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(P-055)

A SOMBRA DO
SUPERCRÂNIO
Autor
CLARK DARLTON

Tradução
KURT BRAND

Digitalização
BLACKNIGHT

Revisão
ARLINDO_SAN
Alarma máximo na frota espacial solar...
Um agente cósmico expediu o sinal de socorro...

Apesar das hábeis manobras realizadas no espaço


galáctico, o trabalho pelo poder e pelo reconhecimento da
Humanidade no seio do Universo, realizado por Perry Rhodan,
forçosamente teria de ficar incompleto, pois os recursos de que
a Humanidade podia dispor na época eram insuficientes face
aos padrões cósmicos.
Cinqüenta e seis anos passaram-se desde a pretensa
destruição da Terra, que teria ocorrido no ano de 1.984.
Uma nova geração de homens surgiu. E, da mesma forma
que em outros tempos a Terceira Potência evoluiu até
transformar-se no governo terrano, esse governo já se ampliou,
formando o Império Solar. Marte, Vênus e as luas de Júpiter e
Saturno foram colonizados. Os mundos do sistema solar que não
se prestam à colonização são utilizados como bases terranas ou
jazidas inesgotáveis de substâncias minerais.
No sistema solar não foram descobertas outras
inteligências. Dessa forma os terranos são os soberanos
incontestes de um pequeno reino planetário, cujo centro é
formado pelo planeta Terra.
Esse reino planetário, que alcançou grau elevado de
evolução tecnológica e civilizatória, evidentemente possui uma
poderosa frota espacial, que devia estar em condições de
enfrentar qualquer atacante.
Mas Perry Rhodan, administrador do Império Solar, ainda
não está disposto a dispensar o manto protetor do anonimato.
Seus agentes cósmicos — todos eles mutantes do célebre
exército — continuam a ser instruídos no sentido de, em
quaisquer circunstâncias, manter em sigilo sua origem terrana.
Porém as coisas tornam-se complicadas quando dois deles
fazem-se traidores...

======= Personagens Principais: = = = = = = =


Fellmer Lloyd — Baixo; ombros e cabelos escuros.
Jim Markus — Comandante da nave Lotus.
Kuri Oneré — A moça corajosa da raça dos saltadores. Bonita,
seus olhos são mongolóides.
Os Volatenses — Insetos gigantescos dotados de inteligência.
1

O Espaço cósmico, um oceano de negrume infindável e silêncio eterno, precipitava-


se para a sala de comando da Lotus, através da tela de visão global.
O veículo espacial esférico de cem metros de diâmetro era um cruzador leve da frota
espacial terrana. Naquele instante pairava imóvel, em meio ao tempo e ao espaço. A
4.300 anos-luz da Terra, a esfera parecia uma minúscula partícula de pó colocada entre
sóis próximos e distantes, cuja luminosidade intensa procurava desde sua formação
vencer a escuridão do Universo. A luminosidade era fria e calma, embora colorida. Mas
mesmo o sol mais próximo não passava de um ponto bem destacado, e sua luz não
chegava a refletir-se na superfície polida da Lotus.
Depois de ter penetrado 4.300 anos-luz no espaço intergaláctico, o cruzador leve da
classe Cidade mantinha sua posição, imobilizado, como se quisesse aguardar a
eternidade. O potente dispositivo de proteção contra a localização excluía a possibilidade
do acaso traiçoeiro que propiciasse a observação por uma nave estranha. Atrás desta
camuflagem, a vida na nave se desenvolvia no seu dia-a-dia, muito embora o cruzador
leve do planeta Terra se encontrasse dentro da área de influência do Império dos
Arcônidas. Esse grande império estelar se concentrava na nebulosa M-13, mas estendia
seus braços pelo Universo afora, dominando entre outros o sistema solar mais próximo à
Lotus.
O comandante da Lotus era o capitão Jim Markus, um homem que parecia ter seus
quarenta anos de idade, e que chamava a atenção pelas têmporas embranquecidas e pelas
simpáticas rugas produzidas em torno dos olhos, quando sorria. Naquele instante, Jim
Markus contemplava em atitude pensativa o lugar da tela de visão global que exibia a
luminosidade distante do sol Heperés, a 2,46 anos-luz.
O sol era uma estrela entre muitas, constituía o pólo de um sistema planetário igual
a centenas de milhões de outros existentes na Galáxia. Mas para Jim Markus era o único
sol que oferecia algum interesse. Sua atenção voltava-se para o segundo planeta, que,
juntamente com outros cinco, gravitava em torno da estrela-mãe, alimentando-se com a
luz fornecida pela mesma e constituindo um mundo cheio de vida. Os arcônidas e os
mercadores galácticos designavam-no pelo nome de Volat. Seu tamanho era
aproximadamente igual ao de Marte. Porém, ao contrário desse planeta do sistema solar,
Volat era um mundo úmido coberto de gigantescos oceanos e de imensas matas virgens.
Sua gravitação, 0,8G, tornava-se o motivo pelo qual os arcônidas e os mercadores
galácticos o consideravam um planeta absolutamente normal.
A importância de Volat não resultava da circunstância de que Kuklon, a capital desse
mundo, possuía um espaçoporto supermoderno e constituía um centro de expedição das
mercadorias que deviam ser transportadas para as diversas estrelas; antes, tinha sua
origem no fato de ser a sede oficial do administrador arcônida, que para lá havia sido
enviado por ordem do computador gigante de Árcon, a fim de dar uma demonstração do
poder rejuvenescido do Grande Império.
Em Volat encontrava-se Ralph Sikeron, um homem de vinte e sete anos que era um
superescuta do Exército de Mutantes de Perry Rhodan. Recebera a incumbência de
estudar a situação reinante naquele mundo e reunir um elenco de informações que
permitisse uma visão geral.
Rhodan, que ficara mais experiente em virtude de algumas surpresas desagradáveis,
ordenara ao capitão Markus que, logo depois da chegada do agente cósmico ao planeta
Volat, se mantivesse à espera numa distância segura e, se surgisse algum perigo, acudisse
a Ralph Sikeron.
Há doze dias a Lotus pairava no espaço, imóvel, a 2,46 anos-luz de Volat,
aguardando notícias do mutante de Rhodan.
O olhar do capitão Jim Markus vagou da tela para o calendário de bordo. A data lhe
induziu maiores reflexões: 12 de julho de 2.040. Mas o ruído crepitante emitido pelo
micro alto-falante de hipercomunicação deixou-o alarmado.
Era uma mensagem chegando.
O ruído só durou poucos segundos. Seguiu-se um ligeiro impulso com a mensagem,
e não houve mais nada.
O computador positrônico da Lotus entrou em funcionamento automaticamente. O
setor de decifração do cérebro eletrônico decodificou a mensagem. Tangido por uma
inquietação interior, o capitão Markus aproximou-se do computador positrônico, mais
precisamente, da fenda de que deveria sair a interpretação da mensagem.
O cérebro logo expeliu a folha de plástico. Markus agarrou-a com um gesto que
quase chegava a ser guloso. A mensagem que o superescuta Ralph Sikeron havia
expedido do planeta Volat continha quatro palavras:

Três toques de sino.

O capitão Jim Markus moveu a chave do alarma.


No mesmo instante, o alarma acústico, o alarma ótico e o alarma vibracional
rugiram pela nave. O enorme computador positrônico da Lotus entrou em atividade.
Milhares de funções despertaram do estágio zero, os conversores passaram a trabalhar
com o desempenho máximo, as unidades de energia entraram em funcionamento. Os
dispositivos de armazenamento, recheados até o limite de sua capacidade, apenas
esperavam o momento de liberar a energia retida. Os homens corriam para seus postos
junto aos canhões, usando as fitas transportadoras expressas e os elevadores
antigravitacionais. A Lotus parecia um formigueiro revolvido, mas o pânico aparente
representava uma manobra ensaiada milhares de vezes. Todas as engrenagens ajustavam-
se perfeitamente, fazendo com que a nave pudesse desenvolver todo o seu potencial numa
questão de minutos.
Dali a pouco, a sala de rádio transmitiu pelo intercomunicador esta frase lacônica:
— Contato com Ralph Sikeron foi interrompido.
Para o capitão Jim Markus esta informação teve o mesmo significado da mensagem
anterior: “Três toques de sino.”
Três toques de sino era a expressão que indicava o grau máximo de alarma.
Este código significava a existência de perigo de vida para o agente e um risco
extremo para a Terra.
— Transição dentro de trinta segundos! — gritou a voz metálica do computador
positrônico em todos os compartimentos da Lotus.
No setor de memória do cérebro eletrônico encontravam-se à disposição, para serem
utilizados a qualquer momento, os dados necessários à execução de um salto pelo
hiperespaço, que levaria a Lotus num tempo zero, só inteligível em termos matemáticos,
a outro lugar do Universo, situado a milhares de anos-luz de distância. Apesar disso, uma
nave do tipo do cruzador ligeiro precisava de trinta segundos para que todas as máquinas
pudessem funcionar com o máximo de sua potência.
Jim Markus já se acomodara no assento do piloto; a seu lado Bendler, o imediato,
ocupava o lugar do co-piloto. Os dois mantiveram-se atentos para descobrir se a sala de
rádio ainda enviaria outra mensagem, enquanto o tempo X corria vertiginosamente em
direção ao ponto X menos zero.
Por trinta vezes, a voz do computador positrônico transmitiu a indicação do tempo.
Todas as trinta vezes, o ruído representou um martírio psicológico. O capitão Jim Markus
sabia perfeitamente que seu salto representaria a eliminação definitiva de contato com o
superescuta Ralph Sikeron, se é que esse agente cósmico ainda estivesse vivo.
A sala de rádio não transmitiu qualquer aviso sobre outra mensagem de Sikeron,
embora duas dezenas de homens recorressem a todos os meios para restabelecer a
comunicação. Chegou-se ao momento X menos dez.
O capitão Jim Markus colocou a mão sobre a chave que poderia isolar o computador
positrônico de todas as funções da Lotus.
Ainda esperava que nos últimos segundos Ralph Sikeron poderia entrar em contato
com a nave.
Apenas a sala de rádio manifestou-se em X menos quatro.
— O emissor de Volat continua em silencio.
Markus perdeu as esperanças. Enquanto na nave esférica de cem metros os
mecanismos rugiam e as mensagens em texto claro faziam piscar a lâmpada verde na
mesa do comandante, aproximava-se o momento em que a Lotus saltaria e fugiria para o
hiperespaço.

***

Com três saltos pelo hiperespaço a Lotus voltou ao sistema solar.


Cruzou a órbita de Plutão, foi localizada pela estação automática desse planeta,
transmitiu sua senha, obteve permissão de passagem e correu à velocidade de 0,6 da luz
em direção à Terra.
Marte surgiu em teta 56 graus, 17 verde. No momento em que as estações das luas
de Júpiter e Saturno registraram a presença do cruzador leve, o setor de vigilância
espacial sediado em Marte incumbiu-se da Lotus, anunciando sua chegada para a Terra,
mais precisamente, para Terrânia. Esta metrópole, erigida no deserto de Gobi, era o
trampolim destinado aos saltos para a Galáxia.
A Lotus realizou um pouso de alarma. O capitão Markus encarregou o imediato da
realização da manobra. Perry Rhodan foi informado pelo rádio sobre os motivos do
regresso da Lotus, e ainda a respeito das razões pelas quais o capitão Markus desejava
falar com o chefe.
Markus encontrava-se na comporta, aguardando que o dispositivo automático
abrisse a escotilha, quando a sala de rádio lhe transmitiu a seguinte mensagem:
— No momento Perry Rhodan se encontra em Vênus. Foi informado sobre o
regresso da Lotus. Pede que os fatos sejam relatados a Bell.
Quem chamasse Reginald Bell, o representante de Rhodan, pelo nome de Bell, não
o estaria depreciando. Ele mesmo fizera questão de que todos o chamassem simplesmente
de Bell, e pouca gente sabia seu nome completo. O poder, que Reginald Bell detinha na
qualidade de substituto de Rhodan, nunca lhe subira à cabeça. Em qualquer situação,
continuava a ser apenas um homem, com todas as qualidades e defeitos. Talvez fosse esse
o motivo por que era tão simpático aos olhos de todo mundo.
A Lotus pousou em meio a cruzadores pesados, naves da classe Império, destróieres
e naves mercantes fracamente armadas.
Um veículo pertencente ao serviço de Reginald Bell recolheu Jim Markus e correu
pelo gigantesco campo de pouso. Não foi detido pela barreira de radiações que protegia o
bairro administrativo de Terrânia. Dez minutos após o pouso da Lotus, deixou o
comandante na entrada do arranha-céu.
Todos os postos pelos quais Markus tinha de passar para chegar à presença do
representante de Perry Rhodan já haviam recebido as respectivas instruções.
Treze minutos após o pouso, achava-se à frente de Bell.
Com sua cabeleira ruiva cortada à escovinha, Reginald recebeu Markus com estas
palavras:
— Entre depressa, Markus. Sente aqui. A qualquer momento o chefe deverá
aparecer na tela. Rhodan não se importará nem um pouco em ocupar a mente por alguns
minutos com alguma coisa que não seja o tal do Atlan. Mas com Perry acontecerá a
mesma coisa que aconteceu comigo: não ficará nada contente com a notícia. Três toques
de sino. Não fazemos a menor idéia por que os sinos estão repicando em nossa
homenagem.
Era a fala típica de Bell. Nunca era muito rigoroso na maneira de expressar-se.
A tela começou a tremeluzir. A outra estação ficava em Vênus, onde se encontrava
Perry Rhodan, a fim de colher mais algumas informações sobre o solitário do tempo e seu
enigma da vida eterna.
O rosto marcante de Perry Rhodan surgiu na tela. Seus olhos impunham calma.
Sorriu ligeiramente quando cumprimentou o capitão.
Enquanto Reginald Bell permanecia sentado, o comandante da Lotus apresentou seu
relato ao chefe. Estabeleceu-se contato radiofônico simultâneo com o cruzador ligeiro.
Todos os dados, que Markus não tinha à mão, eram recebidos dentro de poucos segundos
diretamente da nave.
O capitão Jim Markus poderia ter conseguido esta comunicação com muito menos
trabalho. Bastaria que permanecesse na posição de espera no interior do sistema de
Heperés, e enviasse uma mensagem para Rhodan pelo hiper-rádio. Porém, havia ordens
terminantes de, em hipótese alguma, usar o hiper-rádio a fim de entrar em contato com a
Terra ou qualquer outro ponto do sistema solar. É que para toda nave de Árcon ou para
um dos veículos espaciais cilíndricos dos mercadores seria fácil efetuar a medição do
respectivo raio. Com isso, o planeta Terra, que os arcônidas, bem como os clãs dos
mercadores e os médicos galácticos consideravam destruído, voltaria a se constituir no
alvo de perigosos ataques.
Era o que Rhodan queria evitar em quaisquer circunstâncias. Por isso “mantinha
seus agentes em algumas centenas de mundos habitados pelos arcônidas ou pelos
mercadores. Rhodan não estava interessado na espionagem militar ou industrial. Apenas
queria ser mantido a par sobre o comportamento dos saltadores e do centro de
computação de Árcon.
Rhodan ouviu o relato de Jim Markus sem interrompê-lo. Assim que concluiu, as
perguntas começaram a desabar sobre o comandante do cruzador. Os aspectos mais
relevantes do relato obtiveram o devido realce. Markus solicitou alguns dados ao pessoal
que se encontrava no cruzador. Rhodan refletiu ligeiramente diante da tela instalada em
Vênus e tomou sua decisão.
— Capitão Markus, coloque a Lotus em condições de decolar imediatamente. Assim
que o mutante Fellmer Lloyd se encontre a bordo, volte para o sistema de Heperés.
Providencie para que Lloyd consiga chegar a Volat sem que ninguém o observe.
Mantenha a Lotus em posição de espera. Não se esqueça de que nossa existência e a de
todo o sistema solar correrão um perigo sério se não descobrirmos num espaço de tempo
muito curto por que Ralph Sikeron transmitiu a mensagem três toques de sino. Aja
segundo seu arbítrio, sempre que a situação o exigir, mas lembre-se que nossa vida
poderá depender daquilo que o senhor fizer. Boa viagem, capitão!
A tela apagou-se.
Reginald Bell entrou em contato com a sede do Exército de Mutantes.
— Onde Fellmer Lloyd se encontra no momento? — gritou para dentro do
microfone.
A resposta foi imediata:
— No terceiro planeta do sistema de Horga, pertencente ao Império de Árcon.
— Era só o que faltava — resmungou Bell, lançando um olhar envenenado para o
microfone, como se o aparelho tivesse culpa de que o telepata e localizador Fellmer
Lloyd se encontrasse tão longe da Terra. Olhou para o capitão Markus e disse: — Acho
que o senhor não terá outra alternativa senão voar ao extremo oposto do Grande Império
para recolher...
O alto-falante berrou em meio às suas palavras. A sede do Exército de Mutantes
voltou a falar.
— Ratificamos, Sir — disse o homem que ocupava a estação transmissora. —
Fellmer Lloyd concluiu sua missão no sistema de Horga e a qualquer hora deverá descer
em Terrânia num cruzador pesado. Acabamos de receber esta informação...
— Que sorte! — ironizou Bell. Piscou para Jim Markus. — O senhor é um felizardo
e...
Mais uma vez foi interrompido. Trud, o elemento encarregado de entrar em contato
com todas as pessoas que diziam terem necessidade imperiosa de falar com Bell, entrou
e, sem dizer uma palavra, entregou-lhe um relatório.
Este vinha de Vênus, ou melhor, de Perry Rhodan. Logo após a palestra mantida
com o capitão Markus, Rhodan entrara em contato com Trud a fim de transmitir-lhe as
instruções que o mutante Fellmer Lloyd deveria seguir durante a execução de sua missão
em Volat.
Bell lançou um olhar sobre o papel e entregou-o a Markus.
— Isto é para seu mutante, capitão — reteve o papel.
Uma das frases escritas no mesmo despertara sua atenção. Continha uma palavra
que Rhodan usava muito raramente.

...procure averiguar quanto antes onde Ralph Sikeron viu um perigo gravíssimo para
a Terra...
2

O capitão Jim Markus entrou no camarote que Fellmer Lloyd estava ocupando
durante a viagem ao sistema de Heperés.
Encontrou Lloyd deitado, lendo e fumando. Tinha a seu lado uma garrafa de
Napoleon, de pelo menos cento e cinqüenta anos de “idade”.
— Gostaria de ter os seus nervos — exclamou Markus, sacudindo a cabeça face à
calma do mutante.
Dali a uma hora, Fellmer Lloyd se lançaria numa missão perigosíssima. Em vez de
preparar-se para a mesma, ficou tranqüilamente na cama, lendo, fumando e tomando um
conhaque de primeiríssima qualidade.
Fellmer Lloyd era baixo e de ombros largos. Afastou os cabelos escuros da testa,
sorriu e respondeu:
— Eu que gostaria de ter os seus nervos, capitão. Afinal, não é nenhuma brincadeira
ter de esgueirar-se constantemente diante das naves de Árcon e dos veículos espaciais
cilíndricos.
— Pelo tempo de bordo são 16 horas e 52 minutos, Lloyd...
— ...e o senhor acha que já está na hora de levantar-me, não é? — completou o
telepata com um sorriso. — Por quê? Posso entrar em ação a qualquer momento. Com os
mutantes acontece a mesma coisa que com a Lotus, Markus. Quem não está em
condições de entrar em ação quando isso se torna necessário, nunca mais precisa estar. Se
não fosse assim, a Lotus já teria se transformado numa nuvem de gases e, a esta hora, eu
não estaria respirando. Sente, capitão; ainda disponho de uma hora.
— Acontece que eu não disponho — disse Markus, esquivando-se. Nunca se sentira
muito à vontade perto dos mutantes que sabiam ler pensamentos. Por isso, usou o
pretexto da falta de tempo para encerrar sua visita ao camarote de Fellmer Lloyd.

***

O ponto em que a Lotus se mantinha em posição de espera ficava a dez anos-luz do


sistema de Heperés.
Às dezoito horas em ponto, tempo de bordo, a Gazela — uma nave de
reconhecimento de grande alcance em forma de disco, dotada de propulsores que lhe
permitiam desenvolver velocidade superior à da luz e garantiam um raio de ação de
quinhentos anos-luz — foi retirada do hangar da Lotus.
Sentado tranqüilamente numa poltrona, Fellmer Lloyd não se parecia preocupar nem
um pouco com o fato de que aquilo dizia respeito ao desempenho de sua missão.
A Gazela, um veículo de trinta e cinco metros de diâmetro e dezoito metros de
altura, aguardava junto à Lotus pelo sinal que liberaria sua partida. Naquele momento,
Cerl Sandford, piloto da nave de reconhecimento, prestava atenção exclusivamente ao
surgimento de determinada luz verde.
Durante três segundos, o cruzador Lotus ficou privado de todos os campos
protetores, inclusive daquele que o resguardava contra a localização. Foi quando a Gazela
disparou com uma aceleração equivalente a 3G em direção a um ponto luminoso, mais
precisamente, em direção ao sol Heperés.
No hangar da Lotus, havia outras naves do tipo Gazela. Porém o veículo de
reconhecimento que acabara de ser lançado ao espaço era o único que dispunha de
compensador estrutural.
Cerl Sandford, que recebera do cérebro positrônico todos os dados para o salto, fez
com que o pequeno computador positrônico de sua nave anunciasse o tempo X. Mais
uma vez, a voz metálica começou a “recitar” os segundos; mais uma vez, os setores
energéticos e de propulsão se tornaram bastante barulhentos. No momento X menos zero,
veio o salto para o irreal, durante o qual os corpos se desmaterializavam e, ainda dentro
desse tempo zero, tudo retornaria ao cosmos normal. Executando um salto que a levou de
uma distância de dez anos-luz até 8,2 milhões de quilômetros do sol Heperés, a Gazela
colocou-se “à porta” do sistema.
O compensador estrutural tornou impossível a constatação do tremendo abalo da
estrutura cósmica causada pelo hiper-salto. Este aparelho fazia com que as estações de
Volat não pudessem registrar a aproximação da Gazela.
Cerl Sandford, um jovem de vinte e três anos, era o elemento mais competente da
tripulação do capitão Jim Markus, sempre que se tratava de chegar a um planeta sem ser
percebido. Quando no desempenho de uma missão, era frio como gelo, e não precisava
de co-piloto. Regulou a tela de visão global para a ampliação máxima. A posição dos seis
planetas de Heperés estava gravada em seu cérebro. Durante as três horas seguintes,
ficaria em condições de recitar impecavelmente suas coordenadas. Estava familiarizado
com a configuração planetária de Volat. Além disso, conhecia perfeitamente o lugar em
que a Gazela de Ralph Sikeron se encontrava oculta sob uma abóbada energética.
A existência, a essa hora, da nave de reconhecimento de longo curso, não era apenas
uma especulação teórica. Depois que a Lotus pousou em Terrânia, o maior computador
positrônico realizou outra medição do ângulo de partida do sinal “três toques de sino”,
expedido por Ralph Sikeron. Constatou-se que o alarma fora irradiado de Kuklon. Dali se
concluía que a Gazela do superescuta Sikeron ainda devia existir, embora houvesse
pouquíssimas chances de encontrar o agente cósmico com vida.
A impassibilidade exibida por Fellmer Lloyd não era nenhuma máscara atrás da qual
se escondesse o nervosismo. Se o dom telepático lhe permitia ler os pensamentos das
outras pessoas, a outra faculdade que possuía, a da localização, constituía uma vantagem
ainda maior, que justificava plenamente que cultivasse essa impassibilidade. Absorvia os
modelos de vibrações cerebrais de outras pessoas, decifrava-os e podia dizer com
segurança quase absoluta quem vinha, a que vinha e de onde vinha.
Examinara Cerl Sandford e ficou satisfeito. Tinha certeza de que chegaria a Volat
sem ser localizado pelas estações arcônidas, e pousaria perto da Gazela de Ralph Sikeron,
na qual Cerl Sandford voltaria à Lotus.
A defesa solar do planeta Terra preparara todos os detalhes da tarefa de Fellmer
Lloyd. Nada foi deixado ao acaso. Tudo fora conferido. E a quantia com que o mutante
chegaria ao planeta reforçava o relevo que Rhodan atribuía a essa missão.
A Gazela percorreu os últimos trezentos mil quilômetros numa velocidade infernal,
muito embora não ultrapassasse a marca de 0,2 luz. Cerl Sandford usava apenas a terça
parte das energias de que a nave podia lançar mão. Assim não desfalcaria suas reservas
que tornavam superpotente o campo de proteção contra a localização. Tudo isso não
bastaria para que a Gazela pudesse chegar a Volat sem ser percebida, se Sandford não
utilizasse uma trilha de entrada bem delimitada. Nesta, havia uma faixa de menos de um
quilômetro que não era inteiramente coberta pelas estações de vigilância dos arcônidas e
dos mercadores galácticos.
A mesma rota fora utilizada para levar Ralph Sikeron ao planeta.
Finalmente a Gazela desceu como uma folha seca. Penetrou por uma abertura entre
as árvores gigantescas da mata virgem e, sob a proteção da semi-escuridão, ficou pousada
a poucos quilômetros da periferia da selva.
Cerl Sandford expediu uma minúscula sonda, que era uma verdadeira maravilha de
precisão e potência. Subiu ao espaço com um chiado. Era muito pequena para ser captada
pelos instrumentos de localização, suas dimensões eram tão exíguas que não poderia ser
vista na mais sensível das telas, e sua superfície continha pouco metal para refletir
quaisquer ondas. Mas a potência de seu microtransmissor era suficiente para, a uma
distância segura do planeta Volat, transmitir à Lotus, estacionada a dez anos-luz de
distância, o sinal de um pouso sem incidentes.
A seguir, Cerl Sandford colocou toda a aparelhagem na posição zero, levantou-se do
assento de piloto, despediu-se de Fellmer Lloyd com um aperto de mão e disse:
— A outra Gazela está a duzentos metros daqui, para a direita. Durante o pouso
consegui medir a posição da abóbada energética.
— Está bem — disse Lloyd. — É bom que me deseje muita sorte. Sinto que desta
vez realmente vou precisar.

***

Fellmer Lloyd aguardou o amanhecer antes de fazer qualquer coisa.


Depois de caminhar durante uma hora pela mata exuberante e fechada, que
ostentava uma flora estranha, atingiu o terreno livre.
Dali a duas horas viu-se numa estrada, da qual saiu apressadamente, pois dentro dos
limites do Grande Império não se poderia recorrer à desculpa clássica de veículo avariado
sem despertar suspeitas.
Fellmer Lloyd não se queixou quando ao meio-dia ainda não havia chegado à
pequena cidade de Esgun. Um pantanal obrigara-o a dar uma enorme volta, fazendo-o
empenhar-se em luta com um estranho monstro em forma de salamandra.
Seu primeiro encontro com um ser de Volat representou um confronto com o mais
perigoso dos répteis do planeta. E isso deu-lhe que pensar. Lembrava-se com freqüência
cada vez maior de Ralph Sikeron. Sabia perfeitamente que o superescuta era um homem
extremamente prudente e previdente. Ao que tudo indicava, já estava morto. E era muito
mais perigoso seguir as pegadas de um agente colocado fora de ação do que iniciar uma
tarefa.
O sol de Heperés transformou o planeta Volat numa sauna, que se tornava cada vez
mais quente à medida que se aproximava o meio-dia. Mas Lloyd não desanimou.
Caminhou resolutamente ao longo das samambaias de caules alongados e desviou-se de
um líquen avermelhado, que ao mais leve toque esguichava um ácido corrosivo, capaz de
afastar até os répteis em forma de salamandra.
Eram três horas, tempo local, quando chegou a Esgun, uma cidade pequena, onde
todas as pessoas se conheciam. Fellmer Lloyd ficou muito feliz ao notar que o trem de
radiações destinado a Kuklon partiria cinco minutos após sua chegada à estação da via
férrea expressa.
Um saltador aproximou-se dele, lançou-lhe um olhar de espreita e perguntou no
dialeto dos mercadores galácticos:
— Quando foi que choveu hoje? O senhor está todo molhado.
Fellmer Lloyd leu os pensamentos de seu interlocutor. Foi só em virtude do
treinamento rhodaniano que não estremeceu. O saltador não só se espantara com seu
aspecto exterior, mas estava realmente desconfiado.
Apesar de tudo, Lloyd conseguiu soltar uma risada. Apontou para seu corpo com um
gesto da mão.
— Chuva? — disse na linguagem inconfundível dos preboneanos. — Que chuva,
que nada. Isto é suor. E o pior é que foi em vão. Vi o besouro de dugerun uma única vez.
Depois o bicho me fez de idiota durante três horas. Quero que o diabo carregue tudo
quanto é besouro.
Um sorriso largo aflorou ao rosto do saltador quando este ouviu o que o preboneano
suado procurara caçar. Mas a desconfiança logo voltou a surgir, porque não viu em poder
de Lloyd o recipiente que carregam aqueles que andam atrás do besouro raro. Lloyd
adiantou-se à pergunta do saltador. Apontou para os sapatos sujos, em que ainda se viam
sinais de lama, e ficou praguejando contra os arredores inóspitos de Esgun.
Naquele momento, o trem de radiações pousou no trilho magnético. Com um ligeiro
cumprimento, o mutante deixou o saltador na plataforma. O mercador galáctico ainda se
encontrava no mesmo lugar quando o veículo se desprendeu do trilho magnético para
percorrer os últimos 230 quilômetros que o separavam de Kuklon.
Lloyd captou todos os detalhes da mente de seu interlocutor. O saltador ainda não
estava decidido sobre se devia avisar os setores de vigilância de Kuklon.
Enquanto em torno dele havia um burburinho formidável, o telepata e localizador
concentrou-se sobre o saltador. A distância crescia a cada segundo que passava. Porém,
isso em nada afetou a percepção nítida dos pensamentos do outro.
Subitamente Fellmer Lloyd recostou-se na poltrona.
A decisão acabara de ser tomada.
O saltador pôs-se a caminho a fim de entrar em contato com a administração
arcônida de Kuklon pelo rádio, chamando sua atenção sobre o prebonense que lhe parecia
tão suspeito.
“Isso está começando bem”, pensou o mutante bastante contrariado, lançando um
olhar indiferente para baixo, onde a paisagem se desenrolava como num filme sob o trem
que corria a toda velocidade.
Dali a dez minutos, viram os edifícios de Kuklon. O trem perdeu altitude e
velocidade e esgueirou-se entre os arranha-céus. Finalmente, pousou em sentido vertical
sobre o trilho magnético da estação.
Fellmer Lloyd encontrava-se junto à comporta, onde aguardava a abertura
automática da mesma. Notou três arcônidas que caminhavam pela plataforma. Seus
uniformes eram inconfundíveis. A mente do mutante não teve a menor dificuldade em
abranger os pensamentos daqueles homens altos. Logo percebeu a que vinham.
A porta abriu-se à sua frente. Lloyd deixou que três passageiros passassem à sua
frente. Mostrou-se muito gentil para com uma velha saltadora, que carregava três
volumes enormes.
Fellmer colocou um volume em cada ombro, caminhou meio recurvado ao lado da
senhora de idade, iniciando uma conversa. Os olhos dos três arcônidas passaram acima de
sua cabeça; estavam à procura de um prebonense de sapatos sujos.
Lloyd nem chegou a ouvir os agradecimentos da senhora.
Seu destino era a base de operações de Ralph Sikeron, situada no bairro galáctico de
Kuklon, na Praça Thator, cujo nome fora tirado da nave exploradora mais bem sucedida
dos arcônidas.
Não se interessou pelo tráfego intenso da metrópole.
Kuklon era um ponto de entroncamento do Grande Império e um centro de
operações dos mercadores galácticos. O mutante viu que se haviam fixado
definitivamente por ali. A melhor prova disso consistia nos edifícios majestosos que
traziam a denominação dos clãs que os haviam construído.
Tomou um veículo robotizado. À medida que este prosseguia em sua viagem por
Kuklon, aumentava o luxo dos edifícios de escritórios dos saltadores.
Subitamente a rua alargou-se. O autômato anunciou que havia chegado ao destino.
A Praça Thator era uma área circular de dois quilômetros de diâmetro, cercada de
prédios com mais de quinhentos metros de altura.
O lugar servia de ponto de encontro de todas as raças da Via Láctea. Lloyd viu seres
de que nunca ouvira falar. Alguns deles arrastavam-se dentro de trajes pressurizados.
Outros executavam um salto de dez metros a cada passo dado. Deviam vir de mundos em
que a gravitação era muito maior. Viu monstros que lhe causaram calafrios, mesmo sendo
um mutante bem treinado. Por outro lado, deparou-se com seres que se pareciam com os
cães bassê do planeta Terra. Apenas, esses bassês não possuíam pele, cauda ou focinho de
bassê. Porém o formato da cabeça e das orelhas assemelhava-se tanto ao dessa raça
canina que Lloyd teve de controlar-se para não os chamar com um assobio.
A base de operações de Ralph Sikeron fora instalada no edifício do clã de Uxlad.
Fellmer contemplou discretamente o edifício, atravessou a praça e procurou localizar uma
eventual fonte de perigo. A utilização de sua faculdade localizadora não produziu o
menor resultado.
A enorme porta de entrada revelava uma ostentação exagerada. O clã de Uxlad
mandara revestir os batentes, controlados por um dispositivo positrônico, com os metais
mais preciosos, mas nem por isso seu aspecto tornou-se mais acolhedor. Os letreiros das
firmas, apresentavam o mesmo feitio de ostentação da porta de entrada. Entre outros,
Fellmer Lloyd leu o seguinte:

GETLOX ASARGUD
TRANSPORTES

O nome Asargud era o disfarce usado pelo superescuta Ralph Sikeron, que instalara
sua base de operações no edifício comercial do clã de Uxlad.
Lloyd lançou um olhar para seu corpo. As vestes já estavam secas, mas nos sapatos
ainda havia sinais inconfundíveis de sujeira. Não estava disposto a arriscar o êxito de sua
missão devido a este detalhe ridículo. Resolveu adquirir vestimentas novas.
Dali a uma hora, viu-se novamente diante do edifício dos Uxlad. Desta vez,
envergava o traje elegante dos arcônidas. Procurou localizar uma eventual causa de
perigo. Não encontrou nenhuma e, atravessando o portal — um modelo de ostentação —
penetrou no hall de recepção.
Um robô aproximou-se rapidamente e perguntou o que desejava. A firma Getlox
Asargud ficava no 212o andar.
O elevador antigravitacional gastou poucos segundos para levá-lo ao pavimento
desejado. A intensidade do tráfego no respectivo poço era notável. Também ali estavam
reunidas todas as raças da Via Láctea, que pareciam negociar com o clã dos Uxlad.
Fellmer Lloyd atingiu o 212o pavimento sem ser molestado. Num andar acima,
ficava a área de pouso para táxis aéreos e naves espaciais de pequeno porte.
O corredor largo, pomposo como a entrada, irradiava tranqüilidade benfazeja. Mas o
mutante não se deixou impressionar pela beleza nem pela riqueza. Encontrava-se no
cumprimento de uma missão. Devia entrar em contato quanto antes com o agente Ralph
Sikeron, se é que este ainda estivesse vivo, a fim de esclarecer o sentido da mensagem de
alarma três toques de sino.
Não foi por acaso que a defesa solar do planeta Terra atribuíra a Fellmer Lloyd a
identidade de um prebonense. Aquela raça colonial, que há milênios era um membro fiel
do Grande Império, assemelhava-se pelo feitio do corpo à figura de Lloyd. Por várias
vezes, os mutantes de Rhodan tiveram de aprender por experiência própria que o aspecto
mais comum é o melhor disfarce.
Uma porta abriu-se a poucos metros do lugar em que Lloyd se encontrava. Uma
moça saiu para o corredor e lançou um olhar curioso para o mutante. Nem desconfiava
que este lia seus pensamentos como se fosse um livro aberto. Lloyd dirigiu um
cumprimento amável à moça e disse:
— Estou procurando a firma Asargud, que fica no 212o andar.
Mal acabou de pronunciar o nome que servia de disfarce a Ralph Sikeron, percebeu
que a moça saltadora passou a assumir uma atitude de reserva hostil. O rosto encantador
de feições mongolóides continuou amável, mas sua voz assumiu um tom nada gentil.
— Terceira porta à direita. Hoje o senhor já é a oitava pessoa que está à procura
dessa firma.
Os olhos escuros, que formavam um contraste maravilhoso com a pele avermelhada,
já não exprimiam a menor curiosidade. Com o gesto característico a qualquer moça que
repele alguém, virou-se bruscamente e foi andando em direção ao elevador
antigravitacional.
Fellmer Lloyd não a seguiu com os olhos. Os pensamentos da jovem saltadora
causaram-lhe certa preocupação: “Mais um espia arcônida!”
Para não chamar a atenção mais que o necessário, foi até a terceira porta da direita.
Conforme esperava, encontrou-a trancada. À sua vista bem treinada, não escapou o fato
de que a fechadura magnética fora forçada, embora com muita habilidade.
Desceu pelo elevador antigravitacional. Não esperara conseguir entrar em contato
com Sikeron na primeira tentativa. No entanto, o pensamento que passara pela cabeça da
bela jovem não lhe saía da mente: “Mais um espia arcônida!”
No hall de recepção, desviou-se de três indivíduos pertencentes à raça dos
superpesados. Conversando em voz alta, caminhavam em sua direção e com seu corpo de
setecentos e cinqüenta quilos poderiam dar-se ao luxo de esbarrar num humano de peso
normal. Naquele momento, seu dom de localização avisou-o de que estava sendo
observado.
O aspecto exterior de Fellmer Lloyd transmitia a impressão da apatia e da lentidão.
Mas naquele instante, a mente do mutante correspondia ao extremo oposto desse estado.
Com o rosto de um homem que reflete sobre um negócio, saiu do edifício Uxlad. Na
verdade, estava observando atentamente as imediações. Mantinha uma das mãos no
bolso, onde os dedos cingiam a arma de choques com a qual estava tão familiarizado.
Lentamente foi abrindo caminho entre a confusão de raças que continuava a
acotovelar-se na Praça Thator.
Seu sentido localizador continuava a emitir o sinal de alarma.
Não havia a menor dúvida. Estava sendo seguido por uma pessoa. Os dados
relativos à mesma foram captados de maneira pouco nítida e com fortes interferências.
Fellmer Lloyd nunca se deparara com um fenômeno igual.
Dois soldados da força espacial dos arcônidas encontravam-se na Praça Thator, na
qual se via, sobre um pedestal, uma reprodução artística da célebre nave espacial. Os dois
arcônidas altos e uniformizados fitavam o mutante de forma tão acintosa que Fellmer
Lloyd não poderia deixar de notá-los. Aproximou-se tranqüilamente dos dois homens.
— Desejam alguma coisa? — perguntou no dialeto dos prebonenses e lançou-lhes
um olhar de desafio. Antes que respondessem, Lloyd informou-se sobre os pensamentos
deles. Sentiu-se chocado pelo fato de que esses homens, que eram apenas soldados de
Árcon, haviam recebido ordens da administração de Kuklon para procurarem
determinado indivíduo.
E a pessoa que estava sendo procurada era ele mesmo!
No peito dos soldados, destacava-se o pequeno aparelho de radiocomunicação.
Fellmer Lloyd percebeu que a situação era muito mais perigosa do que supusera.
Onde estaria a outra pessoa, que o observara enquanto saía do edifício Uxlad?
O mais velho dos arcônidas respondeu com outra pergunta:
— Alguém falou com o senhor?
Enquanto falava, olhou para os sapatos de Lloyd.
O agente cósmico logo percebeu que a situação se modificara. Os pensamentos dos
arcônidas eram tão confusos que não permitiam qualquer interpretação precisa, com
exceção deste impulso: “Sapatos enlameados!”
— Não — rangeu a voz de Lloyd — ninguém falou comigo. Acontece que os
senhores me olharam de forma muito insolente — com as últimas palavras lançou uma
“ponte” para a idéia dos sapatos enlameados.
O soldado mais jovem logo pisou nessa “ponte”.
— A Administração mandou que prendêssemos um suspeito, caso o encontrássemos.
Trata-se de um homem de roupa suada e sapatos sujos. A estatura dele é igual à sua, mas
quanto ao mais...
Fellmer Lloyd começou a rir.
— O computador de Árcon está dominando vocês que é uma beleza! Até quando
estão na cidade, de férias, têm que dar serviço. Procurem não apodrecer nos pântanos de
Kuklon!
Despediu-se com um gesto amável e embrenhou-se na multidão.
Nem pensou em sair da Praça Thator. A busca misteriosa de sua pessoa, que dera
origem ao alarma mental, não combinava com o quadro. Embora o cérebro positrônico,
que governava o Grande Império há quase um século, tentasse constantemente despertar
os arcônidas entorpecidos, até então a máquina fria não conseguira registrar um único
êxito nessa tentativa. Assim, a suposição de Fellmer Lloyd, segundo a qual os mercadores
galácticos deviam estar atrás desse alarma, não tinha nada de absurdo.
Ao contornar a Praça Thator, voltou a passar à frente do edifício Uxlad. O edifício
portentoso atraía-o que nem um ímã. Subitamente estremeceu.
Localização! Um modelo de vibrações cerebrais foi captado com toda nitidez.
Mais uma vez, estava sendo observado. E mais uma vez, isso acontecia nas
proximidades do edifício Uxlad.
Lloyd não demorou em analisar o modelo de vibrações cerebrais.
Verificou a direção de onde vinha a emissão e não se surpreendeu ao constatar que o
ponto de partida ficava na entrada do edifício.
A entrada ostentosa dotada de comando positrônico estava aberta. Centenas de
saltadores saíam do edifício. Desciam apressadamente pela larga escadaria e perdiam-se
na multidão.
Subitamente Fellmer Lloyd pôs a mão na cabeça. Seus lábios moveram-se, e
disseram:
— A moça!
Ela o observava!
A jovem mercadora galáctica do 212 o andar estava de pé à esquerda da entrada e
olhava para ele.
Fellmer não deu a perceber que notara a atitude da moça. Com sua faculdade
telepática procurou captar os pensamentos dela. Ao descobrir neles um certo ritmo, que
lhe parecia familiar, não teve a menor dúvida de que ela o seguira desde o momento em
que saíra do edifício Uxlad.
E a moça pensava intensamente em Ralph Sikeron!
3

Fellmer Lloyd passou sua primeira noite em Volat no Hotel Plana. Dormiu um sono
profundo, que não foi perturbado por sonhos. Ao despertar, porém, sua mente ocupou-se
imediatamente com a moça alta e de rosto encantador. Os traços mongólicos e a pele
avermelhada não permitiam a menor dúvida quanto ao fato de que era filha de um
mercador galáctico.
A moça pensara ininterruptamente em Ralph Sikeron, enquanto observava Fellmer
Lloyd. Não chegou a estabelecer contato com ela. Fellmer Lloyd não gostava de agir
precipitadamente, mesmo num caso como este, em que Perry Rhodan lhe confiara a
tarefa de esclarecer o quanto antes qual era o perigo gravíssimo para a Terra existente em
Volat.
Fellmer Lloyd sorriu enquanto guardava seus “instrumentos de luta” junto ao corpo.
Nenhum deles faria supor a origem terrana. Todos os objetos, mesmo os mais
insignificantes, eram produtos genuínos da indústria prebonense, embora a construção de
três armas de modelos diferentes pudesse dar o que pensar aos arcônidas. Por certo,
teriam dificuldade em descobrir o canto da Galáxia cuja tecnologia produzira esses
artefatos.
Tomou café com a tranqüilidade do homem que está em paz com a consciência, deu
a indicação de que pretendia ficar com o aposento e caminhou em direção à Praça Thator.
Não poderia deixar de ir ao edifício Uxlad. Ele mesmo não saberia dizer o que o
atraía para lá. Seria a moça?
Mais uma vez, o elevador antigravitacional levou-o ao 212o andar. Enquanto subia,
resolveu dar ao menos uma olhada ligeira na área de pouso. Ali havia apenas uma nave
espacial rápida de pequenas dimensões.
Uma nave auxiliar cilíndrica dos saltadores chiava, vindo do sul.
Lloyd fez de conta que pertencia à tripulação da pequena nave pousada.
Encostou-se confortavelmente à coluna de apoio telescópica. A nave auxiliar
cilíndrica pousou a menos de vinte metros do lugar em que se encontrava.
Três saltadores apareceram. Ainda envergavam os trajes espaciais. Lançaram um
ligeiro olhar para Fellmer e caminharam em direção ao elevador antigravitacional.
Por uma questão de rotina, Lloyd controlou seus pensamentos. No mesmo instante
passou a ser exclusivamente o telepata. Os saltadores pertenciam à equipe de uma estação
de vigilância espacial. Vinham de lá e conversavam sobre a aproximação de um objeto —
não identificado — ocorrida duas noites atrás. O objeto não foi atingido pelos raios, nem
se tornou visível no instrumental ótico. O exame de rotina realizado pelo computador
positrônico chegara à conclusão de que uma nave espacial de dimensões reduzidíssimas
devia ter pousado em Volat.
Fellmer Lloyd não ficou nem um pouco satisfeito ao descobrir que o funcionamento
preciso do computador positrônico permitira calcular o local do pouso com uma diferença
não superior a vinte quilômetros.
E os três saltadores, que passaram por ele, ainda haviam sido informados de que
quinze dias atrás o mesmo fenômeno fora registrado.
Foi há quinze dias que Ralph Sikeron chegou a Volat.
“Que bela perspectiva!”, pensou Lloyd com um humor fúnebre. “Só falta uma
expedição arcônida de busca para que, hoje de noite, metade dos habitantes de Volat
esteja na minha pista.”
Não se entregou a quaisquer ilusões. Tinha plena certeza de que antes do anoitecer
Volat se encontraria em estado de alarma. Mas o que será que os três saltadores, que
afinal estavam a serviço de Árcon, vieram fazer no edifício comercial dos Uxlad?
Mais uma vez, captou os pensamentos deles, embora o elevador já os tivesse levado
ao 35o andar.
Falavam em chefes, em outros saltadores. Subitamente foi proferido o nome da
localidade de Esgun. Lloyd esperava conseguir informações mais detalhadas, mas
justamente nesse instante a palestra e o conglomerado mental dos três homens divergiram
para o quotidiano.
O pouso de um táxi aéreo surpreendeu-o. Só o chiado da manobra de aterrissagem
despertou-o da concentração telepática. E seu sentido localizador desencadeou o alarma:
era a moça.
Antes que ela descesse, captou-lhe o modelo de vibrações cerebrais e também o
conteúdo de seus pensamentos.
Estava chegando atrasada ao serviço. Por isso, tomara um táxi aéreo. Mas naquele
momento não pensava em seu trabalho, e sim em Ralph Sikeron; ou melhor, em Asargud.
Ao descer do táxi aéreo, fitou-o perplexa. Estava completamente indecisa. Pensava
nos espias de Árcon e comparou Asargud com o homem desconhecido que ontem vira
pela primeira vez no corredor.
Fellmer Lloyd saiu da sombra da pequena nave espacial e dirigiu seus passos ao
elevador antigravitacional. Lá não deixaria de encontrar-se com ela, e era o que a moça
queria. Acontece que não disse uma palavra enquanto desciam um andar, e ainda se
mantiveram em silêncio enquanto caminhavam pelo corredor.
— Asargud era seu conhecido? — disse, surpreendendo-a com a pergunta. — Ele e
eu somos de Prebon. Estou apenas de passagem. Amanhã deverei prosseguir viagem.
Sabe onde posso encontrar Asargud?
A moça voltou a sentir medo de que o homem que caminhava a seu lado fosse um
espião arcônida. Subitamente parecia andar com certo constrangimento. Lloyd sentiu
quase fisicamente a luta interior em que estava empenhada. Convenceu-se de que essa
moça deveria gostar muito de Ralph Sikeron, e que certamente se tornara uma espécie de
amiga do agente.
— Sou amigo de Asargud — insistiu Fellmer Lloyd. — Não sou igual aos outros
que ontem perguntaram por ele.
A moça não poderia deixar de compreender estas palavras. Virou abruptamente a
cabeça e seus olhos escuros e profundos fitaram Lloyd com uma expressão perscrutadora.

***

Ralph Sikeron, agente cósmico de Perry Rhodan, morrera em ação no planeta de


Volat. Foi assassinado e seu cadáver estava desaparecido.
Dali em diante, Fellmer Lloyd não precisaria esforçar-se para entrar em contato com
o superescuta. Ralph Sikeron já não existia.
Kuri Oneré, a jovem da raça dos mercadores galácticos, funcionária do clã de
Uxlad, não lhe pediu que guardasse segredo sobre o assassinato ou que vingasse a morte
de Ralph Sikeron. Apenas o fitou insistentemente com os olhos negros e aguardou sua
reação.
— Por que está fazendo isso por Asargud, Kuri? — perguntou Lloyd, embora seu
dom telepático já lhe houvesse revelado os pensamentos da moça.
Seus olhos iluminaram-se por um instante. Seus lábios empalideceram e um traço
duro surgiu em torno dos mesmos. A resposta foi imediata:
— Porque foi um homem decente, prebonense... Não foi nenhum tipo imundo que
nem os saltadores — seu rosto exprimiu um profundo desprezo.
— Kuri, a senhora também é... A moça fez uma pose orgulhosa.
— Sim. Pertenço à raça dos mercadores galácticos. Há oito anos nosso clã era rico e
poderoso. Meu pai possuía trinta e oito naves espaciais. Mas o poder do clã de Uxlad foi
crescendo e, por fim, ele nos tirou fraudulentamente o monopólio de sgokx. Em um ano,
meu pai ficou arruinado. Agora, tenho de ganhar meu pão com esse clã maldito.
Um ódio implacável surgiu em seus olhos, e pensamentos terríveis desenvolviam-se
na mente da bela moça. Kuri Oneré já perdera os pais e não tinha parentes vivos.
Provavelmente foi por isso que se ligou a Ralph Sikeron. Acontece que não sabia mais
nada além daquilo que contara a Lloyd.
Em tom discreto formulou outras perguntas, falou sobre a administração arcônida no
planeta e referiu-se ao fato de que no Império de Árcon as penas para o assassínio são
bastante rigorosas.
— Asargud nunca lhe disse que tinha inimigos, Kuri?
— Não, prebonense. Mas quando o vi pela última vez tive a impressão de que tinha
diante de mim um homem que acabara de descobrir uma coisa terrível. Estava muito
excitado, embora procurasse disfarçar. Mal teve tempo para trocar algumas palavras
comigo. Acho que já desconfiava de que morreria em breve. Na época não dei tanta
importância ao fato. Já quase me havia esquecido e nunca mais me lembraria se não me
tivesse encontrado com o senhor.
“O que foi mesmo que ele disse? — prosseguiu, indagando-se. Tentava recordar-se
do acontecido. — Pediu que mandasse seu amigo à mãe onisciente, se um belo dia
desaparecesse e não voltasse. Sim, foi exatamente isso que ele disse quando nos
encontramos pela última vez.”
— À mãe onisciente? — Fellmer Lloyd teve o cuidado de não rir.
A expressão só poderia designar uma pessoa residente em Volat. Ontem de noite
tivera a primeira oportunidade ver e observar alguns habitantes.
Os nativos desse mundo provinham de uma raça de insetos e, até que o planeta fosse
colonizado pelos arcônidas, levavam a vida tranqüilamente à sua maneira. Para qualquer
pessoa que não estivesse acostumada a lidar com as raças inumanas, os volatenses —
corpo feito de articulações finas, pernas de inseto, pele preto-marrom, às vezes revestida
por córneas, grandes olhos salientes e as antenas que encimavam estes — só poderiam
oferecer um aspecto grotesco. Apesar dos seus dois metros de altura não apenas pareciam
inofensivos e pacatos; realmente o eram. Além disso, eram inteligentes. O desprezo que
votavam aos arcônidas e aos saltadores não tinha sua origem no orgulho ferido. Fundava-
se na concepção de vida dos volatenses, segundo a qual o espiritual devia preencher a
vida, e os ritos mais estranhos tinham um lugar assinalado.
Fellmer Lloyd repetiu:
— Mãe onisciente? — Kuri Oneré confirmou com um gesto. — Não acho que os
hábitos incompreensíveis dos volatenses sejam ridículos. Asargud deve ter sido um
probonense formidável, pois conseguiu o que até hoje nenhum saltador pôde realizar:
estabeleceu contato com os volatenses na selva.
Naquele instante, um saltador saiu do elevador antigravitacional e entrou no
corredor. Fellmer Lloyd sentiu quase fisicamente o perigo que se aproximava dele junto
com o mercador galáctico. Não havia tempo para afastar-se.
O saltador maciço passou por eles e fitou-os com uma expressão curiosa. Ao
reconhecer Kuri Oneré sorriu e, enquanto passava, soltou uma piada pesada proferida no
dialeto dos saltadores.
Dali a dois passos parou, olhou atentamente para Fellmer Lloyd e perguntou em tom
de espreita:
— Está à procura da firma Asargud?
Fellmer Lloyd, um homem que parecia um tanto indolente, não demonstrou o menor
nervosismo. Com uma lentidão insolente, levantou a cabeça, olhou o mercador galáctico
com uma expressão fria e perguntou numa fala lenta, mas enfática:
— Será que o senhor tem sempre que dizer uma coisa engraçada a toda moça com
quem se encontra, saltador?
O mutante resolvera passar ao ataque. O caos mental do mercador era feito de
desconfiança — onde mais uma vez os chefes desempenhavam seu papel — de raiva e
atrevimento. Porém tudo era disforme e sem a necessária elaboração, provando que o
homem que Lloyd tinha diante de si era um sujeito tolo e arrogante.
O mercador, cuja altura excedia a de Fellmer em cerca de trinta centímetros,
aproximou-se em atitude ameaçadora:
— Como se atreve...
A bofetada vigorosa de Kuri Oneré fechou-lhe a boca. Ainda mais eficaz que o
castigo físico foi a ameaça de comunicar à Administração que ele a molestara.
O mercador recuou enquanto seus olhos chamejavam de raiva. Praguejou em voz
baixa e desapareceu atrás da segunda porta.
Seus pensamentos não eram nada bons. Parte deles se exprimia nesta observação de
Fellmer Lloyd:
— Acho que a senhora não precisa comparecer mais ao serviço. Este saltador é um
homem influente?
— Além de ser um membro do clã dos Uxlad, é o caçula mimado de Aser Uxlad. É
um sujeito malandro, incompetente e mulherengo.
— Esse homem tem mais de um chefe? — perguntou Lloyd.
Kuri respondeu prontamente:
— Aser Uxlad é o rei sem coroa de seu clã; não existe outro chefe.

***

Fellmer Lloyd sentiu a localização como se fosse um raio goniométrico.


Nascera com esta capacidade fenomenal e só no curso da vida adquirira o dom da
telepatia. A localização pertencia à sua natureza. Não precisava sair à sua procura: ela
vinha a ele, advertia-o ou informava, trazendo simultaneamente modelos das vibrações
cerebrais dos homens ou das outras inteligências que pretendessem entrar em contato
com intenções boas ou más.
Quatro saltadores subiam apressadamente pelo elevador antigravitacional, em
direção ao 212p andar.
O filho mais jovem de Aser Uxlad os chamara. Por vingança e em represália pelo
fato de que Kuri Oneré falara no corredor com um estranho como se fosse um velho
conhecido, resolvera desencadear essa ação. Por enquanto a intervenção dos saltadores
não seguia uma linha definida. Porém, quando saíram do elevador e só encontraram Kuri
Oneré no corredor, sem que houvesse o menor vestígio do preboneano desconhecido,
começaram a desconfiar.
Jidif, um saltador magro como um esqueleto, de olhar traiçoeiro, reagiu
imediatamente, enquanto seus acompanhantes procuravam exercer pressão contra a
moça. Usou seu intercomunicador de bolso para entrar em contato com a recepção. Lá
embaixo havia um sujeito de sua confiança. Este mandou que três robôs que distribuíam
informações se aproximassem e os reprogramou com alguns movimentos ligeiros,
criando três armas perigosíssimas para a vida de Fellmer Lloyd, das quais não haveria
como escapar.
No enorme edifício do clã dos Uxlad, havia um único elevador antigravitacional.
Esse centro neutralizador da gravidade, de mais de trinta metros de diâmetro, começava
no pavimento mais profundo do subsolo e terminava na cobertura, onde ficava o campo
de pouso. Nas horas de maior movimento, centenas de humanos e outras inteligências
subiam e desciam ininterruptamente pelo poço. Mas Fellmer Lloyd preferiu não utilizá-
lo. No momento em que comunicou à espantada Kuri Oneré que dali a pouco uma
matilha de saltadores se grudaria nos seus calcanhares, esta — sem dizer uma palavra —
lhe entregou uma chave magnética.
Não teve necessidade de ler seus pensamentos para descobrir qual era a porta à qual
a mesma se destinava.
Era a terceira à esquerda desse corredor, atrás da qual ficava a antiga base de
operações de Ralph Sikeron.
Desapareceu nesse recinto. Fechou a porta atrás de si e, com a calma peculiar de um
agente cósmico, examinou as quatro salas contíguas.
Ralph Sikeron disfarçara muito bem a base de operações, dando-lhe o aspecto de
uma firma que se dedicava aos transportes interestelares. Fellmer não mexeu em
nenhuma das gavetas. Nelas não encontraria as indicações de que precisava. Muitas vezes
os melhores esconderijos são os lugares que qualquer pessoa vê em primeiro lugar, e
onde costuma passar os olhos desatentamente.
Encontrava-se na segunda sala, ouviu o ruído na porta.
Seus perseguidores recorriam à força, na tentativa de penetrar ali. Numa série de
reflexões lógicas, Jidif chegara à conclusão de que o prebonense ainda devia estar no
212o andar.
Fellmer Lloyd, com seu aspecto indolente, não se perturbou. Usou seu sentido
localizador para analisar os quatro modelos de vibrações cerebrais. Seus olhos
procuravam qualquer indicação, por menor que fosse, que Ralph Sikeron porventura
tivesse deixado por escrito.
Os ruídos tornaram-se mais fortes na fechadura magnética, do outro lado da porta. A
mão esquerda de Lloyd segurava o projetor hipnótico. Regulara-o para a potência
máxima. Colocaria fora de ação os saltadores, assim que penetrassem ali. Kuri Oneré,
que evidentemente se encontraria entre eles, ficaria também submetida por algumas horas
aos efeitos da hipnose.
Lloyd virou para trás a página da agenda que tinha diante de si.

8 de julho...
23 mil dexresitica, enfeixado. S Suc
ção VI, vindo de Midg.
51.365 clodexal, 100%, vinda de Zalit
por derr-k 118, retransmitido por Klo
XXII para Orro. Supercrânio?

— Supercrânio?
Desta vez, Fellmer Lloyd estremeceu de modo visível.
Era a indicação que procurava instintivamente. No dia 8 de julho Ralph Sikeron
ainda estava vivo. E nesse dia devia ter feito a primeira descoberta importante. Mas o que
significaria a referência ao Supercrânio?
Fazia mais de meio século que o Supercrânio estava morto.
Ninguém mais falava no inimigo mais perigoso que Perry Rhodan já enfrentou.
Por que a terrível palavra Supercrânio estava escrita junto aos pousos figurados das
naves espaciais fretadas?
O que estaria pensando Ralph Sikeron ao registrar o nome de um morto?
Atrás dele, a fechadura magnética desmanchou-se sob o fogo do radiador de
impulsos térmicos, e a porta foi aberta em meio a uma nuvem de gases malcheirosos.
Num instante, Fellmer Lloyd voltou ao presente. Sua mão tranqüila dirigiu o
projetor hipnótico para a porta de entrada. Puxou o gatilho e espalhou os impulsos para a
direita e para a esquerda. No mesmo instante, seu sentido de localização trouxe os
modelos de vibrações dos cérebros hipnotizados.
Quatro saltadores receberam ordem para descer imediatamente e dizer ao seu
comparsa que o prebonense havia escapado num táxi aéreo.
Acontece que Fellmer Lloyd cometeu um erro pequenino.
Não deu a necessária atenção ao ângulo de abertura da arma.
Não foram apenas os quatro perseguidores e Kuri Oneré que ficaram sujeitos aos
efeitos hipnóticos do projetor, mas ainda três homens totalmente alheios aos
acontecimentos, que se encontravam do outro lado do corredor, inclinados sobre seu
trabalho. Em suas mentes não havia a menor disposição para a luta. Por isso, obedeceram
mais depressa aos impulsos do agente cósmico que os quatros saltadores, e chegaram ao
hall de recepção alguns segundos antes destes.
O mercador galáctico, que se encontrava na recepção, ficou pasmado quando um
saltador totalmente desconhecido compareceu à sua frente e relatou detalhes
surpreendentes sobre um prebonense que teria fugido pelo campo de pouso da cobertura.
E sua perplexidade cresceu quando Jidif, o magricela, apareceu sem espantar-se com a
presença do outro saltador.
No momento em que os acompanhantes de Jidif se propuseram a repetir o relato,
repetindo sempre as mesmas palavras, o saltador percebeu o que havia acontecido com
estes homens.
Moveu a mão em direção à chave de alarma; ao acionar a mesma, o edifício se
transformaria numa prisão. Mas, no último instante, lembrou-se de que a administração
arcônida ficaria sabendo do fato e mandaria instaurar uma investigação bastante rigorosa.
Praguejou baixinho e retirou a mão da chave.
4

Fellmer Lloyd realmente usou um táxi aéreo para sair do edifício comercial dos
opulentos saltadores, levando Kuri Oneré, que se encontrava sob influência hipnótica.
Uma palavra martelava constantemente seu pensamento: Supercrânio. Quanto mais
refletia sobre a mesma, maior era o poder que exercia em sua mente.
Supercrânio e três toques de sino!
Isso combinava. Há mais de meio século, quando o Supercrânio recorreu aos
mutantes iludidos para tirar o poder das mãos de Perry Rhodan, houvera três toques de
sino no planeta Terra. Naquele tempo, o planeta se encontrava à beira do abismo. Porém,
o Supercrânio estava morto, e, juntamente com ele, alguns dos seus homens haviam
encontrado a morte.
As idéias de Fellmer Lloyd descreviam círculos cada vez mais estreitos em torno de
uma organização secreta, cuja atuação era dirigida contra a Terra.
Será que alguns mercadores galácticos chegaram por acaso ao sistema solar e
reconheceram a Terra que, segundo acreditava o Império de Árcon, os saltadores e os
médicos galácticos, havia sido destruída?
Lembrou-se de que o rebento mais jovem dos Uxlad pensara em vários chefes.
Será que mais de um clã dos saltadores conhecia a posição da Terra? Será que os
mercadores galácticos preparavam um ataque de surpresa particular com suas frotas de
naves cilíndricas, ação que lhes poderia render bons dividendos?
Uma organização desse tipo representaria para a Terra e para os planos de Perry
Rhodan um risco tão grande como o que em tempos idos se corporificara na pessoa do
Supercrânio.
Sem desconfiar de nada, Fellmer Lloyd entrou no Hotel Plana, depois de ter deixado
Kuri Oneré em sua residência. Após dar três passos no hall de recepção, captou a
localização.
Em seu apartamento encontravam-se agentes da Administração de Árcon, que
aguardavam seu regresso para prendê-lo. No mesmo instante, viu junto à grossa coluna
outros agentes da Administração. Eram três saltadores.
Ainda não haviam notado sua presença, porque um grupo de turistas havia entrado
no hall juntamente com ele. Era impossível recuar. Lloyd enfiou-se discretamente entre a
multidão, que se dirigia ao robô recepcionista mais próximo. Face à sua estatura não era
difícil esconder-se entre pessoas mais altas que ele. Mas logo chegou o momento em que
o aglomerado, dividido em três grupos menores, foi encaminhado a três elevadores
antigravitacionais que os levariam aos seus aposentos.
Lloyd aproveitou os espaços livres entre os turistas para contemplar os saltadores
que se encontravam junto à coluna. Um deles levantou-se, esticou a cabeça e olhou na
direção de Lloyd. Este não precisou recorrer à telepatia para descobrir por que o saltador
mantinha a mão direita no bolso.
Naquele momento, o saltador que se encontrava de pé pensou no motivo pelo qual
estavam tão interessados em prender o prebonense.
“Fellmer Lloyd devia ser um assassino pertencente a esse povo.”
— Era só o que faltava! — disse a si mesmo.
Por outro lado, porém, sentiu-se bem mais tranqüilo, pois já compreendia a
atividade espantosa dos arcônidas.
Subitamente, um homem pertencente ao grupo de turistas zangou-se. Alguém o
agarrou com força e o empurrou em direção ao elevador antigravitacional.
— Seu...
O turista contrariado não conseguiu dizer mais nada. Fellmer Lloyd deu um disparo
silencioso com sua arma hipnótica e irradiou esta ordem:
— Todos para o elevador. Cinco vítimas obedeceram.
Mais um passo, e Fellmer Lloyd chegaria juntamente com os cinco turistas
hipnotizados ao poço do elevador, que representaria a salvação. Mas, naquele instante,
um dos saltadores que se encontravam junto à coluna fez a voz ressoar pelo gigantesco
hall:
— Aí está ele!
Antes do grito, Lloyd já havia captado o pensamento do saltador, e regulou sua
própria ação de acordo com a mente do mercador. Sabia que um robô recepcionista pode
ser transformado facilmente num robô de combate. Três dos turistas hipnotizados foram
arremessados para o lado. Um raio térmico foi expelido pela arma de Fellmer e, numa
fração de segundo, o cérebro positrônico do robô que se encontrava junto ao elevador
antigravitacional transformou-se numa nuvem de gases.
Enquanto os três turistas cambaleavam para o lado, Lloyd pôs-se a salvo com um
salto para dentro do poço do elevador. Naquele instante, não tinha mais nada de
indolente.
Os turistas bloquearam a visão dos três saltadores que saíram correndo. O radiador
térmico de Fellmer Lloyd desencadeou uma onda de pânico no hall. No lugar em que
pouco antes o caminho estivera livre para os saltadores, as pessoas se acotovelavam.
Fellmer Lloyd ganhou alguns preciosos segundos.
Subterrâneo número 3. Quarto pavimento. Quinto pavimento do subsolo.
Correu para a esquerda, contornou dois robôs de trabalho que não tomaram
conhecimento de sua presença e viu o elevador antigravitacional de carga. O fato de que a
utilização deste era proibida aos arcônidas, saltadores ou a qualquer ser inteligente não o
preocupou. Desceu mais quatro pavimentes. Encontrava-se no nono pavimento do
subsolo. Passou apressadamente pelo corredor vazio, mas bem iluminado.
A essa hora Lloyd estava disposto a enfrentar qualquer saltador, por mais valente
que fosse. Era só nas situações de perigo que o agente cósmico revelava suas qualidades.
Enquanto corria, procurou calcular suas chances. Tentou localizar a comporta
antigravitacional destinada ao lixo. Fez uma careta e balançou a cabeça.
Aproximou-se do poço. Sentia o mal-cheiro, apesar do forte campo de absorção de
odores.
O poço antigravitacional de detritos tinha a largura do corpo de um saltador normal.
Fellmer Lloyd era franzino mas, mesmo assim, preferiu certificar-se de que não estava
sendo seguido antes de abandonar o Hotel Plana por este caminho.
Viu o primeiro perseguidor sair do elevador antigravitacional, na extremidade
oposta do corredor.
Fellmer esquivou-se para o interior da comporta de detritos. Caiu num oceano de
odores infernais e teve de lutar contra a vontade de vomitar. Sentiu que a gravidade
controlada o levava suavemente para baixo.
Tirou a lanterna do bolso e acendeu-a por um instante. Mas, logo a seguir, deixou
que a escuridão voltasse a reinar. A uma velocidade de dois metros por segundo,
aproximava-se do sistema de eliminação de detritos de Kuklon.
Um borbulhar viscoso anunciou o fim da viagem. Agora teria que acender a
lanterna, pois do contrário morreria afogado nos detritos.
Subitamente o tubo desembocou num canal oval. Apoiando os joelhos e as costas
contra as paredes do tubo, Fellmer Lloyd olhou para baixo. Mais por instinto que por uma
reflexão racional, procurou imediatamente olhar para cima. Dirigiu a luz da lanterna para
o alto e viu uma massa enorme de imundícies descendo à velocidade de dois metros por
segundo.
Esse fato levou-o a agir depressa. A força antigravitacional que ainda existia no fim
do tubo ajudou-o a não cair diretamente dentro do mingau de imundícies. Conseguiu
aterrissar dois metros adiante, junto à parede do canal.
Afundou na sujeira até os joelhos. Não se incomodou com o fedor nauseante. Olhou
desesperadamente em ambas as direções, a fim de encontrar um sistema de cruzamentos.
A seu lado, um monte de imundícies desceu pelo tubo. Cobriu os olhos com o braço
e suspendeu a respiração por um instante. Porém um sorriso de satisfação cobriu-lhe o
rosto. Essa carga de sujeira vinda atrás dele garantiria melhor sua fuga.
Cuspindo e sentindo a areia ranger nos dentes, Fellmer Lloyd apressou-se em seguir
caminho.
Dali a meia hora, encontrou uma possibilidade de sair daquele submundo
malcheiroso. Entretanto teve de esperar durante várias horas embaixo de um tampão do
canal, até que pudesse sair à superfície sob a proteção da noite.
Estava todo sujo e fedia. Esgueirou-se pelo enorme bairro hoteleiro como se fosse
um ladrão.
Logo conseguiu sair das áreas mais nobres para mergulhar nas ruas menos
iluminadas de Kuklon. Ele mesmo não saberia dizer como fez para chegar a uma das
casas de banhos que ofereciam um equipamento sofisticado de limpeza.
Enquanto se entregava ao deleite de lavar as imundícies que cobriam sua pele, suas
vestes foram submetidas a um processo intensivo de limpeza na lavadora centrífuga.
Quando saiu da cabine com a pele vermelha e cheirando a perfumes agradáveis, suas
roupas o aguardavam no cesto.
No momento em que vestia a última peça, sua mente voltou a captar o sinal de
localização.
Naquele instante, dois espias arcônidas entravam na casa de banhos. Um funcionário
indicou-lhes a direção em que ficava a cabine de Lloyd.
Fellmer saiu da casa de banhos, usando a terceira porta, enquanto os dois espias
caminhavam em direção à sua cabine.

***

Recorrendo à técnica de mascaramento dos arcônidas, Fellmer Lloyd modificou seu


rosto de tal maneira que nem mesmo Perry Rhodan conseguiria reconhecê-lo à primeira
vista. Além disso, mudou de vestes; desta vez escolheu o tipo de macacão usado pelos
trabalhadores do porto.
Seu destino era o espaçoporto de Kuklon.
Não conseguia tirar da cabeça a lembrança do registro efetuado por Ralph Sikeron.
Na página reservada ao dia 8 de julho estava escrito o seguinte: “...retransmitido por Klo
XXII para Orro. Supercrânio?”
Pegou um táxi aéreo e foi ao espaçoporto. O imenso edifício da recepção estava
mergulhado na luminosidade das luzes artificiais. Grandes áreas do campo de pouso
também estavam tão profusamente iluminadas que até parecia dia. As naves esféricas
arcônidas pousavam e decolavam, mas eram as naves cilíndricas dos ricos clãs dos
saltadores que dominavam o quadro. Vez por outra, via-se uma de construção estranha.
As raças inteligentes que passavam por este lugar para entrar em Volat ou sair do planeta
ofereciam um quadro tão variado como o das naves.
Os mercadores galácticos haviam reservado para si a terça parte do edifício da
recepção e da administração. O setor destinado aos aras, os médicos galácticos, quase
nem chegava a chamar a atenção. A parte destinada aos arcônidas era de concepção
exclusivamente funcional, oferecendo um aspecto militar.
Foi para lá que Fellmer Lloyd se dirigiu. Uma arcônida de estatura alta transmitiu
suas perguntas. Examinou-o atentamente, enquanto ambos aguardavam as respostas que
seriam fornecidas pelo arquivo.
— O senhor também fala o arcônida, prebonense? — perguntou depois de algum
tempo.
Fellmer Lloyd apressou-se em absorver os pensamentos da moça, e o que conseguiu
ler não foi nada satisfatório. A arcônida não acreditava em sua descendência prebonense;
julgava se tratar de um treggl degenerado. Sobre esta raça pesava a suspeita de que com o
auxílio de certas inteligências desconhecidas da Galáxia conspirava contra Árcon.
Lloyd respondeu num arcônida impecável. Continuou a irradiar amabilidade e
fingiu-se de curioso.
O comportamento da moça mudou por completo assim que ouviu os sons de sua
língua materna. A habilidade com que Lloyd falava um arcônida sem qualquer sotaque
deixou-a surpresa.
— Há poucos dias falei com outro prebonense; ele me perguntou... Espere aí; o
senhor não acaba de perguntar também pela Klo XXII?
— Naturalmente. Estou esperando que o arquivo me forneça a resposta. Não se
espante com a coincidência, arcônida. Meu amigo, que também é prebonense,
desapareceu em Kuklon. O último registro encontrado por mim em sua agenda falava na
Klo XXII, que recebera carga para Orro.
— A Klo XXII existe, prebonense — disse a arcônida em tom pensativo. — Se não
me engano, ficou no porto por algumas horas há cerca de uma semana. Ah, já me
lembro... Sim, foi isso mesmo. Seu amigo recebeu as informações desejadas. Queria
saber quando a Klo XXII deveria chegar. Naquele momento, foi seguido por três
saltadores antipáticos. Mais tarde, correu por aqui o boato de que um homem foi
assassinado no caminho do espaçoporto para a cidade, mas que seu cadáver havia
desaparecido.
Só agora a arcônida percebeu que o boato sobre o assassínio poderia ter alguma
ligação com o encontro, que ela tivera cerca de uma semana atrás com o prebonense.
O localizador e telepata Lloyd, que num esforço de concentração lia os pensamentos
da arcônida, tranqüilizou-a com um olhar pensativo. Voltando a usar a língua dos
arcônidas, disse:
— A ligação que acaba de estabelecer não representa nenhum absurdo. Seria uma
impertinência perguntar como eram os três saltadores antipáticos?
Tinha uma ligeira esperança de que talvez a arcônida possuísse memória fotográfica,
que lhe permitisse lembrar-se para sempre das feições de um rosto ou de um objeto,
mesmo que apenas o visse rapidamente.
Um sorriso franco passou pelo rosto da moça.
— Um momento, prebonense — disse, e afastou-se.
O arquivo forneceu a resposta. A nave Klo XXII existia. Chegara ao porto no dia 8
de julho, vinda do sistema de Midg, carregara 51.365 peças de clodexal e, depois de uma
permanência de três horas, partira com destino ao planeta Orro. Antes disso, o
comandante da nave procurara em vão pelo agente.
Enquanto ainda estava surpreso pelo fato de o superescuta Ralph Sikeron ter
conseguido fechar negócios de transporte no espaço de poucos dias, pois os registros em
sua agenda não eram fictícios, Fellmer chegou à conclusão de que a palavra Supercrânio
não tinha nada a ver com os negócios, mas representava uma descoberta importantíssima
do mutante.
A bela arcônida, que se sentia feliz por conversar em sua língua com um ser
pertencente a uma raça estranha, logo voltou. A simpatia lhe fizera cometer uma infração
contra o regulamento de serviço dos arcônidas e a levou a revelar um segredo sobre a
estratégia de vigilância.
Todo e qualquer ser que procurasse um escritório de Árcon situado no espaçoporto
era fotografado discretamente.
— É este? — perguntou a moça a Fellmer Lloyd, apontando para a fotografia de
Ralph Sikeron.
Fellmer limitou-se a fazer um gesto afirmativo. A fotografia devia representar o
mutante desaparecido.
— Aqui, à direita, o senhor vê os três saltadores antipáticos. Conhece algum deles,
prebonense?
Fellmer Lloyd logo reconheceu um deles:
Era o mercador galáctico Jidif, o magricela!
Enquanto ainda se esforçava para dominar o nervosismo, sentiu de repente um vazio
estranho na cabeça.
“O que é isso?”, pensou, indagando-se. “Por que não capto nenhuma localização?”
Antes que reconhecesse plenamente o perigo do fenômeno, a sensação do vazio
desapareceu. Mas esse segundo bastou para convencer o agente cósmico de que em Volat
havia coisas movendo-se fora das trilhas da normalidade.
5

Com uma decepção visível, a arcônida gentil seguiu com os olhos o prebonense que
se afastava, e que mal chegara a agradecer pelo serviço prestado.
Fellmer Lloyd colocara-se no grau máximo de alarma.
Uma força estranha procurara apoderar-se de sua mente.
Já não estava sendo perseguido apenas pelos arcônidas e seus espias, que o
consideravam um prebonense assassino; não estava sendo procurado apenas pelos
mercadores galácticos, com os quais tivera um incidente no edifício comercial dos Uxlad;
ainda havia um ser dotado de capacidades telepáticas ou outras capacidades
supersensoriais que estendia a “mão” em sua direção.
Mais uma vez, a palavra Supercrânio martelou-lhe a cabeça.
Era isso que Ralph Sikeron queria dizer.
Era o poder supersensorial que agia em Volat. Foi só graças ao treinamento
rhodaniano que Fellmer Lloyd não fugiu em pânico para a Gazela, a fim de escapar do
planeta Volat.
Completara o raciocínio lógico sobre o problema da força supersensorial que agia
em Volat.
Tudo terminara no assassínio de seu colega Ralph Sikeron. Mas, antes disso, o poder
supersensorial extraíra de Ralph todo o saber de que o mesmo dispunha. E o que se
tornara conhecido em Volat não era apenas o fato de que a Terra ainda existia e de que
Perry Rhodan não havia perecido na Titan; também a posição galáctica do sistema solar
fora revelada.
Foi este o motivo dos três toques de sino!
E da alusão ao Supercrânio!
Ralph Sikeron devia ter previsto a morte, pois só assim se explicava que carregasse
um hipertransmissor de dimensões reduzidíssimas, no qual emitiu segundos antes de sua
morte o código de alarma.

***

Fellmer Lloyd fez uma visita à Gazela. Trocou parte de seu equipamento e, depois
dessas providências, penetrou na mata virgem.
Ralph Sikeron lhe dera uma indicação precisa através de Kuri Oneré. Deveria
procurar a mãe onisciente dos volatenses.
Estava à procura desse povo que descendia de uma raça de insetos, mas era dotado
de quociente intelectual bastante elevado.
O treinamento hipnótico lhe transmitira todas as informações úteis sobre os
volatenses. Sabia que não possuíam linguagem no sentido usual do termo.
Comunicavam-se por meio de vibrações de freqüência ultra-elevada, situadas muito
acima da marca dos 100 mil hertz, e que não eram perceptíveis nem pelos arcônidas nem
pelos humanos. Essas vibrações superiores a 100 mil hertz eram produzidas pelas antenas
dos volatenses, que não representavam apenas o órgão do tato, mas também o
instrumento da fala e o órgão auditivo.
O pequeno planador-relâmpago, que Fellmer Lloyd retirara do espaçoporto sem
consultar ninguém, fora afundado no pântano, a poucos quilômetros da periferia da selva.
Prosseguia penosamente a pé, avançando mata adentro. Uma das mãos segurava a terrível
arma térmica, enquanto na outra levava o radiador de choques.
Não se esquecera do encontro com o réptil em forma de salamandra.
Ao anoitecer, ainda não havia avançado trinta quilômetros mata adentro.
Volat era do tamanho de Marte.
O continente em que ficava a cidade de Kuklon tinha o quádruplo do tamanho da
Europa. Dois terços dessa área estavam cobertos pela mata virgem. Em algum lugar, no
interior dessa selva, ficavam as estranhas cidades dos volatenses e a sede da mãe
onisciente.
Fellmer Lloyd passou a noite numa série de cochilos, mantendo-se num estado que
não atrapalhava sua capacidade de reação. Por três vezes, acendeu o holofote portátil;
teve de repelir dois ataques de insetos noturnos que mediam um metro.
A sua primeira refeição consistiu em alguns tabletes de alimento energético
concentrado.
Assim que o dia clareou, o agente cósmico prosseguiu na sua caminhada.
Na primeira hora, percorreu cinco quilômetros. Depois a mata virgem transformou-
se numa selva de vegetação entrelaçada. Se não dispusesse do radiador de impulsos
térmicos, Fellmer Lloyd não teria avançado um quilômetro.
Com a mente preocupada, examinou o indicador de dispêndio de energia, mas o
minúsculo conversor embutido na coronha da arma era tão potente que o indicador
continuava no ponto máximo.
Um verme bloqueou seu caminho. Instantaneamente colocou o radiador em posição
de tiro. Mas viu a seta espetada no corpo do animal verde-escuro, que media três metros
de comprimento.
O verme, que se locomovia sobre trinta pares de tocos de perna, passou por ele,
soltando um chiado agudo.
Lloyd não se moveu. Examinou ligeiramente a seta e percebeu que era de feitio
estranho. Não conseguiu lembrar-se do lugar em que já teria visto coisa semelhante.
De repente, constatou a presença de modelos estranhos de vibrações cerebrais. Eram
os volatenses!
Acreditava que conseguiria vê-los. Virou a cabeça, mas só viu a penumbra da selva,
o solo escuro, e, vez por outra, um raio de sol que atravessava um espaço livre entre a
folhagem..
A selva mantinha-se num silêncio absoluto. Os volatenses que, segundo as
indicações de seu sentido de localização, deviam encontrar-se a cerca de trinta metros de
distância, não se moviam.
Lloyd procurou concentrar ainda mais intensamente seu sentido de localização.
Sabia que se achava em situação menos encorajadora que a do superescuta Sikeron. Este
era capaz de ouvir as ondas sonoras dos volatenses, situadas acima da escala dos 100 mil
hertz. O máximo que ele mesmo poderia fazer era analisá-las e procurar interpretá-las
com base nos modelos de vibrações captadas por sua mente.
Soltou uma praga.
Os volatenses retiravam-se para a selva, sem demonstrar o menor interesse de
estabelecer contato com ele.
Fellmer Lloyd, que até então só os localizara, esforçou-se para, numa ação
desesperada, estabelecer contato telepático com suas mentes. Sentiu-se perplexo, pois
descobriu que o pensamento dos volatenses se desenvolvia por “linhas” humanas.
Mas o contato com a população primitiva inteligente de Volat foi interrompido.
Desenvolvendo uma velocidade três vezes superior àquela com que ele mesmo conseguia
locomover-se, retiraram-se em silêncio, deixando para trás a caça abatida.
O grande verme, de aspecto repugnante, abatido por um ferrão venenoso em forma
de seta, encontrava-se poucos metros atrás de Fellmer Lloyd.

***

Dali a uma hora, uma agitação contínua tomou conta do ambiente acima da mata
virgem.
Sem a menor consideração por si mesmo, Fellmer Lloyd enfiou-se na toca
malcheirosa de um grande animal selvagem, onde encontrou um abrigo precário que o
protegia dos raios localizadores das naves de reconhecimento dos arcônidas.
Compreendeu o motivo por que a operação de busca desencadeada pela Administração de
Árcon, com auxílio dos saltadores, assumiu tamanha intensidade justamente nesse setor.
A aproximação da Gazela não fora registrada de modo direto nem constatada numa tela.
Mas certos desvios insignificantes, verificados no cérebro positrônico de vigilância,
fizeram com que um computador positrônico, que costumava conferir todos os valores,
chegasse à conclusão de que uma nave espacial de procedência desconhecida pousara em
Volat. O computador chegou mesmo a calcular o local de pouso com uma aproximação
razoável.
O chiado dos propulsores das naves arcônidas foi ouvido por Fellmer Lloyd. Só lhe
restava esperar que ele e sua Gazela não fossem descobertos. Enquanto isso, sua mente
voltou a ocupar-se com a força supersensorial.
Mais uma vez, a palavra Supercrânio caiu sobre ele como se fosse uma sombra.
Durante mais de três horas, uma atividade febril desenvolveu-se no espaço aéreo
desse setor do planeta Volat. Por seis vezes, o agente usou sua capacidade telepática para
atingir o conteúdo da mente dos tripulantes. A satisfação de Fellmer crescia cada vez
mais, pois além de ainda não terem descoberto sua Gazela, ninguém se lembrara da
possibilidade de ele mesmo encontrar-se na selva.
O fato constituía outra prova de que o dono do poder supersensorial não era um
elemento que trabalhava para a Administração de Árcon no planeta Volat. Enquanto se
mantinha imóvel na toca malcheirosa, rememorou o avanço em direção ao seu cérebro.
Não durara mais que uma fração de segundo; mas essa fração de segundo fora
suficiente para mostrar toda a extensão do perigo. Era um dos mutantes que, em virtude
de um processo de autodefesa biológica, reagia com uma sensação de vazio no cérebro
sempre que uma força estranha procurava penetrar em sua mente.
— Supercrânio, você não está morto? Será que um morto pode ter uma sombra? —
cochichou.
Esses cochichos reforçavam a idéia do agente cósmico sobre a gravidade do perigo.

***
Era o quarto amanhecer na selva. Fellmer Lloyd mastigou mais três tabletes de
alimento concentrado. E outra vez abriu caminho pela vegetação da mata tropical. Já
fizera observações sobre a flora.
A pequena clareira que acabava de atravessar era um jardim do inferno. Nele
encontrou samambaias. Pareciam inofensivas, e não desconfiara de nada. Para ele, as
folhas de um metro quadrado não passavam de folhas. Mas, no momento em que se
dispôs a passar furtivo ao lado das plantas, as folhas inflaram-se, formando bolhas,
giraram instantaneamente a face oposta à luz para seu lado e bombardearam-no com gás.
As outras samambaias que o rodeavam dobraram os caules da grossura de uma coxa
humana, formando uma muralha de folhas, e voltaram-lhe a face exposta à luz. Sem se
transformarem em bolhas, começaram a expelir uma massa pegajosa.
Foi só graças à sua reação instantânea, que Fellmer pôde continuar vivo. Logo ao
primeiro jato de gás prendeu a respiração; e, imediatamente, levantou o radiador de
impulsos térmicos e varreu a clareira.
Quando olhou-a pela última vez, compreendeu que, durante um ano, nenhuma
samambaia cresceria na torrente vitrificada que ia endurecendo aos poucos.
Depois de caminhar mais três passos, estacou.
Estava cercado de volatenses. Onde quer que houvesse um espaço livre em meio à
confusão de troncos e à vegetação rasteira, eles o fitavam com uma expressão hostil nos
olhos salientes. As antenas que encimavam os olhos, e que serviam simultaneamente
como órgãos de fala, tato e audição, mantinham-se numa agitação ininterrupta.
As cabeças de inseto dos volatenses mantinham-se imóveis, tal qual os “braços”,
que eram tão firmes que a menor carga fatalmente os quebraria. As pernas também não
eram muito mais desenvolvidas. O que mais lhe assustava eram os corpos superfinos e
alongados, coloridos de marrom e verde.
Lloyd absorveu uma torrente de vibrações cerebrais, acompanhadas da informação
de que os volatenses não poderiam ser localizados se não o quisessem. Mas os impulsos
mentais desses seres o atingiam com a força de um potente emissor de interferência, que
paralisava as comunicações mentais; e todos os impulsos eram hostis.
Queriam impedir que continuasse a avançar pela selva.
— Volte! — foi a mensagem que recebeu.
E essa mensagem que vinha de todos os lados era repetida ininterruptamente.
Levantou as mãos e espalmou os dedos, procurando mostrar que suas intenções
eram pacatas.
— Volte!
Fellmer Lloyd sacudiu a cabeça.
— Não; vou continuar — emitiu o pensamento concentrando-se ao máximo. —
Quero que vocês me levem à mãe onisciente.
— Volte!
Como se obedecessem a um comando, os volatenses se aproximaram. Cercaram-no.
O círculo fechou-se cada vez mais. Os olhos salientes tornaram-se ainda mais hostis.
Todos os volatenses levantaram a mão direita na qual seguravam uma zarabatana. Era
com ela que disparavam as setas envenenadas.
Então era esta a arma dos volatenses!
— Que diabo! — pensou Lloyd, bastante contrariado com o fracasso de sua
tentativa de entrar em contato com os volatenses. — Por que será que Ralph Sikeron
conseguiu estabelecer contato?
— Ralph Sikeron? — a pergunta, vinda de todos os lados, atingiu-o por via
telepática.
— Getlox Asargud — pensou Lloyd, acrescentando: — Ralph Sikeron é Getlox
Asargud.
O brilho hostil desapareceu dos olhos salientes, como se fosse a luz de holofotes
apagando-se. No mesmo instante, cessou a recepção deprimente dos impulsos vindos de
numerosos cérebros volatenses.
Lloyd esforçou-se com mais intensidade para explicar a esses seres que pertencia à
mesma espécie de Sikeron, que era confidente do mesmo, e que estava à procura da mãe
onisciente.
Agora já não tinha a menor dúvida. Toda vez que pensava na mãe onisciente, a
atitude dos volatenses mudava por completo. Moviam a cabeça num gesto humilde,
bastante humano, e inclinavam os corpos de inseto.
— Tenho de perguntar a minha mulher se podemos mostrar o caminho que leva à
mãe onisciente.
Fellmer Lloyd não riu quando captou este pensamento. Os volatenses encontravam-
se sob o regime do matriarcado. A rainha hereditária que regia os destinos desse povo
inofensivo e simpático era a mãe onisciente. Vivia na mata, num lugar retirado; nunca
teve a ambição de desenvolver uma tecnologia, mas em compensação dedicava-se ao
cultivo das ciências do espírito.
Fellmer Lloyd esperou dois dias até que os homens de Volat voltassem. Teve tempo
para avaliar o resultado de sua atuação. Não ficou muito satisfeito. Nem sequer estava em
condições para enviar uma mensagem de rádio à Lotus, que se mantinha em posição de
espera, pois ele ainda não sabia explicar o que Ralph Sikeron quis dizer quando registrou
a palavra Supercrânio em sua agenda.
Quem poderia ser o arcônida ou o mercador galáctico que possuía faculdades
supersensoriais, e por isso se transformara no inimigo mais perigoso de qualquer agente
cósmico?
Será que a mãe onisciente dos volatenses poderia desvendar o mistério?
6

O gigantesco platô de pedra, que se erguia para o céu em meio à planície coberta de
matas, tinha o formato de uma pirâmide achatada e estava rodeado de gigantescas
árvores.
Os volatenses do sexo masculino mostraram a Lloyd o caminho que levava à mãe
onisciente. A capital residencial desse povo ficava no centro do platô. Ali viviam sem que
ninguém os perturbasse, e não estavam sujeitos às influências da tecnologia que
predominava na parte do planeta colonizado pelos arcônidas.
Lloyd viu casinhas do tipo convencional. Viu construções em forma de casa de
marimbondo com abrigos difíceis de serem encontrados.
Os volatenses haviam perdido com a evolução aquilo que já fora uma de suas
características, isto é, a capacidade de deslocar-se pelo ar que nem insetos comuns. As
demais características foram conservadas.
A mulher reinava em tudo. O volatense do sexo masculino era apenas tolerado e não
exercia a menor influência na vida pública ou privada. Mas, de três em três anos, a
inquietação se apossava de todos os volatenses adultos, e então todas as diferenças se
apagavam. Todos eram iguais. Pela meia-noite a mata virgem transformava-se num
templo e, por um breve espaço de tempo, os ritos misteriosos modificavam toda a vida
daquela raça inteligente.
Fellmer Lloyd caminhava devagar em companhia dos volatenses.
O centro da cidade era formado por uma gigantesca praça na qual se via uma
construção em forma de favos, que sobressaía em meio às outras como se fosse um
monumento. A construção era esguia e tinha pouco menos de cinqüenta metros de altura;
mas, ao contrário das outras construções em forma de favo, apresentava uma
ornamentação maravilhosa, que despertou a admiração, de Lloyd.
Subitamente encontrou-se com as primeiras “mulheres” de Volat. Eram do mesmo
tamanho dos homens, mas apresentavam um aspecto mais delicado e gracioso; tinham
algo do charme feminino. Além disso, a cor da pele puxava mais para o marrom. O preto
só surgia nas saliências finas em forma de córnea. Suas antenas tinham quase o dobro do
comprimento das dos homens, e eram muito mais robustas; e seus impulsos mentais
chegavam a Lloyd com o dobro da intensidade.
Os cumprimentos foram ligeiros. Os homens volatenses, que tinham levado Lloyd
até ali, retiraram-se.
Caminhando no meio das mulheres, foi levado ao palácio da mãe onisciente.
A abertura inferior tinha uma altura que lhe permitia entrar pela mesma sem abaixar-
se. O interior era iluminado por velas de sebo. A primeira sala tinha o formato de favo. E
tudo que se encontrava no seu interior possuía o mesmo formato. Fellmer Lloyd tinha a
impressão de encontrar-se num enxame de abelhas operosas. A experiência tinha algo de
irreal. O corredor, que subia em forma de serpentina, provava praticamente que os
volatenses já não dominavam a arte do vôo.
Viu a mãe onisciente diante de si; e, antes que pudesse captar qualquer impulso
mental emitido pela mesma, percebeu que se encontrava diante de uma rainha.
Lloyd recuou instintivamente, e assustou-se com os pensamentos da rainha:
— Aproxime-se, forasteiro. Tal qual Sikeron, você traz na testa o sinal de quem já
viveu muito. Você é muito mais velho do que aparenta; é amigo de Sikeron.
Fellmer Lloyd sentiu-se estupefato.
Nunca ouvira isso de um estranho. E que sinal na testa era este a que aludira a mãe
onisciente? Como poderia ver que recebera no planeta Peregrino, juntamente com Ralph
Sikeron e outros mutantes, a ducha celular que evitava o envelhecimento por um prazo de
sessenta anos?
Pediu uma explicação, mas a mãe onisciente dos volatenses, de modo sábio e
humano, recusou-se a explicar.
Seu caráter majestático tornou-se mais intenso. Irradiava a inteligência, a calma e a
sabedoria proporcionadas pela idade. Aos olhos de Fellmer Lloyd, ia perdendo
progressivamente o aspecto de inseto. Os contatos mentais tornavam-se cada vez mais
intensos.
Estava sentada que nem ele.
Um trançado de fibras vegetais lhe servia de apoio. O enfeite da sala do trono
consistia de folhagens que nunca secavam. O favo em que ficava essa sala era muito
maior que qualquer outro.
Ninguém os perturbou, e a mãe onisciente não tinha pressa.
Não era uma soberana que comandava; era o pólo de estabilidade dos volatenses, o
ídolo sobrecarregado de trabalho e responsabilidades.
Lloyd não a apressou para que falasse em Ralph Sikeron. Ela mesma passou a este
tema.
— Esteve duas vezes nesta sala, Fellmer Lloyd. Da mesma forma que você, não quis
revelar o lugar de onde vinha. Não era nenhum prebonense, da mesma forma que você
não é. Ambos vêm das profundezas dos mundos estelares; pretendia voltar para lá.
Morreu aqui, embora também trouxesse na testa o signo da vida eterna. Vocês se parecem
bastante; no entanto, ele era diferente de você. Você nos entende de outra maneira, mas
nem por isso com menos perfeição. Acredito que um mundo que sirva de mãe a Ralph
Sikeron e a você só pode ser um mundo belo, da mesma forma que o mundo dos meus
volatenses é belo.
Fellmer sentiu-se emocionado ao captar os pensamentos da rainha. Deu-se conta de
que o fato de ter encontrado a rainha representava uma dádiva inesperada. A veneração
que sentia pelas raças estranhas tornou-se mais intensa. Depois de algum tempo, passou a
aludir à descoberta de Ralph Sikeron.
— Em Volat existem duas forças, formadas por mercadores galácticos ou arcônidas,
que vivem na escuridão e a partir da escuridão irradiam seu poder. Sikeron experimentou
essas forças e da primeira vez fugiu para cá. Pediu que eu lhe desse um conselho, mas
não lhe pude dar nenhum.
“Voltou pela segunda vez; fugira de novo. Ainda dessa vez arcônidas ou mercadores
galácticos o haviam localizado com suas forças supersensoriais. Ao voltar pela segunda
vez pediu permissão para deixar comigo uma notícia que indicaria o caminho ao seu
sucessor.”
— O que aconteceu, quando Ralph Sikeron voltou para Kuklon, mãe onisciente? —
perguntou Fellmer mentalmente.
— Sabia que estava caminhando para a morte. Devia saber em que consistia a força
supersensorial cuja presença nunca notamos no povo de Volat. Sabia que alguém o
esperava em Kuklon. Ao despedir-se, disse textualmente: “Desejo todas as felicidades
possíveis ao povo de Volat, e as mesmas felicidades desejo ao meu mundo!” Será que
alguém não estará à sua espera quando você voltar a Kuklon, Fellmer Lloyd?
Quando os homens de Volat o receberam na periferia da grande praça em cujo
centro ficava o favo governamental, Fellmer sentiu-se cheio de pressentimentos
sombrios.
Não levou mais de três dias para chegar à Gazela, que não fora localizada durante a
operação de busca desencadeada pelos arcônidas.
7

Kuri Oneré não se surpreendeu nem um pouco ao cumprimentar o prebonense em


sua residência. A bela moça pertencente à raça dos mercadores galácticos tinha novidades
interessantes para Lloyd.
De início, surpreendeu-o com a notícia de que o assassino prebonense, com o qual
Fellmer apresentava certa semelhança, fora preso há dois dias nas favelas de Kuklon e
transportado para Prebon. Depois ofereceu notícias menos agradáveis. No dia seguinte ao
do desaparecimento de Fellmer Lloyd, ela recebera a visita de Jidif.
Estacou em meio à conversa. Estupefata, fitou o prebonense, que parecia totalmente
alheio a tudo. Preferiu não perturbá-lo.
Oneré teve a impressão de que o prebonense olhava para dentro de si mesmo.
Lloyd pôs a mão no bolso. Novamente estava de vestes trocadas. Desta vez trajava
segundo a moda mais recente dos arcônidas. Os bolsos constituíam um espaçoso
“reservatório” para os dois radiadores um tanto maciços.
A Administração de Árcon no planeta de Volat não gostava que os habitantes do
planeta andassem pela cidade com radiadores térmicos. Penas rigorosas haviam sido
estabelecidas para o porte desse tipo de arma sem a necessária licença. Depois que o
gigantesco centro de computação positrônico com sua frieza assumira o governo, as
conseqüências do novo estado de coisas propagavam-se até a periferia do Grande
Império.
Subitamente Lloyd, apesar do seu aspecto indolente, saltou para trás da porta. No
mesmo instante, a mesma foi aberta violentamente. Antes que Kuri Oneré compreendesse
o que os três homens poderiam desejar em seu quarto, o prebonense acionou o gatilho da
arma de choques. Kuri viu que dois dos visitantes que não se haviam anunciado caíram
para dentro do quarto e tombaram. Ficaram totalmente imobilizados. O outro cambaleou
em direção oposta, vindo cair no pequeno hall.
O olhar de advertência de Lloyd obrigou a moça a não fazer o menor movimento.
“Perigo!”, berrou o sentido de localização de Lloyd.
A imobilização dos três saltadores ainda não representava o fim da operação.
Um quarto homem esperava do lado de fora, junto ao elevador antigravitacional.
Aguardava ansiosamente o sinal convencionado com seus comparsas. Acontece que
Lloyd não havia captado esse sinal. E não poderia extraí-lo dos cérebros dos saltadores
atingidos pelo choque, pois todos eles estavam com as funções cerebrais adormecidas.
— Por que não posso socorrê-lo?
Lloyd captou este pensamento na mente da moça.
Fellmer Lloyd acabara de descobrir que, além de ser corajosa, Kuri Oneré não
perdera a calma.
— Corra para fora e, nem que seja por um segundo, procure distrair o sujeito que
está esperando junto ao elevador. Saia gritando, mas não grite muito alto para não alarmar
todo o prédio.
Um sorriso fugaz passou pelo rosto de Lloyd ao ver que, enquanto se levantava de
um salto, Kuri Oneré passou a mão pela cabeleira para deixá-la desgrenhada. A seguir,
saiu do quarto, soltou o primeiro grito no hall — nem muito alto, nem muito baixo — e já
se encontrava no pequeno corredor que dava para o elevador antigravitacional.
— Quem pôs as mãos na moça? — foi este o pensamento mesclado de pavor e raiva
que passou pela mente do quarto homem. O indivíduo esperava junto ao elevador e saltou
em direção a Kuri Oneré, para tapar-lhe a boca. — Ela vai alertar todo o prédio.
Neste instante, Fellmer Lloyd saltou de trás da porta, saiu para o hall, passou por
cima do saltador estendido no chão e, mais uma vez, acionou o radiador de choques.
O troncudo mercador caiu aos pés de Kuri Oneré.
— Arraste-o para o elevador! — disse Lloyd à moça.
Abaixou-se e pegou o indivíduo, que estava no hall, e colocou-o sobre o ombro
como se fosse um saco vazio. Depois correu para o elevador antigravitacional e atirou-o
no poço.
A regulagem de gravidade, que imediatamente fluiu para cima, atingiu o corpo do
mercador galáctico, que desceu suavemente atrás daquele que a moça colocara no
elevador. O terceiro não demorou em acompanhá-los; quando Fellmer Lloyd pretendia
pegar o quarto, viu-lhe o rosto e soltou um assobio.
— Kuri! — disse, chamando a moça. — Tranque a porta!
Sentou o homem numa poltrona e teve o prazer de ver o rosto de Jidif.
— Logo este? — exclamou a moça em tom zangado, assim que reconheceu o
saltador. — Prebonense, o senhor já sabe que Jidif é o melhor amigo de Tirr, o filho mais
jovem do clã dos Uxlad?
— O.K. — a expressão escapou a Fellmer Lloyd.
Fez votos de que Kuri Oneré não tivesse dado maior atenção a essa palavra que
devia soar estranha aos seus ouvidos.
No entanto, apavorou-se ao ouvi-la exclamar:
— O.K.! Já ouvi esta palavra várias vezes da boca de Asargud. Qual é seu
significado, prebonense? O.K. não pertence ao vocabulário de Prebon.
— Deixemos isso para depois — respondeu Lloyd, esperando que Kuri se
esquecesse do fato.
Tirou dos seus grandes bolsos uma seringa superpressurizada. Tratava-se de produto
da tecnologia ferrônia. Era uma maravilha de precisão e versatilidade. Qualquer médico
galáctico daria um salto de alegria se ganhasse esse instrumento.
Com uma pressão de 10 atu, injetou a substância antichoques sob a pele de Jidif. O
efeito foi imediato. Apavorado e enfurecido fitou o prebonense, que se colocara à sua
frente numa postura confortável, sem dar o menor sinal de que era muito mais do que um
homem comum.
Lloyd leu na mente de Jidif.
Estava pensando nos chefes!
Pensava também nos dois arcônidas ou saltadores dotados de forças supersensoriais
e descobertos por Sikeron, que acabou assassinado.
Infelizmente os pensamentos de Jidif não proporcionaram uma imagem clara dos
chefes.
Procurou forçar. Mas, em vez de um modelo claro, só captou coisas confusas.
Subitamente a seqüência das idéias de Fellmer Lloyd se rompeu.
Uma lembrança interpôs-se entre as mesmas.
Lembrou-se do Supercrânio.
Naquela época, Perry Rhodan e seus mutantes tiveram de bater-se contra forças
misteriosas, enquanto a Terceira Potência sofria derrotas bastante desagradáveis. Fora
impossível, de início, ver o rosto do Supercrânio através dos mutantes aprisionados.
Em todos eles, havia um bloqueio hipnótico, mais forte que a própria vida.
Acontece que o Supercrânio morrera há mais de meio século, fugindo de Perry
Rhodan em direção ao espaço.
“Devo libertar-me da idéia do Supercrânio”, pensou Fellmer Lloyd. “A intenção de
Ralph Sikeron não deve ter sido precisamente esta, quando registrou o nome. Certamente
quis estabelecer uma comparação, lançar uma ponte, pois ainda desta vez o inimigo
trabalha com um bloqueio hipnótico. Jidif dispõe de um bloqueio sugestivo, que o
impede de trair seus chefes.”
— Dê o fora, saltador! — disse Lloyd. Esta atitude tomada pelo mutante foi
totalmente incompreensível para Kuri.
O magricela levantou-se sorrateiro. Seu rosto expressava idéias de vingança. O
agente cósmico não lhe deu maior atenção. Mais uma vez, segurou a arma de choques.
Não lhe restava outra chance senão utilizá-la imediatamente contra Jidif.
Ele e Kuri Oneré precisariam de algumas horas de completa liberdade de
movimentos, a fim de mergulhar no oceano de casas de Kuklon.
— Você ainda pagará por isso — disse Jidif em voz alta, enquanto dava o último
passo em direção ao elevador antigravitacional e Fellmer Lloyd apontava o radiador de
choques em sua direção. Mas em pensamento o saltador acrescentou mais algumas
palavras à ameaça que acabara de proferir: — ...seu maldito terrano!
“Terrano”, pensou Lloyd, “o mercador sabia que eu era terrano!”
No mesmo instante, Fellmer Lloyd apertou o gatilho.
Agora, sabia por que Ralph Sikeron transmitira a mensagem dos três toques de sino.
Dois mutantes arcônidas ou saltadores haviam descoberto, através de Ralph Sikeron,
a posição cósmica da Terra, e o identificaram como agente de Perry Rhodan.
Agora era sua vez de transmitir a mensagem de três toques de sino para a Terra.
O alarma geral seria desencadeado no planeta!
Kuklon resultara da fusão de três cidades, que na época da fundação distavam trinta
quilômetros uma da outra.

***

Kuklon possuía três centros repletos de curvas. Eram três labirintos sob a forma de
um sistema confuso de ruas.
Na periferia de Kuklon Psor, a antiga Psor City, Kuri Oneré e Fellmer Lloyd
abandonaram os meios de transporte, depois de terem trocado oito vezes de táxi aéreo, e
passaram a caminhar entre a confusão de raças estranhas.
As lojas enfileiravam-se uma ao lado da outra. Aqui podiam-se comprar todos os
tesouros da Galáxia. Tudo fora ajustado para o viajante que estivesse de passagem.
Subitamente, Fellmer Lloyd puxou a moça para o lado. Kuri Oneré não
compreendeu nada, mas não ofereceu resistência. Fugiram para o interior de uma loja
especializada, que trabalhava exclusivamente com frubikar, uma substância indestrutível
que durante a noite emite uma luz forte.
O proprietário da loja, um mercador galáctico, e as duas funcionárias, que viram os
dois entrarem precipitadamente na loja, pensaram tratar-se de assaltantes que
pretendessem roubar o dinheiro da caixa. Numa seqüência lógica, o saltador pensou no
sistema de alarma.
Através da mente do proprietário, Fellmer Lloyd descobriu o lugar onde ficava a
chave que ativava o campo protetor de radiações.
Foi mais rápido que o proprietário e acionou o contato.
Imediatamente um potente campo energético foi colocado diante da vitrine e da
porta. O pequeno conversor preso ao teto emitiu um zumbido suave.
Um disparo de arma de radiações contra o campo energético fez com que o
proprietário indignado se calasse.
A muralha energética era transparente. Via-se perfeitamente as pessoas fugirem em
desespero, enquanto três tiros disparados do lado oposto da rua atingiam o campo de
radiações atrás do qual Kuri Oneré e Fellmer Lloyd se encontravam.
— Por onde devo passar para chegar à entrada dos fundos? — gritou Lloyd ao
saltador que se dedicava à venda de frubikar.
O projetor hipnótico que trazia na mão reforçava a pergunta.
— Tenho que avisar a Administração...
— Deixe isso para depois! — disse Lloyd em tom ameaçador. — Vai responder
logo, ou será que terei de usar outros métodos?
Um chuvisco de fogo ofuscante, produzido pelo impacto de cinco radiadores
térmicos sobre o mesmo ponto, abalou o campo protetor e por pouco não o rompeu. O
pequeno conversor preso ao teto emitiu um uivo desagradável, porque não conseguia
absorver o impacto súbito de tamanha carga energética.
Os disparos foram dirigidos contra Fellmer.
A mais jovem das vendedoras saiu em carreira desabalada e soltou um grito
histérico:
— Sigam-me!
Lloyd e Kuri acompanharam-na de perto.
Os elevadores antigravitacionais ainda não haviam chegado aos prédios da velha
Kuklon Psor. Desceram por escadas gastas, atravessaram recintos habitados nos quais os
arcônidas e saltadores os fitavam com uma expressão de pavor, passaram por outra
escada e subitamente viram-se num beco pouco movimentado.
Kuri Oneré e o agente de Perry Rhodan correram até a esquina. Uma vez lá, Lloyd
pegou a mão de sua acompanhante e os dois passaram a caminhar entre a multidão que
nem dois turistas cósmicos que quisessem matar o tempo em Kuklon.
— No momento, não temos nada a recear — disse Fellmer, acreditando que com
estas palavras deixaria a moça mais tranqüila.
— Como sabe disso, prebonense? Como soube do ataque à minha residência e
diante da loja de frubikar? — perguntou a moça em tom exaltado e cheia de razão.
O prebonense começava a assustá-la. Será que sabia ler o futuro?
— Senti, Kuri — respondeu Fellmer. Não estava mentindo, mas para qualquer
arcônida ou mercador galáctico a resposta seria inacreditável.
— Como é possível que... — Kuri calou-se, assustada.
Mais uma vez, seu acompanhante assumiu um aspecto muito estranho e assustador!
Apenas, desta vez era diferente daquilo que vira em seu quarto.
Começava a transpirar! Estava ficando pálido. Seu rosto contorceu-se, e não deu
mais um único passo.
O que teria acontecido com ele?
Olhou em torno e estava prestes a pedir socorro, quando Fellmer Lloyd soltou um
gemido e recuperou seu aspecto normal.
Kuri Oneré era uma colaboradora sem par.
Sabia dominar a curiosidade e reprimir as perguntas que lhe ardiam na língua. Não o
incomodava com indagações. Esperava que o prebonense falasse espontaneamente.
Chegaram a uma pracinha. À esquerda deles, um táxi aéreo estava descarregando os
passageiros. Fellmer puxou Kuri e correram.
— Depressa!
Arrastou-a com tamanha violência que Kuri quase caiu. Saltaram para dentro do
táxi. A alavanca de aceleração passou da marca máxima. A antigravitação indômita fez o
táxi aéreo saltar; o ar aspirado produziu um uivo. E, quando Fellmer Lloyd moveu a
chave do propulsor com a mesma violência, atingiram a altura dos telhados.
Pouco abaixo deles, a cumeeira de uma casa fundiu-se sob a ação de um radiador
térmico.
Havia rechaçado o terceiro ataque desde que chegara à residência de Kuri. Enquanto
o táxi aéreo corria vertiginosamente acima das casas de Kuklon, Fellmer Lloyd
aguardava o quarto ataque.
Não poderia deixar de vir.
O inimigo tirou a máscara. Saíra do esconderijo e passara ao ataque direto.
Depois do golpe traiçoeiro na loja de frubikar, onde pretendiam dar cabo deles sob o
fogo de cinco radiadores térmicos, uma imensa energia hipnótica esforçou-se para
submeter sua mente a uma vontade estranha. Foi só graças ao processo de aprendizado
arcônida a que se submetera que não foi dominado.
Enquanto Fellmer Lloyd olhava atentamente em torno, supondo em cada táxi aéreo
a presença do inimigo, compreendeu por que Ralph Sikeron pôde ser assassinado.
— Também preciso transmitir a mensagem — disse o agente a meia voz, sem
incomodar-se com a presença de Kuri.
De qualquer maneira, a moça não demoraria em descobrir a verdadeira identidade
de Asargud. Apenas, não deveria saber que a base da qual haviam partido ficava na Terra.
A certa distância, surgiu o maior edifício da cidade, que abrigava a Administração
arcônida. O prédio servia de residência ao Administrador, o elemento mais poderoso dos
negócios de Volat.
Kuri Oneré fitou Lloyd com seus lindos olhos escuros. Não disse uma palavra.
Recuperou-se com uma rapidez espantosa do susto provocado pelos ataques sucessivos.
— Kuri, não seria preferível que se
afastasse de mim? Onde eu estou, está o perigo e... — Lloyd manteve-se em
silêncio.
“Perigo!”, gritou seu sentido de localização. “Perigo vindo da esquerda. Perigo
vindo de outro táxi.”
— Kuri, Jidif está atrás de nós de novo... — com isso, revelou espontaneamente o
segredo de sua faculdade. Olhando de soslaio, percebeu que a moça recebeu suas
palavras com certo alívio.
Depois da fuga precipitada, Fellmer Lloyd subira bastante com o táxi. Encontrava-se
numa altitude proibida para esse tipo de veículo, mas essa situação se revelaria vantajosa.
Desceu em pique, tomando a direção do campo de pouso da cobertura da
Administração de Árcon. Aproximava-se rapidamente do maior edifício de Kuklon. O
propulsor muito fraco gemia ao dar o máximo de sua potência. O ar represado fustigava o
táxi. O vácuo produzido atrás do veículo o fazia balançar. Fellmer Lloyd ficou com o
rosto impassível. Kuri mantinha-se muito séria, olhando vez por outra para os
perseguidores.
O veículo destes era mais veloz, embora não pudesse perder altitude. Kuri ia
informar Fellmer Lloyd a este respeito, quando o rosto do mutante se contorceu numa
horrível careta.
Mais uma vez, as forças hipnóticas tentavam subjugá-lo mentalmente.
Um arcônida ou saltador galáctico procurava detectá-lo, levantar um bloqueio em
seu cérebro e privá-lo de qualquer vontade própria.
O alvo avistado, o edifício da Administração de Árcon, desmanchou-se diante dos
olhos de Fellmer Lloyd. Este nem chegou a perceber que Kuri Oneré o empurrara para o
lado e assumira o comando do táxi. O motor havia sido muito forçado.
Sons inarticulados saíam da boca retorcida de Lloyd. Sua vontade reunia as últimas
reservas de energia para resistir às tremendas forças hipnóticas.
Outro impulso hipnótico chegou ao seu cérebro:
— Desista, Fellmer Lloyd!
Num gesto inconsciente, os pensamentos do agente cósmico gritaram por socorro. O
grito foi dirigido a Perry Rhodan.
Teria traído a existência de Rhodan, se a mesma já não tivesse sido revelada por
Ralph Sikeron.
— Desista, Lloyd! Rhodan nunca mais poderá ajudá-lo. Desista! — a torrente
hipnótica que se despejou em sua mente foi seguida por uma orgia de ódio.
Kuri Oneré percebeu que subitamente todas as resistências do prebonense pareciam
cessar. Não compreendia contra o que estava lutando, mas sentiu que um perigo mortal
ameaçava seu companheiro.
Agiu como mulher: impulsivamente.
O táxi que os perseguia já se aproximara a duzentos metros. Faltavam cerca de três
quilômetros para chegar ao edifício da Administração de Árcon.
Freou!
Foi atirada contra o painel pouco resistente do táxi aéreo assim que foram liberadas
as fortes energias da frenagem. Depois, ligou o propulsor para o vôo à ré. E imprimiu a
aceleração máxima à máquina. Uma luz vermelha acendeu-se no painel.
Tratava-se de uma tentativa de abalroamento realizada dois mil metros acima de
Kuklon.
O táxi, que vinha atrás, percebeu tarde que o veículo perseguido acabara de frear.
Executou um movimento cambaleante para escapar à colisão.
Alguma coisa estalou às costas de Kuri. Um tremendo abalo sacudiu seu táxi, que
desceu vertiginosamente em espiral. Neste momento, o outro táxi caía, fazendo com que
os propulsores uivassem.
A jovem executou alguns giros, parecendo que não conseguiria controlar o veículo.
De repente, um homem saltou para seu lado. Duas mãos seguraram-lhe os pulsos.
Sentiu-se empurrada. Fellmer Lloyd voltara a ser um prebonense. Com um rapidíssimo
movimento em sentido contrário, controlou
o movimento em espiral do táxi, conseguiu acertar o leme e retomou o curso
anterior.
— Obrigado, Kuri — disse, e logo acrescentou: — Não se entregue a quaisquer
esperanças. Essa gente não está caindo. Logo terão o táxi sob controle.
— Prebonense...
Lloyd interrompeu-a com um gesto.
— Depois explico. Jidif morreu! Foi neste instante. Não sinto mais nada dele — os
olhos escuros da moça fitaram-no com uma expressão de pavor.
Naquele instante, Kuri Oneré compreendeu que nem o homem a seu lado e nem
Asargud eram prebonenses.
Enquanto o suor continuava a correr sobre o rosto cansado de Fellmer Lloyd, o
agente dirigiu-se à moça e disse:
— Não sou prebonense, Kuri, e Asargud também não foi. Já compreende por que sei
ler pensamentos?
O serviço de vigilância aérea dos arcônidas, muito bem organizado, não deixou de
notar as manobras loucas dos táxis aéreos, realizadas nos céus de Kuklon. Três naves
policiais, inconfundíveis pelo formato, cercaram os fugitivos e obrigaram-nos a tomar a
direção do edifício da Administração de Árcon.
Fellmer Lloyd não fez nenhuma tentativa de fuga, embora não soubesse como
seriam as coisas depois do pouso no grande edifício.
— O radiador térmico! — lembrou Kuri Oneré.
Fellmer riu de suas preocupações. Pôs a mão num dos bolsos laterais e mostrou-lhe
o porte de arma. Tratava-se de um produto de primeira ordem, nascido nos laboratórios
da defesa solar.
Depois do pouso, também mostrou a licença ao orgulhoso arcônida, que pegou o
radiador térmico de Fellmer com os dedos compridos e o colocou junto com as outras
armas. Pegou a licença com um gesto de pouco caso. O arcônida arrogante nunca teria
esperado que Fellmer possuísse essa licença.
— Confira! — disse para o saltador que cochilava perto dele.
O arcônida e o saltador estavam pensando numa mensagem pelo hiper-rádio a ser
expedida para o planeta de Prebon, situado a 794 anos-luz de Árcon. Fellmer Lloyd, que
controlava os pensamentos dos dois homens, sabia que dali só sairia como prisioneiro se
qualquer erro, por mínimo que fosse, tivesse sido cometido pela defesa solar na
confecção da licença.
Kuri Oneré manteve-se de pé atrás do mutante. Não fora incluída na averiguação
pois, sendo uma moça, parecia insuspeita.
De repente, chegou uma mensagem vinda da cidade. Só o arcônida pôde ouvi-la.
Mas Fellmer Lloyd conseguiu inteirar-se da notícia através de seu dom telepático.
A polícia arcônida acabara de achar o outro táxi aéreo que participara da fuga.
Descobrira que embaixo da carroceria existia um mecanismo propulsor de potência
extraordinária e um conversor que fornecia energia para várias armas de radiações. Dos
ocupantes não foi encontrado o menor vestígio.
O arcônida lançou um olhar pensativo para o prebonense. A notícia que acabara de
ser recebida confirmava em muitos pontos as declarações do homem que fora detido em
caráter provisório.
Com um ligeiro nervosismo, Fellmer aguardava o resultado da mensagem de hiper-
rádio expedida com destino a Prebon. Teve que ter dez minutos de paciência. Quando o
saltador voltou ao gabinete com a licença na mão, já conhecia o resultado.
A defesa solar havia realizado um trabalho de precisão.
— A licença é legítima, venerando senhor — disse o mercador galáctico com um
olhar servil dirigido ao arcônida. Mas a desconfiança deste ainda continuava viva.
— Como foi que as autoridades de Prebon emitiram uma licença com validade para
Volat e...
O saltador interveio apressadamente:
— A licença traz o selo da Administração de Árcon em Prebon e foi registrada sob o
número 666.748/54 KR pelo computador regente de Árcon.
O arcônida submeteu-se a este argumento do saltador. Com um gesto de
contrariedade, empurrou as armas e a licença para Lloyd e resmungou:
— O senhor não escapará da multa legal pela violação das leis do espaço aéreo.
Dali a meia hora, Fellmer Lloyd foi condenado ao pagamento de elevada pena
pecuniária. O dinheiro que trazia quase não dera para o pagamento imediato da multa. A
quantia miserável que lhe restava não bastava sequer para alimentar o autômato do táxi
aéreo, mesmo para uma viagem brevíssima.
E Kuri Oneré esquecera de levar dinheiro por ocasião da fuga precipitada de sua
residência.
Lloyd lembrou-se da arcônida que encontrara no edifício do espaçoporto.
— Onde posso encontrar uma cabine de comunicação audiovisual? — perguntou,
dirigindo-se a Kuri.
Quando a jovem ia falar, o sentido de localização de Fellmer Lloyd voltou a dar o
alarma.
O inimigo tornava a atacar na área do supersensorial.
Alguém procurava apoderar-se dos pensamentos do agente cósmico. De um
momento para outro, Lloyd voltou a sentir o vazio alarmante no cérebro.
De qualquer maneira, suas energias mentais lhe possibilitavam a resistência até certo
ponto contra qualquer tipo de interferência telepática. Seu sentido de localização indicou
a direção do ataque. Captou o modelo de vibrações cerebrais, que estava recheado de
ódio.
Lloyd reuniu todas as energias e passou ao ataque. Enquanto isso, Kuri Oneré
examinava os arredores com os olhos chamejantes. Em cada ser vivo que aparecia,
acreditava ver um inimigo de seu acompanhante.
Fellmer Lloyd estava vencendo as resistências do inimigo com um choque telepático
concentrado. Porém um forte bloqueio hipnótico protegeu o cérebro do mesmo, fazendo
com que a energia expedida por Lloyd fosse dar no vazio.
Seus inimigos eram um hipno e um telepata. Seriam os chefes?
Naquele instante, a mente de Fellmer só conseguiu conceber uma única idéia: a
fuga. Sabia que não teria condições de resistir a outra investida hipnótica. Ainda sentia
por todo o corpo o ataque hipnótico desfechado contra sua vontade quando, juntamente
com Kuri Oneré, se dirigia no táxi aéreo ao edifício da Administração. Parte do cérebro
parecia ter sido destruída pelo fogo.
O amplo elevador antigravitacional levou-os ao campo de pouso da cobertura.
A ação seria inútil. Para um hipno, alguns quilômetros a mais ou a menos não
tinham a menor importância. E o inimigo encontrava-se no edifício da Administração,
apenas alguns andares abaixo do lugar em que estava Fellmer.
— Por enquanto, não está chegando nada — foi o cochicho que Kuri ouviu da boca
de seu companheiro que, apesar do perigo, irradiava uma calma enorme.
Só uma única vez Fellmer Lloyd agira de forma irresponsável no Exército de
Mutantes de Perry Rhodan. Depois disso nunca mais cometera um erro de proporções
mais graves. Naquela época, há mais de seis decênios, a leviandade com que agiu no
planeta Peregrino pôs em perigo a vida de Rhodan e de muitos dos seus companheiros.
Agora a vida de bilhões de seres humanos do planeta Terra dependia dele.
Chegaram à cobertura.
Fellmer Lloyd viu a nave policial de dois tripulantes à sua frente. O propulsor estava
na posição zero. A vinte metros dali, o piloto, um saltador, estava encostado em atitude
relaxada à coluna de apoio telescópica de uma nave ligeira e conversava com uma moça.
— Depressa! — disse Fellmer Lloyd, empurrando Kuri para dentro da nave policial.
Estava repetindo o procedimento que adotara ao entrar no táxi aéreo estacionado na
praça de Kuklon. Kuri sentou-se numa poltrona. Lloyd ocupou outra. A escotilha foi
fechada ruidosamente. As barreiras automáticas foram ativadas.
O piloto, encostado ao suporte da outra nave, ouviu o ruído, olhou para trás sem
desconfiar de nada e viu sua nave subir rapidamente ao céu.
Fellmer Lloyd não chegou a ouvir seu grito de alarma.
Colocou o projetor hipnótico na mão de Kuri Oneré.
— Se meu rosto voltar a desfigurar-se, aponte para mim e aperte o gatilho. Não faça
perguntas e não perca um segundo. É melhor apertar o gatilho o mais rápido possível.
Uma fração de segundo de atraso significa um erro fatal. Você sabe pilotar esta nave?
Kuri lançou um olhar apavorado para a arma hipnótica que segurava na mão.
A nave policial de dois ocupantes — um artefato de primeira ordem da tecnologia
arcônida — disparava com a aceleração de 3G em vôo horizontal acima dos telhados de
Volat, em direção à faixa de mata virgem.
Fellmer Lloyd examinou atentamente o espaço aéreo. Suas energias telepáticas
atingiram o primeiro telegrafista do edifício da Administração. O arcônida ainda não fora
informado do roubo da pequena nave policial.
O mutante fez três coisas ao mesmo tempo. Transmitiu ligeiras instruções a Kuri,
indicando-lhe o lugar para o qual deveria voar, caso um tiro da arma hipnótica o
colocasse fora de ação, e informando-a sobre a maneira de pilotar a nave; seus olhos
percorreram o céu, em busca de eventuais perseguidores; e sua capacidade telepática
controlava os conhecimentos da central de rádio da Administração de Árcon.
A nave policial já havia alcançado a velocidade máxima e se encontrava a cem
quilômetros de Kuklon, quando um tiro de radiações foi disparado de uma posição oculta,
a título de advertência e intimação para pousar.
Numa terrível curva vertical, Fellmer Lloyd fez com que a nave se aproximasse do
solo. Tentaria escapar quase ao nível do solo, pois sabia que um canhão arcônida de
radiações só pode disparar num ângulo mínimo de quinze graus.
Estava colocando a nave na horizontal, quando tremendas forças hipnóticas
procuraram apoderar-se de sua vontade. Retesou-se e soltou um gemido.
Sem pestanejar Kuri disparou contra ele. A arma hipnótica estava regulada na
potência máxima. O raio transformou-o temporariamente num boneco humano, que
possuía um corpo, mas não tinha espírito.
Com a arma no colo, Kuri assumiu o controle da nave. Era facílima de ser
manobrada, mas sua pilotagem exigia certa experiência. Acontece que, no caso de Kuri
Oneré, a vontade de lutar juntamente com seu companheiro contra o perigo invisível
compensou em parte a falta de experiência.
Numa manobra perigosa, fez a nave correr rente ao solo. O raio energético ofuscante
expelido pela posição de artilharia situada atrás deles não os atingiu. Formando um
ângulo de quinze graus, subiu ao céu e perdeu-se na luz do sol Heperés.
A faixa escura da mata surgiu a distância, mas ao mesmo tempo um ponto reluzente
anunciava a aproximação de uma nave vinda da direita.
Com o maior sangue-frio, Kuri Oneré deixou que o propulsor trabalhasse em regime
de superaquecimento. Bastaria que continuasse a funcionar por alguns segundos para que
atingissem o destino.
O campo de neutralização não conseguiu absorver todas as energias produzidas pela
manobra de frenagem. Kuri foi atirada contra o painel de instrumentos com uma força de
5 ou 6G, enquanto a nave passava por cima da mata. Naquele instante, o propulsor foi
atingido de raspão por um tiro disparado pela nave que os perseguia.
Antes que Kuri pudesse fazer qualquer coisa, a pequena nave bateu fortemente
contra a copa de uma enorme árvore. O molejo dos galhos e as energias do campo de
neutralização diminuíram a força do impacto. A nave girou em torno de seu eixo e
desprendeu-se dos galhos. Caiu e desapareceu sob as folhagens da mata de Volat.
Os geradores da nave continuavam em perfeitas condições, e o conversor ainda
funcionava. A jovem mulher da raça dos mercadores galácticos não deu a menor atenção
a estes pontos. Fez aquilo que Lloyd lhe mostrara e explicara.
Pouco antes de atingir o solo — depois da queda da árvore de setenta metros de
altura — ela havia comprimido a tecla do dispositivo antigravitacional, e a nave pousara
suavemente.
Fellmer Lloyd estava meio preso sob o painel de instrumentos. Kuri desvencilhou-o.
Não se esquecera da nave que os perseguia. Com uma das mãos, acionou o dispositivo
automático da escotilha, enquanto com a outra arrastava Lloyd para fora da nave.
Finalmente a cabeça do mutante de Perry Rhodan descansou nos ombros da jovem
mercadora galáctica. Depois escondeu o homem inconsciente no interior da mata.
Acima de suas cabeças, uma nave policial dos arcônidas descrevia círculos.
8

Um sorriso largo cobria o rosto de Fellmer Lloyd, que tinha todo motivo para estar
alegre. A Administração de Árcon estava furiosa. Ainda não tinha a menor idéia de quem
poderia ter usado a nave de dois lugares da força policial numa fuga para a selva. Até
mesmo o grande computador positrônico concluiu, com uma margem de erro de apenas
5,32 por cento, que o prebonense que pouco antes fora condenado a pagar uma elevada
pena pecuniária, logicamente não seria culpado de outra infração.
Kuri Oneré acreditava em tudo que ele dizia, embora da mesma forma que ela seu
acompanhante não tivesse estado em Kuklon.
— Tenho que “folhear” os pensamentos de um arcônida — disse ele.
A seguir, se colocou no estado que, segundo Kuri, era o de olhar para dentro.
Sorriu para ela sem dizer uma palavra. O sorriso transformou-se em admiração pela
moça.
Depois de algum tempo, perguntou:
— Por que os mercadores galácticos não são todos gente formidável como você? A
vida na Galáxia poderia ser tão bela e pacífica.
A moça sentiu-se embaraçada; procurou mudar de assunto.
— Será que os dois seres que atacam do invisível são mercadores galácticos?
Lloyd já não se encontrava sob os efeitos do tiro disparado pela arma hipnótica.
Fazia uma hora que os últimos efeitos colaterais haviam desaparecido. Hesitou antes de
responder, porque não sabia muito bem o que devia dizer.
— Provavelmente são, Kuri, mas também é possível que sejam arcônidas. Um deles
sabe fazer aquilo que você fez há pouco com a arma hipnótica. Sabe colocar qualquer
pessoa sob sua “mira” e privá-lo de vontade própria, impondo-lhe outra vontade. Os
efeitos da força hipnótica natural são mais intensos, menos nocivos à saúde e mais
prolongados que qualquer tiro da arma hipnótica, por mais potente que seja esta.
“O outro saltador ou arcônida procura ler meus pensamentos. Acontece que não é
muito competente na sua área de ação. Apesar disso, representa, juntamente com o hipno,
um perigo grave. Como devemos fazer para colocá-los fora de ação? Já lhe disse ser
altamente provável que foram eles os assassinos de Getlox Asargud?”

***

Quando na Terra faltavam poucos dias para que terminasse o mês de julho, o
exército particular de Fellmer Lloyd, a 4.342 anos-luz, no planeta Volat, estava pronto
para entrar em ação. Sem o auxílio do simpático povo de insetos, nem mesmo com os
imensos recursos monetários de que podia lançar mão, teria conseguido reunir um grupo
de mercenários que inspirasse a necessária confiança.
Embora os volatenses aparecessem raramente na cidade de Kuklon, dispunham de
excelentes relações. Fellmer Lloyd nunca descobriu como haviam conseguido; sempre
que perguntava, pediam-lhe que se dirigisse à mãe onisciente e deixavam entrever que a
rainha lhe dedicava toda a simpatia.
Por duas vezes Lloyd assumiu o risco de penetrar às escondidas na cidade de
Kuklon. Depois da primeira visita, que durara uma hora, Kuri Oneré voltara a fixar-se lá.
Conseguiu angariar os saltadores Ghal, Zintx, Oslag e Ulmin. Por dinheiro esses rapazes
arrancariam da cama Mans-rin, o administrador de Árcon, e o levariam à Praça Thator.
Três volatenses, que circulavam constantemente entre a capital de Volat e Kuklon,
conseguiram conquistar um ser do mundo de Haspro e três gigantes narigudos do sistema
de Gfirto para a causa de Fellmer Lloyd. Os gigantes narigudos provocavam risadinhas
até mesmo nos funcionários coloniais arcônidas, que estavam acostumados a ver as
coisas mais bizarras. Com os corpos cobertos de pêlos e os três braços e as três pernas,
aqueles seres transmitiam à primeira vista a impressão de serem idiotas e engraçados.
Acontece que eram negociantes espertos, que na capacidade de farejar os grandes
negócios não ficavam atrás dos saltadores. E ainda dispunham de imensa energia física e
de audácia proverbial.
Os seres do mundo de Haspro com sua cabeleira em forma de juba lembravam os
faunos da mitologia grega. Na verdade, eram calculistas geniais e costumavam ser
encontrados nos lugares onde um cérebro positrônico para ser instalado daria muita
despesa. Fellmer Lloyd descobriria por acaso que, além dessa qualidade, possuíam
memória fotográfica e nunca se esqueciam de algo que houvessem visto, mesmo de
relance.
Nem pensou em utilizar a residência de Kuri Oneré como “caixa de correio”. As
notícias relativas ao seu exército convergiam para a casa de O-Oftftu-O, o único
volatense que possuía uma casa situada entre a cidade de Kuklon e o espaçoporto.
Fellmer Lloyd preferiu não formular perguntas sobre a grafia correta do nome.
Abrira seu quartel na selva, oitenta quilômetros ao oeste do lugar em que pousara
com a Gazela. Até agora, o pequeno transmissor se mantiver a em silêncio. A outra
estação ficava na residência de O-Oftftu-O. Fazia uma hora que um volatense saíra de
junto do mutante, dirigindo-se à capital. O agente cósmico ainda estava interpretando as
notícias que acabara de receber, quando seu receptor emitiu um ligeiro sinal.
Fellmer lançou um olhar pensativo para o rádio, suspirou pesadamente e, nos
próximos quinze minutos, tomou todas as providências necessárias para remover todos os
vestígios de seu quartel na selva. O ligeiro sinal que acabara de receber significava que
sua presença em Kuklon era indispensável.
Assim que o sol Heperés desceu abaixo da linha do horizonte, pegou um modelo
Xun, um tanto antiquado, que fora arranjado pelo saltador Ulmin, e voou para Kuklon.
A ação decisiva contra os dois arcônidas ou saltadores — dos quais um era hipno e
outro, telepata — logo seria iniciada.

***

Em casa de O-Oftftu-O, encontrou os saltadores Ghal e Oslag, o ser do mundo de


Haspro e um dos gigantes narigudos. Examinou-os discretamente. Sabia que estavam
muito mais interessados em descobrir quem era ele do que em ficar grudados nos
calcanhares de Tirr, um rebento degenerado do clã dos Uxlad, a fim de descobrir onde
ficava a base dos dois chefes.
Nem mesmo Kuri Oneré sabia que o mundo de Fellmer Lloyd era a Terra, um
planeta que, segundo se dizia, fora transformado num sol há cerca de seis decênios, por
meio de uma operação combinada dos mercadores galácticos e dos superpesados. Na
verdade, esse destino ficou reservado a um planeta sem vida do sistema Beta.
Oslag tinha uma novidade importante.
— Vi os dois chefes — informou.
Seguiu-se uma descrição muito detalhada. Lloyd efetuou um controle rigoroso do
jovem, para verificar se o mesmo dizia a verdade. O saltador não estava mentindo.
Apesar disso, o mutante sacudiu a cabeça, num gesto de incredulidade. Pela descrição,
nenhum dos chefes poderia ser um saltador ou um arcônida. Oslag manteve-se irredutível
nas suas afirmativas.
O ser do mundo de Haspro interveio na palestra, dando provas de sua memória
fotográfica. Também havia visto os dois chefes.
Fellmer Lloyd não demonstrou a excitação que sentia no seu íntimo. Seus inimigos
não eram arcônidas nem mercadores galácticos, e isso fazia desmoronar a teoria que
elaborara.
De onde teriam vindo os dois chefes?
Os presentes aguardavam sua decisão; fitavam-no atentamente. Fellmer Lloyd não
seria um agente de Rhodan se não visse no ataque a melhor defesa. Mas queria que Kuri
Oneré estivesse perto dele quando fosse iniciada a operação dirigida contra o edifício
comercial dos saltadores, situado nas proximidades do espaçoporto. Não havia a menor
dúvida de que os chefes haviam escolhido esse edifício para montar sua base de
operações.
Já era quase meia-noite, Kuri Oneré chegou à residência de O-Oftftu-O. Os dois
saltadores, o gigante narigudo e o ser do mundo de Haspro ocupavam suas posições.
O tráfego metropolitano rugia pela via expressa que ligava o espaçoporto à cidade
de Kuklon, sem preocupar-se com o avançado da hora.
No gigantesco espaçoporto, o trampolim da Galáxia, que ficava além das muralhas
do Grande Império, assistia-se às idas e vindas incessantes de milhares de passageiros. As
gigantescas naves pousavam e decolavam sem cessar.
De ambos os lados da via expressa, erguiam-se os arranha-céus. Os edifícios não
eram tão altos e pomposos como os edifícios de escritórios que rodeavam a Praça Thator.
Mas também davam testemunho evidente da riqueza dos vários clãs dos saltadores cujos
serviços administrativos se desenvolviam no seu interior.
Os mercadores galácticos eram, por natureza, ciganos interestelares. Os membros
dos diversos clãs, cujo número por vezes chegava a mais de dez mil, habitavam, com
algumas poucas exceções, as naves cilíndricas, onde viviam e morriam.
Uma pequena minoria fixara-se em determinados lugares, mas nem por isso se
distanciava do clã. Os laços invisíveis, que ligavam os mercadores galácticos ciganos e os
sedentários, pareciam ter sido tecidos para toda a eternidade.
Essas idéias passaram pela cabeça de Lloyd quando mandou que o veículo parasse e
desceu em companhia de Kuri e do volatense O-Oftftu-O.
A cem metros dali, a luz colorida que envolvia a fachada do edifício de escritórios
dos saltadores lutava para romper as trevas da noite volatense.
Nesse edifício, encontravam-se os dois indivíduos — o hipno e o telepata — que
haviam assassinado Ralph Sikeron e que já haviam tentado por várias vezes eliminar o
próprio Fellmer Lloyd.
Lloyd pôs a mão no bolso e tirou um instrumento muito pequeno. Sem dizer uma
palavra entregou-o a Kuri Oneré. A outra mão apontou para o restaurante onde vários
milhares de seres das mais diversas raças comiam ou bebiam alguma coisa enquanto
esperavam a partida de suas naves.
— É aí que você vai esperar, Kuri. A única coisa que terá a fazer é prestar atenção
ao meu chamado. Ainda não sei qual será a mensagem que transmitirei. Leve isto
também.
Subitamente seus olhos piscaram. Recuou instintivamente, colocando-se junto à
pista.
Com um gesto hesitante, pegou a arma térmica.
— E isto, para qualquer eventualidade, Kuri...
Apenas seus olhos sorriam. Revelava mais um segredo, embora no fundo não lhe
transmitisse nenhuma novidade. A moça não perguntou se o porte de arma passaria pelo
crivo de uma verificação arcônida, caso tivesse de apresentá-lo para provar a legitimidade
da posse da arma térmica. Sabia que a licença, emitida em nome de Kuri Oneré, era
válida segundo os padrões arcônidas.
Guardou ambas as coisas. O estojo com o rádio já estava escondido junto ao seu
corpo.
— Se eu não voltar, Kuri... Posteriormente um amigo meu, ou vários amigos, virão a
Volat, à minha procura. Você não deixará de reconhecê-los. Quando isso acontecer, diga-
lhes o seguinte: “Três toques de sino e a sombra do Supercrânio.” Kuri, você é uma
pessoa formidável!
Foi a primeira vez que viu lágrimas nos olhos de uma pessoa pertencente à raça dos
mercadores galácticos.
Lançou um olhar pensativo atrás da moça. Viu-a correr através da via expressa,
aproveitando uma folga no tráfego, e entrar no restaurante, onde os garçãos robotizados
corriam incessantemente de um lado para outro, a fim de servir a alguns milhares de
viajantes.
O-Oftftu-O acompanhara tudo sem dizer uma palavra e “ouvira” a palestra através
das emanações telepáticas de Lloyd. Suas antenas tremiam de excitação. Subitamente
Fellmer Lloyd “ouviu” o habitante primitivo de Volat perguntar:
— Quem é você?
O agente cósmico respondeu sem ênfase, falando de coração:
— Sou um homem vindo de uma estrela desconhecida, que apenas deseja que os
homens de todos os mundos possam viver em paz.
Nem um homem do planeta Terra, nem um arcônida ou um saltador se contentaria
com essa resposta. Mas o volatense não formulou outras perguntas. Apenas disse:
— Quero comunicar-lhe que a mãe onisciente reza por sua felicidade.
Lloyd tinha passado pela escola de Rhodan, que durante decênios lutara pelo
sistema solar. E mesmo com o coração endurecido, não pôde evitar que a emoção
tomasse conta de sua alma.

***

Além de Fellmer Lloyd, mais vinte homens participavam da operação contra o


edifício comercial dos saltadores, situado na via expressa.
O agente dividiu seus homens em três grupos.
O saltador Ghal dirigiu o primeiro desses grupos, e Zintx o segundo. Cinco
elementos foram mantidos de reserva por Fellmer Lloyd.
No espaçoporto estava pousada a Dure V, uma nave cilíndrica em cujos gigantescos
compartimentos de carga estavam sendo colocados 43.600 couros de gech.
Há poucos minutos Dure-an, comandante dos saltadores, saíra do edifício comercial,
com pensamentos nada amistosos. Proferia pragas contra seu agente ganancioso, que não
só intermediara a carga que estava recebendo, mas ainda fez com que o comandante,
depois de várias horas de discussão, lhe prometesse quinze por cento do produto da
venda.
O saltador Dure-an lembrou-se do escritório luxuoso de seu agente. Colocou-se
contra todos os saltadores que se haviam fixado no solo, atribuindo-lhes o qualificativo
de demônios gananciosos. Naquele instante, Fellmer Lloyd retirou o controle mental do
mercador e saiu à procura do agente e de seu escritório.
Pelas indicações de Dure-an, devia ficar no 46o andar.
Mal Lloyd passou a concentrar-se neste ponto, uma série de modelos de vibrações
cerebrais passou por ele. Um desses lhe pareceu familiar. Voltou a fixar-se nele.
Naquele momento, teve a impressão de que o planeta Volat iria estourar. O modelo
de vibrações cerebrais lhe permitira reconhecer a pessoa.
Encontrara um ser humano; não se tratava de um arcônida ou de um mercador
galáctico.
O hipno era um homem do planeta Terra.
Tratava-se de Gregor Tropnow, um dos homens de Perry Rhodan!
Tropnow não percebeu a força que se apoderava de seus pensamentos. Estava
empenhado em atar o agente dos mercadores galácticos ainda mais firmemente à sua
pessoa, a fim de transformá-lo num instrumento passivo de seus desígnios. A mente de
Gregor Tropnow era dominada pelo ódio e pela ganância.
Fellmer Lloyd, que se encontrava 46 pavimentos abaixo dele, diante do imenso
edifício dos saltadores, sentiu-se congelado até a medula dos ossos.
O ódio do mutante dirigia-se contra Perry Rhodan.
Lloyd interrompeu a operação mental. Antes de mais nada, teria que dirigir um fato
monstruoso. A ameaça de descoberta do planeta Terra era causada por um ser nascido em
sua superfície.
— Supercrânio... — gemeu no tom de pessoa que acorda de um pesadelo, e enxugou
o suor da testa.
Gregor Tropnow era um hipno pertencente ao grupo do finado Supercrânio. Depois
da derrota deste, colocou-se à disposição de Perry Rhodan e da Terceira Potência. Apesar
das inúmeras operações de que participou como membro do Exército de Mutantes,
sempre continuou a ser um elemento sem autodomínio e indigno de qualquer confiança,
que não sabia controlar suas próprias forças.
E agora Tropnow se encontrava em Volat! Assassinara Sikeron, juntamente com o
outro. Quem seria o outro?
Enquanto os colaboradores de Fellmer Lloyd se espantavam pela falta de instruções,
este quebrou a cabeça para descobrir quem poderia ser o outro. Rememorava os detalhes
da descrição que lhe fora fornecida pelo ser do mundo de Haspro.
Ninguém viu que suas mãos se fechavam, transformando-se em punhos.
O sócio de Gregor Tropnow, o telepata, acabara de descobri-lo e procurou identificar
seus pensamentos. Mas, num tremendo esforço mental, Fellmer conseguiu erigir uma
barreira que protegia seus pensamentos. Naquele instante, sentiu a mão do volatense
pousada em seu ombro. A energia mental deste fluiu para sua pessoa. Sua resistência
cresceu, e logo chegou ao ponto em que pôde desenvolver sua força telepática.
Reconheceu Nomo Yatuhin!
O fato de que o segundo traidor também era um ser humano já não poderia abalá-lo.
A primeira coisa a fazer seria disfarçar a pista que Nomo Yatuhin acabara de descobrir.
Será que conseguiria repetir a façanha de colocar uma barreira diante dos seus
pensamentos? Será que o volatense lhe daria novas forças? Tratava-se de um fenômeno
que Lloyd nunca conseguiria explicar ou interpretar.
Lloyd tentou, mas logo suspendeu a operação dirigida contra o edifício de
escritórios.
Reconheceu instantaneamente que uma ação desencadeada nesse momento
significaria a morte para ele e para seus colaboradores. Antes, teve de constatar as
dimensões imensas da organização criada por Tropnow e Yatuhin e conseguiu conhecer-
lhe os objetivos.
Ainda bem que Gregor Tropnow, no 46 o andar do edifício, estava muito ocupado
com o tratamento hipnótico do agente, e havia dado ordem para que, em hipótese alguma,
fosse incomodado.
Dali a duas horas, quando Nomo Yatuhin, que tremia por todo o corpo, conseguiu
falar com Tropnow, e lhe relatou os dois contatos ligeiros que conseguira estabelecer com
Fellmer Lloyd, e que mais uma vez não haviam resultado em nada, o mutante hipno
soltou uma praga horrível.
9

Na manhã do dia seguinte, Gregor Tropnow não se sentiu preocupado por ter
Fellmer Lloyd aparecido de novo.
Deitado na poltrona em atitude indolente, lançava um olhar presunçoso para o
japonês Nomo Yatuhin, que andava de um lado para o outro. Apesar do caráter rebelde,
Yatuhin era um tipo bastante instável, que gostava de obedecer e precisava ser mandado,
desde que o sócio correspondesse à sua mentalidade.
Gregor Tropnow era um sócio que combinava com ele. Odiava Perry Rhodan pelo
mesmo motivo. Os dois deixaram de ser levados a Peregrino, o planeta da vida eterna,
onde poderiam receber a ducha celular, que suspendia qualquer tipo de envelhecimento
por um prazo ligeiramente superior a seis decênios.
O hipno Tropnow tinha 88 anos, e Yatuhin tinha um ano mais que ele, mas nenhum
dos dois aparentava essa idade, e nem se sentiam velhos. Certos medicamentos
biológicos, que já faziam parte da farmacologia terrana, haviam realizado esse milagre de
conservação da juventude, porém não conseguiam eliminar o processo lento de
envelhecimento no interior dos organismos. Já com a ducha celular, que só poderia ser
aplicada pelo Ser habitante do planeta Peregrino, nem mesmo o mais leve fenômeno de
envelhecimento se verificava dentro de seu prazo de validade. Um belo dia, os
preparados desenvolvidos pela medicina terrana falhariam uma vez que as células
envelhecidas deixariam de reagir aos mesmos.
Gregor Tropnow espreguiçou-se na poltrona e disse:
— Yatuhin, sente. Com essa mania de andar de um lado para outro, você deixará
desconfiado até mesmo um saltador imbecil. É preferível que faça um esforço e procure
localizar Lloyd. É muito mais duro na queda que Sikeron. Aposto que já nos farejou e...
Yatuhin lançou um olhar de pavor para o hipno. Um sorriso malévolo aflorou aos
lábios de Tropnow.
— Por duas vezes, Lloyd conseguiu escapar, graças a você. Nomo... — subitamente
inclinou-se para a frente e passou a falar aos cochichos: — Obrigarei Rhodan a conceder-
me a ducha celular, senão seu Império Solar será destruído. Mas só as estrelas poderão
dizer se você também receberá a ducha celular. Parece que você está se acovardando. O
que fará quando Rhodan estiver em nosso poder?
— Por enquanto nem conseguimos pôr a mão em Fellmer Lloyd — disse o japonês
em sua defesa, e com isso trouxe Tropnow de volta do reino dos castelos das nuvens para
o chão da realidade.
A observação não impressionou o hipno.
— Eu o agarrarei, e quando isso acontecer... Você não me vai dar cabo de Lloyd,
conforme fez com Sikeron. Yatuhin, será que ainda não compreendeu que só poderemos
contar com a cooperação dos saltadores por um tempo bastante limitado? Um belo dia, os
mercadores galácticos não mais se darão por satisfeitos com simples promessas. Farão
questão de saber onde fica o planeta cheio de tesouros. O que acontecerá quando
tivermos jogado fora o melhor trunfo que podemos lançar contra Rhodan? Será que você
não sabe pensar...
Nomo Yatuhin era um telepata. Embora fosse um rebelde muito covarde, não era
tolo como Gregor queria fazer crer. Sua voz fria interrompeu a fala do sócio:
— Tropnow, pare de brincar com a idéia de deixar-me de lado e trazer Fellmer
Lloyd para seu lado. Sabe perfeitamente que poderei desferir alguns golpes contra você.
— Maldito espia de pensamentos! — resmungou Gregor Tropnow entre assustado e
divertido. — De tanta discussão quase nos esquecemos que o rebento mais jovem de Aser
Uxlad deverá aparecer daqui a pouco. Tirr devia dar mais um pouco de atenção a Kuri
Oneré.
— Para isso, seria bom que o convencesse a parar com as gracinhas que costuma
dizer a tudo quanto é moça — disse Yatuhin com uma energia, surpreendente. — Se você
tivesse levado isso em consideração, durante o primeiro “tratamento”, não teríamos
fracassado com Kuri Oneré, e ela seria hoje a melhor chamariz para pegarmos Fellmer
Lloyd.
O hipno fez um gesto de recusa. Estava refletindo sobre outra coisa. Falando a meia
voz, disse:
— Deixe Lloyd por minha conta, Nomo. Apenas quero que descubra o que
significam na Terra as palavras três toques de sino. Preciso saber disso antes de dar início
à próxima fase de operações.

***

— Daqui em diante conseguirei; basta querer — disse Fellmer Lloyd, dirigindo-se a


Kuri Oneré.
Seus olhos brilhavam. Virou-se lentamente e fez um gesto de agradecimento em
direção a O-Oftftu-O. Devia agradecer a esse habitante primitivo do planeta de Volat por
ter encontrado o caminho, e por ter adquirido a capacidade de proteger seu cérebro contra
qualquer interferência estranha.
Na última noite, com auxílio do volatense, conseguira duas vezes. De cada uma das
duas vezes, O-Oftftu-O colocara sua mão de inseto sobre o ombro de Fellmer, e uma
energia invisível fluiu para o interior de sua personalidade.
Nas últimas três horas, Lloyd se esforçara para conseguir com suas próprias
energias, e agora já tinha certeza absoluta de que era capaz.
— Só se o hipno conseguir alcançar-me — disse.
A maneira de sacudir a cabeça esclarecia o resto.
Por isso, Kuri Oneré estava sentada à sua frente, com o projetor hipnótico na mão,
pronta para disparar a arma assim que o rosto de Lloyd se contorcesse.
O saltador Zintx chegou pelo meio-dia. Estava preocupado, mas de outro lado
começava a considerar como sua a missão do prebonense.
Começou a falar exaltadamente:
— O que vi no edifício de escritórios é realmente inacreditável! No elevador,
encontrei-me com Tirr Uxlad. É o filho mais jovem de Aser Uxlad, aquele que, segundo
dizem, não suporta as viagens de nave. Quem quiser que acredite nisso! Falo sobre Tirr,
porque estou perplexo em vê-lo nesse lugar, quando devia estar no edifício Uxlad, na
Praça Thator. Tirr nem reagiu às minhas palavras! Fiz meia-volta, alcancei-o no hall e
voltei a falar com ele. Sabem o que aconteceu? Não me reconheceu, e dali em diante eu o
segui.
Zintx prosseguiu no seu relato, fornecendo detalhes importantes e secundários.
Seguira Tirr Uxlad até o campo de pouso do espaçoporto, entrou atrás dele na Re IX e,
sem que ninguém tentasse impedi-lo, conseguiu chegar à sala de comando, cuja escotilha
estava aberta. Preferiu não ir mais longe, porque no Grande Império havia uma lei
segundo a qual nenhuma pessoa estranha devia entrar na sala de comando de uma nave
sem estar devidamente autorizada.
O relato de Zintx havia chegado a esse ponto, quando um pressentimento terrível
surgiu na mente de Lloyd. Enquanto este fez um esforço sobre-humano para controlar-se,
recorreu à sua capacidade telepática para investigar os pensamentos de Zintx.
O saltador não compreendia o que estava dizendo. As coordenadas que repetia
correspondiam a um ponto qualquer na Galáxia. Nem poderia saber que a posição por
elas designada correspondia ao setor da Via Láctea onde ficava o sistema solar.
— ...depois disso as coordenadas e os dados para o salto foram introduzidos na
memória do computador, prebonense. com isso, a visita de Tirr Uxlad à Re IX chegou ao
fim. Dei o fora antes que ele saísse da sala de comando. Os oficiais que se encontravam
presentes deviam considerar normal a atuação de Tirr, pois nenhum deles formulou
perguntas a este respeito.
Fellmer Lloyd deixou que Zintx prosseguisse na sua fala, mas não lhe deu atenção.
Defrontava-se com um problema dificílimo: devia chamar a Lotus pelo hiper-rádio,
para informá-la sobre a descoberta que acabara de fazer, ou seria preferível agir por conta
própria?
Não conseguiu chegar a qualquer decisão. Mas, quanto mais refletia, mais se
afastava da idéia de enviar uma mensagem de hiper-rádio à Lotus. Até mesmo uma
emissão concentrada envolvia o risco de ser captada pelas estações arcônidas de
vigilância, e com isso a busca da Gazela seria reiniciada. Conforme o caso, poderia
colocar em perigo a própria Lotus, que seria obrigada a bater em retirada.
Quando Zintx já se encontrava a caminho, a fim de fazer a visita planejada ao
edifício comercial dos saltadores, Lloyd compreendeu o que devia fazer.

***

Nomo Yatuhin, um japonês que era um telepata de caráter instável, suspendeu o


estado de concentração em que se encontrava.
Não estava mais em condições de localizar Fellmer Lloyd. Durante a busca
telepática sentia que o agente de Rhodan se achava nas proximidades, mas sempre que
pretendia atingir seus pensamentos, sua ação se perdia no vazio. Por algumas vezes,
percebeu mesmo que sua força telepática era desviada quando atingia o alvo.
Gregor Tropnow, que perseguia obstinadamente o objetivo de um dia exercer
chantagem contra Perry Rhodan a fim de obrigá-lo a conceder-lhe a ducha celular, lançou
um olhar furioso para seu comparsa.
O japonês vinha falhando por horas a fio. Mas o hipno, que até pouco tempo atrás,
embora a contragosto, se achava a serviço de Rhodan, sabia que o fracasso não era
devido exclusivamente à incompetência de Yatuhin. Só encontrava uma explicação:
Lloyd devia ter descoberto um meio natural ou artificial de proteger sua mente contra
qualquer tipo de interferência telepática. Afinal, por ocasião de seu último ataque a
Lloyd, ele mesmo não conseguira atingir o objetivo. Enquanto Lloyd fugia na nave
policial roubada, conseguiu atingir sua mente, mas logo perdeu-a, pois o tiro da arma
hipnótica, disparado por Kuri Oneré, colocara a vítima num estado de letargia.
Subitamente, percebeu o gesto de alarma de Nomo Yatuhin. O telepata lia os
pensamentos de alguém. Em seu rosto, havia uma expressão de espanto, que logo foi
substituída pelo susto e pelo pavor.
O hipno não se atrevia a perturbar seu sócio. Muito ansioso, observava as alterações
no rosto de Yatuhin.
— Estão no edifício! — cochichou Nomo. — Um saltador, seu nome é Zintx, está
falando com Killi. Formula perguntas a respeito de Tirr Uxlad e afirma tê-lo visto aqui. E
agora está indagando se Jidif esteve por aqui nos últimos dias. Enquanto pergunta, pensa:
“Ainda descobrirei as manhas de vocês. E não demorarei em saber o que andaram
fazendo com Tirr Uxlad.” Vejam! O idiota do Killi está dizendo a verdade. Informou que
Jidif caiu de um táxi aéreo e morreu.
No mesmo instante em que Nomo Yatuhin fez a indicação do local, permitindo que
Tropnow descobrisse onde e com quem se encontrava Zintx, um saltador que servia de
espia, ele o assumiu e, recorrendo às suas faculdades hipnóticas, impôs-lhe sua vontade.
Enquanto Zintx ainda falava com o funcionário Killi, um poder estranho subjugou
sua mente, e isso de forma tão suave e eficiente que Zintx continuava a acreditar que
estivesse agindo por sua livre vontade. Nem lhe passou pela cabeça a idéia de se ter
transformado no escravo de um hipno.
— Ainda bem que o senhor compreende — respondeu Killi em tom bonachão,
acreditando que a modificação observada em Zintx apenas fosse uma alteração normal de
sua opinião — que não lhe posso dizer mais nada, porque nada sei.
Zintx interrompeu-o com um gesto cordial. A essa hora não passava de um
instrumento de Gregor Tropnow.
— Vou subir alguns andares, Killi. Eles estão no edifício?
— Eles quem?
— Os chefes — respondeu Zintx com um sorriso ligeiro. — Saberei encontrar o
caminho sozinho. Até logo mais.
Saiu da sala de Killi, que o seguiu com os olhos, perplexo.
“Será que Zintx é um dos nossos?”, perguntou a si mesmo. “Engraçado! Por que a
conduta desse saltador foi tão agressiva de início?”
Gregor Tropnow fez um gesto para seu sócio, o telepata japonês. Parecia pensativo.
Zintx, um dos dezenove colaboradores de Fellmer Lloyd, saiu do escritório situado
no 46o andar, a fim de encontrar-se com Lloyd, na residência de O-Oftftu-O. A porta
fechou-se devagar atrás dele.
— E agora, Nomo? — com esta pergunta o hipno obrigou seu comparsa a
pronunciar-se sobre a situação.
— Encarregue-se de Lloyd — pediu Yatuhin.
— Você nunca vai tomar jeito — respondeu Tropnow em tom contrariado. — Ouviu
perfeitamente a ordem que dei a Zintx no momento em que saiu deste escritório. Viu que
lhe dei um radiador térmico bem bonitinho. Com esta arma “apagará” Lloyd. E sem o
homem de Rhodan, o grupo não valerá mais nada. Se apesar de tudo Fellmer continuar a
nos incomodar, darei uma dica à Administração.
Ria e esfregava as mãos.
— Não vai prevenir a Re IX? — perguntou Nomo Yatuhin muito surpreso. —
Devemos preveni-la, Gregor... Se alguma coisa não der certo, e Zintx não eliminar o
agente de Rhodan... Por que não procura impor sua vontade a Fellmer Lloyd? — o
nervosismo de Yatuhin refletia-se nas frases inacabadas. I
— A Re IX não será prevenida! — esbravejou Gregor. — Será que você precisa
mesmo de uma explicação detalhada de cada passo que vamos dar, Nomo? Se eu prevenir
a Re IX, Re-gans e seus oficiais se lembrarão das coordenadas e dos dados relativos ao
salto, que foram introduzidos no computador por intermédio de Tirr Uxlad. Nesse caso,
correremos o risco de que Re-gans possa descobrir o segredo da localização da Terra. E
por falar na Terra, você ainda me deve uma resposta. Como é que Jidif ficou sabendo que
você e eu somos terranos? Como é que ficou sabendo que Fellmer Lloyd não é nenhum
prebonense, mas também é um terrano? A qual dos membros da gananciosa raça dos
saltadores, além de Jidif, você dedicou sua perigosíssima confiança?
Procurando proteger-se diante do olhar implacável de Gregor Tropnow, Yatuhin
tentou atingir a mente do mesmo. Naquele momento, o hipno estava disposto a
transformar seu comparsa numa criatura passiva, que se guiaria exclusivamente pelas
ordens que lhe fossem sugestionadas.
— Então? — disse Gregor em tom ameaçador, aproximando-se de Nomo.
Este respondeu conforme a verdade:
— Só contei a Jidif, naquela noite em que todo mundo estava bêbedo —
subitamente uma suspeita surgiu em sua mente. — Jidif caiu do táxi aéreo por causa dos
balanços que o mesmo estava dando?
— Não foi atirado para fora por causa do balanço — confessou o hipno em tom frio.
— Jidif “saiu” espontaneamente.
Disse estas palavras com um sorriso hipócrita, revelando que o mercador galáctico
Jidif fora vitimado pelas suas forças hipnóticas.
— Com a mesma tranqüilidade que Jidif demonstrou ao descer do táxi aéreo a mais
de dois mil metros de altura, Zintx daqui a pouco apontará a arma térmica para Lloyd e
puxará o gatilho.
Gregor era um homem que gostava de atingir os objetivos a que se propunha,
custasse o que custasse. Com a energia de sempre, conseguia arrebatar o japonês. Nomo
era um elemento rebelde, mas seu maior erro consistia na facilidade com que se deixava
influenciar. Por isso, o hipno conseguiu dele tudo o que queria, e não teve a menor
dificuldade em convencê-lo a abandonar o Exército de Mutantes de Rhodan. Saíram às
escondidas de Gefir, um dos planetas do Grande Império situado a 3.759 anos-luz da
Terra, a fim de montar sua organização secreta no seio de um poderoso clã dos saltadores.
Uma tarefa que, em condições normais, representaria um problema dificílimo
transformou-se num empreendimento simples, graças à energia hipnótica de Tropnow.
Uma vez que, além do mais, o traidor fornecia aos saltadores indicações precisas sobre
um mundo desconhecido e altamente industrializado, fazendo-as acompanhar da proposta
tentadora de, num ataque concentrado, apoderar-se de riquezas incalculáveis.
Era bem verdade que nem Gregor Tropnow nem Nomo Yatuhin pretendiam entregar
a Terra aos saltadores. Toda a operação visava a um objetivo bem definido: obrigar
Rhodan a proporcionar-lhes a ducha celular que prolongaria suas vidas. Não queriam
compreender que essa ducha lhes fora recusada porque não souberam dominar os defeitos
graves de seu caráter.
O telepata voltou a concentrar-se. Reencontrara Zintx e lia seus pensamentos, que se
achavam sob a influência da sugestão. Além disso, seguia o caminho do saltador.
— Acaba de chegar ao edifício em que reside o volatense — informou em tom de
cochicho. —Agora está subindo pelo elevador antigravitacional. Acaba de entrar no
apartamento. O volatense abriu a porta. Zintx está vendo Fellmer Lloyd...
Naquele instante, um mercador galáctico, um sujeito ainda jovem e um verdadeiro
gigante, entrou precipitadamente na sala em que se encontravam os dois traidores e
arrancou o telepata do seu estado de concentração.
— Fora! — berrou o hipno.
O homem, que se sentiu insultado sem motivo, foi dominado pela raiva. Proferiu a
resposta em tom violento e aos gritos:
— Lá embaixo, na recepção, elementos estranhos já colocaram fora de ação cinco
dos nossos homens!
Com estas palavras o jovem retirou-se, batendo a porta.
Os dois mutantes rebeldes não eram grandes estrategistas. Seus atos obedeciam à
inspiração do momento.
Gregor Tropnow praguejou e saiu apressadamente.

***

Fellmer assumiu o risco de fazer aquilo que Tropnow, o hipno, julgara impossível:
atingiu a mente de Tropnow.
Aguardava o regresso de Zintx. Sabia que este possuía uma arma térmica, e que
recebera ordens para matá-lo.
Zintx não conseguiu passar de O-Oftftu-O.
O volatense derrubou-o com a mão de inseto. O saltador caiu ao chão. O golpe do
volatense devia ter sido desferido com uma força tremenda. Mal o mercador galáctico
tocou o chão, O-Oftftu-O retirou o radiador térmico de seu bolso e amarrou-lhe as mãos.
Dali a alguns minutos Lloyd, Kuri e o volatense saíram da residência deste último.
Retiraram-se dessa base de operações, uma vez que os dois mutantes traidores conheciam
sua posição.
Zintx ficou para trás, amarrado e ainda inconsciente.
Enquanto desciam pelo elevador antigravitacional, Fellmer Lloyd elaborou seu
plano de batalha.
A manobra desviacionista, iniciada há poucos minutos por um grupo de seis homens
no edifício de escritórios dos saltadores, ainda estava em pleno andamento. Com a
exatidão de um minuto, seus colaboradores entraram em ação com um entusiasmo
impetuoso. Lloyd dera instruções expressas aos homens para que, em hipótese alguma,
usassem radiadores térmicos ou desferissem golpes mortais com as coronhas das armas.
Lloyd ainda esperava poder desmantelar a organização secreta montada pelos dois
mutantes sem derramar sangue.
E a ação desencadeada por ele mesmo também seria levada a cabo sem
derramamento de sangue.
Estava transmitindo as últimas instruções a Kuri Oneré e O-Oftftu-O. Deveriam
esperar seu regresso à frente do grande edifício do espaçoporto. E não deveriam contar
com esse regresso antes de decorrida uma hora.
Pretendia mandar para os ares o computador de bordo da nave Re IX. E isso, à plena
luz do dia!
Kuri lançou-lhe um olhar de desespero e de súplica. Fellmer Lloyd não deu a menor
atenção aos seus pedidos. O volatense seguiu-os discretamente. Parecia não ter nada a ver
com a moça e o homem que caminhavam à sua frente. Até então nenhum arcônida ou
mercador galáctico havia visto um volatense em contato com um ser pertencente a uma
raça estranha. A reserva dos nativos de Volat era proverbial.
Preferiram não recorrer a qualquer meio de transporte. A distância entre o edifício
de apartamentos e o espaçoporto não era grande.
— Não há um meio de evitar isso? — perguntou Kuri, arriscando uma última
tentativa desesperançada.
— Não, não posso evitar, da mesma maneira que não pude evitar o sacrifício do
grupo de seis homens, Kuri. Dentro de trinta minutos, no máximo, todos terão sido
subjugados. Até lá preciso executar a parte principal da minha tarefa, pois então surgirá o
momento em que os dois chefes terão tempo de pensar. Esperem aqui...
Não chegou a dizer o resto. Despediu-se de Kuri Oneré com um gesto amável e
lançou um olhar discreto para o volatense.
— A mãe onisciente reza por você! — foi o pensamento de O-Oftftu-O que captou.
Lloyd acomodou-se tranqüilamente num veículo de alta velocidade, que estabelecia
a ligação entre o edifício central do espaçoporto e as naves estacionadas em locais
afastados. Indicou o destino ao dispositivo fono-automático.
— Nave Re IX.
Quase imperceptivelmente, o veículo positrônico pôs-se em movimento, contornou
alguns outros, desviou-se de algumas inteligências estranhas, atingiu o gigantesco campo
de pouso. A seguir, disparou na direção do lugar em que estava estacionada a nave
cilíndrica do clã dos Re-gans, a Re IX.
Fellmer Lloyd sabia perfeitamente que a ação que ordenara a si mesmo deveria ser
designada pelo nome “comando suicida”.
X

A RE IX tinha trezentos metros de comprimento e seu formato era cilíndrico.


Tratava-se de uma nave muito bem conservada. Estava estacionada atrás de duas naves
esféricas de Árcon, e era flanqueada por vários cargueiros especiais.
Ao chegar perto das naves de Árcon, Fellmer mandou que o veículo parasse. Ao ver
que a porta continuava fechada, impedindo-o de sair, compreendeu que faltava pagar a
viagem. Enfiou uma moeda no autômato, aguardou o troco e saiu.
As duas naves esféricas arcônidas estavam apoiadas em gigantescas colunas
telescópicas. Entre as mesmas, viam-se as rampas de cargas e, nas enormes escotilhas das
comportas, os robôs dos arcônidas.
Se não fossem os robôs o império mundial dos arcônidas já se teria esfacelado e se
não fosse o computador gigante instalado em Árcon, o Império hoje seria um pomo de
discórdia entre os mercadores galácticos e os médicos aras.
Enquanto passava pelas naves, o agente cósmico pensou nisso, não em sua missão.
Não se dirigiu diretamente para a Re IX. Uma pequena nave auxiliar estacionada
entre os dois veículos espaciais despertava seu interesse. Passou junto à escotilha, que
parecia convidá-lo a entrar, olhou discretamente para seu interior e sorriu satisfeito.
Tratava-se de uma nave superveloz, capaz de atingir a aceleração de 5G, equipada
com um potente mecanismo propulsor.
Subitamente Lloyd mudou de direção, como se percebesse que caminhara para o
lado errado. A caminho da rampa de carga da Re IX, encontrou-se com três arcônidas e
dois saltadores que não se interessaram por sua pessoa.
Olhando por entre as naves, viu o edifício do espaçoporto, que ficava a dez
quilômetros. Três naves auxiliares rápidas, vindas dessa direção, aproximavam-se
vertiginosamente. Fellmer estava certo de que seus colaboradores se encontravam nas
mesmas. Um olhar para o relógio certificou-o de que o comando composto de dez
homens estava ocupando suas posições com uma pontualidade absoluta.
O carro em que viajava Ulmin com mais dois homens parou logo atrás dele.
Tratava-se de um acontecimento corriqueiro no lugar em que estavam estacionadas as
naves.
Lloyd transmitiu mais algumas ordens precisas através de Ulmin. Enquanto Fellmer
Lloyd falava, os olhos do mercador galáctico se arregalavam cada vez mais. Depois de
algum tempo, irrompeu:
— Quer que apenas lhe demos cobertura? Contra quem? Já pensou no que
acontecerá se o senhor tiver de enfrentar metade da tripulação da Re IX e...?
Fellmer Lloyd interrompeu-o com um gesto ligeiro. O mutante não apreciava as
falas prolongadas ou os gestos grandiosos.
— Nos sessenta minutos que se seguirão o senhor e seus companheiros terão muito
que fazer. Estejam prevenidos não apenas contra os saltadores vindos do edifício de
escritórios. É possível que entre eles haja dois elementos que parecem prebonenses.
Procure descobri-los e, quando isso acontecer, submeta-os imediatamente ao bombardeio
hipnótico. São os mais perigosos. Preste atenção ao comportamento da tripulação das
duas espaçonaves que estão aqui, Ulmin. Não se preocupe com o pessoal da Re IX. A
tripulação está de licença na cidade. Há apenas oito pessoas a bordo.
— Por todas as estrelas do Armamento — interrompeu-o Ulmin. — Como foi que o
senhor soube, prebonense? Sabe ler pensamentos ou coisa que o valha?
— Apenas sei calcular a provável ação do inimigo, Ulmin. Será que isso é um
milagre?
Depois de ter sido blefado com essa pergunta lacônica, o saltador não soube mais o
que dizer. Retirou-se em atitude pensativa.
Todos se sentiam em casa no porto espacial de Kuklon. Por isso, Fellmer Lloyd
conseguiu chegar à Re IX sem que ninguém procurasse impedi-lo. Subiu lentamente a
rampa que saía do terço posterior da nave, passou pela ampla comporta de carga e viu-se
no convés central do veículo espacial de trezentos metros.
Num controle um tanto apressado, constatara a presença de apenas oito membros da
tripulação. Teria uma surpresa nada agradável ao descobrir que na verdade eram dez.
O largo corredor central, a principal via de tráfego no interior da espaçonave
cilíndrica, estendia-se diante dele, completamente vazio. Concentrando-se ao máximo,
usou sua capacidade telepática para tatear todos os recintos.
Ativou seu senso de localização. Vinha quase que espontaneamente, mas no
momento o resultado era nulo.
Subitamente, captou alguns pensamentos e, ao mesmo tempo, um modelo de
vibrações cerebrais. Um saltador que, segundo a escalação de serviço, devia permanecer
a bordo da Re IX, enquanto seus amigos se divertiam no bairro de diversões de Kuklon,
praguejava porque o tempo custava a passar. E, naquele momento, o mercador resolveu ir
à sala de comando e encurtar a espera num jogo com dois colegas.
Sem apressar-se, Lloyd tirou o projetor hipnótico do bolso. E passou a caminhar
mais rápido. Queria chegar à porta juntamente com o saltador que estava saindo do
camarote.
Acertou no cálculo, com uma diferença de dois passos.
A porta abriu-se sem o menor ruído e, sem o menor ruído, Lloyd disparou a arma
hipnótica, imprimindo-lhe a concentração máxima. O saltador, que nem sequer
desconfiava de se encontrar sob influência estranha, recebeu ordem para dirigir-se à sala
de comando e levar seus colegas a se entreterem num jogo de azar.
O jovem saltador nem estremeceu. Achou muito natural que o desconhecido
caminhasse a seu lado, em direção à sala de comando.
Lloyd procurou calcular suas chances.
Naquele momento, oito tripulantes montavam guarda na Re IX. Três deles eram
oficiais, que se encontravam nos camarotes. Descontando a vítima de sua ação hipnótica,
e os dois elementos da sala de comando, que dentro de poucos minutos também seriam
submetidos ao mesmo tratamento e passariam a agir segundo suas ordens, restariam
apenas dois mercadores galácticos aos quais deveria dedicar sua atenção.
O sentido de localização forneceu-lhe os modelos das vibrações cerebrais dos dois
homens que se achavam na sala de comando. Procurou captar seus pensamentos.
Conversavam a respeito de mulheres e estavam confortavelmente sentados junto ao
aparelho de hipercomunicação.
— Prossiga e faça com que seus companheiros joguem circir com você! — foi a
ordem que irradiou à vítima de sua ação hipnótica. Deixou que o saltador seguisse à sua
frente.
A escotilha da sala de comando, que estava aberta, ficava a dez passos.
Depois que o homem hipnotizado desapareceu na sala de comando, o agente
cósmico seguiu-o sorrateiramente. Já estava vendo a poltrona do piloto e do co-piloto
quando captou a mensagem do sentido de localização.
Dois metros atrás do lugar em que se encontrava, alguma coisa saiu de um
camarote. Fellmer Lloyd nem chegou a assustar-se. O modelo deformado de vibrações
cerebrais disse-lhe tratar-se de um robô. Apesar disso, a mão dentro do bolso mudou de
arma. A coronha do radiador térmico era ligeiramente chanfrada, motivo por que não
havia a menor possibilidade de engano.
Ouviu atrás de si o ruído típico dos passos de um homem-máquina. O andar
metálico aproximou-se. O robô passou à sua frente.
— Será que foi programado para a vigilância? — perguntou o agente cósmico
sussurrando.
Tinha a impressão de que havia algo de errado. Sabia por experiência própria que a
programação de um robô de construção arcônida é facílima de mudar.
Ao passar por ele, o robô virou a cabeça na qual estava abrigado o cérebro
positrônico. O olhar frio da lente brilhante mediu Fellmer Lloyd.
O robô prosseguiu na sua caminhada...
Fellmer Lloyd não o seguiu. Acompanhou a máquina com os olhos e viu-a entrar na
sala de comando. O olhar da lente despertara seu instinto, e o mutante confiava nele tanto
quanto nas suas capacidades supersensoriais.
Será que o robô desencadeou o alarma?
De qualquer maneira, o alarma não teria chegado à sala de comando. Os dois
saltadores que estavam de sentinela, acolheram entusiasticamente a proposta de jogar
circir.
Lloyd perscrutou os pensamentos dos três oficiais.
Nenhum perigo o ameaçava daquele lado.
O próximo controle foi dirigido ao saltador na sala de rádio. Estava cochilando.
O oitavo dos homens a bordo achava-se na sala de força, onde examinava o
funcionamento do campo de compensação magnética. Era a única pessoa a trabalhar.
Mais uma vez, o controle realizado por Fellmer Lloyd foi muito apressado. Deixou
de constatar a presença de dois mercadores galácticos.
Olhou para o relógio. Dispunha de pouco menos de dez minutos. Se até lá não
estivesse em condições de mandar para os ares o computador positrônico da Re IX, as
perspectivas de sua retirada do interior da espaçonave cilíndrica não seriam nada
animadoras.
Voltou a olhar para o relógio. Nove minutos!
Naquele instante, o mutante concebeu outro plano. Contrariando todas as regras que
lhe foram incutidas no curso do treinamento rhodaniano, jogaria todas as chances numa
só cartada.
O computador positrônico da Re IX não poderia deixar de ser destruído, pois do
contrário a existência da Terra logo se tornaria conhecida no Grande Império. Lloyd
preferiu nem pensar nas conseqüências que resultariam desse fato.

***

Tropnow, o hipno, estava transformado num feixe de emanações gélidas. A raiva e o


furor pareciam dominá-lo. Nomo Yatuhin apavorou-se diante das idéias violentas do
comparsa e procurou escapar ao mesmo.
O gigantesco edifício que abrigava os escritórios dos saltadores estava transformado
numa casa de marimbondos. Para os mercadores galácticos que não pertenciam à
organização secreta montada pelos dois mutantes, aquele ataque era incompreensível. No
edifício não poderiam ser encontradas coisas de real valor. Já os saltadores, fisgados
pelos dois traidores com a promessa de que encontrariam tesouros gigantescos num
mundo desconhecido, tinham a impressão de conhecerem o motivo da operação.
Gregor Tropnow e Nomo Yatuhin enxergavam mais longe que os saltadores.
Levaram nada menos que quarenta e três minutos para liquidar o grupo de Fellmer
Lloyd. Durante esse tempo, os dois não tiveram oportunidade para pensar, pois no
gigantesco edifício, a agitação ainda ia alto e, até a polícia de Árcon foi notificada. Mas
logo que a situação tornou-se menos tumultuada, os ex-mutantes começaram a agir
mentalmente.
Nunca se chegaria a saber por que o alarma não foi dado logo no início do ataque ao
edifício. Gregor Tropnow, o hipno, mantinha um silêncio total. Queria evitar que a
perigosíssima polícia arcônida metesse o nariz em sua organização. As brutais ordens de
matar, transmitidas por via hipnótica, fizeram com que nenhum dos seis homens que
participaram do comando de ataque permanecesse vivo.
Nem ele nem Yatuhin haviam participado fisicamente da luta. Apesar disso,
Tropnow era um assassino, pois fizera uso abusivo das suas forças hipnóticas. Os
mercadores galácticos, recriminando-se por terem atirado com radiadores térmicos,
estavam trêmulos, enquanto aguardavam a chegada da polícia.
Os traidores começaram a agir.
Graças ao seu dom telepático, Nomo conseguiu localizar o saltador Zintx, que se
encontrava inconsciente na residência do volatense. Concluiu que Fellmer Lloyd devia ter
frustrado seu plano assassino.
— Não consigo pegar Lloyd — respondeu Yatuhin diante da insistência de
Tropnow.
Corriam em direção ao carro de alta velocidade.
Não estavam sós. Um grupo de trinta combatentes os seguia.
— Procure encontrar os homens de Lloyd — chiou Gregor para seu sócio. — Ande
depressa, senão não sei... — hesitou. Uma terrível suspeita nasceu em sua mente. —
Reviste os arredores da Re IX, Nomo.
Numa fração de segundo, o telepata localizou o mercador galáctico Ulmin. No
mesmo instante, os dois traidores atingiram o carro. Ninguém notou a ligeira hesitação.
Yatuhin cochichou ao ouvido de Tropnow, que estava com o rosto cinzento, o que acabara
de ler nos pensamentos de Ulmin.
Gregor Tropnow, que crescera sob a orientação criminosa do Supercrânio e
posteriormente se passou para as fileiras de Perry Rhodan, mostrou que realmente era
uma sombra do Supercrânio.
Com a maior frieza, transmitiu outra ordem hipnótica aos seus combatentes. Local
da ação: a nave Re IX. Armamento: radiadores térmicos.
O ataque do grupo de seis pessoas contra o edifício dos saltadores fora iniciado há
cinqüenta e oito minutos. Levariam sete minutos para chegar ao lugar em que estava
pousada a Re IX. Seriam sessenta e cinco minutos ao todo.
E os cálculos de Fellmer Lloyd previam para a ação apenas cinqüenta e cinco
minutos!

***
Kuri Oneré viu sete veículos de alta velocidade que saíram da área de
estacionamento dos saltadores em direção ao porto espacial.
Procurou entrar em contato com Fellmer Lloyd por meio do radiofone guardado
num estojo.
Não conseguiu estabelecer comunicação com Lloyd. Não hesitou. Escolheu a faixa
de Ulmin. O saltador respondeu imediatamente. Ouviu-o fungar nervosamente, enquanto
comunicava o que havia observado.
— Está bem — foi a resposta.
Para Kuri a espera infindável começou de novo.

***

O robô derretido estava jogado na sala de comando.


O ar achava-se impregnado de vapores metálicos malcheirosos.
“Vamos à arma térmica!”, não havia como retirar o revestimento protetor. Por isso
resolveu fundi-lo.
— Que diabo! — danificara a articulação central.
Não poderia realizar o trabalho sem a mesma.
Os agentes de Perry Rhodan haviam recebido um treinamento ininterrupto de mais
de meio século. Não eram especialistas. Eram os maiores sabe-tudo. Conheciam o
computador positrônico de uma espaçonave dos saltadores tão bem como o de um
veículo espacial dos arcônidas.
Dispensou a articulação central na sua ligação em curto-circuito. A mesma poderia
ser realizada por outra forma.
O sentido de localização transmitiu-lhe uma mensagem. Qualquer localização
envolvia um perigo. Dois oficiais da Re IX corriam pelo convés central, em direção à sala
de comando. A fumaça, saindo em densas nuvens, fê-los correr ainda mais depressa.
O agente cósmico de Rhodan sentiu-se muito feliz com a fumaça, pois não poderia
desejar melhor proteção. Envolto em densas nuvens, colocou-se na escotilha aberta e
disparou os raios hipnóticos de sua arma contra os oficiais.
— Abandonem a nave. Cada um de vocês procurará uma nave arcônida diferente.
Tranqüilizem os arcônidas. Não permitam que intervenham nos acontecimentos.
Voltou a colocar-se na frente do computador positrônico. Se tivesse uma bomba, não
haveria o menor problema. Mas a energia de sua arma manual não seria suficiente para
fundir o gigantesco computador.
“Fase jut ao setor de armazenamento V-Zt; do outro lado, ligar jut com fias.”
Lloyd pensava na língua dos arcônidas. Trabalhava como se fosse um especialista
desse povo. Faltava a ligação com o condutor principal.
Virou-se instantaneamente. A escotilha já não estava envolta em nuvens de fumaça.
Captou modelos deformados de ondas cerebrais e modelos claros. Eram saltadores e
robôs que corriam em direção à sala de comando.
Três máquinas de guerra e três membros da tripulação!
Com o maior sangue-frio, Fellmer Lloyd resolveu arriscar a vida.
Ainda dispunha de dez segundos até que a primeira máquina chegasse à sala de
comando. Dentro desse tempo, teria de conectar o conduto principal à sua ligação em
curto-circuito.
A tecnologia arcônida não conhecia as ligações por fios. O sistema de blocos era
muito mais simples.
Mais dois movimentos de mão!
Atrás dele, soaram os passos dos robôs que procediam pelo convés central.
Esteve a ponto de pôr a mão na chave mestra, a fim de retirar a energia contida nos
depósitos da popa, quando um raio azul o fez recuar.
Fellmer Lloyd não ouviu seu grito. Os resíduos atávicos do mutante vieram à
superfície. O cérebro positrônico do primeiro robô fundiu-se no raio térmico disparado
pela arma manual.
Ele, o humano, fora mais rápido que a máquina!
“Ligar a chave mestra! Passar a arma térmica da mão direita para a esquerda.
Segurar o projetor hipnótico na direita. A esquerda deverá manipular o radiador térmico
destinado aos robôs.”
O terceiro homem-máquina caiu por cima do camarada atirado ao solo.
Sem a menor comoção, Fellmer Lloyd deixou que o radiador térmico continuasse a
funcionar. E a arma hipnótica também continuou a disparar seu raio.
— Abandonem a nave e... — foi a ordem que conseguiu transmitir aos três
saltadores. Depois o inferno irrompeu em torno dele, impedindo-o de pensar claramente.
A sala de comando da Re IX media quinze metros por dez.
E de quinze metros por dez foi o tamanho do inferno que desabou.
A energia, que seria necessária para fazer a Re IX disparar pelo espaço,
descarregava-se no computador de bordo. O precioso mecanismo transformou-se numa
massa de metais derretidos.
Temperaturas de milhares de graus procuraram atingir o arrojado mutante. Este
mesmo não soube como conseguiu escapar ao chicotear das cargas em curto-circuito.
Com um enorme salto, transpôs o montão de matéria incandescente que se achava bem à
frente da escotilha. Os três robôs haviam sido reduzidos a uma massa disforme.
A trinta metros do lugar em que se encontrava, três saltadores submetidos à coação
hipnótica corriam desesperadamente para fora da nave. Lloyd não foi menos rápido que
eles.
A nave foi sacudida por um baque surdo, que se originara na sala de comando.
Lloyd olhou instintivamente para trás e sentiu o temor instalar-se em sua mente.
A ponta da nave estava derretendo.
Com isso, todo o espaçoporto seria colocado em estado de alarma.
Voltou a disparar a arma hipnótica. Um saltador, que se assustara com o solavanco
da nave, saiu do setor dos propulsores. Encontrava-se no corredor central.
Lloyd com a arma hipnótica, enquanto ele mesmo descia pela rampa de carga.
Não acreditou no que seus olhos viam.
Quem teria atirado as bombas de neblina?
O mar de névoa agitava-se e deslocava-se lentamente em direção à Re IX.
Procurou atingir Ulmin por meio de seu dom telepático.
Ulmin não existia mais.
Passando ao lado da Re IX, Fellmer correu em direção à pequena nave auxiliar, cuja
escotilha continuava aberta. Tentou constantemente entrar em contato com seus
combatentes.
Com um enorme susto, captou o último pensamento de um saltador moribundo.
Já passara pela popa da Re IX e não tinha tempo para virar a cabeça. Viu a pequena
nave auxiliar com o propulsor superpotente desaparecer em meio à neblina. No mesmo
instante, sentiu-se atingido por um tremendo golpe.
“Paralisia!”, martelava sua mente.
A paralisia iniciada manifestava-se por meio de um forte tremor. Sentiu o rosto
transformar-se em máscara e percebeu que a energia de seus músculos diminuía.
— Paralisia; mas preciso! — disse a si mesmo num desespero feroz.
O tiro, disparado por uma arma desconhecida, viera do interior da Re IX.
Localização; os modelos de vibrações cerebrais: eram dois saltadores. Logo viu-se
envolvido pela neblina.
Fellmer Lloyd chocou-se contra uma parede. A nave auxiliar! Reunindo as últimas
forças, enfiou-se na mesma e caiu no assento. Quando se esforçou para fechar a escotilha,
soltou um gemido. Os músculos recusavam-se a obedecer.
A paralisia tornava-se cada vez mais intensa.
— Vamos embora, para a Gazela!
Voando às cegas, levou a nave neblina adentro.
“Fugir! Fugir!”
Contorceu-se. Mal conseguia mover os lábios.
“Esta não! Esta não!”, pensou em desespero, enquanto a nave corria rumo à selva
de Volat, em direção ao lugar em que estava escondida a Gazela.

***

Jim Markus, comandante da nave Lotus, que pairava imóvel no espaço a dez anos-
luz de Volat, estremeceu quando o decifrador reproduziu o texto da mensagem
condensada chegada há dez segundos.
— Três toques de sino! Os mutantes Yatuhin e Tropnow são traidores. Estão traindo
Rhodan porque não receberam a ducha celular. Fellmer Lloyd.
Os oficiais fitaram Jim Markus. Seu rosto era pálido como cera, e os olhos muito
arregalados brilhavam num pavor incontido.

***

Dois volatenses caminhavam pela selva, à procura da mãe onisciente. Vinham da


periferia da mata. Caminhavam dia e noite. Ao que parecia, não conheciam o cansaço.
Iam em silêncio. Suas antenas não se moviam. Não tinham nada a falar um com o
outro. Mas sentiam pena do homem que choramingava nas suas costas. Era Fellmer
Lloyd. O corpo, submetido a um estado extremo de paralisia, estava reduzido a uma
ruína. Mas o espírito continuava vivaz como sempre. Apesar do tremor que o martirizava,
não pensava apenas em si. Naquele instante, formulou uma pergunta telepática, dirigida
às duas criaturas que o haviam salvo:
— Como souberam que Kuri Oneré também está a caminho do lugar em que se
encontra a mãe onisciente?
Mais uma vez, ouviu a mesma resposta:
— Nós sabemos, Fellmer Lloyd, nós sabemos.
Era a terceira vez que lhe davam a mesma resposta; por isso preferiu não perguntar
mais.
***

Em Os Mortos Vivem, título da próxima aventura de


Perry Rhodan, um fato inacreditável acontece...

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