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Público • Sexta-feira 3 Setembro 2010 • 39

Um jornalista constituir-se assistente é um direito que torna mais exigente e transparente o seu trabalho

Há sempre plumas de censor ao serviço de qualquer regime

N
PEDRO CUNHA
ão fosse o advogado José Augusto Rocha
ter decidido juntar a sua voz à da legião
de protocensores que condenam o fac-
to de José António Cerejo ( JAC) se ter
constituído assistente no caso Freeport
e não teria decidido, dado a insignificância de algu-
mas dessas vozes e o vazio da sua argumentação,
José regressar ao tema. Faço-o não por causa do tom
Manuel insultuoso dessa prosa – infelizmente na linha da
Fernandes dos actuais dirigentes da Ordem dos Advogados –,
mas porque esta tem o objectivo confesso de limitar
Extremo a liberdade de informação, porventura através de
ocidental uma alteração ad hoc da legislação. Não vou, por
isso, perder tempo a rebater, por exemplo, a ideia de
que no jornalismo não se deve ter em consideração
o “interesse público”, pois isso seria – imagine-se! –
“totalitário”. Vou apenas explicar por que motivos
uma cultura democrática, livre e aberta considera
absolutamente legítimo recorrer à figura de “assis-
tente” no processo judicial, como fez JAC. Ao pretender mudar de férias, o acesso dos jornalistas liberdade de informação, num jornal não é neces-
Primeiro que tudo, o que diz a lei. O Código do ao processo foi atirado para depois sário estar de acordo com tudo o que um jornalis-
Processo Penal estabelece que pode constituir-se a lei para discriminar os de Agosto. Ou seja, não fosse o tra- ta escreve para se entender que ele tem direito de
assistente quem tiver interesse directo no processo balho de JAC e não saberíamos o publicar o que investiga desde que cumpridas as
jornalistas e barrar-lhes
e “qualquer pessoa” num conjunto de crimes que que lá estava. É certo que muitos regras deontológicas – e estas ninguém provou que
tipifica e entre os quais estão, entre outros, os crimes o acesso aos processos prefeririam que não se soubesse tenham sido violadas. Não é preciso que eu, quando
de tráfico de influência, corrupção, peculato ou par- nunca, nem depois de Agosto, mas era director, ou o anterior e o actual provedores do
ticipação económica em negócio. Ou seja, considera- judiciais como assistentes, numa sociedade aberta não é as- leitor, Joaquim Vieira e José Queirós, estivéssemos
se que nestes crimes há um bem comum a preservar, pretende-se limitar sim que as coisas devem funcionar, totalmente de acordo sobre todos os passos dados
pelo que todo e qualquer cidadão pode intervir no pois todas as decisões – incluindo por Cerejo – e há pequenas diferenças de pontos
processo como assistente. Esse bem comum não é o acesso às fontes de as do Ministério Público – podem e de vista entre nós os três e entre nós e JAC – para se
distinto daquilo que, na imprensa, consideramos devem ser sujeitas a escrutínio pú- perceber que um jornal é um espaço de liberdade
informação e limitar a
ser de interesse público – como, por exemplo, veri- blico. Reduzir o papel de JAC ao de e que nele não se guardam informações relevantes
ficar se os governantes actuaram de forma impoluta. liberdade de expressão um “intruso e espião da documen- na gaveta.
Quem, em contrapartida, acha que a imprensa é tação produzida” mostra até que É esse o entendimento que tive e tenho de uma
apenas um pé de microfone dos diferentes poderes ponto está pervertido o raciocínio de quem, sem sociedade aberta e do papel que nela desempenha
e não um contrapeso vigilante que segue de forma pudor, já advoga restrições aos direitos dos jorna- o jornalismo. Um entendimento que não pretende
atenta e responsabilizável a actuação desses poderes listas “nomeadamente com a adopção de medidas uma objectividade pura e inatingível, antes assume
enganou-se no século e no regime. legislativas que evitem os abusos”. que da pluralidade de abordagens, realizadas no
É por isso falso que, como escreve José Augus- E de que abusos falamos, em última análise? Mui- respeito pela lei e pela deontologia, e na convicção
to Rocha, o assistente esteja no processo preso à to simplesmente o questionar-se uma investigação de que se procurou a verdade, cada cidadão é adulto
“prossecução do jus puniendi em relação ao deli- e as suas conclusões, algo de intolerável para estes suficiente para julgar não só o comportamento das
to cometido”. O assistente não é equiparável a um guardiães do regime, pois eles entendem que quem autoridades mas também o dos jornalistas. E para
advogado de acusação em tribunal, ou então a lei nem sequer foi constituído arguido “está comple- formar as suas convicções.
não seria tão lata da possibilidade de qualquer um tamente inocente” (Al Capone, como sabemos, era Ora, ao pretender limitar o acesso dos jornalistas
se constituir assistente sempre que o crime de que um menino de coro que só tentou fugir ao fisco…). às fontes primárias de informação, o dr. Rocha mu-
se suspeita é um dos citados. Mais: os assistentes Ou seja, para estes protocensores só existe a ver- nicia com argumentos gongóricos os que desejam
não querem forçosamente acusar ou condenar os dade oficial e regimental quando é sabido como o a tal “abertura de horror” que diz querer evitar. O
arguidos, antes pretendem que o processo seja ver- trabalho dos jornalistas foi, é e será fundamental seu texto tem mesmo o tom da ameaça pesada dos
dadeiro e justo. Por isso mesmo não há qualquer para que o pó não repouse sobre as conveniências guardas pretorianos da “situação” e revela como,
conflito de interesses entre a condição de jornalista e as verdades oficiais. Mais: foi graças ao trabalho em Portugal, ainda se lida mal com uma informação
e a condição de assistente, se bem que esta seja mais dos jornalistas que muitos processos em Portugal sem barreiras e, sobretudo, acutilante e plural. O
exigente para o jornalista, pois expõe-no mais ao não morreram por inacção, esquecimento ou en- que o dr. Rocha defende é que há temas que são do
escrutínio público (o que nem acho mal). cobrimento das autoridades. mundo elevado da Justiça e do Direito e outros do
E que regras tem de seguir o jornalista? As re- Há, por fim, um último aspecto que é crucial su- nosso mundo de comuns mortais, para mais jorna-
gras deontológicas, as regras impostas pelas leis blinhar: ao contrário do que pensam os polícias da listas. Jornalista (www.twitter.com/jmf1957)
e as regras da cidadania – que não são separáveis.
O jornalista tem de proteger as suas fontes e tem
obrigações para com o seu público, mas nada impe-
de que investigue por conta própria, publique sem
Leituras O triste fado do Português
dar conhecimento prévio ao Ministério Público ou,
também, canalize para este elementos que obteve a Estamos habituados a discutir se tem vindo a passar com o profissional. Querem exemplos de
mas não está em condições de divulgar. É caminhar o ensino da Matemática e a ensino da língua pátria. Por como isto está? Pois cito alguns:
no fio da navalha? É. Mas no jornalismo caminha- associar a denúncia do “eduquês” fim – e esse é o lado aterrador “substituição do ‘exercício escrito’
se muitas vezes no fio da navalha e é isso que, por ao professor universitário Nuno – porque percebemos não só por ‘teste’ e da caneta vermelha na
regra, faz a diferença. Crato. Talvez por isso seja ao como os “bons resultados” a correcção por outra cor diferente;

A
mesmo tempo refrescante e Português nos exames nacionais erros ortográficos não corrigidos;
obrigação do jornalista para com o seu aterrador ler este O Ensino do são uma ilusão, como ficamos a (…) diminuição dos conteúdos
público pode beneficiar duplamente com Português, da Maria do Carmo conhecer em detalhe o processo gramaticais; anulação do exercício
a sua condição de assistente. Primeiro, Vieira, o livro que abriu a colecção de degradação dos programas e, de ditado; (…) aceitação de que
porque aumentam as obrigações do de ensaios da Fundação Francisco também, da exigência, para além termine o 1.º ciclo sem se saber
jornalista relativamente ao segredo de Manuel dos Santos. Primeiro, de sermos confrontado com a ler ou escrever com o mínimo
justiça. Depois porque, em Portugal, os obstáculos porque a autora é professora de relativa solidão de professores de correcção; (…) subestimação
ao acesso às fontes de informação são tantos que Português no ensino básico e como Maria do Carmo Vieira da Literatura e desprezo pelos
conseguir torneá-los é benéfico para todos. O caso secundário – e uma professora face, por exemplo, à ortodoxia clássicos, ‘que não se ajustam aos
Freeport deu-nos, de resto, um exemplo eloquen- apaixonada. Depois, porque das “novas pedagogias” à qual interesses dos alunos”, e por aí
te: como estávamos no Verão e havia funcionários nos relata, por dentro, o que até se rendeu a sua associação adiante. É indispensável ler.

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