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Construindo uma teoria multifactorial

da notícia como
uma Teoria do Jornalismo
Jorge Pedro Sousa

Resumo Abstract
Neste texto, o autor sustenta que existe conhecimento In this text, the author supports that existent
empírico e reflexivo suficiente para se estruturar uma empirical and reflective knowledge is sufficient to
Teoria da Notícia capaz de responder às questões “por structuralize a News Theory capable to answer to
que é que as notícias são como são?”, “por que é que the questions “why are news as they are?”, “why
temos as notícias que temos?” e “quais os efeitos das does we have the news that we have?” and “which
notícias?”. O autor apresenta, assim, a sua Teoria are news effects?”. The author presents, thus, its 73
Multifactorial da Notícia, que beneficia do trabalho Multifactorial News Theory, that benefits of the work
de pesquisadores como Michael Schudson (1988) ou of some researchers like Michael Schudson (1988)
Shoemaker e Reese (1991) e se estrutura em três or Shoemaker and Reese (1991) and is structured
equações interligadas. A primeira das equações in three linked equations. The first of the equations
mostra que a notícia é um produto de nove variáveis; shows that each news is a product of nine variables;
a segunda equação mostra que a notícia tem efeitos the second equation show that each news has affective,
fisiológicos, afectivos, cognitivos e comportamentais cognitive and behavioural effects on the people and
sobre as pessoas e que esses efeitos dependem das that these effects depend on the some circumstances
várias circunstâncias do receptor; a terceira equação of the receiver; the third equation evidences that each
evidencia que a notícia tem efeitos sobre a sociedade, news has effects on the society, the ideologies and the
as ideologias e a cultura (o que se reflecte na história). culture (what is reflected in history).

Palavras-chave Keywords
Jornalismo, notícia, teoria da notícia Journalism, news, news theory
1. Introdução atentar no que une e é constante e não no
À semelhança das ciências exactas e na- que é acidental. Isto significa que o enun-
turais, as ciências humanas e sociais de- ciado da teoria deve ser contido, explícito
vem procurar agregar os dados dispersos e aplicável a toda e qualquer notícia que
fornecidos pela pesquisa em teorias inte- se tenha feito ou venha a fazer. Uma teo-
gradoras susceptíveis de explicar determi- ria da notícia, como qualquer teoria cien-
nados fenómenos com base em leis gerais tífica, será válida unicamente enquanto
predictivas, mesmo que probabilísticas. não ocorrerem fenómenos que a contradi-
As ciências da comunicação devem, assim, gam, pois o conhecimento científico, que é
ultrapassar a sua condição de “disciplinas construído, como qualquer outro tipo de
sérias”, como lhes chamou Debray1 , para conhecimento, é marcado pela possibili-
assumir a sua cientificidade, como pre- dade de refutação e, portanto, pela revisi-
tendia Moles (1972). Isto implica avançar bilidade.
para a enunciação de teorias sempre que À luz do que foi dito, este texto tem por
os pesquisadores considerem que existem objectivo contribuir para a edificação de
dados científicos e evidência suficientes. uma teoria da notícia, enquanto teoria do
No campo do jornalismo, essa opção tem jornalismo, marcada pela cientificidade e
sido seguida por pesquisadores como Sho- pela matematização.
maker e Reese (1992), Sousa (2000, 2002)
e mesmo Schudson (1988), contando, po- 2. Notícia
rém, com a oposição de autores como Tra- Uma teoria científica tem de delimitar
74 quina (2002) ou Viseu (2003). conceptualmente os fenómenos que ex-
Uma teoria do jornalismo deve partir plica e prevê. A teoria do jornalismo deve
da observação de que há notícias jorna- ser vista essencialmente como uma teoria
lísticas2  e de que estas têm efeitos. Em da notícia, já que a notícia é o resultado
resultado desta evidência, uma teoria do pretendido do processo jornalístico de
jornalismo deve centrar-se no produto jor- produção de informação. Dito por outras
nalístico – a notícia jornalística, explican- palavras, a notícia é o fenómeno que deve
do como surge, como se difunde e quais ser explicado e previsto pela teoria do jor-
os efeitos que gera. Em suma, a teoria do nalismo e, portanto, qualquer teoria do
jornalismo deve substancializar-se como jornalismo deve esforçar-se por delimitar
uma teoria da notícia e responder a duas o conceito de notícia.
questões: É preciso também notar que o conceito
- Por que é que as notícias são como de notícia tem uma dimensão que pode-
são e por que é que temos as notícias que ríamos classificar como táctica e uma di-
temos (circulação)? mensão que poderíamos classificar como 1
Entrevista a Régis Debray,
- Quais os efeitos que as notícias ge- estratégica. A dimensão táctica esgota-se conduzida por Adelino Gomes e
ram? na teoria dos géneros jornalísticos. Nessa publicada no suplemento Mil Folhas
dimensão, distingue-se notícia de outros do jornal Público, a 23 de Novembro
Uma teoria da notícia, à semelhança de de 2002.
outras teorias científicas, deve ser enun- géneros, como a entrevista ou a repor-
ciada de maneira breve e clara, deve ser tagem. Todavia, a dimensão estratégica 2
Ou seja, há notícias produzidas
universal, deve ser traduzível matemati- encara a notícia como todo o enunciado pelo sistema jornalístico a partir de
camente e deve ainda ser predictiva. Deve jornalístico. Esta opção é aquela que in- referentes reais.
teressa à teoria do jornalismo enquanto
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teoria que procura explicar as formas e os realidade e circunstâncias de produção há
conteúdos do produto jornalístico. um vínculo de contiguidade. Mas a notí-
Complementando uma definição de no- cia pode também ter estabelecer relações
tícia dada por Sousa (2000, 2002), pode de semelhança com a realidade que refe-
dizer-se que uma notícia é um artefacto rencia. Por esse motivo, a notícia pode as-
linguístico que representa determinados sumir igualmente uma dimensão icónica6 ,
aspectos da realidade, resulta de um pro- correspondente, aliás, à própria ambição
cesso de construção onde interagem fac­to­ de iconicidade dos jornalistas que a pro-
res de natureza pessoal, social, ideológica, duzem, ou seja, à vontade de o enunciado
histórica e do meio físico e tecnológico, é produzido (notícia) ser semelhante à rea-
difundida por meios jornalísticos e com- lidade enunciada.
porta informação com sentido compreen- Vários factores interferem na construção
sível num determinado momento histórico da notícia. A natureza indiciática da no­­
e num determinado meio sócio-cultural, tícia, ou seja, o facto de na notícia estarem
embora a atribuição última de sentido de- indiciadas as circunstâncias da sua pro­­
penda do consumidor da notícia. dução, permite determinar esses factores,
A notícia é um artefacto linguístico por- nos quais se devem basear as explicações
que é uma construção humana baseada que se dão para explicar por que temos as
na linguagem, seja ela verbal ou de ou- notícias que temos e por que as no­­­tí­cias
tra natureza (como a linguagem das ima- são como são. Na teoria unificada do jor-
gens). A notícia nasce da interacção entre nalismo que neste texto se sustenta, es­­ses
a realidade perceptível, os sentidos que factores podem ser de natureza pessoal, 75
permitem ao ser humano “apropriar-se” social, ideológica, cultural, histórica, do
da realidade, a mente que se esforça por meio físico e dos dispositivos tecnológicos.
apreender e compreender essa realidade Uma teoria do jornalismo deve ocupar-
3
Para uma melhor compreensão e as linguagens que alicerçam e traduzem se unicamente da notícia enquanto fenó-
deste fenómeno, consulte-se a tese
esse esforço cognoscitivo. meno jornalístico, isto é, deve ocupar-se
doutoral de José Rodrigues dos
Santos (2001). As notícias ocupam-se com as aparên- dos enunciados que são produzidos por
cias dos fenómenos que ocorrem na rea- jornalistas credenciados e que são veicu-
4
Alguns semióticos dizem mesmo lidade social e com as relações que apa- lados em espaços jornalísticos por meios
simular. rentemente esses fenómenos estabelecem jornalísticos7 .
5
entre si. A notícia não espelha a realidade A notícia comporta informação com sen-
Recorre-se aqui à clássica divisão porque as limitações dos seres humanos tido compreensível num determinado mo-
dos signos estabelecida por Peirce.
e as insuficiências da linguagem o impe- mento histórico e num determinado meio
6
Também pode funcionar como dem3 . Por isso, a notícia contenta-se em sócio-cultural. Se dentro de um contexto
símbolo, mas esta discussão já representar4  parcelas da realidade, inde- um determinado facto emerge da super-
transcende os objectivos da presente pendentemente da vontade do jornalista, fície plana da realidade, sendo percepcio-
definição de notícia. da sua intenção de verdade e de factua- nado como notável e, portanto, como um
7
lidade. Essa representação é, antes de acontecimento digno de se tornar notícia
Para efeitos deste artigo, é estéril
mais, indiciática5 . A notícia indicia os as- (Rodrigues, 1988), noutro contexto esse
debater as fronteiras do jornalismo,
o que é e não é jornalismo, quem é e
pectos da realidade que refere. Ao mesmo mesmo facto pode passar despercebido
quem não é jornalista, o que é ou não tempo, a notícia indicia as circunstâncias por não ter um enquadramento que per-
é um meio jornalístico. da sua produção. Ou seja, entre notícia, mita observá-lo como um facto notável, ou
seja, como um acontecimento8 . A teoria organizacional enfatiza que as
Finalmente, a notícia só se esgota no notícias são o resultado das condicionan-
mo­mento do seu consumo, já que é nesse tes organizacionais em que são fabrica-
mo­mento que ela produz efeitos e passa a das, como as hierarquias, as formas de
fa­zer parte dos referentes da realidade. socialização e aculturação dos jornalistas,
Es­ses referentes são a parte da realida- a rede de captura de acontecimentos que
de que formam a imagem que os sujeitos o órgão jornalístico lança sobre o espaço,
cons­­­troem da realidade. Por isso, a cons- os recursos humanos e financeiros desse
trução de sentido para uma notícia de- órgão, a respectiva política editorial, etc.
pende da interacção perceptiva, cognosci­
ti­va e até afectiva que os sujeitos com ela es- - Teoria da acção política
tabelecem9. Segundo Traquina, os defensores des-
ta explicação sustentam que as notícias
3. Tendência “divisionista” para a distorcem a realidade, embora pudessem
explicação das notícias ser o seu espelho. Há duas versões desta
Há autores que consideram que as ex- “teoria”. Uma delas afirma que as notí-
plicações que têm sido avançadas para cias são dissonantes da realidade porque
explicar os formatos e conteúdos das notí- os jornalistas, sem autonomia, estão su-
cias são insuficientes para se edificar uma jeitos a um controle ideológico e mesmo
teoria do jornalismo e por vezes são tam- conspirativo que leva os media noticiosos
bém antagónicas e contraditórias. O mais a agirem como um instrumento ao serviço
76 referenciado defensor lusófono desta tese da classe dominante e do poder. Por isso,
é, provavelmente, Nelson Traquina (2001; para esses teóricos as notícias dão uma
2002). Para Traquina (2002: 73-129) há visão direitista, liberal e conservadora do
a considerar várias “teorias”, que podem mundo e contribuem para a sustentação
ser resumidas da seguinte maneira: do status quo. A outra versão sustenta
que os media noticiosos são instrumentos
- Teorias do espelho da ideologia dos jornalistas. Estes são vis-
Com base nesta explicação, as notícias tos como quase totalmente autónomos em
são vistas como o espelho da realidade, relação aos diversos poderes. As notícias
conforme a ideologia profissional clássica seriam enviesadas da realidade porque
dos jornalistas. reflectem as convicções ideo­lógicas e polí-
ticas dos jornalistas e as suas ideologias
- Teoria da acção pessoal ou do gateke- profissionais. Como os jornalistas, para
eper esses pensadores, são maioritariamente
Esta explicação nasce da metáfora do da esquerda, as notí­cias tendem a privile-
gatekeeping aplicada à produção de in- giar uma visão esquerdista do mundo.
formação jornalística. De acordo com esta 8
Para sustentação e aprofundamento
explicação, as notícias resultam da selec- - Teoria estruturalista deste argumento, consulte-se Sousa
(2000; 2002).
ção de acontecimentos, com base nas op- De acordo com esta explicação, as notí-
ções particulares de cada jornalista selec- cias são um produto socialmente constru- 9
Para sustentação e aprofundamento
tor. ído que reproduz a ideologia dominante e deste argumento, consulte-se Sousa
- Teoria organizacional legitima o status quo. Isto acontece por- (2000; 2002).

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que os jornalistas e os órgãos de comuni- - Teoria interaccionista
cação social têm uma reduzida margem De acordo com esta linha explicativa, as
de autonomia, cultivam uma cultura notícias resultam de um processo de per-
rotinizada e burocratizada e estão su- cepção, selecção e transformação de acon-
jeitos ao controle da classe dominante, tecimentos em notícias, sob a pressão do
proprietária dos meios de comunicação, tempo, por um corpo de profissionais re-
que vincula os media às suas (primeiras) lativamente autónomo e autorizado, que
definições dos acontecimentos. As rotinas partilha de uma cultura comum. Os jor-
produtivas são vistas como uma cedên- nalistas são vistos não como observadores
cia ao domínio dos poderosos. As notícias passivos, mas sim como participantes ac-
tivos na construção da realidade. As notí-
condensam essa relação estrutural entre
cias são encaradas como uma construção
os media e os definidores de sentido para
social, sendo limitadas pela natureza da
os acontecimentos e ajudam a construir
realidade, mas registando aspectos tangí-
uma sociedade consensual e normaliza-
veis dessa realidade. As notícias registam
da, em função da ideologia dominante- também os constrangimentos organiza-
hegemónica. cionais, os enquadramentos e narrativas
culturais que governam a expressão jor-
- Teoria construcionista nalística, as rotinas que orientam e condi-
A explicação construcionista para as cionam a produção de notícias, os valores-
notícias é mais elaborada do que as ante- notícia e as negociações entre jornalistas
riores. Para os académicos que perfilham e fontes de informação. 77
essa explicação, as notícias são histórias
que resultam de um processo de constru- Como é visível, as diferentes “teorias”
ção, linguística, organizacional, social, expostas por Traquina não têm frontei-
cultural, pelo que não podem ser vistas ras muito bem definidas. Há entre elas
como o espelho da realidade, antes são pontos de contacto, explicações comuns.
artefactos discursivos não ficcionais – in- Aquilo que as une é mais importante do
diciáticos – que fazem parte da realidade que aquilo que eventualmente as separa.
e ajudam-na a construir e reconstruir. Por exemplo, as rotinas são relevadas em
Assim, o conceito de distorção é visto “...as diferentes várias delas. Usando os mesmos dados de
como inadequado e as atitudes políticas Traquina, é possível tecer uma teia ex-
teorias expostas por
dos jornalistas, observados como relativa- plicativa global para as notícias - é uma
Traquina não têm questão de sistematizar esses dados. Este
mente autónomos, embora constrangidos
pela linguagem, pelas organizações noti- fronteiras muito é um dos principais argumentos que sus-
ciosas, pelas negociações com as fontes, tentam as teses “unionistas”.
bem definidas (...)
etc – não são entendidas como um factor Aquilo que as une 4. Tendência “unionista” para a
determinante no processo jornalístico de
é mais importante explicação das notícias
produção de informação. As rotinas são
do que aquilo que Em 1988, Michael Schudson escreveu
vistas como o resultado de um esforço
que as teorias unidimensionais não conse-
organizacional para assumir uma vanta- eventualmente as guem explicar as notícias.
gem estratégica. separa.” “As explicações para as notícias serem o
que são só terão interesse se pressupomos “...para compreender maker (1991), baseada nos resultados de
que não é óbvio as notícias serem o que as notícias (...) pesquisas anteriores, deu conta da exis-
são. Se estivermos convencidos de que as
há que conciliar tência de diversos factores que influen-
notícias apenas espelham o mundo exterior ciam esse processo. Esses factores foram
ou que simplesmente imprimem os pontos várias explicações. agregados pela autora em quatro níveis
de vista da classe dominante, nesse caso Isoladas, essas de influência:
não é necessário mais nenhuma explica-
explicações são
ção.” (Schudson, 1988:17) a) A um nível individual, o processo de
Por isso, para compreender as notícias, insuficientes para gatekeeping é influenciado por modelos
segundo Schudson (1988), há que conci- explicar as notícias de pensamento, pela heurística cogniti-
liar várias explicações. Isoladas, essas ex- que temos e por que va, por valores e características pessoais,
plicações são insuficientes para explicar pela concepção que os intervenientes no
as notícias que temos e por que elas são elas são como são, processo têm do seu papel social, etc.
como são, mas em conjunto revelam todo mas em conjunto
o seu poder explicativo: revelam todo o seu b) Entre o nível individual e um terceiro
nível, o processo é influenciado pelas roti-
poder explicativo.”
a) Acção pessoal – As notícias são um nas produtivas;
produto das pessoas e das suas intenções.
c) A um nível organizacional, o proces-
b) Acção social – As notícias são um pro- so de selecção e produção de informação
duto das organizações noticiosas, da sua é constrangido pelas características orga-
78 forma de se adaptarem ao meio e dos seus nizacionais (recursos, hierarquias, etc.),
constrangimentos, independentemente pelos processos organizacionais de socia-
das intenções pessoais dos intervenientes lização dos jornalistas e pelas dinâmicas
no processo jornalístico de produção de próprias que a organização noticiosa esta-
informação. belece com o meio;

c) Acção cultural – As notícias são um d) A um nível social, institucional, ex-


produto da cultura e dos limites do con- tra-organizacional, o processo de gateke-
cebível que uma cultura impõe, indepen- eping é influenciado pelas fontes de infor-
dentemente das intenções pessoais e dos mação, pelas audiências, pelos mercados,
constrangimentos organizacionais. pelas entidades publicitárias, pelos pode-
res políticos, judiciais, etc, pelos lóbis, pe-
Ao reconhecer as insuficiências das ex- los serviços de relações públicas, por ou-
plicações unidimensionais e ao cruzar tros meios jornalísticos, etc.
essas explicações para explicar por que
é que as notícias são como são, Michael Resumindo, ao explicar o processo de
Schudson dá pistas para se alicerçar uma gatekeeping, Pamela Shoemaker montou
teoria unificada do jornalismo, no que diz as bases para a edificação de uma teoria
respeito ao processo de produção de infor- unificada capaz de explicar o processo jor-
mação. nalístico de produção de informação, com
Por seu turno, ao estudar o processo de base na interacção de diferentes forças.
gatekeeping no jornalismo, Pamela Shoe- Mais tarde, Pamela Shoemaker e Stephen

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Reese (1991; 1996) voltaram a essa temá- para a necessidade de se interligarem os
tica, tendo complementado e aprofundado efeitos das notícias e as influências sobre
a explicação inicial de Shoemaker. Do tra- os conteúdos noticiosos numa teoria uni-
balho de 1996, publicado sob a forma de ficada da notícia (ou do jornalismo). Os
livro (Mediating the Message - Theories autores argumentam que é necessário
of Influences on Mass Media Content), conhecer os conteúdos das notícias para
resultou a construção de uma teoria uni- se perceberem os respectivos efeitos; e
ficada dos conteúdos noticiosos, ligada, que só se percebem os efeitos quando se
ademais, aos efeitos desses conteúdos. conhecem os conteúdos. Por outras pala-
Tal como no livro Gatekeeping (1991), vras, pode-se dizer que a notícia apenas
de Shoemaker, os autores de Mediating se esgota na sua fase de consumo, que é,
the Message estruturam a sua teoria da precisamente, a fase em que produz efei-
notícia em vários níveis de influência: a) tos. Além disso, Shoemaker e Reese (1991,
influências dos trabalhadores dos media; 1996: 260) realçam que os efeitos das no-
b) influências das rotinas produtivas; c) tícias sobre a sociedade, as instituições e
influências organizacionais; d) influências os poderes podem, por sua vez, repercutir-
do meio externo às organizações noticio- se retroactivamente sobre os meios jorna-
sas; e e) Influências ideológicas. lísticos e, portanto, sobre as notícias e os
Conforme é notório, em relação ao tra- seus conteúdos.
balho de Shoemaker de 1991, os autores A concepção dos efeitos das notícias
reconhecem a importância da ideolo- deve partir da teoria da dependência, pro-
gia como um factor capaz de influenciar posta por Ball-Rokeach e DeFleur (1976). 79
o conteúdo das notícias. Agregando as Para estes autores, os meios de comunica-
ideias de Shoemaker e Reese às de Schu- ção, nos quais se incluem os meios jorna-
dson, e tendo em conta as perspectivas lísticos, são a principal fonte de informa-
“divisionistas” de Traquina (2001, 2002), ção que a sociedade tem sobre si mesma.
é possível perceber que numa coisa os es- São também os meios de comunicação os
tudiosos do jornalismo estão de acordo: os agentes mais relevantes para pôr em con-
resultados das pesquisas colocam em evi- tacto os múltiplos subsistemas sociais.
dência que factores de natureza pessoal, “Quanto mais Assim, as pessoas, os grupos, as organiza-
social (organizacional e extra-organiza- uma sociedade ções e a sociedade em geral dependem dos
cional), ideológica e cultural enformam e está sujeita à meios de comunicação para se manterem
constrangem as notícias. Uma teoria uni- informados e para receberem orientações
ficada do jornalismo tem de partir desse instabilidade ou à relevantes para a vida quotidiana. Quan-
património comum de conhecimento cien- mudança, mais as to mais uma sociedade está sujeita à ins-
tífico sobre o jornalismo. pessoas, os grupos tabilidade ou à mudança, mais as pessoas,
os grupos e as organizações dependem da
5. Circulação, consumo e efeitos das
e as organizações comunicação social para compreenderem
notícias dependem da o que acontece, receberem orientações e
Uma teoria unificada do jornalismo e comunicação social saberem como agir.
da notícia fica incompleta se não lhe for O modelo da dependência desenvolvido
para compreenderem
agregada a componente dos efeitos das por Ball-Rokeach e DeFleur (1982; 1993)
notícias. Shoemaker e Reese (1991; 1996: o que acontece...” tem também a vantagem de sistematizar
258-260), por exemplo, chamam a atenção
muito pertinentemente os efeitos da co- nos media, ou, pelo contrário, levam as
municação social e, portanto, das notícias. pessoas a pensarem que estão isoladas ou
Esses efeitos circunscrevem-se a três cate- pertencem a grupos minoritários por não
gorias: efeitos cognitivos (teorias do agen- verem as suas ideias e modos de vida re-
da-setting, da tematização, da construção flectidos nos media, tendendo a silenciar-
social da realidade, do cultivo, da socia- se (“teoria” da espiral do silêncio), etc10. 
lização pelos media, do distancia-mento
social, da espiral do silêncio, etc.) efeitos Efeitos afectivos
afectivos (teoria dos usos e gratificações, As notícias provocam emoções e senti-
etc.) e efeitos comportamentais (consequ- mentos. Mesmo dirigidas à razão, colate-
ência dos outros dois tipos de efeitos). A ralmente atingem a emoção. Esta é uma
grande vantagem desta sistematização é das explicações para o facto de as pesso-
facultar a integração de diversas “teorias” as, por vezes, consumirem activamente
dos efeitos nessas três grandes macro-ca- informação jornalística de maneira a sen-
tegorias, principalmente quando se pensa tirem-se gratificadas (“teoria” dos usos e
nos efeitos pessoais das notícias. gratificações). As notícias também podem
contribuir para a atenuação ou intensi-
Efeitos cognitivos ficação dos afectos, por exemplo, através
As notícias produzem efeitos cognitivos da exposição prolongada a mensagens
pois moldam as percepções que se têm da violentas, no primeiro caso, ou através
realidade (“teorias” da construção social de mensagens afectivas, no segundo caso;
80 da realidade), podendo mesmo levar as podem concorrer para o desenvolvimento
pessoas a tomarem atitudes e formarem de sentimentos de medo e insegurança e
cognições mais baseadas nos conteúdos até de ansiedade e pânico; e ainda podem
das notícias do que na própria realidade ter efeitos ao nível da moral e da aliena-
(“teoria” do cultivo); contribuem para a ção, pelo fomento da integração ou, pelo
formação de atitudes e para a socializa- contrário, da desagregação de grupos, or-
ção e a aculturação (“teorias” da socializa- ganizações e dos membros de uma socie-
ção pelos media); reforçam ou colocam em dade em geral.
questão determinadas crenças; cultivam
valores e propõem a adesão ou a rejeição Efeitos comportamentais
de novos valores (teoria do cultivo); geram As notícias podem ter efeitos sobre a
o agendamento público de temáticas rele- conduta das pessoas, activando ou de-
vantes para a vida das pessoas (“teorias” sactivando comportamentos. Os efeitos
do agenda-setting e da tematização); con- comportamentais são a consequência dos
correm para a aquisição de conhecimen- efeitos cognitivos e afectivos.
tos e para o aumento ou diminuição da É necessário ter-se em consideração
distância que separa as pessoas em ter- que quando se fala de efeitos das notícias
mos de conhecimento (“teoria” do distan- se fala de efeitos possíveis ou mesmo pro-
ciamento social); levam a que por vezes as váveis a larga escala. No entanto, convém
pessoas pensem que pertencem a grupos não ignorar que, em última análise, os 10
Para uma abordagem mais
maioritários por verem constantemente efeitos de uma notícia são relativos, pois exaustiva destas teorias, consulte-se
as suas ideias e modos de vida reflectidos dependem de cada consumidor da mesma Sousa (2003) ou Sousa (2000).

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em particular11 . ções.
Matematicamente, a teoria pode tradu-
6. A Teoria Multifactorial da Notícia zir-se por três equações multifactoriais in-
(enquanto Teoria do Jornalismo) terligadas num sistema, daí que a teoria
Recordando o atrás sustentado, uma aqui expressa possa denominar-se Teoria
teoria do jornalismo deve partir da obser- Multifactorial da Notícia. A matema-tiza-
vação de que há notícias jornalísticas12  e ção permite identificar, delimitar, agru-
de que estas têm efeitos. Em resultado par, sistematizar e sintetizar quer (1) os
desta evidência, uma teoria do jornalismo macrovectores estruturantes das notícias,
deve centrar-se no produto jornalístico ou seja, as forças em que se integram to-
-a notícia jornalística, explicando como dos os microfactores que geram e confor-
surge, como se difunde e quais os efei- mam as notícias, quer (2) os macrovecto-
tos que gera. Em suma, a teoria do jor- res estruturantes dos efeitos das notícias,
nalismo deve consubstancializar-se como ou seja, os macro-efeitos onde se podem
uma teoria da notícia e responder a duas integrar todas as modificações observá-
questões: a) Por que é que as notícias são veis que as notícias provocam ou podem
como são e por que é que temos as notí- provocar nas pessoas e através destas nas
cias que temos (circulação)? b) Quais os sociedades e nas civilizações.
efeitos que as notícias geram? A matematização não escamoteia a com-
Uma teoria da notícia, à semelhança de plexidade dos factores que impulsionam
outras teorias científicas, deve ser enun- e direccionam a construção das notícias
ciada de maneira breve e clara, deve ser nem a complexidade dos efeitos das mes- 81
universal, deve ser traduzível matema- mas. A matematização permite apenas ex-
ticamente e deve ainda ser predictiva. plicitar os macrovectores estruturantes da
Deve atentar no que une e é constante e construção das notícias e dos seus efeitos.
não no que é acidental. Isto significa que A linearidade das equações ajuda a clari-
o enunciado da teoria deve ser contido, ficar o processo. Porém, como mostram as
explícito e aplicável a toda e qualquer no- equações, os processos equacionados são
tícia que se tenha feito ou venha a fazer. complexos, pois a notícia e os seus efeitos
Os resultados das pesquisas realizadas aparecem como um produto de múltiplos
no campo dos estudos jornalísticos permi- factores, que interferem nesses processos
tem percepcionar que (1) a notícia jorna- de forma variável.
lística é o produto da interacção histórica A Teoria Multifactorial da Notícia pode,
e presente (sincrética) de forças pessoais, então, ser traduzida com as seguintes três
sociais (organizacionais e extra-organi- equações:
zacionais), ideológicas, culturais, histó- 6.1 Primeira equação (1)
ricas e do meio físico e dos dispositivos A primeira equação do sistema mos-
11
Para uma mais completa
tecnológicos que intervêm na sua produ- tra que a notícia (N) é uma função (f) do
argumentação, consultar Sousa
(2000) ou Sousa (2003).
ção e através dos quais são difundidas; e produto (ou interacção) de várias forças,
(2) que as notícias têm efeitos cognitivos, segundo os resultados das pesquisas que
Ou seja, há notícias produzidas
12 afectivos e comportamentais sobre as pes- têm vindo a ser produzidas sobre o cam-
pelo sistema jornalístico a partir de soas e, através delas, sobre as sociedades, po jornalístico (Sousa, 2000; Sousa, 2003;
referentes reais. as ideologias, as culturas e as civiliza- Traquina, 2003; Shoemaker e Reese,
1) N = f(α1 . Fp X β1 . R X χ1 . Fso X δ1 . Fseo X ε1 . Fi X φ1 . Fc X ϕ1 . Fh X γ1 . Fmf X η1 . Fdt)
2) EpFAC1C2 = g(α2 . Nf X β2 . Nc X χ2 . P X δ2 . Cm X ε2 . Cf X φ2 . Cs X ϕ2 . Ci X γ2 . Cc X η2 . Ch)
3) EsicN= h(α3 . Nf X β3 . Nc X χ3 . (P1 X P2 X...X Pn) X δ3 . Cm X ε3 . Cf X φ3 . Cs X ϕ3 . Ci X γ3 . Cc X η3 . Ch)

1991, 1996), a saber: agiram as restantes forças que enformam


as notícias que existem no presente. A
- Força pessoal (Fp) – As notícias resul- história proporciona os formatos, as ma-
tam parcialmente das pessoas e das suas neiras de narrar e descrever, os meios de
intenções, da capacidade pessoal dos seus produção e difusão, etc.; o presente forne-
autores e dos actores que nela e sobre ela ce o referente que sustenta o conteúdo e
intervêm. as circunstâncias actuais de produção. Ao
- Rotinas (R) – As notícias resultam par- ser simultaneamente histórica e presente,
cialmente das rotinas dos seus autores, a notícia é sincrética.
normalmente consubstanciadas em práti-
cas profissionais e organizacionais. Há ainda a considerar que as diferen-
- Força social – As notícias são fruto tes forças que se fazem sentir sobre as
das dinâmicas e dos constrangimentos do notícias não têm sempre o mesmo grau
sistema social (força social extra-orga-ni- de influência na construção das mesmas.
zacional - Fseo) e do meio organiza-cional Daí que subsista a necessidade se intro-
em que foram construídas e fabri-cadas duzirem variáveis que dêem conta dessa
82 (força sócio-organizacional - Fso). variabilidade do grau de influência dos
- Força ideológica (Fi) – As notícias são factores. Assim, todos os factores da pri-
originadas por conjuntos de ideias que meira equação do sistema são antecedidos
moldam processos sociais, proporcionam por uma variável (α1 a η1).
referentes comuns e dão coesão aos gru-
pos, normalmente em função de interes- 6.2 Segunda (2) e terceira (3)
ses, mesmo quando esses interesses não equações
são conscientes e assumidos. A segunda equação do sistema eviden-
· Força cultural (Fc) – As notícias são cia que, a nível pessoal (Ep), os efeitos
um produto do sistema cultural em que fisiológicos (F), afectivos (A), cognitivos
são produzidas, que condiciona quer as (C1) e comportamentais (C2) de uma no-
perspectivas que se têm do mundo quer a tícia (N)13  são uma função (g) do produto
significação que se atribui a esse mesmo (ou interacção) das seguintes variáveis:
mundo (mundividência). - Notícia – Os efeitos de uma notícia
- Força do meio físico (Fmf) – As notí- dependem da própria notícia. Atendendo
cias dependem do meio físico em que são a que cada notícia tem um formato e um
fabricadas. conteúdo, influenciando ambos o proces-
- Força dos dispositivos tecnoló-gicos so de percepção, recepção e integração da 13
Usa-se, conforme atrás enunciado,
(Fdt) – As notícias dependem dos disposi- mensagem, então a variável notícia deve
a sistematização dos efeitos da
tivos tecnológicos usados no seu processo segmentar-se em duas variáveis, o forma- comunicação proposta por Ball-
de fabrico e difusão. to da notícia (Nf) e o conteúdo da notícia Rokeach e DeFleur (1982; 1993).
- Força histórica (Fh) – As notícias são (Nc).
um produto da história, durante a qual - Pessoa (P) – Os efeitos de uma notícia
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dependem da pessoa que a consome, da Os efeitos sociais, ideológicos e cul-
capacidade perceptiva dos seus sentidos, turais das notícias são, genericamente,
da sua estrutura mental, da sua persona- aqueles que são apresentados por diferen-
lidade, da sua experiência, da sua mundi- tes escolas de pensamento comunicacio-
vivência, da sua mundividência, etc. nal e várias teorias da comunicação. Por
- Circunstâncias (C) – Os efeitos da exemplo, as escolas críticas, como a Esco-
notícia dependem das circunstâncias (C) la de Frankfurt, mostram que as notícias
da pessoa que a recebe. As circunstâncias orientam ideologicamente a sociedade no
que rodeiam a pessoa respeitam ao meio em sentido da manutenção do statu quo, em-
que a notícia é difundida (Cm), às condições bora em grande medida essa orientação
físicas da recepção (Cf), à sociedade (Cs), à seja co-determinada pela cultura e modos
ideologia (Ci), à cultura (Cc) e à própria his- de vida (estudos culturais, Escola de Bir-
tória (Ch)14 . mingham)15 . Ainda a título de exemplo,
estudos no âmbito do agendamento (agen-
As notícias nem sempre provocam efei- da-setting) mostram que na sociedade se
tos cognitivos, afectivos e comportamen- estabelecem agendas de assuntos sobre os
tais de idêntica grandeza. Por isso, tam- quais as pessoas falam, co-determinando
bém na segunda equação é necessário in- o que social e culturalmente é considerado
troduzirem-se variáveis, desta feita para como importante. Outro exemplo susceptí-
darem conta da dimensão de cada efeito. vel de evidenciar que as notícias têm efei-
Em consequência, os factores expressos tos sociais e culturais ao nível de povos e
na segunda equação são antecedidos por países inteiros poderia ser tirado da teo- 83
uma variável (α2 a η2), a exemplo do que ria do distanciamento social, que enfatiza
sucede na primeira equação, para dar quanto o poder depende do conhecimento
conta do peso de cada efeito. e quanto este depende do acesso à infor-
A terceira equação dá conta dos efeitos mação e da capacidade funcional de apro-
sociais, ideológicos e culturais (Esic) de veitamento dessa mesma informação16 .
uma notícia (N), evidenciando que estes
variam, genericamente, em função do 7. Testando o modelo
produto dos mesmos factores já expres- Atendendo a que os efeitos pessoais, so-
sos na segunda equação, com diferentes ciais, ideológicos e culturais da comunica-
pesos. Também na terceira equação se ção jornalística e as circunstâncias de que
tem de considerar que o peso de cada fac- dependem a ocorrência e a intensidade
14
Várias pesquisas sustentam esta
tor na função pode não ser idêntico, pelo desses efeitos são explicitados pelas teo-
ideia. Veja-se, por exemplo: Sousa que se têm de introduzir variáveis (α3 a rias dos efeitos da comunicação, o modelo
(2000) ou Sousa (2003). η3), mas com a diferença de que se tem de efeitos expresso na segunda e na ter-
de introduzir a ideia da interacção entre ceira equação remete para toda a produ-
15
Para melhor explicitação, as pessoas (P1 X P2 X… X Pn) para represen- ção teórica que tem sido produzida e que
consultar: Sousa (2000) ou Sousa tar mecanismos como os da conversação, se encontra nas vastas obras sobre teoria
(2003).
capazes de contribuir para a mediação da comunicação (por exemplo: Sousa 2000,
16
Para melhor explicitação, dos efeitos sociais, ideológicos e culturais 2002, 2003). Assim, a segunda e a terceira
consultar: Sousa (2000) ou Sousa das notícias (ver, por exemplo: Sousa, equação apenas visam clarificar e siste-
(2003). 2003). matizar as variáveis intervenientes nesse
processo, dando conta da forma como inte- tificar nas notícias os resultados das for-
ragem. Por exemplo, como vimos, a teoria ças que sobre elas se fazem sentir, impul-
do agendamento mostra que a inscrição e sionando, direccionando e constrangendo
manutenção de determinados assuntos na a sua produção. Vejamos, em alguns
agenda pública (efeito social) depende de exemplos, como é possível identificar es-
factores como (1) a cognição que cada pes- sas forças. No primeiro caso temos uma
soa tem das notícias (efeito pessoal); (2) notícia de 1864 (extraída do primeiro nú-
a conversação e demais interacções entre mero do Diário de Notícias) e no segundo
as pessoas através da comunicação inter- caso uma notícia recente.
pessoal, tendo a notícia por referente; (3)
os meios que transmitem a notícia (por Notícia 1
exemplo, a capacidade de agendamento Suas Magestades e Altezas passam sem no-
da televisão e da imprensa é superior à vidade em suas importantes saúdes.
dos restantes meios); e (4) o entendimento
cultural e ideológico do que é considerado Notícia 2
importante (do que é considerado notícia) O Presidente da República vai ser submeti-
num determinado momento histórico. do a uma cirurgia cardiovascular no próxi-
Ao contrário das restantes equações, a mo mês de Junho, anunciou a Presidência
17
primeira equação representa uma nova e da República. Notícia verídica com alguns nomes
e circunstâncias alterados para
mais completa forma de sistematizar os O Presidente vai colocar um by-pass coro-
protecção dos visados.
factores que afectam a produção noticiosa. nário, aparelho que possibilita a circulação
84 Ela é o coração da Teoria Multifactorial do sangue quando os vasos sanguíneos es- 18
Pouca era a informação circulante
da Notícia que aqui se propõe. Portanto, tão semi-obstruídos. em Portugal.
torna-se necessário testá-la, aplicando a Segundo a Presidência da República, trata-
19
várias notícias a análise de factores que se de uma operação delicada mas comum, A imprensa noticiosa
subjaz às equações, com o objectivo de ve- que obrigará o Presidente a três semanas contemporânea tem raízes directas
na primeira geração da imprensa
rificar se as notícias dependem efectiva- de internamento.
popular que desponta nos Estados
mente da conjugação de factores pessoais, A cirurgia será feita no Hospital da Cruz Unidos nos anos vinte e trinta
sociais, rotineiros, culturais, ideológicos, Vermelha, em Lisboa, pela equipa do pro- do século XIX e na imprensa de
históricos, do meio físico e dos dispositi- fessor José Luís Santos, que nos últimos negócios que floresce a partir do
vos tecnológicos. cinco anos operou mais de 750 doentes, com século XVIII. Essa primeira vaga
Como vimos, a primeira equação tra- uma taxa de sucesso de 99 por cento17.  de jornalismo predominantemente
duz matematicamente a ideia de que é O que ambas as notícias nos revelam noticioso (penny press) vai-se impor
ao jornalismo predominantemente
possível unificar as explicações para as sobre si mesmas e sobre as circunstân- opinativo (party press) até ao
notícias serem aquilo que são num enun- cias e o contexto em que foram produ- final do século XIX, por força
ciado teórico claro e predictivo que parte zidas? Para responder a esta questão, de factores como o aumento da
da evidência resultante dos estudos jor- vamos analisar, com base nos itens que informação circulante devido à
nalísticos. As notícias, podendo indiciar considerarmos mais relevantes, as forças generalização do telégrafo e à
a realidade que referem, também indi- que elas indiciam, partindo de um cená- melhoria dos transportes e das vias
de comunicação. Em Portugal, a
ciam as suas circunstâncias de produção, rio macroscópico. Não poderemos falar
fundação do Diário de Notícias, no
reveladas nas numerosas pesquisas que de todos os itens de que gostaríamos, por fim de 1864, assinala precisamente
constituem o corpo da teoria do jornalis- motivos que se prendem com a ausência essa viragem noticiosa do jornalismo.
mo. Esse mecanismo torna possível iden- de espaço e com o desconhecimento de al-

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gumas das circunstâncias que impulsio- primidas em velhos ficheiros” (Schudson,
naram, direccionaram e constrange-ram 1988:24). O estado de saúde dos gover-
o fabrico das notícias em causa, mas es- nantes de Portugal é um desses velhos
tamos certos de que o teste a que iremos ficheiros sempre recuperáveis, porque
20
Molotch e Lester (1974) proceder é suficiente para mostrar como corresponde à forma da sociedade portu-
apresentaram o conceito de a teoria unificada da notícia proposta por guesa ver o mundo e também porque, no
promotores de notícias para definir
os indivíduos que procuram elevar
Sousa (2000; 2002) é pertinente. contexto social e político português, é re-
determinados acontecimentos à levante que os cidadãos conheçam o esta-
categoria de notícias. Na segunda - Forças cultural e histórica do de saúde de quem os governa.
notícia, a assessora de comunicação - A primeira notícia é uma notícia de Os enquadramentos, complementados
da Presidência funciona como um não-acontecimento. Justifica-se por- com constrangimentos de outra ordem,
promotora. Molotch que foi publicada num contexto de pobre- como a política editorial das empresas
e Lester (1974) baseiam-se nas
za informativa18  que obrigava a impren- jornalísticas, estão na base dos critérios
figuras dos promotores para definir
vários tipos de acontecimentos.
sa noticiosa nascente19  a aproveitar tudo de noticiabilidade, ou seja, dos critérios
Porém, no caso presente a definição o que se parecesse com uma novidade susceptíveis de transformar aconteci-
de acontecimentos dos autores não interessante para encher o espaço edito- mentos em notícias. Neste caso, a refe-
é aplicável, pois a primeira notícia rial. A segunda notícia é uma notícia de rência a figuras de elite funciona como
não teve um promotor a não ser o um verdadeiro acontecimento (a doença um critério de noticiabilidade em ambas
próprio órgão de comunicação social do Presidente da República obriga a uma as notícias. Trata-se de um critério de
e a segunda, embora tenha um
intervenção cirúrgica) metamorfoseado noticiabilidade perene, um critério que
promotor, é um acontecimento de
rotina construído sobre um acidente, num acontecimento de rotina (a asses- já promovia factos a notícias nos tempos
correspondendo, de certa forma, à sora de comunicação da Presidência en- das Actae Diurnae22  e que provavelmen- 85
rotinização do inesperado de que carrega-se de promover o acontecimento te continuará a regular a transformação
falava Tuchman (1978). à categoria de notícia20  e os órgãos de de acontecimentos em notícias enquanto
21
comunicação social aproveitam-na não a sociedade mantiver uma estrutura só-
Goffman (1975) foi o primeiro só devido ao seu interesse noticioso mas cio-política que impõe a existência de lí-
a teorizar sobre a noção de
“enquadramento” ou frame. Um
também porque, rotineiramente, publi- deres e liderados.
“enquadramento” corresponde às cam as informações oriundas dos princi- A referência a personalidades de elite
formas de organizar a vida para dar pais órgãos do Estado). não é o único critério de noticiabilidade
sentido ao mundo social e para lhe que impulsionou a publicação das notí-
dar respostas adequadas. - As notícias referem-se ao estado de cias. Baseando-nos na lista de critérios de
22
saúde dos máximos representantes do noticiabilidade pela primeira vez propos-
Antepassados remotos dos jornais,
país. Os factos a que elas se referem ape- ta por Galtung e Ruge (1965), é possível
as Actae Diurnae, instituídas por
Júlio César, serviram inicialmente
nas se tornaram notícias porque determi- identificar outros critérios que permiti-
para dar conta dos debates no nados enquadramentos (ou frames) cul- ram aos jornalistas e responsáveis edi-
Senado de Roma e transformaram- turais21  os permitem ver como factos no- toriais enquadrar os factos relatados na
se depois numa espécie de jornal táveis e dignos de se tornarem notícias. categoria de notícias, como sejam o mo-
administrativo difundido por todo Explica Schudson (1988:20) que numa mento (ambas as notícias eram actuais
o Império Romano, com notícias determinada sociedade só existe um nú- quando foram difundidas), a proximidade
das vitórias das legiões, dos
mero limitado de notícias, porque só de- (ambas as notícias dizem respeito a temas
abastecimentos de cereais, da Corte
Imperial, etc. terminados factos é que se inserem den- que interessam sobretudo aos portugue-
tro dos limites do que é concebível como ses), a personalização (ambas as notícias
notícia. Por isso, “As novidades são com- dizem respeito a pessoas), a negatividade
(apenas na segunda notícia) e ainda a ine- produzidas (Schudson, 1988) e da cultu-
xistência de dúvidas sobre os factos que rela- ra profissional (Traquina, 2001; 2002).
tam.
- Ambas as notícias só puderam ser pu- - Também a organização interna do
blicamente difundidas porque Portugal discurso não é nova. As notícias res-
goza e gozava de liberdade de imprensa, pondem a “quem?”, “o quê?”, “como?”,
princípio caro às democracias liberais e “quando?” e “onde?”, embora na pri-
que baseia o Modelo Ocidental de jorna- meira notícia as respostas a “quando?”
lismo (McQuail, 1991; Hachten, 1996), e “onde?” sejam implícitas (onde?, em
sendo também um valor agregador dos Portugal; quando?, neste momento). A
jornalistas. As notícias acima seriam segunda notícia responde ainda a “por-
impensáveis em países como a Coreia quê?”. Não foi o jornalismo que deu ao
do Norte ou mesmo a China, já que o se- mundo esta forma de relatar novidades.
cretismo isola do escrutínio público os Foram os antigos gregos, senão mesmo
dirigentes máximos desses países, em antepassados mais remotos. Na verda-
alguns casos quase sacralizados (como de, a retórica clássica manda que no re-
acontece na Coreia do Norte). lato de novidades se indiquem o sujeito,
o objecto, a causa, a maneira, o lugar
- Em ambas as notícias o relato é do- e o tempo. O que é esta regra senão a
minantemente factual, evidenciando regra de ouro da notícia, que manda o
que o culto dos factos não é novo no jor- jornalista não se esquecer de responder
86 nalismo (Traquina, 1993: 23) e em am- às seis questões fundamentais: “quem?”,
bas o núcleo duro da informação surge “o quê?”, “quando?”, “onde?”, “como?”
no parágrafo inicial (lead). Aliás, a pri- e “porquê?”? O formato noticioso, como
meira notícia resume-se ao lead, embo- muito bem salienta Schudson (1982),
ra a segunda esteja redigida com base impõe a forma das declarações: “o poder
na técnica da pirâmide invertida. Esta dos media não está só (nem principal-
forma de organização do discurso não é mente) no seu poder de declarar as coi-
nova. O jornalismo reinventou-a a par- sas como sendo verdadeiras, mas no seu
tir de meados do século XIX23  –segundo poder de fornecer as formas sob as quais
Philips (1976), os jornalistas escrevem as declarações aparecem”.
em “jornalês”– e as agências noticiosas
e os jornais aproveitaram-na e genera- - Força ideológica
lizaram-na, mas, na realidade, contar- - Ambas as notícias encerram uma in-
se uma novidade começando pelo facto tenção de verdade. Procuram não mentir
mais importante e prosseguindo hierár- nem ficcionar sobre a realidade. Esta in-
quica e sistematicamente até ao menos tenção discursiva não ficcional é um dos
importante não é uma maneira nova de reflexos da ideologia da objectividade, cul-
narrar. Pelo contrário, já se encontram tivada pelos jornalistas para se relegiti-
exemplos nos textos clássicos gregos e marem continuamente no seio do sistema
romanos (Casasús e Ladevéze, 1991). As demo-liberal (Sousa, 1997) e revela-se em
notícias são, assim, histórias narradas à procedimentos rituais de objectividade 23
Sobretudo a partir da Guerra Civil
luz da cultura da sociedade em que são (Tuchman, 1972) visíveis nas notícias, em Americana (Álvarez, 1992).

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particular na segunda notícia: a factici- do a noção de Schlesinger (1977).
dade; as citações entre aspas; o endossa-
mento da responsabilidade pelas afirma- - Ambas as notícias são factuais. Não
ções às fontes que as enunciaram, etc. há comentários, apesar da breve adjecti-
- Ao darem atenção aos líderes políticos vação interpretativa patente na primeira
do país e ao concederem-lhes rotineira- notícia. É uma opção que reflec-te a polí-
mente espaço, as notícias não só indiciam tica editorial das organizações noticiosas
a organização sócio-política da socieda- no seio das quais ambas as notícias foram
de portuguesa como também contribuem produzidas, um dos constrangimentos
para relegitimar essa estrutura (Sousa, organizacionais mais relevados nos estu-
1997; 2000; 2002). Esta é uma acção ideo- dos jornalísticos (ver, por exemplo: Sousa,
lógica, mesmo que não intencional. 2000; 2002).

- Força social - Ambas as notícias denunciam roti-


- Ambas as notícias centram-se em nas segundo as quais os chefes de Estado
acontecimentos actuais, superficiais, portugueses são dignos de serem notícia.
aparentemente delimitados no espaço Ambas as notícias denotam ainda proce-
e no tempo (no primeiro caso centra-se dimentos rotineiros (a técnica da pirâmi-
até num “não-acontecimento”) e não em de invertida e os procedimentos rotineiros
problemáticas dissimuladas na avassa- de objectivização do discurso, particular-
ladora paisagem dos factos e muito me- mente notórios na segunda notícia, são
nos em problemáticas antigas. A centra- um bom exemplo). As rotinas são, confor- 87
lização nos acontecimentos, nos factos, e me explicou Tuchman (1978), uma forma
não nas problemáticas serve como uma de dar às organizações noticiosas e aos
luva ao jornalismo. Como escreve Tra- jornalistas vantagens tácticas e estratégi-
quina (1988: 37), “os acontecimentos são cas quer no que respeita à necessidade de
concretos, delimitados no tempo e mais preencherem com informação um espaço e
facilmente observáveis”. E Tuchman um tempo vazios quer no que respeita à
(1978) explica que essa centralização nos necessidade de se defenderem de críticas.
acontecimentos permite transformá-los Assim, é num contexto organizacional que
rapidamente em notícias, pois torna-se as rotinas mais ganham expressão, como
fácil a resposta às questões que fazem o dissemos. A técnica da pirâmide invertida
“Daí que o jornalista
lead noticioso. Por seu turno, a centrali- e os procedimentos de objectivização do
zação na actualidade permite às organi- seja um escravo do discurso são exemplos de rotinas enuncia-
zações noticiosas gerirem melhor os seus tempo, regule a sua tivas que possibilitam aos jornalistas e às
recursos e dá resposta aos interesses acção pelas deadlines organizações noticiosas vencerem o tempo
da audiência (ou seja, do mercado), que e transformarem rapidamente aconteci-
quer, principalmente, saber “o que há de e pelo ponteiro do mentos em notícias publicáveis e dificil-
novo?”. Daí que o jornalista seja um es- relógio, tendo aquilo mente sujeitas a críticas.
cravo do tempo, regule a sua acção pelas que poderíamos
deadlines e pelo ponteiro do relógio, ten- - Devido às particulares necessidades
do aquilo que poderíamos traduzir por
traduzir por uma do fabrico de informação jornalística, o
uma “cronomentalidade”, aprovei- tan- cronomentalidade...” jornalismo é permeável à acção de fontes
de informação regulares, autorizadas, nantes sociais relacionadas com o merca-
poderosas e credíveis, que beneficiam de do e a audiência. O mercado da imprensa
um acesso rotineiro aos meios jornalísti- de meados do século XIX ansiava por pu-
cos. São muitos os estudos jornalísticos blicações que oferecessem essencialmen-
que demonstram essa situação (ver, por te notícias, devido à omnipresença das
exemplo: Sousa, 2000; 2002; Shoemaker publicações que traziam essencialmente
e Reese, 1996). A segunda notícia, base- artigos políticos. O Diário de Notícias foi
ada, muito provavelmente, (quase?) toda a resposta de um empresariado arguto e
ela nas informações fornecidas pela Pre- empreendedor a essa necessidade, o que
sidência da República, é um sintoma da por sua vez se reflectiu na política edito-
situação atrás descrita. rial e, portanto, nas notícias publicadas.
Na segunda notícia revela-se a manuten-
- A rede de captura de acontecimentos ção do interesse da audiência por factos
(a news net, segundoTuchman, 1978) das – as notícias factuais continuam a consti-
organizações noticiosas funcionou para a tuir a base da informação.
recolha de ambas as notícias. Hipoteti-
camente a primeira notícia é o resultado - Força pessoal
da iniciativa dos jornalistas (provém de - Não há análise ou comentário em
um canal de iniciativa, na formulação de qualquer uma das notícias. Na segunda
Sigal, 1973); a segunda notícia revela o notícia há um esforço para explicar a ci-
acesso socialmente estratificado e rotinei- rurgia e o que se passa com o Presidente
88 ro aos órgãos jornalísticos (é oriunda de da República, mas não temos dados para
um canal de rotina, de acordo com Sigal, dizer se a informação foi procurada pelo
1973). Mas ambas as notícias revelam jornalista ou é oriunda dos serviços da
que as organizações noticiosas mobiliza- Presidência da República, o que é mais
ram recursos para estarem atentas àquilo provável. Em ambas as notícias o papel
que se passava nas instâncias supremas do jornalista24  é essencialmente o de
do poder político português. mero organizador e transmissor da infor-
mação. Esta opção, embora possa ser o
- Os problemas no acesso às fontes resultado dos condicionalismos derivados
(Sousa, 2003: 78) fazem com que as orga- da política editorial da organização noti-
nizações noticiosas se direccionem para ciosa, também pode indiciar a auto-ima-
as fontes institucionais em detrimento gem que o jornalista tem do seu papel,
das individuais, pois só entidades buro- que é um exemplo de um condicionalismo
cratizadas têm capacidade para manter pessoal sobre as notícias.
o fluxo rotineiro de informação verídica,
credível e autorizada de que as organi- - Os redactores recorreram, em ambas 24
Em 1864 ainda não existiam
zações noticiosas necessitam. No caso em as notícias, às rotinas cognitivas que os jornalistas propriamente ditos,
análise, ambas as notícias provêm da chefia ajudam a compreender o mundo e a or- em especial em Portugal, embora
a profissionalização estivesse a
do Estado. ganizar coerentemente os dados caóticos
avançar a passos largos nos Estados
que esse mesmo mundo lhes envia cons- Unidos devido à acção dos repórteres
- Não se notam directamente, mas adi- tantemente (Stocking e Gross, 1989). A que cobriram a Guerra da Secessão
vinham-se em ambas as notícias condicio- atenção dada aos chefes de Estado não é (ou Guerra Civil).

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apenas cultural. É também o resultado - Os processos rudimentares de compo-
da actividade cognitiva dos jornalistas, sição e impressão de textos não permi-
actividade esta que lhes permite com- tiam notícias muito grandes nem jornais
preender o mundo: um mundo onde há com muitas páginas durante quase todo o
líderes e liderados, onde há estados che- século XIX. A primeira notícia ressente-se
fiados por alguém. A forma das notícias dessa circunstância. A segunda beneficia
também não é apenas cultural, nem fru- dos processos actuais de composição e im-
to das políticas editoriais das empresas. pressão.
Quem redigiu a primeira notícia aqui
inserida pensava, certamente, que redi- Estamos convictos de que a análise ba-
gir notícias era proceder como o fez. Ou seada na teoria da notícia de Sousa (2000;
seja, mobilizou a sua mente, como sem- 2002) pode ser aplicada a todas as notí-
pre o fez, de maneira a dar sentido ao cias, pois, como vimos, virtualmente ex-
mundo das notícias (rotina cognitiva). plica todas as notícias, a sua forma e os
Por seu lado, a recorrência à técnica da seus conteúdos. Como exemplo, podere-
pirâmide invertida, na segunda notícia, mos fazer uma análise superficial de mais
é uma manifestação de um saber de nar- duas notícias:
ração (Ericson, Baranek e Chan, 1987)
que para cada jornalista e para a “tribo” Notícia 3
jornalística (Traquina, 2002) funciona A ministra das Finanças anunciou hoje, em
como uma manifestação de competên- conferência de imprensa, o congelamento
cia profissional. Cada jornalista, sempre por dois anos na contratação de novos fun- 89
que redige uma notícia com base nessa cionários públicos e a não renovação dos
técnica, dá sentido pessoal a um acto contratos a prazo na função pública.
profissional e revalida, aos seus próprios Manuela Ferreira Leite avisou ainda que
olhos, o seu lugar no mundo. o Governo está a ponderar o congelamento
de salários na função pública pelo período
- Sempre que enuncia alguma coisa, de dois anos.
cada pessoa mobiliza palavras que fa- A ministra justificou as medidas com a ne-
zem parte do seu inventário discursivo. cessidade de contenção do défice e de dimi-
Do seu e não do de outra pessoa qual- nuição da despesa da administração cen-
quer. Cada pessoa escreve e fala de ma- tral.
“Cada jornalista,
neira diferente, por muitas que sejam as
semelhanças entre as formas de falar e sempre que redige Notícia 4
dizer, porque cada pessoa domina a lín- uma notícia com Cerca de mil trabalhadores dos sindicatos
gua de forma diferente. Ambas as notí- base nessa técnica, da função pública afectos à CGTP manifes-
cias ressentem-se necessariamente desse taram-se hoje, em Lisboa, exigindo a aber-
processo (Sousa, 2000) – dito por outras dá sentido pessoal a tura de vagas, aumentos salariais de cinco
palavras, e de maneira simples, quem as um acto profissional por cento e a renovação dos contratos a
redigiu usou as palavras que conhecia e revalida, aos seus prazo.
para as elaborar. O secretário-geral da CGTP, Manuel Car-
próprios olhos, o seu valho da Silva, argumenta que “o problema
- Força dos dispositivos tecnológicos lugar no mundo.” das finanças públicas é um problema de re-
ceita e não de despesa”. Por isso, “não po- “...os jornalistas mensional: culturais, ideológicos, sociais
dem ser os trabalhadores a pagarem pela e mesmo pessoais.
possuem margem de
incompetência que o Governo denota no Também é de realçar que, na notícia 4,
combate à fuga ao fisco, às fraudes fiscais e manobra para (...) entre mil manifestantes o jornalista pre-
às falências fraudulentas”. negociar significados feriu falar com o secretário-geral da con-
Os manifestantes concentraram-se no Ros-
para as notícias, para federação intersindical. Os jornalistas
sio e subiram a avenida da Liberdade até preferem fontes pessoais (valor da perso-
ao parque Eduardo VII, impedindo o trân- publicar notícias com nalização) representativas, o que confere
sito nessas artérias. enquadramentos autoridade à fonte e mais interesse e le-
diferentes para os gitimidade ao respectivo discurso. A op-
O que as notícias 3 e 4 mostram, em ção do jornalista releva também o valor
particular, é que o espaço mediático é mesmos factos e que é dado ao critério de noticiabilidade
uma arena pública onde diversas enti- para auscultar quem da proeminência social das pessoas en-
dades, algumas com acesso rotineiro aos muito bem entendem volvidas – em mil possíveis fontes pesso-
media e outras sem essa capacidade, se ais, escolhe-se aquela cuja proeminência
digladiam e tentam fazer passar para o
a propósito das
social é maior.
público os enquadramentos que desejam notícias que são De destacar igualmente que a notícia
dar às notícias. As notícias acima inse- publicadas...” 3 pode ser entendida como um teste feito
ridas têm, a propósito dos mesmos fac- pela ministra para antever a reacção a
tos-base (a não renovação dos contratos determinadas medidas impopulares. No
a prazo, o congelamento de novas vagas entanto, possui igualmente uma dimen-
90 e o possível congelamento de salários na são perlocutória (Austin, 1990), na me-
função pública), enquadramentos dife- dida em que a ministra faz alguma coisa
rentes. Isso demonstra que os jornalistas (implementa a medida) pelo facto de a
possuem margem de manobra para, num dizer (anuncia e amplifica e medida atra-
modelo Ocidental de jornalismo, nego- vés dos media).
ciar significados para as notícias, para Sem espaço para uma análise mais
publicar notícias com enquadramentos detalhada, podemos dizer que, generica-
diferentes para os mesmos factos e para mente, o que foi dito para as notícias 1
auscultar quem muito bem entendem e 2 (sobretudo para a notícia 2) é válido
a propósito das notícias que são publi- para as notícias 3 e 4. Essas notícias:
cadas, desde que não ultrapassem um
quadro de controvérsia legítima (Sho- 1) São centradas em acontecimentos actu-
emaker e Reese, 1996: 237). A notícia 4 ais relevantes para os portugueses em ge-
acontece precisamente na intercepção da ral e em particular para a audiência que
promoção do acontecimento pela entida- configura o mercado dos órgãos jornalísti-
de interessada (CGTP) com os valores cos que as publicaram;
cultivados pelos jornalistas ocidentais, 2) Resultam, no primeiro caso, de um
designa-damente os valores do equilíbrio pseudo-acontecimento e, no segundo caso,
do noticiário e da contrastação de fontes. de um acontecimento mediático, denun-
Estamos, portanto, perante factores de ciando a permeabilidade dos media aos
impulsão, direccionamento e constrangi- acontecimentos rotineiros promovidos
mento de notícias de carácter multi-di- por entidades poderosas, credíveis e au-

Estudos em Jornalismo e Mídia


Vol.II Nº 1 - 1º Semestre de 2005
torizadas e revelando que a burocracia forma férteis que já nos deram matéria-
mediática só pode ser alimentada rotinei- prima suficiente para edificarmos essa
ramente por entidades burocraticamente explicação unificada de forma simples,
organizadas; breve e clara, como acontece em qualquer
3) Têm sentido e podem ser publicadas teoria científica, independentemente da
num estado de direito democrático como complexidade da fundamentação da mes-
Portugal, sujeito a um modelo Ocidental ma. Estamos ainda convencidos de que
de jornalismo, baseado, sobretudo, no qualquer notícia é fruto de condicionan-
binómio liberdade de expressão e de im- tes pessoais, sociais, ideológicas, cultu-
prensa – responsabilidade editorial; rais e históricas, do meio físico em que é
4) Mostram que os critérios de noticiabi- produzida e dos dispositivos tecnológicos
lidade, plasmados na cultura e na ideo- que afectam a sua produção. É possível,
logia profissionais e nas políticas edito- assim, explicar qualquer notícia em fun-
riais, regulam a selecção de informação ção da interacção dessas forças e prever
(ambas as notícias resultam de aconteci- que qualquer notícia que venha a ser
mentos actuais e com grande magnitude, enunciada e fabricada dentro do sistema
uma vez que afectam bastantes pessoas; jornalístico resultará igualmente da inte-
ocorrem próximo do leitor-alvo; centram- racção dessas forças. Por isso, pensamos,
se em pessoas; têm um pendor negativo, e consideramos provado, que essas forças
etc.); têm de estruturar uma teoria unificada
5) São relatos centrados em factos notá- do jornalismo. Quando uma notícia vier
veis, narrados com intenção de verdade, a contradizer a teoria, será, então, altura 91
enunciados com o propósito não transpor de rever a teoria e, eventualmente, de a
a fronteira da ficção, que se baseiam nas substituir.
formas de narrar notícias que foram his-
tórica, cultural, ideológica, organizacio- Jorge Pedro Souza
nal e profissionalmente modeladas (técni- O autor é investigador e professor asso-
ca da pirâmide invertida, rede de factici- ciado da Universidade Fernando Pessoa, nas
dade, utilização de aspas, endossamento áreas do Jornalismo (teoria, redacção e foto-
da responsabilidade das afirmações para jornalismo), Planeamento da Comunicação
as fontes, etc.); e Teoria da Comunicação. É doutor em Ci-
6) São relatos que necessariamente pos- ências da Informação pela Universidade de
suem as marcas enunciativas de quem os Santiago de Compostela (1997). Tem vários
produziu (palavras usadas, etc.). livros e artigos publicados sobre jornalismo
e comunicação. Foi jornalista e assessor de
7. Considerações finais imprensa antes de se dedicar em exclusivo à
Estamos convencidos de que é tarefa docência e à pesquisa.
dos estudiosos do jornalismo construir
uma explicação unificada para as notí- Bibliografia
cias, se é que os estudiosos do jornalismo ÁLVAREZ, J. T. Historia y modelos de la
comunicación en el siglo XX. El nuevo orden
querem ambiciosamente chegar a algum
informativo. 2ª ed, Barcelona: Ariel, 1992.
lado. Estamos também convencidos que
AUSTIN, J. L. Quando Dizer é Fazer: Palavras e
de os estudos jornalísticos foram de tal
Ação. Porto Alegre: Artes Médicas, 1990. SHOEMAKER, P. Gatekeeping. Newbury Park:
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