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UNIVERSIDADE FEDERAL DO CEARÁ


CENTRO DE HUMANIDADES
DEPARTAMENTO DE CIÊNCIAS SOCIAIS
CURSO DE CIÊNCIAS SOCIAIS

SUIANY SILVA DE MORAES

MEDO, VIOLÊNCIA E INSEGURANÇA: TRAMAS QUE ALTERAM AS PRÁTICAS


E OS TRAJETOS NO COTIDIANO DOS MORADORES E FREQUENTADORES DO
BAIRRO BENFICA FORTALEZA – CE.

FORTALEZA
2015
2

SUIANY SILVA DE MORAES

MEDO, VIOLÊNCIA E INSEGURANÇA: TRAMAS QUE ALTERAM AS PRÁTICAS


E OS TRAJETOS NO COTIDIANO DOS MORADORES E FREQUENTADORES DO
BAIRRO BENFICA FORTALEZA – CE.

Monografia apresentada ao Departamento


de Ciências Sociais da Universidade
Federal do Ceará, como requisito parcial
à obtenção do título de bacharel em
Ciências Sociais.

Orientador: Prof. Dr. César Barreira.

FORTALEZA
2015
3

___________________________________________________________________________

Página reservada para ficha catalográfica que deve ser confeccionada após
apresentação e alterações sugeridas pela banca examinadora.
Para solicitar a ficha catalográfica de seu trabalho, acesse o site:
www.biblioteca.ufc.br, clique no banner Catalogação na Publicação (Solicitação de
ficha catalográfica)

___________________________________________________________________________
4

SUIANY SILVA DE MORAES

MEDO, VIOLÊNCIA E INSEGURANÇA: TRAMAS QUE ALTERAM AS PRÁTICAS


E OS TRAJETOS NO COTIDIANO DOS MORADORES E FREQUENTADORES DO
BAIRRO BENFICA FORTALEZA – CE.

Monografia apresentada ao Departamento


de Ciências Sociais da Universidade
Federal do Ceará, como requisito parcial
à obtenção do título de bacharel em
Ciências Sociais.

APROVADA EM: ___/___/______

BANCA EXAMINADORA

________________________________________

PROF. DR. CÉSAR BARREIRA (ORIENTADOR)

UNIVERSIDADE FEDERAL DO CEARÁ (UFC)

_________________________________________

PROF. DR.

UNIVERSIDADE FEDERAL DO CEARÁ (UFC)

_________________________________________

PROF. DR.

UNIVERSIDADE ESTADUAL DO CEARÁ (UECE)


5

A Deus e todas as forças da natureza.

Aos meus pais, Joceneide Silva de


Moraes e Fransuá Gonsalves de Morais.
6

AGRADECIMENTO

Ao LEV pelo acolhimento desde o momento da minha chegada ao curso e


a possibilidade de compreender os fenômenos relacionados a violência e ao crime.
Ao CNPQ pela bolsa de estudos que me permitiu dedicar-me mais e
melhor a pesquisa.
Ao Prof. Dr. César Barreira, pela excelente orientação, apoio e paciência.
Por ter me permitido construir tudo de maneira independente, mas sempre estando
ali guiando meus passos em direção a construção da pesquisa.
Ao Dr. Eloi Magalhães pela ajuda, paciência e os e-mails motivacionais
nas madrugadas durante todo o processo de pesquisa e escrita.
Aos professores participantes da banca examinadora
_________________________ e ________________________________________
pelo tempo, pelas valiosas colaborações e sugestões.
Aos interlocutores dessa pesquisa, sem eles nada disso teria sido
possível.
Aos professores do LEV pela colaboração e debate durante o processo
da pesquisa e em especial ao Luiz Fábio pelas colaborações.
Aos professores Mauro Koury, Lea Carvalho e Irlys Barreira por terem
sido essenciais na minha trajetória enquanto estudante de ciência sociais e
pesquisadora.
Aos amigos de graduação que sempre estiveram dispostos e disponíveis
a colaborar e estudar conjuntamente, além de estarem sempre me incentivando:
Jean dos Anjos, Michelly Fernandes, Johnson Sales, Nicolli Alcântara, Deizianne
Aguiar, dentre outros.

Aos amigos do peito que foram fundamentais na minha trajetória e


sempre estiveram torcendo por mim e comigo: Luis Arthur, Bruno Alexander e
Clarissa Paiva.

Por fim, agradeço profundamente aos meus pais que sempre estiveram
ao meu lado dando apoio e torcendo.
7

“Temos medo do grito e do silêncio; do


vazio e do infinito; do efêmero e do
definitivo; do para sempre e do nunca
mais.”
Marilena Chauí (1995)
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RESUMO

O objetivo da pesquisa é investigar como o medo social (Baierl, 2004), produzido e


construído a partir das múltiplas formas da violência, transforma as práticas de
sociabilidade e altera os trajetos dos moradores e frequentadores do bairro Benfica.
Busco identificar quais mudanças ocorreram em virtude dos medos vivenciados,
explorando situações relacionadas à violência e ao crime que reforçam esse
sentimento. O bairro Benfica não figura entre os mais violentos, contudo, é possível
observar uma sensação de insegurança entre os frequentadores e os moradores
desse espaço social, que passam a adotar estratégias que visam à proteção, têm
seus caminhos alterados e ressignificam os espaços. O Benfica é um bairro que se
caracteriza por uma diversidade de pessoas em comparação com os outros bairros
de Fortaleza, apresentando um fluxo de atores sociais que movimentam, além dos
espaços da Universidade Federal do Ceará, um circuito de lazer próprio, sendo,
dessa forma, um espaço com muitas características em si mesmo: universitário, de
esporte e lazer, de jovens e idosos. O medo é um fenômeno que decorre da
experiência em determinados ambientes perpassados pela violência. Interessa-se
compreender como esta categoria pode ser observada no cotidiano do bairro
Benfica. Com este intuito, desenvolve-se uma pesquisa ancorada na observação
participante, objetivando entender as ações de pessoas que falam do medo de viver
e circular neste espaço.

Palavras-chave: Medo. Violência. Insegurança.


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RESUMEN

El objetivo de la investigación es investigar cómo el miedo social (Baierl, 2004),


producido y construido a partir de las múltiples formas de violencia, transforma las
prácticas de sociabilidad y altera los caminos de los residentes y asiduos del barrio
Benfica. Trato de identificar a los cambios que se produjeron debido a los temores
experimentados, explotando situaciones relacionadas con la violencia y el crimen
que refuerzan este sentimiento. El barrio Benfica no se encuentra entre los más
violentos, sin embargo, se puede ver una sensación de inseguridad entre los asiduos
y los residentes de este espacio social, que empiezan a adoptar estrategias
encaminadas a la protección, han cambiado sus trayectos y resignificado espacios.
Benfica es un barrio que se caracteriza por su diversidad de personas se comparado
a otros barrios de Fortaleza, presentando un flujo de atores sociales que
movimientan, además de los espacios de la Universidad Federal do Ceará, un
circulo propio de ocio, de essa manera, es un espacio muchas caracteristicas en sí:
el universitario, el esportivo y el ocio para los jóvenes y ancianos. El miedo es un
fenómeno que proviene de la experiencia en determinados ambientes afectados por
la violencia. El interés es comprender como esa categoría se puede observar a
diario del barrio Benfica. Para tal fin, desarrollase una pesquisa basada en la
observación participativa, objetivando comprender las actitudes de personas que
hablan del miedo de vivir e caminar por este espacio.

Palabras clave: Miedo. Violencia. Inseguridad.


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LISTA DE GRÁFICOS

Gráfico 01 – Furtos no Parangaba, Fátima, Montese e Benfica......................... 44


Gráfico 02 – Faixa etária da população do bairro Benfica.................................. 47
Gráfico 03 – O(a) senhor(a) já foi vítima de algum tipo de violência?................ 57
Gráfico 04 – Quais as áreas que o(a) senhor(a) considera mais perigosas?..... 58
Gráfico 05 – Qual o seu grau de segurança no bairro Benfica?......................... 63
Gráfico 06 – Quais estratégias o(a) senhor(a) usa para se proteger?................ 66
Gráfico 07 – Para o senhor(a) a violência é parte do cotidiano?........................ 70
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LISTA DE MAPAS

Mapa 01 – Áreas de ocorrência: Benfica............................................................ 45


Mapa 02 – Mapa do bairro Benfica..................................................................... 46
Mapa 03 – Espaços no bairro Benfica................................................................ 52
12

LISTA DE IMAGENS

Imagem 01 – Praça João Gentil........................................................................... 53


Imagem 02 – Praça da Gentilândia...................................................................... 54
Imagem 03 – Homenagem ao professor assassinado......................................... 59
Imagem 04 – Rua Adolfo Herbster, bairro Benfica............................................... 71
Imagem 05 – Fachada do restaurante Caicó....................................................... 73
Imagem 06 – Aviso da cerca elétrica no muro de uma casa residencial............. 74
13

LISTA DE APÊNDICES

Apêndice 01 – Roteiro de entrevista semiestruturado........................................ 82


Apêndice 02 – Questionário fechado.................................................................. 83
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LISTA DE ANEXOS

Anexo A – Professor do IFCE é morto em assalto no Benfica........................... 86


Anexo B – A cerveja, o tira-gosto e um corpo.................................................... 88
Anexo C – Homem é executado a tiros no bairro Benfica.................................. 90
Anexo D – Homem é executado a tiros na Praça da Gentilândia...................... 91
Anexo E – Polícia desarticula rede de tráfico na Praça da Gentilândia............. 92
Anexo F – Flanelinha é executado a tiros por dupla.......................................... 94
Anexo G – Irmãos gêmeos espancados após assaltar estudante..................... 95
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LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

ADUFC Sindicato dos Docentes da UFC.........................................................


ANPOCS Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Ciências
Sociais...................................................................................................
AV Avenida……………………………………………………………………..
CEU Centro Esportivo Universitário.............................................................
CH I Centro de Humanidades I...................................................................
CH II Centro de Humanidades II..................................................................
CH III Centro de Humanidades III.................................................................
CLEC Centro de Línguas Estrangeiras do Ceará..........................................
CRC-CE Conselho Regional de Contabilidade do Ceará..................................
FEAAC Faculdade de Economia, Administração, Atuária, Contabilidade.......
GREM Grupo de Estudo em Antropologia e Sociologia da Emoção................
IBGE Instituto Brasileiro Geográfico e Estatístico........................................
ICA Instituto de Arte e Cultura....................................................................
IDH-M Índice de Desenvolvimento Humano Municipal..................................
IFCE Instituto Federal Tecnológico do Ceará..............................................
LEV Laboratório de Estudos da Violência...................................................
NANTE Núcleo de Antropologia das Emoções.................................................
OMS Organização Mundial da Saúde..........................................................
ONU Organização das Nações Unidas.........................................................
PNUD Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento......................
PRAE Pró-reitoria de Assistência Estudantil..................................................
RBA Reunião Brasileira de Antropologia......................................................
RBSE Revista Brasileira de Sociologia da Emoção........................................
REA Reunião Equatoriana de Antropologia..................................................
SER Secretaria Executiva Regional............................................................
SINTUF Sindicato dos Trabalhadores Técnico-administrativos da UFC...........
UECE Universidade Estadual do Ceará.........................................................
UFC Universidade Federal do Ceará..........................................................
UNODC Escritório das Nações Unidas sobre Drogas e Crime..........................
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SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO................................................................................................ 17
2 EMOÇÕES, MEDO E OS DADOS REFERENTES AO CRIME: 26
CAMINHOS TEÓRICOS PERCORRIDOS.....................................................
2.1 Emoções como aporte teórico: limites e possibilidades......................... 26
2.2 Emoção Medo............................................................................................... 33
2.3 Dados referentes ao crime: o que eles têm a dizer?................................. 43
3 O BAIRRO BENFICA: CARACTERIZAÇÃO, HISTÓRIA E PRÁTICAS DE 46
SOCIABILIDADES.........................................................................................
3.1 Histórias do bairro.…………………………………….…………..………...….. 48
3.2 Diversidade de espaços urbanos e práticas de sociabilidade................. 50

4 MEDO, VIOLÊNCIA E INSEGURANÇA: TRAMAS QUE ALTERAM AS 56


PRÁTICAS E OS TRAJETOS NO COTIDIANO DOS MORADORES E
FREQUENTADORES DO BAIRRO...............................................................
4.1 Violência no bairro: cenas de um cotidiano perpassado pela violência. 56
4.2 “Sou um cidadão de bem que vive preso.”................................................ 62
4.3 Estética do medo: indústria, comércio e serviços.................................... 71
5 CONCLUSÃO................................................................................................. 75
REFERÊNCIAS.............................................................................................. 77

APÊNDICES................................................................................................... 82

ANEXOS......................................................................................................... 86
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1. INTRODUÇÃO

As cidades urbanas atualmente são vítimas, cada vez mais, de uma violência
que parece crescer a cada momento e, decorrente disto, há uma percepção de risco e
insegurança associado a uma “proximidade” com a violência. Os indivíduos passam a
ficar refém dessa sensação de insegurança e o reflexo maior disso é o medo, uma
construção social que se tipifica com o aumento dessa sensação, gera nova práticas de
sociabilidade que até então estavam fora da rotina, cria estratégias com objetivo de
proteção, buscando soluções individualizadas e uma não interação com a rua e sim, com
espaços privados que garantam a segurança.
Para os interlocutores desta pesquisa, a violência faz parte do cotidiano1 de
forma até naturalizada e corriqueira, já o medo, como apontado por Freitas, 2003, se
caracteriza como um dos ecos mais significativos da violência estando implícito nas falas,
nas expressões e na arquitetura do bairro. É importante ressaltar que ao longo do
caminho percorrido pela pesquisadora, esta foi tentando se afastar dos seus próprios
medos e insegurança e se deixando levar pelo discurso e pelos caminhos da pesquisa,
desnaturalizando dessa forma a fala da violência como algo inerente e enraizado e
percebendo nuances de insegurança que talvez estejam mais vinculados a emoções do
que a algo racionalizado2.
Diante do exposto, o intuito do presente estudo é pesquisar como o medo
social (BAIERL, 2004), produzido e construído a partir das múltiplas formas da violência,
transforma as práticas de sociabilidade e altera os trajetos no bairro Benfica, Fortaleza,
Ceará. Vai ainda além, buscando compreender qual o impacto do medo na vida dos
interlocutores e como estes lidam com essa nova realidade balizada por uma experiência
de medo e insegurança. Tem como objetivo maior responder à pergunta: de que maneira
o medo social pode influenciar na vida cotidiana dos moradores e frequentadores do
bairro Benfica?
Ao colocar a palavra medo em um site de busca na internet, o Google, surgem
vários resultados para esse termo. O primeiro site que aparece é o Wikipédia 3 que define

1 Ver capítulo 4, p. 62.


2 Volto a esse tema mais a diante no texto. Aqui chamo atenção apenas para a diversidade de elementos
percebidos durante a pesquisa.
3 “Wikipédia é um projeto de enciclopédia coletiva universal e multilíngue estabelecido na Internet sob o

princípio wiki (software colaborativo). A Wikipédia tem como objetivo fornecer conteúdo reutilizável livre,
objetivo e verificável, que todos possam editar e melhorar.” Retirado do site
http://pt.wikipedia.org/wiki/Wikip%C3%A9dia:P%C3%A1gina_principal, acessado em 27 de maio de 2014.
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o medo como algo biologicamente produzido. Os demais sites4 apresentam outras facetas
do medo, como o medo de perder um amor, da solidão, medo de se expressar, medo do
novo, medo de viver, medo de não viver e assim por diante. O fato é que o medo é hoje
algo muito presente no cotidiano das pessoas, seja nas grandes metrópoles, seja em
localidades mais distantes. Já o medo social, categoria fundante deste trabalho, é um
fenômeno que decorre da experiência em determinados ambientes perpassados pela
violência.
A biologia explica o medo como um instinto de proteção causado pela
sensação de perigo iminente ou pela apreensão do mal. Para essa área de estudo, o
medo é algo produzido biologicamente e inerente a condição humana que tem como
consequência um estado de alarme ou de pavor, isto é, o estado de temer algo. Darwin
(apud Walton, 2007, p. 25) enumera uma série de indicadores físicos encadeados pela
sensação de medo

Abertura ampla dos olhos e da boca; sobrancelhas erguidas; falta de movimento;


falta de ar; agachamento/encolhimento; aumento do batimento cardíaco; palidez;
transpiração fria; ereção dos pêlos; respiração acelerada; mau funcionamento das
glândulas salivares, produzindo boca seca; tremor; falha na voz; dilatação das
pupilas; contração dos platysma myoides (músculos do pescoço).

Já o medo social, por outro lado, tem como consequência à alteração drástica
da relação entre as pessoas, normas, padrões de educação, conduta e introduz um novo
modelo de segregação urbana, construído por processos sociais e históricos específicos
de cada realidade social. É alimentado e retroalimentado pela mídia, pelos boatos e pela
indústria do medo, elementos que sobrevivem a partir da sensação de insegurança dos
indivíduos.
O espaço geográfico escolhido para esse trabalho não figura entre os mais
violentos da cidade, contudo, é possível observar uma sensação de insegurança entre os
frequentadores do bairro, que passam a adotar estratégias que visam à proteção, têm
seus caminhos alterados e ressignificam os espaços. O que mais me chamou atenção ao
optar pelo bairro foi entender como o medo de ser vítima da violência afeta, inclusive, as
aulas na Universidade Federal do Ceará - UFC. É comum escutar nas salas e nos
corredores “professor libera mais cedo, ta tarde, é perigoso”, ou então “professor hoje tem
jogo, tem certeza que tem aula?”, ou ainda encontrar colegas que se deslocam de um

4 Ademais do Wikipédia, surge o Pensador - http://pensador.uol.com.br/tag/medo/ - que enumera poemas e


poesias com a palavra medo; o site Como Tudo Funciona - http://pessoas.hsw.uol.com.br/medo.htm - que
trata de explicar como funciona o medo; o Isso me dá Medo - http://www.issodamedo.net/ - que elenca
filmes e livros que tem como pano de fundo o medo; e o Medo Sensitivo -
http://medosensitivo.blogspot.com.br/ - que trata a questão do medo do sobrenatural.
19

prédio a outro quase “correndo”, visando dessa forma evitar mais tempo que o necessário
de exposição na rua.
O Benfica é um bairro que se caracterizada por uma grande diversidade de
pessoas, em comparação com os outros bairros de Fortaleza, e apresenta um fluxo de
atores sociais (estudantes, hippies, trabalhadores, moradores de rua, ambulantes, grupos
diversos: homossexuais, clube de motos, clube da terceira idade; torcedores e assim por
diante) que movimentam, além dos espaços da UFC, um circuito de lazer próprio (praças,
estádio, shopping, bares, cafés, restaurantes, praças e etc.) que interage entre si.
Ao escolher um bairro como recorte geográfico de estudo, tomo emprestado à
perspectiva metodológica de Certeau (2003) e me detenho a pensá-lo a partir de duas
vertentes5: as imposições materiais e administrativas que entram na sua definição, com
uma análise de perspectiva histórica do bairro, apontando o processo de formação, as
mudanças de perfil ao longo do tempo, as definições geográficas que fazem dele um
bairro, até chegar aos dias de hoje e entender como tudo isso pode ser percebido e
sentido ao caminhar nas ruas; e uma análise sócio etnográfica da vida cotidiana com o
objetivo de apreender e compreender as dinâmicas de sociabilidade ali desenvolvidas
para então, perceber quais as alterações podem ser sentidas na vida cotidiana do bairro.
A ideia de estudar o medo surgiu durante outra pesquisa da qual eu participei,
Etnografia dos Circuitos de Lazer da Praça Verde do Centro Dragão do Mar de Arte e
Cultura, no ano de 2010, como forma de avaliação da disciplina Antropologia
Contemporânea. Esta tinha como objetivo identificar os grupos sociais que faziam uso do
espaço urbano, perceber quais os trajetos percorridos pelos usuários do espaço para
chegar até ali, qual o significado daquele espaço e como se dava a interação entre os
diversos grupos. Fui a campo em um primeiro momento, ainda no ano de 2010. Depois, já
com os dados colhidos, tabulados e analisados, voltei a campo para identificar como
estaria em 2011 e dessa forma tentar traçar um antes e depois. Para a minha surpresa os
grupos que eu havia identificado não estavam mais no espaço e em uma rápida pesquisa
informal com os poucos que ali restaram, descobri que o medo da violência naquele
espaço tinha afastado os grupos dali.
A partir dessa experiência intrigou-me entender como o medo de ser vítima da
violência pode atingir um nível tal em que as pessoas deixam de frequentar espaços e
desenvolver sociabilidades até então corriqueiras. Outros questionamentos começaram a
surgir a partir desse momento: será que essas pessoas foram vítimas de violência nesse
espaço? Como a insegurança e o medo se elevam a essas proporções? E a mídia, será

5 Ver capítulo 3, p. 46.


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que tem algum papel nesse processo? A polícia, será que sabe desses espaços, será que
mapeia os locais considerados “inseguros” e busca uma forma de segurança? Será que
ela é agente de segurança?
Objetivando responder esses e outros questionamentos que foram surgindo no
processo de amadurecimento do objeto de pesquisa, busquei na literatura existente sobre
o tema informações para entender isso e comecei a perceber que esse medo tem um
alcance muito maior do que eu poderia imaginar. São variados os medos produzidos pelo
cotidiano. Estes vão desde a falta de fé ou falta de confiança em si (Koury, 2006), até o
medo gerado pela falta de segurança (Baierl, 2004; Barreira, 2011; Eckert, 2000; Mejia,
2008; Souza, 2008), onde os indivíduos passam a ter novas sociabilidades até então fora
da rotina e o medo, o risco e a insegurança torna-se algo presente no cotidiano e nas
relações dos indivíduos.
Buscando esse entendimento e tentando compreender a percepção dos
usuários do bairro Benfica, lancei mão de vários métodos de pesquisa, todos focados e
fincados na análise qualitativa do bairro. A variedade de métodos teve como objetivo uma
apreensão mais clara e sistemática do bairro, partindo da noção de que da mesma forma
que a violência se apresenta como um fenômeno difuso6, o medo e a insegurança, como
consequências diretas desse fenômeno, devem apresentar-se da mesma maneira.
Ressalto ainda que o local de estudo, conforme dito anteriormente, não é algo
distante da minha realidade social enquanto jovem e aluna da UFC. Meu campus de
estudo é o Centro de Humanas III, no bairro Benfica. É nesse espaço que passo a maior
parte do meu tempo, seja assistindo aula, seja estudando, fazendo pesquisa, encontrando
com amigos ou fazendo uso do circuito de lazer local. O fato é que nada nessa realidade
se apresenta para mim como algo novo, inclusive o medo e a insegurança, inerente e
perceptível na relação dos usuários e moradores do bairro, sempre se fizeram presente
de maneira velada na minha forma de ver e utilizar o espaço. Contudo, ao escolhê-lo
como recorte geográfico tive o desafio de me afastar dos meus medos e estereótipos e
adentrar no imaginário dos interlocutores buscando compreender os seus medos e seus
estereótipos.
Pesquisar um espaço familiarizado é uma “faca de dois gumes”: se por um lado
ao chegar ao bairro eu estou no “campo”, por outro estou tempo demais no “campo”,
tendo dessa forma uma fonte de informações quase inesgotável, criando uma dificuldade
no processo de sistematização dos dados obtidos. A obtenção desses dados se deu de

6 Ver BARREIRA, C.. Violência difusa, medo e insegurança: as marcas recentes da crueldade. Revista
Brasileira de Sociologia, v. 01, p. 05, 2013.
21

maneira bastante diversa: nas praças, nos restaurantes, no restaurante universitário, nas
paradas de ônibus e etc. E, muitas vezes, a questão da violência e insegurança surgia em
algum diálogo próximo a mim e eu logo fazia questão de participar e entender. Posso
afirmar, a partir disso, que essa pesquisa é uma “colcha de retalhos”, isto é, as
informações foram obtidas de maneiras diversas, algumas vezes informal e “pescada” de
conversas alheias, espontânea em outros momentos e induzida através de perguntas em
outros e, dessa maneira, os dados foram adquiridos e posteriormente sistematizados
nesse trabalho.
Mas como então se iniciou a pesquisa, o “campo” propriamente dito? A
pesquisa teve início no segundo semestre de 2013, com a etapa exploratória e a
construção do projeto de pesquisa. Ao longo do semestre fui compreendendo melhor a
dinâmica da violência e da insegurança no bairro e, dessa forma, buscando a emoção
medo. Posteriormente a essa etapa, já no primeiro semestre de 2014, passei “fazer
trabalho de campo” sistemático e sistémico, isto é, com dias e horas marcadas. Foi aí que
percebi que fazer pesquisa no bairro Benfica iria demandar olhos e ouvidos atentos em
todos os momentos de interação com o bairro e não só no momento específico escolhido
para tal. Diante disto, o ano de 2014 foi inteiro voltado para entender e compreender a
dinâmica do medo e isso foi possível nos mais variados espaços: desde uma ida ao salão
e partir de aí escutar conversas sobre insegurança até sentar para almoçar e desistir do
almoço para escutar uma conversa sobre medo.
Dessa forma, inicialmente observei os espaços urbanos do bairro com objetivo
de identificar práticas, atores sociais e compreender as nuances de interação e
sociabilidade. Esse momento se deu através de uma observação participante, com
aproximação e diálogo com os grupos sociais identificados onde “[...] pouco [irei-me]
preocupar com as pessoas em geral. [Busco] pessoas particulares e [observo] as coisas
particulares que fazem.” (WHYTE, 2005, p. 23). Esse primeiro momento foi de
fundamental importância para demarcar, comigo mesma, que ali quem estava era a
pesquisadora social e não apenas a usuária do bairro. Ademais, observar o bairro com
outro olhar deu uma nova percepção a minha visão e a partir desse momento eu
compreendi o quanto seria importante escutar interlocutores que representassem bem a
diversidade ali observada.
Durante todo o processo de pesquisa, lancei mão de um intenso e constante
levantamento da literatura disponível sobre os temas que transversalizam esse trabalho:
medo, sociabilidade, emoções, risco e violência. Essa ação marcou todas as etapas,
desde a construção do objeto até a escolha e entendimento das categorias que eu
22

acredito que dialogam com a realidade social encontrada. Ressalto que em nenhum
momento houve a pretensão de “enquadrar” a realidade, ao contrário, esse processo foi
fluído e frutífero, havendo um diálogo da teoria com o “campo” de maneira surpreendente!
Foi interessante encontrar pesquisas parecidas, categorias instigantes e autores que
trabalham com os temas emoções e medo. Ao longo desse processo fui realizando
leituras gerais sobre todo e qualquer elemento relacionado aos temas de interesse para
pesquisa e, após, passei a fazer leituras especificas, selecionar autores, aprofundar
alguns, fazer fichamentos e resumos e, dessa maneira, fui montando a bibliografia citada
e trabalhada nesse texto.
Ressalto que o processo da pesquisa, análise de dados e construção do texto
não foi algo unilateral. Durante todo o processo empreendi diálogos com os próprios
interlocutores, alguns da mesma área de estudo que esta pesquisadora, visando um
melhor entendimento dos elementos observados e sempre na certeza de que a pesquisa
não é algo único e exclusivo, ela é construída e compartilhada com aqueles que
perpassam seu caminho durante todo o processo. Pensando assim, houve também o
compartilhamento e a ajuda determinante de amigos graduandos e pós-graduandos, em
especial do Departamento de Ciências Sociais, que sempre estavam disponíveis para
escutar as angústias de campo e, mesmo sem perceber, mostrar nuances que a mim
tinham passado despercebido.
Houve ainda as interações com os professores da UFC que estavam sempre
disponíveis e dispostos a indicar um livro novo, ressaltar um determinado autor, mostrar
outro caminho e assim por diante. Esse processo foi fundamental nos momentos em que
eu me sentia perdida no amontoado de informações obtidas através da leitura e do
trabalho de campo. Esse colocar rédeas, essencial no processo da pesquisa, foi feito sob
medida por aqueles que perpassaram o meu caminho e pelo meu orientador, que estava
sempre lá disposto a me trazer de volta para o “mundo real”.
Os frutos dos muitos relatórios de pesquisa elaborados ao longo das disciplinas
preparatórias para o trabalho final do curso7 também serviram de aporte e rumo para a
construção desse texto final. Estes relatórios foram construídos à medida que a pesquisa
bibliográfica e de campo iam se aprofundando e recebendo os contornos vistos hoje.
Ressalto ainda que os relatórios também foram debatidos em encontros acadêmicos

7Na grade curricular do curso de Ciências Sociais – Bacharelado – Diurno é obrigatório Metodologia de
Pesquisa em Ciências Sociais, Prática de Pesquisa I, Prática de Pesquisa II, Estágio I, Estágio II e
Monografia em Ciências Sociais.
23

diversos8 recebendo, dessa maneira, a colaboração de professores e estudantes de


outras Instituições de Ensino, contribuindo para o esclarecimento de questões de cunho
teóricas-metodológicas referente ao processo de construção da pesquisa.
Ao longo o processo, passei a fazer uma leitura minuciosa dos jornais OPovo e
Diário do Nordeste buscando elementos referentes ao bairro e tentando compreender
como este é retratado na mídia local. As matérias encontradas foram catalogadas e
agregadas ao banco de dados geral da pesquisa. Nesse período chamou atenção as
matérias cujo tema era medo e insegurança, figurando inclusive como matéria de capa do
jornal OPovo (24/11/204) e outras reportagens que abordavam basicamente o mesmo
tema, até uma revista Superinteressante (04/2014) com a capa sobre medo foi
encontrada nesse processo de pesquisa.
Dialogo ainda com textos diversos (falas transcritas, caderno de campo e
resumos) produzidos por mim e pelos interlocutores ao longo da pesquisa, tendo estes
como as bases empíricas fundamentais do trabalho. Essas falas foram escutadas a partir
de três métodos diferentes: entrevista transcrita, gravada com o auxílio de um gravador,
marcada previamente e guiada por um roteiro semi-estruturado; entrevistas informais,
escutadas aleatoriamente e transcritas posteriormente para o caderno de campo, nessa
categoria entra as conversas “ao acaso” que eram direcionadas ao tema de interesse da
pesquisa; e, por fim, entrevistas fechadas, com o auxílio de um questionário fechado, que
objetivava ter uma visão geral do que pensam os frequentadores e moradores do bairro e,
em particular, tornavam-se instrumentos de coleta de narrativas do medo, uma vez que
após a entrevista havia a transcrição do que foi ouvido para o caderno de campo.
Durante o processo de escutar os interlocutores, optei por fazer uma análise do
discurso destes em relação ao tema e, dessa forma, utilizar suas narrativas como o
elemento essencial para a compreensão da dinâmica medo e violência no bairro. Dessa
forma observo “não apenas palavras, mas gestos, reações repentinas como
enrubescimento, e até silêncios [...].” (GUINZBURG, 1990, p. 15). Logo, dialogo com o
Guinzburg quando para ele, ao analisar os documentos da inquisição, fica claro que
escutar narrativas vai além da percepção e entendimento das palavras, significa fazer
uma leitura corporal dos atores sociais envolvidos nesse processo.
Os interlocutores dessa pesquisa são divididos em dois grupos: informantes-
chaves, indivíduos com a qual eu tenho um contato maior, que indicam novas pessoas,
que trocam ideias sobre o processo da pesquisa e com as quais tive vários encontros no

8As etapas preliminares desse trabalho foram apresentadas, respectivamente, na Reunião Brasileira de
Antropologia, Encontro de Iniciação Científica da UNIFOR, Encontro de Iniciação Científica da UFC e IV
Seminário Internacional Violência e Conflitos Sociais.
24

processo, aqui dialogo com 04 informantes-chaves; e informantes aleatórios, pessoas que


encontro no dia-a-dia do bairro e com as quais converso informalmente, seja diretamente
ou indiretamente (apenas ouvindo a conversa “alheia”), estes não são contabilizados,
pois, como a própria definição diz, são aleatórios. Há ainda os informantes que
responderam questionários tanto presenciais, aplicados em espaços diversos do bairro,
como a Praça da Gentilândia e as paradas de ônibus, quanto aos questionários online,
enviados através de redes sociais diversas, que objetivava ter uma visão geral sobre
medo e violência no bairro. Ao todo foram aplicados 17 questionários fechados.
Houve ainda a preocupação em retratar o bairro através de fotos objetivando
mostrar como a estética do medo, os muros altos, grades, portões, câmeras de
segurança, cerca elétrica e etc, fazem parte do cotidiano do bairro, marcando visualmente
um local considerado inseguro, e, posteriormente, compreender como se dão as relações
nesse cenário de medo e insegurança onde as ações e os muros são modificados.
Por fim, a pesquisa documental ao longo do processo de construção da
pesquisa foi fundamental, pois, através desta foram encontrados dados referentes a
violência e criminalidade; documentos que denotam a criação e a história do bairro
Benfica; e elementos que fundamentam toda a constituição do texto.
Este trabalho está dividido em três partes, sendo elas:
 A primeira, subdividida em o estudo das emoções, a emoção medo e os
dados referentes ao crime, aborda as emoções, apresentando uma revisão de literatura
que mostrar como se deu a construção da emoção enquanto categoria analítica, correntes
teóricas e expoentes nesse debate. Segue apresentando a categoria medo, elencando os
tipos de medo encontrados na literatura e definindo o medo sobre a qual fala este
trabalho. E, como último ponto, uma análise dos dados referentes ao crime, do geral para
o particular, objetivando situar o leitor nessa “zona” de violência e insegurança do bairro
Benfica;
 A segunda parte desse trabalho apresenta uma análise sócio-histórica-
etnográfica do bairro Benfica, discutindo o processo de fundação e constituição do bairro,
apresentando as diferentes fases deste e empreendendo uma análise
etnográfica/descritiva dos espaços de sociabilidade do bairro;
 A última parte segue apresentando os dados referentes ao medo e a
insegurança encontrados e observados no trabalho de campo. Apresenta e analisa esses
elementos a luz da perspectiva teórica adotada e abordada no capítulo 2. Segue
buscando compreender como se dão as relações nesse cenário permeado por falas sobre
o medo e a insegurança e quais são os trajetos desses interlocutores diante dessa
25

realidade. Analisa ainda a forma como a mídia retrata o bairro e qual o seu papel no
processo de retroalimentação do medo. Apresenta o boato como um elemento de difusão
do medo e da insegurança. E, por último, busca compreender a estética do medo e a
busca por soluções individualizadas.
Por fim, ressalto que o que é apresentado nesse trabalho é fruto de um
processo constante e intenso de levantamento de dados e interpretação dos mesmos que
durou cerca de um ano e meio. Faço escolhas arbitrárias no processo de análise, pois,
compreender o medo, a violência e a insegurança em um espaço urbano complexo como
o bairro Benfica demandaria mais estrutura de pesquisa do que eu dispunha durante esse
processo, logo o que aqui é apresentado foi selecionado a partir daquilo que ficou mais
claro e que para mim seria fundamental apresentar.
26

2. EMOÇÕES, MEDO E OS DADOS REFERENTES AO CRIME: CAMINHOS


TEÓRICOS PERCORRIDOS

O objetivo desse capítulo é apresentar uma análise sobre emoções enquanto


categoria analítica e sobre a emoção medo. Divide-se em três partes, sendo elas:
emoções como aporte teórico, onde será apresentada a relação entre cultura e
sociedade, a emoção enquanto processo social, os pioneiros nesse estudo, as principais
tendências e correntes teóricas e o modo como diversos autores apresentam esse tema;
em um segundo momento, apresenta a emoção medo, elencando os tipos de medos
encontrados na literatura e apresentando o conceito de “medo social”, muito caro a este
de trabalho e de fundamental importância para a compreensão dos caminhos percorridos
pela pesquisa; e, por último, traz um levantamento de dados referentes à violência e a
criminalidade, partindo do geral para o particular, objetivando situar o objeto de estudo a
partir dos números referentes ao crime.

2.1. Emoções como aporte teórico: limites e possibilidades

Toda sociedade é formada por um conjunto de sentimentos e ações que


emergem do sistema cultural na qual estão inseridas. É comum o Ocidente olhar para o
Oriente e se chocar com determinados aspectos culturais. Um exemplo disso é corte da
genitália feminina9, muito comum em países orientais, em especial na África, no Oriente
Médio e no Sudeste Asiático. Essa prática perdura por mais de 2000 anos, ocorre com
mulheres entre 0 e 14 anos de idade e tem por objetivo manter a mulher virgem até o
casamento e evitar que a mesma tenha prazer sexual. É uma prática cultural reconhecida
socialmente entre os adeptos, ligada a costumes e que exerce grande coerção social,
logo, as mulheres que por ventura tentem fugir, são convencidas do contrário ou
castigadas.
Visto com o olhar Ocidental, a prática é considerada absurda e enquadrada na
categoria de tortura. Várias foram às tentativas de inibir essa prática, desde colonizadores
de algumas dessas regiões, que criaram uma legislação que proibia e punia a ação, até
os dias atuais, com ações da ONU10 na tentativa de coibir a prática. O fato é que

9 Sobre o tema ver: http://super.abril.com.br/saude/retirada-clitoris-comum-africa-437071.shtml;


http://acomuna.net/index.php/contra-corrente/3713-lcorte-dos-genitais-femininosr, acessado em 03 de abril
de 2015
10 Organização das Nações Unidas: organização internacional formada por países que se reuniram

voluntariamente para trabalhar pela paz e o desenvolvimento mundiais. Ver:


http://nacoesunidas.org/conheca/; http://www.pordentrodaafrica.com/default/circuncisao-feminina-se-a-
27

nenhuma tentativa do Ocidente modificou ou coibiu a ação, apenas contribuiu para que a
mesma criasse novas estratégias, tornando-se “escondida” aos olhos dos governos.
O exemplo citado acima serve como base para entendermos como a questão
cultural é variável de uma sociedade para a outra. Enquanto para uma algo pode ser
absurdo, considerado tortura, para outra a mesma coisa é considerada ritual de pureza.
Isso ocorre porque as convicções e a maneira que o conjunto de sentimentos se
expressão são diferentes em cada sociedade, resultando assim em processos únicos e
específicos compartilhados por uma coletividade espacial.
A emoção emerge desses contextos únicos, eminentemente sociais, e não é
dada a priori. Embora, no início das ciências sociais como campo de estudo, a emoção
tenha sido dada como algo a priori e assunto de outra área de estudo, a psicologia, ao
longo do tempo, e com o aprofundamento das análises, foi percebendo-se e entendendo
como uma forma socialmente construída e constituída, vinculada a cultura da sociedade
em que os indivíduos estão inseridos. Logo, mesmo havendo e sendo reconhecidas as
emoções biológicas, sentir medo, raiva, amor, amizade e etc., varia de acordo com
elementos diversos que se relacionam com processos sociais múltiplos.
Os primeiros estudos no campo de sociologia e antropologia das emoções,
com preocupações teórico-metodológicas acerca da área, surgem na década de 70, nos
Estados Unidos, com uma abordagem interpretativa (REZENDE E COELHO, 2010),
voltados a entender os fenômenos emocionais como categorias analíticas. Contudo, há
estudos anteriores que trazem o eixo emoção de maneira transversal ou como algo
subjetivo, que são anteriores a 1970 e marcam boa parte da literatura clássica da
sociologia11. Dessa forma

[...] o campo da antropologia [sociologia] das emoções estruturou-se não apenas


com uma variedade de estudos etnográficos, mas também com um conjunto de
questões teórico-metodológicas que buscavam fornecer instrumentos para a
comparação. Das relativizações iniciais passou-se para um esforço maior em
mostrar a dimensão micropolítica das emoções, revelando como são mobilizadas
em contextos sempre marcados por relações e negociações de poder em vários
níveis. (REZENDE E COELHO, 2010, p. 15)

Aqui no Brasil, o campo estruturou-se, a partir da década de 1990, com


iniciativas institucionais pioneiras, com destaque para encontros como a Reunião
Brasileira de Antropologia (RBA), Associação Nacional dos Programas de Pós-Graduação
em Ciências Sociais (ANPOCS) e a Reunião Equatoriana de Antropologia (REA) que

cultura-fere-o-seu-corpo-por-que-manter-esse-costume-diz-ativista-fardhosa-mohamed, acessado em 03 de
abril de 2015
11 Retomo esse tema mais adiante no texto, elencando os teóricos clássicos e como podem ser

identificadas as emoções em suas abordagens.


28

conta sempre com grupos de trabalho sobre emoções em suas programações. Ademais,
há a Revista Brasileira de Sociologia das Emoções (RBSE/UFPB) e os grupos de estudo
e núcleos de pesquisa espalhados pelas Universidades, como o Grupo de Estudo e
Pesquisa Sobre Emoção (GREM/UFPB) e o Núcleo de Antropologia das Emoções
(NANTE/UERJ). Essas e outras iniciativas somam-se no processo de consolidação e
aprofundamento desse campo de estudo.
Essa área de estudo estrutura-se em diversas correntes e tendências teóricas,
como as identificadas por Lutz e Abu-Lughod (1990 apud REZENDE E COELHO, 2010, p.
15) e Koury (2004), que se diferenciam na abordagem metodológica e nas formas de
expressão social. Dentre elas podemos destacar: o essencialismo, predominante nos
estudos psicológicos e psicanalíticos, apóia-se na premissa de que as emoções
apresentariam uma base universal e natural, sendo, em seu núcleo, as mesmas por toda
parte; diferentemente do essencialismo, o historicismo acredita que emoções se dão a
partir de uma construção cultural e só através de uma análise temporal é possível
identificá-las; já o relativismo caminha no mesmo lastro do historicismo e se diferencia
por acreditar que essa construção cultural temporal é identificada a partir da comparação
entre duas culturas contemporâneas entre si; e, por fim, para o contextualismo a “[...]
emoção seria algo que existiria somente em contexto, emergindo da relação entre os
interlocutores e a ela sempre referida.” (REZENDE E COELHO, 2010, p. 78).
Essas correntes, contudo, não são separadas ou “puras”. É possível identificar
trabalhos que fazem uso de duas ou mais correntes objetivando uma melhor
apresentação. Um caso desse tipo de obra é A História do Medo no Ocidente
(DELUMEAU, 2009), em que o autor faz uso da análise de perspectiva tanto histórica,
traçando uma linha temporal do medo, desde a antiguidade, com os medos de pestes e a
exaltação a coragem em oposição à covardia, nesse contexto covardia surgindo como
sinônimo do medo, passando pela idade média e os governos fundados sob o signo do
medo e chegando até os dias atuais, onde o medo ganha a dimensão do imaginário12;
como relativista, perpassando toda sua análise com comparações entre sociedades
contemporâneas entre si, no processo de compreender o papel do medo na história do
ocidente.
Nos teóricos considerados clássicos, a emoção emerge de como “[...] uma
espécie de fundamento implícito da instituição societária e esteve sempre presente como
pano de fundo para a discussão sobre as relações entre os indivíduos, suas paixões e
sentimentos, e a sociedade.” (KOURY, 2004, p. 16). Isso significa dizer, que as emoções

12 Sobre imaginário o medo ver Koury (2006), Baierl (2004) e Sposito e Góes (2013).
29

sempre estiveram lá, mesmo que não apresentadas como categoria analítica, uma vez
que, nos clássicos, a categoria analítica era a sociedade como um todo, somente com
Weber os estudos começam a se voltar para indivíduo.
Em 1985, Durkheim formula um projeto teórico-metodológico para a disciplina
sociologia, e, para tal, define como unidade de análise o fato social (DURKHEIM, 2005),
que seriam as maneiras de pensar e agir coletivamente, estas exercendo uma coerção
sobre a vontade individual, prevalecendo assim o todo sobre o particular. Nessa
abordagem, emoção aparece como um fruto da sociedade, submetida, porém
permanentemente negociada por processos mentais e fisiológicos que se dão no
processo de vivência de cada sujeito particular vivendo e sendo formado pela sociedade.
Aqui o indivíduo é sempre pensado em coletividade e as emoções são consideradas
sociais e, como tais, construídas socialmente.
Já em Marx (2008, 2005), que tal qual Durkheim, está preocupado com o
coletivo e, dessa forma, o indivíduo só emerge enquanto ser social integrante dessa
coletividade, as emoções surgem da análise de classes sociais. Somente a partir do
entendimento da sociedade de classes e de como se dá a configuração dessas classes é
que pode haver o entendimento dos indivíduos e, conseqüentemente, de suas emoções.
Note que em Marx somente quanto o indivíduo deixa de ser alienado e passa a ter
consciência de sua condição de classe é que podem emergir as emoções.
Esse cenário coletivo-indivíduo começa a mudar com as análises de Mauss
(2003), o aprofundamento do simbólico enquanto elemento de configuração social e a
emergência do “outro” e do “eu” na sua obra. Desse modo, a emoção seria uma categoria
implícita, inconsciente e ritualizada, produzida e vivida por uma sociabilidade específica,
isto é, “[...] sentimentos do íntimo de casa um [...] seriam pautados por uma gramática
[social] comum.” (REZENDE E COELHO, 2010, p. 48), como mostra Koury (2004)

A categoria emoção, assim, [...] seria uma representação coletiva que se impõe à
consciência individual mas, como representação ela tornar-se-ia inconsciente,
uma categoria de bases universais porém sempre reconstituída histórica e
socialmente. Os indivíduos sociais apreenderiam os significados culturais da
emoção antes mesmo de vivenciarem toda e qualquer emoção, como uma
categoria implícita e inconsciente construída socialmente em um tempo e em um
espaço. (p. 26-27)

Já em Weber (1999) as emoções ocupam o lugar central no quadro teórico-


metodológico e a unidade de análise é a ação dos indivíduos em interação.
Diferentemente dos autores citados anteriormente, em Weber os conteúdos afetivos
criam, configuram e ancoram as formas de sociabilidade deles emergentes através da
30

troca entre as partes em relação. Logo, as emoções emergem a partir da ação que, ao
mesmo tempo, produz possibilidades emotivas e é produto da mesma.
Simmel (1987 apud REZENDE E COELHO, 2010) por sua vez caminha no
mesmo lastro de Weber ao considerar que toda interação é balizada por uma “forma” e
uma “motivação”. “A ‘motivação’ é o conteúdo, o interesse ou objetivos do indivíduo que
se engaja em uma interação; a ‘forma’ é o modo, um formato por meio do qual aquele
conteúdo passa a existir.” (Idem, p. 45). Aqui as trocas entre os indivíduos são racionais
porque toda ação é provida de sentido.
Veja que nos autores até agora citados, Durkheim, Marx, Maus, Weber e
Simmel, as emoções não emergem diretamente como categoria de análise, nos três
primeiros, inclusive, ela aparece como algo pré-existente e “moldado” de acordo com a
construção social coletiva. Somente nos dois últimos autores, emoções aparecem
“descoladas” dessa noção pré-existente, ganhando uma ênfase enquanto ação racional
dos indivíduos. Aqui já não é mais a emoção individual sobreposta às emoções coletivas,
são indivíduos que, durante a interação, são movidos pelos interesses que possibilitam,
fundam ou consolidam as relações emotivas.
Somente nos estudos contemporâneos emoção ganha status de categoria
analítica e campo disciplinar, mas diferencia-se em tendências diferentes. A primeira
delas, que defende a emoção como algo eminentemente social, é trabalhada por autores
como Bourdieu e Parsons. Bourdieu com a noção de habitus e campo que correspondem
a ideia “[...] de um imaginário que sedimentaria tradições e permitiria, de forma
concomitante, elaborações, proposições, vivências e ações individuais, indicativas dos
processos tencionais entre indivíduos e sociedade.” (KOURY, 2004, p. 48). Aqui cabe
chamar atenção que a própria noção de campo disciplinar segue a definição proposta por
Bourdieu na obra O Poder Simbólico (1989). Já Parsons tem um papel fundamental no
desenvolvimento da sociologia da emoção, elencando ela como um dos quatro
componentes fundamentais de sua teoria da ação. Apresenta o conceito de
personalidade, estruturado e estruturante da relação entre indivíduo e sociedade, e
concretizado através da noção de papel social.
Outra tendência é aquela que defende que as emoções são resultado da
interação social. Os expoentes dessa corrente são a Escola de Chicago, onde há um
aprofundamento da análise indivíduo e sociedade no processo de urbanização das
cidades americanas e, de onde, emerge o conceito de intersubjetividade, como algo que
31

[...] discute, envolve e compreende a perspectiva de uma pessoa, de um grupo de


pessoas ou de uma instituição reais ou imaginados, e a dos outros participantes
em relação à instituição ou ao comportamento individualizado ou em grupo em
ação interativa. (KOURY, 2004. p. 53)

Em conjunto com a Escola de Chicago, o interacionismo simbólico se volta


para a análise das interações microsociais e as emoções em jogo nesse processo. Aqui
se destacam vários autores que compuseram essa corrente teórica, dentre eles
MacCarthy, na qual as emoções são parte do processo de tensão negociada
permanentemente entre o indivíduo social, a racionalidade, as instituições sociais e os
aparelhos ideológicos; Herbert Blumer e Taylor. Para esta tendência, a sociologia da
emoção passaria pelos significados inerentes à constituição e à construção das emoções
como alicerce para a apreensão do social e do humano, além de resignificar o indivíduo
social em suas relações tensionais.
Já a terceira tendência objetiva o entendimento de emoções específicas
consideradas fundamentais para a apreensão do social no processo de interação entre
subjetividade e objetividade entre os indivíduos, ou seja, acredita que as emoções sejam
um produto relacional entre indivíduos e cultura. Aqui os expoentes se destacam pela
especificidade do estudo onde podemos enfatizar Elias (autocontrole emotivo), Lynd
(importância da vergonha para o Self e para a vida social; a primeira a reconhecer a
necessidade do conceito de vergonha) e Sennett (tensão entre sentimentos e sua
autenticidade). Já a emoção específica precursora foi à vergonha, base fundamental para
a compreensão da “[...] cultura emocional no social [...].” (KOURY, 2004, p. 68), e,
juntamente com a vergonha, agregam-se outras variantes como a humilhação, a honra, o
orgulho, autoconfiança, baixa auto-estima e assim por diante. O fato é que essa emoção
precursora foi responsável por uma série de análises teórico-metodológicas que
objetivavam uma melhor apreensão de cada emoção no coletivo. Após esse estudo,
surgem outras análises de emoções específicas: humilhação social (Evelin Lindner) e
injustiça e sofrimento social (Veena Das).
Já no Brasil, as emoções aparecem tanto de maneira transversal, pensado a
partir do coletivo, como de maneira específica. Gilberto Freyre (2003) e Sérgio Buarque
de Holanda (1995) abordam emoções a partir de suas preocupações relacionadas à
constituição da identidade brasileira. Apesar de abordar as emoções, ela não aparece
nessas obras como categoria analítica, emerge como algo intrínseco da identidade
nacional. Roberto DaMatta (1986, 1987) segue no mesmo lastro dos autores citados
anteriormente, e levanta hipóteses na qual o sentimento e sua expressão perpassa a
32

noção do público e do privado, construindo dessa forma uma análise fincada na


dualidade: indivíduo - pessoa, público – privado, institucional – cultural.
Em Gilberto Velho (1986) as análises se focam em enfatizar a cultura
emocional, observando o indivíduo e buscando dessa maneira a compreensão da
sociedade nacional. Analisa a emoção e sua expressão como um componente central de
projetos individuais de pessoas das camadas médias urbanas brasileiras. Projeto é um
fenômeno interno e subjetivo, formulado a partir de um leque de possibilidades e dentro
de um limite temporal e cultural. Dessa forma, Velho se torna um dos autores
fundamentais no processo de entendimento de questões relativas à subjetividade e
sociabilidade, se constituindo como um dos pilares da sociologia da emoção no Brasil.
A partir dos anos 90 há um aprofundamento de estudos que tem como
categoria analítica a emoção, se destacando, dentre eles, Claudia Rezende e Mauro
Guilherme Pinheiro Koury (2004 ,2005a, 2005b, 2006, 2013). Rezende desenvolve
estudos na área de antropologia das emoções e tem como objeto a questão da amizade,
destacando essa relação entre cariocas e londrinos a partir de uma perspectiva
comparativa e buscando identificar modos de vida e organização social e emocional. Já
Koury vêm contribuindo sistematicamente e significativamente para o desenvolvimento da
área de antropologia e sociologia das emoções com estudos que versam sobre o luto e a
dor nas cidades, imagens e sentimentos e medo e cidade (2005a, 2005b, 2006, 2013).
Objetiva, com esses trabalhos, compreender

[...] a relação entre as alterações na estrutura social e as mudanças nas emoções


dos indivíduos e os processos sociais envoltos na difusão e recriação contínua de
novos modelos comportamentais que refluem sobre formas originais de expressão
do sentimento na sociabilidade urbana brasileira. (Idem, 2004, p. 83)

O percurso percorrido até o presente momento teve como objetivo apresentar a


construção da sociologia e antropologia das emoções, as linhas teóricas desenvolvidas,
entender como se deu o processo de formação enquanto categoria analítica e quais os
principais autores que abordaram o tema. Diante do exposto, cabe agora ressaltar que o
presente trabalho dialoga diretamente com a visão contextualista, isto é, percebe a
emoção como algo que existe somente em contexto, emergindo da relação entre
interlocutores e a ela sempre referida. Compreende esse processo como algo que emerge
de um sistema cultural específico, com demarcações espaciais e temporais, e só é
possível de entendimento enquanto tal. É a “mola” que baliza as interações sociais entre
os aspectos objetivos e subjetivos da ação social dos indivíduos. Para tal, o texto será
sempre construído à “sombra” de autores que caminham no mesmo lastro de
33

entendimento, como Elias, Koury e Sennett13, ora sendo diretamente citados, ora
existindo apenas como pano de fundo perceptível e palpável.
Passo agora para o entendimento da emoção específica da qual trata essa
pesquisa: o medo.

2.2. Emoção Medo

Ao procurar no dicionário, o verbete medo é definido como: “1 Perturbação


resultante da ideia de um perigo real ou aparente ou da presença de alguma coisa
estranha ou perigosa; pavor, susto, terror. 2 Apreensão. 3 Receio de ofender, de causar
algum mal, de ser desagradável. Gestos ou visagens que causam susto.”14 (MICHAELIS,
2009). Visto a partir dessa definição, o medo tem atributos em comum com os fenômenos
corporais e biológicos, não ficando, dessa forma, clara sua construção social. Para este
trabalho importa a forma como o medo se constrói no processo de interação e como os
atores sociais lidam com essa emoção. Contudo, apresenta-se, em um primeiro momento,
algumas definições sobre o medo, como a descrita acima, apontando as múltiplas formas
de definição de uma mesma emoção.
A emoção medo ocupa um lugar de destaque nas análises das modificações
que a sociedade moderna passou, como pode visto com Elias e Delumeau (2009). Suas
análises chamam atenção para o caráter universal e particular do medo, ora como algo
inerente a condição humana, ora como um elemento variante de acordo com a
perspectiva histórica e social. Fato é que o medo se apresenta como “[...] um canal de
transmissão das estruturas sociais à estrutura psicológica individual.” (REZENDE E
COELHO, 2010, p. 33). Logo incutir medo aparece como estratégia de socialização e
como forma do indivíduo exercer autocontrole.
Mas porque sentimos medo? A biologia trata de responder essa questão da
seguinte maneira:

Uma pessoa, ao avistar uma serpente sente medo, esta emoção foi
desencadeada porque a informação (serpente) foi levada ao Sistema Nervoso
Central pelos nervos sensitivos, o hipotálamo juntamente com o tronco encefálico,
interpreta a informação e a relaciona ao estado de perigo. Logo, os nervos
motores devolvem a reação que se manifestará de maneira somática e visceral.
[...] O medo nada mais é do que uma emoção causada por uma causa direta e
objetiva. [...] é uma interferência no bem estar, na integridade física e mental.
Quando há ameaças ao organismo, este desencadeia reações comportamentais,

13
Dentre outros que serão citados ao longo do texto.
14 Fonte: http://michaelis.uol.com.br/moderno/portugues/index.php?lingua=portugues-
portugues&palavra=medo. Acessado em 20/04/2015, acessado em 15 de abril de 2015
34

neurovegetativas, neuroendócrinas associadas a sentimento de medo. (TAVARES


ET AL, 2013).

O medo, do ponto de vista biológico, tem como consequência o aumento da


frequência cardíaca, aceleração na respiração, energização dos músculos, arrepios, e
pode, inclusive, causar enfartes cardíacos. Dessa forma, “[...] o medo representa as
coisas ruins que podem acontecer, mas igualmente as que podem não acontecer, ele
também nos vence ao nos fazer temer o que não existe e o inexplicado.” (WALTON,
2007, p. 27).
Ao longo da história o medo teve um papel fundamental na construção da
imagem da valentia em detrimento da covardia, muitas vezes associada ao medo e,
dessa forma, criaram-se os mitos heroicos que governavam as sociedades e, em
oposição, a sujeição do povo não heroico. Esse percurso foi muito bem trabalhado por
Delumeau (2009), ao escrever a História do Medo no Ocidente e apresentar o medo como
um fator determinante durante a idade média e que perdura até os dias atuais. Sua obra
ressalta a necessidade de segurança dos indivíduos, que dessa maneira se sujeitam a
determinadas situações sociais. Dessa forma

[...] o medo humano, filho de nossa imaginação, não é uno mas múltiplo, não é fixo
mas perpetuamente cambiante. [...] Coletivo, o medo pode ainda conduzir a
comportamentos aberrantes e suicidas, nos quais a apreensão correta da
realidade desaparece [...]. (IDEM, p. 23 e 25)

Ao trazer essa definição do medo, o autor caminha para uma diferenciação dos
tipos de medo, das diferentes maneiras que eles são compartilhados e como são
sentidos. São eles: o medo refletido, conduzido por conselheiros espirituais da
coletividade; medo espontâneo, sentidos por amplas frações da população; medos
permanentes, compartilhados por indivíduos pertencentes a todas as categorias sociais;
e os medos cíclicos, que podem atingir a totalidade da população (ex.: pestes), ou
perturbar apenas uma parcela (ex.: fome).
Já Koury (2006) no artigo a Noção de Medo situa a definição de medo a partir
da visão dos moradores da cidade de João Pessoa. Seus dados foram levantados a partir
de um survey realizado entre os anos de 2002 e 2007 e apontou três categorias de medo:
falta de segurança pessoal ou familiar (apontado por 50% dos pesquisados); falta de
confiança em si ou receio de errar (apontado por 36,6% dos pesquisados); e, falta de
fé (apontado por 13,4% dos pesquisados). A categoria Falta de Fé “[...] situa a
conceituação de medo no interior de uma questão religiosa.” (IDEM, p. 59). Para essa
categoria, a fé no amor de Deus é algo que media as relações terrenas e a falta dessa fé
35

leva ao medo, este revela ainda uma face moral que leva a um grau de confiança maior
ou menor de indivíduos e comunidades. Quanto maior for a fé, menor é o medo e maior é
o grau de coesão e solidariedade dos indivíduos. “[...] Falta de fé, para definir o que é
medo [...] se situa em um campo de pensamento ou em um imaginário social ainda preso
no interior de laços tradicionais [...] a fé, deste modo, parece agir como uma forma de
proteção, ao mesmo tempo, também como consternação.” (IDEM, p. 67; grifo no original).
A Falta de Fé se situa, então, em um nível de falta de confiança moral no indivíduo e na
comunidade e em uma falta de confiança na providência divina.
A categoria Falta de Confiança ou Receio de Errar apresenta o medo como
sendo um receio pessoal de não alcançar seus objetivos e o sucesso. “[...] o medo se
desloca para o cotidiano dos sujeitos individuais e em relação aos seus projetos pessoais
em relação ao futuro.” (KOURY, 2006, p. 68). Essa categoria de medo leva a angústias,
estresse, depressão e até ao suicídio. Entra aqui o medo da solidão e o de envelhecer.
Essas duas categorias, Falta de fé e Falta de Confiança ou Receio de Errar, são
interessantes por mostrar como são variados os tipos de medo apontados pelos
moradores da Cidade e a amplitude dos mesmos, perpassando, dessa forma, de
diferentes maneiras a vida dos indivíduos.
Por fim, a terceira categoria Falta de Segurança Pessoal ou Familiar, que
dialoga diretamente com esse trabalho, mostra que a rua se tornou um lugar inseguro,
onde as sociabilidades já não são mais as mesmas, aqui as narrativas dos interlocutores
da pesquisa sempre retomam o passado para compará-lo com o presente15. “O
confinamento doméstico parece tornar-se um dos poucos caminhos encontrado de
continuar vivendo na cidade.” (KOURY, 2006, p. 75) O universo imaginário toma uma
dimensão própria nas narrativas do medo, pois, a partir do que se escuta e do que se vê
na mídia, as pessoas passam a mudar os hábitos e potencializar a sensação de
insegurança. Os indivíduos passam a ser vítimas do próprio medo, que diminui a
qualidade de vida e os afasta da rua e da sociabilidade coletiva.
Os efeitos desse medo sobre a sociedade contemporânea são abordados por
Brito (2008), que define o medo como algo inerente a nossa natureza, um “[...] sentimento
que nos perturba, que traz inquietação, sobressaltos, que exige providências e o cálculo
de riscos, enfim, ele faz parte do cotidiano.” (IDEM, p. 21). Na modernidade a incerteza e
a insegurança são elementos presentes, que fazem parte do dia-a-dia dos indivíduos,
causadores de uma sociedade de incerteza. Nessa visão, o mercado e o Estado

15Esse recurso comparativo entre o ontem e hoje foi encontrado algumas vezes na literatura sobre a
emoção medo. Para isso ver também: Mejia (2008) e Eckert (2000).
36

assumiram a função de serem estruturadores da sociedade, contudo, isso leva os


indivíduos a uma forma fragmentada de sociedade, que, dentre as diversas
consequências, causa a destruição de culturas e estruturas pela imposição da violência. A
imposição da violência leva a uma noção de crise e a um estado de incerteza muito
presente nas sociedades modernas. Dessa forma, gera um paradoxo: a modernidade
criou um aparato, o Estado, que governa impondo o medo e os meios de emancipação e
a razão tornaram-se instrumentos de dominação valendo-se do medo. Risco e perigo
tornam-se duas palavras que representam o cotidiano moderno.
É interessante perceber o percurso que o Brito (2008) faz até chegar a ideia de
sociedade de risco: ele inicia apontando o Estado como sendo o elemento que semeia o
medo com o uso da força e mostra que esse medo toma toda a dimensão da vida
cotidiana impelindo o indivíduo a angústia ou a barbárie. O sujeito é abandonado a sua
própria sorte e isso gera um processo de modernização do medo. Cria-se ainda uma
limitação da liberdade individual em nome do bem-estar e da segurança, valendo-se do
modelo panóptico onde todos podem ser vigiados e punidos. Posteriormente o “A
eficiência do panóptico é substituída pela idéia de incerteza.” (IDEM, p. 40); e cria-se com
isso um novo modelo: baseado no medo, os indivíduos passam a se disciplinar por conta
própria ou a não se disciplinar. Aqui a abordagem do medo é focada em uma relação
indivíduo e o Estado, este último aparecendo como o instrumento maior do medo.
Por outro lado, tendo como objetivo analisar as representações de violência e
sentimentos derivados, como insegurança e medo para duas gerações distintas, Mejia
(2008) analisa as representações sociais situando a violência, a segurança e o medo no
campo das representações, pois, não designam práticas observáveis e sim formas de
expressão do mundo social. A insegurança e o medo são emoções que decorrem da
experiência em determinados ambientes dominados pela violência, dessa forma, no
processo de pesquisa, ao se perguntar para os adultos “O que é violência para você?”
(IDEM, p. 75), as respostas mostram o fenômeno como sendo algo pensado dentro de um
contexto histórico e social. Contudo, as respostas são amplas e distantes: a impressão é
que os pesquisados acham o bairro do outro violento e não o seu. Decorre dessa primeira
pergunta dois conceitos: desterritorialização da violência e violência no território dos
outros.
Desterritorialização da violência se insere no fato da violência não ter lugar
específico e extrapolar os limites do município. Aqui aparece a mídia como a principal
responsável por divulgar os acontecimentos violentos da região, do país e do mundo.
Para os adultos, o passado serve como referência em relação aos dias de hoje, logo a
37

sensação é que hoje é muito mais violento que outrora16. A violência aparece como
característica dos espaços que passam por um amplo processo de modernização “[...] a
Polícia mal controla, por causa da acumulação demográfica, a favelização e o
desemprego.” (MEJIA, 2008, p. 77). Logo, desrritorializar a violência é uma maneira de
manifestar alteridade em relação ao fenômeno.
Violência no território dos outros se caracteriza por ser espaços físicos
distantes daquele na qual o indivíduo pertence. Também se refere a espaços construídos
em torno de práticas de violência com o qual os pesquisados não se identificam. No
entanto, a visão dos jovens se distancia um pouco da dos adultos, pois, para eles a
violência é inerente à cidade e não algo distante. “[...] eles evocam o risco imanente em
suas rotinas, a ameaça à sobrevivência física pela criminalidade desmesurada em que se
manifesta o crime organizado.” (MEJIA, 2008, p. 81). Aqui aparece a morte violenta como
um fenômeno com a qual os jovens convivem constantemente, e os fatores que levam a
esse crime são diversos: justiça comunitária, assaltos ou brigas; além da violência do
município.
A mídia surge como o elemento que apresenta a violência em todas as partes,
gerando uma sensação de insegurança. “Grande parte dos sentimentos e emoções
expressos em falas e opiniões sobre violência fundamenta-se no que os meios de
comunicação de massa transmitem. A produção dessas representações é um efeito da
violência simbólica exercida pelo campo jornalístico.”17 (MEJIA, 2008, p. 82). A mídia
aproxima a violência do nosso cotidiano, mesmo para aqueles que nunca foram vítimas,
mas se sentem inseguros. “[...] os excessos inerentes aos suplícios representam
estratégias de poder e, paradoxalmente, sua difusão implica no controle social pelo
medo.” (IDEM, p. 93). Esse controle contribui para a criação de uma cultura do medo18,
onde o indivíduo não é mais ameaçado pela natureza ou por Deus e sim, pela
modernização e pelo progresso. A violência e o medo aparecem como constitutivos do
poder, seja por parte de grupos legalmente aceitos ou os ilegais. Medo surge aqui não
como uma categoria e sim como a verbalização de um sentimento de insegurança. Logo,
para Mejia, nas sociedades onde impera à desconfiança, o medo é a única comunidade
possível.
“Evitar tais e quais linhas de ônibus; evitar tais e quais lugares, em tais e quais
horários. Evitar sair de casa. Bala perdida. [...] É melhor usar um relógio não muito caro

16 Como pode ser observado em Koury (2006) ao escutar as narrativas dos indivíduos sobre os medos
corriqueiros.
17 Ver também Salmito (2011), Souza (2008), Eckert (2000) e Baierl (2004).
18 Ver também Barreira (2011), Freitas (2003) e Eckert (2000)
38

[...] mas não tão barato a ponto de o ladrão se irritar.” (SOUZA, 2008, p. 19). Esses são
elementos presentes nas cidades que geram uma sensação de risco eminente. Souza
inicia seu percurso metodológico contextualizando os países capitalistas ou sociedades
pós-industriais, onde o problema central não é a escassez e sim os efeitos da
modernização e o modo como eles são vistos pela opinião pública e os meios de
comunicação de massa. A frase que simboliza esse momento é: “Eu tenho medo!” (IDEM,
p. 21); onde o risco assume o papel central na sociedade. Ressalta ainda que “‘Eu tenho
fome!’ e o ‘Eu tenho medo!’ podem conviver, de maneira complexa, no interior da mesma
realidade sócio-espacial.” (IDEM, p. 21). Em uma sociedade em que a concentração de
riqueza e a modernidade industrial impressionam e uma quantidade elevada de pessoas
não tem acesso a coisas básicas para sobrevivência, a insegurança e os riscos vêm
aumentando. O autor levanta ainda a concepção de guerra civil afirmando que esta se
faz presente há muito tempo nas metrópoles, sendo bastante utilizada pelos meios de
comunicação de massa desde o fim dos anos 80, principalmente no Rio de Janeiro, e que
é conduzida por cidadãos comuns que se tornam “[...] incendiários, chacinadores e
assassinos seriais.” (IDEM, p. 27).
A sensação de insegurança potencializa os medos e os riscos da sociedade,
gerando novas sociabilidades, novas posturas. A mídia, a comunicação de massa,
desenvolve um papel determinante no aumento dessa sensação, uma vez que ela é a
responsável por divulgar as ações violentas e o faz com certo grau de sensacionalismo.
“A percepção pública da insegurança pode não evoluir, ao menos durante certo tempo, de
maneira totalmente proporcional e coerente com as taxas de crimes violentos [...] [mas] a
mídia, comumente, [...] amplifica e retroalimenta o medo.” (SOUZA, 2008, p. 29-30). Há
uma indústria do medo: vende jornais, revistas, rende negócios, vende blindados, cercas
elétricas, condomínios exclusivos, segurança particular e rende até votos 19. É comum ver
candidatos da “segurança”20 que se elegem, ou tentam, através do discurso do medo,
para Freitas (apud Jornal OPovo 2013) há um mercado político tirando proveito da
violência. “É como se fosse um comércio lucrativo da violência porque ele se sustenta no
medo.” (p. 31).
A partir desse entendimento, Souza apresenta o conceito de fobópole: uma cidade
onde o medo impregna o cotidiano, tornando-se um dos aspectos centrais das nossas
vidas e de nossas preocupações, condicionando as mais diferentes facetas da nossa
existência. Na fobópole o clima de ‘guerra civil’ é constante e nele a guerra é travada de

19Ver também Barreira (2011).


20Como exemplo é possível citar: Moroni Torgan (DEM), Vitor Valim (PMDB), Ely Aguiar (PSDC), dentre os
“coronéis”, “capitães”, “cabos” e afins que surgem a cada nova eleição.
39

‘cidadão contra cidadão’. A sensação de insegurança sai das páginas dos noticiários e
passa a ocupar o cotidiano dos indivíduos, além de gerar custos tanto do sistema privado
quanto do sistema público. O medo não tem nada de novo, pois, ao longo da história, tem
sido comum, contudo, atualmente, o medo da criminalidade violenta é o que mais tem se
sobressaltado. Nas grandes cidades “[...] a criminalidade ordinária [...] alimenta constante
e ampliadamente o sentimento de medo generalizado. [...] [Na] fobópole [...] grande parte
de seus habitantes, presumivelmente, padece de estresse crônico [...] por causa da
violência, do medo da violência e da sensação de insegurança.” (SOUZA, 2008, p. 40) O
aumento da sensação de medo leva a uma má qualidade de vida e a diminuição da
sociabilidade, conclui Souza. É interessante perceber o conceito de fobópole e entender o
que é e como é uma cidade balizada pelo medo, como se dão as relações nesse cenário?
Souza é sem dúvida um autor fundamental para analisar as informações conseguidas
pela pesquisa e, a partir daí, entender a rede de relações complexas demarcadas pelo
medo.
Já Eckert (2000) traça narrativas da cultura do medo a partir de 11
depoimentos de pessoas idosas que moram há mais de 30 anos no Estado do Rio
Grande do Sul. Apresenta o medo e a insegurança como elementos presentes no
cotidiano das pessoas e capazes de fazê-las mudar de sociabilidades e relaciona o
surgimento de aparatos de defesa como uma forma de se proteger da violência e de se
sentir seguro. Aponta a mídia como um veículo que serve para confirmar a cultura do
medo no cotidiano, inserindo a violência no dia-a-dia dos interlocutores. O resultado disso
é a adaptação da rotina visando com isso à proteção. “As pessoas são roubadas,
assaltadas, agredidas [...]. Esses acabam sendo os maiores temores [...]. Vítimas ou não
de perigos reais [...] adotam estratégias de proteção e criticam a insustentabilidade da
ordem cotidiana por autoridades civis.” (IDEM, p. 3). Ressalta ainda a cultura do medo
como sendo uma estrutura simbólica de articulação entre representações e pontua sua
construção com comparações entre o ontem e hoje, onde o sentimento de insegurança é
experimentado nos pequenos sinais cotidianos. Dessa forma, “o medo e a insegurança
são, então, determinismos socializadores cada vez mais presentes no convívio urbano,
uma linguagem de forma cada vez mais coletiva.” (IDEM, p. 27).
Em Tuan (2005) a imaginação aparece como um elemento que canaliza a
intensidade do medo, chamando atenção para o fato de que esse medo não é único e
nem observável da mesma maneira, ele é variável de acordo com as sociedades e as
experiências individuais. Dessa forma, Tuan caminha para o que ele denomina
Paisagens do Medo, que “[...] diz respeito tanto aos estados psicológicos como ao meio
40

ambiente real. [...] São as quase infinitas manifestações das forças do caos, naturais e
humanas.” (IDEM, p. 13). Dessa maneira, existem muitas formas das paisagens do medo,
que vão desde elementos concretos, como a construção de muros, cercas ou a instalação
de dispositivos de segurança, até o medo de algo imaginário 21, como fantasmas e
espíritos.
Por sua vez, Freitas (2003) aborda o medo como uma construção social, isto é,
um fenômeno que pretende condicionar e regular as relações sociais de uma determinada
comunidade. Apresenta-se, dessa forma, “[...] como um dos ecos mais significativos da
violência.” (IDEM, p. 18), fincado no tripé: violência, insegurança e impunidade. Do seu
ponto de vista o medo pode ser explícito, observável no interior de uma relação social; ou
implícito, que denota um mundo de incertezas, onde tudo pode ser potencialmente
perigoso. A partir disso, o medo se expressa em ações que podem ser decorrentes da
realidade objetiva ou decorrentes de uma conduta antecipatória da possibilidade do
perigo, esta última se apresenta como o maior prejuízo produzido pelo medo, uma vez
que leva os indivíduos a modificarem atos, alterarem trajetos e assim por diante.
O medo apresenta-se como um atributo que perpassa todos os segmentos
sociais, atingindo uns em maior ou menor grau, sendo advindos de representações
mentais ou de proteção contra o perigo real, no entanto, suas zonas de delimitação não
são definidas, de forma que o indivíduo pode, ao mesmo tempo, sentir medo de algo não
concreto e sentir o mesmo medo de alguma experiência vivida. Corrobora com isso uma
cultura do medo e do silêncio que permeia o cotidiano das relações construídas e
constituídas sob o signo do medo.
A relação entre medo e cidade nem sempre existiu, no entanto, nas metrópoles
modernas, com o aumento do crime e da insegurança, surge como um novo elemento de
desagregação social, que repercute sobre as práticas e as percepções de cidadania.
Quando se imagina Fortaleza de alguns anos atrás o medo não parece ocupar a
dimensão que tem hoje, mas já existia, contudo, era regionalizado, sabia-se onde era
perigoso e os horários, havia uma “[...] espécie de proteção coletiva.” (BARREIRA, 2011,
p. 89). A modernidade se coloca como um fenômeno dual, onde se de um lado apresenta
novas condições de existência; do outro traz condições de destruição ameaçando a vida
social e gerando medo. Pensar o medo como um sentimento de ordem social significa
observar três pressupostos: os sentimentos se expressam de maneira diferente no tempo
e no espaço; ele se reproduz em larga escala e em cadeia e passa a ser integrado por

21 Nesse trabalho é possível observar a dimensão do imaginário a partir dos medos dos interlocutores de
algo da qual eles nunca foram vítimas e da qual o bairro Benfica não apresenta índices significativos.
41

todos os membros da sociedade, vale ressaltar que “[...] o medo [...] é baseado em
crenças, em mitos e em valores que caracterizam uma determinada ordem social.” (IDEM,
p. 92); esse medo contemporâneo se baseia no sentimento de desproteção e na crença
na eficácia de instituições de controle, na busca por soluções particularizadas, como o
uso da segurança privada.
Dessa forma, o medo produz influência no modo como as pessoas se
comportam. A mídia, em especial os programas policiais como Linha Direta, Barra Pesada
ou Cidade 190 se utilizam do medo como fio condutor da notícia, se inserem na
circularidade do medo, processo em que o medo adquire novos sentidos, novas
linguagens, símbolos e narrativas. Cria-se um estereótipo de indivíduos potencialmente
perigosos e passa-se a fugir de pessoas que tenham esse perfil, é a mixofobia, isto é, o
medo da mistura, reforçando a ideia de segregação e intolerância. “[...] a difusão das
ocorrências de criminalidade, através dos meios de comunicação de massa [...] terminam
por criar o círculo vicioso do medo, contribuindo para a crença na sensação de
generalidade de situações.” (BARREIRA, 2011, p. 94). O medo gera uma dificuldade de o
indivíduo se inserir na vida social, interfere nos modos de se comunicar e nas formas de
sociabilidade; os espaços públicos são esvaziados e passam a ser frequentados pelos
indesejáveis, transformam-se em territórios do medo. E há ainda uma indústria que se
alimenta do medo: alarmes, vidro fumê, objetos eletrônicos, blindados etc; além dos
muros altos e as barreiras separando o público do privado, ou até mesmo privatizando o
público.
O caminho percorrido até o presente momento teve como objetivo apresentar e
discutir o que foi encontrado na literatura sobre a emoção medo e perceber como os
autores abordam esse tema. Esse trajeto é necessário para entender a diversidade de
formas de abordagem do medo e para dar base ao conceito chave na qual esse trabalho
está ancorado: o medo social, singular coletivo construído na interação social. Partindo
disto, é importante entender que

O medo social vem alterando profundamente o território e o tecido urbano e,


consequentemente, a vida cotidiana da população. Todos se sentem afetados,
ameaçados e correndo perigo. Ameaças reais, vindas de sujeitos reais, são
contrapostas a ameaças potenciais típicas do imaginário singular coletivo,
produzido pelos índices perversos do crescimento da violência nas cidades. Isso
se agrava pela forma como esses índices são veiculados e tratados pela mídia,
pela fala corriqueira do crime e, principalmente, pela ineficiência e impunidade no
papel da polícia e do Estado frente à questão social. Os sentimentos
generalizados são de insegurança, ameaça, raiva, ódio, medo e desperança.
(BAIERL, 2004, p. 20).
42

Os medos vividos são diferenciados por segmentos de classes, no estudo da


Baierl (2004) é possível perceber que os moradores das favelas e os moradores dos
bairros de classe média tem medos distintos. Gera ainda segregação urbana, já que os
espaços passam a não ser mais apropriados da mesma forma e, em decorrência, há uma
ideia de medo imaginário, isto é, algo difuso que conduz as pessoas a alterarem suas
dinâmicas. Apresenta ainda dois tipos de medo: com contrapartida no real, onde o
indivíduo tem medo de ser vítima de assaltos, furtos e roubos e o bairro tem índices
significativos desse tipo de ocorrência; e o medo sem contrapartida no real, onde o
indivíduo tem medo de ser vítima de crimes fatais, de sequestro e estupro e o bairro não
tem índices significativos desse tipo de ocorrência. Esse último tipo provoca um clima
generalizado de insegurança, retroalimentado pela forma como a mídia apresenta as
notícias relacionadas ao crime, gerando, dessa forma, um sistema cíclico do medo.
Nesse trabalho, os medos sentidos pelos interlocutores são do tipo
espontâneos e permanentes (DELUMEAU, 2009), isto é, sentido por todos de maneira
individual e coletiva e independente da camada social, permeia as relações e contribui
com os novos processos de sociabilidade e estratégias de sobrevivência 22. São ainda do
tipo Falta de Segurança Pessoa ou Familiar, como encontrado por Koury (2006), uma vez
que altera os trajetos e as maneiras de viver e sentir a cidade. Tem tanto uma
contrapartida no real, como nenhuma contrapartida, isto é, se concretizam tanto através
de algo vivido como de algo imaginário, e, acima de tudo, são medos sociais (BAIERL,
2004) que tem como consequência a alteração drástica da relação entre as pessoas,
normas, padrões de educação, conduta e introduz um novo padrão de segregação
urbana.
No barirro Benfica o medo se apresenta tanto de maneira explícita, com medos
específicos, como implícita, onde o medo toma uma dimensão onde tudo e todos são
potencialmente perigosos. Há determinadas áreas em que a disciplina não é realizada
nem pelo Estado e nem pelos indivíduos, e sim, por grupos criminosos que ditam as
regras do espaço, aqui realizando um diálogo com Brito (2008), interessou para a
pesquisa encontrar essas áreas e tentar mapeá-las em algo que poderia ser chamado de
cartografia do medo23. Já Mejia (2008) é fundamental para a pesquisa por se tratar de
argumentações retiradas das narrativas dos entrevistados, perspectiva metodológica
adotada nesse trabalho e por abordar o medo como uma expressão do mundo social.
Relaciona-se diretamente com esta pesquisa por se tratar de uma cidade onde os riscos

22 Esse tema será retomado mais adiante, no capítulo 3 desse trabalho.


23 Esse tema será retomado mais adiante, no capítulo 3 desse trabalho.
43

são constantes, onde a população cria táticas de adaptação e flexibilização diante desse
cenário.

2.3. Dados referentes ao crime: o que eles têm a dizer?

O Relatório Mundial sobre a Prevenção da Violência 201424, publicado pela


Organização Mundial da Saúde (OMS), o Programa da ONU para o Desenvolvimento
(PNUD) e o Escritório da ONU sobre Drogas e Crime (UNODC) se trata do primeiro
levantamento de dados que avalia os esforços para combater a violência interpessoal,
como maus-tratos à criança, a violência juvenil, violência pelo parceiro íntimo, violência
sexual, além dos abusos à idosos em casa e nos asilos, entre outros. Objetiva, além do
levantamento, um aporte para que os governos de cada país possam identificar lacunas
existentes no sistema e, dessa forma, incentivar e orientar ações.
Ao todo, foram coletados dados de 133 países atingindo cerca de 6,1 bilhões
de pessoas, representando 88% da população do mundo, no ano de 2012. De acordo
com a Justiça Criminal brasileira, o país registrou 50.108 homicídios sendo que a maioria
é de homens e, dentre estas, 73% foram ocasionadas por armas de fogo. Os serviços de
emergência de saúde do Brasil registraram 4.835 casos de violência, dos quais 91% das
vítimas foram vítimas de violência interpessoal e 9% tentaram suicídio. Cerca de 55% das
vítimas eram jovens com idades entre 10 a 29 anos.
Já o Relatório Mundial Sobre Violência e Saúde25, publicado em 2002 pela
Organização Mundial de Saúde (OMS), aponta a violência e suas consequências, dentre
elas o medo, como um problema de saúde pública no mundo. “Os objetivos deste relatório
são ampliar a consciência acerca do problema da violência em nível global, argumentar
que a violência pode ser prevenida e que a saúde pública tem um papel crucial no
reconhecimento de suas causas e consequências.” (Idem, p. XIX).
Corroborando com esse viés, o Ministério da Saúde lançou em 2005 um estudo
sobre o Impacto da Violência na Saúde dos Brasileiros26 analisando dados referente aos
óbitos, as agressões e os acidentes nos Estados brasileiros, bem como, dados referentes
a internações na rede pública de vítimas da violência. Através deste, o Ministério, assim

24 Disponível em http://www.who.int/violence_injury_prevention/violence/status_report/2014/en/, acessado


em 26 de abril de 2015.
25 Disponível em
http://www.academia.edu/7619294/Relat%C3%B3rio_mundial_sobre_viol%C3%AAncia_e_sa%C3%BAde,
acessado em 26 de abril de 2015.
26 Disponível em http://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/impacto_violencia.pdf, acessado em 26 de abril

de 2015.
44

como a OMS, a violência e suas consequências como um problema de saúde pública que
afeta diretamente a gestão de saúde do Estado e, consequentemente, o orçamento
referente a saúde.
O Mapa da Violência 201427 apresenta os dados referente a violência e
criminalidade, apontando, que no Brasil morre mais pessoas que em locais onde há
conflito armado. O Ceará aparece como o 3ª em quantidade de homicídios, sendo 44,6%,
que significa 145 homicídios por dia. A média brasileira é de 22,0%, logo o Ceará tem o
dobro da média nacional de homicídios. Quando vemos a realidade de Fortaleza nesse
cenário, percebemos que a mesma concentra 76,8% dos homicídios, mais uma vez sendo
o dobro da média nacional, que figura em 38,5%.
Segundo a pesquisa Cartografia da Criminalidade e da Violência de Fortaleza
(UFC/UECE, 201028), o bairro Benfica não desponta como um local violento, isto é, com
números relevantes que se relacionem a homicídios e lesão corporal. Contudo, quando
observamos os números referente a furtos e roubos, o Benfica aparece em 4º29, com um
total de 576 furtos e 411 roubos. No entanto, esses dados são dados oficiais, de pessoas
que registraram boletins de ocorrência e por isso os eventos entram nas estatísticas.
Ressalto ainda que esses dados são referentes ao ano de 2010 e estão desatualizados,
para a pesquisadora Jânia Perla (apud Jornal OPovo 2014) “a falta de transparência
colabora com a sensação de insegurança da população. Sem os dados acredita-se que a
situação é pior que a realidade.” (p. 3)

GRÁFICO 01

FONTE: CARTOGRAFIA DA VIOLÊNCIA E DA CRIMINALIDADE (2010)

27 Disponível em http://www.mapadaviolencia.org.br/pdf2014/Mapa2014_JovensBrasil.pdf, acessado em 26


de abril de 2015.
28 Solicitei a Secretaria de Segurança Pública e Defesa Social do Ceará dados atualizados referentes aos

números da violência no bairro, contudo, até o presente momento ainda não obtive resposta.
29 Posição dentro da Secretaria Executiva Regional (SER) que o bairro faz parte. A cartografia analisa por

SER.
45

Sobre as ocorrências não registradas30 há um site onde a pessoa vai e registra


o local, tipo, e a data do assalto. Buscando o bairro Benfica encontrei uma outra
realidade: ele surge como o 3º mais violento da cidade, com ocorrências relacionadas a
assalto a mão armada, furto, arrombamento veicular, roubo de veículo e arrombamento
domiciliar. O site informa ainda, que 58% dos usuários que cadastraram suas ocorrências
realizam um boletim. Conforme podemos verificar no mapa abaixo: os locais verdes
indicam uma ocorrência registrada; locais amarelos, mais de uma ocorrência registrada; e
os locais vermelhos, potencialmente perigosos, com várias ocorrências registradas. Nele
percebemos a Rua Juvenal Galeno como o local que é mais potencialmente perigoso.

MAPA 01

AREAS DE OCORRÊNCIA: BENFICA. FONTE: ONDEFUIROUBADO.COM

30 Disponível em http://www.ondefuiroubado.com.br/fortaleza/CE, acessado em 26 de abril de 2015.


46

3. O BAIRRO BENFICA: CARACTERIZAÇÃO, HISTÓRIA E PRÁTICAS DE


SOCIABILIDADES.

O Benfica é um bairro universitário e residencial caracterizado por uma


particular multiplicidade de pessoas em comparação com os outros bairros de Fortaleza.
Apresenta um fluxo de atores sociais (estudantes, moradores, hippies, estrangeiros,
dentre outros) que movimentam, além dos próprios espaços da Universidade Federal do
Ceará - UFC, um circuito de lazer próprio (bares, shopping, praças, estádio e etc.). É
lembrado ainda por ser um reduto cultural na Capital, sendo sede de grupos populares,
como o Maracatu Solar, pré-carnavais e bares históricos como o Bar do Marcão e o Bar
do Chaguinha.
Localizado na região central de Fortaleza, o bairro tem início na Faculdade de
Direito e seu fim na Avenida Eduardo Girão. Engloba ainda parte da Avenida dos
Expedicionários, Avenida do Imperador que tem como continuação a Avenida Carapinima,
chegando até a Avenida José Bastos em seu cruzamento com a Avenida Padre Cícero. É
cortado por duas Avenidas de grande circulação da cidade: Av 13 de Maio e Av. da
Universidade.

MAPA 02

MAPA DO BAIRRO BENFICA. FONTE: FERREIRA (2008)


47

Guarda a peculiaridade de ter um bairro dentro de um bairro: a Gentilândia.


Criado oficialmente em 24 de julho de 2000, segundo o Diário Oficial do Município de
Fortaleza, é considerado um dos menores bairros da Cidade e ocupa uma parte do
espaço do Benfica, correspondendo ao quadrilátero entre as Avenidas da Universidade,
Treze de Maio, Expedicionários e Eduardo Girão. Contudo, não há uma separação
efetiva, visto que ambos utilizam a mesma rede de serviços públicos e privados que a
divisão geográfica do bairro Benfica engloba.
O Benfica é considerado um bairro histórico em Fortaleza e que compõe a SER
IV31. Segundo dados disponíveis no site da Prefeitura de Fortaleza32, possui um IDH-M33
médio de 0,664. Tem uma área total de 1,431km². Já sua população é composta,
majoritariamente, por jovens e idosos34 na faixa etária de 15 a 64 anos, atingindo um
percentual de 76,7% do total de habitantes. Em relação à população residente é maior a
presença de mulheres, são 5.142 de um total de 8.970 habitantes.

GRÁFICO 02

FAIXA ETÁRIA DA POPULAÇÃO DO BAIRRO BENFICA. FONTE: HTTP://POPULACAO.NET.BR/

Uma das principais características do bairro está na abundância de mangueiras


que podem ser observadas espalhadas ao longo do bairro, seja nas propriedades
particulares, nas praças ou até no meio da rua. Segundo o Mapeamento das Áreas

31 Fortaleza possui 114 bairros e conta com uma população de cerca de 2,5 milhões de habitantes. É
dividido em seis Secretarias Executivas Regionais, SER, que tem como papel a execução das políticas
públicas definidas pelos gestores. A Secretaria Executiva Regional (SER) IV foi inaugurada em 25 de abril
de 1997. Com área territorial de 34.272 km², a SER IV abrange 19 bairros. Fonte:
http://www.fortaleza.ce.gov.br/regionais/regional-IV. Acessado em 29 de maio de 2014.
32 http://www.fortaleza.ce.gov.br/regionais/regional-IV. Acessado em 29 de maio de 2014.
33 O índice de Desenvolvimento Humano Municipal (IDH-M) contempla três indicadores: média de anos de

estudo do chefe da família, taxa de alfabetização e renda média do chefe de família (em salários mínimos).
Quanto mais próximo da nota 1,0 mais desenvolvido é o bairro. Fonte: Pesquisa Cartografia da
Criminalidade e da violência na Cidade de Fortaleza, 2010, p.121.
34 Fonte: Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) - Censo Demográfico 2010.
48

Verdes de Fortaleza, 0,2 km² do bairro é composto por vegetação, o que representa 14%
do território. Esses e outros elementos fazem do Benfica um espaço de diversidade e
lugar de encontro de gerações.

3.1. Histórias do bairro

O bairro Benfica começou a se constituir no final século XIX e recebeu esse


nome em referência ao sítio Bem-fica, ocupado por José Paulino Hoonholtz, encarregado
pelo Governo Provincial de projetar e construir o primeiro sistema de encanamento de
água potável de Fortaleza, a ideia da Província era fazer uso das fontes de água do
bairro. Já em 1892 os documentos oficiais dão conta do local pelo nome de Bemfica,
marcando um novo momento com a chegada de novos moradores e a construção do
boulevard Visconde do Cahuype. O local era considerado espaço de “bem viver” e “bem
morar”35. Sua população era de classe média e o bairro considerado nobre.
Nogueira (2007) aponta três fases distintas na ocupação do bairro: a fase das
chácaras, ocupações do século XIX, que marcavam o que se poderia caracterizar como
uma zona rural em Fortaleza, com extensos pomares e casas recuadas; o segundo
momento, até 1930, se dá com o loteamento das áreas ocupadas pelas famílias Gentil,
Manços Valente e Sabóia, imprimindo aspectos aristocráticos, com grandes mansões,
extensas áreas de jardins, abertura de ruas e construção de vilas, tais como Vila Antônio
de Souza, Vila Demétrio, Vila Apertada Hora, Vila Campelo, Vila Alegre, Vila Arteiro e Vila
Gentil; e, posteriormente, a chegada da Universidade Federal do Ceará, em 1956, que
reconfigura o lugar inserindo novos sujeitos no cotidiano dos moradores.
O Benfica foi o mais aristocrático bairro de Fortaleza no período compreendido
entre o final do séc. XIX até o final da década de 40. Isso aconteceu quando as famílias
de alto poder aquisitivo começaram a sair do centro da cidade e se instalaram no bairro.
Assim, logo surgiram casas mais refinadas, com bangalôs, sobrados, piscina, jardins e
quintais, que serviam de residência a moradores ilustres e da alta sociedade de Fortaleza.
Em um segundo momento, como aponta Nogueira (2007), a chegada da família
Gentil imprime uma nova marca. A chácara Garcia passava a ser chácara Gentil. O rico
morador, dono do Banco Frota e Gentil, construiu uma cidade dentro do nascente bairro
Benfica: desmembrou a chácara para compor os quarteirões, as ruas e as praças do
bairro. Do espaço construído uma parte foi separada para a moradia da sua própria

35 Fonte: Nogueira (2007)


49

família e a outra foi alugada para famílias de classe média, imprimindo dessa forma um
novo aspecto cultural, histórico e arquitetônico no bairro.
O campus da Universidade Federal do Ceará - UFC foi instalado no bairro em
26 de junho de 1956 e motivou uma série de modificações, a começar pela estrutura
física. A Universidade adquiriu imóveis por toda a extensão do bairro, utilizando eles para
a criação dos seus espaços. Prédios onde hoje funcionam as Casas de Cultura francesa,
britânica e alemã eram residências de famílias como os Bráulio Lima, Tomaz Pompeu
Magalhães e Francisco Queiroz Pessoa36; em frente, o Centro de Humanidades II, era a
residência de Antônio Gentil, que deu lugar ao Centro de Esportes Universitários (CEU) e
a residência de João Thomé Sabóia, da qual ainda resta o observatório, é hoje os Centros
Acadêmicos de Comunicação e Psicologia; a Reitoria era o palacete de José Gentil; e,
onde hoje fica o curso de Ciências Sociais, outrora era a residência de João Gentil.
A chegada da UFC imprimiu uma nova marca no bairro, além de valorizá-lo.
Antes reconhecido como espaço residencial e tranquilo, passou a ser visto como bairro
universitário, trazendo novos atores sociais que se integraram ao bairro e passaram a
construir um cenário diferenciado. Surge ainda uma série de novas atividades econômicas
em torno da Universidade, este comércio era voltado para atender a demanda dos
estudantes que passaram a fazer uso desse espaço. Destacam-se os variados bares,
mercadinhos e a modificação dos tipos de residências, com a construção de quitinetes
para atender a demanda estudantil. Dessa forma

[...] as transformações de significados que o bairro adquiriu a partir da UFC [...] é


interpretada aqui como o evento que marca não apenas a inserção de novos
sujeitos capazes de significar o lugar a partir de suas experiências, mas, também,
como o momento em que os próprios residentes reavaliam os sentidos atribuídos
ao Benfica. (PEREIRA, 2008, p. 77)

A cultura do bairro passa a se entrelaçar com a Universidade, chegando esta


debater em seus espaços de gestão, a criação de um corredor cultural, tendo a UFC
como um “[...] lócus de produção de cultura que se irradia para o restante de Fortaleza,
diferenciando o Benfica de outros bairros da capital cearense.” (PEREIRA, 2008, p. 82).
Em um primeiro momento consta no Plano Diretor do Campus Universitário, datado de
1982, esse projeto de corredor cultural, onde no bairro permaneceriam apenas as
atividades da Universidade relacionadas à cultura e extensão; em um segundo momento,
em 1992, a UFC refaz a proposta com o objetivo de transformar a Avenida da
Universidade em corredor cultural. Assim sendo

36 Fonte: Pereira (2008)


50

A instalação da universidade pode ser interpretada como acontecimento


culminante para modificar a definição do bairro residencial para tradicional.
Ressalta-se que a modificação apontada não se dá de uma vez ela ocorre à
medida que o Benfica vai sendo reconhecido como universitário pelos novos
sujeitos e pelos moradores antigos, sem excluir o antigo reconhecimento. Há um
passado no presente [...]. (IDEM, p. 78)

Atualmente, ao andar pelo bairro, é possível observar suas diversas fases


marcadas nas fachadas das casas e nas características populacionais. Muitos moradores
antigos, anteriores a chegada da UFC, permanecem no bairro em casas de arquitetura
antiga, com frondosas árvores na entrada. Em algumas ruas é possível observar árvores
no meio da rua, onde outrora, sem dúvida, deveria ter sido uma chácara. Essas
características de um Benfica tradicional misturam-se com a construção, cada vez mais
constante, de moradias de pequeno porte (chamados kitnets), casas coletivas (estilo
repúblicas) e a agregação de jovens vindos dos mais diversos locais, em especial da
África buscando aqui uma especialização. No entanto, apesar do avanço desse tipo de
moradia, o Benfica é ainda um bairro formado predominantemente por casas.

3.2. Diversidade de espaços urbanos e práticas de sociabilidade

[...] o bairro é o espaço de uma relação com o outro como ser social, exigindo um
tratamento especial. Sair de casa, andar pela rua, é efetuar de tudo um ato
cultural, não arbitrário: inscreve o habitante em uma rede de sinais sociais que lhe
são preexistentes (os vizinhos, a configuração dos lugares etc.) (CERTEAU, 2003,
p. 43)

O bairro se configura como um espaço vivido por indivíduos que moram e/ou
frequentam e se sentem reconhecidos no local. Imprimem suas marcas, entrelaçando
suas vivências e histórias de vida com a do próprio bairro. O Benfica, em especial, tem
apropriações diversas oriundas da multiplicidade de espaços públicos e privados que
compõe a dinâmica local.
A Universidade Federal do Ceará ocupa 13 hectares do bairro, sendo
compostas por órgãos internos acadêmicos e administrativos, como a Reitoria, as Pró-
Reitorias de Planejamento, Extensão, Administração e Assuntos Estudantis;
Superintendência de Recursos Humanos; os Centros de Humanidades I (onde se localiza
a Faculdade de Educação, as Casas de Cultura Estrangeira, o Departamento de Letras, a
Biblioteca), II (quadra do CEU, Departamento de Psicologia, Comunicação Social e
História) e III (Departamento de Ciências Sociais e algumas Pró-Reitorias); o
Departamento de Arquitetura e Urbanismo; a FEAAC (Faculdade de Economia,
51

Administração, Atuária e Contabilidade); o ICA (Instituto de Cultura e Arte – cursos


Cinema e Audiovisual, Dança e Teatro); e a Faculdade de Direito.
Além dos espaços acadêmicos e administrativos, é possível encontrar outros
órgãos de comunicação e assistência estudantil como as Residências Universitárias,
Restaurante Universitário, Procuradoria Geral, Auditoria Interna e a Ouvidoria; e os
espaços culturais da Universidade como o Museu de Arte, Rádio Universitária, Editora,
Imprensa e a Concha Acústica, que costuma ser palco dos Festivais de bandas da UFC e
da colação de grau dos concludentes. Abriga ainda sindicatos ligados aos docentes e
servidores da Universidade, como o sindicato de trabalhadores da UFC – SINTUF e o
sindicato dos professores da UFC – ADUFCE.
Os espaços da Universidade são ocupados por um público diverso que de
certa forma reflete a diversidade presente no bairro. Indivíduos dos mais variados bairros
de Fortaleza, bem como oriundos de outros municípios, se deslocam cotidianamente para
este espaço com o intuito de estudar, trabalhar ou simplesmente “ficar de bobeira”. Há
também uma mobilização em torno das atividades culturais promovidas pela
Universidade, como o Festival de Cultura e o Festival de Bandas.
Abriga ainda o Instituto Federal Tecnológico do Ceará (IFCE), que conta com
cursos técnicos, técnicos integrados, bacharelado, licenciatura e mestrado; e o Centro de
Línguas Estrangeiras do Ceará (CLEC), que conta com cursos de inglês, francês e
espanhol. Além disso, há a presença de algumas escolas de ensino fundamental, médio e
técnico, públicas e privadas, como Instituto Mascote, Colégio Adventista de Fortaleza,
Cepep Escola Técnica, Escola de Ensino Fundamental Centro dos Retalhistas e o Colégio
Christus.
Em relação à espiritualidade, há instituições religiosas ligadas a Igreja Católica,
como a Igreja dos Remédios, Instituto das Filhas de São José e o Dispensário dos
Pobres, que faz parte da Companhia das Filhas da Caridade de São Vicente de Paula; as
Igrejas Evangélicas Sara Nossa Terra e Verbo da Vida; e os Centros Espírita Francisco
de Assis e Irmão Leite, além da organização Seicho No Ie “[...] instituição que se identifica
como uma filosofia que transcende ao sectarismo religioso, pois acredita, de acordo com
o site do grupo, que todas as religiões são luzes de salvação que emanam de um único
Deus.” (VIANA, 2009, p. 23)
A identidade estudantil é uma marca muito presente no bairro, sendo este
configurado como um ethos intelectual universitário, e sempre lembrado por esse aspecto
(VELHO, 2013). Ademais, há um circuito de lazer (MAGNANI, 2007) próprio e grupos
sociais específicos que não podem ser vistos de maneira independente, mas sim, a partir
52

de uma gama de conexões e contatos que estabelecem entre si e entre os espaços


urbanos ocupados.
MAPA 03

ESPAÇOS NO BAIRRO BENFICA. FONTE: GOOGLE MAPS.

Há ainda um variado comércio, com mercadinhos, lojas, shopping,


supermercados, farmácias, padarias e etc. O cenário é composto por muitos bares e
restaurantes, e, mais recentemente, o aparecimento de cafés37. Estes costumam receber

37Ressalto o surgimento dos cafés porque me chama a atenção um elemento: as grades! Os cafés em
questão, Kali Café, Candeeiro Cultural e Café Vitrola, ficam localizados na Rua Waldery Uchôa. Ao passar
por eles é estranho olhar e vê-los fechados com grades, sendo preciso, em alguns momentos, esperar o
garçom abrir o cadeado.
53

um fluxo grande de pessoas, em geral alunos e profissionais que trabalham nas


imediações, ademais de atrair um público específico.
Outro elemento que compõe a imagem do bairro é o Estádio Presidente
Vargas38 e o Ginásio Municipal Aécio de Borba39. Estes fazem do elemento esporte algo
muito presente no cotidiano do bairro, sendo inclusive relacionado diretamente à
sensação de insegurança sentida pelos interlocutores desta pesquisa que relacionam os
dias de jogos ao aumento da violência e da percepção de proximidade com a violência,
relatando assaltos, furtos e até mesmo arrastões.
Mesmo com todos esses espaços, é nas duas praças que compõe o cenário do
bairro onde ocorre uma maior interação entre públicos diversos. Uma delas, a Praça João
Gentil, se localiza entre a Avenida 13 de Maio, Rua Waldery Uchôa, Rua João Gentil e a
Rua Paulino Nogueira. É um espaço muito diverso! Foi possível observar idosos fazendo
exercícios físicos, jovens conversando e jogando, casais namorando, mendigos, hippies,
pessoas fazendo uso de drogas ilícitas, tráfico e alguns pontos de trabalho fixos como:
taxistas, locais de venda de comida e churrasquinho, e banca de revistas. A Praça é
costumeiramente palco de atividades culturais, como pré-carnavais e teatro de rua; além
de ser ponto de encontro para manifestações. Ademais dessa composição, há casas
residenciais e algumas associações ao redor da praça. Aqui, mais uma vez, chama
atenção a quantidade de grades, cercas elétricas e câmeras de segurança.

Os alarmes, o vidro fumê dos veículos e os objetos eletrônicos de controle


materializam a tecnologia a serviço da tentativa permanente da prevenção. Tudo
isso sem deixar de lembrar dos seguros e tantos outros dispositivos que
naturalizam o roubo e a violência. [...] A ‘indústria do medo’ também atravessa as
edificações, todas voltadas para criar barreiras de acesso entre os mundos público
e privado. (BARREIRA, 2011, p. 100)

IMAGEM 01:

PRAÇA JOÃO GENTIL. FOTO: SUIANY SILVA

38O Estádio recebe os jogos do Campeonato Cearense de Futebol desde 1941.


39“Fundado em 1979, recebe diversas competições esportivas, bem como outros tipos de eventos, como
shows municipais e a “apuração” dos desfiles das escolas de samba de Fortaleza.” (VIANA, 2009, p. 24)
54

A outra, Praça da Gentilândia, se localiza entre a Rua Santo Antônio, a Rua


Marechal Deodoro e é paralela à Rua Paulino Nogueira, em frente fica um posto de
gasolina (que fica de fronte a Avenida 13 de Maio). Nela ocorre, uma vez por semana,
uma feira de rua, com barracas e venda de frutas, verduras, legumes, cereais e carnes.
Ademais, há uma permanente feira gastronômica, com tendas montadas que vendem
desde hambúrgueres a pratinhos de comida típica. Aqui também o público é diverso,
sendo marcante a presença de crianças (visto que há um comércio de aluguel de
brinquedos infantis), jovens (atraídos principalmente pela comida e pelo espaço –
construído recentemente – para andar de skate) e o clube dos motoqueiros, que se reúne
uma vez por semana na praça. O seu redor é formado por casas, na Rua Santo Antônio;
bares e restaurantes, na Rua Paulino Nogueira; e, na Rua Marechal Deodoro, o Instituto
Federal Tecnológico do Ceará.

IMAGEM 02:

PRAÇA DA GENTILÂNDIA. FOTO: SUIANY SILVA

Esses diversos espaços que compõe o cenário do Bairro Benfica são


vividamente utilizados e apropriados. Nas narrativas encontradas ao longo da pesquisa,
fica claro que, apesar da sensação de risco e insegurança, as pessoas ainda fazem uso
dos espaços. O que se diferencia, e isso serão abordados mais adiante, é o horário dos
usos, não se estendendo, em alguns casos, após as 22h. Outro elemento que chama
55

atenção é a “mistura” entre o passado e o presente, é sempre presente nas narrativas a


comparação entre o Benfica de ontem e o Benfica de hoje, como era e como está, e, na
fala dos moradores mais antigos, o saudosismo com o bairro bucólico e aristocrático de
outrora.
56

4. MEDO, VIOLÊNCIA E INSEGURANÇA: TRAMAS QUE ALTERAM AS PRÁTICAS E


OS TRAJETOS DO COTIDIANO DOS MORADORES E FREQUENTADORES DO
BAIRRO.

O objetivo desse capítulo é apresentar os dados encontrados ao longo da


pesquisa e, dessa forma, compreender como se dão as relações nesse cenário de
insegurança e medo. Questionamentos como: o que os interlocutores pensam diante da
sensação de insegurança? Será que há uma alteração nas dinâmicas de sociabilidade e
interações dos indivíduos? Será que só os que já foram vítimas de algum tipo de violência
têm medo? E os dias de jogos, podem ser considerados estigmatizados e potencialmente
perigosos?
Essas e outras perguntas serão respondidas ao longo do capítulo que se divide
em três partes: em um primeiro momento irá abordar a questão da violência no bairro,
como os interlocutores veem essa violência e como a mídia a retrata; em um segundo
momento abordará as mudanças de hábitos, estratégias que visam evitar a possibilidade
de ser vítima de algum tipo de violência e o imaginário do medo, objetivando compreender
a dimensão do medo no cotidiano dos interlocutores e sua relação com os agentes de
segurança pública; e, por fim, abordará a estética do medo, discutindo e as marcas
visuais do medo no bairro, com suas grades, cercas, segurança privada e etc.

4.1. Violência no bairro: cenas de um cotidiano perpassado pela criminalidade

O cotidiano do bairro Benfica é perpassado por falas sobre violência, é alguém


que foi assaltado ali, alguém que foi furtado aqui ou ainda alguém que não fala do que vê
e escuta por medo de represálias por parte do crime, o fato é que isso gera uma
sensação de insegurança e um medo paradoxal de ser vítima da violência. Se pegarmos
os dados do Onde Fui Roubado.com e o Mapa da Violência e da Criminalidade 40 vemos
que as maiores incidências de violência e criminalidade no bairro são relacionadas a
roubo e furto, logo, ter medo de ser assaltado no bairro tem uma ressonância com o que
os índices daquele local falam, isto é, tem ressonância com o real (BAIERL, 2004).
Contudo, alguns interlocutores apresentaram medos outros que se
desconectam dessa realidade e adentram em uma dimensão imaginária que tem como
causa principal a mídia (SALMITO, 2011), ao vender a “insegurança” e o medo; e os
boatos (KOURY, 2006) repassados de “boca-em-boca” que são determinantes para tornar

40 Ver página 43
57

o local violento e inseguro no imaginário da população. Dessa forma, esses dois veículos
mesclam-se gerando medos diversos onde o universo imaginário toma uma dimensão
própria, pois, a partir do que se escuta e do que se vê na mídia, as pessoas passam a
mudar os hábitos e potencializar a sensação de insegurança. Os indivíduos passam a ser
vítimas do próprio medo.

GRÁFICO 0341:

O(a) senhor(a) já foi vítima de algum tipo de


violência?
16
14
12
10
8
6
4
2
0
Si m Nã o

O gráfico acima representa o espaço urbano atual, onde a violência apresenta-


se como uma realidade comum que, de uma forma ou de outra está presente no cotidiano
dos indivíduos, seja apenas por ouvir falar, seja por ser vítima. Chama atenção que dos
17 entrevistados nessa etapa da pesquisa, 15 já foi vítima de algum tipo de violência, dos
quais 10 foram assaltos e os demais foram vítimas de abordagem policial42, tentativa de
assalto, furto e agressão. Essa pergunta, ao ser feita, foi propositalmente geral, pois a
ideia é perceber se em relação ao Benfica a realidade é a mesma ou há alguma
modificação. Ao responder sobre o bairro especificamente a realidade já muda, sendo 08
pessoas que já foram vítimas de violência e 09 que não foram. Daqueles que já foram
vítimas, destacam-se os que foram assaltados, totalizando 06 pessoas, os demais
sofreram tentativa de assalto e abordagem policial. Logo, os números apresentados pela
pesquisa referente à violência no bairro referendam os números gerais e mostram o bairro
como um local potencialmente perigoso para assaltos.

41 Os gráficos apresentados a partir desse momento foram construídos por mim a partir dos dados obtidos
com a aplicação do questionário fechado online e presencial. Ao todo foram aplicados 17 questionários em
dias alternados e lugares diferenciados.
42 A abordagem policial foi citado pelo interlocutor como um tipo de violência.
58

GRÁFICO 04:

Já na mídia o bairro Benfica é retratado de maneira diversa: por causa das


atividades culturais que ocorrem (em especial, os blocos de pré-carnaval e as atividades
promovidas pela Universidade); por jogos do Campeonato Cearense, que ocorrem no
Estádio Presidente Vargas; e pela violência. Ao analisar as notícias percebe-se um
entrecruzamento entre elas, mostrando que a violência perpassa todas as atividades do
bairro, seja um homicídio durante um bloco de pré-carnaval, um arrastão durante um jogo
ou vários furtos durante uma atividade da UFC. Fato é que essas notícias ressoam no
cotidiano das pessoas e apresentam o bairro como um local violento e,
consequentemente, inseguro. Dessa forma,

Grande parte dos sentimentos e emoções expressos em falas e opiniões sobre


violência fundamenta-se no que os meios de comunicação de massa transmitem.
A produção dessas representações é um efeito da violência simbólica exercida
pelo campo jornalístico. (MEJIA, 2008, p. 82)

Contudo, as notícias referentes ao bairro chamam atenção ao retratar


comumente homicídios em detrimento a roubos e furtos. É interessante observar que o
bairro não se destaca em índices de homicídios, contudo, a mídia trata de ressaltar os
que ocorrem no bairro e elevar à notícia a esfera da violência extrema e da falta de
segurança. Uma das notícias de mais destaque referente ao tema foi sobre o latrocínio,
roubo seguido de morte, do professor do IFCE Vicente de Paula Miranda Leitão 43 ocorrido
em 2011 na praça da gentilândia no horário de 12h30min.. Esse fato provocou uma
comoção social enorme no bairro, gerando manifestações pedindo mais segurança e até
um monumento chegou a ser erguido em homenagem ao professor. Essa não foi à
primeira nem a última notícia sobre homicídios relacionados ao bairro, no entanto, essa

43 Ver anexo A: Professor do IFCE é morto em assalto no Benfica.


59

teve um destaque especial por se tratar de um cidadão que foi “atacado” pela violência
brutal presente no bairro, gerando, dessa forma, uma sensação difusa de impotência
como abordado por Tuan (2005).

IMAGEM 03:

HOMENAGEM AO PROFESSOR ASSASSINADO. LOCAL: PRAÇA DA GENTILÂNDIA. FOTO: SUIANY


SILVA
60

Segue-se a essa notícia outras de menor repercussão social, mas que tiveram
destaque nos noticiários policiais e nos jornais locais. Como é o caso da notícia do dia
01/12/201344, jovem é morto a tiros na Praça da Gentilândia, onde o que mais chama
atenção é a normalidade da situação: o corpo estendido de um lado e do outro a rotina
segue normal, com as pessoas comendo e bebendo. Nota-se que aqui a notícia não
causa comoção, pois o morto em questão não era um “cidadão de bem”, dessa forma é
como se aquela morte fosse algo longe da realidade dos moradores e usuários do bairro,
sendo ligada ao crime e considerada motivada pelo mesmo.

“[...] o Benfica esta perigoso, que na Praça da Gentilândia não é mais aquele lugar
que você pode ficar com seus amigos bebendo porres e porres de vinho que nada
vai acontecer que vai acontecer porque acontece direto e ae teve, falando um
pouco da praça né, já teve caso de assassinato na praça né, que tem mesmo o
pessoal do tráfico lá né, sempre rondando, não foram só um assassinato né, foram
outros, inclusive do pessoal que deve esse pessoal do tráfico né. [...].”
(ENTREVISTA CONCEDIDA POR MARIA, FRQUENTADORA DO BAIRRO,
GRAVADA E TRANSCRITA)

Notícias como essa chegam a ser comuns no noticiário local, sempre


destacando que essas mortes são causadas pelo tráfico de drogas, é como se esse tipo
de assassinato foi legítimo e, por isso, distante da realidade daqueles que não estão
envolvidos diretamente com isso. As notícias do jornal OPovo dos dias 14/02/201445 e do
dia 11/05/201546, apresentam ainda melhor essa realidade ao falar do caso de duas
execuções ocorridas, segundo a polícia, por questões ligadas ao tráfico. Aqui novamente
chama atenção o fato de a rotina local permanecer a mesma mesmo com os casos de
violência. Inclusive a primeira execução citada ocorreu durante um bloco de pré-carnaval,
o Luxo da Aldeia, contudo, como não estava diretamente relacionado ao mesmo, o evento
seguiu sua programação normal. No entanto, esse ano, após 8 anos consecutivos, o
bloco deixou de ser realizado no bairro passando a acontecer no Mercado dos Pinhões 47
por “questões de segurança”.
Interessante perceber que essa mudança de local para a realização do bloco
vai à contramão da aparente “normalidade” com as execuções ligadas ao tráfico. Se para
os interlocutores, esses assassinatos não são elementos de insegurança, já que não

44 Ver anexo B: A cerveja, o tira-gosto e um corpo.


45 Ver anexo C: Homem é executado a tiros no bairro Benfica.
46 Ver anexo D: Homem é executado a tiros na Praça da Gentilândia.
47 “O Mercado dos Pinhões é um bem cultural tombado pela Prefeitura Municipal de Fortaleza por meio do
Decreto Municipal 11.962 de 11 de janeiro de 2006. [...] [Instalado pela primeira vez] em 18 de abril de
1897, durante a gestão do prefeito Guilherme Rocha. Em 1938, a estrutura foi desmembrada e levada para
a Praça Visconde de Pelotas, entre as ruas Gonçalves Ledo e Nogueira Acioli, onde permanece até hoje.
[...] é palco de uma programação [cultural] rica e variada, [que ocorre] quase todos os dias.”. Fonte:
http://www.fortaleza.ce.gov.br/cultura/mercado-dos-pinhoes.
61

estão relacionados com a “violência difusa”, para o poder público, os organizadores do


bloco e os frequentadores do mesmo, a mudança de local gera “segurança” aos “foliões
que querem brincar sem ter medo”. Aqui a solução no combate ao medo a e insegurança
foi modificar um elemento de sociabilidade do bairro, retirando dele um dos eventos que o
caracteriza e que já tinha se inserido na agenda cultural, além de ser um gerador de
emprego e renda formal e informal. Logo, ações como essa colaboram para a ampliação
do sentimento de insegurança e medo que “[...] inferem transformações estéticas no
ethos, nas estratégias cotidianas e nos estilos de vida das populações estudadas, face ao
sentimento de vulnerabilidade e insegurança dimensionadas nas experiências singulares
dos entrevistados.” (KOURY, 2004, p. 87).
As outras notícias relacionadas ao bairro dão conta, novamente, de questões
relacionadas ao tráfico, conforme pode ser visto nas matérias do Jornal Diário do
Nordeste dos dias 09/09/201448 e 21/10/201449. Uma é relacionada a uma operação
policial que “desarticulou uma rede de tráfico de drogas” que funcionava na Praça da
Gentilândia. Contudo, ressalto, que para alguns interlocutores ouvidos pela pesquisa
operações como essa não são efetivas, pois prendem apenas os “peixes pequenos”,
deixando dessa forma os grandes traficantes soltos e atuantes no bairro. A outra é
relacionada à execução de mais uma pessoa no bairro, dessa vez um flanelinha que foi
executado “à luz do dia” em uma rua próxima a FEAAC, a matéria não informa a
motivação, contudo, alguns interlocutores afirmam que esse assassinato tem motivação
relacionada a dívidas com o tráfico de drogas.
Dentre os casos encontrados na mídia referente ao bairro apenas um se refere
a um assalto, tipo de violência de maior índice no local, a matéria data do dia
24/10/201450 e retrata um assalto realizado pelos “gêmeos” contra um estudante na Rua
Juvenal Galeno, local de maior potencialidade de perigo segundo dados encontrados pela
pesquisa51. Contudo, a matéria trata muito mais da tentativa de linchamento sofrida pela
dupla do que propriamente da ação. Outra coisa que chama atenção é que os “gêmeos”
já tinham surgido em outro momento da pesquisa, sendo citado por interlocutores como
sendo aqueles que “espalhavam medo”, por assaltar sem ter um horário e um local
específicos.

48 Ver anexo E: Polícia desarticula rede de tráfico na Praça da Gentilândia após denúncia do Diário do
Nordeste.
49 Ver anexo F: Flanelinha é executado a tiros por dupla.
50 Ver anexo G: Irmãos gêmeos espancados após assaltar estudante.
51 Esses dados referem-se ao site ondefuiroubado.com e as entrevistas realizadas.
62

Estas e outras notícias colaboram para o aumento da sensação de insegurança


e o medo percebido nas conversas realizadas durante a pesquisa. Ademais, acaba se
tornando muito presente a ideia de proximidade com a violência, principalmente em
espaços que outrora foram frequentados pelos interlocutores, mesmo que essa
proximidade não seja real ela ganha uma dimensão imaginária onde a violência cerca o
indivíduo. Relatos de medo se somam ao longo da pesquisa e falam sobre a violência que
tem ressonância na mídia e esta, por sua vez, “apresenta” as notícias sobre a violência no
bairro elevando a proporções ainda maiores. Dessa fora, a cidade, espaço de diversidade
culturais e identitárias, passa ter sociabilidades mediadas pelo medo e este torna-se “[...]
um sentimento partilhado por todos [...] [que integra] aquilo que poderia ser nomeado de
inconsciente coletivo. O medo, nesse sentido, se faz presente em diferentes classes
sociais.” (BARREIRA, 2011, p. 92)

4.2. “Sou um cidadão de bem que vive preso”.

“[Falar de] medo me vem à cabeça insegurança, se sentir insegura assim, não ter
segurança pra fazer as coisas, pra me movimentar na cidade, o medo sempre
ligado a cidade, fortaleza se tornou assim uma cidade muito .... muito triste
principalmente por causa disso, dessa insegurança, desse aprisionamento nas
casas, no meu bairro as casas tinham jardins, hoje em dia quase não tem jardins,
porque o pessoal levantou os muros mesmo, botou cerca elétrica e tal, por causa
desse medo, dessa insegurança, dessa sensação de algo está prestes a
acontecer, que algo vai acontecer e tal [...] (ENTREVISTA CONCEDIDA POR
MARIA, FREQUENTADORA DO BAIRRO, GRAVADA E TRANSCRITA).

Maria52 já não vive a cidade como outrora, contudo, seu medo tem uma base
concreta, pois, a mesma já foi vítima de violência no próprio bairro, mas, se eleva a uma
outra dimensão quando ela passa a se sentir insegura em espaços onde ela nunca foi
vítima de violência. Para Koury (2006) “O medo do outro, o estranhamento do cotidiano
parecem gerar outro tipo de solidão, que é a solidão de viver em uma cidade cada vez
mais estranha.” (p. 83). Para Maria, o bairro sempre fez parte de sua rotina, mas hoje ela
já não se apropria dos espaços e das ruas, ela se sente insegura nele e opta por não se
movimentar.
O sentimento de insegurança retratado por Maria é compartilhado pela maioria
dos interlocutores da pesquisa, dos quais 90% afirmam que se sentem inseguros no
bairro Benfica. Esse número se eleva ainda mais em dias de jogos no Estádio Presidente
Vargas, onde 100% dos entrevistados dizem se sentir inseguros, tornando esse dia o

52Interlocutora da pesquisa que aqui terá o pseudônimo de Maria, ela tem 26 anos, é professora, solteira e
o bairro é um local onde ela costuma vir para trabalhar e para o lazer.
63

mais estigmatizado e estereotipado (GOFFMAM, 2012 e 2011). Contudo, esse processo


não se refere apenas aos dias de jogo, nas narrativas foi possível perceber territórios que
carregam fortemente a marca do medo e da insegurança, sendo dessa maneira evitados
e rotulados. São as paisagens do medo das quais Tuan (2005) chama atenção, isto é,
“[...] estados psicológicos [...] [e o] meio ambiente real.” (p. 12). E, dentre elas, “[...] o
medo de assaltantes em ruas desertas e em certos bairros [...]” (p. 7), como no caso
específico da rua Juvenal Galeno e do bairro Benfica. Como pode ser visto no gráfico
abaixo, onde se destaca a Av. da Universidade e as paradas de ônibus que se localizam
na mesma e a rua Juvenal Galeno.

GRÁFICO 04:

É importante ressaltar que o medo aqui abordado é singular-coletivo construído


em interações sociais e surge como um sinônimo de insegurança, alterando práticas de
sociabilidades de pessoas que já foram vítimas de violência e de pessoas que nunca
foram vítimas, isto é, afeta a todos independente da condição social e de ter sido vítima
ou não da violência. “É um medo proveniente do clima generalizado de insegurança e da
forma como a violência vem sendo discutida [...].” (BAIERL, 2008, p. 143). Dessa forma,
apresenta-se como um “[...] dos ecos mais significativos [dessa violência] [...] [e] pretende
condicionar e regular as relações sociais entre os grupos [...].” (FREITAS, 2003, p. 101). É
ainda um sentimento humano de proteção que todos os homens compartilham, contudo, o
64

medo social aparece de maneira mais complexa, pois, além de se tratar de uma emoção,
surge como resultado de um “universo violento” (MATOS JÚNIOR, 2008).

O medo social é produto de uma sociedade violenta e das formas como se


constroem as relações de poder e as formas de sociabilidade. [...] vem corroendo
as formas de agregação social, quebrando vínculos entre as pessoas, gerando
uma sociedade cada vez mais segregada, ampliando as distâncias que separam
as pessoas, reafirmando preconceitos e estereótipos. (BAIERL, 2008, p. 150)

Grande parte dos interlocutores dessa pesquisa se sentem inseguros no bairro


e tem medo de ser vítima da violência. O Benfica, nesse caso, é o território que se
expressa através da violência e estando relacionada diretamente com esta. Para Barreira
(2011) essa relação medo-cidade não é algo natural pelo contrário, é algo construído
socialmente que se expressa nas relações sociais individuais e, dessa maneira, transpõe
barreiras racionais e passa a ser revelada através da emoção, objetivando-se no medo e
na insegurança. Como pode demostrar o gráfico 05, onde podemos perceber o grau de
segurança dos entrevistados.

GRÁFICO 05:

É interessante observar esse dado pois, cerca de 60% dos entrevistados afirma
nunca ter sido vítima de violência no bairro, contudo, 90% afirma se sentir inseguro ou
pouco seguro. Para Paiva (apud Jornal OPovo 2013) os

aspectos da violência urbana proporcionam o medo, situação na qual o indivíduo


se protege de algo subjetivo, com base em fatos objetivos, como assalto,
homicídios e sequestros, por exemplo. [...] as pessoas hoje são muito marcadas
pela fala do crime [...] embora você não tenha testemunhado, já é suficiente [ouvir]
pra que você crie uma rotina para impedir que isso ocorra com você. Se tem
relatos de vitimização, seu cotidiano vai ser pautado por isso. (p. 32)
65

Diante disto, as formas de vivenciar o bairro são pautadas por aquilo que se vê
e escuta, modificando os espaços, rotinas e apropriações e gerando o estresse de viver
pautando as ações em cima de estratégias que visam a proteção. As estratégias que
buscam um estado de segurança são atos cada vez mais normalizados onde não é só a
rua que é evitada, são evitados um conjunto de circunstâncias que possam ser
ameaçadores à segurança pessoal. Como consequência há o aumento, cada vez maior,
do uso de shoppings para o lazer por serem espaços “privados que garantem a
segurança”. Na pesquisa, dos 17 entrevistados, 08 afirmam que o lazer das suas famílias
se dá principalmente nos shoppings, para outros 08 interlocutores suas famílias optam por
ficar em casa e apenas 01 pessoa afirma que a família faz uso das praças públicas para o
lazer. Há ainda o aumento da quantidade de elementos comerciais voltados para a
segurança e o aumento do consumo de bens e serviços, como apontado por Barreira
(2011) “Eliana [...] aos poucos vai compensando suas tensões com a aquisição de
artefatos que permitem ampliar a margem de segurança. Celular, controle remoto, seguro
contra roubos, vidro fumê etc. [E] gradativamente, vai reduzindo a sua presença em locais
públicos [...].” (p. 88).
Os interlocutores dessa pesquisa são o maior exemplo de busca de estratégias
e soluções individualizadas buscando sentir-se seguro, como pode ser visto no gráfico 06,
empreendem condutas antecipatórias ao perigo real (FREITAS, 2003) que acarretam no
prejuízo de viver e conviver em uma sociedade regulada pelo medo. Corrobora com essa
particularização a fala da Joana53 que afirma que

[...] depois de ser assaltada eu não queria ir a pé, ai era ruim, tinha que ir e voltar
todo dia de manhã, ai arranjei uma bicicleta [...] ai esse hábito eu mudei, porque
de bicicleta eu me sinto mais segura por que sou mais rápida, claro que eu sei que
posso ser assaltada do mesmo jeito [...] de bicicleta me sinto mais seguro porque
vou bem rapidinho ai o ladrão que vai visar alguma pessoa pra assaltar já tem
menos tempo né, por que eu me locomovo mais rapidamente. [...] e eu sempre
tenho o cuidado de levar somente o necessário.” (ENTREVISTA CONCEDIDA
POR JOANA, MORADORA DO BAIRRO, GRAVADA E TRANSCRITA).

53
Interlocutora da pesquisa que aqui terá o pseudônimo de Joana, ela tem 29 anos, é antropóloga, solteira,
estrangeira e moradora do bairro Benfica há 3 anos.
66

GRÁFICO 06:

Nas narrativas a insegurança surge como sinônimo do medo e algo que


domina o cotidiano, interferindo nas práticas e nos hábitos. Outro elemento que surge é o
medo da abordagem, e não o de perder bens materiais, mas, de como serão abordadas,
se essa será violenta ou não, se será com arma ou não. A Joana chega inclusive a falar
que esse medo dela é maior por que tem muito na imprensa assaltos seguidos de morte e
ela tem medo disso. Para Baierl (2008,) esse medo é algo imaginário, pois, não tem
ressonância nos índices locais, é “[...] algo difuso, mas que aparece como possibilidade
real ao sujeito e ele passa acreditar nisso. É essa possibilidade imaginada como real [...]
que faz emergir um medo imaginário que conduz as pessoas a alterarem
significativamente seus ritmos e a dinâmica da vida cotidiana [...].” (p. 143).
Dessa forma, “sob o risco da violência as pessoas reduzem suas saídas ao
essencial. Ficar em casa, diminuir o ritmo social, virou uma boa forma de evitar a
possibilidade de ser abordado nas ruas.” (CAMPOS apud JORNAL OPOVO, 2013, p. 25).
Assim surgem novas formas de produção do espaço urbano que contribuem para o
processo de fragmentação sócio espacial e geram novas práticas e representações
comerciais, habitacionais e de sociabilidades. Como no caso da Maria que já não
frequenta mais os locais “dentro” do bairro, escolhendo sempre os espaços
movimentados nas avenidas e, mesmo assim, só ficando até 21h, após esse horário ela
sempre recorre a um mototáxi ou um táxi para o deslocamento, evitando a rua e “os
perigos da noite”.
67

Os medos apontados e identificados pela pesquisa são de origem real e


imaginária, ou, como aborda Baierl (2004), tem ressonância no real e não tem
ressonância no real. Diante disso, é interessante perceber que os medos advindos de
uma forma de proteção contra o perigo real alimentam os medos advindos das
representações mentais, isto é, escutar falar da violência, ter proximidade com ela, ver
alguém ser vítima de violência eleva a sensação de medo e insegurança, “onde o clima
de suspeição é uma das características centrais de uma realidade social sob o domínio da
violência.” (FREITAS, 2003, p. 109), gerando, dessa forma, um pavor generalizado de ser
vítima.

[...] aqui no bairro eu fui assaltada, uma história bem estranha né, eu tava aqui no
salão, próximo aqui a tia Fátima54 né, ao bar, próximo não, vizinho né, eu tinha
entrado no salão, era uma festa de formatura de uma amiga minha e eu queria
uma coisa bem prática, não ‘vou sair da faculdade e vou ajeitar meu cabelo no
salão que é perto, pronto depois já vou pra casa e vai ser muito mais rápido’, e eu
tava lá, é, isso era fim de tarde, acho que era umas cinco e meia seis horas. [...] E
ai tinha eu e tinha outra pessoas no salão, não era só eu, inclusive tinha um
homem no salão, tava lá fazendo as unhas e num sei o que e ae entrou um cara,
foi uma movimentação estranha por que ele entrou e saiu e depois entrou ele e
um outro cara, o primeiro deles né, que falei, com um revólver ai boto todo mundo
numa sala que fica atrás, tem o primeiro espaço né, com o negócio para lavar o
cabelo e tal, e tem uma salinha atrás, eu nem sabia que tinha essa salinha né,
uma sala inclusive não tão pequena, botou todo mundo que tava, tinha mulher
grávida inclusive, ela ficou muito nervosa na hora e tal, botou todo mundo na
salinha né e levou tipo tudo né. Botou a gente todo mundo pra lá e o que tinha
ficado nesse primeira sala, tipo minha bolsa tinha deixado lá, eles levaram tudo né
ae pronto, foi uma coisa muito rápida também, mas foi bem tenso, foi tenso
mesmo. Isso me deu também a dimensão da ... dessa proximidade com a
violência né, assim né você passar por uma situação dessa, e na hora eu
consegui manter a calma assim eu fiquei até acalmando lá uma mulher que tava
grávida ‘não calma, vai ficar tudo bem’ e tal. [...] (MARIA)

Após essa narrativa, Maria comentou que ficou com tanto medo depois disso
que não passa nem na calçada do estabelecimento, ela atravessa a rua para não passar
em frente. O medo é tal que altera inclusive seu trajeto e sua apropriação da rua. Já
Joana foi assaltada ao meio-dia quase em frente à sua casa, na Rua João Gentil, por um
adolescente que pedia o celular. Ela logo entregou e foi embora, mas o que marcou nessa
situação foi o fato de ter sido próximo à casa dela: “[...] isso foi muito ruim por ser bem
perto da minha casa, acho que até aumenta a sensação de insegurança [...].”
Nessas duas narrativas, a da Maria e a da Joana, chama atenção alguns
aspectos. O primeiro deles é em relação ao imaginário da segurança: Maria não anda
mais na porta do estabelecimento, tão pouco frequenta o espaço. Na concepção dela
essa atitude irá mantê-la afastada desse “universo violento”, contudo, objetivamente essa

54 Esse bar fica localizado na Rua Paulino Nogueira, em frente a agência do Banco do Brasil.
68

atitude não tem não garante a segurança, é apenas uma estratégia que visa a proteção.
Já Joana se choca com o assalto sofrido por ser perto da sua casa, é como se a violência
fosse algo que ela sabe que existe, tem medo de ser vítima, mas, até então, conseguia
manter uma certa distância. Atualmente ela vive um novo momento: onde tudo e todos
são potencialmente perigosos e onde nada no bairro garante segurança.
A consequência direta dessa violência é a busca por formas de “fugir” ou de se
“esconder”, objetivando, com isso não ser mais vítima. No caso de Joana, a maior
mudança nos seus hábitos cotidianos foi alterar a forma de transporte, antes, ela que
mora e estuda no bairro, fazia todos os trajetos a pé, agora, por medo, opta por usar uma
bicicleta. Outro elemento que chama atenção na fala dela é quando ela compara seu pais
de origem55 com Fortaleza, afirmando que “[...] uma das coisas ruins de morar aqui é ter
que criar estratégias de segurança [...]”, coisa que ela nunca teve que se preocupar no
seu pais de origem. Já para Maria, medo a impede de viver o bairro e a Cidade.

“Olha sobretudo a parte do sair né, do sair pra se divertir, assim, porque é o
assalto, é o medo e são outras coisas que a cidade não te possibilita né [...] tipo
dá 9 horas 9 e 15, tenho que ir embora, essa sensação ‘não preciso ir porque
senão alguma coisa vai acontecer’, mas ao mesmo tempo é uma sensação
mesmo meio sem sentido, porque o assalto pode acontecer a qualquer hora. [...]
antes eu saia muito só, hoje eu tenho a resistência sair sozinha, poxa sair sozinha
né, você se torna um alvo mais fácil eu acho, quando você tá só, principalmente
por ser mulher, assim, eu acho que você se torna realmente um alvo mais fácil
estando só. [...] aqui no Benfica, quando fica mais tarde eu volto ou com mototáxi,
com o Manel56, ou mesmo num táxi [...].” (Maria)

“Eu acho que eu tenho um certo medo, mesmo no cotidiano, a se locomover de A


a B porque eu sei que sempre pode acontecer alguma [...] pode ser a qualquer
momento, a pé, de bicicleta, no sinal, em frente a minha casa, no caminho, então
assim é uma sensação de medo que acompanha no cotidiano. [...] [quando fui
assaltada] eu fiquei com medo sim, mas tranquila, mas eu tive amigas [...] que
ficaram traumatizadas [...] tinham muito medo mesmo de sair de casa. [...] é chato
ter que conviver com isso [com a preocupação].” (Joana)

Os elementos abordados até o presente momento mostram o medo e a


insegurança como elementos socializadores cada vez mais presentes no cotidiano das
cidades urbanas e torna-se, dessa forma, uma linguagem coletiva compartilhada por
segmentos sociais diversos que homogeneíza as observações relativas aos fenômenos
associados à violência a uma crise social e institucional. “O sentimento de insegurança é
mordaz, solapa a sociabilidade e as experiências públicas. A crise aparece mais aguda

55Joana é alemã e mora no Brasil há aproximadamente 4 anos e há 3 anos e meio no bairro Benfica.
56Mototaxista citado por ela em alguns momentos da entrevista. Segundo a Maria, é ele quem a leva para
casa sempre que ela fica até mais tarde no bairro. Ele também é responsável por mantê-la “atualizada” das
notícias de assaltos e assassinatos no bairro. O Seo Manel fica em um ponto fixo na Praça João Gentil.
69

pela emergência da cultura do medo à vitimização.” (ERCKET, 2000, p. 18). Dessa forma,
a cultura do medo desestabiliza as vivências coletivas e individuais tornando as relações
sociais cada vez mais dispersas e fragmentadas e gerando emoções que vão além do
medo: ira, indignação e impotência. “[...] O medo, a insegurança e a impunidade fazem
ampliar e reafirmar a lei do silêncio. [...]” (BAIERL, 2004, p. 64).

“[para se proteger da violência] Só ser amigo dos vagabundos. Aqui não se vê


nada, não se sabe de nada, não se escuta nada. [...] Teve também o caso do
mototaxista que uma vez deu uma entrevista para uma rede de TV que veio na
Praça saber sobre violência. Ele nem falou muita coisa sabe, mas no outro dia
encostaram umas motos e ele foi ameaçado de morte. Ele deixou de trabalhar
aqui depois disso. [...]” (SEU JOÃO, MOTOTAXISTA QUE TRABALHA NO
BAIRRO BENFICA).

Outro dia eu presenciei um assalto, na esquina da Av. da Universidade com a


Juvenal Galeno, a esquina das xerox. Era no começo da tarde, umas 14h, um
rapaz parou e pediu o celular da Júlia. Quando ela entregou ele viu que era
aqueles celulares bem básicos e espancou ela. A menina ficou com o pescoço
todo roxo durante vários dias. (CARLA, ESTUDANTE UNIVERSITÁRIA,
MORADORA DO BAIRRO BENFICA).

Para Souza (2008), essas narrativas de medo e insegurança no bairro Benfica


podem caracterizá-lo como uma fobópole, isto é, “[...] uma cidade em que grande parte
dos seus habitantes [...] padece de estresse crônico [...] por causa da violência, do medo
da violência e da sensação de insegurança.” (p. 40). Nos casos narrados acima, as
nuances sentidas durante as entrevistas denotam o fator estresse crônico como algo
presente em seus cotidianos. No caso do Seu João quando ele foi informado que a
pesquisa era sobre violência, em um primeiro momento, ele se recusou a participar, em
seguida houve uma mudança no tom da voz, que passou a ser mais baixa e calma, o
olhar ficou atento a quem passava ao redor, objetivamente seu corpo entrou em estado
de atenção. Já a Carla, durante a entrevista, olhava para os lados, observava as bicicletas
que passava, se agarrava como podia as suas coisas, falava rápido, quase correndo e tão
logo terminou de contar a história se apressou para ir embora porque “estava ficando
tarde”.
Esses elementos vão compondo “redes de sentido onde o medo aparece como
um elemento do tecido que vai sendo composto nas tramas cotidianas dos moradores em
relação si mesmos e em relação a um bairro como um todo e com a cidade no conjunto.”
(KOURY, 2005a, p. 50). Esse sentimento quebra os laços de solidariedade vividos pelos
moradores e usuários do bairro gerando um temor que é direcionado ao estranho e ao
estereótipo: jovem, negro, usando boné, chinelo e de bicicleta. Isso é uma tentativa de dar
70

“cara e cor” ao medo e a insegurança, gerando assim uma segregação urbana ainda
maior e um afastamento dos que são considerados “potencialmente perigosos”. Diante
disto, os indivíduos passam a adotar novas estratégias de uso desse espaço
estigmatizado e considerado violento.

Deste modo o controle social e os sentimentos que o sustentam contribuem para a


criação de uma “cultura do medo” [...] segundo a qual, as ameaças não são mais
atribuídas às forças da natureza e a Deus, como foram no período pré-moderno,
senão à modernização e ao progresso. [...] [Assim] o aumento das taxas de
criminalidade alimenta o medo público do crime e gera padrões de comportamento
de evitação. [...] vivencia-se um fenômeno de exclusão gerado pelo crime. (MEJIA,
2008, p. 93-94).

A proximidade com a violência apresenta-se no cotidiano das pessoas, como


mostra o gráfico 07, resultando em novas dinâmicas de sociabilidade e na ideia de “[...]
que tá muito próximo, pode ser a qualquer momento, e pode ser das mais variadas
formas né [...]. (MARIA). Dessa forma, a percepção e a sensação de risco desencadeiam
o medo e este não aparece aqui como algo puramente natural, e sim, apreendido e
condicionado socioculturalmente. “Os sentimentos de insegurança e a falta de segurança,
a impunidade, a falência das organizações que deveriam garantir os direitos do cidadão e
a segurança são estopins do medo e do sentimento de insegurança generalizado.”
(BAIERL, 2004, p. 41).

GRÁFICO 07:

Os órgãos de segurança pública surgem na pesquisa de maneira dúbia: de um


lado houveram narrativas que relacionam a presença da polícia ao aumento do conflito,
“[...] a presença da polícia não ajuda, aumenta a sensação que vai ter conflito [...].”
(CARLA). Para essa interlocutora a polícia não busca a resolução do problema e sim o
aprofundamento do mesmo e, dessa forma, gera o conflito e, consequentemente, a
insegurança. Por outro lado, 71% dos entrevistados acham que a presença da polícia
71

diminui a violência, “[...] Quando tem os policiais fica mais calmo né, inibi. [...].” (SEU
JOÃO); contudo, 88% não consideram a polícia eficiente no combate ao crime e apenas
65% considera sua presença como um elemento que aumenta a sensação de segurança.
É interessante perceber nesses dados como nosso agende de segurança, a polícia,
acaba não conseguindo ser efetiva, de acordo com o imaginário da população dos
entrevistados, no combate ao crime e a insegurança.

Esse imaginário vem construindo novas formas de sociabilidade que tornam as


pessoas profundamente amedrontadas, assustadas e fechadas em seus
pequenos mundos, dada a situação de insegurança não suplantada pelas políticas
de segurança. Tornam os indivíduos propensos a se sentirem alvos das atitudes
agressivas de todos e em qualquer situação, provocando o crescimento dos
números de instituições de segurança privada como forma de proteção pessoal.
(BAIREL, 2004, p. 102)

4.3. Estética do medo: indústria, comércio e serviços.

O medo e a insegurança percebidos e apreendidos ao longo do processo de


pesquisa vão além da alteração de sociabilidades e trajetos, se inscreve também nos
muros altos das casas, nas cercas elétricas, nos sistemas de segurança privada e assim
por diante. O bairro Benfica, histórico e, até a década de 50, essencialmente residencial,
vê, ao longo dos anos, além da mudança no perfil de moradia 57, a mudança na tipificação
de construção: casas que até então tinham muros baixos e grandes jardins dão lugar a
construções fortificadas e jardins escondidos.

IMAGEM 04:

RUA ADOLFO HERBSTER, BAIRRO BENFICA. FOTO: SUIANY SILVA

57 Conforme abordado no capítulo 3 desse trabalho.


72

Essa modificação no cenário do bairro é aqui compreendida como estética do


medo (BAIERL, 2004; BARREIRA, 2011; ECKERT, 2000; SPOSITO E GÓES, 2013), isto
é, a constatação material mais visualmente observável da transformação da cidade e de
seus habitantes em busca de maior segurança. Atinge todas as camadas sociais com um
único diferencial: de acordo com o poder aquisitivo de cada indivíduo, a proteção ou vai
ser uma cerca de cacos de vidros, ou uma cerca elétrica conectada a uma determinada
empresa de segurança. O fato é que seus hábitos e rotinas são igualmente modificados
pela estética do medo.

[...] não é apenas a rua que é evitada como local favorável aos crimes contra a
pessoa, mas a própria “casa” precisa ser fortalecida e assegurada às ameaças do
mundo criminal. Para proteger o mundo doméstico, a vida privada, apela-se a
instrumentos protetores materiais (alarmes contra roubo, etc) e cursos de defesa
pessoal, investe-se em protetores cotidianos (guardas, etc) contra o vandalismo,
roubos e assaltos. A paisagem urbana [do bairro Benfica] [...] conhece, assim, de
forma acelerada uma vitalização das estratégias de segurança que vão figurando
uma cidade a partir de uma estética do medo. (ECKERT, 2000, p. 13)

Contudo, esse processo de modificação nas construções do bairro é visto


também em pontos comerciais. Virou um elemento comum encontrar no local bares,
restaurantes e cafés “fechados”, sendo necessário aguardar o garçom vir abrir o portão,
como era o caso do Candeeiro e do Kali Café 58, ambos localizados na rua Waldery Uchôa
e caracterizados pelas grades e portões impedindo o acesso de “qualquer um” ao
estabelecimento. O argumento dos respectivos donos era que “ali era um local violento,
onde já foram assaltados inúmeras vezes e que, por isso, a precaução. ”
Não só o ponto comercial deles tem essa característica, ao longo do bairro é
possível encontrar outros “igualmente protegidos” como é o caso do restaurante Caicó, da
pizzaria Dona Pinheira, Snap e a sorveteria Castelinho; e ainda outros estabelecimentos
comerciais como um Pet Shop e algumas lojas ao longo do bairro. O fato é que isso
mostra a busca por soluções individualizadas em outra esfera: no visual. Se os
interlocutores adotam estratégias visando a proteção, os moradores e comerciantes do
bairro adotam a modificação visual do espaço como forma de fugir da “crescente
violência”.

58Os respectivos cafés foram objeto de estudo desse trabalho, contudo, no início do ano eles fecharam as
postar alegando a insegurança como o elemento primordial.
73

IMAGEM 05:

FACHADA DO RESTAURANTE CAICÓ. FOTO: SUIANY SILVA

Esses produtos e serviços de segurança geram uma “indústria do medo”


(BARREIRA, 2011): um comércio voltado para aqueles que buscam elementos de
proteção. Segundo dados disponibilizados no trabalho de Sposito e Góes (2013), essa
indústria ocupa hoje uma posição significativa no mercado brasileiro, gerando postos de
trabalho formal e modificando o cenário educacional que se volta a formar seguranças
privados. Aqui em Fortaleza pode-se observar o aumento da quantidade de empresas
voltadas para esse setor, totalizando 63: Sistema Nacional de Segurança e Vigilância
Privada – Sisvip, A S Segurança, Aço Vigilância, Atento Serviços de Segurança
Patrimonial, Brasileiro Serviços de Vigilância, Brasili Segurança de Valores, Brinks
Segurança e Transporte de Valor, C A D P Segurança e Vigilância, Canis Segurança,
Castelo Borges Vigilância & Segurança, Ceara Segurança de Valores, Colombo Serviços
De Vigilância, Condor Segurança Armada e Desarmada, Corpvs - Corpo De Vigilantes
Particulares, Csn Corpo De Segurança do Nordeste, Digi Guarde Monitoramento e
Embravi Empresa Brasileira De Vigilância, Fort Segurança, Fortaleza Segurança, Fox
Serviços de Vigilância Armada, Gassa Vigilância, Gestor Segurança Patrimonial Armada,
Guard's - Guardas Especiais De Segurança, Hiper Segurança, Kioma Segurança e
Serviços, Leo Segurança, Lewinter Segurança, Lider Segurança Especializada, Locabras
Segurança de Valores, Monitec Segurança Armada, Nordeste Segurança de Valores
Ceara, Norserv - Nordeste Segurança de Valor, North Segurança, Patrimônio e
Segurança Armada, Peres Serviços de Segurança, Ph Segurança, Salvat Vigilância e
Segurança Armada, Saraiva Vigilância e Segurança, Score Segurança de Valores
74

Vigilância, Sefort Segurança e Transporte de Valor, Segnord Segurança do Nordeste,


Sena Segurança Inteligente e Transpor, Serval Serviços de Segurança, Servi-San
Vigilância, Serviarm- Serviço de Vigilância, Servis Segurança, Servnac Segurança, Sniper
Serviços e Vigilância, Ss Serviços de Segurança, Svs - Shao-Lin Vigilância e Segurança,
Swat Segurança, Taiglon Segurança Especializada, Thompson Segurança, Ultra
Vigilância e W.S. Segurança.

IMAGEM 06:

AVISO DA CERCA ELÉTRICA NO MURO DE UMA CASA RESIDENCIAL. FOTO: SUIANY SILVA

Diante dessa realidade, o bairro é reconfigurado tanto nos espaços públicos


quando nos privados, visando garantir a proteção. Se a estrutura arquitetônica é alterada,
as relações e as apropriações são da mesma maneira alteradas e assim percebidas,
gerando um custo econômico e social inimaginável e, consequentemente, alimentando
esse “comércio do medo”, dessa forma

[...] essa possibilidade, imaginada como real, concreta, advinda de uma sensação
de insegurança, que gera um medo imaginário, o qual conduz as pessoas a
alterarem significativamente seus ritmos e a dinâmica da vida cotidiana, podendo
provocar reações iguais ou mais violentas do que aquela criada em suas mentes.
Isso alimenta e é alimentado [pela] [...] “indústria do crime” e pela descrença nos
sistemas de segurança pública legalmente instituídos. (BAIERL, 2000, p. 197)
75

5. CONCLUSÃO

O cotidiano tem sido alterado e vivido em sobressaltos. A repetição cotidiana


de cenas de violência abordadas pela mídia e reproduzidas pelos boatos tem atingido
diretamente o modo de vida dos indivíduos, modificando sociabilidades, trajetos e a
construção arquitetônica do espaço. São pessoas que vítimas ou não da violência
“sofrem” cotidianamente do estresse que esta causa.
Buscou-se, ao longo da pesquisa, identificar as diferentes manifestações de
medo e suas formas de expressão no bairro Benfica. Parte-se da hipótese que há
alterações nas dinâmicas da vida cotidiana e, dessa forma, uma fragmentação das
relações sociais. Logo, decifrar as tramas das relações tecidas entre os usuários e
moradores do bairro, compreender os enredos e perceber a amplitude do medo tornou-se,
ao longo da pesquisa, seu maior foco.
O período de tempo considerado para esse estudo, de junho de 2013 a março
de 2015, permitiu identificar, a partir dos dados observados, – a história do bairro, a
história das emoções, a conceptualização da emoção medo, os dados referentes ao
crime, as formas de manifestações da violência, a maneira como a mídia apresenta o
bairro, os espaços de sociabilidade, as narrativas do medo, as alterações arquitetônicas,
os trajetos entrecortados – as cenas e as tramas da violência, do medo e da insegurança
engendrados no interior desse espaço social. Os índices estudados e analisados mostram
que o bairro não figura como um espalho violento, contudo, as narrativas apresentam a
realidade da proximidade com a violência e a ideia de que você pode ser o próximo.
Os medos narrados vêm afetando as pessoas em seus cotidianos, dando
novos ritmos e sentidos, alterando arquitetura das casas e dos comércios, mudando os
trajetos e a formas de ocupar o bairro, alterando, inclusive, as formas de interação social.
Esse medo, aqui abordado, foi denominado de medo social e trata-se de algo singular-
coletivo construído e constituído na interação com o outro em contextos sociais
específicos e definidos. Afeta com mais força as pessoas e as coletividades a partir do
que se vê e escuta dando novos sentidos e significados à vida.
Não existem personagens do medo, este é aqui abordado como algo difuso,
advindo de uma experiência concreta ou imaginária, mas sem ressonância no real. São
medos que se deslocam dos índices de violência e criminalidade do bairro e atingem a
esfera subjetiva do indivíduo que é levado a criar estratégias de visem a segurança
pessoal. Dessa forma, ter medo de ser vítima de crimes violentos e fatais tem vivacidade
no imaginário dos interlocutores.
76

Os aparatos de segurança pública surgem de maneira dúbia: ora como


elementos que garantem a segurança, ora como elementos que não consegue garantir a
segurança. O fato é que há a presença da polícia no bairro, contudo, o que prevalece é a
lei do silêncio, onde “nada se vê, nada se escuta”. O tráfico é um elemento muito presente
nas narrativas e relacionado diretamente com a violência: seja através das execuções por
dívidas, seja por meio de assaltos e furtos realizados por pessoas “claramente drogadas”.
Diante do exposto, reafirma-se que a violência e o medo gerado por ela se
espalham de forma diferenciada no bairro, afetando pessoas diretamente, levando-as de
forma compartilhada a construir novas formas de sociabilidade em seus espaços de
moradia e lazer, alterando o cotidiano. Os indivíduos criam estratégias, deixam de fazer
uso do que possa ser considerada chamativo, trancam-se nas casas, passam a fazer uso
de espaços fechados sempre buscando formas de segurança.
Ao final da pesquisa além as conclusões acima citadas, ficam novas
indagações acerca dessa rotina alterada e reconfigurada. Como escapar de uma
sociedade pautada no medo e na insegurança? Compreender os aspectos subjetivos que
levam o indivíduo a alterar suas dinâmicas, a mudar as formas de relacionar-se com o
outro e com o bairro, demanda uma inserção maior que a realizada para esse trabalho e
que busque compreender também a visão dos aparatos de segurança pública diante
dessa realidade.
77

REFERÊNCIAS

ARENDT, Hannah. Sobre la Violencia. Madrid: Alianza Editorial, 2008.

BAIERL, Luzia Fátima. Medo social: da violência visível ao invisível da violência. São
Paulo: Cortez Editora, 2004.

______. Medo Social: dilemas cotidianos. Revista de Ciências Sociais Ponto-e-Vírgula,


São Paulo, n. 3, p. 138-151, 2008.

BARREIRA, C.. Violência difusa, medo e insegurança: as marcas recentes da crueldade.


Revista Brasileira de Sociologia, v. 01, p. 05, 2013.

BARREIRA, Irlys Alencar Firmo. A cidade e o medo. In: BARREIRA, César; BATISTA,
Élcio. (In) Segurança e sociedade: treze lições. Fortaleza: Pontes, 2011, p. 87-103.

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http://www.fortalezaemfotos.com.br/2010/11/o-velho-bairro-do-benfica.html
82

APÊNDICE A – ROTEIRO DE ENTREVISTA SEMIESTRUTURADO UTILIZADO COMO


INSTUMENTO DE COLETA DE DADOS

Questionário:
Nº _________ Data: __/___/2014 Cidade: Fortaleza Inicio: __:__
Fim: __:__

1) Idade?

2) Gênero

3) Estado civil

4) Nível de escolarização

5) Qual a sua relação com o bairro Benfica?

6) Você já foi vítima de algum tipo de violência? Onde? Como?

7) Se sim, você já mudou algum hábito por medo? E sim, quais?

8) O que vem a sua cabeça ao escutar a palavra “medo”?

9) Do que você tem medo?

10) Onde você se sente mais seguro no bairro Benfica?

11) Onde você se sente mais inseguro no bairro Benfica?

12) O que você escuta falar sobre insegurança no bairro?

13) Quais as estratégias que você usa para burlar a insegurança?

14) Assiste a programas policiais? Se sim, quais?

15) Esses programas influenciam a sua sensação de insegurança?

16) Você já presenciou algum tipo de violência? Se sim, quais?


83

APÊNDICE B –QUESTIONÁRIO FECHADO UTILIZADO COMO INSTUMENTO DE


COLETA DE DADOS

Questionário:
Nº _________ Data: __/___/2015 Cidade: Fortaleza Inicio: __:__
Fim: __:__
Rua: Número:

PERFIL
1. Classificação etária: b.  5 a 10 anos
a.  Até 15 anos c.  11 a 20 anos
b.  16 a 20 anos d.  21 a 30 anos
c.  21 a 30 anos e.  Mais de 30 anos
d.  31 a 40 anos
e.  41 a 50 anos 4. Gênero
a.  Masculino
2. Qual a sua profissão? b.  Feminino
_____________________________________ c.  Outros_________________________

3. Em qual bairro você mora? 5. Naturalidade


_____________________________________ a.  Fortaleza
b.  Interior do Ceará _________________
3.1. Há quanto tempo você mora aqui no c.  De outro Estado __________________
Benfica? d.  Outra __________________________
a.  Há menos de 5 anos
BLOCO I – SOBRE A VIOLÊNCIA
6. O senhor (a) já foi vítima de algum tipo de 7.2. Em qual bairro a ação ocorreu?
violência? _____________________________________
a.  Sim _____________________________________
b.  Não
8. Para o senhor (a) a violência é parte do
6.1. Qual tipo? cotidiano?
_____________________________________ a.  Sim
_____________________________________ b.  Não

6.2. Em qual bairro a ação ocorreu? 9. O senhor (a) tem medo de ser vítima da
_____________________________________ violência?
_____________________________________ a.  Sim
b.  Não
7. O senhor (a) já presenciou algum tipo de
violência? 9.1. De que tipo de violência o senhor (a) tem
a.  Sim mais medo?
b.  Não _____________________________________
_____________________________________
7.1. Qual tipo?
_____________________________________ 10. Quais as estratégias que o senhor (a) usa
_____________________________________ para se proteger?
_____________________________________
_____________________________________
84

BLOCO II – SOBRE O BAIRRO BENFICA


11. O senhor (a) já foi vítima de violência no 15. Em relação aos dias de jogos no Estádio
bairro Benfica?? Presidente Vargas, o senhor (a) acha que o
a.  Sim Bairro fica mais violento?
b.  Não a.  Sim
b.  Não
11.1. Qual tipo?
_____________________________________ 16. O senhor (a) e sente mais INSEGURO
_____________________________________ em dias de jogos?
12. O senhor (a) se sente INSEGURO no a.  Sim
Bairro Benfica? b.  Não
a.  Sim
b.  Não 16.1. O senhor (a) usa alguma estratégia
diferenciada para se proteger em dias de
12.1. Quais as áreas que o senhor (a) jogos?
considera mais perigosas? a.  Sim
_____________________________________ b.  Não
_____________________________________
16.2. Quais as estratégias que o senhor (a) usa
13. O senhor (a) escuta falar sobre violência para se proteger?
no Bairro Benfica? _____________________________________
a.  Sim _____________________________________
b.  Não
17. O senhor (a) acha que a iluminação
14. Qual o seu grau de SEGURANÇA no pública do bairro é suficiente?
bairro Benfica? a.  Sim
a.  Não me sinto seguro b.  Não
b.  Pouco seguro
c.  Muito seguro 18. O senhor (a) acha que o bairro está mais
deserto?
a.  Sim
b.  Não
BLOCO III – LAZER
19. Como é o lazer da sua família? 20. Sua família frequenta os espaços públicos
a.  Em casa do Bairro Benfica para o lazer?
a.  Nas praças a.  Sim
b.  Em shoppings b.  Não
c.  Outros:
_________________________________ 20.1. Quais espaços são frequentados?
_____________________________________
_____________________________________

BLOCO IV – SOBRE A SEGURANÇA PÚBLICA


85

21. O senhor (a) acha que a polícia é eficiente no combate ao crime?


a.  Sim
b.  Não

22. O senhor (a) acha que a presença da polícia diminui a violência?


a.  Sim
b.  Não

23. O senhor (a) acha que a presença da polícia aumenta a sensação de segurança?
__________________________________________________________________________
86

ANEXO A – PROFESSOR DO IFCE É MORTO EM ASSALTO NO BENFICA

Professor do IFCE é morto em assalto no Benfica


22/09/2011

O latrocínio ocorreu ontem na praça da Gentilândia. O carro da vítima foi levado


pelos assaltantes. Foto: Edimar Soares

A esposa, sentada numa cadeira, era consolada por amigos e familiares. O marido,
Vicente de Paulo Miranda Leitão, 46 anos, tinha acabado de ser morto durante um
assalto no bairro Benfica. “E agora, meu Deus? O que vai ser das meninas sem o
pai?”, se perguntava. Vicente era pai de duas garotas. Era também amigo do Eulálio,
colega de trabalho do Adeildo.
O professor do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Ceará (IFCE)
havia estacionado seu carro - uma L200 preta - na rua João Gentil, ao lado da Praça
da Gentilândia. A esposa ficou dentro do veículo e Vicente foi caminhando até uma
gráfica para pegar um banner. Na volta, quando ia entrando no carro, foi abordado
por dois assaltantes.

“Ele se aperreou porque a mulher tava dentro do carro. Tentou tirar a esposa de lá e
um dos bandidos deve ter achado que ele ia reagir”, conta uma das testemunhas.
Vicente foi atingido com um tiro no lado esquerdo do peito, por volta das 12h30min
de ontem. Os bandidos fugiram levando a L200. O veículo não havia sido localizado
até a noite de ontem.

No início da noite de ontem, um adolescente de 17 anos foi apreendido acusado do


crime. Segundo o major Teófilo Gomes, comandante da 5º Companhia do 5º
Batalhão da Polícia Militar, ele foi reconhecido pela esposa do professor. O jovem foi
detido no Centro, perto da avenida Duque de Caxias. “Ele é conhecido na Polícia por
87

fazer assaltos na Gentilândia e por agir com violência. Já chegou a atirar no pé de


uma senhora”, informa o major.

Ainda de acordo com o major, foi o adolescente quem atirou no professor. O outro
assaltante seria um irmão dele, também adolescente. Ele estava foragido até o início
da noite de ontem.

“O Vicente era uma pessoa excelente. E muito inteligente. Veio de uma família
humilde e se fez na vida trabalhando, estudando”, lembra o amigo Eulálio Costa.
“Ele tinha acabado de terminar o doutorado”, acrescenta Adeildo Cabral, que
também é professor do IFCE.

Luto
Mais de 50 pessoas comentaram a notícia da morte de Vicente no Portal O POVO
Online (até as 20 horas de ontem). “Toda nossa família está em luto. Perdemos uma
figura admirável. Pedimos socorro às autoridades e Justiça para Deus”, escreveu a
internauta Nona Leitão.
“Evento triste, pela vida do profissional e do ser humano. O Benfica era um dos
poucos lugares que eu considerava seguro na cidade. Acho que o poder público
estadual e até mesmo a Guarda Municipal deveriam em conjunto policiar pelo
menos as praças e a região do entorno do IFCE e UFC”, sugere um outro leitor, que
se identificou como Reginaldo da Silva.

Os moradores da rua João Gentil também reclamam da insegurança. “Tem muito


assalto e tráfico de drogas. O pessoal vende na praça (da Gentilândia), na vista de
todo mundo”, comenta uma senhora.

Onde
ENTENDA A NOTÍCIA
O latrocínio (roubo seguido de morte) foi no Benfica, um bairro universitário e
tradicional de Fortaleza. Vicente de Paulo havia estacionado seu veículo numa rua
ao lado da Praça da Gentilândia.
Fonte:
http://www.opovo.com.br/app/opovo/fortaleza/2011/09/22/noticiasjornalfortaleza,230
2810/professor-do-ifce-e-morto-em-assalto-no-benfica.shtml
88

ANEXO B – A CERVEJA, O TIRA-GOSTO E UM CORPO

A cerveja, o tira-gosto e um corpo


01/12/2013

"Notem que o defunto sob o lençol é apenas um componente a mais da paisagem.


Ninguém parece incomodado com o intruso. Não acreditei que as pessoas fossem
tão frias a ponto de continuar em suas mesas, tomando cerveja, comendo e mirando
a vítima"

Há poucos dias, um jovem foi assassinado a tiros na praça da Gentilândia. A


repercussão na cidade não foi grande. Apenas mais um homicídio. O caso virou
notícia de rodapé de jornal. Do tipo que tem todo santo dia. Também deve ter saído
nos programas policiais que servem defuntos na hora do almoço.

O noticiário informa que foi mais um homicídio de um tipo que se tornou muito
comum. Possivelmente, segundo a PM, o caso se relaciona com o tráfico de drogas.
A área foi isolada pela PM. Coberto por um lençol, o corpo passou horas estendido
no chão.

No dia seguinte, alguém colocou nas redes sociais uma foto retratando uma
esdrúxula situação. Na imagem (vejam acima), mesas e cadeiras fora da área
isolada. Gente comendo, bebendo, se divertindo. A poucos metros, o corpo.
89

Notem que o defunto sob o lençol é apenas um componente a mais da paisagem.


Ninguém parece incomodado com o intruso e sua poça de sangue. Desconfiei da
imagem. Não acreditei que as pessoas fossem tão frias a ponto de continuar em
suas mesas, tomando cerveja, comendo sanduíche e mirando a vítima.

Sim sei que a morte a vida estão banalizadas em Fortaleza e adjacências. Vez ou
outra, vejo na TV as crianças se divertindo para as câmeras diante de mais um
assassinato na vizinhança. Mas, adultos impassíveis, serenos, comendo e bebendo
indiferentes diante do corpo que jazia é um quadro que eu não queria crer como
real.

Desconfiado, pesquisei e encontrei outras fotos de outros ângulos. Ficou claro que
não era montagem. Sim, já é possível comer um salgado, tomar uma cerveja e bater
um papo diante de um corpo a espera da perícia e do rabecão. Chegamos a esse
terrível e triste ponto.

O assassinato em questão se deu no início da noite de quinta-feira da semana


passada. Na segunda-feira seguinte, o noticiário dizia que ocorreram 34 homicídios
na Grande Fortaleza entre a noite de sexta-feira e a noite de domingo. É provável
que cenas similares tenham se reproduzido outras vezes.

Nada pode ser mais preocupante que a indiferença diante da morte. É o principal
sintoma de uma sociedade deteriorada. No vácuo da autoridade pública, que nem
sequer lamenta a montanha de mortos, muitos naturalizam a violência. Outros
passam a incentivar os linchamentos.

E assim caminhamos. Não sei exatamente para onde, mas não pode ser um bom
futuro se a vida, bem maior da humanidade, não vale o preço se um salgadinho frio.

Fonte:
http://www.opovo.com.br/app/colunas/fabiocampos/2013/11/30/noticiasfabiocampos,
3170528/a-cerveja-o-tira-gosto-e-um-corpo.shtml
90

ANEXO C – HOMEM É EXECUTADO A TIROS NO BAIRRO BENFICA

Homem é executado a tiros no bairro Benfica

14.02.2014

Francisco Everton da Silva Teixeira, 29, estava em um bar quando quatro homens
em duas motos se aproximaram do estabelecimento e dispararam vários tiros.
Um homem foi assassinado na noite desta sexta-feira, 14, na rua Waldery Uchoa, no
bairro Benfica, próximo à Praça da Gentilândia. De acordo com a Secretaria da
Segurança Pública e Defesa Social (SSPDS), Francisco Everton da Silva Teixeira,
29, estava em um bar quando quatro homens em duas motos se aproximaram do
estabelecimento e dispararam vários tiros de arma de fogo contra a vítima.

Testemunhas presenciaram a ação e relataram ao O POVO Online que cerca de


cinco disparos foram ouvidos. Com informações da família da vítima, a Polícia
trabalha com duas hipóteses: conflitos com pessoas do bairro ou dívida da vítima
com um agiota. Uma ambulância do Serviço de Atendimento Móvel de Urgência
(Samu) foi enviada ao local logo após o ocorrido, mas ao chegar a vítima já se
encontrava morta.

Próximo ao local, o bloco de pré-carnaval Luxo da Aldeia realizava apresentações.

Redação O POVO Online

Fonte:
http://www.opovo.com.br/app/fortaleza/2014/02/14/noticiafortaleza,3207048/homem-
e-executado-a-tiros-no-bairro-benfica.shtml
91

ANEXO D – HOMEM É EXECUTADO A TIROS NA PRAÇA DA GENTILÂNDIA

Homem é executado a tiros na Praça da Gentilândia

11.05.2014

A vítima respondia a vários inquéritos policiais. Ele teria sido atingido por três
disparos,
Um homem de 27 anos foi assassinado a tiros na Praça da Gentilândia, no bairro
Benfica, na tarde deste sábado, 10, por volta de 17 horas.
De acordo com o capitão Otoniel Nascimento, comandante do Ronda do Quarteirão
do Centro, a vítima respondia a vários inquéritos policiais. Ele teria sido atingido por
três disparos.
A Polícia não soube informar como aconteceu a ação dos criminosos e nem a
motivação do crime. Os suspeitos não foram identificados.

Redação O POVO Online

Fonte:
http://www.opovo.com.br/app/fortaleza/2014/05/11/noticiafortaleza,3249124/homem-
e-executado-a-tiros-na-praca-da-gentilandia.shtml
92

ANEXO E – POLÍCIA DESARTICULA REDE DE TRÁFICO NA PRAÇA DA


GENTILÂNDIA APÓS DENÚNCA DO DIÁRIO DO NORDESTE

Polícia desarticula rede de tráfico na Praça da Gentilândia após


denúncia do Diário do Nordeste
09/09/2014

FOTO: Helene Santos

Uma operação da Divisão de Combate ao Tráfico de Drogas desarticulou uma


rede de tráfico que funcionava na Praça da Gentilândia, nesta terça-feira (9). O local
fica na Avenida Treze de Maio, bairro Benfica. A ação teve o apoio da Divisão
Anti Sequestro (DAS) e da Divisão de Homicídios e Proteção à Pessoa (DHPP).
Três traficantes foram detidos. A Polícia apreendeu maconha, cocaína, cartelas de
rivotril e LSD.
As investigações começaram depois que a reportagem do Diário do Nordeste teve
acesso ao vídeo em que várias pessoas supostamente comercializam drogas na
Praça, em plena luz do dia, ao lado de crianças e de jovens que praticavam
esportes. A reportagem entrou em contato com a Divisão Antitráfico, no
comando do diretor, delegado Pedro Viana e do diretor-adjunto, delegado Sérgio
Santos. As equipes da Polícia Civil analisaram os vídeos, realizaram campanas e
acompanharam de perto a rotina dos traficantes.
93

A reportagem acompanhou o período de investigação e na segunda-feira (8), foram


identificados quatro traficantes que atuavam na área. Uma jovem escondia droga
dentro da blusa e em uma pochete. Já um homem, oferecia os entorpecentes que
buscava em uma casa. A residência também foi vistoriada pela Polícia.

Aviões eram 'flanelinhas'


Os 'aviões' que faziam o transporte da droga até os usuários eram flanelinhas. Eles
permaneciam durante todo o dia na Praça e saíam no momento de grande fluxo de
pessoas, por volta das 17 horas, quando moradores do Benfica utilizavam o espaço
para fazer exercícios físicos. Segundo informações do delegado Sérgio Santos, os
flanelinhas se utilizavam do 'trabalho' para passar despercebidos pela Polícia, pois
sempre possuíam dinheiro trocado e permaneciam durante todo o dia no local.
A área utilizada pelos traficantes fica próxima a universidades e instituições de
ensino. De acordo com informações da Polícia, os traficantes vendiam a droga
para estudantes de ensino médio e universitários, maioria entre os
frequentadores da Praça. A Polícia chegou ao local por volta das 17 horas e realizou
uma vistoria em todos que estavam no logradouro. As residências que seriam
utilizadas pela guardar a droga foram vistoriadas. Não foi encontrado o entorpecente
na casa, mas na Praça a Polícia apreendeu a droga que seria consumida pelos
usuários.

A equipe do Diário do Nordeste acompanhou a concentração dos policiais na


Divisão e o flagrante do tráfico. Foram presos Edilene Pinheiro Gomes, 21, Irlana
Cristian Lima Almeida, 20 e Hederson Darlan Fernandes Rodrigues, 22, todos
encaminhados à sede da Divisão de Combate ao Tráfico e autuados em flagrante
por tráfico e associação ao tráfico. Ainda de acordo com o diretor-adjunto, imagens
realizadas pelos próprios policiais mostram a comercialização da droga.
Ainda durante a operação, os policiais flagraram um crime de roubo. Um homem foi
detido e identificado como 'Faísca'. Ele é suspeito de envolvimento na morte de um
professor do Instituto Federal do Ceará (IFCE).

Fonte: http://diariodonordeste.verdesmares.com.br/cadernos/policia/online/policia-
desarticula-rede-de-trafico-na-praca-da-gentilandia-apos-denuncia-do-diario-do-
nordeste-1.1097518
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ANEXO F – FLANELINHA É EXECUTADO A TIROS POR DUPLA

Flanelinha é executado a tiros por dupla


21/10/2014

Crime aconteceu a poucos metros da Faculdade de Economia da UFC

Vítima foi atingida por cerca de 7 disparos à queima roupa. FOTO: HELOSA
ARAÚJO

Um homem identificado apenas como 'Léo' foi executado a tiros por volta das 18h
desta terça-feira (21) na Rua Instituto do Ceará, esquina com a Avenida da
Universidade, no bairro Benfica, em Fortaleza.
De acordo com populares, dois homens em uma motocicleta chegaram atirando e
teriam efetuado, pelo menos, 7 disparos à queima roupa. A vítima não teve
condições de defesa e tombou sem vida, na calçada.
O homem era conhecido na região por guardar carros no local. O crime aconteceu a
poucos metros do prédio da Faculdade de Economia da Universidade Federal do
Ceará (UFC).

Fonte:
http://diariodonordeste.verdesmares.com.br/cadernos/policia/online/flanelinha-e-
executado-a-tiros-por-dupla-1.1131143
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ANEXO G – IRMÃOS GÊMEOS ESPANCADOS APÓS ASSALTO

Irmãos gêmeos espancados após assaltar estudante


24/10/2014

Os irmãos gêmeos Francisco Edivan Moreira Girão e Francisco Erivan Moreira


Girão, de 18 anos, foram levados para o IJF com ferimentos na cabeça.

Dois irmãos foram espancados, após assaltarem um estudante, que saía do Centro
de Humanidades II (CH2) da Universidade Federal do Ceará (UFC), na manhã de
ontem. De acordo com a Polícia, o rapaz ainda estava na calçada da Instituição,
quando foi abordado pela dupla, que fingiu estar amada e roubou um aparelho
celular.

Populares que estavam no local perceberam que os jovens não portavam nenhuma
arma e investiram contra eles. Um dos suspeitos de roubo foi detido imediatamente;
o outro tentou fugir, mas acabou sendo alcançado no quarteirão seguinte, ainda na
Avenida da Universidade. A partir desse momento, os dois passaram a ser xingados
e espancados, durante cerca de dez minutos, segundo testemunhas.

Um servidor terceirizado da UFC disse que algumas pessoas sugeriram que os


irmãos fossem linchados, mas a Polícia chegou e impediu que as agressões
continuassem. "A grande maioria batia, chutava e até cuspia. Foi muito tempo de
tumulto. Não sei como eles não morreram. O plano era bater até quando eles não
tivessem mais vida. Algumas pessoas tentaram fazer com que eles parassem, mas
só a Polícia conseguiu acalmar os ânimos. Não fui bater em ninguém. Não acho que
seja um direito meu", disse o funcionário da UFC.
96

Uma patrulha da 1ªCia do 5ºBPM (Centro) ficou no local esperando a chegada da


ambulância do Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (Samu), que levou os
gêmeos Francisco Edivan Moreira Girão e Francisco Erivan Moreira Girão, de 18
anos, para o Instituto Doutor José Frota (IJF). Ambos apresentavam escoriações e
ferimentos na cabeça e aparentavam estar desorientados.

Vingança

Um estudante que usava a farda de um colégio particular da Capital disse que


participou do espancamento, por vingança. "Assumo que bati. Eles me assaltaram,
há uns quinze dias", disse o garoto, que declarou ter 15 anos e não revelou o nome.

Uma universitária do curso de Psicologia, que se identificou apenas como Clara,


disse que defendeu os irmãos e que está indignada com o acontecido. "Nunca vi
tamanha brutalidade. Foi uma cena de selvageria. Eu entendo que as pessoas estão
cansadas dessa violência, mas não é possível eles acharem que o certo é bater em
quem a pratica até matar. Eu estava gritando pedindo para parar, quando um
homem se virou para mim com o punho fechado e perguntou se eu queria apanhar
também", disse Clara.

Fonte: http://diariodonordeste.verdesmares.com.br/cadernos/policia/irmaos-gemeos-
espancados-apos-assaltar-estudante-1.1133127

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