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LITERATURA BRASILEIRA IV
SÃO PAULO
NOVEMBRO/2017
Machado de Assis é, sem sombra de dúvidas, um dos maiores escritores da
literatura brasileira. Sua obra é, ainda hoje, objeto de estudo em diversas áreas do
conhecimento. Seu interesse pela descrição da sociedade nos leva a redesenhar,
principalmente, o Rio de Janeiro do século XIX. Suas personagens são, em sua maioria,
complexos e circulares, ou seja, não tem um comportamento único e previsível. O intuito
deste trabalho é realizar uma aproximação entre os contos Dona Paula e Dona Benedita,
comparando as diferenças e semelhanças existentes entre eles.
Dona Benedita, sob um olhar menos crítico, representa essa mulher submissa.
Abandonada e, supostamente, traída pelo marido que a deixou no Rio de Janeiro para
morar em Belém, D. Benedita parece estar sempre de tranquila e feliz com as pessoas que
a rodeiam. É importante pontuar, por exemplo, a presença frequente do cônego Roxo,
homem da igreja que, assim como a maioria dos personagens religiosos presentes na obra
de Machado, frequenta a casa das personagens principais especialmente para dar
conselhos e comer.
O primeiro capítulo se passa em seu aniversário, onde o narrador nos apresenta a
personagem que dá nome ao conto, seus amigos e sua filha. A descrição de D. Benedita
é de uma mulher doce e afável, muito amorosa e que tem uma grande afeição pelos
elogios, como no trecho reproduzido a seguir:
D. Benedita não se contenta de falar à senhora gorda, tem uma das mãos desta
entre as suas; e não se contenta de lhe ter presa a mão, fita-lhe uns olhos
namorados, vivamente namorados. Não os fita, note-se bem, de um modo
persistente e longo, mas inquieto, miúdo, repetido, instantâneo. Em todo caso,
há muita ternura naquele gesto; e, dado que não a houvesse, não se perderia nada,
porque D. Benedita repete com a boca a D. Maria dos Anjos tudo o que com os
olhos lhe tem dito: - que está encantada, que considera uma fortuna conhecê-la,
que é muito simpática, muito digna, que traz o coração nos olhos, etc., etc., etc
Dona Benedita é uma mulher idealizadora, mas que não realiza muitas ações. A
personagem passa boa parte do conto planejando ir até Belém para ter com seu marido e,
em todas as ocasiões, acaba deixando para outro momento e sua ida nunca acontece. Já
Dona Paula, encontramos uma mulher mais atuante. O conto se desenrola a partir de uma
briga de casal entre a sobrinha de D. Paula e seu marido. Ao contrário de D. Benedita, D.
Paula resolve o problema de maneira objetiva:
- Você perdoa-lhe, fazem as pazes, e ela vai estar comigo, na Tijuca, um ou dous
meses; uma espécie de desterro. Eu, durante este tempo, encarrego-me de lhe pôr
ordem no espírito. Valeu?
Conrado aceitou. D. Paula, tão depressa obteve a palavra, despediu-se para levar
a boa nova à outra, Conrado acompanhou-a até à escada.
Noto que rasgou agora o babadinho do punho esquerdo, mas é porque, sendo
também impaciente, não podia mais "com a vida deste diabo". Essa foi a sua
expressão, acompanhada logo de um "Deus me perdoe!" que inteiramente lhe
extraiu o veneno. (...) E, rápida, calçou a chinela, concertou depressa o punho do
roupão, e dirigiu-se à escrivaninha, para começar a carta. Escreveu, com efeito,
a data, e um: - "Meu ingrato marido"; enfim, mal traçara estas linhas: - "Você
lembrou-se ontem de mim? Eu..."
Dona Paula apresenta à sociedade a imagem de uma senhora viúva, séria e muito
correta. Essa máscara é rachada quando ela escuta o nome do suposto namorado de sua
sobrinha, reacendendo uma memória que, aparentemente, estava bem guardada:
Dona Paula guarda sua outra face em memórias. Com o fim de seu relacionamento
com Vasco – o pai - , ela se torna uma mulher “austera e pia, cheia de prestígio e
consideração”. Só temos acesso a essas informações quando ela está sozinha, refletindo
sobre o que aconteceu com ela e em como a sua sobrinha está lidando com uma situação
extremamente semelhante, especialmente por se tratar do filho de seu antigo namorado.
Péres (2008) chama a atenção para outro ponto importante em Dona Paula, o
conceito de memória. De acordo com ele, Machado trabalha o problema da carga
emocional no conto. Por se tratar de uma situação irônica, considerando que uma pessoa
que traiu o matrimônio tenta salvar a moral da sobrinha que está fazendo o mesmo, o
conto é cheio de contradições. Podemos encontrar um exemplo no trecho a seguir:
D. Paula, mesmo com uma situação semelhante em seu passado, faz o possível
para evitar que Venancinha siga os seus passos. A personagem se tranquiliza ao descobrir
que, na verdade, o romance de sua sobrinha com Vasco não passou de “um prólogo –
interessante e violento”.
ASSIS, Machado de. Dona Benedita. Obra Completa. Rio de Janeiro : Nova
Aguilar 1994. v.II. Disponível em:
http://www.dominiopublico.gov.br/download/texto/bv000235.pdf