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NEGO FUGIDO DE ACUPE: LUTA E RESISTÊNCIA

Dalila Brito*

*Graduanda do 9° semestre do curso de Comunicação Social - Jornalismo da Universidade Federal do Recôncavo da


Bahia - UFRB. Email: britodalila.db@gmail.com
Resumo: Este artigo expõe a manifestação cultural do Nego Fugido de Acupe,
expressão nascida no território do Recôncavo da Bahia que revive as fugas e lutas
enfrentadas pelos negros durante o período da escravidão. O objetivo é abordar a
apresentação enquanto importante instrumento na perpetuação da memória de um povo
que resistiu perante diversos conflitos, explorando traços do período escravocrata que
ainda se fazem presentes no distrito de Acupe, em Santo Amaro. O artigo procura
analisar as diversas influências que compõem a apresentação, entre elas a relação com o
candomblé e os mitos que buscam explicar as referências contidas nas aparições e na
construção da narrativa. Ainda que a narrativa apresentada seja de fácil acesso, presente
no cotidiano e na memória de grande parte da população do Recôncavo, a manifestação
continua passando despercebida por muitos. É evidente que as aparições são capazes de
transmitir uma mensagem objetiva, contada pelos sons dos atabaques, acompanhados
por gritos de dor e sofrimento, porém a temática ainda parece pouco explorada.É
evidente que as imagens e a performance falam por si só, a estética é capaz de criar e
mergulhar seus espectadores um universo paralelo capaz de revisitar o passado e são
essas profundas experiências que a mídia hegemônica não é capaz de explorar.

Palavras-chave:​ Escravidão; Nego Fugido; luta; resistência.

1. Introdução

Todos os anos durante os domingos do mês de julho, os moradores de Acupe,


distrito de Santo Amaro da Purificação, município situado no Recôncavo da Bahia,
relembram os conflitos do período escravocrata através da manifestação cultural
denominada Nego Fugido de Acupe. A comunidade quilombola, localizada às margens
da Baía de Todos os Santos, foi originada a partir da abolição da escravatura. Sua
população é constituída por grande número de negros e negras, que desenvolvem
atividades de pesca e mariscagem como principal forma de renda. Um território de
cruzamentos de sistemas simbólicos africanos, europeus e indígenas.
Embora não se conheça o momento exato do seu surgimento, acredita-se que as
primeiras aparições tenham sido assistidas ainda no século XIX, e desde então, as ruas
do distrito tem sido o local onde as memórias do período pré-abolicionista são
preservadas e revividas através desta forma de expressão.
O Nego Fugido está ligado diretamente à crenças e mitos que atrelados à
memória coletiva e a oralidade popular narram o seu nascimento. As histórias contadas
pelos moradores são relacionadas aos castigos aplicados pelos senhores de engenho da
época, lembranças que se tornaram importantes elementos na preservação da identidade
do povo acupense.
2. O mês de julho e o universo paralelo

Uma das principais versões contadas pela comunidade afirma que tudo começou
ainda no período da escravidão, quando negros da nação Haussás realizavam cultos
destinados à divindades africanas. Essas cerimônias eram ordenadas pelos senhores de
engenho, que promoviam sacrifícios muitas vezes humanos, em busca de riqueza e
poder. Porém, com o passar do tempo, a situação tomou outros rumos e não podendo
mais controlar, os negros findaram o culto e oferendas destinados às suas entidades.
O fim das celebrações teria deixado Iku, força que para os yorubás é o
responsável pelo desligamento do espírito humano do plano terrestre, extremamente
revoltado e por isso ele teria lançado uma grande praga à toda população. A partir daí,
todos os anos no período de agosto muitas pessoas morreriam na localidade.

“Todos temiam a chegada do mês das tragédias. Os sacerdotes da época, diz


o tata, teriam se juntado e feito uma oferenda para afastar a praga de Acupe.
Os mandus, espíritos bons, saíram às ruas em julho, um mês antes, para
afastar os espíritos maus e atrair os bons, livrando a comunidade da praga do
mês de agosto. (PINTO, 2014, p. 37).

O que outrora fizera parte de um ritual de proteção contra as tragédias previstas


na praga de uma das entidades, passou a se constituir também enquanto tradição cultural
de um povo. Dessa forma, a aparição dos mandus e caretas, que cumpriam o papel de
espantar a morte que rodeava a região, passaram a ser também um instrumento que
relata uma fase importante da identidade desse povo.
O percurso do Nego Fugido pelas ruas tem forte relação com o combate à praga
de Iku e às comemorações do 02 de julho, data na qual é celebrada a independência da
Bahia. Com referências à figura da cabocla, o grupo se apresenta por todo o distrito com
o objetivo de lembrar as lutas pela escravidão, mas também de limpar a praga da morte,
incorporando em sua performance o som dos atabaques e agogôs, além de gritos e
expressões corporais marcantes.

No século XIX, além do percurso oficial, bairro da Lapinha e praça do


Campo Grande, os desfiles em comemoração ao Dois de Julho, aconteciam
em vários bairros de Salvador. Historiadores acreditam que os festejos
realizados nos bairros, sobre a tutela do povo, longe da vigilância e dos
propósitos civilizatórios da elite baiana, possibilitaram amplo significado à
festa, transformando o caboclo alegórico em objeto sagrado, principalmente
com a presença de fieis (sic) do candomblé. A imagem do guerreiro
empunhando uma lança também se replicava por várias cidades do interior da
Bahia, sobretudo, nas regiões do Recôncavo que tiveram participação direta
na luta da independência da Bahia, cuja população tomava as ruas para
acompanhar e venerar o herói nacional, uma mistura de celebração
democrática, manifestação política, cultural e religiosa. Fé, civismo e
anarquia é o que se vê atualmente nos cortejos do Dois de Julho. (PINTO,
2014, p. 34).

Em sua dissertação de mestrado intitulada “Nego Fugido: O teatro das


Aparições”, Monilson Santos, participante do grupo, relata a importância dos festejos do
02 de julho para a comunidade local, onde outros significados são incorporados à figura
da cabocla, compreendendo ao papel de representatividade da personagem nas lutas
históricas e estabelecendo um elo direto com as crenças ligadas ao candomblé. Trata-se
talvez, de um lado pouco conhecido da festa, longe das formalidades políticas que
marcam a data.

Essa data marca também as celebrações das festas de caboclo nos terreiros de
candomblé da Bahia e do Recôncavo. Em Acupe, o Dois de Julho dá início às
aparições das manifestações culturais do distrito, em especial, os Caretas, o
Nego Fugido e o fim da espera pela chegada da Cabocla Jaguaracira, índia
guerreira cainana, que só aparece uma vez por ano, nesse período, no terreiro
Oiá Bomim. As atividades do terreiro iniciam ainda pela manhã com toques
para saudar os orixás da casa e a distribuição da feijoada de Ogun. Em
seguida, a festa “vira” para caboclo e vai até a esperada chegada de
Jaguaracira. (PINTO, 2014, p. 34)​.

A festa no Oiá Bomim é o ponto inicial, o marco para as apresentações do mês


de julho. Só após essa celebração de culto à Cabocla Jaguaracira é que se iniciam as
aparições das caretas, mandus e do Nego Fugido. Segundo Pinto, este último reúne em
suas apresentações semelhanças explícitas com a incorporação da cabocla, descrevendo
a atuação da figura do caçador presente nas apresentações do grupo como uma forma
jocosa e desengonçada, assim como Jaguaracira.
O candomblé também apresenta grande influência perante todo o processo de
construção de uma rede de significados que permeia a cultura popular da região,
especialmente do Nego Fugido. Desde a relação com os sacrifícios realizados no
passado, com a praga de Iku até a performance realizada à céu aberto, sendo regida pelo
som dos atabaques e agogôs que percorrem pontos dos distrito numa espécie de
mapeamento ou reconhecimento dos locais devastados pela escravidão.
A ancestralidade africana também se aparece através das letras que mesclam o
português e a linguagem yorubá, construindo uma narrativa própria e compondo a trilha
sonora do enredo.
Todos os elementos citados até aqui contribuem para a construção de um
universo paralelo, um encontro ancestral, uma fresta entre o mundo dos mortos e dos
vivos, um ponto de interseção alcançado todos os anos durante o mês de julho quando
os brincantes do Nego Fugido saem pelas ruas promovendo uma limpeza espiritual
daquilo que seria uma grande tragédia anunciada.
Para os moradores locais o mês de julho representa o momento no qual os
espíritos de planos diferentes podem se comunicar de algum modo, eles acreditam que a
força, a espiritualidade e a resistência de seus antepassados afloram poderosamente
durante esse período, trazendo à tona todo o sofrimento vividos há séculos atrás.

3. Personagens, perseguições e significados da manifestação

Os preparativos para as exibições do Nego Fugido se iniciam muito antes do


final de semana, é preciso preparar os elementos que compõem a cena para que tudo
esteja em ordem. Os componentes do grupo retiram folhas de bananeira para a
confecção das saias feitas de palha. Essas saias são utilizadas pelo personagem do
caçador, essa é a vestimenta responsável por carregar toda força ancestral dos escravos
que morreram lutando. Há algum tempo atrás, cujo os relatos orais não são capazes de
relatar datas exatas, as palhas das bananeiras eram colhidas no antigo cemitério de
escravos, local onde os negros torturados eram enterrados.

Depois de serem castigados até a morte, os escravos eram enterrados numa


baixada no fundo da fazenda. Ninguém sabe explicar o porquê, mas conta-se
que em cada cova, Gonçalves mandava plantar uma árvore. Várias bananeiras
teriam sido plantadas naquela época. Hoje, o local se transformou num
bananal e se alguma bananeira é cortada, o sangue dos escravos enterrados ali
é visto escorrendo sobre seus troncos, dizia tia Neném. (PINTO, 2014, p. 20).

Francisco Gonçalves era um homem poderoso, antigo dono do engenho Acupe,


seu nome é associado a mitos que repercutem as histórias de crueldade daquele período.
Dentre elas está a crença de que a sua fazenda teria se tornado um local onde o espírito
dos negros escravizados, mortos e enterrados ainda se faz presente. Atualmente as saias
já não são confeccionadas com as palhas retiradas da baixada no fundo da antiga
fazenda, por questões de sustentabilidade ambiental, as folhas passaram a ser retiradas
em outros pontos do distrito que abrigam maior número de bananeiras, porém esse fato
em nada interfere quando se trata da energia e ancestralidade contida em cada saia.
A maior parte dos brincantes, termo que descreve os participantes do nego
fugido, são homens negros e moradores de Acupe. São eles quem representam os
personagens das negas, do capitão do mato, dos caçadores, militares da corte e o rei.
Com o passar dos anos, as mulheres da comunidade se juntaram ao grupo e embora
algumas pessoas discordem, elas vêm ocupando os espaços e participando das
apresentações.
As negas simbolizam os negros escravizados e comercializados. Eles saem pelas
ruas sob a supervisão do capitão do mato e dos caçadores, vestindo apenas calção, sem
camisa, descalços e com o rosto coberto por carvão pisado e tinta preta, clamando aos
espectadores, que ajudam com pequenas quantias em dinheiro. O valor capturado pelas
negas é entregue ao rei na esperança de conquistar a carta de alforria.
Os caçadores são figuras assustadoras, com andar desengonçado e fala jocosa,
eles conduzem as negas pelas ruas do distrito. Sua vestimenta é composta por roupas e
chapéu de couro, a coloração vermelha de sua língua faz referência ao sofrimento, como
se cuspisse sangue durante todo o tempo. As saias de palha de bananeira vão se
arrastando pelo chão e deixando um rastro de perseguição construído junto aos disparos
de espingarda. Toda a ação dos caçadores é assistida de perto pelo capitão do mato que
acompanha tudo enquanto berra palavras de ordem, açoitando o seu chicote nos negros
que tentam se rebelar.
A apresentação do Nego Fugido tem início logo no começo da tarde em frente a
casa de D. Santa, a grande madrinha do grupo. Conhecida e referenciada em toda a
localidade, a idosa representa a Princesa Isabel nas negociações junto à monarquia na
tentativa de conceder a carta de alforria aos negros escravizados. É interessante salientar
que em muitos momentos o Nego Fugido acrescenta elementos próprios a história
contada, escapando daquilo que é narrado pelos livros de História do Brasil e
construindo a sua própria versão dos fatos. Nesse contexto, D. Santa representa a
autoridade e o respeito dentre todos do grupo, função que vai além do momento da
apresentação e se estende a todo o cotidiano acupense.
A narrativa desenvolvida ao longo do mês de julho retrata diferentes momentos
da história contada, construindo a representação cronologicamente. No primeiro
domingo do mês os caçadores armam uma grande emboscada e capturam as negas, a
partir daí e nas semanas seguintes, esses escravos são comercializados ao longo do
caminho. As negas se ajoelham aos pés de moradores e turistas que assistem à cena para
pedir algum dinheiro que lhe ajude a comprar a sua carta de alforria. Todo o dinheiro
conseguido é entregue ao rei, que se posiciona a uma distância segura, cercado por
militares. Essa representação se repete até o último domingo quando os negros
finalmente se rebelam e iniciam uma luta ferrenha pela libertação. Os gritos ecoam em
praça pública em coro: “Queremos a carta de alforria!”
A carta diz: “Carta de alforria! Senhoras e senhores, por ordem de pena de morte
do nosso rei, foi entregue a carta de alforria! Como todos nós sabemos, os negros
vinham da África para trabalhar como escravos no Brasil, até que em 1880, a princesa
Isabel libertou os escravos. E hoje nós estamos aqui para contar um pouco da nossa
história, viva a nossa liberdade!“
Após a leitura da carta eis que surge um fato curioso, os negros agora libertos
anunciam que dessa vez a história será diferente, o rei será preso e leiloado. Dessa
forma, ganha a posse do monarca aquele que fizer a melhor oferta.

4. O Nego Fugido e suas relações

Ao longo dos anos, a aparição do Nego Fugido de Acupe se configurou como


uma das mais importantes manifestações do município de Santo Amaro. Com
características marcantes, a representação carrega um conjunto de símbolos históricos e
culturais, levando às ruas elementos e referências de um período marcante na trajetória
do povo negro.

Há mais de um século, sempre no mês de julho, os moradores de Acupe, no


Recôncavo Baiano, transformam as ruas do distrito em um grande cenário a
céu aberto, onde o Nego Fugido tece seu enredo sobre as lutas contra a
escravidão e o processo de conquista da liberdade, apresentando-se ao lado
das mais variadas manifestações populares da cultura, como sambas de roda,
caretas, mandus, bombachos, grupos de capoeira e maculelê. (PINTO, 2014,
p. 07).

A manifestação possui uma maneira singular de se comunicar. Sair pelas ruas do


distrito significa transmitir uma mensagem para centenas de pessoas numa relação face
a face, permitindo a passagem do conhecimento específico daquele povo. Nesse
contexto é possível analisar a forma como os mestres e brincantes da manifestação
emitem sua mensagem utilizando uma comunicação não hegemônica e marginal.
Ainda que a narrativa apresentada seja de fácil acesso, presente no cotidiano e na
memória de grande parte da população do Recôncavo, a manifestação continua
passando despercebida por muitos. É evidente que as aparições são capazes de
transmitir uma mensagem objetiva, contada pelos sons dos atabaques, acompanhados
por gritos de dor e sofrimento, porém a temática ainda parece pouco explorada.
É possível perceber que mesmo com tamanha importância, a representação
pesquisada ainda enfrenta inúmeros problemas, entre eles, a falta de apoio dos órgãos
públicos, a luta pela preservação das tradições e a invisibilidade midiática. Embora a
aparição do Nego Fugido seja capaz de atrair cada vez mais turistas e fotógrafos, não
existe um aprofundamento no real significado do discurso. É evidente que as imagens e
a performance falam por si só, a estética é capaz de criar e mergulhar seus espectadores
em um universo paralelo capaz de revisitar o passado e são essas profundas experiências
que a mídia hegemônica não é capaz de explorar.
A partir da observação do não aprofundamento midiático em relação ao Nego
Fugido é possível percebê-lo através do conceito folkcomunicacional, desenvolvido
pelo brasileiro Luiz Beltrão em 1960, observando formas utilizadas pelo grupo para
compartilhar conhecimento de maneira eficaz na comunidade de Acupe.
Beltrão define a Folkcomunicação como “​o processo de intercâmbio de
informações e manifestações de opiniões, ideias e atitudes da massa, através de agentes
e meios ligados direta ou indiretamente ao folclore” ​(BELTRÃO, 2001, p. 79).
Toda a organização do grupo é promovida por seus próprios membros, sem apoios
institucionais. O Nego Fugido, assim como toda a comunidade de Acupe sobrevive ao
esquecimento, sem saneamento básico, sem educação pública de qualidade e sem
fomento cultural. A população segue lutando contra o preconceito diariamente, se
rebelando e driblando as investidas dos capitães do mato que ainda compõem a história
contemporânea. Os avanços tecnológicos, as câmeras fotográficas e todos os aparatos
possíveis chegam a essa comunidade apenas uma vez por ano, em busca do melhor
ângulo para retratar aquilo que é um verdadeiro espetáculo para os olhos de quem vê,
mas que inúmeras vezes ofuscam e decepcionam aqueles que para além de
desenvolverem uma performance impecável, são capazes de transcender até séculos
atrás, perpetuando os ensinamentos daqueles que morreram lutando para que hoje se
pudesse ter o mínimo para a sobrevivência de toda a comunidade negra, especialmente
da região do Recôncavo.

Bibliografia

● PINTO, Monilson dos Santos. ​Nego Fugido, Manifestos de Memórias


Incorporadas, São Paulo, Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho
(UNESP), 2014;

● OLIVEIRA, Jamilson de Souza. ​As caretas e o nego fazem a festa, Salvador,


Repositório UFBA, 2015;

● VILLAS BOAS, Maria José Villares Barral. ​A festa do "Nêgo Fugido" em


Acupe/BA em suas múltiplas dimensões​, Salvador, Repositório UFBA, 2016;

● FRAGA, Walter, Encruzilhadas da Liberdade, Campinas: Editora da Unicamp,


2006;

● BELTRÃO, Luiz, Folkcomunicação A mídia dos excluídos, Rio de janeiro,


2007.

Anexos
Caretas de Acupe, julho de 2016. Foto: Dalila Brito

Capitão do mato e as negas, julho de 2016. Foto: Dalila Brito


Caçador, julho de 2017. Foto: Dalila Brito

Caçador, julho de 2016. Foto: Dalila Brito

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