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A SOMBRA DO
SUPERCRÂNIO
Autor
CLARK DARLTON
Tradução
KURT BRAND
Digitalização
BLACKNIGHT
Revisão
ARLINDO_SAN
Alarma máximo na frota espacial solar...
Um agente cósmico expediu o sinal de socorro...
***
...procure averiguar quanto antes onde Ralph Sikeron viu um perigo gravíssimo para
a Terra...
2
O capitão Jim Markus entrou no camarote que Fellmer Lloyd estava ocupando
durante a viagem ao sistema de Heperés.
Encontrou Lloyd deitado, lendo e fumando. Tinha a seu lado uma garrafa de
Napoleon, de pelo menos cento e cinqüenta anos de “idade”.
— Gostaria de ter os seus nervos — exclamou Markus, sacudindo a cabeça face à
calma do mutante.
Dali a uma hora, Fellmer Lloyd se lançaria numa missão perigosíssima. Em vez de
preparar-se para a mesma, ficou tranqüilamente na cama, lendo, fumando e tomando um
conhaque de primeiríssima qualidade.
Fellmer Lloyd era baixo e de ombros largos. Afastou os cabelos escuros da testa,
sorriu e respondeu:
— Eu que gostaria de ter os seus nervos, capitão. Afinal, não é nenhuma brincadeira
ter de esgueirar-se constantemente diante das naves de Árcon e dos veículos espaciais
cilíndricos.
— Pelo tempo de bordo são 16 horas e 52 minutos, Lloyd...
— ...e o senhor acha que já está na hora de levantar-me, não é? — completou o
telepata com um sorriso. — Por quê? Posso entrar em ação a qualquer momento. Com os
mutantes acontece a mesma coisa que com a Lotus, Markus. Quem não está em
condições de entrar em ação quando isso se torna necessário, nunca mais precisa estar. Se
não fosse assim, a Lotus já teria se transformado numa nuvem de gases e, a esta hora, eu
não estaria respirando. Sente, capitão; ainda disponho de uma hora.
— Acontece que eu não disponho — disse Markus, esquivando-se. Nunca se sentira
muito à vontade perto dos mutantes que sabiam ler pensamentos. Por isso, usou o
pretexto da falta de tempo para encerrar sua visita ao camarote de Fellmer Lloyd.
***
***
GETLOX ASARGUD
TRANSPORTES
O nome Asargud era o disfarce usado pelo superescuta Ralph Sikeron, que instalara
sua base de operações no edifício comercial do clã de Uxlad.
Lloyd lançou um olhar para seu corpo. As vestes já estavam secas, mas nos sapatos
ainda havia sinais inconfundíveis de sujeira. Não estava disposto a arriscar o êxito de sua
missão devido a este detalhe ridículo. Resolveu adquirir vestimentas novas.
Dali a uma hora, viu-se novamente diante do edifício dos Uxlad. Desta vez,
envergava o traje elegante dos arcônidas. Procurou localizar uma eventual causa de
perigo. Não encontrou nenhuma e, atravessando o portal — um modelo de ostentação —
penetrou no hall de recepção.
Um robô aproximou-se rapidamente e perguntou o que desejava. A firma Getlox
Asargud ficava no 212o andar.
O elevador antigravitacional gastou poucos segundos para levá-lo ao pavimento
desejado. A intensidade do tráfego no respectivo poço era notável. Também ali estavam
reunidas todas as raças da Via Láctea, que pareciam negociar com o clã dos Uxlad.
Fellmer Lloyd atingiu o 212o pavimento sem ser molestado. Num andar acima,
ficava a área de pouso para táxis aéreos e naves espaciais de pequeno porte.
O corredor largo, pomposo como a entrada, irradiava tranqüilidade benfazeja. Mas o
mutante não se deixou impressionar pela beleza nem pela riqueza. Encontrava-se no
cumprimento de uma missão. Devia entrar em contato quanto antes com o agente Ralph
Sikeron, se é que este ainda estivesse vivo, a fim de esclarecer o sentido da mensagem de
alarma três toques de sino.
Não foi por acaso que a defesa solar do planeta Terra atribuíra a Fellmer Lloyd a
identidade de um prebonense. Aquela raça colonial, que há milênios era um membro fiel
do Grande Império, assemelhava-se pelo feitio do corpo à figura de Lloyd. Por várias
vezes, os mutantes de Rhodan tiveram de aprender por experiência própria que o aspecto
mais comum é o melhor disfarce.
Uma porta abriu-se a poucos metros do lugar em que Lloyd se encontrava. Uma
moça saiu para o corredor e lançou um olhar curioso para o mutante. Nem desconfiava
que este lia seus pensamentos como se fosse um livro aberto. Lloyd dirigiu um
cumprimento amável à moça e disse:
— Estou procurando a firma Asargud, que fica no 212o andar.
Mal acabou de pronunciar o nome que servia de disfarce a Ralph Sikeron, percebeu
que a moça saltadora passou a assumir uma atitude de reserva hostil. O rosto encantador
de feições mongolóides continuou amável, mas sua voz assumiu um tom nada gentil.
— Terceira porta à direita. Hoje o senhor já é a oitava pessoa que está à procura
dessa firma.
Os olhos escuros, que formavam um contraste maravilhoso com a pele avermelhada,
já não exprimiam a menor curiosidade. Com o gesto característico a qualquer moça que
repele alguém, virou-se bruscamente e foi andando em direção ao elevador
antigravitacional.
Fellmer Lloyd não a seguiu com os olhos. Os pensamentos da jovem saltadora
causaram-lhe certa preocupação: “Mais um espia arcônida!”
Para não chamar a atenção mais que o necessário, foi até a terceira porta da direita.
Conforme esperava, encontrou-a trancada. À sua vista bem treinada, não escapou o fato
de que a fechadura magnética fora forçada, embora com muita habilidade.
Desceu pelo elevador antigravitacional. Não esperara conseguir entrar em contato
com Sikeron na primeira tentativa. No entanto, o pensamento que passara pela cabeça da
bela jovem não lhe saía da mente: “Mais um espia arcônida!”
No hall de recepção, desviou-se de três indivíduos pertencentes à raça dos
superpesados. Conversando em voz alta, caminhavam em sua direção e com seu corpo de
setecentos e cinqüenta quilos poderiam dar-se ao luxo de esbarrar num humano de peso
normal. Naquele momento, seu dom de localização avisou-o de que estava sendo
observado.
O aspecto exterior de Fellmer Lloyd transmitia a impressão da apatia e da lentidão.
Mas naquele instante, a mente do mutante correspondia ao extremo oposto desse estado.
Com o rosto de um homem que reflete sobre um negócio, saiu do edifício Uxlad. Na
verdade, estava observando atentamente as imediações. Mantinha uma das mãos no
bolso, onde os dedos cingiam a arma de choques com a qual estava tão familiarizado.
Lentamente foi abrindo caminho entre a confusão de raças que continuava a
acotovelar-se na Praça Thator.
Seu sentido localizador continuava a emitir o sinal de alarma.
Não havia a menor dúvida. Estava sendo seguido por uma pessoa. Os dados
relativos à mesma foram captados de maneira pouco nítida e com fortes interferências.
Fellmer Lloyd nunca se deparara com um fenômeno igual.
Dois soldados da força espacial dos arcônidas encontravam-se na Praça Thator, na
qual se via, sobre um pedestal, uma reprodução artística da célebre nave espacial. Os dois
arcônidas altos e uniformizados fitavam o mutante de forma tão acintosa que Fellmer
Lloyd não poderia deixar de notá-los. Aproximou-se tranqüilamente dos dois homens.
— Desejam alguma coisa? — perguntou no dialeto dos prebonenses e lançou-lhes
um olhar de desafio. Antes que respondessem, Lloyd informou-se sobre os pensamentos
deles. Sentiu-se chocado pelo fato de que esses homens, que eram apenas soldados de
Árcon, haviam recebido ordens da administração de Kuklon para procurarem
determinado indivíduo.
E a pessoa que estava sendo procurada era ele mesmo!
No peito dos soldados, destacava-se o pequeno aparelho de radiocomunicação.
Fellmer Lloyd percebeu que a situação era muito mais perigosa do que supusera.
Onde estaria a outra pessoa, que o observara enquanto saía do edifício Uxlad?
O mais velho dos arcônidas respondeu com outra pergunta:
— Alguém falou com o senhor?
Enquanto falava, olhou para os sapatos de Lloyd.
O agente cósmico logo percebeu que a situação se modificara. Os pensamentos dos
arcônidas eram tão confusos que não permitiam qualquer interpretação precisa, com
exceção deste impulso: “Sapatos enlameados!”
— Não — rangeu a voz de Lloyd — ninguém falou comigo. Acontece que os
senhores me olharam de forma muito insolente — com as últimas palavras lançou uma
“ponte” para a idéia dos sapatos enlameados.
O soldado mais jovem logo pisou nessa “ponte”.
— A Administração mandou que prendêssemos um suspeito, caso o encontrássemos.
Trata-se de um homem de roupa suada e sapatos sujos. A estatura dele é igual à sua, mas
quanto ao mais...
Fellmer Lloyd começou a rir.
— O computador de Árcon está dominando vocês que é uma beleza! Até quando
estão na cidade, de férias, têm que dar serviço. Procurem não apodrecer nos pântanos de
Kuklon!
Despediu-se com um gesto amável e embrenhou-se na multidão.
Nem pensou em sair da Praça Thator. A busca misteriosa de sua pessoa, que dera
origem ao alarma mental, não combinava com o quadro. Embora o cérebro positrônico,
que governava o Grande Império há quase um século, tentasse constantemente despertar
os arcônidas entorpecidos, até então a máquina fria não conseguira registrar um único
êxito nessa tentativa. Assim, a suposição de Fellmer Lloyd, segundo a qual os mercadores
galácticos deviam estar atrás desse alarma, não tinha nada de absurdo.
Ao contornar a Praça Thator, voltou a passar à frente do edifício Uxlad. O edifício
portentoso atraía-o que nem um ímã. Subitamente estremeceu.
Localização! Um modelo de vibrações cerebrais foi captado com toda nitidez.
Mais uma vez, estava sendo observado. E mais uma vez, isso acontecia nas
proximidades do edifício Uxlad.
Lloyd não demorou em analisar o modelo de vibrações cerebrais.
Verificou a direção de onde vinha a emissão e não se surpreendeu ao constatar que o
ponto de partida ficava na entrada do edifício.
A entrada ostentosa dotada de comando positrônico estava aberta. Centenas de
saltadores saíam do edifício. Desciam apressadamente pela larga escadaria e perdiam-se
na multidão.
Subitamente Fellmer Lloyd pôs a mão na cabeça. Seus lábios moveram-se, e
disseram:
— A moça!
Ela o observava!
A jovem mercadora galáctica do 212 o andar estava de pé à esquerda da entrada e
olhava para ele.
Fellmer não deu a perceber que notara a atitude da moça. Com sua faculdade
telepática procurou captar os pensamentos dela. Ao descobrir neles um certo ritmo, que
lhe parecia familiar, não teve a menor dúvida de que ela o seguira desde o momento em
que saíra do edifício Uxlad.
E a moça pensava intensamente em Ralph Sikeron!
3
Fellmer Lloyd passou sua primeira noite em Volat no Hotel Plana. Dormiu um sono
profundo, que não foi perturbado por sonhos. Ao despertar, porém, sua mente ocupou-se
imediatamente com a moça alta e de rosto encantador. Os traços mongólicos e a pele
avermelhada não permitiam a menor dúvida quanto ao fato de que era filha de um
mercador galáctico.
A moça pensara ininterruptamente em Ralph Sikeron, enquanto observava Fellmer
Lloyd. Não chegou a estabelecer contato com ela. Fellmer Lloyd não gostava de agir
precipitadamente, mesmo num caso como este, em que Perry Rhodan lhe confiara a
tarefa de esclarecer o quanto antes qual era o perigo gravíssimo para a Terra existente em
Volat.
Fellmer Lloyd sorriu enquanto guardava seus “instrumentos de luta” junto ao corpo.
Nenhum deles faria supor a origem terrana. Todos os objetos, mesmo os mais
insignificantes, eram produtos genuínos da indústria prebonense, embora a construção de
três armas de modelos diferentes pudesse dar o que pensar aos arcônidas. Por certo,
teriam dificuldade em descobrir o canto da Galáxia cuja tecnologia produzira esses
artefatos.
Tomou café com a tranqüilidade do homem que está em paz com a consciência, deu
a indicação de que pretendia ficar com o aposento e caminhou em direção à Praça Thator.
Não poderia deixar de ir ao edifício Uxlad. Ele mesmo não saberia dizer o que o
atraía para lá. Seria a moça?
Mais uma vez, o elevador antigravitacional levou-o ao 212o andar. Enquanto subia,
resolveu dar ao menos uma olhada ligeira na área de pouso. Ali havia apenas uma nave
espacial rápida de pequenas dimensões.
Uma nave auxiliar cilíndrica dos saltadores chiava, vindo do sul.
Lloyd fez de conta que pertencia à tripulação da pequena nave pousada.
Encostou-se confortavelmente à coluna de apoio telescópica. A nave auxiliar
cilíndrica pousou a menos de vinte metros do lugar em que se encontrava.
Três saltadores apareceram. Ainda envergavam os trajes espaciais. Lançaram um
ligeiro olhar para Fellmer e caminharam em direção ao elevador antigravitacional.
Por uma questão de rotina, Lloyd controlou seus pensamentos. No mesmo instante
passou a ser exclusivamente o telepata. Os saltadores pertenciam à equipe de uma estação
de vigilância espacial. Vinham de lá e conversavam sobre a aproximação de um objeto —
não identificado — ocorrida duas noites atrás. O objeto não foi atingido pelos raios, nem
se tornou visível no instrumental ótico. O exame de rotina realizado pelo computador
positrônico chegara à conclusão de que uma nave espacial de dimensões reduzidíssimas
devia ter pousado em Volat.
Fellmer Lloyd não ficou nem um pouco satisfeito ao descobrir que o funcionamento
preciso do computador positrônico permitira calcular o local do pouso com uma diferença
não superior a vinte quilômetros.
E os três saltadores, que passaram por ele, ainda haviam sido informados de que
quinze dias atrás o mesmo fenômeno fora registrado.
Foi há quinze dias que Ralph Sikeron chegou a Volat.
“Que bela perspectiva!”, pensou Lloyd com um humor fúnebre. “Só falta uma
expedição arcônida de busca para que, hoje de noite, metade dos habitantes de Volat
esteja na minha pista.”
Não se entregou a quaisquer ilusões. Tinha plena certeza de que antes do anoitecer
Volat se encontraria em estado de alarma. Mas o que será que os três saltadores, que
afinal estavam a serviço de Árcon, vieram fazer no edifício comercial dos Uxlad?
Mais uma vez, captou os pensamentos deles, embora o elevador já os tivesse levado
ao 35o andar.
Falavam em chefes, em outros saltadores. Subitamente foi proferido o nome da
localidade de Esgun. Lloyd esperava conseguir informações mais detalhadas, mas
justamente nesse instante a palestra e o conglomerado mental dos três homens divergiram
para o quotidiano.
O pouso de um táxi aéreo surpreendeu-o. Só o chiado da manobra de aterrissagem
despertou-o da concentração telepática. E seu sentido localizador desencadeou o alarma:
era a moça.
Antes que ela descesse, captou-lhe o modelo de vibrações cerebrais e também o
conteúdo de seus pensamentos.
Estava chegando atrasada ao serviço. Por isso, tomara um táxi aéreo. Mas naquele
momento não pensava em seu trabalho, e sim em Ralph Sikeron; ou melhor, em Asargud.
Ao descer do táxi aéreo, fitou-o perplexa. Estava completamente indecisa. Pensava
nos espias de Árcon e comparou Asargud com o homem desconhecido que ontem vira
pela primeira vez no corredor.
Fellmer Lloyd saiu da sombra da pequena nave espacial e dirigiu seus passos ao
elevador antigravitacional. Lá não deixaria de encontrar-se com ela, e era o que a moça
queria. Acontece que não disse uma palavra enquanto desciam um andar, e ainda se
mantiveram em silêncio enquanto caminhavam pelo corredor.
— Asargud era seu conhecido? — disse, surpreendendo-a com a pergunta. — Ele e
eu somos de Prebon. Estou apenas de passagem. Amanhã deverei prosseguir viagem.
Sabe onde posso encontrar Asargud?
A moça voltou a sentir medo de que o homem que caminhava a seu lado fosse um
espião arcônida. Subitamente parecia andar com certo constrangimento. Lloyd sentiu
quase fisicamente a luta interior em que estava empenhada. Convenceu-se de que essa
moça deveria gostar muito de Ralph Sikeron, e que certamente se tornara uma espécie de
amiga do agente.
— Sou amigo de Asargud — insistiu Fellmer Lloyd. — Não sou igual aos outros
que ontem perguntaram por ele.
A moça não poderia deixar de compreender estas palavras. Virou abruptamente a
cabeça e seus olhos escuros e profundos fitaram Lloyd com uma expressão perscrutadora.
***
***
8 de julho...
23 mil dexresitica, enfeixado. S Suc
ção VI, vindo de Midg.
51.365 clodexal, 100%, vinda de Zalit
por derr-k 118, retransmitido por Klo
XXII para Orro. Supercrânio?
— Supercrânio?
Desta vez, Fellmer Lloyd estremeceu de modo visível.
Era a indicação que procurava instintivamente. No dia 8 de julho Ralph Sikeron
ainda estava vivo. E nesse dia devia ter feito a primeira descoberta importante. Mas o que
significaria a referência ao Supercrânio?
Fazia mais de meio século que o Supercrânio estava morto.
Ninguém mais falava no inimigo mais perigoso que Perry Rhodan já enfrentou.
Por que a terrível palavra Supercrânio estava escrita junto aos pousos figurados das
naves espaciais fretadas?
O que estaria pensando Ralph Sikeron ao registrar o nome de um morto?
Atrás dele, a fechadura magnética desmanchou-se sob o fogo do radiador de
impulsos térmicos, e a porta foi aberta em meio a uma nuvem de gases malcheirosos.
Num instante, Fellmer Lloyd voltou ao presente. Sua mão tranqüila dirigiu o
projetor hipnótico para a porta de entrada. Puxou o gatilho e espalhou os impulsos para a
direita e para a esquerda. No mesmo instante, seu sentido de localização trouxe os
modelos de vibrações dos cérebros hipnotizados.
Quatro saltadores receberam ordem para descer imediatamente e dizer ao seu
comparsa que o prebonense havia escapado num táxi aéreo.
Acontece que Fellmer Lloyd cometeu um erro pequenino.
Não deu a necessária atenção ao ângulo de abertura da arma.
Não foram apenas os quatro perseguidores e Kuri Oneré que ficaram sujeitos aos
efeitos hipnóticos do projetor, mas ainda três homens totalmente alheios aos
acontecimentos, que se encontravam do outro lado do corredor, inclinados sobre seu
trabalho. Em suas mentes não havia a menor disposição para a luta. Por isso, obedeceram
mais depressa aos impulsos do agente cósmico que os quatros saltadores, e chegaram ao
hall de recepção alguns segundos antes destes.
O mercador galáctico, que se encontrava na recepção, ficou pasmado quando um
saltador totalmente desconhecido compareceu à sua frente e relatou detalhes
surpreendentes sobre um prebonense que teria fugido pelo campo de pouso da cobertura.
E sua perplexidade cresceu quando Jidif, o magricela, apareceu sem espantar-se com a
presença do outro saltador.
No momento em que os acompanhantes de Jidif se propuseram a repetir o relato,
repetindo sempre as mesmas palavras, o saltador percebeu o que havia acontecido com
estes homens.
Moveu a mão em direção à chave de alarma; ao acionar a mesma, o edifício se
transformaria numa prisão. Mas, no último instante, lembrou-se de que a administração
arcônida ficaria sabendo do fato e mandaria instaurar uma investigação bastante rigorosa.
Praguejou baixinho e retirou a mão da chave.
4
Fellmer Lloyd realmente usou um táxi aéreo para sair do edifício comercial dos
opulentos saltadores, levando Kuri Oneré, que se encontrava sob influência hipnótica.
Uma palavra martelava constantemente seu pensamento: Supercrânio. Quanto mais
refletia sobre a mesma, maior era o poder que exercia em sua mente.
Supercrânio e três toques de sino!
Isso combinava. Há mais de meio século, quando o Supercrânio recorreu aos
mutantes iludidos para tirar o poder das mãos de Perry Rhodan, houvera três toques de
sino no planeta Terra. Naquele tempo, o planeta se encontrava à beira do abismo. Porém,
o Supercrânio estava morto, e, juntamente com ele, alguns dos seus homens haviam
encontrado a morte.
As idéias de Fellmer Lloyd descreviam círculos cada vez mais estreitos em torno de
uma organização secreta, cuja atuação era dirigida contra a Terra.
Será que alguns mercadores galácticos chegaram por acaso ao sistema solar e
reconheceram a Terra que, segundo acreditava o Império de Árcon, os saltadores e os
médicos galácticos, havia sido destruída?
Lembrou-se de que o rebento mais jovem dos Uxlad pensara em vários chefes.
Será que mais de um clã dos saltadores conhecia a posição da Terra? Será que os
mercadores galácticos preparavam um ataque de surpresa particular com suas frotas de
naves cilíndricas, ação que lhes poderia render bons dividendos?
Uma organização desse tipo representaria para a Terra e para os planos de Perry
Rhodan um risco tão grande como o que em tempos idos se corporificara na pessoa do
Supercrânio.
Sem desconfiar de nada, Fellmer Lloyd entrou no Hotel Plana, depois de ter deixado
Kuri Oneré em sua residência. Após dar três passos no hall de recepção, captou a
localização.
Em seu apartamento encontravam-se agentes da Administração de Árcon, que
aguardavam seu regresso para prendê-lo. No mesmo instante, viu junto à grossa coluna
outros agentes da Administração. Eram três saltadores.
Ainda não haviam notado sua presença, porque um grupo de turistas havia entrado
no hall juntamente com ele. Era impossível recuar. Lloyd enfiou-se discretamente entre a
multidão, que se dirigia ao robô recepcionista mais próximo. Face à sua estatura não era
difícil esconder-se entre pessoas mais altas que ele. Mas logo chegou o momento em que
o aglomerado, dividido em três grupos menores, foi encaminhado a três elevadores
antigravitacionais que os levariam aos seus aposentos.
Lloyd aproveitou os espaços livres entre os turistas para contemplar os saltadores
que se encontravam junto à coluna. Um deles levantou-se, esticou a cabeça e olhou na
direção de Lloyd. Este não precisou recorrer à telepatia para descobrir por que o saltador
mantinha a mão direita no bolso.
Naquele momento, o saltador que se encontrava de pé pensou no motivo pelo qual
estavam tão interessados em prender o prebonense.
“Fellmer Lloyd devia ser um assassino pertencente a esse povo.”
— Era só o que faltava! — disse a si mesmo.
Por outro lado, porém, sentiu-se bem mais tranqüilo, pois já compreendia a
atividade espantosa dos arcônidas.
Subitamente, um homem pertencente ao grupo de turistas zangou-se. Alguém o
agarrou com força e o empurrou em direção ao elevador antigravitacional.
— Seu...
O turista contrariado não conseguiu dizer mais nada. Fellmer Lloyd deu um disparo
silencioso com sua arma hipnótica e irradiou esta ordem:
— Todos para o elevador. Cinco vítimas obedeceram.
Mais um passo, e Fellmer Lloyd chegaria juntamente com os cinco turistas
hipnotizados ao poço do elevador, que representaria a salvação. Mas, naquele instante,
um dos saltadores que se encontravam junto à coluna fez a voz ressoar pelo gigantesco
hall:
— Aí está ele!
Antes do grito, Lloyd já havia captado o pensamento do saltador, e regulou sua
própria ação de acordo com a mente do mercador. Sabia que um robô recepcionista pode
ser transformado facilmente num robô de combate. Três dos turistas hipnotizados foram
arremessados para o lado. Um raio térmico foi expelido pela arma de Fellmer e, numa
fração de segundo, o cérebro positrônico do robô que se encontrava junto ao elevador
antigravitacional transformou-se numa nuvem de gases.
Enquanto os três turistas cambaleavam para o lado, Lloyd pôs-se a salvo com um
salto para dentro do poço do elevador. Naquele instante, não tinha mais nada de
indolente.
Os turistas bloquearam a visão dos três saltadores que saíram correndo. O radiador
térmico de Fellmer Lloyd desencadeou uma onda de pânico no hall. No lugar em que
pouco antes o caminho estivera livre para os saltadores, as pessoas se acotovelavam.
Fellmer Lloyd ganhou alguns preciosos segundos.
Subterrâneo número 3. Quarto pavimento. Quinto pavimento do subsolo.
Correu para a esquerda, contornou dois robôs de trabalho que não tomaram
conhecimento de sua presença e viu o elevador antigravitacional de carga. O fato de que a
utilização deste era proibida aos arcônidas, saltadores ou a qualquer ser inteligente não o
preocupou. Desceu mais quatro pavimentes. Encontrava-se no nono pavimento do
subsolo. Passou apressadamente pelo corredor vazio, mas bem iluminado.
A essa hora Lloyd estava disposto a enfrentar qualquer saltador, por mais valente
que fosse. Era só nas situações de perigo que o agente cósmico revelava suas qualidades.
Enquanto corria, procurou calcular suas chances. Tentou localizar a comporta
antigravitacional destinada ao lixo. Fez uma careta e balançou a cabeça.
Aproximou-se do poço. Sentia o mal-cheiro, apesar do forte campo de absorção de
odores.
O poço antigravitacional de detritos tinha a largura do corpo de um saltador normal.
Fellmer Lloyd era franzino mas, mesmo assim, preferiu certificar-se de que não estava
sendo seguido antes de abandonar o Hotel Plana por este caminho.
Viu o primeiro perseguidor sair do elevador antigravitacional, na extremidade
oposta do corredor.
Fellmer esquivou-se para o interior da comporta de detritos. Caiu num oceano de
odores infernais e teve de lutar contra a vontade de vomitar. Sentiu que a gravidade
controlada o levava suavemente para baixo.
Tirou a lanterna do bolso e acendeu-a por um instante. Mas, logo a seguir, deixou
que a escuridão voltasse a reinar. A uma velocidade de dois metros por segundo,
aproximava-se do sistema de eliminação de detritos de Kuklon.
Um borbulhar viscoso anunciou o fim da viagem. Agora teria que acender a
lanterna, pois do contrário morreria afogado nos detritos.
Subitamente o tubo desembocou num canal oval. Apoiando os joelhos e as costas
contra as paredes do tubo, Fellmer Lloyd olhou para baixo. Mais por instinto que por uma
reflexão racional, procurou imediatamente olhar para cima. Dirigiu a luz da lanterna para
o alto e viu uma massa enorme de imundícies descendo à velocidade de dois metros por
segundo.
Esse fato levou-o a agir depressa. A força antigravitacional que ainda existia no fim
do tubo ajudou-o a não cair diretamente dentro do mingau de imundícies. Conseguiu
aterrissar dois metros adiante, junto à parede do canal.
Afundou na sujeira até os joelhos. Não se incomodou com o fedor nauseante. Olhou
desesperadamente em ambas as direções, a fim de encontrar um sistema de cruzamentos.
A seu lado, um monte de imundícies desceu pelo tubo. Cobriu os olhos com o braço
e suspendeu a respiração por um instante. Porém um sorriso de satisfação cobriu-lhe o
rosto. Essa carga de sujeira vinda atrás dele garantiria melhor sua fuga.
Cuspindo e sentindo a areia ranger nos dentes, Fellmer Lloyd apressou-se em seguir
caminho.
Dali a meia hora, encontrou uma possibilidade de sair daquele submundo
malcheiroso. Entretanto teve de esperar durante várias horas embaixo de um tampão do
canal, até que pudesse sair à superfície sob a proteção da noite.
Estava todo sujo e fedia. Esgueirou-se pelo enorme bairro hoteleiro como se fosse
um ladrão.
Logo conseguiu sair das áreas mais nobres para mergulhar nas ruas menos
iluminadas de Kuklon. Ele mesmo não saberia dizer como fez para chegar a uma das
casas de banhos que ofereciam um equipamento sofisticado de limpeza.
Enquanto se entregava ao deleite de lavar as imundícies que cobriam sua pele, suas
vestes foram submetidas a um processo intensivo de limpeza na lavadora centrífuga.
Quando saiu da cabine com a pele vermelha e cheirando a perfumes agradáveis, suas
roupas o aguardavam no cesto.
No momento em que vestia a última peça, sua mente voltou a captar o sinal de
localização.
Naquele instante, dois espias arcônidas entravam na casa de banhos. Um funcionário
indicou-lhes a direção em que ficava a cabine de Lloyd.
Fellmer saiu da casa de banhos, usando a terceira porta, enquanto os dois espias
caminhavam em direção à sua cabine.
***
Com uma decepção visível, a arcônida gentil seguiu com os olhos o prebonense que
se afastava, e que mal chegara a agradecer pelo serviço prestado.
Fellmer Lloyd colocara-se no grau máximo de alarma.
Uma força estranha procurara apoderar-se de sua mente.
Já não estava sendo perseguido apenas pelos arcônidas e seus espias, que o
consideravam um prebonense assassino; não estava sendo procurado apenas pelos
mercadores galácticos, com os quais tivera um incidente no edifício comercial dos Uxlad;
ainda havia um ser dotado de capacidades telepáticas ou outras capacidades
supersensoriais que estendia a “mão” em sua direção.
Mais uma vez, a palavra Supercrânio martelou-lhe a cabeça.
Era isso que Ralph Sikeron queria dizer.
Era o poder supersensorial que agia em Volat. Foi só graças ao treinamento
rhodaniano que Fellmer Lloyd não fugiu em pânico para a Gazela, a fim de escapar do
planeta Volat.
Completara o raciocínio lógico sobre o problema da força supersensorial que agia
em Volat.
Tudo terminara no assassínio de seu colega Ralph Sikeron. Mas, antes disso, o poder
supersensorial extraíra de Ralph todo o saber de que o mesmo dispunha. E o que se
tornara conhecido em Volat não era apenas o fato de que a Terra ainda existia e de que
Perry Rhodan não havia perecido na Titan; também a posição galáctica do sistema solar
fora revelada.
Foi este o motivo dos três toques de sino!
E da alusão ao Supercrânio!
Ralph Sikeron devia ter previsto a morte, pois só assim se explicava que carregasse
um hipertransmissor de dimensões reduzidíssimas, no qual emitiu segundos antes de sua
morte o código de alarma.
***
Fellmer Lloyd fez uma visita à Gazela. Trocou parte de seu equipamento e, depois
dessas providências, penetrou na mata virgem.
Ralph Sikeron lhe dera uma indicação precisa através de Kuri Oneré. Deveria
procurar a mãe onisciente dos volatenses.
Estava à procura desse povo que descendia de uma raça de insetos, mas era dotado
de quociente intelectual bastante elevado.
O treinamento hipnótico lhe transmitira todas as informações úteis sobre os
volatenses. Sabia que não possuíam linguagem no sentido usual do termo.
Comunicavam-se por meio de vibrações de freqüência ultra-elevada, situadas muito
acima da marca dos 100 mil hertz, e que não eram perceptíveis nem pelos arcônidas nem
pelos humanos. Essas vibrações superiores a 100 mil hertz eram produzidas pelas antenas
dos volatenses, que não representavam apenas o órgão do tato, mas também o
instrumento da fala e o órgão auditivo.
O pequeno planador-relâmpago, que Fellmer Lloyd retirara do espaçoporto sem
consultar ninguém, fora afundado no pântano, a poucos quilômetros da periferia da selva.
Prosseguia penosamente a pé, avançando mata adentro. Uma das mãos segurava a terrível
arma térmica, enquanto na outra levava o radiador de choques.
Não se esquecera do encontro com o réptil em forma de salamandra.
Ao anoitecer, ainda não havia avançado trinta quilômetros mata adentro.
Volat era do tamanho de Marte.
O continente em que ficava a cidade de Kuklon tinha o quádruplo do tamanho da
Europa. Dois terços dessa área estavam cobertos pela mata virgem. Em algum lugar, no
interior dessa selva, ficavam as estranhas cidades dos volatenses e a sede da mãe
onisciente.
Fellmer Lloyd passou a noite numa série de cochilos, mantendo-se num estado que
não atrapalhava sua capacidade de reação. Por três vezes, acendeu o holofote portátil;
teve de repelir dois ataques de insetos noturnos que mediam um metro.
A sua primeira refeição consistiu em alguns tabletes de alimento energético
concentrado.
Assim que o dia clareou, o agente cósmico prosseguiu na sua caminhada.
Na primeira hora, percorreu cinco quilômetros. Depois a mata virgem transformou-
se numa selva de vegetação entrelaçada. Se não dispusesse do radiador de impulsos
térmicos, Fellmer Lloyd não teria avançado um quilômetro.
Com a mente preocupada, examinou o indicador de dispêndio de energia, mas o
minúsculo conversor embutido na coronha da arma era tão potente que o indicador
continuava no ponto máximo.
Um verme bloqueou seu caminho. Instantaneamente colocou o radiador em posição
de tiro. Mas viu a seta espetada no corpo do animal verde-escuro, que media três metros
de comprimento.
O verme, que se locomovia sobre trinta pares de tocos de perna, passou por ele,
soltando um chiado agudo.
Lloyd não se moveu. Examinou ligeiramente a seta e percebeu que era de feitio
estranho. Não conseguiu lembrar-se do lugar em que já teria visto coisa semelhante.
De repente, constatou a presença de modelos estranhos de vibrações cerebrais. Eram
os volatenses!
Acreditava que conseguiria vê-los. Virou a cabeça, mas só viu a penumbra da selva,
o solo escuro, e, vez por outra, um raio de sol que atravessava um espaço livre entre a
folhagem..
A selva mantinha-se num silêncio absoluto. Os volatenses que, segundo as
indicações de seu sentido de localização, deviam encontrar-se a cerca de trinta metros de
distância, não se moviam.
Lloyd procurou concentrar ainda mais intensamente seu sentido de localização.
Sabia que se achava em situação menos encorajadora que a do superescuta Sikeron. Este
era capaz de ouvir as ondas sonoras dos volatenses, situadas acima da escala dos 100 mil
hertz. O máximo que ele mesmo poderia fazer era analisá-las e procurar interpretá-las
com base nos modelos de vibrações captadas por sua mente.
Soltou uma praga.
Os volatenses retiravam-se para a selva, sem demonstrar o menor interesse de
estabelecer contato com ele.
Fellmer Lloyd, que até então só os localizara, esforçou-se para, numa ação
desesperada, estabelecer contato telepático com suas mentes. Sentiu-se perplexo, pois
descobriu que o pensamento dos volatenses se desenvolvia por “linhas” humanas.
Mas o contato com a população primitiva inteligente de Volat foi interrompido.
Desenvolvendo uma velocidade três vezes superior àquela com que ele mesmo conseguia
locomover-se, retiraram-se em silêncio, deixando para trás a caça abatida.
O grande verme, de aspecto repugnante, abatido por um ferrão venenoso em forma
de seta, encontrava-se poucos metros atrás de Fellmer Lloyd.
***
Dali a uma hora, uma agitação contínua tomou conta do ambiente acima da mata
virgem.
Sem a menor consideração por si mesmo, Fellmer Lloyd enfiou-se na toca
malcheirosa de um grande animal selvagem, onde encontrou um abrigo precário que o
protegia dos raios localizadores das naves de reconhecimento dos arcônidas.
Compreendeu o motivo por que a operação de busca desencadeada pela Administração de
Árcon, com auxílio dos saltadores, assumiu tamanha intensidade justamente nesse setor.
A aproximação da Gazela não fora registrada de modo direto nem constatada numa tela.
Mas certos desvios insignificantes, verificados no cérebro positrônico de vigilância,
fizeram com que um computador positrônico, que costumava conferir todos os valores,
chegasse à conclusão de que uma nave espacial de procedência desconhecida pousara em
Volat. O computador chegou mesmo a calcular o local de pouso com uma aproximação
razoável.
O chiado dos propulsores das naves arcônidas foi ouvido por Fellmer Lloyd. Só lhe
restava esperar que ele e sua Gazela não fossem descobertos. Enquanto isso, sua mente
voltou a ocupar-se com a força supersensorial.
Mais uma vez, a palavra Supercrânio caiu sobre ele como se fosse uma sombra.
Durante mais de três horas, uma atividade febril desenvolveu-se no espaço aéreo
desse setor do planeta Volat. Por seis vezes, o agente usou sua capacidade telepática para
atingir o conteúdo da mente dos tripulantes. A satisfação de Fellmer crescia cada vez
mais, pois além de ainda não terem descoberto sua Gazela, ninguém se lembrara da
possibilidade de ele mesmo encontrar-se na selva.
O fato constituía outra prova de que o dono do poder supersensorial não era um
elemento que trabalhava para a Administração de Árcon no planeta Volat. Enquanto se
mantinha imóvel na toca malcheirosa, rememorou o avanço em direção ao seu cérebro.
Não durara mais que uma fração de segundo; mas essa fração de segundo fora
suficiente para mostrar toda a extensão do perigo. Era um dos mutantes que, em virtude
de um processo de autodefesa biológica, reagia com uma sensação de vazio no cérebro
sempre que uma força estranha procurava penetrar em sua mente.
— Supercrânio, você não está morto? Será que um morto pode ter uma sombra? —
cochichou.
Esses cochichos reforçavam a idéia do agente cósmico sobre a gravidade do perigo.
***
Era o quarto amanhecer na selva. Fellmer Lloyd mastigou mais três tabletes de
alimento concentrado. E outra vez abriu caminho pela vegetação da mata tropical. Já
fizera observações sobre a flora.
A pequena clareira que acabava de atravessar era um jardim do inferno. Nele
encontrou samambaias. Pareciam inofensivas, e não desconfiara de nada. Para ele, as
folhas de um metro quadrado não passavam de folhas. Mas, no momento em que se
dispôs a passar furtivo ao lado das plantas, as folhas inflaram-se, formando bolhas,
giraram instantaneamente a face oposta à luz para seu lado e bombardearam-no com gás.
As outras samambaias que o rodeavam dobraram os caules da grossura de uma coxa
humana, formando uma muralha de folhas, e voltaram-lhe a face exposta à luz. Sem se
transformarem em bolhas, começaram a expelir uma massa pegajosa.
Foi só graças à sua reação instantânea, que Fellmer pôde continuar vivo. Logo ao
primeiro jato de gás prendeu a respiração; e, imediatamente, levantou o radiador de
impulsos térmicos e varreu a clareira.
Quando olhou-a pela última vez, compreendeu que, durante um ano, nenhuma
samambaia cresceria na torrente vitrificada que ia endurecendo aos poucos.
Depois de caminhar mais três passos, estacou.
Estava cercado de volatenses. Onde quer que houvesse um espaço livre em meio à
confusão de troncos e à vegetação rasteira, eles o fitavam com uma expressão hostil nos
olhos salientes. As antenas que encimavam os olhos, e que serviam simultaneamente
como órgãos de fala, tato e audição, mantinham-se numa agitação ininterrupta.
As cabeças de inseto dos volatenses mantinham-se imóveis, tal qual os “braços”,
que eram tão firmes que a menor carga fatalmente os quebraria. As pernas também não
eram muito mais desenvolvidas. O que mais lhe assustava eram os corpos superfinos e
alongados, coloridos de marrom e verde.
Lloyd absorveu uma torrente de vibrações cerebrais, acompanhadas da informação
de que os volatenses não poderiam ser localizados se não o quisessem. Mas os impulsos
mentais desses seres o atingiam com a força de um potente emissor de interferência, que
paralisava as comunicações mentais; e todos os impulsos eram hostis.
Queriam impedir que continuasse a avançar pela selva.
— Volte! — foi a mensagem que recebeu.
E essa mensagem que vinha de todos os lados era repetida ininterruptamente.
Levantou as mãos e espalmou os dedos, procurando mostrar que suas intenções
eram pacatas.
— Volte!
Fellmer Lloyd sacudiu a cabeça.
— Não; vou continuar — emitiu o pensamento concentrando-se ao máximo. —
Quero que vocês me levem à mãe onisciente.
— Volte!
Como se obedecessem a um comando, os volatenses se aproximaram. Cercaram-no.
O círculo fechou-se cada vez mais. Os olhos salientes tornaram-se ainda mais hostis.
Todos os volatenses levantaram a mão direita na qual seguravam uma zarabatana. Era
com ela que disparavam as setas envenenadas.
Então era esta a arma dos volatenses!
— Que diabo! — pensou Lloyd, bastante contrariado com o fracasso de sua
tentativa de entrar em contato com os volatenses. — Por que será que Ralph Sikeron
conseguiu estabelecer contato?
— Ralph Sikeron? — a pergunta, vinda de todos os lados, atingiu-o por via
telepática.
— Getlox Asargud — pensou Lloyd, acrescentando: — Ralph Sikeron é Getlox
Asargud.
O brilho hostil desapareceu dos olhos salientes, como se fosse a luz de holofotes
apagando-se. No mesmo instante, cessou a recepção deprimente dos impulsos vindos de
numerosos cérebros volatenses.
Lloyd esforçou-se com mais intensidade para explicar a esses seres que pertencia à
mesma espécie de Sikeron, que era confidente do mesmo, e que estava à procura da mãe
onisciente.
Agora já não tinha a menor dúvida. Toda vez que pensava na mãe onisciente, a
atitude dos volatenses mudava por completo. Moviam a cabeça num gesto humilde,
bastante humano, e inclinavam os corpos de inseto.
— Tenho de perguntar a minha mulher se podemos mostrar o caminho que leva à
mãe onisciente.
Fellmer Lloyd não riu quando captou este pensamento. Os volatenses encontravam-
se sob o regime do matriarcado. A rainha hereditária que regia os destinos desse povo
inofensivo e simpático era a mãe onisciente. Vivia na mata, num lugar retirado; nunca
teve a ambição de desenvolver uma tecnologia, mas em compensação dedicava-se ao
cultivo das ciências do espírito.
Fellmer Lloyd esperou dois dias até que os homens de Volat voltassem. Teve tempo
para avaliar o resultado de sua atuação. Não ficou muito satisfeito. Nem sequer estava em
condições para enviar uma mensagem de rádio à Lotus, que se mantinha em posição de
espera, pois ele ainda não sabia explicar o que Ralph Sikeron quis dizer quando registrou
a palavra Supercrânio em sua agenda.
Quem poderia ser o arcônida ou o mercador galáctico que possuía faculdades
supersensoriais, e por isso se transformara no inimigo mais perigoso de qualquer agente
cósmico?
Será que a mãe onisciente dos volatenses poderia desvendar o mistério?
6
O gigantesco platô de pedra, que se erguia para o céu em meio à planície coberta de
matas, tinha o formato de uma pirâmide achatada e estava rodeado de gigantescas
árvores.
Os volatenses do sexo masculino mostraram a Lloyd o caminho que levava à mãe
onisciente. A capital residencial desse povo ficava no centro do platô. Ali viviam sem que
ninguém os perturbasse, e não estavam sujeitos às influências da tecnologia que
predominava na parte do planeta colonizado pelos arcônidas.
Lloyd viu casinhas do tipo convencional. Viu construções em forma de casa de
marimbondo com abrigos difíceis de serem encontrados.
Os volatenses haviam perdido com a evolução aquilo que já fora uma de suas
características, isto é, a capacidade de deslocar-se pelo ar que nem insetos comuns. As
demais características foram conservadas.
A mulher reinava em tudo. O volatense do sexo masculino era apenas tolerado e não
exercia a menor influência na vida pública ou privada. Mas, de três em três anos, a
inquietação se apossava de todos os volatenses adultos, e então todas as diferenças se
apagavam. Todos eram iguais. Pela meia-noite a mata virgem transformava-se num
templo e, por um breve espaço de tempo, os ritos misteriosos modificavam toda a vida
daquela raça inteligente.
Fellmer Lloyd caminhava devagar em companhia dos volatenses.
O centro da cidade era formado por uma gigantesca praça na qual se via uma
construção em forma de favos, que sobressaía em meio às outras como se fosse um
monumento. A construção era esguia e tinha pouco menos de cinqüenta metros de altura;
mas, ao contrário das outras construções em forma de favo, apresentava uma
ornamentação maravilhosa, que despertou a admiração, de Lloyd.
Subitamente encontrou-se com as primeiras “mulheres” de Volat. Eram do mesmo
tamanho dos homens, mas apresentavam um aspecto mais delicado e gracioso; tinham
algo do charme feminino. Além disso, a cor da pele puxava mais para o marrom. O preto
só surgia nas saliências finas em forma de córnea. Suas antenas tinham quase o dobro do
comprimento das dos homens, e eram muito mais robustas; e seus impulsos mentais
chegavam a Lloyd com o dobro da intensidade.
Os cumprimentos foram ligeiros. Os homens volatenses, que tinham levado Lloyd
até ali, retiraram-se.
Caminhando no meio das mulheres, foi levado ao palácio da mãe onisciente.
A abertura inferior tinha uma altura que lhe permitia entrar pela mesma sem abaixar-
se. O interior era iluminado por velas de sebo. A primeira sala tinha o formato de favo. E
tudo que se encontrava no seu interior possuía o mesmo formato. Fellmer Lloyd tinha a
impressão de encontrar-se num enxame de abelhas operosas. A experiência tinha algo de
irreal. O corredor, que subia em forma de serpentina, provava praticamente que os
volatenses já não dominavam a arte do vôo.
Viu a mãe onisciente diante de si; e, antes que pudesse captar qualquer impulso
mental emitido pela mesma, percebeu que se encontrava diante de uma rainha.
Lloyd recuou instintivamente, e assustou-se com os pensamentos da rainha:
— Aproxime-se, forasteiro. Tal qual Sikeron, você traz na testa o sinal de quem já
viveu muito. Você é muito mais velho do que aparenta; é amigo de Sikeron.
Fellmer Lloyd sentiu-se estupefato.
Nunca ouvira isso de um estranho. E que sinal na testa era este a que aludira a mãe
onisciente? Como poderia ver que recebera no planeta Peregrino, juntamente com Ralph
Sikeron e outros mutantes, a ducha celular que evitava o envelhecimento por um prazo de
sessenta anos?
Pediu uma explicação, mas a mãe onisciente dos volatenses, de modo sábio e
humano, recusou-se a explicar.
Seu caráter majestático tornou-se mais intenso. Irradiava a inteligência, a calma e a
sabedoria proporcionadas pela idade. Aos olhos de Fellmer Lloyd, ia perdendo
progressivamente o aspecto de inseto. Os contatos mentais tornavam-se cada vez mais
intensos.
Estava sentada que nem ele.
Um trançado de fibras vegetais lhe servia de apoio. O enfeite da sala do trono
consistia de folhagens que nunca secavam. O favo em que ficava essa sala era muito
maior que qualquer outro.
Ninguém os perturbou, e a mãe onisciente não tinha pressa.
Não era uma soberana que comandava; era o pólo de estabilidade dos volatenses, o
ídolo sobrecarregado de trabalho e responsabilidades.
Lloyd não a apressou para que falasse em Ralph Sikeron. Ela mesma passou a este
tema.
— Esteve duas vezes nesta sala, Fellmer Lloyd. Da mesma forma que você, não quis
revelar o lugar de onde vinha. Não era nenhum prebonense, da mesma forma que você
não é. Ambos vêm das profundezas dos mundos estelares; pretendia voltar para lá.
Morreu aqui, embora também trouxesse na testa o signo da vida eterna. Vocês se parecem
bastante; no entanto, ele era diferente de você. Você nos entende de outra maneira, mas
nem por isso com menos perfeição. Acredito que um mundo que sirva de mãe a Ralph
Sikeron e a você só pode ser um mundo belo, da mesma forma que o mundo dos meus
volatenses é belo.
Fellmer sentiu-se emocionado ao captar os pensamentos da rainha. Deu-se conta de
que o fato de ter encontrado a rainha representava uma dádiva inesperada. A veneração
que sentia pelas raças estranhas tornou-se mais intensa. Depois de algum tempo, passou a
aludir à descoberta de Ralph Sikeron.
— Em Volat existem duas forças, formadas por mercadores galácticos ou arcônidas,
que vivem na escuridão e a partir da escuridão irradiam seu poder. Sikeron experimentou
essas forças e da primeira vez fugiu para cá. Pediu que eu lhe desse um conselho, mas
não lhe pude dar nenhum.
“Voltou pela segunda vez; fugira de novo. Ainda dessa vez arcônidas ou mercadores
galácticos o haviam localizado com suas forças supersensoriais. Ao voltar pela segunda
vez pediu permissão para deixar comigo uma notícia que indicaria o caminho ao seu
sucessor.”
— O que aconteceu, quando Ralph Sikeron voltou para Kuklon, mãe onisciente? —
perguntou Fellmer mentalmente.
— Sabia que estava caminhando para a morte. Devia saber em que consistia a força
supersensorial cuja presença nunca notamos no povo de Volat. Sabia que alguém o
esperava em Kuklon. Ao despedir-se, disse textualmente: “Desejo todas as felicidades
possíveis ao povo de Volat, e as mesmas felicidades desejo ao meu mundo!” Será que
alguém não estará à sua espera quando você voltar a Kuklon, Fellmer Lloyd?
Quando os homens de Volat o receberam na periferia da grande praça em cujo
centro ficava o favo governamental, Fellmer sentiu-se cheio de pressentimentos
sombrios.
Não levou mais de três dias para chegar à Gazela, que não fora localizada durante a
operação de busca desencadeada pelos arcônidas.
7
***
Kuklon possuía três centros repletos de curvas. Eram três labirintos sob a forma de
um sistema confuso de ruas.
Na periferia de Kuklon Psor, a antiga Psor City, Kuri Oneré e Fellmer Lloyd
abandonaram os meios de transporte, depois de terem trocado oito vezes de táxi aéreo, e
passaram a caminhar entre a confusão de raças estranhas.
As lojas enfileiravam-se uma ao lado da outra. Aqui podiam-se comprar todos os
tesouros da Galáxia. Tudo fora ajustado para o viajante que estivesse de passagem.
Subitamente, Fellmer Lloyd puxou a moça para o lado. Kuri Oneré não
compreendeu nada, mas não ofereceu resistência. Fugiram para o interior de uma loja
especializada, que trabalhava exclusivamente com frubikar, uma substância indestrutível
que durante a noite emite uma luz forte.
O proprietário da loja, um mercador galáctico, e as duas funcionárias, que viram os
dois entrarem precipitadamente na loja, pensaram tratar-se de assaltantes que
pretendessem roubar o dinheiro da caixa. Numa seqüência lógica, o saltador pensou no
sistema de alarma.
Através da mente do proprietário, Fellmer Lloyd descobriu o lugar onde ficava a
chave que ativava o campo protetor de radiações.
Foi mais rápido que o proprietário e acionou o contato.
Imediatamente um potente campo energético foi colocado diante da vitrine e da
porta. O pequeno conversor preso ao teto emitiu um zumbido suave.
Um disparo de arma de radiações contra o campo energético fez com que o
proprietário indignado se calasse.
A muralha energética era transparente. Via-se perfeitamente as pessoas fugirem em
desespero, enquanto três tiros disparados do lado oposto da rua atingiam o campo de
radiações atrás do qual Kuri Oneré e Fellmer Lloyd se encontravam.
— Por onde devo passar para chegar à entrada dos fundos? — gritou Lloyd ao
saltador que se dedicava à venda de frubikar.
O projetor hipnótico que trazia na mão reforçava a pergunta.
— Tenho que avisar a Administração...
— Deixe isso para depois! — disse Lloyd em tom ameaçador. — Vai responder
logo, ou será que terei de usar outros métodos?
Um chuvisco de fogo ofuscante, produzido pelo impacto de cinco radiadores
térmicos sobre o mesmo ponto, abalou o campo protetor e por pouco não o rompeu. O
pequeno conversor preso ao teto emitiu um uivo desagradável, porque não conseguia
absorver o impacto súbito de tamanha carga energética.
Os disparos foram dirigidos contra Fellmer.
A mais jovem das vendedoras saiu em carreira desabalada e soltou um grito
histérico:
— Sigam-me!
Lloyd e Kuri acompanharam-na de perto.
Os elevadores antigravitacionais ainda não haviam chegado aos prédios da velha
Kuklon Psor. Desceram por escadas gastas, atravessaram recintos habitados nos quais os
arcônidas e saltadores os fitavam com uma expressão de pavor, passaram por outra
escada e subitamente viram-se num beco pouco movimentado.
Kuri Oneré e o agente de Perry Rhodan correram até a esquina. Uma vez lá, Lloyd
pegou a mão de sua acompanhante e os dois passaram a caminhar entre a multidão que
nem dois turistas cósmicos que quisessem matar o tempo em Kuklon.
— No momento, não temos nada a recear — disse Fellmer, acreditando que com
estas palavras deixaria a moça mais tranqüila.
— Como sabe disso, prebonense? Como soube do ataque à minha residência e
diante da loja de frubikar? — perguntou a moça em tom exaltado e cheia de razão.
O prebonense começava a assustá-la. Será que sabia ler o futuro?
— Senti, Kuri — respondeu Fellmer. Não estava mentindo, mas para qualquer
arcônida ou mercador galáctico a resposta seria inacreditável.
— Como é possível que... — Kuri calou-se, assustada.
Mais uma vez, seu acompanhante assumiu um aspecto muito estranho e assustador!
Apenas, desta vez era diferente daquilo que vira em seu quarto.
Começava a transpirar! Estava ficando pálido. Seu rosto contorceu-se, e não deu
mais um único passo.
O que teria acontecido com ele?
Olhou em torno e estava prestes a pedir socorro, quando Fellmer Lloyd soltou um
gemido e recuperou seu aspecto normal.
Kuri Oneré era uma colaboradora sem par.
Sabia dominar a curiosidade e reprimir as perguntas que lhe ardiam na língua. Não o
incomodava com indagações. Esperava que o prebonense falasse espontaneamente.
Chegaram a uma pracinha. À esquerda deles, um táxi aéreo estava descarregando os
passageiros. Fellmer puxou Kuri e correram.
— Depressa!
Arrastou-a com tamanha violência que Kuri quase caiu. Saltaram para dentro do
táxi. A alavanca de aceleração passou da marca máxima. A antigravitação indômita fez o
táxi aéreo saltar; o ar aspirado produziu um uivo. E, quando Fellmer Lloyd moveu a
chave do propulsor com a mesma violência, atingiram a altura dos telhados.
Pouco abaixo deles, a cumeeira de uma casa fundiu-se sob a ação de um radiador
térmico.
Havia rechaçado o terceiro ataque desde que chegara à residência de Kuri. Enquanto
o táxi aéreo corria vertiginosamente acima das casas de Kuklon, Fellmer Lloyd
aguardava o quarto ataque.
Não poderia deixar de vir.
O inimigo tirou a máscara. Saíra do esconderijo e passara ao ataque direto.
Depois do golpe traiçoeiro na loja de frubikar, onde pretendiam dar cabo deles sob o
fogo de cinco radiadores térmicos, uma imensa energia hipnótica esforçou-se para
submeter sua mente a uma vontade estranha. Foi só graças ao processo de aprendizado
arcônida a que se submetera que não foi dominado.
Enquanto Fellmer Lloyd olhava atentamente em torno, supondo em cada táxi aéreo
a presença do inimigo, compreendeu por que Ralph Sikeron pôde ser assassinado.
— Também preciso transmitir a mensagem — disse o agente a meia voz, sem
incomodar-se com a presença de Kuri.
De qualquer maneira, a moça não demoraria em descobrir a verdadeira identidade
de Asargud. Apenas, não deveria saber que a base da qual haviam partido ficava na Terra.
A certa distância, surgiu o maior edifício da cidade, que abrigava a Administração
arcônida. O prédio servia de residência ao Administrador, o elemento mais poderoso dos
negócios de Volat.
Kuri Oneré fitou Lloyd com seus lindos olhos escuros. Não disse uma palavra.
Recuperou-se com uma rapidez espantosa do susto provocado pelos ataques sucessivos.
— Kuri, não seria preferível que se
afastasse de mim? Onde eu estou, está o perigo e... — Lloyd manteve-se em
silêncio.
“Perigo!”, gritou seu sentido de localização. “Perigo vindo da esquerda. Perigo
vindo de outro táxi.”
— Kuri, Jidif está atrás de nós de novo... — com isso, revelou espontaneamente o
segredo de sua faculdade. Olhando de soslaio, percebeu que a moça recebeu suas
palavras com certo alívio.
Depois da fuga precipitada, Fellmer Lloyd subira bastante com o táxi. Encontrava-se
numa altitude proibida para esse tipo de veículo, mas essa situação se revelaria vantajosa.
Desceu em pique, tomando a direção do campo de pouso da cobertura da
Administração de Árcon. Aproximava-se rapidamente do maior edifício de Kuklon. O
propulsor muito fraco gemia ao dar o máximo de sua potência. O ar represado fustigava o
táxi. O vácuo produzido atrás do veículo o fazia balançar. Fellmer Lloyd ficou com o
rosto impassível. Kuri mantinha-se muito séria, olhando vez por outra para os
perseguidores.
O veículo destes era mais veloz, embora não pudesse perder altitude. Kuri ia
informar Fellmer Lloyd a este respeito, quando o rosto do mutante se contorceu numa
horrível careta.
Mais uma vez, as forças hipnóticas tentavam subjugá-lo mentalmente.
Um arcônida ou saltador galáctico procurava detectá-lo, levantar um bloqueio em
seu cérebro e privá-lo de qualquer vontade própria.
O alvo avistado, o edifício da Administração de Árcon, desmanchou-se diante dos
olhos de Fellmer Lloyd. Este nem chegou a perceber que Kuri Oneré o empurrara para o
lado e assumira o comando do táxi. O motor havia sido muito forçado.
Sons inarticulados saíam da boca retorcida de Lloyd. Sua vontade reunia as últimas
reservas de energia para resistir às tremendas forças hipnóticas.
Outro impulso hipnótico chegou ao seu cérebro:
— Desista, Fellmer Lloyd!
Num gesto inconsciente, os pensamentos do agente cósmico gritaram por socorro. O
grito foi dirigido a Perry Rhodan.
Teria traído a existência de Rhodan, se a mesma já não tivesse sido revelada por
Ralph Sikeron.
— Desista, Lloyd! Rhodan nunca mais poderá ajudá-lo. Desista! — a torrente
hipnótica que se despejou em sua mente foi seguida por uma orgia de ódio.
Kuri Oneré percebeu que subitamente todas as resistências do prebonense pareciam
cessar. Não compreendia contra o que estava lutando, mas sentiu que um perigo mortal
ameaçava seu companheiro.
Agiu como mulher: impulsivamente.
O táxi que os perseguia já se aproximara a duzentos metros. Faltavam cerca de três
quilômetros para chegar ao edifício da Administração de Árcon.
Freou!
Foi atirada contra o painel pouco resistente do táxi aéreo assim que foram liberadas
as fortes energias da frenagem. Depois, ligou o propulsor para o vôo à ré. E imprimiu a
aceleração máxima à máquina. Uma luz vermelha acendeu-se no painel.
Tratava-se de uma tentativa de abalroamento realizada dois mil metros acima de
Kuklon.
O táxi, que vinha atrás, percebeu tarde que o veículo perseguido acabara de frear.
Executou um movimento cambaleante para escapar à colisão.
Alguma coisa estalou às costas de Kuri. Um tremendo abalo sacudiu seu táxi, que
desceu vertiginosamente em espiral. Neste momento, o outro táxi caía, fazendo com que
os propulsores uivassem.
A jovem executou alguns giros, parecendo que não conseguiria controlar o veículo.
De repente, um homem saltou para seu lado. Duas mãos seguraram-lhe os pulsos.
Sentiu-se empurrada. Fellmer Lloyd voltara a ser um prebonense. Com um rapidíssimo
movimento em sentido contrário, controlou
o movimento em espiral do táxi, conseguiu acertar o leme e retomou o curso
anterior.
— Obrigado, Kuri — disse, e logo acrescentou: — Não se entregue a quaisquer
esperanças. Essa gente não está caindo. Logo terão o táxi sob controle.
— Prebonense...
Lloyd interrompeu-a com um gesto.
— Depois explico. Jidif morreu! Foi neste instante. Não sinto mais nada dele — os
olhos escuros da moça fitaram-no com uma expressão de pavor.
Naquele instante, Kuri Oneré compreendeu que nem o homem a seu lado e nem
Asargud eram prebonenses.
Enquanto o suor continuava a correr sobre o rosto cansado de Fellmer Lloyd, o
agente dirigiu-se à moça e disse:
— Não sou prebonense, Kuri, e Asargud também não foi. Já compreende por que sei
ler pensamentos?
O serviço de vigilância aérea dos arcônidas, muito bem organizado, não deixou de
notar as manobras loucas dos táxis aéreos, realizadas nos céus de Kuklon. Três naves
policiais, inconfundíveis pelo formato, cercaram os fugitivos e obrigaram-nos a tomar a
direção do edifício da Administração de Árcon.
Fellmer Lloyd não fez nenhuma tentativa de fuga, embora não soubesse como
seriam as coisas depois do pouso no grande edifício.
— O radiador térmico! — lembrou Kuri Oneré.
Fellmer riu de suas preocupações. Pôs a mão num dos bolsos laterais e mostrou-lhe
o porte de arma. Tratava-se de um produto de primeira ordem, nascido nos laboratórios
da defesa solar.
Depois do pouso, também mostrou a licença ao orgulhoso arcônida, que pegou o
radiador térmico de Fellmer com os dedos compridos e o colocou junto com as outras
armas. Pegou a licença com um gesto de pouco caso. O arcônida arrogante nunca teria
esperado que Fellmer possuísse essa licença.
— Confira! — disse para o saltador que cochilava perto dele.
O arcônida e o saltador estavam pensando numa mensagem pelo hiper-rádio a ser
expedida para o planeta de Prebon, situado a 794 anos-luz de Árcon. Fellmer Lloyd, que
controlava os pensamentos dos dois homens, sabia que dali só sairia como prisioneiro se
qualquer erro, por mínimo que fosse, tivesse sido cometido pela defesa solar na
confecção da licença.
Kuri Oneré manteve-se de pé atrás do mutante. Não fora incluída na averiguação
pois, sendo uma moça, parecia insuspeita.
De repente, chegou uma mensagem vinda da cidade. Só o arcônida pôde ouvi-la.
Mas Fellmer Lloyd conseguiu inteirar-se da notícia através de seu dom telepático.
A polícia arcônida acabara de achar o outro táxi aéreo que participara da fuga.
Descobrira que embaixo da carroceria existia um mecanismo propulsor de potência
extraordinária e um conversor que fornecia energia para várias armas de radiações. Dos
ocupantes não foi encontrado o menor vestígio.
O arcônida lançou um olhar pensativo para o prebonense. A notícia que acabara de
ser recebida confirmava em muitos pontos as declarações do homem que fora detido em
caráter provisório.
Com um ligeiro nervosismo, Fellmer aguardava o resultado da mensagem de hiper-
rádio expedida com destino a Prebon. Teve que ter dez minutos de paciência. Quando o
saltador voltou ao gabinete com a licença na mão, já conhecia o resultado.
A defesa solar havia realizado um trabalho de precisão.
— A licença é legítima, venerando senhor — disse o mercador galáctico com um
olhar servil dirigido ao arcônida. Mas a desconfiança deste ainda continuava viva.
— Como foi que as autoridades de Prebon emitiram uma licença com validade para
Volat e...
O saltador interveio apressadamente:
— A licença traz o selo da Administração de Árcon em Prebon e foi registrada sob o
número 666.748/54 KR pelo computador regente de Árcon.
O arcônida submeteu-se a este argumento do saltador. Com um gesto de
contrariedade, empurrou as armas e a licença para Lloyd e resmungou:
— O senhor não escapará da multa legal pela violação das leis do espaço aéreo.
Dali a meia hora, Fellmer Lloyd foi condenado ao pagamento de elevada pena
pecuniária. O dinheiro que trazia quase não dera para o pagamento imediato da multa. A
quantia miserável que lhe restava não bastava sequer para alimentar o autômato do táxi
aéreo, mesmo para uma viagem brevíssima.
E Kuri Oneré esquecera de levar dinheiro por ocasião da fuga precipitada de sua
residência.
Lloyd lembrou-se da arcônida que encontrara no edifício do espaçoporto.
— Onde posso encontrar uma cabine de comunicação audiovisual? — perguntou,
dirigindo-se a Kuri.
Quando a jovem ia falar, o sentido de localização de Fellmer Lloyd voltou a dar o
alarma.
O inimigo tornava a atacar na área do supersensorial.
Alguém procurava apoderar-se dos pensamentos do agente cósmico. De um
momento para outro, Lloyd voltou a sentir o vazio alarmante no cérebro.
De qualquer maneira, suas energias mentais lhe possibilitavam a resistência até certo
ponto contra qualquer tipo de interferência telepática. Seu sentido de localização indicou
a direção do ataque. Captou o modelo de vibrações cerebrais, que estava recheado de
ódio.
Lloyd reuniu todas as energias e passou ao ataque. Enquanto isso, Kuri Oneré
examinava os arredores com os olhos chamejantes. Em cada ser vivo que aparecia,
acreditava ver um inimigo de seu acompanhante.
Fellmer Lloyd estava vencendo as resistências do inimigo com um choque telepático
concentrado. Porém um forte bloqueio hipnótico protegeu o cérebro do mesmo, fazendo
com que a energia expedida por Lloyd fosse dar no vazio.
Seus inimigos eram um hipno e um telepata. Seriam os chefes?
Naquele instante, a mente de Fellmer só conseguiu conceber uma única idéia: a
fuga. Sabia que não teria condições de resistir a outra investida hipnótica. Ainda sentia
por todo o corpo o ataque hipnótico desfechado contra sua vontade quando, juntamente
com Kuri Oneré, se dirigia no táxi aéreo ao edifício da Administração. Parte do cérebro
parecia ter sido destruída pelo fogo.
O amplo elevador antigravitacional levou-os ao campo de pouso da cobertura.
A ação seria inútil. Para um hipno, alguns quilômetros a mais ou a menos não
tinham a menor importância. E o inimigo encontrava-se no edifício da Administração,
apenas alguns andares abaixo do lugar em que estava Fellmer.
— Por enquanto, não está chegando nada — foi o cochicho que Kuri ouviu da boca
de seu companheiro que, apesar do perigo, irradiava uma calma enorme.
Só uma única vez Fellmer Lloyd agira de forma irresponsável no Exército de
Mutantes de Perry Rhodan. Depois disso nunca mais cometera um erro de proporções
mais graves. Naquela época, há mais de seis decênios, a leviandade com que agiu no
planeta Peregrino pôs em perigo a vida de Rhodan e de muitos dos seus companheiros.
Agora a vida de bilhões de seres humanos do planeta Terra dependia dele.
Chegaram à cobertura.
Fellmer Lloyd viu a nave policial de dois tripulantes à sua frente. O propulsor estava
na posição zero. A vinte metros dali, o piloto, um saltador, estava encostado em atitude
relaxada à coluna de apoio telescópica de uma nave ligeira e conversava com uma moça.
— Depressa! — disse Fellmer Lloyd, empurrando Kuri para dentro da nave policial.
Estava repetindo o procedimento que adotara ao entrar no táxi aéreo estacionado na
praça de Kuklon. Kuri sentou-se numa poltrona. Lloyd ocupou outra. A escotilha foi
fechada ruidosamente. As barreiras automáticas foram ativadas.
O piloto, encostado ao suporte da outra nave, ouviu o ruído, olhou para trás sem
desconfiar de nada e viu sua nave subir rapidamente ao céu.
Fellmer Lloyd não chegou a ouvir seu grito de alarma.
Colocou o projetor hipnótico na mão de Kuri Oneré.
— Se meu rosto voltar a desfigurar-se, aponte para mim e aperte o gatilho. Não faça
perguntas e não perca um segundo. É melhor apertar o gatilho o mais rápido possível.
Uma fração de segundo de atraso significa um erro fatal. Você sabe pilotar esta nave?
Kuri lançou um olhar apavorado para a arma hipnótica que segurava na mão.
A nave policial de dois ocupantes — um artefato de primeira ordem da tecnologia
arcônida — disparava com a aceleração de 3G em vôo horizontal acima dos telhados de
Volat, em direção à faixa de mata virgem.
Fellmer Lloyd examinou atentamente o espaço aéreo. Suas energias telepáticas
atingiram o primeiro telegrafista do edifício da Administração. O arcônida ainda não fora
informado do roubo da pequena nave policial.
O mutante fez três coisas ao mesmo tempo. Transmitiu ligeiras instruções a Kuri,
indicando-lhe o lugar para o qual deveria voar, caso um tiro da arma hipnótica o
colocasse fora de ação, e informando-a sobre a maneira de pilotar a nave; seus olhos
percorreram o céu, em busca de eventuais perseguidores; e sua capacidade telepática
controlava os conhecimentos da central de rádio da Administração de Árcon.
A nave policial já havia alcançado a velocidade máxima e se encontrava a cem
quilômetros de Kuklon, quando um tiro de radiações foi disparado de uma posição oculta,
a título de advertência e intimação para pousar.
Numa terrível curva vertical, Fellmer Lloyd fez com que a nave se aproximasse do
solo. Tentaria escapar quase ao nível do solo, pois sabia que um canhão arcônida de
radiações só pode disparar num ângulo mínimo de quinze graus.
Estava colocando a nave na horizontal, quando tremendas forças hipnóticas
procuraram apoderar-se de sua vontade. Retesou-se e soltou um gemido.
Sem pestanejar Kuri disparou contra ele. A arma hipnótica estava regulada na
potência máxima. O raio transformou-o temporariamente num boneco humano, que
possuía um corpo, mas não tinha espírito.
Com a arma no colo, Kuri assumiu o controle da nave. Era facílima de ser
manobrada, mas sua pilotagem exigia certa experiência. Acontece que, no caso de Kuri
Oneré, a vontade de lutar juntamente com seu companheiro contra o perigo invisível
compensou em parte a falta de experiência.
Numa manobra perigosa, fez a nave correr rente ao solo. O raio energético ofuscante
expelido pela posição de artilharia situada atrás deles não os atingiu. Formando um
ângulo de quinze graus, subiu ao céu e perdeu-se na luz do sol Heperés.
A faixa escura da mata surgiu a distância, mas ao mesmo tempo um ponto reluzente
anunciava a aproximação de uma nave vinda da direita.
Com o maior sangue-frio, Kuri Oneré deixou que o propulsor trabalhasse em regime
de superaquecimento. Bastaria que continuasse a funcionar por alguns segundos para que
atingissem o destino.
O campo de neutralização não conseguiu absorver todas as energias produzidas pela
manobra de frenagem. Kuri foi atirada contra o painel de instrumentos com uma força de
5 ou 6G, enquanto a nave passava por cima da mata. Naquele instante, o propulsor foi
atingido de raspão por um tiro disparado pela nave que os perseguia.
Antes que Kuri pudesse fazer qualquer coisa, a pequena nave bateu fortemente
contra a copa de uma enorme árvore. O molejo dos galhos e as energias do campo de
neutralização diminuíram a força do impacto. A nave girou em torno de seu eixo e
desprendeu-se dos galhos. Caiu e desapareceu sob as folhagens da mata de Volat.
Os geradores da nave continuavam em perfeitas condições, e o conversor ainda
funcionava. A jovem mulher da raça dos mercadores galácticos não deu a menor atenção
a estes pontos. Fez aquilo que Lloyd lhe mostrara e explicara.
Pouco antes de atingir o solo — depois da queda da árvore de setenta metros de
altura — ela havia comprimido a tecla do dispositivo antigravitacional, e a nave pousara
suavemente.
Fellmer Lloyd estava meio preso sob o painel de instrumentos. Kuri desvencilhou-o.
Não se esquecera da nave que os perseguia. Com uma das mãos, acionou o dispositivo
automático da escotilha, enquanto com a outra arrastava Lloyd para fora da nave.
Finalmente a cabeça do mutante de Perry Rhodan descansou nos ombros da jovem
mercadora galáctica. Depois escondeu o homem inconsciente no interior da mata.
Acima de suas cabeças, uma nave policial dos arcônidas descrevia círculos.
8
Um sorriso largo cobria o rosto de Fellmer Lloyd, que tinha todo motivo para estar
alegre. A Administração de Árcon estava furiosa. Ainda não tinha a menor idéia de quem
poderia ter usado a nave de dois lugares da força policial numa fuga para a selva. Até
mesmo o grande computador positrônico concluiu, com uma margem de erro de apenas
5,32 por cento, que o prebonense que pouco antes fora condenado a pagar uma elevada
pena pecuniária, logicamente não seria culpado de outra infração.
Kuri Oneré acreditava em tudo que ele dizia, embora da mesma forma que ela seu
acompanhante não tivesse estado em Kuklon.
— Tenho que “folhear” os pensamentos de um arcônida — disse ele.
A seguir, se colocou no estado que, segundo Kuri, era o de olhar para dentro.
Sorriu para ela sem dizer uma palavra. O sorriso transformou-se em admiração pela
moça.
Depois de algum tempo, perguntou:
— Por que os mercadores galácticos não são todos gente formidável como você? A
vida na Galáxia poderia ser tão bela e pacífica.
A moça sentiu-se embaraçada; procurou mudar de assunto.
— Será que os dois seres que atacam do invisível são mercadores galácticos?
Lloyd já não se encontrava sob os efeitos do tiro disparado pela arma hipnótica.
Fazia uma hora que os últimos efeitos colaterais haviam desaparecido. Hesitou antes de
responder, porque não sabia muito bem o que devia dizer.
— Provavelmente são, Kuri, mas também é possível que sejam arcônidas. Um deles
sabe fazer aquilo que você fez há pouco com a arma hipnótica. Sabe colocar qualquer
pessoa sob sua “mira” e privá-lo de vontade própria, impondo-lhe outra vontade. Os
efeitos da força hipnótica natural são mais intensos, menos nocivos à saúde e mais
prolongados que qualquer tiro da arma hipnótica, por mais potente que seja esta.
“O outro saltador ou arcônida procura ler meus pensamentos. Acontece que não é
muito competente na sua área de ação. Apesar disso, representa, juntamente com o hipno,
um perigo grave. Como devemos fazer para colocá-los fora de ação? Já lhe disse ser
altamente provável que foram eles os assassinos de Getlox Asargud?”
***
Quando na Terra faltavam poucos dias para que terminasse o mês de julho, o
exército particular de Fellmer Lloyd, a 4.342 anos-luz, no planeta Volat, estava pronto
para entrar em ação. Sem o auxílio do simpático povo de insetos, nem mesmo com os
imensos recursos monetários de que podia lançar mão, teria conseguido reunir um grupo
de mercenários que inspirasse a necessária confiança.
Embora os volatenses aparecessem raramente na cidade de Kuklon, dispunham de
excelentes relações. Fellmer Lloyd nunca descobriu como haviam conseguido; sempre
que perguntava, pediam-lhe que se dirigisse à mãe onisciente e deixavam entrever que a
rainha lhe dedicava toda a simpatia.
Por duas vezes Lloyd assumiu o risco de penetrar às escondidas na cidade de
Kuklon. Depois da primeira visita, que durara uma hora, Kuri Oneré voltara a fixar-se lá.
Conseguiu angariar os saltadores Ghal, Zintx, Oslag e Ulmin. Por dinheiro esses rapazes
arrancariam da cama Mans-rin, o administrador de Árcon, e o levariam à Praça Thator.
Três volatenses, que circulavam constantemente entre a capital de Volat e Kuklon,
conseguiram conquistar um ser do mundo de Haspro e três gigantes narigudos do sistema
de Gfirto para a causa de Fellmer Lloyd. Os gigantes narigudos provocavam risadinhas
até mesmo nos funcionários coloniais arcônidas, que estavam acostumados a ver as
coisas mais bizarras. Com os corpos cobertos de pêlos e os três braços e as três pernas,
aqueles seres transmitiam à primeira vista a impressão de serem idiotas e engraçados.
Acontece que eram negociantes espertos, que na capacidade de farejar os grandes
negócios não ficavam atrás dos saltadores. E ainda dispunham de imensa energia física e
de audácia proverbial.
Os seres do mundo de Haspro com sua cabeleira em forma de juba lembravam os
faunos da mitologia grega. Na verdade, eram calculistas geniais e costumavam ser
encontrados nos lugares onde um cérebro positrônico para ser instalado daria muita
despesa. Fellmer Lloyd descobriria por acaso que, além dessa qualidade, possuíam
memória fotográfica e nunca se esqueciam de algo que houvessem visto, mesmo de
relance.
Nem pensou em utilizar a residência de Kuri Oneré como “caixa de correio”. As
notícias relativas ao seu exército convergiam para a casa de O-Oftftu-O, o único
volatense que possuía uma casa situada entre a cidade de Kuklon e o espaçoporto.
Fellmer Lloyd preferiu não formular perguntas sobre a grafia correta do nome.
Abrira seu quartel na selva, oitenta quilômetros ao oeste do lugar em que pousara
com a Gazela. Até agora, o pequeno transmissor se mantiver a em silêncio. A outra
estação ficava na residência de O-Oftftu-O. Fazia uma hora que um volatense saíra de
junto do mutante, dirigindo-se à capital. O agente cósmico ainda estava interpretando as
notícias que acabara de receber, quando seu receptor emitiu um ligeiro sinal.
Fellmer lançou um olhar pensativo para o rádio, suspirou pesadamente e, nos
próximos quinze minutos, tomou todas as providências necessárias para remover todos os
vestígios de seu quartel na selva. O ligeiro sinal que acabara de receber significava que
sua presença em Kuklon era indispensável.
Assim que o sol Heperés desceu abaixo da linha do horizonte, pegou um modelo
Xun, um tanto antiquado, que fora arranjado pelo saltador Ulmin, e voou para Kuklon.
A ação decisiva contra os dois arcônidas ou saltadores — dos quais um era hipno e
outro, telepata — logo seria iniciada.
***
***
Na manhã do dia seguinte, Gregor Tropnow não se sentiu preocupado por ter
Fellmer Lloyd aparecido de novo.
Deitado na poltrona em atitude indolente, lançava um olhar presunçoso para o
japonês Nomo Yatuhin, que andava de um lado para o outro. Apesar do caráter rebelde,
Yatuhin era um tipo bastante instável, que gostava de obedecer e precisava ser mandado,
desde que o sócio correspondesse à sua mentalidade.
Gregor Tropnow era um sócio que combinava com ele. Odiava Perry Rhodan pelo
mesmo motivo. Os dois deixaram de ser levados a Peregrino, o planeta da vida eterna,
onde poderiam receber a ducha celular, que suspendia qualquer tipo de envelhecimento
por um prazo ligeiramente superior a seis decênios.
O hipno Tropnow tinha 88 anos, e Yatuhin tinha um ano mais que ele, mas nenhum
dos dois aparentava essa idade, e nem se sentiam velhos. Certos medicamentos
biológicos, que já faziam parte da farmacologia terrana, haviam realizado esse milagre de
conservação da juventude, porém não conseguiam eliminar o processo lento de
envelhecimento no interior dos organismos. Já com a ducha celular, que só poderia ser
aplicada pelo Ser habitante do planeta Peregrino, nem mesmo o mais leve fenômeno de
envelhecimento se verificava dentro de seu prazo de validade. Um belo dia, os
preparados desenvolvidos pela medicina terrana falhariam uma vez que as células
envelhecidas deixariam de reagir aos mesmos.
Gregor Tropnow espreguiçou-se na poltrona e disse:
— Yatuhin, sente. Com essa mania de andar de um lado para outro, você deixará
desconfiado até mesmo um saltador imbecil. É preferível que faça um esforço e procure
localizar Lloyd. É muito mais duro na queda que Sikeron. Aposto que já nos farejou e...
Yatuhin lançou um olhar de pavor para o hipno. Um sorriso malévolo aflorou aos
lábios de Tropnow.
— Por duas vezes, Lloyd conseguiu escapar, graças a você. Nomo... — subitamente
inclinou-se para a frente e passou a falar aos cochichos: — Obrigarei Rhodan a conceder-
me a ducha celular, senão seu Império Solar será destruído. Mas só as estrelas poderão
dizer se você também receberá a ducha celular. Parece que você está se acovardando. O
que fará quando Rhodan estiver em nosso poder?
— Por enquanto nem conseguimos pôr a mão em Fellmer Lloyd — disse o japonês
em sua defesa, e com isso trouxe Tropnow de volta do reino dos castelos das nuvens para
o chão da realidade.
A observação não impressionou o hipno.
— Eu o agarrarei, e quando isso acontecer... Você não me vai dar cabo de Lloyd,
conforme fez com Sikeron. Yatuhin, será que ainda não compreendeu que só poderemos
contar com a cooperação dos saltadores por um tempo bastante limitado? Um belo dia, os
mercadores galácticos não mais se darão por satisfeitos com simples promessas. Farão
questão de saber onde fica o planeta cheio de tesouros. O que acontecerá quando
tivermos jogado fora o melhor trunfo que podemos lançar contra Rhodan? Será que você
não sabe pensar...
Nomo Yatuhin era um telepata. Embora fosse um rebelde muito covarde, não era
tolo como Gregor queria fazer crer. Sua voz fria interrompeu a fala do sócio:
— Tropnow, pare de brincar com a idéia de deixar-me de lado e trazer Fellmer
Lloyd para seu lado. Sabe perfeitamente que poderei desferir alguns golpes contra você.
— Maldito espia de pensamentos! — resmungou Gregor Tropnow entre assustado e
divertido. — De tanta discussão quase nos esquecemos que o rebento mais jovem de Aser
Uxlad deverá aparecer daqui a pouco. Tirr devia dar mais um pouco de atenção a Kuri
Oneré.
— Para isso, seria bom que o convencesse a parar com as gracinhas que costuma
dizer a tudo quanto é moça — disse Yatuhin com uma energia, surpreendente. — Se você
tivesse levado isso em consideração, durante o primeiro “tratamento”, não teríamos
fracassado com Kuri Oneré, e ela seria hoje a melhor chamariz para pegarmos Fellmer
Lloyd.
O hipno fez um gesto de recusa. Estava refletindo sobre outra coisa. Falando a meia
voz, disse:
— Deixe Lloyd por minha conta, Nomo. Apenas quero que descubra o que
significam na Terra as palavras três toques de sino. Preciso saber disso antes de dar início
à próxima fase de operações.
***
***
***
Fellmer assumiu o risco de fazer aquilo que Tropnow, o hipno, julgara impossível:
atingiu a mente de Tropnow.
Aguardava o regresso de Zintx. Sabia que este possuía uma arma térmica, e que
recebera ordens para matá-lo.
Zintx não conseguiu passar de O-Oftftu-O.
O volatense derrubou-o com a mão de inseto. O saltador caiu ao chão. O golpe do
volatense devia ter sido desferido com uma força tremenda. Mal o mercador galáctico
tocou o chão, O-Oftftu-O retirou o radiador térmico de seu bolso e amarrou-lhe as mãos.
Dali a alguns minutos Lloyd, Kuri e o volatense saíram da residência deste último.
Retiraram-se dessa base de operações, uma vez que os dois mutantes traidores conheciam
sua posição.
Zintx ficou para trás, amarrado e ainda inconsciente.
Enquanto desciam pelo elevador antigravitacional, Fellmer Lloyd elaborou seu
plano de batalha.
A manobra desviacionista, iniciada há poucos minutos por um grupo de seis homens
no edifício de escritórios dos saltadores, ainda estava em pleno andamento. Com a
exatidão de um minuto, seus colaboradores entraram em ação com um entusiasmo
impetuoso. Lloyd dera instruções expressas aos homens para que, em hipótese alguma,
usassem radiadores térmicos ou desferissem golpes mortais com as coronhas das armas.
Lloyd ainda esperava poder desmantelar a organização secreta montada pelos dois
mutantes sem derramar sangue.
E a ação desencadeada por ele mesmo também seria levada a cabo sem
derramamento de sangue.
Estava transmitindo as últimas instruções a Kuri Oneré e O-Oftftu-O. Deveriam
esperar seu regresso à frente do grande edifício do espaçoporto. E não deveriam contar
com esse regresso antes de decorrida uma hora.
Pretendia mandar para os ares o computador de bordo da nave Re IX. E isso, à plena
luz do dia!
Kuri lançou-lhe um olhar de desespero e de súplica. Fellmer Lloyd não deu a menor
atenção aos seus pedidos. O volatense seguiu-os discretamente. Parecia não ter nada a ver
com a moça e o homem que caminhavam à sua frente. Até então nenhum arcônida ou
mercador galáctico havia visto um volatense em contato com um ser pertencente a uma
raça estranha. A reserva dos nativos de Volat era proverbial.
Preferiram não recorrer a qualquer meio de transporte. A distância entre o edifício
de apartamentos e o espaçoporto não era grande.
— Não há um meio de evitar isso? — perguntou Kuri, arriscando uma última
tentativa desesperançada.
— Não, não posso evitar, da mesma maneira que não pude evitar o sacrifício do
grupo de seis homens, Kuri. Dentro de trinta minutos, no máximo, todos terão sido
subjugados. Até lá preciso executar a parte principal da minha tarefa, pois então surgirá o
momento em que os dois chefes terão tempo de pensar. Esperem aqui...
Não chegou a dizer o resto. Despediu-se de Kuri Oneré com um gesto amável e
lançou um olhar discreto para o volatense.
— A mãe onisciente reza por você! — foi o pensamento de O-Oftftu-O que captou.
Lloyd acomodou-se tranqüilamente num veículo de alta velocidade, que estabelecia
a ligação entre o edifício central do espaçoporto e as naves estacionadas em locais
afastados. Indicou o destino ao dispositivo fono-automático.
— Nave Re IX.
Quase imperceptivelmente, o veículo positrônico pôs-se em movimento, contornou
alguns outros, desviou-se de algumas inteligências estranhas, atingiu o gigantesco campo
de pouso. A seguir, disparou na direção do lugar em que estava estacionada a nave
cilíndrica do clã dos Re-gans, a Re IX.
Fellmer Lloyd sabia perfeitamente que a ação que ordenara a si mesmo deveria ser
designada pelo nome “comando suicida”.
X
***
***
Kuri Oneré viu sete veículos de alta velocidade que saíram da área de
estacionamento dos saltadores em direção ao porto espacial.
Procurou entrar em contato com Fellmer Lloyd por meio do radiofone guardado
num estojo.
Não conseguiu estabelecer comunicação com Lloyd. Não hesitou. Escolheu a faixa
de Ulmin. O saltador respondeu imediatamente. Ouviu-o fungar nervosamente, enquanto
comunicava o que havia observado.
— Está bem — foi a resposta.
Para Kuri a espera infindável começou de novo.
***
***
Jim Markus, comandante da nave Lotus, que pairava imóvel no espaço a dez anos-
luz de Volat, estremeceu quando o decifrador reproduziu o texto da mensagem
condensada chegada há dez segundos.
— Três toques de sino! Os mutantes Yatuhin e Tropnow são traidores. Estão traindo
Rhodan porque não receberam a ducha celular. Fellmer Lloyd.
Os oficiais fitaram Jim Markus. Seu rosto era pálido como cera, e os olhos muito
arregalados brilhavam num pavor incontido.
***