte em
Nova York criado em 1913 que exibia a vanguarda artística mundial.
Duchamp comprou um urinol em uma loja, assinou um falso nome,
R. Mutt, e o inscreveu no Armory Show. A comissão de seleção ficou
horrorizada, considerando tal obra um desrespeito e, em reunião bastante
conturbada, já que era de praxe aceitarem todas as obras inscritas,
recusou. Mas de nada adiantou, a revolução já estava feita. Duchamp
e seus ready mades transformariam tudo o que anteriormente já havia
sido pensado em arte. O limite arte-vida se aproximou de tal forma que
não se podia mais distinguir um do outro. A arte passou a ser feita de
elementos do cotidiano.

Marcel Duchamp (1887-1968). Artista plástico francês, considerado um dos precursores


da arte conceitual, e que introduziu a idéia de ready made como objeto de arte.
Considera-se que a característica essencial do Dadaísmo é a atitude antiarte. Duchamp
será o dadaísta por excelência. De fato, por volta de 1915, quando abandonou a pintura,
assumiu uma atitude de rompimento com o conceito de arte. O ready made é uma
manifestação ainda mais radical da sua intenção de romper com o fazer artístico, uma
vez que se trata de apropriar-se do que já está feito: a escolha de produtos industriais,
realizados com finalidade prática e não artística (urinol de louça, pá, roda de bicicleta),
elevados à categoria de obra de arte.

Figura 30.3: Fonte, de Marcel Duchamp (1917).

96 CEDERJ
30
ATIVIDADE

AULA
1. A partir da idéia de ready made, explicitada anteriormente, crie o seu
objeto artístico, recorrendo a um ready made. Na sua casa ou na rua, escolha
um objeto qualquer para se transformar em obra de arte. Após a escolha do
objeto, desenvolva, por escrito, uma defesa, que pode ser tanto visual quanto
conceitual, para que seu objeto seja elevado à categoria de obra de arte.

COMENTÁRIO
A própria seleção do seu objeto permite que você desenvolva a
acuidade visual e o pensamento crítico. Partindo do princípio de
que tudo pode ser arte, a defesa conceitual da obra por parte
do artista torna-se extremamente importante. Sem dúvida, seria
bastante interessante ouvir os relatos de seus colegas. Nesse dia,
seus objetos artísticos poderiam ficar expostos no pólo para serem
apreciados pelos demais alunos.

Na década de 1960, surgiu um movimento chamado arte con-


ceitual. Fortemente influenciada pelas idéias duchampianas, a arte conceitual
considera a idéia, o conceito por trás da obra, sendo o mesmo superior
ao resultado final (a obra pronta para ser exposta). Seu precursor foi
Joseph Kosuth, que pregava a arte como filosofia. Uma de suas obras mais
conhecidas é Uma e três cadeiras. Nela, o artista dispõe uma cadeira ao lado
de uma imagem de cadeira e do conceito de cadeira.

Figura 30.4: Uma e três cadeiras, de Joseph Kosuth (1965).

CEDERJ 97
Artes na Educação | Do Impressionismo à fotografia e à arte contemporânea

A arte contemporânea trouxe à tona uma nova necessidade para


os artistas. Sempre ouvimos falar que não se formam artistas, que o
indivíduo já nasce com um dom para sê-lo. Com o advento da arte
contemporânea e a elevação do conceito como de suma importância para
a realização da obra, os artistas foram, cada vez mais, ingressando nas
academias e universidades, locais de desenvolvimento do pensamento.
E o mercado de arte foi, crescentemente, segregando artistas que não
possuíam formação acadêmica.
Já Jeff Koons (Figura 30.5), artista norte-americano ainda vivo e
representativo no cenário internacional, trabalha o conceito de banalidade
no mundo superficial e repleto de futilidades onde vivemos. Essa é uma
característica de extrema relevância na arte contemporânea. Percebe-se que
o artista se serve do seu trabalho para questionar a vida, o ser humano.

Figura 30.5: Em prenúncio à banalidade, de Jeff Koons (1988).

A arte contemporânea trouxe consigo outras tantas características,


e uma de suas principais é a interatividade artista-obra-espectador.
Com isso, surgiram formas de expressão como instalações, happenings,
performances, intervenções urbanas, Land Art. Os precursores da arte
contemporânea brasileira (Hélio Oiticica, Lygia Clark, Lygia Pape e
outros) foram, também, pioneiros nessas novas formas de expressão.

98 CEDERJ
30
Instalação é uma forma de manifestação artística que se propõe a discutir e ocupar

AULA
o espaço expositivo, colocando o espectador “dentro” da obra.
O happening (a palavra é inglesa e significa acontecimento) é uma forma de
expressão das artes visuais que, de certa maneira, apresenta características das artes
cênicas. Nesse tipo de obra, quase sempre planejada, incorpora-se algum elemento de
espontaneidade ou improvisação, que nunca se repete da mesma maneira a cada nova
apresentação. Apesar de ser definida por alguns historiadores como um sinônimo de
performance, o happening é diferente, porque, além do aspecto de imprevisibilidade,
geralmente envolve a participação direta ou indireta do público espectador.
A Performance é uma modalidade das artes visuais que, assim como o happening,
apresenta ligações com o teatro e, em algumas situações, com a música. Difere do
happening por ser mais cuidadosamente elaborada e não envolver, necessariamente,
a participação dos espectadores. Como, geralmente, possui um “roteiro” previamente
definido, é passível de ser reproduzida fielmente, em outros momentos ou locais.
Como, muitas vezes, a performance é realizada para uma platéia restrita ou mesmo
ausente, seu conhecimento depende de registros por meio de fotografias, vídeos
e/ou memoriais descritivos.
Intervenções Urbanas caracterizam-se por obras que ocupam o espaço urbano
aberto. Geralmente, têm caráter monumental para que possam ser percebidas pelos
indivíduos.
A Land Art, também conhecida como Earth Art ou Earthwork, é o tipo de arte em
que o terreno natural, em vez de prover o ambiente para uma obra de arte, é, ele
próprio, trabalhado de modo a integrar-se à obra.

Figura 30.6: Exemplo de Land Art: Spiral jetty, de Robert


Smithson (1970).

CEDERJ 99
Artes na Educação | Do Impressionismo à fotografia e à arte contemporânea

ARTE CONTEMPORÂNEA BRASILEIRA

Figura 30.7: Tropicália, de Hélio Oiticica (1967).

A arte contemporânea brasileira surge em meados da década de


1950 com dois movimentos genuinamente brasileiros. O Concretismo
em São Paulo e, logo depois, o Neoconcretismo, no Rio de Janeiro.
O Grupo Neoconcreto surgiu em conseqüência da cisão no Movimento
Concreto, em março de 1959. A cisão ocorreu devido a divergências
existentes entre artistas paulistas, oriundos do Grupo Ruptura, e cariocas,
oriundos do Grupo Frente. Do Movimento Neoconcreto fizeram parte
artistas que, hoje, são considerados dos mais importantes do Brasil, como
Lygia Clark, Lygia Pape e Hélio Oiticica.
Hélio Oiticica e Lygia Clark, principalmente, trouxeram para a
arte brasileira o embate arte-vida com obras que exigiam a participação
do espectador, como os penetráveis de Hélio ou os bichos de Lygia.

Figura 30.8: Obra da série “Bichos”, de Lygia Clark (1961).

Para conhecer o Manifesto Neoconcreto, acesse o site


http://portalliteral.terra.com.br/ferreira_gullar/porelemesmo/manifesto_
neoconcreto.shtml?porelemesmo

100 C E D E R J
30
CONCLUSÃO

AULA
A arte, hoje, privilegia o conceito, as idéias, a discussão do mundo
em que vivemos, assim como o embate arte-vida, a interatividade com o
espectador. Talvez por isso muitas pessoas se surpreendam quando estão
frente a uma obra contemporânea, que não mais privilegia o belo, como
nas pinturas renascentistas. Ao longo dos anos, passou-se a conferir à
arte a preocupação mais com o pensamento e menos com a técnica.

RESUMO

A arte contemporânea é vista por muitos com preconceito. Tentamos desmitificar


a produção artística nos dias de hoje, apresentando os fatos que determinaram
a sua existência.
O surgimento da fotografia, no século XIX, representou o rompimento da arte
com o ideal de representação fiel da realidade. A representação do real por meio
da pintura com o tempo foi se tornando, portanto, obsoleta.
O Impressionismo, movimento marcante na pintura, deu origem às grandes
tendências artísticas do século XIX. Surgiram, em decorrência de seu ideário e
de suas propostas estéticas, diferentes e expressivos movimentos: Simbolismo,
Expressionismo, Abstracionismo, Construtivismo, Suprematismo, Dadaísmo,
Surrealismo e Futurismo.
A arte conceitual é um exemplo de tendência artística contemporânea. Teve
como um de seus mais expressivos representantes o artista plástico francês Marcel
Duchamp. Ao utilizar como objetos de arte os ready made, elementos do cotidiano,
assumiu uma atitude inovadora de rompimento com o conceito convencional de
arte, aproximando-a, definitivamente, da vida. Fortemente influenciada pelas
idéias duchampianas, a arte conceitual considera o conceito por trás da obra.
As instalações, os happenings, as performances, as intervenções urbanas e a
Land Art surgem como manifestações artísticas contemporâneas que privilegiam
a interatividade na relação artista-obra-espectador.
O Concretismo e o Neoconcretismo, movimentos artísticos genuinamente
brasileiros, fundam as bases da arte contemporânea nacional, cujos principais
representantes são Lygia Clark, Lygia Pape e Hélio Oiticica.

C E D E R J 101
Artes na Educação

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Aula 1

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