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FORTALEZA
2015
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FORTALEZA
2015
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Página reservada para ficha catalográfica que deve ser confeccionada após
apresentação e alterações sugeridas pela banca examinadora.
Para solicitar a ficha catalográfica de seu trabalho, acesse o site:
www.biblioteca.ufc.br, clique no banner Catalogação na Publicação (Solicitação de
ficha catalográfica)
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BANCA EXAMINADORA
________________________________________
_________________________________________
PROF. DR.
_________________________________________
PROF. DR.
AGRADECIMENTO
Por fim, agradeço profundamente aos meus pais que sempre estiveram
ao meu lado dando apoio e torcendo.
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RESUMO
RESUMEN
LISTA DE GRÁFICOS
LISTA DE MAPAS
LISTA DE IMAGENS
LISTA DE APÊNDICES
LISTA DE ANEXOS
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO................................................................................................ 17
2 EMOÇÕES, MEDO E OS DADOS REFERENTES AO CRIME: 26
CAMINHOS TEÓRICOS PERCORRIDOS.....................................................
2.1 Emoções como aporte teórico: limites e possibilidades......................... 26
2.2 Emoção Medo............................................................................................... 33
2.3 Dados referentes ao crime: o que eles têm a dizer?................................. 43
3 O BAIRRO BENFICA: CARACTERIZAÇÃO, HISTÓRIA E PRÁTICAS DE 46
SOCIABILIDADES.........................................................................................
3.1 Histórias do bairro.…………………………………….…………..………...….. 48
3.2 Diversidade de espaços urbanos e práticas de sociabilidade................. 50
APÊNDICES................................................................................................... 82
ANEXOS......................................................................................................... 86
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1. INTRODUÇÃO
As cidades urbanas atualmente são vítimas, cada vez mais, de uma violência
que parece crescer a cada momento e, decorrente disto, há uma percepção de risco e
insegurança associado a uma “proximidade” com a violência. Os indivíduos passam a
ficar refém dessa sensação de insegurança e o reflexo maior disso é o medo, uma
construção social que se tipifica com o aumento dessa sensação, gera nova práticas de
sociabilidade que até então estavam fora da rotina, cria estratégias com objetivo de
proteção, buscando soluções individualizadas e uma não interação com a rua e sim, com
espaços privados que garantam a segurança.
Para os interlocutores desta pesquisa, a violência faz parte do cotidiano1 de
forma até naturalizada e corriqueira, já o medo, como apontado por Freitas, 2003, se
caracteriza como um dos ecos mais significativos da violência estando implícito nas falas,
nas expressões e na arquitetura do bairro. É importante ressaltar que ao longo do
caminho percorrido pela pesquisadora, esta foi tentando se afastar dos seus próprios
medos e insegurança e se deixando levar pelo discurso e pelos caminhos da pesquisa,
desnaturalizando dessa forma a fala da violência como algo inerente e enraizado e
percebendo nuances de insegurança que talvez estejam mais vinculados a emoções do
que a algo racionalizado2.
Diante do exposto, o intuito do presente estudo é pesquisar como o medo
social (BAIERL, 2004), produzido e construído a partir das múltiplas formas da violência,
transforma as práticas de sociabilidade e altera os trajetos no bairro Benfica, Fortaleza,
Ceará. Vai ainda além, buscando compreender qual o impacto do medo na vida dos
interlocutores e como estes lidam com essa nova realidade balizada por uma experiência
de medo e insegurança. Tem como objetivo maior responder à pergunta: de que maneira
o medo social pode influenciar na vida cotidiana dos moradores e frequentadores do
bairro Benfica?
Ao colocar a palavra medo em um site de busca na internet, o Google, surgem
vários resultados para esse termo. O primeiro site que aparece é o Wikipédia 3 que define
princípio wiki (software colaborativo). A Wikipédia tem como objetivo fornecer conteúdo reutilizável livre,
objetivo e verificável, que todos possam editar e melhorar.” Retirado do site
http://pt.wikipedia.org/wiki/Wikip%C3%A9dia:P%C3%A1gina_principal, acessado em 27 de maio de 2014.
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o medo como algo biologicamente produzido. Os demais sites4 apresentam outras facetas
do medo, como o medo de perder um amor, da solidão, medo de se expressar, medo do
novo, medo de viver, medo de não viver e assim por diante. O fato é que o medo é hoje
algo muito presente no cotidiano das pessoas, seja nas grandes metrópoles, seja em
localidades mais distantes. Já o medo social, categoria fundante deste trabalho, é um
fenômeno que decorre da experiência em determinados ambientes perpassados pela
violência.
A biologia explica o medo como um instinto de proteção causado pela
sensação de perigo iminente ou pela apreensão do mal. Para essa área de estudo, o
medo é algo produzido biologicamente e inerente a condição humana que tem como
consequência um estado de alarme ou de pavor, isto é, o estado de temer algo. Darwin
(apud Walton, 2007, p. 25) enumera uma série de indicadores físicos encadeados pela
sensação de medo
Já o medo social, por outro lado, tem como consequência à alteração drástica
da relação entre as pessoas, normas, padrões de educação, conduta e introduz um novo
modelo de segregação urbana, construído por processos sociais e históricos específicos
de cada realidade social. É alimentado e retroalimentado pela mídia, pelos boatos e pela
indústria do medo, elementos que sobrevivem a partir da sensação de insegurança dos
indivíduos.
O espaço geográfico escolhido para esse trabalho não figura entre os mais
violentos da cidade, contudo, é possível observar uma sensação de insegurança entre os
frequentadores do bairro, que passam a adotar estratégias que visam à proteção, têm
seus caminhos alterados e ressignificam os espaços. O que mais me chamou atenção ao
optar pelo bairro foi entender como o medo de ser vítima da violência afeta, inclusive, as
aulas na Universidade Federal do Ceará - UFC. É comum escutar nas salas e nos
corredores “professor libera mais cedo, ta tarde, é perigoso”, ou então “professor hoje tem
jogo, tem certeza que tem aula?”, ou ainda encontrar colegas que se deslocam de um
prédio a outro quase “correndo”, visando dessa forma evitar mais tempo que o necessário
de exposição na rua.
O Benfica é um bairro que se caracterizada por uma grande diversidade de
pessoas, em comparação com os outros bairros de Fortaleza, e apresenta um fluxo de
atores sociais (estudantes, hippies, trabalhadores, moradores de rua, ambulantes, grupos
diversos: homossexuais, clube de motos, clube da terceira idade; torcedores e assim por
diante) que movimentam, além dos espaços da UFC, um circuito de lazer próprio (praças,
estádio, shopping, bares, cafés, restaurantes, praças e etc.) que interage entre si.
Ao escolher um bairro como recorte geográfico de estudo, tomo emprestado à
perspectiva metodológica de Certeau (2003) e me detenho a pensá-lo a partir de duas
vertentes5: as imposições materiais e administrativas que entram na sua definição, com
uma análise de perspectiva histórica do bairro, apontando o processo de formação, as
mudanças de perfil ao longo do tempo, as definições geográficas que fazem dele um
bairro, até chegar aos dias de hoje e entender como tudo isso pode ser percebido e
sentido ao caminhar nas ruas; e uma análise sócio etnográfica da vida cotidiana com o
objetivo de apreender e compreender as dinâmicas de sociabilidade ali desenvolvidas
para então, perceber quais as alterações podem ser sentidas na vida cotidiana do bairro.
A ideia de estudar o medo surgiu durante outra pesquisa da qual eu participei,
Etnografia dos Circuitos de Lazer da Praça Verde do Centro Dragão do Mar de Arte e
Cultura, no ano de 2010, como forma de avaliação da disciplina Antropologia
Contemporânea. Esta tinha como objetivo identificar os grupos sociais que faziam uso do
espaço urbano, perceber quais os trajetos percorridos pelos usuários do espaço para
chegar até ali, qual o significado daquele espaço e como se dava a interação entre os
diversos grupos. Fui a campo em um primeiro momento, ainda no ano de 2010. Depois, já
com os dados colhidos, tabulados e analisados, voltei a campo para identificar como
estaria em 2011 e dessa forma tentar traçar um antes e depois. Para a minha surpresa os
grupos que eu havia identificado não estavam mais no espaço e em uma rápida pesquisa
informal com os poucos que ali restaram, descobri que o medo da violência naquele
espaço tinha afastado os grupos dali.
A partir dessa experiência intrigou-me entender como o medo de ser vítima da
violência pode atingir um nível tal em que as pessoas deixam de frequentar espaços e
desenvolver sociabilidades até então corriqueiras. Outros questionamentos começaram a
surgir a partir desse momento: será que essas pessoas foram vítimas de violência nesse
espaço? Como a insegurança e o medo se elevam a essas proporções? E a mídia, será
que tem algum papel nesse processo? A polícia, será que sabe desses espaços, será que
mapeia os locais considerados “inseguros” e busca uma forma de segurança? Será que
ela é agente de segurança?
Objetivando responder esses e outros questionamentos que foram surgindo no
processo de amadurecimento do objeto de pesquisa, busquei na literatura existente sobre
o tema informações para entender isso e comecei a perceber que esse medo tem um
alcance muito maior do que eu poderia imaginar. São variados os medos produzidos pelo
cotidiano. Estes vão desde a falta de fé ou falta de confiança em si (Koury, 2006), até o
medo gerado pela falta de segurança (Baierl, 2004; Barreira, 2011; Eckert, 2000; Mejia,
2008; Souza, 2008), onde os indivíduos passam a ter novas sociabilidades até então fora
da rotina e o medo, o risco e a insegurança torna-se algo presente no cotidiano e nas
relações dos indivíduos.
Buscando esse entendimento e tentando compreender a percepção dos
usuários do bairro Benfica, lancei mão de vários métodos de pesquisa, todos focados e
fincados na análise qualitativa do bairro. A variedade de métodos teve como objetivo uma
apreensão mais clara e sistemática do bairro, partindo da noção de que da mesma forma
que a violência se apresenta como um fenômeno difuso6, o medo e a insegurança, como
consequências diretas desse fenômeno, devem apresentar-se da mesma maneira.
Ressalto ainda que o local de estudo, conforme dito anteriormente, não é algo
distante da minha realidade social enquanto jovem e aluna da UFC. Meu campus de
estudo é o Centro de Humanas III, no bairro Benfica. É nesse espaço que passo a maior
parte do meu tempo, seja assistindo aula, seja estudando, fazendo pesquisa, encontrando
com amigos ou fazendo uso do circuito de lazer local. O fato é que nada nessa realidade
se apresenta para mim como algo novo, inclusive o medo e a insegurança, inerente e
perceptível na relação dos usuários e moradores do bairro, sempre se fizeram presente
de maneira velada na minha forma de ver e utilizar o espaço. Contudo, ao escolhê-lo
como recorte geográfico tive o desafio de me afastar dos meus medos e estereótipos e
adentrar no imaginário dos interlocutores buscando compreender os seus medos e seus
estereótipos.
Pesquisar um espaço familiarizado é uma “faca de dois gumes”: se por um lado
ao chegar ao bairro eu estou no “campo”, por outro estou tempo demais no “campo”,
tendo dessa forma uma fonte de informações quase inesgotável, criando uma dificuldade
no processo de sistematização dos dados obtidos. A obtenção desses dados se deu de
6 Ver BARREIRA, C.. Violência difusa, medo e insegurança: as marcas recentes da crueldade. Revista
Brasileira de Sociologia, v. 01, p. 05, 2013.
21
maneira bastante diversa: nas praças, nos restaurantes, no restaurante universitário, nas
paradas de ônibus e etc. E, muitas vezes, a questão da violência e insegurança surgia em
algum diálogo próximo a mim e eu logo fazia questão de participar e entender. Posso
afirmar, a partir disso, que essa pesquisa é uma “colcha de retalhos”, isto é, as
informações foram obtidas de maneiras diversas, algumas vezes informal e “pescada” de
conversas alheias, espontânea em outros momentos e induzida através de perguntas em
outros e, dessa maneira, os dados foram adquiridos e posteriormente sistematizados
nesse trabalho.
Mas como então se iniciou a pesquisa, o “campo” propriamente dito? A
pesquisa teve início no segundo semestre de 2013, com a etapa exploratória e a
construção do projeto de pesquisa. Ao longo do semestre fui compreendendo melhor a
dinâmica da violência e da insegurança no bairro e, dessa forma, buscando a emoção
medo. Posteriormente a essa etapa, já no primeiro semestre de 2014, passei “fazer
trabalho de campo” sistemático e sistémico, isto é, com dias e horas marcadas. Foi aí que
percebi que fazer pesquisa no bairro Benfica iria demandar olhos e ouvidos atentos em
todos os momentos de interação com o bairro e não só no momento específico escolhido
para tal. Diante disto, o ano de 2014 foi inteiro voltado para entender e compreender a
dinâmica do medo e isso foi possível nos mais variados espaços: desde uma ida ao salão
e partir de aí escutar conversas sobre insegurança até sentar para almoçar e desistir do
almoço para escutar uma conversa sobre medo.
Dessa forma, inicialmente observei os espaços urbanos do bairro com objetivo
de identificar práticas, atores sociais e compreender as nuances de interação e
sociabilidade. Esse momento se deu através de uma observação participante, com
aproximação e diálogo com os grupos sociais identificados onde “[...] pouco [irei-me]
preocupar com as pessoas em geral. [Busco] pessoas particulares e [observo] as coisas
particulares que fazem.” (WHYTE, 2005, p. 23). Esse primeiro momento foi de
fundamental importância para demarcar, comigo mesma, que ali quem estava era a
pesquisadora social e não apenas a usuária do bairro. Ademais, observar o bairro com
outro olhar deu uma nova percepção a minha visão e a partir desse momento eu
compreendi o quanto seria importante escutar interlocutores que representassem bem a
diversidade ali observada.
Durante todo o processo de pesquisa, lancei mão de um intenso e constante
levantamento da literatura disponível sobre os temas que transversalizam esse trabalho:
medo, sociabilidade, emoções, risco e violência. Essa ação marcou todas as etapas,
desde a construção do objeto até a escolha e entendimento das categorias que eu
22
acredito que dialogam com a realidade social encontrada. Ressalto que em nenhum
momento houve a pretensão de “enquadrar” a realidade, ao contrário, esse processo foi
fluído e frutífero, havendo um diálogo da teoria com o “campo” de maneira surpreendente!
Foi interessante encontrar pesquisas parecidas, categorias instigantes e autores que
trabalham com os temas emoções e medo. Ao longo desse processo fui realizando
leituras gerais sobre todo e qualquer elemento relacionado aos temas de interesse para
pesquisa e, após, passei a fazer leituras especificas, selecionar autores, aprofundar
alguns, fazer fichamentos e resumos e, dessa maneira, fui montando a bibliografia citada
e trabalhada nesse texto.
Ressalto que o processo da pesquisa, análise de dados e construção do texto
não foi algo unilateral. Durante todo o processo empreendi diálogos com os próprios
interlocutores, alguns da mesma área de estudo que esta pesquisadora, visando um
melhor entendimento dos elementos observados e sempre na certeza de que a pesquisa
não é algo único e exclusivo, ela é construída e compartilhada com aqueles que
perpassam seu caminho durante todo o processo. Pensando assim, houve também o
compartilhamento e a ajuda determinante de amigos graduandos e pós-graduandos, em
especial do Departamento de Ciências Sociais, que sempre estavam disponíveis para
escutar as angústias de campo e, mesmo sem perceber, mostrar nuances que a mim
tinham passado despercebido.
Houve ainda as interações com os professores da UFC que estavam sempre
disponíveis e dispostos a indicar um livro novo, ressaltar um determinado autor, mostrar
outro caminho e assim por diante. Esse processo foi fundamental nos momentos em que
eu me sentia perdida no amontoado de informações obtidas através da leitura e do
trabalho de campo. Esse colocar rédeas, essencial no processo da pesquisa, foi feito sob
medida por aqueles que perpassaram o meu caminho e pelo meu orientador, que estava
sempre lá disposto a me trazer de volta para o “mundo real”.
Os frutos dos muitos relatórios de pesquisa elaborados ao longo das disciplinas
preparatórias para o trabalho final do curso7 também serviram de aporte e rumo para a
construção desse texto final. Estes relatórios foram construídos à medida que a pesquisa
bibliográfica e de campo iam se aprofundando e recebendo os contornos vistos hoje.
Ressalto ainda que os relatórios também foram debatidos em encontros acadêmicos
7Na grade curricular do curso de Ciências Sociais – Bacharelado – Diurno é obrigatório Metodologia de
Pesquisa em Ciências Sociais, Prática de Pesquisa I, Prática de Pesquisa II, Estágio I, Estágio II e
Monografia em Ciências Sociais.
23
8As etapas preliminares desse trabalho foram apresentadas, respectivamente, na Reunião Brasileira de
Antropologia, Encontro de Iniciação Científica da UNIFOR, Encontro de Iniciação Científica da UFC e IV
Seminário Internacional Violência e Conflitos Sociais.
24
realidade. Analisa ainda a forma como a mídia retrata o bairro e qual o seu papel no
processo de retroalimentação do medo. Apresenta o boato como um elemento de difusão
do medo e da insegurança. E, por último, busca compreender a estética do medo e a
busca por soluções individualizadas.
Por fim, ressalto que o que é apresentado nesse trabalho é fruto de um
processo constante e intenso de levantamento de dados e interpretação dos mesmos que
durou cerca de um ano e meio. Faço escolhas arbitrárias no processo de análise, pois,
compreender o medo, a violência e a insegurança em um espaço urbano complexo como
o bairro Benfica demandaria mais estrutura de pesquisa do que eu dispunha durante esse
processo, logo o que aqui é apresentado foi selecionado a partir daquilo que ficou mais
claro e que para mim seria fundamental apresentar.
26
nenhuma tentativa do Ocidente modificou ou coibiu a ação, apenas contribuiu para que a
mesma criasse novas estratégias, tornando-se “escondida” aos olhos dos governos.
O exemplo citado acima serve como base para entendermos como a questão
cultural é variável de uma sociedade para a outra. Enquanto para uma algo pode ser
absurdo, considerado tortura, para outra a mesma coisa é considerada ritual de pureza.
Isso ocorre porque as convicções e a maneira que o conjunto de sentimentos se
expressão são diferentes em cada sociedade, resultando assim em processos únicos e
específicos compartilhados por uma coletividade espacial.
A emoção emerge desses contextos únicos, eminentemente sociais, e não é
dada a priori. Embora, no início das ciências sociais como campo de estudo, a emoção
tenha sido dada como algo a priori e assunto de outra área de estudo, a psicologia, ao
longo do tempo, e com o aprofundamento das análises, foi percebendo-se e entendendo
como uma forma socialmente construída e constituída, vinculada a cultura da sociedade
em que os indivíduos estão inseridos. Logo, mesmo havendo e sendo reconhecidas as
emoções biológicas, sentir medo, raiva, amor, amizade e etc., varia de acordo com
elementos diversos que se relacionam com processos sociais múltiplos.
Os primeiros estudos no campo de sociologia e antropologia das emoções,
com preocupações teórico-metodológicas acerca da área, surgem na década de 70, nos
Estados Unidos, com uma abordagem interpretativa (REZENDE E COELHO, 2010),
voltados a entender os fenômenos emocionais como categorias analíticas. Contudo, há
estudos anteriores que trazem o eixo emoção de maneira transversal ou como algo
subjetivo, que são anteriores a 1970 e marcam boa parte da literatura clássica da
sociologia11. Dessa forma
cultura-fere-o-seu-corpo-por-que-manter-esse-costume-diz-ativista-fardhosa-mohamed, acessado em 03 de
abril de 2015
11 Retomo esse tema mais adiante no texto, elencando os teóricos clássicos e como podem ser
conta sempre com grupos de trabalho sobre emoções em suas programações. Ademais,
há a Revista Brasileira de Sociologia das Emoções (RBSE/UFPB) e os grupos de estudo
e núcleos de pesquisa espalhados pelas Universidades, como o Grupo de Estudo e
Pesquisa Sobre Emoção (GREM/UFPB) e o Núcleo de Antropologia das Emoções
(NANTE/UERJ). Essas e outras iniciativas somam-se no processo de consolidação e
aprofundamento desse campo de estudo.
Essa área de estudo estrutura-se em diversas correntes e tendências teóricas,
como as identificadas por Lutz e Abu-Lughod (1990 apud REZENDE E COELHO, 2010, p.
15) e Koury (2004), que se diferenciam na abordagem metodológica e nas formas de
expressão social. Dentre elas podemos destacar: o essencialismo, predominante nos
estudos psicológicos e psicanalíticos, apóia-se na premissa de que as emoções
apresentariam uma base universal e natural, sendo, em seu núcleo, as mesmas por toda
parte; diferentemente do essencialismo, o historicismo acredita que emoções se dão a
partir de uma construção cultural e só através de uma análise temporal é possível
identificá-las; já o relativismo caminha no mesmo lastro do historicismo e se diferencia
por acreditar que essa construção cultural temporal é identificada a partir da comparação
entre duas culturas contemporâneas entre si; e, por fim, para o contextualismo a “[...]
emoção seria algo que existiria somente em contexto, emergindo da relação entre os
interlocutores e a ela sempre referida.” (REZENDE E COELHO, 2010, p. 78).
Essas correntes, contudo, não são separadas ou “puras”. É possível identificar
trabalhos que fazem uso de duas ou mais correntes objetivando uma melhor
apresentação. Um caso desse tipo de obra é A História do Medo no Ocidente
(DELUMEAU, 2009), em que o autor faz uso da análise de perspectiva tanto histórica,
traçando uma linha temporal do medo, desde a antiguidade, com os medos de pestes e a
exaltação a coragem em oposição à covardia, nesse contexto covardia surgindo como
sinônimo do medo, passando pela idade média e os governos fundados sob o signo do
medo e chegando até os dias atuais, onde o medo ganha a dimensão do imaginário12;
como relativista, perpassando toda sua análise com comparações entre sociedades
contemporâneas entre si, no processo de compreender o papel do medo na história do
ocidente.
Nos teóricos considerados clássicos, a emoção emerge de como “[...] uma
espécie de fundamento implícito da instituição societária e esteve sempre presente como
pano de fundo para a discussão sobre as relações entre os indivíduos, suas paixões e
sentimentos, e a sociedade.” (KOURY, 2004, p. 16). Isso significa dizer, que as emoções
12 Sobre imaginário o medo ver Koury (2006), Baierl (2004) e Sposito e Góes (2013).
29
sempre estiveram lá, mesmo que não apresentadas como categoria analítica, uma vez
que, nos clássicos, a categoria analítica era a sociedade como um todo, somente com
Weber os estudos começam a se voltar para indivíduo.
Em 1985, Durkheim formula um projeto teórico-metodológico para a disciplina
sociologia, e, para tal, define como unidade de análise o fato social (DURKHEIM, 2005),
que seriam as maneiras de pensar e agir coletivamente, estas exercendo uma coerção
sobre a vontade individual, prevalecendo assim o todo sobre o particular. Nessa
abordagem, emoção aparece como um fruto da sociedade, submetida, porém
permanentemente negociada por processos mentais e fisiológicos que se dão no
processo de vivência de cada sujeito particular vivendo e sendo formado pela sociedade.
Aqui o indivíduo é sempre pensado em coletividade e as emoções são consideradas
sociais e, como tais, construídas socialmente.
Já em Marx (2008, 2005), que tal qual Durkheim, está preocupado com o
coletivo e, dessa forma, o indivíduo só emerge enquanto ser social integrante dessa
coletividade, as emoções surgem da análise de classes sociais. Somente a partir do
entendimento da sociedade de classes e de como se dá a configuração dessas classes é
que pode haver o entendimento dos indivíduos e, conseqüentemente, de suas emoções.
Note que em Marx somente quanto o indivíduo deixa de ser alienado e passa a ter
consciência de sua condição de classe é que podem emergir as emoções.
Esse cenário coletivo-indivíduo começa a mudar com as análises de Mauss
(2003), o aprofundamento do simbólico enquanto elemento de configuração social e a
emergência do “outro” e do “eu” na sua obra. Desse modo, a emoção seria uma categoria
implícita, inconsciente e ritualizada, produzida e vivida por uma sociabilidade específica,
isto é, “[...] sentimentos do íntimo de casa um [...] seriam pautados por uma gramática
[social] comum.” (REZENDE E COELHO, 2010, p. 48), como mostra Koury (2004)
A categoria emoção, assim, [...] seria uma representação coletiva que se impõe à
consciência individual mas, como representação ela tornar-se-ia inconsciente,
uma categoria de bases universais porém sempre reconstituída histórica e
socialmente. Os indivíduos sociais apreenderiam os significados culturais da
emoção antes mesmo de vivenciarem toda e qualquer emoção, como uma
categoria implícita e inconsciente construída socialmente em um tempo e em um
espaço. (p. 26-27)
troca entre as partes em relação. Logo, as emoções emergem a partir da ação que, ao
mesmo tempo, produz possibilidades emotivas e é produto da mesma.
Simmel (1987 apud REZENDE E COELHO, 2010) por sua vez caminha no
mesmo lastro de Weber ao considerar que toda interação é balizada por uma “forma” e
uma “motivação”. “A ‘motivação’ é o conteúdo, o interesse ou objetivos do indivíduo que
se engaja em uma interação; a ‘forma’ é o modo, um formato por meio do qual aquele
conteúdo passa a existir.” (Idem, p. 45). Aqui as trocas entre os indivíduos são racionais
porque toda ação é provida de sentido.
Veja que nos autores até agora citados, Durkheim, Marx, Maus, Weber e
Simmel, as emoções não emergem diretamente como categoria de análise, nos três
primeiros, inclusive, ela aparece como algo pré-existente e “moldado” de acordo com a
construção social coletiva. Somente nos dois últimos autores, emoções aparecem
“descoladas” dessa noção pré-existente, ganhando uma ênfase enquanto ação racional
dos indivíduos. Aqui já não é mais a emoção individual sobreposta às emoções coletivas,
são indivíduos que, durante a interação, são movidos pelos interesses que possibilitam,
fundam ou consolidam as relações emotivas.
Somente nos estudos contemporâneos emoção ganha status de categoria
analítica e campo disciplinar, mas diferencia-se em tendências diferentes. A primeira
delas, que defende a emoção como algo eminentemente social, é trabalhada por autores
como Bourdieu e Parsons. Bourdieu com a noção de habitus e campo que correspondem
a ideia “[...] de um imaginário que sedimentaria tradições e permitiria, de forma
concomitante, elaborações, proposições, vivências e ações individuais, indicativas dos
processos tencionais entre indivíduos e sociedade.” (KOURY, 2004, p. 48). Aqui cabe
chamar atenção que a própria noção de campo disciplinar segue a definição proposta por
Bourdieu na obra O Poder Simbólico (1989). Já Parsons tem um papel fundamental no
desenvolvimento da sociologia da emoção, elencando ela como um dos quatro
componentes fundamentais de sua teoria da ação. Apresenta o conceito de
personalidade, estruturado e estruturante da relação entre indivíduo e sociedade, e
concretizado através da noção de papel social.
Outra tendência é aquela que defende que as emoções são resultado da
interação social. Os expoentes dessa corrente são a Escola de Chicago, onde há um
aprofundamento da análise indivíduo e sociedade no processo de urbanização das
cidades americanas e, de onde, emerge o conceito de intersubjetividade, como algo que
31
entendimento, como Elias, Koury e Sennett13, ora sendo diretamente citados, ora
existindo apenas como pano de fundo perceptível e palpável.
Passo agora para o entendimento da emoção específica da qual trata essa
pesquisa: o medo.
Uma pessoa, ao avistar uma serpente sente medo, esta emoção foi
desencadeada porque a informação (serpente) foi levada ao Sistema Nervoso
Central pelos nervos sensitivos, o hipotálamo juntamente com o tronco encefálico,
interpreta a informação e a relaciona ao estado de perigo. Logo, os nervos
motores devolvem a reação que se manifestará de maneira somática e visceral.
[...] O medo nada mais é do que uma emoção causada por uma causa direta e
objetiva. [...] é uma interferência no bem estar, na integridade física e mental.
Quando há ameaças ao organismo, este desencadeia reações comportamentais,
13
Dentre outros que serão citados ao longo do texto.
14 Fonte: http://michaelis.uol.com.br/moderno/portugues/index.php?lingua=portugues-
portugues&palavra=medo. Acessado em 20/04/2015, acessado em 15 de abril de 2015
34
[...] o medo humano, filho de nossa imaginação, não é uno mas múltiplo, não é fixo
mas perpetuamente cambiante. [...] Coletivo, o medo pode ainda conduzir a
comportamentos aberrantes e suicidas, nos quais a apreensão correta da
realidade desaparece [...]. (IDEM, p. 23 e 25)
Ao trazer essa definição do medo, o autor caminha para uma diferenciação dos
tipos de medo, das diferentes maneiras que eles são compartilhados e como são
sentidos. São eles: o medo refletido, conduzido por conselheiros espirituais da
coletividade; medo espontâneo, sentidos por amplas frações da população; medos
permanentes, compartilhados por indivíduos pertencentes a todas as categorias sociais;
e os medos cíclicos, que podem atingir a totalidade da população (ex.: pestes), ou
perturbar apenas uma parcela (ex.: fome).
Já Koury (2006) no artigo a Noção de Medo situa a definição de medo a partir
da visão dos moradores da cidade de João Pessoa. Seus dados foram levantados a partir
de um survey realizado entre os anos de 2002 e 2007 e apontou três categorias de medo:
falta de segurança pessoal ou familiar (apontado por 50% dos pesquisados); falta de
confiança em si ou receio de errar (apontado por 36,6% dos pesquisados); e, falta de
fé (apontado por 13,4% dos pesquisados). A categoria Falta de Fé “[...] situa a
conceituação de medo no interior de uma questão religiosa.” (IDEM, p. 59). Para essa
categoria, a fé no amor de Deus é algo que media as relações terrenas e a falta dessa fé
35
leva ao medo, este revela ainda uma face moral que leva a um grau de confiança maior
ou menor de indivíduos e comunidades. Quanto maior for a fé, menor é o medo e maior é
o grau de coesão e solidariedade dos indivíduos. “[...] Falta de fé, para definir o que é
medo [...] se situa em um campo de pensamento ou em um imaginário social ainda preso
no interior de laços tradicionais [...] a fé, deste modo, parece agir como uma forma de
proteção, ao mesmo tempo, também como consternação.” (IDEM, p. 67; grifo no original).
A Falta de Fé se situa, então, em um nível de falta de confiança moral no indivíduo e na
comunidade e em uma falta de confiança na providência divina.
A categoria Falta de Confiança ou Receio de Errar apresenta o medo como
sendo um receio pessoal de não alcançar seus objetivos e o sucesso. “[...] o medo se
desloca para o cotidiano dos sujeitos individuais e em relação aos seus projetos pessoais
em relação ao futuro.” (KOURY, 2006, p. 68). Essa categoria de medo leva a angústias,
estresse, depressão e até ao suicídio. Entra aqui o medo da solidão e o de envelhecer.
Essas duas categorias, Falta de fé e Falta de Confiança ou Receio de Errar, são
interessantes por mostrar como são variados os tipos de medo apontados pelos
moradores da Cidade e a amplitude dos mesmos, perpassando, dessa forma, de
diferentes maneiras a vida dos indivíduos.
Por fim, a terceira categoria Falta de Segurança Pessoal ou Familiar, que
dialoga diretamente com esse trabalho, mostra que a rua se tornou um lugar inseguro,
onde as sociabilidades já não são mais as mesmas, aqui as narrativas dos interlocutores
da pesquisa sempre retomam o passado para compará-lo com o presente15. “O
confinamento doméstico parece tornar-se um dos poucos caminhos encontrado de
continuar vivendo na cidade.” (KOURY, 2006, p. 75) O universo imaginário toma uma
dimensão própria nas narrativas do medo, pois, a partir do que se escuta e do que se vê
na mídia, as pessoas passam a mudar os hábitos e potencializar a sensação de
insegurança. Os indivíduos passam a ser vítimas do próprio medo, que diminui a
qualidade de vida e os afasta da rua e da sociabilidade coletiva.
Os efeitos desse medo sobre a sociedade contemporânea são abordados por
Brito (2008), que define o medo como algo inerente a nossa natureza, um “[...] sentimento
que nos perturba, que traz inquietação, sobressaltos, que exige providências e o cálculo
de riscos, enfim, ele faz parte do cotidiano.” (IDEM, p. 21). Na modernidade a incerteza e
a insegurança são elementos presentes, que fazem parte do dia-a-dia dos indivíduos,
causadores de uma sociedade de incerteza. Nessa visão, o mercado e o Estado
15Esse recurso comparativo entre o ontem e hoje foi encontrado algumas vezes na literatura sobre a
emoção medo. Para isso ver também: Mejia (2008) e Eckert (2000).
36
sensação é que hoje é muito mais violento que outrora16. A violência aparece como
característica dos espaços que passam por um amplo processo de modernização “[...] a
Polícia mal controla, por causa da acumulação demográfica, a favelização e o
desemprego.” (MEJIA, 2008, p. 77). Logo, desrritorializar a violência é uma maneira de
manifestar alteridade em relação ao fenômeno.
Violência no território dos outros se caracteriza por ser espaços físicos
distantes daquele na qual o indivíduo pertence. Também se refere a espaços construídos
em torno de práticas de violência com o qual os pesquisados não se identificam. No
entanto, a visão dos jovens se distancia um pouco da dos adultos, pois, para eles a
violência é inerente à cidade e não algo distante. “[...] eles evocam o risco imanente em
suas rotinas, a ameaça à sobrevivência física pela criminalidade desmesurada em que se
manifesta o crime organizado.” (MEJIA, 2008, p. 81). Aqui aparece a morte violenta como
um fenômeno com a qual os jovens convivem constantemente, e os fatores que levam a
esse crime são diversos: justiça comunitária, assaltos ou brigas; além da violência do
município.
A mídia surge como o elemento que apresenta a violência em todas as partes,
gerando uma sensação de insegurança. “Grande parte dos sentimentos e emoções
expressos em falas e opiniões sobre violência fundamenta-se no que os meios de
comunicação de massa transmitem. A produção dessas representações é um efeito da
violência simbólica exercida pelo campo jornalístico.”17 (MEJIA, 2008, p. 82). A mídia
aproxima a violência do nosso cotidiano, mesmo para aqueles que nunca foram vítimas,
mas se sentem inseguros. “[...] os excessos inerentes aos suplícios representam
estratégias de poder e, paradoxalmente, sua difusão implica no controle social pelo
medo.” (IDEM, p. 93). Esse controle contribui para a criação de uma cultura do medo18,
onde o indivíduo não é mais ameaçado pela natureza ou por Deus e sim, pela
modernização e pelo progresso. A violência e o medo aparecem como constitutivos do
poder, seja por parte de grupos legalmente aceitos ou os ilegais. Medo surge aqui não
como uma categoria e sim como a verbalização de um sentimento de insegurança. Logo,
para Mejia, nas sociedades onde impera à desconfiança, o medo é a única comunidade
possível.
“Evitar tais e quais linhas de ônibus; evitar tais e quais lugares, em tais e quais
horários. Evitar sair de casa. Bala perdida. [...] É melhor usar um relógio não muito caro
16 Como pode ser observado em Koury (2006) ao escutar as narrativas dos indivíduos sobre os medos
corriqueiros.
17 Ver também Salmito (2011), Souza (2008), Eckert (2000) e Baierl (2004).
18 Ver também Barreira (2011), Freitas (2003) e Eckert (2000)
38
[...] mas não tão barato a ponto de o ladrão se irritar.” (SOUZA, 2008, p. 19). Esses são
elementos presentes nas cidades que geram uma sensação de risco eminente. Souza
inicia seu percurso metodológico contextualizando os países capitalistas ou sociedades
pós-industriais, onde o problema central não é a escassez e sim os efeitos da
modernização e o modo como eles são vistos pela opinião pública e os meios de
comunicação de massa. A frase que simboliza esse momento é: “Eu tenho medo!” (IDEM,
p. 21); onde o risco assume o papel central na sociedade. Ressalta ainda que “‘Eu tenho
fome!’ e o ‘Eu tenho medo!’ podem conviver, de maneira complexa, no interior da mesma
realidade sócio-espacial.” (IDEM, p. 21). Em uma sociedade em que a concentração de
riqueza e a modernidade industrial impressionam e uma quantidade elevada de pessoas
não tem acesso a coisas básicas para sobrevivência, a insegurança e os riscos vêm
aumentando. O autor levanta ainda a concepção de guerra civil afirmando que esta se
faz presente há muito tempo nas metrópoles, sendo bastante utilizada pelos meios de
comunicação de massa desde o fim dos anos 80, principalmente no Rio de Janeiro, e que
é conduzida por cidadãos comuns que se tornam “[...] incendiários, chacinadores e
assassinos seriais.” (IDEM, p. 27).
A sensação de insegurança potencializa os medos e os riscos da sociedade,
gerando novas sociabilidades, novas posturas. A mídia, a comunicação de massa,
desenvolve um papel determinante no aumento dessa sensação, uma vez que ela é a
responsável por divulgar as ações violentas e o faz com certo grau de sensacionalismo.
“A percepção pública da insegurança pode não evoluir, ao menos durante certo tempo, de
maneira totalmente proporcional e coerente com as taxas de crimes violentos [...] [mas] a
mídia, comumente, [...] amplifica e retroalimenta o medo.” (SOUZA, 2008, p. 29-30). Há
uma indústria do medo: vende jornais, revistas, rende negócios, vende blindados, cercas
elétricas, condomínios exclusivos, segurança particular e rende até votos 19. É comum ver
candidatos da “segurança”20 que se elegem, ou tentam, através do discurso do medo,
para Freitas (apud Jornal OPovo 2013) há um mercado político tirando proveito da
violência. “É como se fosse um comércio lucrativo da violência porque ele se sustenta no
medo.” (p. 31).
A partir desse entendimento, Souza apresenta o conceito de fobópole: uma cidade
onde o medo impregna o cotidiano, tornando-se um dos aspectos centrais das nossas
vidas e de nossas preocupações, condicionando as mais diferentes facetas da nossa
existência. Na fobópole o clima de ‘guerra civil’ é constante e nele a guerra é travada de
‘cidadão contra cidadão’. A sensação de insegurança sai das páginas dos noticiários e
passa a ocupar o cotidiano dos indivíduos, além de gerar custos tanto do sistema privado
quanto do sistema público. O medo não tem nada de novo, pois, ao longo da história, tem
sido comum, contudo, atualmente, o medo da criminalidade violenta é o que mais tem se
sobressaltado. Nas grandes cidades “[...] a criminalidade ordinária [...] alimenta constante
e ampliadamente o sentimento de medo generalizado. [...] [Na] fobópole [...] grande parte
de seus habitantes, presumivelmente, padece de estresse crônico [...] por causa da
violência, do medo da violência e da sensação de insegurança.” (SOUZA, 2008, p. 40) O
aumento da sensação de medo leva a uma má qualidade de vida e a diminuição da
sociabilidade, conclui Souza. É interessante perceber o conceito de fobópole e entender o
que é e como é uma cidade balizada pelo medo, como se dão as relações nesse cenário?
Souza é sem dúvida um autor fundamental para analisar as informações conseguidas
pela pesquisa e, a partir daí, entender a rede de relações complexas demarcadas pelo
medo.
Já Eckert (2000) traça narrativas da cultura do medo a partir de 11
depoimentos de pessoas idosas que moram há mais de 30 anos no Estado do Rio
Grande do Sul. Apresenta o medo e a insegurança como elementos presentes no
cotidiano das pessoas e capazes de fazê-las mudar de sociabilidades e relaciona o
surgimento de aparatos de defesa como uma forma de se proteger da violência e de se
sentir seguro. Aponta a mídia como um veículo que serve para confirmar a cultura do
medo no cotidiano, inserindo a violência no dia-a-dia dos interlocutores. O resultado disso
é a adaptação da rotina visando com isso à proteção. “As pessoas são roubadas,
assaltadas, agredidas [...]. Esses acabam sendo os maiores temores [...]. Vítimas ou não
de perigos reais [...] adotam estratégias de proteção e criticam a insustentabilidade da
ordem cotidiana por autoridades civis.” (IDEM, p. 3). Ressalta ainda a cultura do medo
como sendo uma estrutura simbólica de articulação entre representações e pontua sua
construção com comparações entre o ontem e hoje, onde o sentimento de insegurança é
experimentado nos pequenos sinais cotidianos. Dessa forma, “o medo e a insegurança
são, então, determinismos socializadores cada vez mais presentes no convívio urbano,
uma linguagem de forma cada vez mais coletiva.” (IDEM, p. 27).
Em Tuan (2005) a imaginação aparece como um elemento que canaliza a
intensidade do medo, chamando atenção para o fato de que esse medo não é único e
nem observável da mesma maneira, ele é variável de acordo com as sociedades e as
experiências individuais. Dessa forma, Tuan caminha para o que ele denomina
Paisagens do Medo, que “[...] diz respeito tanto aos estados psicológicos como ao meio
40
ambiente real. [...] São as quase infinitas manifestações das forças do caos, naturais e
humanas.” (IDEM, p. 13). Dessa maneira, existem muitas formas das paisagens do medo,
que vão desde elementos concretos, como a construção de muros, cercas ou a instalação
de dispositivos de segurança, até o medo de algo imaginário 21, como fantasmas e
espíritos.
Por sua vez, Freitas (2003) aborda o medo como uma construção social, isto é,
um fenômeno que pretende condicionar e regular as relações sociais de uma determinada
comunidade. Apresenta-se, dessa forma, “[...] como um dos ecos mais significativos da
violência.” (IDEM, p. 18), fincado no tripé: violência, insegurança e impunidade. Do seu
ponto de vista o medo pode ser explícito, observável no interior de uma relação social; ou
implícito, que denota um mundo de incertezas, onde tudo pode ser potencialmente
perigoso. A partir disso, o medo se expressa em ações que podem ser decorrentes da
realidade objetiva ou decorrentes de uma conduta antecipatória da possibilidade do
perigo, esta última se apresenta como o maior prejuízo produzido pelo medo, uma vez
que leva os indivíduos a modificarem atos, alterarem trajetos e assim por diante.
O medo apresenta-se como um atributo que perpassa todos os segmentos
sociais, atingindo uns em maior ou menor grau, sendo advindos de representações
mentais ou de proteção contra o perigo real, no entanto, suas zonas de delimitação não
são definidas, de forma que o indivíduo pode, ao mesmo tempo, sentir medo de algo não
concreto e sentir o mesmo medo de alguma experiência vivida. Corrobora com isso uma
cultura do medo e do silêncio que permeia o cotidiano das relações construídas e
constituídas sob o signo do medo.
A relação entre medo e cidade nem sempre existiu, no entanto, nas metrópoles
modernas, com o aumento do crime e da insegurança, surge como um novo elemento de
desagregação social, que repercute sobre as práticas e as percepções de cidadania.
Quando se imagina Fortaleza de alguns anos atrás o medo não parece ocupar a
dimensão que tem hoje, mas já existia, contudo, era regionalizado, sabia-se onde era
perigoso e os horários, havia uma “[...] espécie de proteção coletiva.” (BARREIRA, 2011,
p. 89). A modernidade se coloca como um fenômeno dual, onde se de um lado apresenta
novas condições de existência; do outro traz condições de destruição ameaçando a vida
social e gerando medo. Pensar o medo como um sentimento de ordem social significa
observar três pressupostos: os sentimentos se expressam de maneira diferente no tempo
e no espaço; ele se reproduz em larga escala e em cadeia e passa a ser integrado por
21 Nesse trabalho é possível observar a dimensão do imaginário a partir dos medos dos interlocutores de
algo da qual eles nunca foram vítimas e da qual o bairro Benfica não apresenta índices significativos.
41
todos os membros da sociedade, vale ressaltar que “[...] o medo [...] é baseado em
crenças, em mitos e em valores que caracterizam uma determinada ordem social.” (IDEM,
p. 92); esse medo contemporâneo se baseia no sentimento de desproteção e na crença
na eficácia de instituições de controle, na busca por soluções particularizadas, como o
uso da segurança privada.
Dessa forma, o medo produz influência no modo como as pessoas se
comportam. A mídia, em especial os programas policiais como Linha Direta, Barra Pesada
ou Cidade 190 se utilizam do medo como fio condutor da notícia, se inserem na
circularidade do medo, processo em que o medo adquire novos sentidos, novas
linguagens, símbolos e narrativas. Cria-se um estereótipo de indivíduos potencialmente
perigosos e passa-se a fugir de pessoas que tenham esse perfil, é a mixofobia, isto é, o
medo da mistura, reforçando a ideia de segregação e intolerância. “[...] a difusão das
ocorrências de criminalidade, através dos meios de comunicação de massa [...] terminam
por criar o círculo vicioso do medo, contribuindo para a crença na sensação de
generalidade de situações.” (BARREIRA, 2011, p. 94). O medo gera uma dificuldade de o
indivíduo se inserir na vida social, interfere nos modos de se comunicar e nas formas de
sociabilidade; os espaços públicos são esvaziados e passam a ser frequentados pelos
indesejáveis, transformam-se em territórios do medo. E há ainda uma indústria que se
alimenta do medo: alarmes, vidro fumê, objetos eletrônicos, blindados etc; além dos
muros altos e as barreiras separando o público do privado, ou até mesmo privatizando o
público.
O caminho percorrido até o presente momento teve como objetivo apresentar e
discutir o que foi encontrado na literatura sobre a emoção medo e perceber como os
autores abordam esse tema. Esse trajeto é necessário para entender a diversidade de
formas de abordagem do medo e para dar base ao conceito chave na qual esse trabalho
está ancorado: o medo social, singular coletivo construído na interação social. Partindo
disto, é importante entender que
são constantes, onde a população cria táticas de adaptação e flexibilização diante desse
cenário.
de 2015.
44
como a OMS, a violência e suas consequências como um problema de saúde pública que
afeta diretamente a gestão de saúde do Estado e, consequentemente, o orçamento
referente a saúde.
O Mapa da Violência 201427 apresenta os dados referente a violência e
criminalidade, apontando, que no Brasil morre mais pessoas que em locais onde há
conflito armado. O Ceará aparece como o 3ª em quantidade de homicídios, sendo 44,6%,
que significa 145 homicídios por dia. A média brasileira é de 22,0%, logo o Ceará tem o
dobro da média nacional de homicídios. Quando vemos a realidade de Fortaleza nesse
cenário, percebemos que a mesma concentra 76,8% dos homicídios, mais uma vez sendo
o dobro da média nacional, que figura em 38,5%.
Segundo a pesquisa Cartografia da Criminalidade e da Violência de Fortaleza
(UFC/UECE, 201028), o bairro Benfica não desponta como um local violento, isto é, com
números relevantes que se relacionem a homicídios e lesão corporal. Contudo, quando
observamos os números referente a furtos e roubos, o Benfica aparece em 4º29, com um
total de 576 furtos e 411 roubos. No entanto, esses dados são dados oficiais, de pessoas
que registraram boletins de ocorrência e por isso os eventos entram nas estatísticas.
Ressalto ainda que esses dados são referentes ao ano de 2010 e estão desatualizados,
para a pesquisadora Jânia Perla (apud Jornal OPovo 2014) “a falta de transparência
colabora com a sensação de insegurança da população. Sem os dados acredita-se que a
situação é pior que a realidade.” (p. 3)
GRÁFICO 01
números da violência no bairro, contudo, até o presente momento ainda não obtive resposta.
29 Posição dentro da Secretaria Executiva Regional (SER) que o bairro faz parte. A cartografia analisa por
SER.
45
MAPA 01
MAPA 02
GRÁFICO 02
31 Fortaleza possui 114 bairros e conta com uma população de cerca de 2,5 milhões de habitantes. É
dividido em seis Secretarias Executivas Regionais, SER, que tem como papel a execução das políticas
públicas definidas pelos gestores. A Secretaria Executiva Regional (SER) IV foi inaugurada em 25 de abril
de 1997. Com área territorial de 34.272 km², a SER IV abrange 19 bairros. Fonte:
http://www.fortaleza.ce.gov.br/regionais/regional-IV. Acessado em 29 de maio de 2014.
32 http://www.fortaleza.ce.gov.br/regionais/regional-IV. Acessado em 29 de maio de 2014.
33 O índice de Desenvolvimento Humano Municipal (IDH-M) contempla três indicadores: média de anos de
estudo do chefe da família, taxa de alfabetização e renda média do chefe de família (em salários mínimos).
Quanto mais próximo da nota 1,0 mais desenvolvido é o bairro. Fonte: Pesquisa Cartografia da
Criminalidade e da violência na Cidade de Fortaleza, 2010, p.121.
34 Fonte: Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) - Censo Demográfico 2010.
48
Verdes de Fortaleza, 0,2 km² do bairro é composto por vegetação, o que representa 14%
do território. Esses e outros elementos fazem do Benfica um espaço de diversidade e
lugar de encontro de gerações.
família e a outra foi alugada para famílias de classe média, imprimindo dessa forma um
novo aspecto cultural, histórico e arquitetônico no bairro.
O campus da Universidade Federal do Ceará - UFC foi instalado no bairro em
26 de junho de 1956 e motivou uma série de modificações, a começar pela estrutura
física. A Universidade adquiriu imóveis por toda a extensão do bairro, utilizando eles para
a criação dos seus espaços. Prédios onde hoje funcionam as Casas de Cultura francesa,
britânica e alemã eram residências de famílias como os Bráulio Lima, Tomaz Pompeu
Magalhães e Francisco Queiroz Pessoa36; em frente, o Centro de Humanidades II, era a
residência de Antônio Gentil, que deu lugar ao Centro de Esportes Universitários (CEU) e
a residência de João Thomé Sabóia, da qual ainda resta o observatório, é hoje os Centros
Acadêmicos de Comunicação e Psicologia; a Reitoria era o palacete de José Gentil; e,
onde hoje fica o curso de Ciências Sociais, outrora era a residência de João Gentil.
A chegada da UFC imprimiu uma nova marca no bairro, além de valorizá-lo.
Antes reconhecido como espaço residencial e tranquilo, passou a ser visto como bairro
universitário, trazendo novos atores sociais que se integraram ao bairro e passaram a
construir um cenário diferenciado. Surge ainda uma série de novas atividades econômicas
em torno da Universidade, este comércio era voltado para atender a demanda dos
estudantes que passaram a fazer uso desse espaço. Destacam-se os variados bares,
mercadinhos e a modificação dos tipos de residências, com a construção de quitinetes
para atender a demanda estudantil. Dessa forma
[...] o bairro é o espaço de uma relação com o outro como ser social, exigindo um
tratamento especial. Sair de casa, andar pela rua, é efetuar de tudo um ato
cultural, não arbitrário: inscreve o habitante em uma rede de sinais sociais que lhe
são preexistentes (os vizinhos, a configuração dos lugares etc.) (CERTEAU, 2003,
p. 43)
O bairro se configura como um espaço vivido por indivíduos que moram e/ou
frequentam e se sentem reconhecidos no local. Imprimem suas marcas, entrelaçando
suas vivências e histórias de vida com a do próprio bairro. O Benfica, em especial, tem
apropriações diversas oriundas da multiplicidade de espaços públicos e privados que
compõe a dinâmica local.
A Universidade Federal do Ceará ocupa 13 hectares do bairro, sendo
compostas por órgãos internos acadêmicos e administrativos, como a Reitoria, as Pró-
Reitorias de Planejamento, Extensão, Administração e Assuntos Estudantis;
Superintendência de Recursos Humanos; os Centros de Humanidades I (onde se localiza
a Faculdade de Educação, as Casas de Cultura Estrangeira, o Departamento de Letras, a
Biblioteca), II (quadra do CEU, Departamento de Psicologia, Comunicação Social e
História) e III (Departamento de Ciências Sociais e algumas Pró-Reitorias); o
Departamento de Arquitetura e Urbanismo; a FEAAC (Faculdade de Economia,
51
37Ressalto o surgimento dos cafés porque me chama a atenção um elemento: as grades! Os cafés em
questão, Kali Café, Candeeiro Cultural e Café Vitrola, ficam localizados na Rua Waldery Uchôa. Ao passar
por eles é estranho olhar e vê-los fechados com grades, sendo preciso, em alguns momentos, esperar o
garçom abrir o cadeado.
53
IMAGEM 01:
IMAGEM 02:
40 Ver página 43
57
o local violento e inseguro no imaginário da população. Dessa forma, esses dois veículos
mesclam-se gerando medos diversos onde o universo imaginário toma uma dimensão
própria, pois, a partir do que se escuta e do que se vê na mídia, as pessoas passam a
mudar os hábitos e potencializar a sensação de insegurança. Os indivíduos passam a ser
vítimas do próprio medo.
GRÁFICO 0341:
41 Os gráficos apresentados a partir desse momento foram construídos por mim a partir dos dados obtidos
com a aplicação do questionário fechado online e presencial. Ao todo foram aplicados 17 questionários em
dias alternados e lugares diferenciados.
42 A abordagem policial foi citado pelo interlocutor como um tipo de violência.
58
GRÁFICO 04:
teve um destaque especial por se tratar de um cidadão que foi “atacado” pela violência
brutal presente no bairro, gerando, dessa forma, uma sensação difusa de impotência
como abordado por Tuan (2005).
IMAGEM 03:
Segue-se a essa notícia outras de menor repercussão social, mas que tiveram
destaque nos noticiários policiais e nos jornais locais. Como é o caso da notícia do dia
01/12/201344, jovem é morto a tiros na Praça da Gentilândia, onde o que mais chama
atenção é a normalidade da situação: o corpo estendido de um lado e do outro a rotina
segue normal, com as pessoas comendo e bebendo. Nota-se que aqui a notícia não
causa comoção, pois o morto em questão não era um “cidadão de bem”, dessa forma é
como se aquela morte fosse algo longe da realidade dos moradores e usuários do bairro,
sendo ligada ao crime e considerada motivada pelo mesmo.
“[...] o Benfica esta perigoso, que na Praça da Gentilândia não é mais aquele lugar
que você pode ficar com seus amigos bebendo porres e porres de vinho que nada
vai acontecer que vai acontecer porque acontece direto e ae teve, falando um
pouco da praça né, já teve caso de assassinato na praça né, que tem mesmo o
pessoal do tráfico lá né, sempre rondando, não foram só um assassinato né, foram
outros, inclusive do pessoal que deve esse pessoal do tráfico né. [...].”
(ENTREVISTA CONCEDIDA POR MARIA, FRQUENTADORA DO BAIRRO,
GRAVADA E TRANSCRITA)
48 Ver anexo E: Polícia desarticula rede de tráfico na Praça da Gentilândia após denúncia do Diário do
Nordeste.
49 Ver anexo F: Flanelinha é executado a tiros por dupla.
50 Ver anexo G: Irmãos gêmeos espancados após assaltar estudante.
51 Esses dados referem-se ao site ondefuiroubado.com e as entrevistas realizadas.
62
“[Falar de] medo me vem à cabeça insegurança, se sentir insegura assim, não ter
segurança pra fazer as coisas, pra me movimentar na cidade, o medo sempre
ligado a cidade, fortaleza se tornou assim uma cidade muito .... muito triste
principalmente por causa disso, dessa insegurança, desse aprisionamento nas
casas, no meu bairro as casas tinham jardins, hoje em dia quase não tem jardins,
porque o pessoal levantou os muros mesmo, botou cerca elétrica e tal, por causa
desse medo, dessa insegurança, dessa sensação de algo está prestes a
acontecer, que algo vai acontecer e tal [...] (ENTREVISTA CONCEDIDA POR
MARIA, FREQUENTADORA DO BAIRRO, GRAVADA E TRANSCRITA).
Maria52 já não vive a cidade como outrora, contudo, seu medo tem uma base
concreta, pois, a mesma já foi vítima de violência no próprio bairro, mas, se eleva a uma
outra dimensão quando ela passa a se sentir insegura em espaços onde ela nunca foi
vítima de violência. Para Koury (2006) “O medo do outro, o estranhamento do cotidiano
parecem gerar outro tipo de solidão, que é a solidão de viver em uma cidade cada vez
mais estranha.” (p. 83). Para Maria, o bairro sempre fez parte de sua rotina, mas hoje ela
já não se apropria dos espaços e das ruas, ela se sente insegura nele e opta por não se
movimentar.
O sentimento de insegurança retratado por Maria é compartilhado pela maioria
dos interlocutores da pesquisa, dos quais 90% afirmam que se sentem inseguros no
bairro Benfica. Esse número se eleva ainda mais em dias de jogos no Estádio Presidente
Vargas, onde 100% dos entrevistados dizem se sentir inseguros, tornando esse dia o
52Interlocutora da pesquisa que aqui terá o pseudônimo de Maria, ela tem 26 anos, é professora, solteira e
o bairro é um local onde ela costuma vir para trabalhar e para o lazer.
63
GRÁFICO 04:
medo social aparece de maneira mais complexa, pois, além de se tratar de uma emoção,
surge como resultado de um “universo violento” (MATOS JÚNIOR, 2008).
GRÁFICO 05:
É interessante observar esse dado pois, cerca de 60% dos entrevistados afirma
nunca ter sido vítima de violência no bairro, contudo, 90% afirma se sentir inseguro ou
pouco seguro. Para Paiva (apud Jornal OPovo 2013) os
Diante disto, as formas de vivenciar o bairro são pautadas por aquilo que se vê
e escuta, modificando os espaços, rotinas e apropriações e gerando o estresse de viver
pautando as ações em cima de estratégias que visam a proteção. As estratégias que
buscam um estado de segurança são atos cada vez mais normalizados onde não é só a
rua que é evitada, são evitados um conjunto de circunstâncias que possam ser
ameaçadores à segurança pessoal. Como consequência há o aumento, cada vez maior,
do uso de shoppings para o lazer por serem espaços “privados que garantem a
segurança”. Na pesquisa, dos 17 entrevistados, 08 afirmam que o lazer das suas famílias
se dá principalmente nos shoppings, para outros 08 interlocutores suas famílias optam por
ficar em casa e apenas 01 pessoa afirma que a família faz uso das praças públicas para o
lazer. Há ainda o aumento da quantidade de elementos comerciais voltados para a
segurança e o aumento do consumo de bens e serviços, como apontado por Barreira
(2011) “Eliana [...] aos poucos vai compensando suas tensões com a aquisição de
artefatos que permitem ampliar a margem de segurança. Celular, controle remoto, seguro
contra roubos, vidro fumê etc. [E] gradativamente, vai reduzindo a sua presença em locais
públicos [...].” (p. 88).
Os interlocutores dessa pesquisa são o maior exemplo de busca de estratégias
e soluções individualizadas buscando sentir-se seguro, como pode ser visto no gráfico 06,
empreendem condutas antecipatórias ao perigo real (FREITAS, 2003) que acarretam no
prejuízo de viver e conviver em uma sociedade regulada pelo medo. Corrobora com essa
particularização a fala da Joana53 que afirma que
[...] depois de ser assaltada eu não queria ir a pé, ai era ruim, tinha que ir e voltar
todo dia de manhã, ai arranjei uma bicicleta [...] ai esse hábito eu mudei, porque
de bicicleta eu me sinto mais segura por que sou mais rápida, claro que eu sei que
posso ser assaltada do mesmo jeito [...] de bicicleta me sinto mais seguro porque
vou bem rapidinho ai o ladrão que vai visar alguma pessoa pra assaltar já tem
menos tempo né, por que eu me locomovo mais rapidamente. [...] e eu sempre
tenho o cuidado de levar somente o necessário.” (ENTREVISTA CONCEDIDA
POR JOANA, MORADORA DO BAIRRO, GRAVADA E TRANSCRITA).
53
Interlocutora da pesquisa que aqui terá o pseudônimo de Joana, ela tem 29 anos, é antropóloga, solteira,
estrangeira e moradora do bairro Benfica há 3 anos.
66
GRÁFICO 06:
[...] aqui no bairro eu fui assaltada, uma história bem estranha né, eu tava aqui no
salão, próximo aqui a tia Fátima54 né, ao bar, próximo não, vizinho né, eu tinha
entrado no salão, era uma festa de formatura de uma amiga minha e eu queria
uma coisa bem prática, não ‘vou sair da faculdade e vou ajeitar meu cabelo no
salão que é perto, pronto depois já vou pra casa e vai ser muito mais rápido’, e eu
tava lá, é, isso era fim de tarde, acho que era umas cinco e meia seis horas. [...] E
ai tinha eu e tinha outra pessoas no salão, não era só eu, inclusive tinha um
homem no salão, tava lá fazendo as unhas e num sei o que e ae entrou um cara,
foi uma movimentação estranha por que ele entrou e saiu e depois entrou ele e
um outro cara, o primeiro deles né, que falei, com um revólver ai boto todo mundo
numa sala que fica atrás, tem o primeiro espaço né, com o negócio para lavar o
cabelo e tal, e tem uma salinha atrás, eu nem sabia que tinha essa salinha né,
uma sala inclusive não tão pequena, botou todo mundo que tava, tinha mulher
grávida inclusive, ela ficou muito nervosa na hora e tal, botou todo mundo na
salinha né e levou tipo tudo né. Botou a gente todo mundo pra lá e o que tinha
ficado nesse primeira sala, tipo minha bolsa tinha deixado lá, eles levaram tudo né
ae pronto, foi uma coisa muito rápida também, mas foi bem tenso, foi tenso
mesmo. Isso me deu também a dimensão da ... dessa proximidade com a
violência né, assim né você passar por uma situação dessa, e na hora eu
consegui manter a calma assim eu fiquei até acalmando lá uma mulher que tava
grávida ‘não calma, vai ficar tudo bem’ e tal. [...] (MARIA)
Após essa narrativa, Maria comentou que ficou com tanto medo depois disso
que não passa nem na calçada do estabelecimento, ela atravessa a rua para não passar
em frente. O medo é tal que altera inclusive seu trajeto e sua apropriação da rua. Já
Joana foi assaltada ao meio-dia quase em frente à sua casa, na Rua João Gentil, por um
adolescente que pedia o celular. Ela logo entregou e foi embora, mas o que marcou nessa
situação foi o fato de ter sido próximo à casa dela: “[...] isso foi muito ruim por ser bem
perto da minha casa, acho que até aumenta a sensação de insegurança [...].”
Nessas duas narrativas, a da Maria e a da Joana, chama atenção alguns
aspectos. O primeiro deles é em relação ao imaginário da segurança: Maria não anda
mais na porta do estabelecimento, tão pouco frequenta o espaço. Na concepção dela
essa atitude irá mantê-la afastada desse “universo violento”, contudo, objetivamente essa
54 Esse bar fica localizado na Rua Paulino Nogueira, em frente a agência do Banco do Brasil.
68
atitude não tem não garante a segurança, é apenas uma estratégia que visa a proteção.
Já Joana se choca com o assalto sofrido por ser perto da sua casa, é como se a violência
fosse algo que ela sabe que existe, tem medo de ser vítima, mas, até então, conseguia
manter uma certa distância. Atualmente ela vive um novo momento: onde tudo e todos
são potencialmente perigosos e onde nada no bairro garante segurança.
A consequência direta dessa violência é a busca por formas de “fugir” ou de se
“esconder”, objetivando, com isso não ser mais vítima. No caso de Joana, a maior
mudança nos seus hábitos cotidianos foi alterar a forma de transporte, antes, ela que
mora e estuda no bairro, fazia todos os trajetos a pé, agora, por medo, opta por usar uma
bicicleta. Outro elemento que chama atenção na fala dela é quando ela compara seu pais
de origem55 com Fortaleza, afirmando que “[...] uma das coisas ruins de morar aqui é ter
que criar estratégias de segurança [...]”, coisa que ela nunca teve que se preocupar no
seu pais de origem. Já para Maria, medo a impede de viver o bairro e a Cidade.
“Olha sobretudo a parte do sair né, do sair pra se divertir, assim, porque é o
assalto, é o medo e são outras coisas que a cidade não te possibilita né [...] tipo
dá 9 horas 9 e 15, tenho que ir embora, essa sensação ‘não preciso ir porque
senão alguma coisa vai acontecer’, mas ao mesmo tempo é uma sensação
mesmo meio sem sentido, porque o assalto pode acontecer a qualquer hora. [...]
antes eu saia muito só, hoje eu tenho a resistência sair sozinha, poxa sair sozinha
né, você se torna um alvo mais fácil eu acho, quando você tá só, principalmente
por ser mulher, assim, eu acho que você se torna realmente um alvo mais fácil
estando só. [...] aqui no Benfica, quando fica mais tarde eu volto ou com mototáxi,
com o Manel56, ou mesmo num táxi [...].” (Maria)
55Joana é alemã e mora no Brasil há aproximadamente 4 anos e há 3 anos e meio no bairro Benfica.
56Mototaxista citado por ela em alguns momentos da entrevista. Segundo a Maria, é ele quem a leva para
casa sempre que ela fica até mais tarde no bairro. Ele também é responsável por mantê-la “atualizada” das
notícias de assaltos e assassinatos no bairro. O Seo Manel fica em um ponto fixo na Praça João Gentil.
69
pela emergência da cultura do medo à vitimização.” (ERCKET, 2000, p. 18). Dessa forma,
a cultura do medo desestabiliza as vivências coletivas e individuais tornando as relações
sociais cada vez mais dispersas e fragmentadas e gerando emoções que vão além do
medo: ira, indignação e impotência. “[...] O medo, a insegurança e a impunidade fazem
ampliar e reafirmar a lei do silêncio. [...]” (BAIERL, 2004, p. 64).
“cara e cor” ao medo e a insegurança, gerando assim uma segregação urbana ainda
maior e um afastamento dos que são considerados “potencialmente perigosos”. Diante
disto, os indivíduos passam a adotar novas estratégias de uso desse espaço
estigmatizado e considerado violento.
GRÁFICO 07:
diminui a violência, “[...] Quando tem os policiais fica mais calmo né, inibi. [...].” (SEU
JOÃO); contudo, 88% não consideram a polícia eficiente no combate ao crime e apenas
65% considera sua presença como um elemento que aumenta a sensação de segurança.
É interessante perceber nesses dados como nosso agende de segurança, a polícia,
acaba não conseguindo ser efetiva, de acordo com o imaginário da população dos
entrevistados, no combate ao crime e a insegurança.
IMAGEM 04:
[...] não é apenas a rua que é evitada como local favorável aos crimes contra a
pessoa, mas a própria “casa” precisa ser fortalecida e assegurada às ameaças do
mundo criminal. Para proteger o mundo doméstico, a vida privada, apela-se a
instrumentos protetores materiais (alarmes contra roubo, etc) e cursos de defesa
pessoal, investe-se em protetores cotidianos (guardas, etc) contra o vandalismo,
roubos e assaltos. A paisagem urbana [do bairro Benfica] [...] conhece, assim, de
forma acelerada uma vitalização das estratégias de segurança que vão figurando
uma cidade a partir de uma estética do medo. (ECKERT, 2000, p. 13)
58Os respectivos cafés foram objeto de estudo desse trabalho, contudo, no início do ano eles fecharam as
postar alegando a insegurança como o elemento primordial.
73
IMAGEM 05:
IMAGEM 06:
AVISO DA CERCA ELÉTRICA NO MURO DE UMA CASA RESIDENCIAL. FOTO: SUIANY SILVA
[...] essa possibilidade, imaginada como real, concreta, advinda de uma sensação
de insegurança, que gera um medo imaginário, o qual conduz as pessoas a
alterarem significativamente seus ritmos e a dinâmica da vida cotidiana, podendo
provocar reações iguais ou mais violentas do que aquela criada em suas mentes.
Isso alimenta e é alimentado [pela] [...] “indústria do crime” e pela descrença nos
sistemas de segurança pública legalmente instituídos. (BAIERL, 2000, p. 197)
75
5. CONCLUSÃO
REFERÊNCIAS
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Paulo: Cortez Editora, 2004.
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corpo-por-que-manter-esse-costume-diz-ativista-fardhosa-mohamed>. Acessado em 19
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MAUSS, Marcel. Sociologia e Antropologia. Trad.: Paulo Neves. São Paulo: Cosac
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http://www.opovo.com.br/app/colunas/opovonosbairros/2012/12/03/noticiasopovonosbairr
os,2964708/2012-0312cd0801-o-bairro-que-respira-cultura-e-historia-de-uma-forta.shtml
http://www.fortalezaemfotos.com.br/2010/11/o-velho-bairro-do-benfica.html
82
Questionário:
Nº _________ Data: __/___/2014 Cidade: Fortaleza Inicio: __:__
Fim: __:__
1) Idade?
2) Gênero
3) Estado civil
4) Nível de escolarização
Questionário:
Nº _________ Data: __/___/2015 Cidade: Fortaleza Inicio: __:__
Fim: __:__
Rua: Número:
PERFIL
1. Classificação etária: b. 5 a 10 anos
a. Até 15 anos c. 11 a 20 anos
b. 16 a 20 anos d. 21 a 30 anos
c. 21 a 30 anos e. Mais de 30 anos
d. 31 a 40 anos
e. 41 a 50 anos 4. Gênero
a. Masculino
2. Qual a sua profissão? b. Feminino
_____________________________________ c. Outros_________________________
6.2. Em qual bairro a ação ocorreu? 9. O senhor (a) tem medo de ser vítima da
_____________________________________ violência?
_____________________________________ a. Sim
b. Não
7. O senhor (a) já presenciou algum tipo de
violência? 9.1. De que tipo de violência o senhor (a) tem
a. Sim mais medo?
b. Não _____________________________________
_____________________________________
7.1. Qual tipo?
_____________________________________ 10. Quais as estratégias que o senhor (a) usa
_____________________________________ para se proteger?
_____________________________________
_____________________________________
84
23. O senhor (a) acha que a presença da polícia aumenta a sensação de segurança?
__________________________________________________________________________
86
A esposa, sentada numa cadeira, era consolada por amigos e familiares. O marido,
Vicente de Paulo Miranda Leitão, 46 anos, tinha acabado de ser morto durante um
assalto no bairro Benfica. “E agora, meu Deus? O que vai ser das meninas sem o
pai?”, se perguntava. Vicente era pai de duas garotas. Era também amigo do Eulálio,
colega de trabalho do Adeildo.
O professor do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Ceará (IFCE)
havia estacionado seu carro - uma L200 preta - na rua João Gentil, ao lado da Praça
da Gentilândia. A esposa ficou dentro do veículo e Vicente foi caminhando até uma
gráfica para pegar um banner. Na volta, quando ia entrando no carro, foi abordado
por dois assaltantes.
“Ele se aperreou porque a mulher tava dentro do carro. Tentou tirar a esposa de lá e
um dos bandidos deve ter achado que ele ia reagir”, conta uma das testemunhas.
Vicente foi atingido com um tiro no lado esquerdo do peito, por volta das 12h30min
de ontem. Os bandidos fugiram levando a L200. O veículo não havia sido localizado
até a noite de ontem.
Ainda de acordo com o major, foi o adolescente quem atirou no professor. O outro
assaltante seria um irmão dele, também adolescente. Ele estava foragido até o início
da noite de ontem.
“O Vicente era uma pessoa excelente. E muito inteligente. Veio de uma família
humilde e se fez na vida trabalhando, estudando”, lembra o amigo Eulálio Costa.
“Ele tinha acabado de terminar o doutorado”, acrescenta Adeildo Cabral, que
também é professor do IFCE.
Luto
Mais de 50 pessoas comentaram a notícia da morte de Vicente no Portal O POVO
Online (até as 20 horas de ontem). “Toda nossa família está em luto. Perdemos uma
figura admirável. Pedimos socorro às autoridades e Justiça para Deus”, escreveu a
internauta Nona Leitão.
“Evento triste, pela vida do profissional e do ser humano. O Benfica era um dos
poucos lugares que eu considerava seguro na cidade. Acho que o poder público
estadual e até mesmo a Guarda Municipal deveriam em conjunto policiar pelo
menos as praças e a região do entorno do IFCE e UFC”, sugere um outro leitor, que
se identificou como Reginaldo da Silva.
Onde
ENTENDA A NOTÍCIA
O latrocínio (roubo seguido de morte) foi no Benfica, um bairro universitário e
tradicional de Fortaleza. Vicente de Paulo havia estacionado seu veículo numa rua
ao lado da Praça da Gentilândia.
Fonte:
http://www.opovo.com.br/app/opovo/fortaleza/2011/09/22/noticiasjornalfortaleza,230
2810/professor-do-ifce-e-morto-em-assalto-no-benfica.shtml
88
O noticiário informa que foi mais um homicídio de um tipo que se tornou muito
comum. Possivelmente, segundo a PM, o caso se relaciona com o tráfico de drogas.
A área foi isolada pela PM. Coberto por um lençol, o corpo passou horas estendido
no chão.
No dia seguinte, alguém colocou nas redes sociais uma foto retratando uma
esdrúxula situação. Na imagem (vejam acima), mesas e cadeiras fora da área
isolada. Gente comendo, bebendo, se divertindo. A poucos metros, o corpo.
89
Sim sei que a morte a vida estão banalizadas em Fortaleza e adjacências. Vez ou
outra, vejo na TV as crianças se divertindo para as câmeras diante de mais um
assassinato na vizinhança. Mas, adultos impassíveis, serenos, comendo e bebendo
indiferentes diante do corpo que jazia é um quadro que eu não queria crer como
real.
Desconfiado, pesquisei e encontrei outras fotos de outros ângulos. Ficou claro que
não era montagem. Sim, já é possível comer um salgado, tomar uma cerveja e bater
um papo diante de um corpo a espera da perícia e do rabecão. Chegamos a esse
terrível e triste ponto.
Nada pode ser mais preocupante que a indiferença diante da morte. É o principal
sintoma de uma sociedade deteriorada. No vácuo da autoridade pública, que nem
sequer lamenta a montanha de mortos, muitos naturalizam a violência. Outros
passam a incentivar os linchamentos.
E assim caminhamos. Não sei exatamente para onde, mas não pode ser um bom
futuro se a vida, bem maior da humanidade, não vale o preço se um salgadinho frio.
Fonte:
http://www.opovo.com.br/app/colunas/fabiocampos/2013/11/30/noticiasfabiocampos,
3170528/a-cerveja-o-tira-gosto-e-um-corpo.shtml
90
14.02.2014
Francisco Everton da Silva Teixeira, 29, estava em um bar quando quatro homens
em duas motos se aproximaram do estabelecimento e dispararam vários tiros.
Um homem foi assassinado na noite desta sexta-feira, 14, na rua Waldery Uchoa, no
bairro Benfica, próximo à Praça da Gentilândia. De acordo com a Secretaria da
Segurança Pública e Defesa Social (SSPDS), Francisco Everton da Silva Teixeira,
29, estava em um bar quando quatro homens em duas motos se aproximaram do
estabelecimento e dispararam vários tiros de arma de fogo contra a vítima.
Fonte:
http://www.opovo.com.br/app/fortaleza/2014/02/14/noticiafortaleza,3207048/homem-
e-executado-a-tiros-no-bairro-benfica.shtml
91
11.05.2014
A vítima respondia a vários inquéritos policiais. Ele teria sido atingido por três
disparos,
Um homem de 27 anos foi assassinado a tiros na Praça da Gentilândia, no bairro
Benfica, na tarde deste sábado, 10, por volta de 17 horas.
De acordo com o capitão Otoniel Nascimento, comandante do Ronda do Quarteirão
do Centro, a vítima respondia a vários inquéritos policiais. Ele teria sido atingido por
três disparos.
A Polícia não soube informar como aconteceu a ação dos criminosos e nem a
motivação do crime. Os suspeitos não foram identificados.
Fonte:
http://www.opovo.com.br/app/fortaleza/2014/05/11/noticiafortaleza,3249124/homem-
e-executado-a-tiros-na-praca-da-gentilandia.shtml
92
Fonte: http://diariodonordeste.verdesmares.com.br/cadernos/policia/online/policia-
desarticula-rede-de-trafico-na-praca-da-gentilandia-apos-denuncia-do-diario-do-
nordeste-1.1097518
94
Vítima foi atingida por cerca de 7 disparos à queima roupa. FOTO: HELOSA
ARAÚJO
Um homem identificado apenas como 'Léo' foi executado a tiros por volta das 18h
desta terça-feira (21) na Rua Instituto do Ceará, esquina com a Avenida da
Universidade, no bairro Benfica, em Fortaleza.
De acordo com populares, dois homens em uma motocicleta chegaram atirando e
teriam efetuado, pelo menos, 7 disparos à queima roupa. A vítima não teve
condições de defesa e tombou sem vida, na calçada.
O homem era conhecido na região por guardar carros no local. O crime aconteceu a
poucos metros do prédio da Faculdade de Economia da Universidade Federal do
Ceará (UFC).
Fonte:
http://diariodonordeste.verdesmares.com.br/cadernos/policia/online/flanelinha-e-
executado-a-tiros-por-dupla-1.1131143
95
Dois irmãos foram espancados, após assaltarem um estudante, que saía do Centro
de Humanidades II (CH2) da Universidade Federal do Ceará (UFC), na manhã de
ontem. De acordo com a Polícia, o rapaz ainda estava na calçada da Instituição,
quando foi abordado pela dupla, que fingiu estar amada e roubou um aparelho
celular.
Populares que estavam no local perceberam que os jovens não portavam nenhuma
arma e investiram contra eles. Um dos suspeitos de roubo foi detido imediatamente;
o outro tentou fugir, mas acabou sendo alcançado no quarteirão seguinte, ainda na
Avenida da Universidade. A partir desse momento, os dois passaram a ser xingados
e espancados, durante cerca de dez minutos, segundo testemunhas.
Vingança
Fonte: http://diariodonordeste.verdesmares.com.br/cadernos/policia/irmaos-gemeos-
espancados-apos-assaltar-estudante-1.1133127