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OS CURDOS E O CURDISTÃO: ENTRE MASSACRES E RESISTÊNCIAS

VERONICA DE J ESUS GOMES 1

Ainda que as estatísticas não sejam acuradas, os curdos têm uma população atual de
aproximadamente 45-50 milhões de indivíduos, sendo o maior povo do mundo sem um
Estado próprio. Vivem dispersos em quatro países, que formam o Curdistão2: Turquia (20
milhões, 5 milhões na cidade de Istambul), 6 milhões no Iraque, cerca de 10 milhões no Irã e
3 milhões na Síria. Pelo menos 5 milhões vivem na diáspora, em diferentes países da Europa,
além de terem imigrado para a América do Norte e também para a Austrália.
A problemática curda começa especialmente a partir da desagregação do Império
Otomano, no início do século XX. No contexto da I Guerra Mundial, o presidente norte-
americano Woodrow Wilson, na proposição de número 12 de seus Catorze Pontos,
reivindicava a autonomia das minorias étnicas não-turcas do Império. Mais tarde, em agosto
de 1920, foi assinado o Tratado de Sèvres, cujo artigo 62 era claro e especificava “a
autonomia local para as áreas predominantemente curdas” e o 64 foi ainda mais longe, ao
declarar que aos curdos poderia ser concedida a independência com relação à Turquia3.
Entretanto, o Tratado de Lausanne, assinado em julho de 1923, reconheceu a República da
Turquia e não lhes deu nenhuma atenção especial.
Sob o governo de Mustafa Kemal, ou Atatürk, a república turca suprimiu os direitos
das minorias étnicas, dentre elas, os curdos. O objetivo almejado era a homogeneidade estatal,
cujo lema era que para um Estado houvesse uma religião – o Islã – uma língua e uma cultura:
a turca. Desse modo, ao sentir “a perda de uma grande parte de seus antigos territórios, a
Turquia rapidamente adotou uma política de assimilação, na tentativa de unificar as partes
restantes do antigo Império Otomano. Qualquer indício de cultura que não a turca seria, de
acordo com esta política, exterminado. Desta maneira, a língua e a cultura curdas foram
banidas”4.

1
Mestra em História Social – Universidade Federal Fluminense, Niterói, Rio de Janeiro, Brasil.
2
No século XVIII, o padre português Raphael Bluteau já afirmava que o Curdistão se estendia pela antiga Pérsia
(atual Irã), indo até Bagdá (capital do atual Iraque), passando ainda pela Síria. Os curdos habitavam também
Diarbekir (certamente a atual Diyarbakir ou, em curdo, Amed, a capital do norte do Curdistão – Turquia).
BLUTEAU, Raphael. Vocabulario Portuguez e Latino. Coimbra, 1712-1722. Disponível em: <
http://www.brasiliana.usp.br/en/dicionario/1/curdos>. Acesso em: 27 de março de 2013. Verbetes: curdos e
Curdistão.
3
GUNTER, Michael M. The A to Z of the Kurds. United Kingdom, 2003, Introduction, p. xxxiii
4
ÖCALAN, Abdullah. Guerra e Paz no Curdistão. Perspectivas para uma solução política da questão curda.
Köln: International Initiative, 2008, p. 15.
A partir de então, várias revoltas curdas ocorreram e foram brutalmente suprimidas
pelas forças do Estado turco. Os anos de 1925, 1930 e 1937 foram marcados por intensas
rebeliões e milhares de pessoas foram mortas. Após 1925, o que se viu foi uma deportação em
massa para as províncias do oeste da Turquia a mando do governo, que intentava, com tais
medidas, evitar novos levantes.
Entre os anos de 1937 e 1938 ocorreram duas sangrentas campanhas militares contra
os curdos. Em nome da pacificação, da modernização e do progresso, as forças combatentes
turcas avançaram sobre os “primitivos” e “bandidos” da região de Dersim. O sociólogo turco
Ismail Beşikci analisou o discurso oficial, que caracterizou como agressivamente racista, e
acusou o governo de ter praticado genocídio. A brutal violência não poupou nem mesmo as
crianças e Reşat Halli, historiador oficial dessas operações, fez questão de relatá-la. O cônsul
britânico, em Trabzon, comparou o etnocídio aos massacres dos armênios, em 1915:
“Thousand of Kurds, including women and children, were slain; others, mostly children, were
thrown into the Euphrates; while thousands of others in less hostile areas, who had first been
deprived of their cattle and other belongings, were deported to (provinces) in Central
Anatolia”5.
Com a queda do Império Otomano, o Curdistão foi partilhado por Inglaterra e França,
que acabaram por deixá-lo sob os domínios da já mencionada recém-criada república turca,
do xá do Irã, da monarquia iraquiana e do regime sírio-francês. Desse modo, a situação dos
curdos no Irã também tem sido difícil. Nos anos 20, à semelhança do que se passava na
vizinha Turquia, eles se rebelaram e o líder tribal Ismail Agha Simko, que clamava por um
Curdistão independente, teve que se render, em 1924, e prometer lealdade a Reza Khan, que
se tornaria o xá no ano seguinte. Seu governo, que também almejava amalgamar todos os
grupos étnicos sob a identidade persa, reprimiu a cultura de outras minorias, dentre elas, os
curdos, não permitindo o uso da língua na educação, em publicações e discursos públicos,
fechando as escolas. Apesar da repressão, eles resistiram e, em 1946, com o apoio da União
Soviética, foi criada a República de Mahabad, que, dentre outros aspectos, restaurou o uso
oficial da língua curda. Contudo, ela não durou muito tempo e foi destruída pelas tropas
iranianas onze meses depois.

5
Apud BRUINESSEN, Martin van, Genocide of Kurds. In: Israel W. Charney (ed), The Widening Circle of
Genocide [= Genocide: A Critical Bibliographic Review, vol. 3]. New Brunswick, NY: Transaction Publishers,
pp. 165-191), p. 3. “Milhares de curdos, incluindo mulheres e crianças, foram assassinados; outros, a maioria
crianças, atirados no Eufrates, enquanto outros milhares, em áreas menos hostis, antes tiveram seu gado e outros
pertences destituídos, e depois foram deportados para as províncias da Anatólia Central” (tradução minha).
Apesar de todo o apoio dado ao aiatolá Ruhollah Khomeini durante a Revolução
Islâmica, de 1979, os curdos não tiveram seus direitos resguardados e, mais uma vez, houve
conflitos com as forças militares iranianas. O resumo das operações foi desastroso: entre
agosto e setembro do mesmo ano, foi enviado às áreas curdas para pôr fim aos conflitos, o
também aiatolá Sadegh Khalkhali, chefe da Corte Revolucionária, que agiu de maneira
sanguinária, ordenando prisões e execuções sumárias. O balanço de sua atuação foi trágico e,
em poucos dias, os chefes rebeldes estavam mortos e as rebeliões, sufocadas.
O problema curdo no Iraque, por seu turno, teve início após sua criação pela Grã-
Bretanha no contexto da I Guerra Mundial. Dentre outras razões, sua característica “artificial”
lhe dava menos legitimidade política, diferentemente do que ocorria com os já tradicionais Irã
e Turquia. Além disso, a população curda na região, ainda que menor do que nos dois países
supracitados, atingia grandes proporções, lhes permitindo que assumissem um relevante papel
e causava pânico separatista ao governo iraquiano, o que levava ao constante conflito entre os
curdos e as autoridades. É importante destacar a atuação gananciosa das grandes potências
ocidentais na região, uma vez que, por ser, rica em recursos minerais e elemento decisivo para
que o país fosse definitivamente estabelecido, a maior parte da aldeia curda de Mosul foi
anexada, pelos britânicos, ao Iraque6. A repressão do governo de Saddam Hussein foi intensa
e um dos acontecimentos mais trágicos foi o genocídio perpetrado pela Operação Anfal, que,
entre 1987-88, matou cerca de três mil pessoas7. Em 16 de março de 1988, ataques químicos
ceifaram a vida de pelo menos cinco mil indivíduos, no que ficou conhecido como o
Massacre de Halabja.
Considerados a maior minoria étnica da Síria e à semelhança do já mencionado para as
outras partes, os curdos que lá vivem também tiveram seus direitos negados. O governo de
Hafez Assad (seu filho, Bashar Al-Assad está no poder desde 2000), do repressivo Partido
Baath, decretou, em setembro de 1992, a proibição do registro de crianças com nomes curdos,
a existência de centros culturais, livrarias e outras atividades similares. Mas a situação vem
mudando na região.
Apesar de toda a repressão, como já assinalado, os curdos sempre resistiram e, em
1978, foi criado o Partido dos Trabalhadores do Curdistão (PKK), organização taxada de
terrorista pelos Estados Unidos e pela União Europeia, cujo líder Abdullah Öcalan, está
isolado na prisão turca de Imrali desde 1999. A partir de sua fundação, a luta se sistematizou e

6
GUNTER, Michael M. The A to Z..., pp. xxxv e xxxvi.
7
Fontes curdas afirmam que 77 aldeias foram bombardeadas com armas químicas. BRUINESSEN, Martin van,
Genocide…, p. 7.
uma plataforma de reivindicações foi criada. Atualmente, a perspectiva do partido não é a da
criação de um Estado curdo, mas sim de um “sistema de auto-organização democrática em
forma de confederação” isto é, o Confederalismo Democrático, calcado no direito à
autodeterminação dos povos.
De qualquer forma, ainda não houve um acordo de paz entre ambas as partes, o
governo turco não parece interessado na resolução do conflito e prefere afirmar que tudo não
passa de uma questão cultural. Entretanto, devido às manifestações que clamam para que seus
direitos sejam resguardados, milhares de curdos estão presos na Turquia, dentre eles,
políticos, jornalistas, ativistas de direitos humanos, estudantes, e o mais grave: cerca de duas
mil crianças também estão encarceradas sob a acusação de terem cometido ações terroristas, o
que faz da Turquia o país onde há mais pessoas presas no mundo.
Noam Chomsky, em sua conferência sobre a liberdade de expressão, ocorrida em
Istambul, em outubro de 2010, apresentou vários exemplos de violação dos direitos humanos
e sublinhou muito bem o intenso apoio americano a essas lamentáveis atrocidades, que
envolvem condenações a vários anos de prisão apenas pelo envolvimento em causas
humanitárias. Esse foi o caso de Vedat Kursun, ex-editor do único jornal publicado em curdo
da Turquia, sentenciado a 166 anos de prisão sob a acusação de “fazer propaganda para uma
organização terrorista”8. Se essa sentença já nos parece arbitrária, o que pensar sobre a que
queria um promotor público da Suprema Corte Criminal, em Diyarbakir, que pedia que fosse
condenado a 525 anos, incriminado de ser “cúmplice e participar” de uma organização ilegal e
de “exaltar crimes e criminosos”? O editor sucessor de Kursun, por sua vez, foi condenado a
21 anos sob as mesmas acusações.
Este é o contexto repressivo vivenciado pelos curdos, mas, que, como vimos, também
é marcado por diversas manifestações de resistência; sejam as mais sutis, mas não menos
intensas, como as publicações na língua curda, sejam as do embate direto com as forças
policiais e militares do Estado turco. Infelizmente, ainda que tenham uma grande população e
um histórico de genocídios e de invasões de seu território, sua história ainda é muito pouco
divulgada nos cursos de graduação e de pós-graduação de nossas universidades. Desse modo,
é fundamental que a questão curda seja melhor estudada, interpretada e compreendida por
nossos pesquisadores e estudantes.

8
CHOMSKY, Noam. Chomsky’s lecture at the Istanbul Conference on Freedom of Speech. Disponível em
<http://news.infoshop.org/article.php?story=20101027044615383> Acesso em 27 de out. de 2010.

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