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SILVA, Fabíola Andréa & GORDON, Cesar da estética ameríndia. No entanto, teria
(orgs.). Fotografias de Wagner Souza e Sil- sido preferível agrupar as pranchas, em
va. 2011. Xicrin: uma coleção etnográfica. vez de obrigar o leitor a folhear constan-
São Paulo: Edusp. 304 pp. temente para frente e para trás se quiser
acompanhar a discussão feita por cada
autor acerca das pranchas distribuídas ao
Vanessa R. Lea longo do livro, e das imagens em minia-
UNICAMP tura no final do mesmo. Esteticamente,
é bem sucedida a colocação de apenas
Este livro documenta a coleção etnográ- uma peça por página nas pranchas, mas
fica de objetos provenientes dos Xicrin- o fato de relegar o restante da coleção ao
Mebengokre, compilada pela antropólo- final do livro pode prejudicar a aprecia-
ga Lux Vidal no decorrer de três décadas, ção dos objetos devido ao tamanho muito
e doada ao Museu de Arqueologia e pequeno das imagens. Poderiam ter sido
Etnologia (MAE) da Universidade de São ampliadas sem necessariamente acarretar
Paulo (USP) em 2001. O livro apresenta um aumento excessivo da quantidade
magníficas imagens de autoria de Wagner de páginas da publicação. De qualquer
Souza e Silva, de plumária e de diversas modo, a iconografia da coletânea de Silva
outras peças que integram a coleção, dis- e Gordon tem um potencial inestimável
ponibilizando uma amostra significativa para instigar novas pesquisas, tanto en-
da cultura material dos Mebengokre ao tre as subdivisões Mebengokre como na
público brasileiro pela primeira vez. Em comparação com outros povos indígenas.
1992 foi publicado um livro com belas Penso, por exemplo, no contraste entre os
imagens da coleção etnográfica dos ín- itens de plumária apresentados no livro
dios Mekrãgnoti-Mebengokre, montada que documenta a coleção de Verswijver e
pelo antropólogo belga Gustaaf Verswi- naqueles da coletânea de Silva e Gordon,
jver para o Museu Tervuren, na Bélgica. ou na diferença entre as flechas meben-
Porém, não foi lançado no Brasil, sendo gokre e araweté (Tupi-Guarani).
acessível apenas em francês ou em inglês Os textos incluem um depoimento
àqueles que se disponham a importá-lo. elucidativo dado por Lux Vidal aos orga-
As imagens dos objetos, todas colori- nizadores, contextualizando a pesquisa
das, estão intercaladas com textos dos or- realizada por ela e o ritmo acelerado das
ganizadores, dos ex-alunos da professora transformações experimentadas pelos Xi-
Lux Vidal que realizaram pesquisa com os crin no decorrer das últimas três décadas.
Xicrin, além de um arqueólogo que fez um Os demais textos dialogam, cada um à sua
estudo das flechas xicrin, e do fotógrafo. O maneira, com a coleção de quase 400 peças
texto de Souza e Silva, com um toque de produzidas pelos Xicrin. Há um texto de
ironia, intitula-se “Fotografias meramente Isabelle Giannini sobre ritual; de Francisco
ilustrativas”. Suas imagens representam Paes sobre música; de Clarice Cohn sobre
um aporte excepcional, fornecendo ao crianças; de Fabíola Silva sobre cestaria;
leitor acesso privilegiado a essa bela de Cesar Gordon sobre o belo do ponto
coleção de peças xicrin proveniente da de vista dos Xicrin; de Lucas Bueno sobre
pesquisa de Lux Vidal, sem atrapalhar seu flechas, além do texto de Wagner Souza e
olhar com o reflexo de vidros protetores, Silva sobre suas fotografias da coleção.
e sem que precisemos nos acotovelar por Há menção a outros exemplares de
um espaço a fim de podermos contem- flechas existentes no Museu Paulista e
plar e apreciar à vontade esta exposição no Museu Plínio Ayrosa, mas nenhuma
resenhas 609
ças dialetais, sendo levados a reificar tais como “centro e periferia” (:30, 99).
a distinção entre os Xicrin e os demais Paes afirma que os modelos analíticos
Mebengokre. Na realidade, inexiste uma produzidos nos últimos anos “não têm
ortografia consolidada. Trata-se de uma contemplado as experiências culturais
questão espinhosa que ultrapassa os desses índios” (:100). Diria que há uma
limites desta resenha. relutância em reconhecer que a cole-
Retomando a questão de quanto a tânea organizada por David Maybury-
coletânea de Silva e Gordon fornece re- Lewis (publicada em 1979, pela editora
cursos para pesquisas futuras, observa-se da Universidade de Harvard) não cons-
certa parcimônia nas referências a outros titui o fim da história. Não há menção ao
pesquisadores e o desequilíbrio entre balanço de Carneiro da Cunha, de 1993
aqueles autores considerados dignos (“Les études gé”. L’Homme, XXXIII[126-
de nota e os demais. Não há nenhuma 128]:77-95. Cf. o artigo de Rivière no
referência à primeira monografia sobre mesmo volume).
os “Kayapó”, publicada em 1963 por Outro ponto que, a meu ver, deveria
Simone Dreyfus (Les Kayapo du Nord: ter sido abordado é a discussão sobre a
contribution à l’étude des indiens Ge. existência de matricasas detentoras das
Paris/ The Hague: Mouton & Co). Não se prerrogativas descritas ao longo do livro.
menciona o artigo de Joan Bamberger, de As prerrogativas são mencionadas apenas
1974, sobre “nomes bonitos” (“Naming como transmitidas entre determinadas
and the transmission of status in a central categorias de parentes, o que acaba
brazilian society”. Ethnology, 13:363-78), simplificando uma realidade bem mais
e tampouco meu artigo de 2005 sobre a complexa e nuançada. Gordon atribui as
fabricação de “pessoas bonitas” (“The prerrogativas a “famílias” (:215 e passim),
great name confirmation ceremonies of mas os antropólogos sabem que este ter-
the Mebengokre of Central Brazil, and mo, tão consagrado pelo senso comum, é
the fabrication of beautiful people”. Es- vago em termos analíticos, já que existem
tudios Latinoamericanos, 25:87-101). As famílias nucleares, extensas etc. Em torno
referências às publicações de Verswijver destes temas desenrola-se uma polêmica
são também escassas. Trata-se de obras/ que deveria interessar futuros pesquisa-
autores das/ dos quais deveria partir o dores. Menciono aqui, tão somente, as
que Gordon chama de esboço de “uma discussões travadas por Turner (no livro
reflexão sobre ideias xicrin a respeito do organizado por Santos-Granero, já men-
valor e da beleza…” (p. 208). cionado, p. 158) e a autora desta resenha,
Um aspecto do ensaio de Gordon a respeito da existência das matricasas.
(apoiado nas imagens) que endosso é a
distinção entre aqueles itens considera-
dos pelos Mebengokre autênticos versus
aqueles considerados “fajutos” (kajgô),
embora eu prefira outras glosas, como
(adorno X) “só em nome”. Trata-se de um
recurso que legitima a fabricação e a ven-
da de um adorno aos brancos por qual-
quer mebengokre, independentemente
de deter a prerrogativa de usá-lo.
Os organizadores e Francisco Paes
reiteram oposições dualistas obsoletas,