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da notícia como
uma Teoria do Jornalismo
Jorge Pedro Sousa
Resumo Abstract
Neste texto, o autor sustenta que existe conhecimento In this text, the author supports that existent
empírico e reflexivo suficiente para se estruturar uma empirical and reflective knowledge is sufficient to
Teoria da Notícia capaz de responder às questões “por structuralize a News Theory capable to answer to
que é que as notícias são como são?”, “por que é que the questions “why are news as they are?”, “why
temos as notícias que temos?” e “quais os efeitos das does we have the news that we have?” and “which
notícias?”. O autor apresenta, assim, a sua Teoria are news effects?”. The author presents, thus, its 73
Multifactorial da Notícia, que beneficia do trabalho Multifactorial News Theory, that benefits of the work
de pesquisadores como Michael Schudson (1988) ou of some researchers like Michael Schudson (1988)
Shoemaker e Reese (1991) e se estrutura em três or Shoemaker and Reese (1991) and is structured
equações interligadas. A primeira das equações in three linked equations. The first of the equations
mostra que a notícia é um produto de nove variáveis; shows that each news is a product of nine variables;
a segunda equação mostra que a notícia tem efeitos the second equation show that each news has affective,
fisiológicos, afectivos, cognitivos e comportamentais cognitive and behavioural effects on the people and
sobre as pessoas e que esses efeitos dependem das that these effects depend on the some circumstances
várias circunstâncias do receptor; a terceira equação of the receiver; the third equation evidences that each
evidencia que a notícia tem efeitos sobre a sociedade, news has effects on the society, the ideologies and the
as ideologias e a cultura (o que se reflecte na história). culture (what is reflected in history).
Palavras-chave Keywords
Jornalismo, notícia, teoria da notícia Journalism, news, news theory
1. Introdução atentar no que une e é constante e não no
À semelhança das ciências exactas e na- que é acidental. Isto significa que o enun-
turais, as ciências humanas e sociais de- ciado da teoria deve ser contido, explícito
vem procurar agregar os dados dispersos e aplicável a toda e qualquer notícia que
fornecidos pela pesquisa em teorias inte- se tenha feito ou venha a fazer. Uma teo-
gradoras susceptíveis de explicar determi- ria da notícia, como qualquer teoria cien-
nados fenómenos com base em leis gerais tífica, será válida unicamente enquanto
predictivas, mesmo que probabilísticas. não ocorrerem fenómenos que a contradi-
As ciências da comunicação devem, assim, gam, pois o conhecimento científico, que é
ultrapassar a sua condição de “disciplinas construído, como qualquer outro tipo de
sérias”, como lhes chamou Debray1 , para conhecimento, é marcado pela possibili-
assumir a sua cientificidade, como pre- dade de refutação e, portanto, pela revisi-
tendia Moles (1972). Isto implica avançar bilidade.
para a enunciação de teorias sempre que À luz do que foi dito, este texto tem por
os pesquisadores considerem que existem objectivo contribuir para a edificação de
dados científicos e evidência suficientes. uma teoria da notícia, enquanto teoria do
No campo do jornalismo, essa opção tem jornalismo, marcada pela cientificidade e
sido seguida por pesquisadores como Sho- pela matematização.
maker e Reese (1992), Sousa (2000, 2002)
e mesmo Schudson (1988), contando, po- 2. Notícia
rém, com a oposição de autores como Tra- Uma teoria científica tem de delimitar
74 quina (2002) ou Viseu (2003). conceptualmente os fenómenos que ex-
Uma teoria do jornalismo deve partir plica e prevê. A teoria do jornalismo deve
da observação de que há notícias jorna- ser vista essencialmente como uma teoria
lísticas2 e de que estas têm efeitos. Em da notícia, já que a notícia é o resultado
resultado desta evidência, uma teoria do pretendido do processo jornalístico de
jornalismo deve centrar-se no produto jor- produção de informação. Dito por outras
nalístico – a notícia jornalística, explican- palavras, a notícia é o fenómeno que deve
do como surge, como se difunde e quais ser explicado e previsto pela teoria do jor-
os efeitos que gera. Em suma, a teoria do nalismo e, portanto, qualquer teoria do
jornalismo deve substancializar-se como jornalismo deve esforçar-se por delimitar
uma teoria da notícia e responder a duas o conceito de notícia.
questões: É preciso também notar que o conceito
- Por que é que as notícias são como de notícia tem uma dimensão que pode-
são e por que é que temos as notícias que ríamos classificar como táctica e uma di-
temos (circulação)? mensão que poderíamos classificar como 1
Entrevista a Régis Debray,
- Quais os efeitos que as notícias ge- estratégica. A dimensão táctica esgota-se conduzida por Adelino Gomes e
ram? na teoria dos géneros jornalísticos. Nessa publicada no suplemento Mil Folhas
dimensão, distingue-se notícia de outros do jornal Público, a 23 de Novembro
Uma teoria da notícia, à semelhança de de 2002.
outras teorias científicas, deve ser enun- géneros, como a entrevista ou a repor-
ciada de maneira breve e clara, deve ser tagem. Todavia, a dimensão estratégica 2
Ou seja, há notícias produzidas
universal, deve ser traduzível matemati- encara a notícia como todo o enunciado pelo sistema jornalístico a partir de
camente e deve ainda ser predictiva. Deve jornalístico. Esta opção é aquela que in- referentes reais.
teressa à teoria do jornalismo enquanto
Estudos em Jornalismo e Mídia
Vol.II Nº 1 - 1º Semestre de 2005
teoria que procura explicar as formas e os realidade e circunstâncias de produção há
conteúdos do produto jornalístico. um vínculo de contiguidade. Mas a notí-
Complementando uma definição de no- cia pode também ter estabelecer relações
tícia dada por Sousa (2000, 2002), pode de semelhança com a realidade que refe-
dizer-se que uma notícia é um artefacto rencia. Por esse motivo, a notícia pode as-
linguístico que representa determinados sumir igualmente uma dimensão icónica6 ,
aspectos da realidade, resulta de um pro- correspondente, aliás, à própria ambição
cesso de construção onde interagem facto de iconicidade dos jornalistas que a pro-
res de natureza pessoal, social, ideológica, duzem, ou seja, à vontade de o enunciado
histórica e do meio físico e tecnológico, é produzido (notícia) ser semelhante à rea-
difundida por meios jornalísticos e com- lidade enunciada.
porta informação com sentido compreen- Vários factores interferem na construção
sível num determinado momento histórico da notícia. A natureza indiciática da no
e num determinado meio sócio-cultural, tícia, ou seja, o facto de na notícia estarem
embora a atribuição última de sentido de- indiciadas as circunstâncias da sua pro
penda do consumidor da notícia. dução, permite determinar esses factores,
A notícia é um artefacto linguístico por- nos quais se devem basear as explicações
que é uma construção humana baseada que se dão para explicar por que temos as
na linguagem, seja ela verbal ou de ou- notícias que temos e por que as notícias
tra natureza (como a linguagem das ima- são como são. Na teoria unificada do jor-
gens). A notícia nasce da interacção entre nalismo que neste texto se sustenta, esses
a realidade perceptível, os sentidos que factores podem ser de natureza pessoal, 75
permitem ao ser humano “apropriar-se” social, ideológica, cultural, histórica, do
da realidade, a mente que se esforça por meio físico e dos dispositivos tecnológicos.
apreender e compreender essa realidade Uma teoria do jornalismo deve ocupar-
3
Para uma melhor compreensão e as linguagens que alicerçam e traduzem se unicamente da notícia enquanto fenó-
deste fenómeno, consulte-se a tese
esse esforço cognoscitivo. meno jornalístico, isto é, deve ocupar-se
doutoral de José Rodrigues dos
Santos (2001). As notícias ocupam-se com as aparên- dos enunciados que são produzidos por
cias dos fenómenos que ocorrem na rea- jornalistas credenciados e que são veicu-
4
Alguns semióticos dizem mesmo lidade social e com as relações que apa- lados em espaços jornalísticos por meios
simular. rentemente esses fenómenos estabelecem jornalísticos7 .
5
entre si. A notícia não espelha a realidade A notícia comporta informação com sen-
Recorre-se aqui à clássica divisão porque as limitações dos seres humanos tido compreensível num determinado mo-
dos signos estabelecida por Peirce.
e as insuficiências da linguagem o impe- mento histórico e num determinado meio
6
Também pode funcionar como dem3 . Por isso, a notícia contenta-se em sócio-cultural. Se dentro de um contexto
símbolo, mas esta discussão já representar4 parcelas da realidade, inde- um determinado facto emerge da super-
transcende os objectivos da presente pendentemente da vontade do jornalista, fície plana da realidade, sendo percepcio-
definição de notícia. da sua intenção de verdade e de factua- nado como notável e, portanto, como um
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lidade. Essa representação é, antes de acontecimento digno de se tornar notícia
Para efeitos deste artigo, é estéril
mais, indiciática5 . A notícia indicia os as- (Rodrigues, 1988), noutro contexto esse
debater as fronteiras do jornalismo,
o que é e não é jornalismo, quem é e
pectos da realidade que refere. Ao mesmo mesmo facto pode passar despercebido
quem não é jornalista, o que é ou não tempo, a notícia indicia as circunstâncias por não ter um enquadramento que per-
é um meio jornalístico. da sua produção. Ou seja, entre notícia, mita observá-lo como um facto notável, ou
seja, como um acontecimento8 . A teoria organizacional enfatiza que as
Finalmente, a notícia só se esgota no notícias são o resultado das condicionan-
momento do seu consumo, já que é nesse tes organizacionais em que são fabrica-
momento que ela produz efeitos e passa a das, como as hierarquias, as formas de
fazer parte dos referentes da realidade. socialização e aculturação dos jornalistas,
Esses referentes são a parte da realida- a rede de captura de acontecimentos que
de que formam a imagem que os sujeitos o órgão jornalístico lança sobre o espaço,
constroem da realidade. Por isso, a cons- os recursos humanos e financeiros desse
trução de sentido para uma notícia de- órgão, a respectiva política editorial, etc.
pende da interacção perceptiva, cognosci
tiva e até afectiva que os sujeitos com ela es- - Teoria da acção política
tabelecem9. Segundo Traquina, os defensores des-
ta explicação sustentam que as notícias
3. Tendência “divisionista” para a distorcem a realidade, embora pudessem
explicação das notícias ser o seu espelho. Há duas versões desta
Há autores que consideram que as ex- “teoria”. Uma delas afirma que as notí-
plicações que têm sido avançadas para cias são dissonantes da realidade porque
explicar os formatos e conteúdos das notí- os jornalistas, sem autonomia, estão su-
cias são insuficientes para se edificar uma jeitos a um controle ideológico e mesmo
teoria do jornalismo e por vezes são tam- conspirativo que leva os media noticiosos
bém antagónicas e contraditórias. O mais a agirem como um instrumento ao serviço
76 referenciado defensor lusófono desta tese da classe dominante e do poder. Por isso,
é, provavelmente, Nelson Traquina (2001; para esses teóricos as notícias dão uma
2002). Para Traquina (2002: 73-129) há visão direitista, liberal e conservadora do
a considerar várias “teorias”, que podem mundo e contribuem para a sustentação
ser resumidas da seguinte maneira: do status quo. A outra versão sustenta
que os media noticiosos são instrumentos
- Teorias do espelho da ideologia dos jornalistas. Estes são vis-
Com base nesta explicação, as notícias tos como quase totalmente autónomos em
são vistas como o espelho da realidade, relação aos diversos poderes. As notícias
conforme a ideologia profissional clássica seriam enviesadas da realidade porque
dos jornalistas. reflectem as convicções ideológicas e polí-
ticas dos jornalistas e as suas ideologias
- Teoria da acção pessoal ou do gateke- profissionais. Como os jornalistas, para
eper esses pensadores, são maioritariamente
Esta explicação nasce da metáfora do da esquerda, as notícias tendem a privile-
gatekeeping aplicada à produção de in- giar uma visão esquerdista do mundo.
formação jornalística. De acordo com esta 8
Para sustentação e aprofundamento
explicação, as notícias resultam da selec- - Teoria estruturalista deste argumento, consulte-se Sousa
(2000; 2002).
ção de acontecimentos, com base nas op- De acordo com esta explicação, as notí-
ções particulares de cada jornalista selec- cias são um produto socialmente constru- 9
Para sustentação e aprofundamento
tor. ído que reproduz a ideologia dominante e deste argumento, consulte-se Sousa
- Teoria organizacional legitima o status quo. Isto acontece por- (2000; 2002).