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DIANTE do postal de Kleber, no delírio de ter uma cidade sob o sol nas mãos
e estar sob o sol de outra cidade, evocou o dia em que conheceu Francesca,
levado pela relação entre a reminiscência e os dois sóis, relacionando
Francesca com sua ida de um para o outro. Na margem do Tejo o vendedor de
haxixe abordava os estrangeiros. Eflúvios de tágide emanavam do outro
envelope, a carta de Katia. Fala de trabalhos e estudos em Milão e de sua vida
solitária e de todo o seu tempo tomado mas dera assim mesmo um pulo até
Moscou após um giro pelas capitais da Comunidade Europeia. Era o início da
livre circulação de pessoas e mercadorias. Ela falava. Ele podia ouvir a sua
voz. Soava com a naturalidade de quem diz que viu o crepúsculo da varanda
de casa. É o mundo de camponeses e reis e dos pedestais da aristocracia
feminina. De ternos vagabundos sob o sol.
Então se viu na carta. O papel fino o reflete contra o trânsito que flui
para o Porto. Acinzentado brilho imperial cobre o casario nas ladeiras ao
redor. Cheiro de vinho no ar ao de grelha e rio se mistura. Francesca na
memória de sua língua. Tamborilam as águas da fonte nos ladrilhos rangentes
à passagem dos bondes. O prédio na esquina do paço ergue-se triste em
cicatrizes e olhos duplicado ao longo da água no meio-fio. A gola azul de
zuarte levantada até as orelhas. As sobrancelhas se encontram na glabela.
EU disse ao Sr. Jean: "Pai, precisamos fazer alguma coisa. Ele parece
tão boa pessoa e assim vai enlouquecer". Talvez eu já estivesse apaixonada e
fosse um pretexto mas talvez nao e só estivesse se manifestando o forte
instinto maternal que eu nao imaginava viesse a ter um dia e talvez nem
precisasse porque nao queria ser mae mas depois que dei aa luz entendi o
que significa o ditado "do homem sao as disposicoes do coracao mas Deus
direciona os caminhos".
Acho que o sr. Jean me atendeu porque no fundo temia que eu tivesse
puxado a ele e logo sumisse no mundo e quando me arrependesse fosse tarde
como foi para ele e acho que estar ali diante de mim de um lado e de sua
noiva do outro deixava isso bem evidente e doloroso para ele e eh possivel
que ali tivesse tido a ideia de me dar o apartamento de presente se o que ele
imaginava estivesse certo como estava porque tanto me segurava perto
quanto protegia o patrimônio. Foi mais ou menos o que fez quando entregou
a administração da fazenda ao Kleber. Acho que todo pai é assim. Mas
olhando para a Mae e para mim mesma hoje vejo que as mães são bem
diferentes entre si por mais que tenham pontos em comum.
Os olhos nublados doíam. Bem que seus pais avisaram. "Você precisa
fazer uma faculdade". Profetizavam essa ereção inútil.
- Ele é muito lindo! - Você só pensa nisso, amiga... - Por que outra
razão eu me ligaria ao movimento estudantil? - disse ela. E deu risada.
Ele chegou e disse "Oi pessoal". Ela já tinha tudo planejado e pouco
depois estavam no alojamento. Do outro lado da parede tocava Beatles. Os
outros deviam estar tagarelando Well you know sobre sistema educacional e
política e Vietnã mas no fundo diziam que Valerie tinha o direito de fumar
unzinho e depois fazer sexo com aquele homem.
Apanhou a linha sete até Pueblo Nuevo e a cinco até Ventas. Havia ali
cinemas e sopas e madrugadas segundo o suplemento. Viu o cartaz e entrou.
A inverossimilhança do castelhano perfeito de Sting e Kathleen Turner fez da
sessão um tipo estranho de terapia e saiu sereno e bem disposto. Não lhe
ocorreu qualquer associação entre o filme e Blandine mas havia Trieste. Se
relacionasse os cenários com os arredores da Via della Sorgente onde ela
vivia e caminhava ao sol e aquele mar do filme com o mar que agora a
extasiava, teria ficado ansioso e triste. Mas não lhe ocorreu qualquer ligação e
saiu ileso graças a esses complexos mecanismos mentais que nos protegem de
nós mesmos.
“OI ANDREI, como tem passado? Por onde anda que só agora mandou
notícias?” Ele conquistara o amor de todos e a mãe esperava em Deus. Mas da
filha não falava. A porta da casa estaria sempre aberta para ele mas Blandine
não estava mais lá.
Minha mãe era mineira e meu pai era francês. Estavam desquitados. Eu
e minha irmã nunca tínhamos saído de Piumhi na época que Andrei chegou.
A mãe vivia doente mas nunca era vista prostrada numa cama. Acordava às
quatro da manhã. Tratava dos animais, tirava leite, moía café, limpava a
casa. O pai morava em Ribeirão e quando fiz vinte e um anos deixou a
fazenda comigo. Eu tinha planos de estudar na capital, fazer uma faculdade,
mas ele me convenceu e me preparou desde os dezoito. As coisas estavam
nesse pé quando Blandine foi tirar o título de eleitor e se encontrou com ele
para voltarem juntos. O pai estava preparando o novo casamento com a dona
de uma pensão, que era a pensão em que Andrei estava. Nessa época ele
escrevia para o diário local. Acertou um salário baixo porque estava na pior
mas logo percebeu o quanto era baixo mas aí o dono do jornal nem quis ouvir
sobre aumento dizendo que o combinado não é caro. Sei disso porque meu
pai e o senhor Ubiratan eram amigos. Na verdade, ele achava que seria bom
para Andrei, porque dizia que ele tinha sido muito mimado pelos pais e
parece que continuou sendo por patrões, porque era de fato muito inteligente,
mas o que tinha de inteligência tinha de susceptibilidade e se magoava por
qualquer coisa. Para mim era ótimo que minha irmã se apaixonasse por
alguém assim pois ela era muito ambiciosa e até insensível e quem sabe o
amor fizesse bem e ensinasse a aos dois que toda moeda tem dois lados.
Quando Blandine apareceu na sala com o pai, Andrei via televisão na
sala. Antes, o senhor Jean e a noiva faziam planos na cozinha e debruçada
na janela Blandine esperava. Quando ela viajou de manhã, pôs na mala
aquele estojo de maquiagem e loções e perfume e logo vi que ia acontecer
alguma coisa do tipo. Quando meu pai os apresentou, Andrei fez uma
observação sobre como o nome dela era bonito e o pai explicou que gostava
de Liszt e que se eu tivesse nascido primeiro teria me chamado Franz. De
noite, antes da viagem para cá, foram jantar e convidaram Andrei. Ele
confessou que estava bebendo demais, que as coisas não estavam bem, mas
não falou de dinheiro, o que meu pai achou elegante e acho que aí começou a
gostar dele. - São os males da cidade grande - disse o senhor Jean. - Por que
você não vem conosco e passa um tempo na roça, lá em casa? – Pode
trabalhar nos cafezais - disse Blandine, sorridente. - Será uma ótima terapia.
Ela costumava levar a comida quando a gente trabalhava no milho
antes da panha. Então peguei o trator e fui levar algumas sacas. Eu não
gostava nada do cara bonito e rico da cidade. Estava na cara que em um ou
dois anos estariam separados e minha irmã ia ficar ainda mais difícil do que
antes. Daí demorei o suficiente. Pensava rindo que ia medir o tempo pelo café
que Blandine trouxera, quando chegasse queria um golinho. Não me importo
com café morno, até gosto, não queima a língua.
Estavam juntos há uma semana e eu e a mae felizes. Pareciam mesmo
feitos um para o outro e que seriam felizes para sempre na casa que papai
prometera como presente de casamento. Andrei não sabia. Blandine a
princípio não contou. Uma e outra coisa e o casamento e a nova vida iam
ficando para mais tarde. Minha irmã me contou um dia disse para ele -É que
você se sente dividido porque gosta da roça mas não esquece as facilidades
urbanas. Pode ser. Ou era ela quem queria viver longe da roça e daquele
ambiente de fofoca, e eu nem a posso culpar.
Em 1986 o amor e o ciúme tinham crescido muito entre eles e acho que
por volta dessa época começou a pesar mais o fato de que ele era um cara
pobre e inseguro do que ser um cara legal e bondoso e trabalhador. A mãe o
adorava porque ele era mesmo um genro atencioso e dava muitas mostras de
amor a todos nós, mas ele não ia casar com a mãe. Quem imagina que
alguém se decide por um tipo de vida por causa de um cheiro, no caso o
cheiro da terra e do café? Assim que se separaram, o pessoal começou a
perguntar por que isso e aquilo mas eu acho que nesse tipo de coisa não há
resposta e nem pergunta devia haver porque ninguém pergunta por que as
pessoas se juntam, uns dias antes de a mãe morrer a gente falava sobre isso.
Ele adorava uma santa e no fim os defeitos dela apareceram com tudo.
Ela não era santa e talvez sequer mulher, é minha irmã mas sempre foi uma
menina mimada. E ele talvez não tenha tido nunca aquele tipo de atitude
máscula e meio canalha que atrai as mulheres. No começo ela se deliciava
com a presença dele e ainda mais com a ausência, a presença imaginada, é o
que me dizia. O homem não mais era mais uma espécie hostil para ela e isso
de algum modo me aliviava. Ela até mudava e ficava meiga ao lado dele.
Vozes ao longe. Apanhadores. O sino da igreja dá seis horas. Arrasta
a memória em cada badalada.
Ele foi um apanhador calado deslocado no canto da carreta, o que era
chamado de “jornalista”, torcendo para que não puxassem conversa sabendo
que iriam puxar. A gente imaginava o que ele teria feito para terminar assim
empoeirado e suado como todos e mais pobre do que todos e sem casa para
morar e sem parecer ter morado em uma casa algum dia, sem amigos e sem
parentes, como se a vida houvesse se desfeito dele e por alguma razão o
tivesse lançado no mato para menos que morrer - para regredir ao tempo
anterior a seu nascimento.
Não era comum e por isso me espantei quando Blandine veio certa
manhã e começou a fazer confidências. Ela disse sobre um dia em que
deitados na relva ao lado da casa desabitada conversavam sob o sol frio e
baixo do começo de junho e ele perguntou sobre o namorado dela e ela
respondeu com o motivo da segurança material. Entendi que foi naquele dia
em que saí com o trator.
ELA DISSE que disse que não reprimiria seu desejo a não ser que eu
não a quisesse. Eu a queria. Não desejá-la seria não estar ali; o lago ao lado,
os patos. A brisa encrespando as águas. Não desejá-la seria não existir. O
corpo não formigar na grama. A vegetação não receber a tarde da inesperada
quinta-feira de um agosto logo tornado mais distante do que deveria pelo
efeito da saudade.
EU CHEGAVA a temer tanto prazer. Seria lícito? Não por ser solteira.
Seria lícito tanto prazer, em qualquer circunstância? Mas ah quando ele
chegou da lavoura com os olhos caídos e cheios de si!... As feridas da mão
como medalhas e suportando meu olhar com uma expressão altiva e cansada
como um menino que tivesse passado de ano com média cinco diante de sua
mãe. - Você está bem? Deu tudo certo? Vai conseguir voltar amanhã? - Sim e
sim - respondeu ele. - E sim.
- Você tem um riso bonito – agora é tarde. Eu não devia ter dito isso
mas já disse.
Agora eu era ele capaz de acreditar, como um gato sente a presença
humana sem ver, como um cego. A aura que o envolvia. - Olá! Arrumei teu
quarto. - Não precisava se incomodar. - Não foi incomodo algum - eu disse,
quase completando -Foi um prazer – mas não ia pegar bem.
Quando nos reencontramos no Rio, eu me lembrei que pensava como
ele trabalhava duro, como era bondoso e desprendido. Dava o dinheiro todo
para minha mãe. Puxava as cerejas com as grandes e amorosas mãos cujas
palmas não mais ficavam em carne viva embora fossem de certo modo carne
viva. Com a dedicação com que possivelmente qualquer monge faria caso o
café guardasse o significado da vida e o segredo do Tempo.
Lembrei de mim mesma com a palha do chapéu preso à cabeça pela fita
vermelha. O contorno dos montes do sul de Minas correndo na linha do
horizonte com o frescor azulado do inverno. Lembrava e pensava
"reencontrar alguém assim depois de anos numa cidade desse tamanho" e me
via como num filme quadros depois: as cestas resvalando na parte externa de
meus joelhos e certo desconforto da palha tornado um simples sentir como
acontece com as dores crônicas. Se esticasse uma linha de seu olhar até o
rosto de Andrei subitamente oculto pela saca que levava - sessenta quilos bem
pesados como eu disse quando ele lhe perguntou- a linha acompanharia o
caminho de terra pelo qual se chegava à casa principal. A luz dourada de um
rio calmo.
VEIO O FIM da safra e eu quis partir. O interior está mudando mas não
o bastante. As luzes da casa estão acesas e há cintilações no telhado. Questão
de pouco tempo. A queda do muro de Berlim será o fim de uma era e a
perestroika varrerá o leste europeu e promoverá fartura para os povos
soviéticos independentes. Mandela liberto e de volta à harmonia familiar mais
que do apartheid é o fim do racismo no mundo. Pinochet permite um
plebiscito sobre sua permanência no poder e aceitará o não. A transição
política brasileira se consumará graças à pureza dos partidos de esquerda e à
sublime Constituição de 88. Enfim a justiça social. Um jornalista precisa
participar de tão singular momento, é missão. Então numa manhã úmida
fechei a mochila e parti.
No dia em que eu ia, segundos antes de ir (pegarei o ônibus que leva
dos cafezais ao centro de Piumhi), ela apareceu à porta do alojamento. Tarde
demais cai em mim. Como quem não quer, como que agindo sob o pano de
fundo da segurança que o namorado de BH proporcionava, ela santificara o
desejo e revelara uma face definitiva do amor, a certeza de que a vida passa.
O calhambeque da empresa mineira de transportes buzina ao longe,
buzina para trazer a morte revestida de resto de vida e de saudade, de vocação
literária. Traz um epílogo descendo pontual a sinuosa encosta ladeada de
ravinas buzinando buzinando. Por que não sofreu uma avaria- Por que não
houve uma greve de motoristas- Por que o governo não proibiu o êxodo rural-
O olhar molhado de Blandine me acusa cheio de dor e altivez. Contra a
luz seu queixo adquire um duro contorno de seios. A manhã treme em seus
lábios. Em suas olheiras a noite. Não poderia ter vindo antes me deter-
Amor pode ser apenas isso. Alguém que supere o amor-próprio e se
antecipe ao erro contra o qual será o futuro implacável.
Mas não, não quis. Preferiu me punir assim segurando o vestidinho de
popelina contra o peito e assim enquanto vivesse ele guardaria a lembrança;
enquanto vivesse, ela estaria ali.
- Você se aventurou - diz o homem. - Então por que não tem a mesma
determinação para refazer a vida em Lisboa ou conseguir o dinheiro da volta-
É que ele ouviu dizer que o homem ajuda imigrantes a achar trabalho.
- É verdade. Mas só em ocasiões especiais e em casos especiais, que
não é o seu. Agora se me dá licença.
- E a publicação de um livro em baixa tiragem?
- Antes de gostar de você como escritor eu precisaria gostar como
pessoa.
- Passaria a gostar em circunstâncias especiais?
Ela diz que não é da península. - Não ligo a mínima para a fama das
pessoas - diz. Seus olhos se distraem no espelho.
Suspirando ele contemplara os sofisticados predios que junto a
conztrucoes antigas constituiam o bairro e agora a nevoa os ocultava na amena
tenperatura da manha mas ele estava longe, no quarto ao lado.
Ela disse que não lidava com povos, lidava com pessoas; não com a
fama delas. - Se fosse perigoso deixar as chaves, seria perigoso ter trazido
você.
Ela sentou e prendeu a meia na liga e colocou uma das sandálias num
equilíbrio sutil de colibri e apanhou a outra, as costas delineadas pela lâmpada,
e a segurou por trás apoiando o bico na beira da cama. Os dedos forçam os
músculos da panturrilha; o pé se amolda ao calçado. O vestido sobe e
acompanha a coxa lenta, um rochedo. Um pouco acima e ao lado um ossinho
saliente na marca alinhado com o culote.
De repente, cédula de moeda nova que tem o mesmo valor apesar do
diferente layout, outro prazer subiu pelos nervos do rapaz, como se sua reação
tímida tivesse valorizado a oferenda.
Ela apoiou o antebraço direito no alto dos arrepios no jogo de luz e
sombra. O indicador e o polegar forçaram o elástico em pressão discreta e a
peça esticada se deteve e acomodou. O vestido desceu Estava pronta. O
mundo a teria assim.
Permanecia a advertência vaga como uma coisa viva. Num futuro
próximo será necessário sair da pintura. A decoração da casa de Oleana será a
decoração da casa de Oleana e não haverá eternidade. Ela será o que é e ele
igualmente. O livro nas mãos será o mesmo velho livro contando as mesmas
velhas histórias. De resto, quando a viu novamente vestida ( última aparição
de uma Oleana a quem podia ainda imaginar recatada), quis guardá-la assim,
como são guardados os autógrafos de artistas no ostracismo.
O primeiro livro em que bateu os olhos foi a uma velha bíblia azul
antiqua version Casiodoro de Reina marcada num trecho dos salmos. Apertou
os olhos e nascendo nítida dessas falsas lágrimas a cidade se derramou nas
douradas letras da lombada. Abriu o volume entre três e dois dedos. Acariciou
a lombada de couro. “A jovem era muito bonita e vir-gem; nenhum homem
tivera relações com ela. Rebeca desceu à fonte, encheu seu cântaro e voltou”.
Eu estava sentado perto da janela e Kleber via o futebol pela TV. Passei
os olhos vezes sem conta pela carta. Pensei em algum momento na unificação
da Europa dos doze. Que quem estiver em Portugal estará na Europa. Na
facilidade de ir de Luanda para Lisboa e talvez do Brasil para Angola.
Segunda à noite na redação ainda pensava nisso. Olhava os ombros da
menina na prancheta à frente mas é em Angola que pensava, em Luanda, em
embondeiros à beira-mar, no rio Cuanza, no valor da moeda na Europa, em
encontro de Países de Língua Portuguesa. A situação política piorou mas dá-se
um jeito. A questão é mesmo o dinheiro mas posso vender os móveis, fazer
acordo no DP. E tem o apartamento. Acho que deve dar, pensei.
- Quem vai atender?- ouvi uma voz na redação.
O editor estava ligando de casa; perguntava se a página três foi fechada.
Eu disse que sim. As vaidades ficaram nos textos e o pessoal foi esquecer as
diferenças no bar da esquina. Eu poderia encontrá-los quando terminar. Não
vou. A colega das costas e ombros insiste, diz que eu estava precisando
espairecer. - Quem sabe eu vá.
Quando fala, a moça abre uns lábios muito vermelhos, faz gestos largos
que os seios acompanham.
Digo que nunca foi muito social - Não que não goste de convívio.
Enquanto escuta ela meneia a cabeça como quem diz “Entendi” E não
insiste mais. Sai balançando os quadris e a dispo devagar e beijando-a toda a
possuo. A porta bate e retomo o trabalho.
Apago as luzes ao sair da sala do Past-up. Sigo a silhueta de longe pelo
corredor. Faltam uns minutinhos para a meia-noite.
“Não dês às mulheres a tua força, nem os teus caminhos ao que destrói
os reis. Não é próprio dos reis beber vinho, nem dos príncipes o desejar bebida
forte” Fechou a Bíblia. Oleana saiu faz uma hora mas seu cheiro perseverava
na sala. Sem ela por perto ele pode trazê-la à distância que quiser e levá-la
aonde quiser e fazê-la rainha ou escrava.
Nesse espirito passaram as horas que nem por isso deram ao lugar
alguma familiriaridade. Exceto quando quis se levantar para ir ao banheiro e
nao conseguia abrir os olhos e a vontade se aplacava num sentimento
conhecido e ainda sem abrir os olhos mas ouvindo vozes antigas. – Coracoes
ao alto! - ja os temos no Senhor.- Nao nos deixe cair em tentacao. - Va em pax
e o Se.ngor vos acompanhe.
Depois o velha voz da dor que dissesse o que dissesse sempre concluia
n tom ameno quase amigavel "Nao se esqueca que eu estou aqui" e concluia
gargalhando. Foi por volta desse momento que deve ter adormecido e ao
despertar descoberto que se aproximava a hora do almoco. A sesta depois. A
cidade dormiria. Um e outro carro, os últimos por um tempo. A face dura de
um Cristo de lábios ressecados o encarava na quase tarde. Na assinatura de
Oleana o O envolvia as outras letras. A caderneta no bolso do blazer.
Respirou fundo ao passar em frente à janela. O lápis cadenciado no papel, seus
esforços tornavam-se caracteres de uma carta que o correio devolve porque o
destinatário se mudou.
Ela diz que não era para ele saber. Não queria que decidisse ficar a não
ser pelo amor. - Você está grávida! É nosso filho, não poderia ter escondido
isso de mim.
Ela diz que ia contar. Ele diz que a ama.
Ela pergunta sobre os planos dele para depois da safra. - Vai voltar para
o jornal?
Ele pergunta se ela iria junto.
Ela responde. - Você não ficaria?
Começou a chover. Deveriam falar com o Sr. Jean agora?
Talvez seja melhor esperar.
A mãe ficava até tarde fazendo crochê quando não tinha sono. É difícil
precisar o que isso significa em termos de horário mas simples quando se
pensa que tarde era sempre mais próximo da insônia rebote que ela costumava
ter após o primeiro despertar noturno. Variava nesse sentido mas permanecia o
fato de que esse crochê significava um dia anterior mais produtivo e um dia
seguinte mais exausto. E no fundo pouca diferença fazia porque em algum
momento, de um modo ou de outro, ela daria um jeito de fazer o seu crochê,
enquanto o feijão cozinhava ou quando o Pai tinha dores de cabeça, que
depois de uns anos de casamento passou a ser algo muito freqüente e se não
estava exausta o bastante ao longo de um dia, saía à cata de uma reforma no
dormitório dos apanhadores ou limar os cascos de um cavalo ou ver em
boletins agropecuários e nas rádios locais quais eram as tendências sociais e
ambientais ou tecnológicas do mercado. Sabia que a morte não tardaria e tinha
horror em pensar que pudesse apanhá-la ociosa, errando sabe Deus por onde.
Eventualmente, poupava seu próprio tempo mas tão-somente para pensar
como ajudar a filha, que estava naturalmente grávida e que não menos
naturalmente iria abortar se não se cuidasse, como nunca se cuidava. Pensava
por pensar porque sabia que a filha era igual ao pai e não iria seguir conselhos
por razões mais ou menos nobres, mas gostava de se sentir preocupada, era
como se colcasse a si mesma no mundo das normais que tanto invejava, essas
que se preocupam com o futuro dos filhos. Mas tudo o que gostaria de dizer
para Blandine era “Filha, faça o que a faça se sentir feliz, o resto se arranja”.
Andrei a princípio se chocou com tal visão de vida e mundo da sogra mas logo
se acostumou e na verdade deu-lhe razão ou pelo menos entendeu-a com toda
a empatia possível. E pensar em Donda Maria era sempre acabar pensando no
lago e nos pássaros, nos cheiros - ele correu para a cozinha do apartamento de
Oleana, espetou o garfo em duas das batatas na panela e diminuiu o fogo e
colocou um pouco mais de água.
Na avenida Andrei a viu pela primeira vez. Era a tarde do dia em que
vencia seu visto. Ela saía do banco. O guarda de trânsito com capacete de
caçador sobre uma armação circular pintada de vermelho sinalizava para que
ela passasse e distraído ao contemplá-la por trás ouviu uma buzina. Ele e o
motorista discutem em língua estranha apesar das palavras portuguesas.
Não era bonita. Tinha uma beleza nascida um pouco da elegância e
outro da riqueza e um tanto ainda da sensualidade. A idade deles regulava.
Tailleur caqui de gabardina e cintura marcada, bainha italiana. Scarpin preto.
Rica, estava claro. -Que olhar persistente-, pensou. -Deixa-me nua-. Todavia
um olhar triste. Não é angolano. Nem parece português.
Lábios finos. Os olhos nunca olham diretamente para o que vê - lentos,
ligeiramente estrábicos. Uma aliança exagerada parece respeitosa Entrou no
carro e antes de dar a partida achou que ele estava desolado.
Talvez tivesse sido melhor ele ter continuado no jornal e lutado pela
carteira provisional. Talvez a tenha deixado se afastar demais antes de encará-
la. Doravante será a estranha que passou, mulheres que poderiam ter sido na
vida de um homem e não foram. Por timidez, por unilateralidade, por soberba,
por inadequação, por martírio.
Ela olhou para ele com o tipo de olhar dirigido que se declara inocente
ao captar tudo à volta. Um brinco em forma de folha responde aos mais leves
movimentos de cabeça. Grafite no muro enquanto ele caminha. MPLA. Ele
aproximou-se.
- Com licença - disse ele. - Para onde você vai?
Sabiam que nunca mais. Que tudo o que tinham de verdadeiro estava –
Perdido? Então se permitiram. Para ele, perdido em Luanda, perdido onde
fosse. Dependente. Ou aceitava a profissão. Ficar rodeando autoridades
corruptas em busca de uma declaração mentirosa em primeira mão. Comentar
a declaração mentirosa como alguma coisa de suma importância. Fazer
espetáculo da dor alheia. Aí descobriu. Não era o diploma. E no mercado
literário seria igual. É só fazer as contas, como se diz, na ponta do lápis. Então
os dois. Não têm mais alternativas de arbítrio. Querem uma vida que não
existe e sabem. Podem enfim ter aquele caso.
No dia seguinte ao balé, eles se despediam. Ela insistiu para que ele
ficasse num hotel. - Ficarei melhor entre os mochileiros - ele respondeu. Ela
compreendia mas o Franco tem relações com políticos contrários a esse tipo
de turismo. - O Franco - suspirou ele. - Não fique assim - disse ela. Tudo ia
terminar bem. Por agora, que se divertissem. Para isso ela se casara com um
homossexual rico. - Vamos mudar de assunto - disse ele. - Então você
conhece Friul-Veneza- Palmanova, Udine... Trieste?
Ele tem dificuldade para entender o que ela diz e teria mesmo se falasse
português, tal o modo pastoso e arrastado com que falava. Não sou de
nenhuma igreja não, disse, só queria uma amiga. Antes que terminasse a frase
ela está gritando. - Quer saber? Não estava em nenhum jardim de crianças
quando você se aperfeiçoava em nós! “- A idade de pessoas como eu se mede
em séculos.” Alivia o suor num largo movimento da mão direita. Inclina o
rosto, chora.
– Olha, te odeio. Odeio todos os homens. Pode esquecer, não vou com
você, não de graça, de graça só com mulheres!
MASSIMO BARZAGHI deixou para trás três restaurantes no interior
de São Paulo com uma cartela segura e foi para a Itália morar com a avó e
assumir um restaurante na região de Chiant. A vista maravilha os clientes e a
comida é deliciosa, o atendimento excelente. Produtos locais escolhidos por
ele em pessoa. O fato de não ter sido fácil conseguir uma partida IVA como
teria talvez sido um CNPJ ele acredita que foi benéfico pois preparou-o
melhor para o empreendimento. Durante o processo fez amizade com figuras
importantes da República, inclusive um ministro que passava as férias com a
esposa em sua casa de campo ao pé dos Alpes Julianos cerca de duas horas da
fronteira com a Eslovênia. Trabalhava com uma tia e um sobrinho e mantinha
um empregado temporário por chamada que estava há um ano com ele e era
garçom mas eventualmente lavava louça e fazia compras.
Mas no ano passado resolveu fazer diferente. Alugou um luxuoso
apartamento na Via Amedeo d'Aosta. A principio foi pela proximidade com o
estadio Giusepe Meaza mas logo estar perto da zona vermelha se mostrou
muito mais importante. Era um imovel perfeito e Massimo nao ligava a
minima para as insinuacoes de alguns conhecidos e para provar que nao ele foi
naquela tarde e entao a viu e a partir dai sua vida estava transformada.
Ela no começo dizia antes do sexo que ele iria acabar se apaixonando
depois não vá dizer que não avisei. Massimo mal ouvia atônito com a beleza
da nudez fresca que aparentava ainda menos idade peça após peça e recusa
após recusa. Ele nao saber se tinha a ver com necessidade de dinheiro ou medo
ou uma inocente perversidade.
O caminho que leva do bairro granfino aa zona de prostituição estava
carregado de um pudor absurdo com ruas comportadamente carregadas de
turistas e milaneses timidos que chegavam a ruborizar quando uma das
meninas mais afoita fazia com os dedos o sinal classico de telefone querendo
dizer "me liga" e alguns chegavam a olhar para o lado ou dizendo "eata
falando comigo?" ou talvez para ver se alguem estava olhando. Havia
pizzzarias e lojas de roupas e ouviase um bonde que passava perto do
cemiterio e quase em frente do hipodromo. Foi o verde da vitrine que chamou
a atencao de Massino antes de ele se deparar com a visao - um verde berrante
de mesa de poquer com nuance de semaforo. Nao sera mentira dizer que o
vermelho lhe passou despercebido. E ouvir, ouvia vozes contidas talvez
curiosas mas muito discretas com o tom de que informa alguma coisa por
meio de uma pergunta..
Antonio portanto não era órfão. Não passou por uma infância difícil. Ao
contrário. Nascido em bom berço, teve tudo o que quis. Demorou mas enfim
seus pais admitiram. - Ele não tem mais jeito, querida. - Bobagem - dizia a
mãe - é só uma fase. Quando sentiu alívio ao deixar Antonio a casa, ela deu o
braço a torcer. O pai se refugiou no quarto. - Meu filho - lamentava. - Meu
único filho...
Ali estava, às margens do golfo.
Dez anos antes dois homens estavam agitados embora imóveis dando
impressão que é apenas mais uma discussão de negócios no centro de Milão. -
Você não está cumprindo nosso trato, Antonio. - Trato? que trato? - Você
sabe. - Ó Massimo foda-se! estou a gostar da chavala! o trato está cancelado.
- Você não é capaz de gostar de ninguém. - Foda-se pá! meu jeito de gostar
não é da sua conta! - Se gostasse não teria levado a coisa tão adiante. - Você
está é com ciúmes porque ela gosta de mim. - Só está contigo por causa da
droga. -Foda-se! Caralho! Não pá ela faz o que gosta e adora dinheiro e vai
com muitos mas só comigo goza. — Tanto que precisa de mulheres... -
Deixo-a livre. Ela adora ser livre. - E as drogas- Estão acabando com ela. -
Não fui eu quem fez a vida humana curta. Mas a dela será intensa. - Você
está louco. —O pá basa foda-se você é que iria dar o que ela precisa- Um
fodido de um escravo do trabalho-
Pagarão caro, não sabem com quem estão mexendo, Antonio garante.
Os policiais não entendem ou fazem que não e os turistas voltam ao passeio e
os nativos a seus afazeres. Acabou.
Havia um bosque próximo e uma lancha voava diante deles. Além, uma
cúpula. São os arredores de um lugar chamado Giudesca, Giudecca, algo
assim, se ele entendia os circunstantes. - Lamento - disse ela. Ele não
respondeu. Sorriu. Fez que não, não tinha importância. - O que você vai fazer
agora- - Vou voltar para Muggio -Ah. -Minha cidade. - Muggio... Muggio é
longe de Trieste- - perguntou Andrei. - Muggia é que é perto de Trieste -
respondeu ela. - Minha cidade é Muggio, como quem vai para Verona.
Sim, voltará a Muggio. Retomará a vida de onde foi interrompida há
dez anos quando conheceu Antonio.Queria haxixe. Experimentou heroína
gratuita. Ele estava encantado. Então lhe propôs riqueza. Por falar nisso, Katia
precisava um pouco de pó agora ou enlouqueceria.
Estão com as mãos livres agora pela primeira vez pelo que ele se
lembra desde que se conheceram. Sem mochilas ou nós ou estiletes.
A ladeira que subia era a mesma que descia e produzia efeitos inversos
nos que subiam ou desciam em meio aos toldos coloridos. Os duplos
cinzentos se movimentam agora no chão. Ela se detém nos doces.
Ele escreve. Ela torna a se deitar. Faz silêncio como os silêncios que
antecedem depois dos largos os alegros de Vivaldi.
- Nossa!
Perguntou se o relógio estava certo. Ele fez que sim. Quase um novo
dia.
- Estou ótima.
Abraçaram-se.
Sem a droga tudo se tornará mais fácil. Ela tentará se manter limpa
cada dia, como os anônimos. Era mesmo o único jeito - concorda ele
pensando em como se tornaram próximos e como ela estava próxima,
cheirando a sabonete, com sua coxa encostada na eletricidade do braço e a
renda brotando como um sol de cós da bermuda. Foi assim desde sempre. Ele
nunca cresceu o bastante. Nunca acordou completamente.
Na verdade ela não estava com fome mas a comida ia esfriar. Além do
mais o cheiro já começara a abrir seu apetite.
- Eu não - disse ela num tom de raiva contida que se alarga pelos gestos
e cria tiques no olhar - Onde está o menino comportado que deixei aqui de
manha?-
Ela estava olhando e garantia que isso em nada ajudava. Queria que
eles sentassem e conversassem.
- Mentira!
Ela jogou a bolsa na poltrona e deu três passos. Havia uma luta de
toques febris nos corpos unidos e desmascarados pelo mesmo beijo refletidos
na faca com fiapos de cebola no corte. Ele deu uma olhada na direção da pia e
se orientou. Ouvem o som tremido de metal no mármore. Ela enlaçou o
pescoço dele e cobriu seus lábios (Ja fucks mig så !).
— O arroz!
– Não, obrigado. Vou ver um filme – disse ele. Que ela fosse
sossegada.
A seu lado na cama ela dormia. Quando anoiteceu parecia uma chuva.
Carros no asfalto separavam os níveis de realidade e sonhos se confundiam
em preguiça ou receio de abrir os olhos. Vizinhos chegando e batendo portas
e chaves girando. E vozes. E vozes. Ele saiu primeiro da coberta e caminhou
pelo quarto como se procurasse alguma coisa. O ruído do prédio assim como
cresceu agora amaina. Ele voltou a se deitar e olhou a mulher adormecida e
encolhida. As costas expostas. Dormiu de novo.
A noite insone, o haxixe, Oleana e o almoço - adormeceu
profundamente.
Ele quase pegara em armas quando pouco mais que um garoto mas não
era ainda um homem e as tinha abandonado sem usar. Costumava lanchar
misto frio e coca com seus colegas de redação à sombra de um enorme
flamboyant laranja-avermelhado diante do prédio do jornal. Série harmônicas
de sabiás tardios e pares de saíras-amarelas.Uma loja na esquina havia sido
inaugurada na semana anterior à sua contratação. Importavam vinhos de mais
de dez países. Dois dos homens eram antigos andarilhos. Quando se está em
cidades do interior faminto do lado de fora de um muro o chão fica coberto
dos frutos de repente e o mochileiro mata enfim a sua fome. O cheiro,
entendeu, era de manga.
Teve um primeiro contato visual com Rachel no trem de Buenos Aires
para Santa Fé. Havia dureza em seu rosto mas logo se mostraria falsa; era ao
contrário terna como uma menina. Isso ficou claro quando apareceu de
surpresa no apartamento de Andrei no Rio, onde fez medicina na UFRJ que
então era referência nesse curso. Depois sumiu para os lados da região dos
lagos. Suas sobrancelhas eram escovadas e suas pálpebras lisas e alongando
seu olhar nos cílios curvados. Diluída nos alto-falantes Joan Baez enchia a
comunidade de Rosário como o canto de uma voz de metro. Ali Andrei e
Rachel começaram o namoro mas se conheceram mesmo na Ciudad de los
Ninos. Ela estava com uma sobrinha e ele escrevia um poema quando o
agarraram e exigiram dissesse o significado dos versos. Ele perguntou se
gostavam de poesia. Os dois riram muito quando Rachel explicou.
Ela sabe.
- Quem?
- O gajo que eu precisava ver em Paris. Estamos falando dele, não é? -
disse ela. Disse que nada sentia por ele e se metera naqueles negócios por ele,
sim, por você, Andrei! - Só me realizo com você mas você parece só se
realizar com o que escreve. Tive ciúmes dessa tal Donda - abraçou-o. - Quem
dera chorasses por mim! - levantou a voz. Só se realizava com ele! nada
sentia com os outros. Além do mais, era passado.
Ela suplica. Que ele a liberte dos outros. – Ti amo e voglio dirti tutto....
Numa quinta-feira quase oito da noite de uma que ainda não aparecera
no céu outonal, apresentou Andrei ao tio. Disse que era amigo do padrinho,
um sujeito que negociava diamantes na África. Trataram-no com reverencia.
Antes de partirem, ela insistiu em rodarem por Lisboa para tirar umas
fotos. Levou quase o dia inteiro.
Não sabia onde estava. Pernas trêmulas e dor de cabeça. Dói mais no
shopping. O rapaz que não se reconhecerá nas fotos fala. - Vou ao banheiro -
diz. O alívio é maior porque na volta a sessão de fotos terminou.
Quando meio que acordou Madrid dizia adeus e Miguel acelerava. Ele
escutou longínqua a discussão sobre que caminho tomar até Barcelona. Ao
lado da estrada corriam faias num biombo transpassado pelo arrebol e como
se mão insana tivesse rasgado o biombo de papel dava para ver um lago em
torno do qual azevinhos e freixos cirandavam. Ele imagina ou sonha
majestosa em seus oito anos Girl na picape. Joelhos baixos. Peito forte.
Voluntariedade nas obedientes espáduas. A tarde caminha quieta e calma para
Logroño, onde vivia a namorada de Miguel, razão da sua insistência pela
opção de percurso.
Enfim chegaram.
- Matéria-
- Portugal.
Ali estão os quatro à sombra da estátua, agora com uns dez graus
menos de inclinação, proporcionalmente acompanhada pelas sombras de cada
um.
- Você está com a cara abatida - diz o rapaz para Oleana. - Venha ao
meu apartamento, descanse um pouco.
- Ah claro que gostaria que você trabalhasse de novo pra mim. Mas
sabe como é, a empresa está em contenção.
- Tudo bem-
- Por que deveria me importar, só por estarmos juntos e você sair com
outro-
- Estamos juntos-
Cascais à janela.
- Escrever- é isso que tenciona fazer de sua vida- e para que isso
serve-
A súbita falta de energia no hotel logo é sanada pelo gerador. Ela não
recusará o novo convite.
- É claro.
Andorra-
Él dijo "Quédese callada, sólo abra la boca cuando yo diga " y se hizo
entonces de nuevo el silencio. él dio la vuelta y de nuevo de frente agarró mis
muñecas y las sacó hacia abajo y cogió otra media detrás en la cama lista
para eso y me ató y con la punta suelta y me tiró cerca del cabaret junto a la
puerta y me colgó allí.
Num primeiro momento ela nao acreditou no que estava ouvindo mas
quando entendeu que ele falava sério passou a ponderar e acabou achando que
podia ser uma boa ideia. Vámonos entoces disse ela.
- Não me diga que nunca sonhou com algo assim- ele disse.
Não existe nada tão belo quanto a fúria do mar nos despenhadeiros ou
tão terrível quanto ondas que sobem e arrancam pedaços de muretas e cospem
nos carros que passam lá em cima. Parece querem lambê-los para as
profundezas. Na beira da estrada uma mulher rega um jardim com cuidados
de proprietária. - Ali no porta-luvas - disse Rachel. Ele olhou dentro dos
olhos dela e estremeceu de prazer ao roçar com as costas da mão esquerda a
pulseira no braço quente enquanto a direita quase em simultâneo fechava o
porta-luvas. O revolver trêmulo quase caiu.- - Vejamos - - disse ela, abrindo o
mapa.
Quase 150 por hora. Escurece rápido. O céu se misturou com a náusea
e ele lutava para sentir a passagem do ar no ponto da respiração em que havia
o desconforto, logo abaixo da garganta. Não era nada, estava bem, se não
estivesse não suportaria a furiosa inclinação da curva.
Ele colocou a foto que ela lhe deu na carteira e ficou olhando como se
indagasse da foto uma outra decisao. Quando se beijaram mal usou a lingua,
apenas o necessario para reter uma lembranca. Prestou-lhe a homenagem de
uma lágrima quando ela acenou. Ela pairou assim em sua vida, com jeito de
anjo da guarda, que quer o nosso bem mas não é Deus.
Cerca de duas horas depois que deixaram Logrono, Oleana disse para
Michel parar num posto e saiu do carro. Michel contou então do mau-humor
dela à noite, e eu é que estou pagando, acrescentou rindo. -Não pude evitar,
Michel - disse Andrei; me desculpe.
Michel riu e disse que estava tudo bem. Quando brigaram naquela
festa, antes de Oleana conhecer Andrei, ele estava desistindo. Idealizara a
mocinha tímida de mochila às costas, tomando água com as mãos em concha
numa nascente suíça. Idealizara. Mas agora só existe a mulher nórdica.
— Você está certa. Pensando bem, ele bem podia ter ficado com a
mulher de Logrono.
Que ficasse entre eles: ela teve uma experiência homossexual num
hotel próximo da estação, sabe Michel, aquele que uma vez pagamos oitenta
dólares a diária, caramba, a mulher da portaria era uma indiana deslumbrante,
uma pérola verde na testa, que Michel a desculpasse. Falava. Repetia.
Isabelle e Tomás balançando as cabeças sorriam para Andrei e um para o
outro.
Julie pediu carona não muito longe da ponte. Havia flores azuis e
alaranjadas ao lado do caminho. Ao longo da tarde na estrada outra vez
depois do lanche, começou a chover forte sobre o caminhao enquanto ela
contava. Era de Miramas e estudava na universidade de Toulouse. Ia para
Paris mas por causa da carona resolveu passar uns dias na praia. Pau passava
à janela que à esquerda olhava a cordilheira. Saint Jean de Luz mais à frente
da paisagem visível. Donibanetik e Anglet, Bayonne. Quando anoiteceu os
dois estavam quase dormindo. Antes Julie olhava excitada o movimento pela
janela com as mãos nos bolsos do blusão acolchoado e tinha dito o quanto era
feliz por ser jovem na década de Michael Jackson e Prince, Madonna e
Whitney Houston, e ter visto Guerra nas estrelas, Indiana Jones, Exterminador
do futuro e ET no cinema.
Le plus bas prix. Seria uma boa idéia comprar alguma coisa mas o
preço mais baixo era caro para eles. Como se tivesse sido combinado
apertaram o passo. Julie lembra como era uma estudante de arquitetura
fascinada pela nuance rósea dos tijolinhos aparentes de Toulouse. Ele não
notou o pavor nos olhos dela. Um ponto de ruptura. Ia pedir que tomasse
cuidado ao atravessar, como quem diz "Leve um casaco que vai esfriar".
Dois dias e duas noites Andrei errou sozinho por Paris. A enxaqueca
voltou. Não sabia o que faria quando chegasse a Trieste, que voltou a ser
meta, como um regime a que se está disposto e, embora nunca concretizado,
sempre é recriada sua expectativa. Degraus sem fim que nunca encontram
uma porta. E essa dor. E essa dor.
Não sabia.
Então a velha empregada explica. Eles não estão. Não sei quando
voltam. A mulher não é rude nem simpática, apenas informa. Agora você
está de novo ao relento, amanhã poderá comer ou não.
- De nada, senhor.
Claro.
Estavam no restaurante a cerca de meia hora quando ela pediu licença,
tinha de dar um telefonema. Voltou, pediu que a desculpasse.
- Preciso dar preciso dar uma saída - disse. Pediu que a esperasse.
Ele sentiu um medo físico de que ela não voltasse. Na ausência dela há
um corpo rígido no burburinho de gente jantando. Ele retinha a idéia de lar,
adorada, com a qual não saberia subsistir caso se tornasse real. Quando
Beatrice reaparece, traz consigo o alívio.
Sabe que tem a aparência mórbida. Porque tanto quanto na fome, talvez
mais, na síndrome de abstinência não existe mal ou bem, culpa ou inocência.
Não sublimação, nem arte, nem amor, sem dilemas existenciais ou destino.
Por mor dessa dor jamais anjos. Só o vazio. Suplicando outra dose. Cold-
turkey, o cold-turkey.
- Ei, onde você está- - Beatrice passa a mão direita diante do rosto dele.
Pediu que pagasse a conta. Vamos - disse:l ela.
- A senhora gostaria-
A dificuldade do adeus. Alguém pode indagar por que a dor. Ele não
sabe. Mas à medida em que Beatrice vai ficando pequena, menor cada vez ao
ritmo do ferro, é sofrendo que ele soletra, tocando os dedos na frase, um
último protesto de amizade e admiração. Ela disse algo que Andrei entendeu
como Adeus, querido, vá e encontre teu mundo. Duas lágrimas azuis
encheram os seus olhos.
Andrei nada dissera sobre a volta ao Brasil, sobre o dinheiro que para
isso a mãe de Isabelle lhe dera. Nunca falaram sobre nada relativo ao tempo
da ausência. Francesca está tranqüila em relação à parte financeira, por causa
de Franco. Além disso tem amigos anteriores ao marido, os quais não vira
após o casamento, em sua maioria portugueses retornados de Angola.
Passaram maus pedaços na volta, após a independência da colônia, mas
conseguiram se restabelecer em Portugal. Tenho certeza, disse ela, que nos
receberão enquanto as coisas se acertam. A pomba no parapeito do hotel
geme e estala as asas.
Não era nada, disse ele; era um prazer, completou Hilda. Mas de fato
mudaram a rotina da casa. Horários de banho e refeições, lugares à mesa.
Perderam a privacidade, enfim. - Não é verdade meu amigo. Estamos
optimos!
Francesca sugeriu que ficassem na casa de praia não usada por conta de
uma reforma. Hilda e Garlos ofereceram uma resistência não-convicta.
Sandrine olhava os amigos dos pais agradecida .
Nos finais de semana era sempre uma festa. O filho de Hilda e meio-
irmão de Sandrine, Felipe, tinha dezesseis anos. Descobrira facilmente que o
hóspede era um apreciador de haxixe e, consumindo-o ele mesmo
desbragadamente, sem que a mãe ou o ocupadíssimo padrasto percebessem,
introduzia as madrugadas de sábado a buzinar sua moto com a namorada
eventual na garupa. Vinham sempre com irmãos de CBX200. O que a mãe
haveria de dizer. Sua comportada amiga de Luanda!... E Francesca ria.
Ela perguntou por quê. Disse que ele queria se ver livre dela.
Ele disse claro que não, Francesca, seja razoável, estou bem em meu
trabalho, não é só uma questão financeira.
Ele se dirigiu para a porta sem olhar para ela e torcendo para que ela
nao se arrependesse quando a ouviu:
Sexta à noite Francesca chega e sem preâmbulos diz que brigou com
Garlos, quem está ele a pensar que é para falar daquela forma comigo na
frente de todos- Pedira demissão. Mas não se preocupe, amor. A casa fazia
sim parte do contrato mas telefonará para Franco no dia seguinte, pedirá
algum dinheiro. Alugaremos então um apartamento. E tenho certeza o próprio
Franco nos conseguirá trabalho junto às suas relações em Lisboa. Um miado
agudo se ouviu do telhado.
Não. Ninguém sabe onde. Claro que há uma explicação. Enquanto isso
poderiam recorrer aos avós dela em Póvoa. Não era caso de desespero.
Uma semana. Duas. Três. Em um mês ela tirou mais que ele em quatro
ou cinco na fábrica. - Não disse- - dá risada. - Sei o momento de agir, ó pá.
- Um dia quando voce for reconhecido terei orgulho de dizer que voce
era o melhor namorado do mundo, nao gigolo.
Ele a escuta olhando o largo pela janela e pensando que ele na verdade
era e pensando que o que os outros pensam eh um lugar muito descpnfortavel
para se viver.
- Boa noite, senhor - disse o porteiro quando Andrei entrou. Eram nove
da noite. Na penumbra da sala de TV esperou o documentário sobre vida
animal. Como terminasse a novela e todos haviam deixado a sala, ele mudou
de canal. Ao sentar-se de novo, passou uma mulher azulada e mãe morena
solta no vestidinho branco. A criança em seus braços dormindo. Não olha
para ele. É como se ele fizesse parte dos móveis.
Adoro esse trecho da cidade, ela diz, ele também, responde. - Adoro.
Sobretudo o contorno da ponte ao longe.
Passar-se-ão os anos.
- O que dizia?
Blandine diz “Você leva jeito. Olha só a carinha que ela fez”. “Que
neném mais linda que ela é”. Talvez tenha visto algum detalhe mas isso não
estaria certo. Então se calou diante do seio em que tantas... - Qual a idade
dela? – não deveria pairar nenhuma dúvida a respeito.
- Ela tem um ursinho de pelúcia. Você não pode adivinhar o nome dele.
- Posso adivinhar.
Sim. Por isso era tão fácil amá-lo nas noites. - Nas responsabilidades
cotidianas melhor não que não esteja por perto.
- Responsabilidade demais - disse ela. Não vou dizer o que ele quer
ouvir - É preciso ambição. Ter metas e lutar para atingi-las. Estou viva apesar
de todos os sonhos que ficaram para trás com sua partida de Piumhi. Estou
viva.
Ele não disse nada. Ela falou, quase para si mesma: - O que afinal você
faz na Europa?
- Escrevo um livro.
Não deviam se expor assim. Ângela pode entrar. Esse jeito eu não
lembro.
- Octavio,esse é o...
-Octavio?
– Pois, chaval. Ela ficou louca porque descobriu que assumi com outra
(que aliás é brasileira também)um compromisso que ela esperava eu
assumisse com ela. – Eu não saberia viver sem Filomena .Seria capaz de
matá-la se ela me deixasse.
-Encontraram seu endereco nas coisas dele. Pensei que talvez pudesse
saber alguma coisa.
Fui pegar agua com acucar para ela. Ela nao parava de tremer.
Peguei a crianca no colo Eu sentia como se tivesse perdido alguma coisa e
ao procurar tivesse achado outra, muito mais importante. Ela falava baixo
com se pedisse desculpas e era mesmo um tipo de desculpas mas nao
precisava. Ela tinha sofrido muito mais do que eu, que afinal de contas nunca
fiz nada na vida ou deixei de fazer por causa de homem. Vim a trabalho,
fiquei por causa de trabalho. Todas as promessas que Luis me fez e tambem
as que nao dez mas eu propria tinha imaginado na minha cabeca, nada se
cumpriu. No Porto pode se dizer que o custo de vida é baixo e a vida cultural
intensa sem contar que pude escolher as disciplinas e sobretudo havia aulas
em inglês. Por isso quis fazer aqui o intercâmbio. A vida quase bucólica e a
educação das pessoas me fez ficar. Em Lisboa se algo assim acontecesse
talvez eu tivesse mesmo ultrajada que continuar com um homem para nao
passar fome ou vender o meu corpo. Nao sei alias qual é a diferenca entre
essas situacoes. Talvez a prostituição seja menos ultrajante, nao sei nem
quero pensar a respeito. O fato é que eu a compreendia, compreendia
completamente. Mas nao iria aa procura de outro homem como ela esta
fazendo. O fato eh que gostei dela e a menina eh tao pequena e tao linda e
merece ter a chance de um começo de vida digno. Ajudar a mae com a
viagem eh o minimo que eu podia fazer. Talvez eu tambem devesse voltar
para Pernambuco. Talvez devesse. Luis eh o tipo de homem que cedo ou
tarde irá atrás cometer uma violencia. Mas viu correr o risco. E o filho é dele
tambem. E ele nao precisa saber sobre Blandine, do mesmo jeito que durante
todo esse tempo eu não sabia. Um pouco antes que ela partisse, comemos um
bacalhau com crosta de broa e fiz francesinha com pouco molho para ela
levar As crianças brincando no chão era bonito dever. Eu nao posso julgá-la
As pessoas são diferentes. E ela nao tem preguiça de trabalhar isso nao da
pra dizer, que ela se meteu nessa situação por preguiça. Durante o almoço
ela me convidou para ficar na casa dela em Minas, trabalhar com ela, ajudá-
la a tocar a fazendinha. Olha, cheguei a pensar em ir. Talvez fosse melhor,
inclusive pro meu filho. Mas foi muito difícil vir e muito difícil conquistar
tudo que conquistei e no final das contas as atividades do Luis foram mais
motivo de constante inquietação do que segurança financeira. Não devo
absolutamente nada a ele.
O verde e negro dos táxis. A luz dos letreiros nas vidraças escapa
sobre a fila sinuosa. A jovem de short com o joelho apoiado na bagagem. A
bermuda do rapaz se confunde com o vermelho da fita divisória. O olhar
amarronzado de Luis.
Atenção daqui pra frente comparar com texto sem separação no final e arquivo antigo e
FRAGMENTOS FINAIS.doc
A cabine
- Querido!
Os fios de cobre, encostados na janela, não haviam chamado a atenção da vez anterior.
Ele abraçou o corpo molhado. Como ela se calará se ele não a beijar?
- Senti tanta tanta saudade, querido! pensei que não te veria nunca mais!
Os dias passam. Agosto chega e nada muda. De novo juntos na pensão. Ele escrevia e cuidava dos
afazeres domésticos.
Quando voltavam e ela logo adormecia. Lá pelas quatro da manhã, refugiava-se na varanda. Nas
madrugadas em que Francesca dorme ou naquelas em que a leva ao longo da Avenida Liberdade, nos bares
do parque até fecharem, na volta da avenida no inicio da noite ou a esperando à saída, indo e vindo pela
avenida esvaziada, escrevia desesperadamente pelo direito de escrever a palavra Fim.
- Vê como o meu italiano está ótimo? - disse Octávio. Putana! Acaso achou que não percebi?
Seu rosto no espelho da penteadeira, Francesca se perguntou o que fazia num relacionamento que da
fidelidade de antemão havia prescindido. Não se incluía no rol das mulheres que se conformam em estar com
um homem dividido, que ama outra, das mulheres que toleram a relação assim maculada. No inicio, quando
soube de Blandine, pensou que fosse apenas uma forma de ele se defender da existência de Franco.
Na verdade, quando soube, pouco se lhe deu. Andrei, era apenas uma aventura, como os outros.
Olhou-se mais, fundamente. De seus olhos, a lâmpada escorria pelo quarto. Talvez verdadeiramente o
amasse e precisasse dele para ser feliz; e Blandine passou a ser ameaça à felicidade.
Então ela dormiu pensando que, a partir do dia seguinte, seria a mais amável das mulheres.
Controlaria seu gênio, seu ciúme, seu desejo. Tentaria descobrir onde havia no sentimento dele a mágoa de
Blandine e se superaria para agir de modo oposto.
Mas não se mostrará subserviente. Não se deixará envolver por suas emoções. Esse tipo de coisa —
essas pequenas determinações — são eficientes mas pouco perduram, pensou Andrei pela avenida.
Queria paz com Francesca; era o que restava. E ela estava disposta.
Irá encarar seus defeitos, ser positiva, otimista, alegre. Conseguirá outro emprego.
Devotar-se-á. Por amor dele e dela mesma, que teria assim ao lado o seu homem, inteiro. Parará de
se comparar com outras mulheres: aquela é mais magra, essa tem um bom salário, o trabalho dessa outra não
é estressante.
Ao amanhecer, com a camiseta rosa e o par de tênis novo, daria sozinha uma caminhada até a
empresa de Cintia.
- Claro que sou capaz! Claro que aceito! obrigado, obrigado! — disse Francesca, feliz como uma
criança.
Dormiu.
Ao aproximar o rosto do rosto dela não sentiu o familiar alento e sentiu um calafrio. Não levava a
sério quando Francesca dizia sofrer do coração, pois ela era muito hipocondríaca.
- É claro que seu coração sofre: sofre por me amar!
Segue-se o ritual. Chama por ela, sente o pulso, cobre os lábios dela com a mão direita. Fim do
ritual. A transitoriedade se transforma em imortalidade. Descanse, então. Que o hades seja um lugar melhor.
Soube na recepção que ele também deixara o hotel no dia em que ela saiu. Foi ao Palácio Foz, à
Universidade, à Fundação, a todos os lugares mencionados desde que se encontraram na sala de TV. Nada.
Na policia tampouco. Ficaram com o telefone dela, para o caso de alguma novidade. No consulado disseram
que oficialmente ele jamais esteve em Portugal. E ela? Estava com a situação regularizada? Blandine
empurrou o funcionário e saiu. Começou a se desesperar.
Chegara de Trieste, pela manhã. Quando decidiu vir a Lisboa, não pretendia abandonar o marido.
Havia justificado a necessidade da viagem dizendo que não era justo que Andrei ignorasse acerca de Bruna.
Estava certa de que Luis Octavio compreenderia. Estava errada.
Luís não imagina que ela terá essa coragem. O alerta se acende quando Michel o visita no
escritório.
- Negócios ilícitos? Ora, não me aborreça! Aliás, fique quietinha e arrume tuas coisas. E se me
denunciar nem vai ter tempo de se arrepender.
Estava fora de si, responde ele, quando não percebeu que ela apenas o usara para ter uma vida
confortável na Europa. - Sua puta! Vagabunda!
Blandine está próxima da janela. Venta muito. É possível que neve, mais hoje mais amanhã.
- Aliás, salvei a vida desse veado e agora ele cospe no prato. E por causa de uma putinha que nem
você. Vocês se merecem! Agora some!
Em Lisboa, antes de procurar Andrei, ela vai para o quarto de hotel. Está exausta. A menina ressona.
Deita-a e fecha as cortinas, depois se deita ela própria e fecha os olhos.
Eram três horas da madrugada. Ela se virou de lado, de frente para a lua pela fresta da cortina. O
peso da cabeça afunda o travesseiro. Houve então o silêncio pleno que liga um dia ao outro.
Desci as escadas com os olhos ardendo por ter chorado tanto. Bati a porta da dona da pensão, bati,
bati. Não atenderam. Sai sem destino pelas ruas de Lisboa.
Ao atravessar a praça da igreja, ali estava ele. Não o reconheci a principio, de terno e gravata. Com
ele, dois sujeitos igualmente elegantes. Vendo-os, veio a velha vontade de ser normal, próspero, feliz.
Pedi fogo.
Ao sinal, os dois outros o agarraram e levaram para o beco. Um dava pontapés; o outro, socos no
ouvido. Afinal ele não teria a chance de saber se era eficaz a receita de Beatrice, dissolver camomila em óleo
de cozinha, coar e pingar umas duas gotas.
— É um anti-inflamatório natural.
E para os males do tratamento anterior com antibióticos, própolis e muito sol antes das nove e
depois das três. E abusar de iogurte.
Do galinheiro, Blandine escutou o choro da filha. Correu, atravessou a horta, chegou ao lugar onde
a menina estava.
Debruçada sobre o animalzinho, diz à filha que traga leite pois o gatinho estava vivo. Bruna
obedece, tremula de expectativa. Blandine usufrui o momento de tornar a presenciar os acontecimentos.
O mendigo fazia sinais. O guarda se limita a olhar. O homem atravessa a avenida. Há firmeza nos
passos andrajosos.
Sim. Realmente. O corpo ensanguentado. Logo as sirenes. Aumentam. De todos os lados. Os carros
da televisão chegam ao local da tragédia.
- Aqui, aqui!
Amanhecia.
Como assim Não venham para a Baixa? E que caminho vou tomar?
Estavam mesmo mais e mais apaixonados. Mas agora ela está triste por causa de sua mãe, uma
mulher generosa, mas não tinha sorte no amor, sempre atrás de relacionamentos impossíveis. Tomás pára e
pensa em dizer alguma coisa mas não diz nada é o tipo do assunto. E como sempre acontecia depois desses
silêncios, eles se beijaram e de tudo se esqueceram.
O fogo se reanima e alastra ao fundo da rua Garret. A tóxica fumaça se concentra na zona do
Camões. Todos os haveres do homem estão ali, milhares de contos incinerados.
- Sim sabemos.
- Querida...
- Me deixa!
O homem se afasta, deita-se no sofá; num instante estará dormindo. Acordaram muito cedo, como já
não costumavam acordar desde que se mudaram para Póvoa.
Um homem pára agora e se inclina no miradouro. Lá embaixo o bombeiro vai entrar por uma janela,
a água das mangueiras como uma chuva de filme. Parece que o vento está mudando. Súbito a cinza é varrida
em rodamoinhos. Muito plástico por aqui. Uma profissão dessas.
O homem no miradouro vê que o bombeiro já entrou, imagina como conseguirá respirar naquele
inferno e pensa em sua própria vida. Jamais devia ter se aproximado daquela mulher, sempre soube o que
acontece quando um homem se envolve com essas mulheres de pub.
Cíntia inclina um pouco o pescoço para ver pela janela do carro. Lembra-se. Francesca não morava
aqui perto?
Alguém começa a tossir. Dá para ouvir de dentro da sala da pensão onde a mulher fala ao telefone.
- Aquele rapaz não foi para lá, aquele que teu marido hospedou uma época?
- As pessoas aí no Brasil se iludem, a situação em Portugal não é bem assim, sobretudo em relação a
emprego.
A fumaça entra com maior intensidade, o homem tosse mais alto e ao desligar o telefone a mulher
vai à janela e fecha a fresta que havia.
O homem não gosta de acordar tão cedo, está com um mal humor dos infernos. Vê a mulher no
carro, avalia o quanto é bonita. Acha que a viu no pub. Mas parece uma mulher fina, não é possível que
trabalhe ali, um ambiente no mínimo tão masculino.
Quando os carros se cruzam, escuta a voz, é contralto, combina com ela, mas parece que fala de
outra dimensão. Diz para o homem que está dirigindo que ele não se preocupar, tudo vai ficar bem, eu
mesma tratarei de tudo. Lá fora o fogo crepita ao fundo da chegada ruidosa de mais um carro dos bombeiros
ao sul do elevador de Santa Justa.
- Calma, calma.
Na pensão o telefone não pára. - Não, ele não voltou, deve chegar logo. De nada. Na verdade, a
proprietária não sabe a que horas ele voltará, nem mesmo se tinha saído. Repete-se, enfadada. - Não, não
está.
Uma hora dessas e o número não pára de dar ocupado. Maria das Dores teria uma oferta irrecusável,
caso tivessem atendido. Mas não é tão grave, há montes de jornalistas por aqui; cobrarão mais, mas é um
momento único, vale a pena.
De longe e do alto, do castelo de São Jorge por exemplo, a visão parecia maquete a que uma criança
tivesse deitado talcos. O vento sopra em direção ao sul. Umas quatro e meia da manhã. O inferno em directo
da rua Garret. Os prédios cospem labaredas.
Como chegou a tanta amargura esse homem que dá a impressão de ter sido outrora feliz? Bruna se
pergunta por que tanta dor, por que erra assim, sem amigos, por que não tem descanso exceto talvez essas
horas que passa no cybercafé.
O terror noturno todas as noites. O terror, a vontade de morrer. Tenta pensar que logo, quando
amanheça, estará lá, perto dela, que tanto o ajudou no comecinho, quando nada sabia sobre computadores.
Além das seis horas na loja, ela trabalha como voluntária. Sua roupa é simples, muito limpa. Não
usa maquiagem. E o homem outrora feliz está por assim dizer esfarrapado — não tem proteção social, não
tem renda ou trabalho. Mas a culpa é dele mesmo.
Ela não entende nada dessas coisas
Algo os une. Bruna. É esse seu nome, ontem ele ouviu alguém dizer. Cheia e forte, contornos
forjados pelo trabalho doméstico, talvez até na roça. E, como a massa de pão, será coberta e crescerá. De
noite ele a cobrirá também, caso ela se descubra. Fica observando como ela dorme, tão serena. A filha que
não teve, a mulher que fugiu. Nem a presença súbita do noivo para buscá-la o desperta. Ela está ainda
deitada, um ligeiro tremor nos olhos fechados, depois vai até ele, que está lendo na sala, e lhe dá um
beijinho no rosto. Tem um copo de leite nas mãos, pergunta se ele quer também.
Bruna o vê, a rua escurecida, o dia ofegante, os efeitos da insônia. Ninguém à volta deles. Não, não
há esperança. Ele é a rua, o cansaço, o sono que não concilia; ela, a loja, o trabalho, a luz.
Eram vinte para as cinco, quando o homem se deu conta, era numa montra, num buraco, não pela
janela - pela montra - tem essas montras corridas, o senhor sabe, e aquilo era tipo duma turbina que estava a
puxar o fumo para fora, antes dessa hora não percebi nada, quem chamou os bombeiros foi o polícia lá de
serviço, mais ou menos cinco para as cinco, mas os bombeiros só chegaram entre cinco e um quarto e cinco e
vinte. Quando lá chegaram o fogo já estava em grandes proporções, os armazéns praticamente destruídos.
- Aqui, aqui!
Não consegue articular palavra, quer perguntar o que é essa claridade, esse sangue, mas não
consegue
Em algum momento começou a se ouvir o murmúrio das tempestades que se tornam chuva, após a
ventania e as trovoadas. O momento em que o fogo abranda e se percebe que legara faces fantasmagóricas
aos edifícios. As pessoas atingidas devem se dirigir às juntas de freguesia, entrar em contato com a Câmara
Municipal ou com a Casa de Misericórdia. Podem eventualmente olhar para trás.
O homem não faz idéia do que ainda pode acontecer. Nada de nada, não vi o administrador, não vi
ninguém; do total eram quinhentos ou seiscentos empregados dos armazéns, ninguém sabe o que será deles;
mas pelo menos ninguém morreu, quero dizer, aquele vigia parece que não resistiu às queimaduras, e aquele
bombeiro, mas enfim, é pouco pelo que poderia ter sido — como se a tragédia pessoal fosse um mal menor,
como se males pudessem ser menores porque atingiram um número menor pessoas.
Lisboa, as velhas casas de Alfama. Sobre o rosto transparente e o sol nos cabelos negros, os frames
na janela do carro com destino ao cais se multiplicavam com os números do taxímetro. O Tejo passa do lado
esquerdo, se confunde com a bruma, retira contornos, perde-se na transitoriedade do motor e na pele de
Blandine. As mãozinhas de Bruna aparecem no reflexo e se penduram na blusa azul esgarçada. Logo
descansariam, descansariam em casa. Na mochila umas poucas roupas, cadernos e blocos de notas. Poemas,
artigos, crônicas, um diário e até o esboço de um romance, manuscrito.
Quando despertou, o sol oblíquo traçava um caminho desde a janela sobre o berço até a porta,
chegando quase ao fogão, junto à lenha. Ela herdara a terra e possuía quatro mil pés que ela mesmo plantou.
É ela quem decide se vai ter uma poda ou o tipo de capina. Faz o trabalho todo da lavoura, das carpas até as
colheitas, a adubação, tudo é ela que faz. De seu jeito exigente resulta um café de melhor qualidade. Uma
vez a terra não estava produzindo; devido à sombra, as folhas estavam velhas. Aí a gente tira, disse ela, e vai
dar mais força para a planta. Naquele ano, produziu trinta sacas. O processo da industrialização agrega valor
ao produto. Ela seleciona os melhores e a torra é leve, quando o café é bom não precisa queimar. Não fica
amargo. É suave e tem um fundinho adocicado.
O calor das lembranças vivifica os pés de café, à luz do dia pleno cintilando, rios verdes que
sombreiam as ruas de café à frente. Do delírio europeu se originou essa realidade de que seus olhos podem
ser editores; cada flor invisível na mata possui um aroma, uma beleza e um significado. Na ultima curva há a
visão da luz enquadrada na janela ao longe. A terra exala cheiros de amada satisfeita. Outros pingos
tamborilam no telhado a percussão de uma remota cantiga infantil. Um sentimento fecundo se reflete nas
poças e no riacho — as águas, as águas — as águas correndo límpidas entre a florescência, levando as folhas
do bosque para a cidade. Um dia, a ausência consentirá na sinfonia que só ali existe. O vento leva o que se
vê e verá o vento quando não mais a olho humano for possível — quando as folhas secas, partidas,
misturarem-se ao pó. E a vida gesticulará em ciclos como notas de suítes assistidas pelo tempo. E o tempo
caminhará largo para a eternidade, vendo a vida como a vê um adágio.
Os apanhadores de café subiam na carreta engatada ao trator, prontos para mais um dia de trabalho,
em meio à algazarra com que zombavam da faina diária. Ao avistarem a mulher e sua filha, calaram-se.
Depois que elas passaram, até não mais que pontos no pó da estrada, emaranharam-se num crescendo os
mexericos.
Uma lenda se fizera em torno da mulher por causa de seu isolamento desde que voltou com a criança
da viagem misteriosa e foi viver na chácara de seu pai — sozinha, exceto pela menina e os bichos. Com sua
loucura. Sua história, os camponeses adaptavam à própria capacidade de compreensão, o que multifacetava a
lenda. Mas em nenhuma versão se achava a verdadeira historia.
O trator começa a se deslocar e nas conversas outros temas se entrecruzam. A luz da manhã se
derrama na bruma sobre os cafezais — a manhã se derrama, como todas as manhãs. E todas as águas — todos
os oceanos do mundo e todos os riachos do bosque —, todas as águas sobre a face da terra entendiam.
E o universo.
Em 2008, no dia de seu aniversário, tão logo Isabelle desligou, o telefone tocou. Não é possível.
Mas reconhecia a voz, se reconhecia nela. E quem fala um inglês tão peculiar? Lágrimas azuis como há vinte
anos naquela plataforma.
Vosges. Ele não vê ninguém, exceto pelo ruído das pedrinhas, mais perto cada vez, mais perto cada
vez. Sente a mão em seu ombro. Levanta-se e a acompanha. A noite desce no frio de dezembro.
Não percebem o quanto andaram, ou percebem, mas passam pelo prédio — estão quase na ponte. O
rio ao anoitecer, um cenário esperado.
As nuvens passam mas as ruas estão vivas. Eles não dizem nada. Não dizem nada há vinte anos.
FIM
@2017
RicardodeAlmeidaRocha
ficadonumapensãocujareferênciaeraaIgrejadosAnjos.Nodiaem
quealugouoquarto,essemendigopediuum cigarronessasmesmas
escadas.Éessehomem.Chegaaressonarnasescadasaquecido
pelasopadaAssistênciaSocial.Deuunscincopassosetomouum
golenobebedouropúblico.Enxugouoslábioseabarbacom amanga.
Oprédioestáimersonum efeitosombriodeaquarela.Desceunos
Anjos.Oventoencanadodossubterrâneos.Passageirosesparsosna
plataforma.Apanhouotrem.Jogavadum ladoparaoutronadançade
truquesetrilhos.EstadosUnidos.Saiu.
Quegentetodaéessaempurrandopedrascom ospeitosem
carneviva,uivandodedor,expoentesoutrora-Aluabatenum telhado
eanoitealisecondensaenquantoasombrarepeteanuvem.
Nasegundahoradaterceirasessãoapesadaportaseabriu.
Pessoasentrandoesaindoesbarram nafuncionária.Apagam-sea
luzesdenovo.Pernas vacilantes,desconforto,dordecabeça,
espasmoextrapiramidal,oouvidoeterno,adornacoluna,afraqueza
mórbida.
Oschiadosdorádioficaram paratrásquandoeleseaproximava
dajanela.Oassoalhoestalavasobseuspassos.Raiosrevelavam opó
queseusmovimentoslevantam.Osinobadalounanoiteesagrariaa
noiteenquantovibrasse.
Saiueentrounacabinetelefônica.-Querido!
ParameumaridotínhamosdetrocaroPortoporLisboa.Acho
queoverãomaisquenteemaissecoqueonormalafetavaseu
discernimentoporqueocalorfazisso.Achoquedevetersidopor
issoporquederestoestávamosbem.Gentequeprecisadeumpouco
defrioedechuvaparapensaresentircomclareza.Eeledisseque
eraumaprendaqueiamedardeaniversário. Eláfuieufazeras
malas,porqueconheçoogajoeéimpossíveltirarumacoisaqueele
pôsnacabeça.SemcontarqueelenempensounaPSPquedepoisde
16dejulhoachaquetemdeseraguardiãdatodasascoisas enem
todasascoisasnapensãosãotãovirtuosas.
Diadessesumaamigafoidetidaporquegeriamaisqueuma
pensãooualgumacoisaquesequererapensão.Acontecedevezem
quando.Mesmoqueeunãofossepresa,nãoqueropassarorestoda
vidaindotodasemanameapresentaràsautoridades,nãoiapegar
nadabemetenhoumareputaçãoazelar.Maseleparecequesóestá
pensandoemcoisasclássicasemodernasemumamesmacidadeou
oslugareshistóricosouandarapéouosespaçosverdeseavida
cultural,essetipodecoisa.Nuncadeveriatermecasadocomum
ativistaintelectualmasdemoreiaentender.Enuncadeveriaterme
casadocomumbrasileiroqueéativistaeintelectual.Também
acontecedevezemquando.Enãosócomumamulherdopovo
comoeu.Aquelaitaliana,porexemplo. Mulherelegantérrimade
gênioforteetodaviaescravaservindodetapeteeescada.Enãoacho
sequerqueogajofossebonitoecomcertezanãoerarico.Simpático
nomáximomasissoéclaro quenãobasta.
NaquelediaestavafazendovinteeoitograusemLisboa.Eram
8emeiadanoiteeaindanãotinhaescurecido.Duranteodia,o
melhorquempudesseeraseaproximardorioecolocarospésna
água.Eraoqueelecostumavafazersobretudoquandovoltavade
algumadasmuitascaminhadasoudaBaixaparaosAnjosoudos
CorreiosparaoParqueEduardoVIIoudoBairroAltoparaos
restauradores.Naquelediatinhacaídoenãotinhacertezadomotivo
daquedamascaíraepareciaterquebradoomindinhomaspreferiu
antesdohospitalpassarnumacabinetelefônica.
–Mulhertunãosabes!
–Vouterquecaminharatéapensãodebaixodágua.
–Poderiapedirboléia–argumentouaamiga.
–Nãopegariabem.
–Aiqueessegajoéumadoença,mulher!
Acabaradesairdopub,ligouavisando.
Otalbrasileirovoltousozinhoeficousozinhoduranteuma
semanamasdecertonãosuportouafaltadaboavidaporquea
italianaapareceudiasdepois,nodiaexatoemquemeumarido
resolveuapendênciadonúmerodeidentificaçãofiscaleda
autorizaçãoderesidênciaeeuestavademuitobomhumoremedei
aesseluxoderepararnogajo.Senãoestouenganada,eraramente
estou,chegueiavê-lohánãomuitotemponumatascadaPascoalde
Melocomumalouraoxigenadaeumoutrocasalquefalavafrancês.
Éclaroque,senãobastassesersustentadoporumamulher,sequer
comogratidãolheerafiel.
Sobreasuaveasperezadocobertorasmãoságeiseardorosas.Aroupa
cheiravabempelabondadedocomércioquepermitiaosbanheirosepela
donadapensãoquedeixouqueusasseamáquinaeovaral.Osfiosdecobre,
encostadosnajanela,nãohaviamchamadosuaatençãodavezanterior.
Assimquesevirameledissecomoelaestava lindaassim toda
produzidaElarespondeuéporqueestáfeliz.Eleabraçouocorpomolhado.
-Sentitantatantasaudade,querido!penseiquenãoteverianunca
mais!
Osdiaspassam.Agostochegaenadamuda.Denovojuntosna
pensão.Eleescreviaecuidavadosafazeresdomésticos.-Estásestranho,
estouamepreocupar.Estátudobem,amor--Sim,claro-disseele.-Tudo
muitobem.
Costumavadormiroitodanoite.Acordavaàmeia-noite.Acordavae
searrumavaeiabuscá-la.
Quandodeitavam,elalogoadormecia.Eleialápelasquatrodamanhã
paraavarandacomocaderno.Nasmadrugadasem
queFrancescadormiaou
naquelasem quealevavaaolongodaAvenidaLiberdade,nosbaresdo
parqueatéfecharem,navoltadaavenidanoiniciodanoiteouaesperando
àsaída,indoaindanotumultoevindopelaavenidaesvaziadaeleescrevia
pelodireitodeescreverapalavraFim.
Aavenidailuminada.Comoquandovoltavanooutrodiacom Blandine.
-Vêcomoomeuitalianoestáótimo--disseOctávio.-Puttna!
Acasoachouquenãopercebi-
Seurostonoespelhodapenteadeira,Francescaseperguntouoque
fazianum relacionamentoquedafidelidadedeantemãohaviaprescindido.
Nãoseincluíanoroldasmulheresqueseconformam em estarcom um
inicioquandosoubedeBlandine,pensouqueeraumaformadeelese
defenderdaexistênciadeFranco.
Naverdade,quandosoubepoucoselhedeu.Andreieraumaaventura
comoosoutros.Olhou-sefundamente.Deseusolhos,alâmpadaescorria
peloquarto.Talvezverdadeiramenteoamasseeprecisassedeleparaser
feliz;eBlandinepassouaserameaçaàfelicidade.
Entãoeladormiupensandoqueapartirdodiaseguinteelaseriaa
maisamáveldasmulheres.Controlariaseugênioeseuciúme,eseudesejo.
TentariadescobrirondehavianosentimentodeleamágoadeBlandineese
superariaparaagirdemodooposto.
Nãosemostrarásubserviente.Nãosedeixaráenvolverporsuas
emoções.Essaspequenasdeterminaçõessãoeficientesporumtempomas
poucoperduram --pensavaAndreipelaavenida.Queriapazcom
Francesca
eelaestavadisposta.
Iráencararseusdefeitos,serpositiva,otimista,alegre.Conseguirá
outroemprego.Devotar-se-á.Poramordeleedelamesmapoisassim teria
aoseuladooseuhomem,inteiro.Pararádesecompararcom outras
dessaoutranãoéestressante.
Agoraelepensaqueeladorme.
Aoamanhecer,com acamisetarosaeopardetênisnovo,daria
sozinhaumacaminhadaatéaempresadeCintia.
-Claroquesoucapaz,Cintia!Claroqueaceito!obrigado,obrigado!-
disseela,felizcomoumacriança.
-Teesperoentãoamanhã-disseaoutraaoseabracarem.
OmundoerabeloedabelezadomundoFrancescaseimpregnoue
dormiu.
Aoaproximarorostodorosto,elenãosentiuofamiliaralentoesimo
propriocalafrio.Nãolevavaasérioquandoeladiziasofrerdocoração,ela
eratotalmentehipocondríaca. -Éclaroqueseucoraçãosofrepormeamar!
Segue-seoritual.Chamaporelaesente-lheopulsoecobreosseus
imortalidade.Descanse,então.Queohadessejaum lugarmelhor.
Eusoubenarecepçãoqueeletambémdeixaraohotelnodiaemque
euviajeicomOctavio.FuiaoPalácioFozeàUniversidade,àFundaçãoe
todososlugaresmencionadosdesdequenosencontramosnasaladeTV.
Nadadenada.Napoliciatampouco.Eutinhaficadonomesmohoteleeles
ficaramcommeutelefone.Noconsuladodisseramqueoficialmenteele
jamaisesteveemPortugal.-Easenhora-Estahcomasituaçãoregularizada-
-escuteiasecretariadoconsuleoempurreiesaí.Comeceiamedesesperar
masestavaexaustademaisequandoBrunadormiueudormitambem.
TinhachegadodeTriestepelamanhã.QuandodecidivirparaLisboa,
nãopretendiaabandonaroLuis.Haviajustificadoanecessidadedaviagem
dizendo amimmesmaquenãoerajustoqueAndreiignorasseacercade
Bruna.
Eunaoimaginavaqueelativesseessacoragem.Oalertaseacendeu
quandoMichel veioaomeuescritório.
-Negóciosilícitos-Ora,nãomeaborreça!Aliás,fiquequietinhae
arrumetuascoisas.Esemedenunciarnem vaitertempodesearrepender.
-Vocêestáforadesi,Octávio.
Estavaforadesi,respondeele,quandonãopercebeuqueela
apenasousaraparaterumavidaconfortávelnaEuropa.-Suaputa!
Vagabunda!
Blandineestápróximadajanela.Ventamuito.Épossívelqueneve
maishojemaisamanhã.
-Aliás,salveiavidadessepaneleiroeagoraelecospenopratoque
comeu.Eporcausadeumaputinhaquenem você.Vocêssemerecem!
Agorasome!
Desciasescadascomosolhosardendoporterchoradotanto.
Batiaportadadonadapensão,bati,bati.Nãoatenderam.Saisem
destinopelasruasdeLisboa.
Demoreiparameligaremquenaopodia,quetinhaa
obrigacaopordemaisterrenaquesaoosmortos.Precisavadescobrir
ondeficavaoRegistoCivil,enaofaziaideiaseeraigualo
procedimentoquandosetratavadeestrangeirosenumhorarioem
quetudoestavafechado.Talveznumhospitalhouvesseumsetor.
Emqualquerhospital- EFrancescanaoeraestrangeira.Sequerera
Francesca,masFrancisca.Emeocorreuquedeveriaterinsistidona
portadadonadapensao,certamenteeladeveriaatestaroobitoe
suascondicoes.Talvezapolicia.Adelegacianaofecha.Soubeque
naoquandofomospegosnometrocombilheteforadavalidade.
Deveriatersimplesmentechamadoumaambulanciaenaoter
confiadonosteoricamentepateticos oupateticamenteteoricos
conhecimentosdeumjornalista.
Aoatravessarapraçadaigreja,aliestavaele.Nãooreconheci
aprincipio,deternoegravata.Comele,doissujeitosigualmente
elegantes.Vendo-os,veioavelhavontadedesernormal,próspero,
feliz.
Pedifogo.
-Masclaro!Ésum gajoqueimado.
Aosinal,osdoisoutrosmeagarraramelevaramparaobeco.
Umdavapontapés;ooutro,socosnoouvido. Afinaleunãoteriaa
chancedesaberseeraeficazareceitadeBeatrice,dissolver
camomilaemóleodecozinha,coarepingarumasduasgotasparaa
otite.
-Éumanti-inflamatórionatural.
-Eparaosmalesdotratamentoanteriorcomantibióticos,
própolisemuitosolantesdasnoveedepoisdastrês.Eabusarde
iogurte.
Dogalinheiro,Blandineescutouochorodafilha.Correu,atravessoua
horta,chegouaolugarondeameninaestava.
-Mamãe,seDeusrealmenteouvisseasorações,ogatinhonãoteria
morrido.
Ameninaoraraporeleanoiteinteira.
-Deusdevetercoisasmaisimportantescom quesepreocupar.
Amãesentiuochoque.Novamenteocorpo.
Debruçadasobreoanimalzinho,dizàfilhaquetragaleitepoiso
gatinhoestavavivo.Brunaobedece,tremuladeexpectativa.Blandineusufru
i
omomentodetornarapresenciarosacontecimentos.
- Mami!eletábebendo!
Blandineagoradevevoltaraotrabalho.Achuvaparara.
Aindabem,pensou.Aumidadeéruim paraogatinhodoente.
Omendigofaziasinais.Oguardaselimitaaolhar.Ohomem
atravessaaavenida.Háfirmezanospassosandrajosos.
-Ali,nosfundosdoprédio!
Sim.Realmente.Ocorpoensanguentado. Logoassirenes.
Aumentam.Detodososlados.Oscarrosdatelevisãochegam aolocalda
tragédia.
-Aqui,aqui!
-Quehorassão-
Amanhecia.
caminhovoutomar-"
Orio.Umamulheracena.--OhmeuDeus!Quehorror...
-Oqueéisso,estálouco-
Outrocarroeoutramanobraarriscada.Maisbombeiros.
Ahsevocêsoubesse,seelasoubesse,Tomásdizia, oquantoelea
amavaeoquantoavidapassaraavalerapenadesdequeaconheceu.
Isabellesabia,elasentiaomesmo.-Nuncaacrediteiqueissopudesse
acontecer.
Estavam mesmomaisemaisapaixonadosmasagoraelaestátriste
porcausadesuamãe,umamulhergenerosa,masnãotinhasortenoamor,
sempreatrásderelacionamentosimpossíveis.Tomáspáraepensaem
dizeralgumacoisamasnãodiznadaéotipodoassunto.Ecomosempre
aconteciadepoisdessessilêncioselessebeijaram edetudose
esqueceram.
pronunciamentodopresidentedeJaquesDelors,nãoteriam pensadono
amigo.
OfogosereanimaealastraaofundodaruaGarret.Atóxicafumaça
milharesdecontosincinerados.
-Estálá-Quem-Neta-Um brasileiro-
Ohomem seguraopulsodaesposa.
-Mulher,nãosabemos.
-Sim sabemos.
-Querida...
-Deixa-meempaz!
Ohomem seafastaesedeitanosofá.Logoestahdormindo.
mudaram paraPóvoa.
-Acalme-se,minhasenhora...
Ocenárioédantesco,masissoétudo.
Um homem páraagoraeseinclinanomiradouroealaembaixoo
bombeirovaientrarporumajanela.Aáguadasmangueirascomouma
chuvadefilme.Parecequeoventoestámudando.Súbitoacinzaévarrida
em rodamoinhos.Muitoplásticoporaqui.Umaprofissãodessas.
Ohomem nomiradourovêqueobombeirojáentroueimaginacomo
conseguirárespirarnaqueleinfernoepensaem suaprópriavida.Jamais
deviaterseaproximadodamulher,sabe-seoqueacontecequandoum
Cíntiainclinaum poucoopescoçoparaverpelajaneladocarroese
lembra-se.Francescanãomoravaaquiperto-
Alguém começaatossir.Dáparaouvirdedentrodasaladapensão
ondeamulherfalaaotelefone.
-Aquelerapaznãofoiparalá,aquelequeteumaridohospedouuma
época-
-AspessoasaínoBrasilseiludem comessahistoriadedentistae
aodesligarotelefoneamulhervaiàjanelaefechaafrestaquehavia.
dosinfernos. Vêamulhernocarroeavaliaoquantoébonita.Achaquea
viunopub.Pareceumamulherfina.Naoépossívelquetrabalheali.
Quandooscarrossecruzam,escutaavoz.Contralto.Combinacom
elamasparecequefaladeoutradimensão.Dizparaohomem queestá
dirigindoe queelenãosepreocupe.Tudovaificarbem,eumesmatratarei
detudo.Ofogocrepitanopanodefundodachegadaruidosademaisum
carrodosbombeirosaosuldoelevadordeSantaJusta. Focosdefumaça
súbitosressurgem em labaredas.
-Calma,calma!
Amocinhaconfortaasenhorapassandoamãopeloscabelosdela.
-Minhafilhaoqueserádemim-
Sualojaestavaaarder.
carro.
-Aguentefirme...Jjávaichegarajuda
Outraexplosão.Podesergásouum aparelhodearcondicionado.
Napensãootelefonenãopára.-Não,elenãovoltou,devechegar
logo.Denada.Naverdade,aproprietárianãosabeaquehoraselevoltará,
nem mesmosetinhasaído.Repete-se,enfadada.-Não,nãoestá.
-Sim,um jornaldoBrasil.
-Senhor,osenhorsabequehorassãoaqui-
Umahoradessaseonúmeronãopáradedarocupado.Mariadas
Doresteriaumaofertairrecusável,casotivessem atendido.Masnãoétão
grave,hámontesdejornalistasporaqui;cobrarãomais,maséum
momentoúnico,valeapena.
Delongeedoalto,docastelodeSãoJorgeporexemplo,avisão
pareciamaqueteaqueumacriançativessedeitadotalcos.Oventosopra
em direçãoaosul.Umasquatroemeiadamanhã.Oinfernoem directoda
ruaGarret.
-Agoravoupáliaversedefacto.
Masnão,nãodáparaentrarpelaRuadoCarmo.
Afumaçaaumentouehápoucoaschamastornaram alavrarno
primeiroquarteirãoàesquerda.Osprédioscospem labaredas.Orioao
fundo.Um ardorimensoeruidoso.Quecenário.
Eumepergunteicomochegouatantaamarguraessehomem quedáa
impressãodetersidooutrorafeliz- porquetantador,porqueerraassim
passanocybercafé.
Oterrornoturnotodasasnoites.Oterror,avontadedemorrer.Tenta
pensarquelogo,quandoamanheça,estarálápertodelaquetantooajudou
nocomecinho,quandonadasabiasobrecomputadores.
Além dasseishorasnaloja,elatrabalhacomovoluntária.Suaroupaé
simplesemuitolimpa.Nãousamaquiagem.Eohomem outrorafelizestá
trabalho.
Masaculpaédelemesmo.
Elanãoentendenadadessascoisas
Maseusintoquealgonosune.Bruna.Éesseseunome,ontem euouvi
alguém dizer.Cheiaeforte,oscontornosforjadospelotrabalhodoméstico,
talvezaténaroça.Comoamassadepão,crescerá.Taoserena..Afilhaque
nãotive.
Nemapresençasúbitadonoivoparabuscá-laodesperta.Ela
vaiatéele,queestálendonasala,elhedáumbeijinhonorosto.
Temumcopodeleitenasmãos,perguntaseelequertambém.
Brunaoviunaruaescurecida.Ninguém àvoltadeles.Não,nãohá
esperança.Eleéaruaeocansaço,osonoquenãoconciliaeelaaloja,o
trabalhoealuz.-Oi,comovaiosenhor-
-Boanoite.Vocetambemmoraporaqui-
corridas,osenhorsabe,eaquiloeratipodumaturbinaqueestavaapuxaro
fumoparafora,antesdessahoranãopercebinada.Quem chamouos
bombeirosfoiopolícialádeserviço,maisoumenoscincoparaascinco,
praticamentedestruídos.
-Aqui,aqui!
-Deusdemisericórdia...
-Vaificartudobem.Jáestáchegandoajuda.
Oqueessesenhorestádizendo-jáoviporaqui.
-Calma,vaificartudobem -repeteomendigo.
Nãoconseguearticularpalavra,querperguntaroqueéessaclaridade,
essesangue,masnãoconsegue
-Nãofale-dizomendigo.Opolicialseagachaerepete:-Naofale.
-Aambulânciachegou-dissealguemnaruavaziaesilenciosaexcetopela
sirene.
Em algum momentocomeçouaseouviromurmúriodas
tempestadesquesetornam chuvaapósaventaniaeastrovoadas.O
momentoem queofogoabrandaesepercebequelegarafaces
fantasmagóricasaosedifícios.Aspessoasatingidasdevem sedirigiràs
CasadeMisericórdia.Podem eventualmenteolharparatrás.
Ohomem nãofazidéiadoqueaindapodeacontecer.Nadadenada,
nãovioadministrador,nãovininguém;dototaleram quinhentosou
seiscentosempregadosdosarmazéns,ninguém sabeoqueserádeles;
maspelomenosninguém morreu,querodizer,aquelevigiaparecequenão
resistiuàsqueimaduras,eaquelebombeiro,masenfim,époucopeloque
poderiatersido,diz.Comoseatragédiapessoalfosseum malmenore
Lisboa,asvelhascasasdeAlfama.Sobreorostotransparenteeosol
noscabelosnegros,osframesnajaneladocarrocom destinoaocaisse
esquerdoeseconfundecom abrumaeretiracontornos.Perde-sena
transitoriedadedomotorenapeledeBlandine.AsmãozinhasdeBruna
cadernoseblocosdenotas.Poemaseartigos,crônicaseum diárioeatéo
esboçodeum romance,manuscrito.
Quandodespertou,osoloblíquotraçavaum caminhodesdeajanela
sobreoberçoatéaporta,chegandoquaseaofogão,juntoàlenha.Ela
herdaraaterraepossuíaquatromilpésqueelamesmoplantou.Éela
dalavoura,dascarpasatéascolheitaseaadubação,tudoéelaquefaz.De
seujeitoexigenteresultaum cafédemelhorqualidade.Umavezaterranão
gentetira-disseela- evaidarmaisforçaparaaplanta.Naqueleano,
produziuoitomilsacasesohnaolucroumaisporqueaindausavaapanhadore
se
naocolhedeiras.Masoprocessodaindustrializaçãoagregavaloraoproduto
e
elaselecionaosmelhoreseatorraéleve,quandoocaféébom nãoprecisa
queimar.Nãoficaamargo.Ésuaveetem um fundinhoadocicado.
Ocalordaslembrançasvivificaospésdecafé.Aàluzdodiapleno
cintilando-riosverdesquesombreiam asruasdecaféàfrente.Dodelírio
europeuseoriginouessarealidadedequeseusolhospodem sereditorese
Naultimacurvaháavisãodaluzenquadradanajanelaaolonge.Aterra
exalacheirosdeamadasatisfeitaeoutrasgotastamborilam notelhadoa
percussãodeumacantigainfantil.Um sentimentofecundoserefletenas
poçasenoriacho-aságuas,aságuas-aságuascorrendolímpidasentrea
florescêncialevandofolhasefloresdobosqueparaacidade.Um diaa
ausênciaconsentiránasinfoniaquesóaliexiste. Oventolevaoquesevê
everáoventoquandonãomaisaolhohumanoforpossível:quandoas
folhassecasepartidasmisturarem-seaopó.Eavidagesticularáem ciclos
comonotasdesuítesassistidaspelotempo.Eotempocaminharálargo
paraaeternidade,vendoavidacomoavêum adágio.
Osapanhadoresdecafésubiam nacarretaengatadaaotrator
Depoisqueelaspassaram atésetransformarememnãomaisquepontosno
pódaestrada,emaranharam-senum crescendoosmexericos.
Umalendasefizeraem tornodamulherporcausadeseuisolamento
deseupai,sozinha,excetopelameninaeosbichosesualoucura.Sua
históriaoscamponesesadaptavam àprópriacapacidadedecompreensão,
oquemultifacetavaalendamasem nenhumaversãoseachavaa
verdadeirahistoria.
Eosjovensouosvelhos,osnativosouosaventureirosdocafé,os
todosconcordavam em quehavianamulherumaauraterriveldepérola.
Otratorcomeçouasedeslocarenasconversasoutrostemasse
entrecruzaram.Aluzdamanhãsederramavanabrumasobreoscafezais,
sederramava,comotodasasmanhãs.Etodasaságuasetodosos
oceanosdomundoetodososriachosdobosque-todasaságuassobrea
facedaterraentendiam.
Eouniverso.
Em 2008,nodiadeseuaniversário,tãologoIsabelledesligou, o
telefonetocou.Nãoépossível.Masreconheciaavoz,sereconhecianavoz.
plataforma.
Vosges.Todaessagente.Elenãovianinguém excetopeloruídodas
pedrinhasmaispertocadavezmaisperto.Sentiuasmãosem seuombro.
Levantou-seeaacompanhou.Anoitedescenofriodedezembro.
prédio.Estãoquasenaponte.Orioaoanoitecer.
dizem nadahávinteanos.