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Revista Filosofia Capital


ISSN 1982 6613 Vol. 10, Edição 17, Ano 2015.

DO SISTEMA DE CONHECIMENTO DE
DESCARTES: O “EU” COMO “COISA EM SI” E A
“CONSCIÊNCIA DA CONSCIÊNCIA”

OF THE SYSTEM OF KNOWLEDGE FROM


DESCARTES: THE “ME” LIKE "THING IN ITSELF"
AND THE "CONSCIENCE OF THE CONSCIENCE"

ROSA, Luiz Carlos Mariano da1

RESUMO
Se o sentido e a finalidade da razão como instrumento de conhecimento converge para a
possibilidade de discernimento envolvendo o verdadeiro e o falso, o que se impõe ao seu
exercício não é senão um método que consiste na aplicação de determinados preceitos
destinados tanto ao entendimento como à vontade, cuja contradição caracteriza o fundamento
metafísico do erro, segundo Descartes que, conforme assinala o referido artigo, recorre a uma
dúvida que, na investigação dos fundamentos absolutos, encerra uma radicalidade que tende a
se deter nas fronteiras do próprio ato de duvidar, que implica na experiência do Cogito e traz a
prova ontológica da existência de Deus como única condição capaz de assegurar a realidade
do mundo.
Palavras-chave: Descartes. Razão. Pensamento. Dúvida. Conhecimento.

ABSTRACT
If the meaning and purpose of reason as an instrument of knowledge converges to the
possibility of discernment involving the true and the false, which is necessary to the exercise
is nothing but a method that involves the application of certain provisions intended both to
understanding how the will, whose contradiction characterizes the metaphysical ground of
mistake, according to Descartes, as noted in that article, uses a doubt, the absolute foundations
of research, contains a radical which tends to stop at the borders of the act of doubting
himself, who implies the experience of the Cogito and brings the ontological proof of God's
existence as a single condition, to ensure the reality of the world.
Keywords: Descartes. Reason. Thinking. Doubt. Knowledge.

1 Graduado em Filosofia pelo Centro Universitário Claretiano e Pós-Graduação Lato Sensu em Filosofia pela
Universidade Gama Filho, desenvolvendo atividade como professor voluntário e pesquisador independente no
Espaço Politikón Zôon - Educação, Arte e Cultura nas áreas de Educação, Epistemologia e Teoria Política. E-
mail: marianodarosaletras@terra.com.br. CV Lattes: http://lattes.cnpq.br/0084141477309738.

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Aspectos Introdutórios afastando imediatamente qualquer


possibilidade de erro provocado pela
Única faculdade que possibilita a suspensão geral do raciocínio, torna-se
diferencialidade dos homens diante dos capaz, enfim, de operacionalizar a sua
animais, segundo Descartes, a razão, sob a própria superação, convergindo a referida
perspectiva de luz natural, guardando construção filosófica para tornar a realidade
correspondência sinonímica com o bom um problema, diferentemente da concepção
senso, cuja distribuição emerge realista que dos primórdios do pensamento
equitativamente, configurando “o poder de filosófico ao século XVI configura uma
bem julgar e distinguir o verdadeiro do atitude natural à medida que considera a
falso” (DESCARTES, 1996, p. 65), se existência e realidade das coisas no mundo
impõe como um instrumento de caráter como inteligíveis em si mesmas, ou seja,
universal que, embora existente possíveis objetos de conhecimento.
inteiramente em cada humano, demanda um À atitude que até então se caracteriza
método, tendo em vista a diversidade de como realista, natural, pois não questiona a
opiniões para as fronteiras das quais existência do objeto, a realidade do mundo,
converge a inter-relação que, envolvendo os afinal, o que se impõe é a inversão do pólo
pensamentos e as coisas, constitui, pois, em de atenção, à medida que sob a
última instância, o conhecimento, cujas perspectivação moderna o sujeito
questões alcançam relevância à medida que, cognoscente, não mais o objeto conhecido,
contrapondo-se ao saber contemplativo que torna-se o horizonte para o qual converge a
impera desde a antiguidade, escapa à questão do conhecimento, que emerge
circunscrição que remete tão somente a como uma correlação que abrange aqueles
noções e princípios, enfatizando a realidade elementos (a saber, sujeito cognoscente e
que emerge como objeto de observação e objeto conhecido) que, inter-relacionados,
experimentação que, sob a leitura em se movimentam através do pensamento
referência, implica o tema da causalidade dialogando com as fronteiras da verdade,
que, embora característico do racionalismo que consiste, em suma, em que haja
escolástico, adquire um sentido concordância envolvendo o conhecimento e
mecanicista, determinante do pensamento o objeto, assinalando, enfim, que, nesta
pragmático do futuro. relacionalidade, o pensamento construído
Se resultando da impossibilidade de pelo sujeito em relação ao objeto guarde
que se estabeleça uma distinção envolvendo correspondência com o mesmo (objeto),
o verdadeiro e o falso a dúvida que o cuja conformidade, escapando à leitura que
ceticismo defende tem um fim em si a remete ao arcabouço do “critério da
mesmo, aquela proposta por Descartes se verdade”, se detém no âmbito da “definição
impõe como provisória e metódica, da verdade”, constituindo a sua essência
guardando relação com uma intenção de mesma, não servindo para possibilitar a
verdade, caracterizando-se, pois, como descoberta, no que tange ao conhecimento,
voluntária, radicalista e hiperbólica, à acerca da questão que implica a sua
medida que, respectivamente, justifica-se condição, se é verdadeiro ou não,
basicamente através de uma decisão, perfazendo antes aquilo em que consiste
objetivando a investigação dos que um conhecimento seja verdadeiro,
fundamentos da estruturalidade do tendo em vista que verdadeiro
conhecimento, alcançando uma conhecimento não é senão o conhecimento
aplicabilidade generalizada que se impõe ao verdadeiro, convergindo para as fronteiras
extremo, convertendo-se, em suma, no que encerram a noção de que o
instrumento de um pensamento crítico que, conhecimento falso não guarda o

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significado que envolve conhecimento. contrapondo-se ao critério da fé e da
Mantendo, pois, sob a perspectiva de revelação à medida que acena para o
falsidade todas as coisas, das produções dos horizonte que encerra a possibilidade da
sentidos (imaginação) às razões que dúvida que, inclinando-se contra o
emergem através das demonstrações dogmatismo, emerge através da construção
(raciocínio) – chegando ao ponto de de uma mentalidade crítica, que desenvolve
considerar que todas as coisas não são mais uma atitude polêmica diante da tradição,
verdadeiras do que as ilusões dos sonhos -, escapando à sujeição aos paradigmas da
Descartes considera até mesmo o corpo, a Igreja, tanto quanto aos pressupostos do
figura, a extensão, o movimento e o lugar aristotelismo, os quais até então reinavam
como ficções do espírito, pois se há um absolutos.
grau de dificuldade maior envolvendo a Nessa perspectiva, pois, embora o
aplicação da dúvida quanto a uma ideia pensamento de Descartes não deixe de
clara e distinta, que se imponha através de guardar indícios envolvendo o horizonte da
uma evidência indubitável, não existe, religião e o arcabouço da ordem social
contudo, nada que assegure a realidade de tradicional, alcança relevância a
qualquer coisa pensada, tendo em vista que, convergência da sua filosofia para as
no âmbito da sua estrutura como tal, o fronteiras que dialogam com elementos que
pensamento não guarda necessariamente se impõem acenando para a configuração
nenhuma correspondência entre o objeto de uma concepção nova envolvendo o
que o seu exercício contempla (objeto homem e a natureza, com cujas raízes os
pensado) e a realidade que se mantém em movimentos da sociedade dos dois séculos
sua exterioridade. seguintes permanecem inter-relacionados2.
Convergindo para as fronteiras que
apelam ao problema que envolve a Da “dúvida metódica”3 como
existência e a realidade das coisas no instrumento do pensamento crítico no
mundo, que demanda não menos do que a processo de construção do conhecimento
sua dedução, a sua demonstração ou a sua e a emergência do Cogito como princípio
construção, o que se impõe não é senão um e fundamento do conhecimento
método que, no caso em questão, Não deixando, pois, de submeter à
referencializado pela própria experiência, dúvida à sua própria existência concreta
escapa à circunscrição que remete a um como homem, à redutibilidade máxima,
corpo de regras, como o Organon de para cujo horizonte o processo em questão
Aristóteles, emergindo através de alguns converge se impõe a única coisa que
preceitos, o primeiro dos quais sendo a emerge como certa - e que somente se torna
evidência que se caracteriza como aquilo verdadeira depois da prova da existência de
que se impõe imediatamente ao espírito e
que implica ao seu assentimento, que traz
2 Alcança relevância, nessa perspectiva, o
em si a clareza e a distinção, acenando para
comentário de Hegel, que atribui à Descartes a
o horizonte da verdade, que, em suma, não condição que implica a origem da “cultura dos
tem outro signo senão ela mesma. tempos modernos, o pensamento da filosofia
Se a religião, detendo o horizonte da moderna” (HEGEL, 1971, p. 120), que encerra a
estruturalidade do saber, desde o possibilidade de conquista envolvendo a verdade às
fronteiras da reflexão.
Renascimento, se mantém envolvida em
3 À dúvida cartesiana o que se impõe não é senão
uma crise que implica do questionamento um movimento dialético, convergindo o momento
da autoridade papal ao advento do negativo que a implica para as fronteiras que
protestantismo, à destruição da sua unidade envolvem uma afirmação positiva, na qual se
se impõe o poder exclusivo da razão para converte, emergindo como fundamento do
conhecimento (Cogito), conforme a leitura de Henri
discernir, distinguir e comparar,
Lefebvre (1947).

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Deus -, a saber, “eu penso, logo existo” Não há, pois, dúvida alguma de que sou,
(DESCARTES, 1996, p. 92), que se põe se ele (enganador mui poderoso) me
como “a consciencialização da minha engana; e, por mais que me engane, não
existência como sujeito da dúvida e, por poderá jamais fazer com que eu nada
isso mesmo, como sujeito do pensamento” seja, enquanto eu pensar ser alguma
coisa. De sorte que, após ter pensado
(BARAQUIN; LAFFITTE, 2004, p. 118), bastante nisto, e ter examinado
tendo em vista que cuidadosamente todas as coisas, cumpre
enfim concluir e ter por constante que
[...] pelo fato mesmo de eu pensar em esta proposição, “eu sou, eu existo”, é
duvidar da verdade das outras coisas necessariamente verdadeira todas as
seguia-se mui evidente e mui certamente vezes que a enuncio ou que a concebo em
que eu existia; ao passo que, se apenas meu espírito (DESCARTES, 1996, pp.
houvesse cessado de pensar, embora tudo 266-267, grifos meus).
o mais que alguma vez imaginara fosse
verdadeiro, já não teria qualquer razão de
crer que eu tivesse existido; compreendi
Procurando escapar, sob o horizonte
por aí que era uma substância cuja do “eu penso, logo existo”, ao equívoco
essência ou natureza consiste apenas no envolvendo a estruturalidade do
pensar, e que, para ser, não necessita de conhecimento ora alcançado como certo e
nenhum lugar, nem depende de qualquer evidente através do referido processo, à
coisa material (DESCARTES, 1996, p. Descartes se impõe a investigação dos
92). fundamentos da perspectiva que possuía em
relação a si, segundo o que acreditava ser,
Tornando-se a dúvida relevante como em virtude da necessidade de encontrar o
conhecimento do fato de que eu duvido, que é de todo indubitável, na perseguição
não como ato, à medida que o Cogito não do qual transpõe, então, as fronteiras que
perfaz um raciocínio senão uma constatação acenam para a definição de homem como
de fato4, à primeira certeza adquirida, que animal racional, que implica uma
inaugura a cadeia das razões que emerge no multiplicidade de questões que tendem a
plano cartesiano, se impõe a perspectiva de esvaziar a problematicidade do conteúdo
que somente se caracteriza como verdadeira disposto, detendo-se, afinal, no âmbito da
cada vez que penso nela atualmente, leitura “natural”, que converge para a
servindo para justificar a natureza do eu- seguinte conclusão:
existente afirmado5.
Considerava-me, inicialmente, como
provido de rosto, mãos, braços e toda
4 O tratamento dispensado à dúvida na perspectiva essa máquina composta de ossos e carne,
de Descartes não guarda raízes senão nas fronteiras tal como ela aparece em um cadáver, a
que encerram o pensamento de Santo Agostinho,
qual eu designava pelo nome de corpo.
conforme o exposto: “Quem, porém, pode duvidar
que a alma vive, recorda, entende, quer, pensa, sabe Considerava, além disso, que me
e julga? Pois, mesmo se duvida, vive; se duvida alimentava, que caminhava, que sentia e
lembra-se do motivo de sua dúvida; se duvida, que pensava e relacionava todas essas
entende que duvida; se duvida, quer estar certo; se ações à alma; mas, não me detinha em
duvida, pensa; se duvida, sabe que não sabe; se pensar em que consistia essa alma, e, se o
duvida, julga que não deve consentir
temerariamente. Ainda que duvide de outras coisas
não deve duvidar que duvida. Visto que se não mais importante para Descartes na descoberta da
existisse, seria impossível duvidar de alguma coisa.” certeza de sua existência não é a validade formal de
(AGOSTINHO, 1995, X, 10, 14). certo raciocínio abstrato, mas sim um ato individual
5 “[...] o Cogito só representa a 'primeira verdade' de pensamento: é na realização desse ato por cada
em seu sistema no sentido de que é o primeiro mediador individual que a certeza de sua existência
elemento da existência sobre o qual podemos ter se torna evidente e indubitável.” (COTTINGHAM,
certeza [...]. É preciso ficar claro, entretanto, que o 1995, p. 44).

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fazia, imaginava que era algo de pensar não ocupa senão uma posição de
extremamente raro e sutil, como um intermediação, tendo em vista que é o que
vento, uma flama ou um ar muito tênue, possibilita a instauração da relação em
que estava insinuado e disseminado nas questão, funcionando para permitir o
minhas partes mais grosseiras. contato entre ambos.
(DESCARTES, 1996, pp. 267-268).
Se nada escapa à dúvida, afastando de
A instauração da dúvida, pois, si tudo quanto se impõe como mediato,
desestabiliza a construção em questão à Descartes descobre, pois, a identidade que
medida que Descartes recorre à hipótese do envolve o pensamento, imediato, e o
gênio maligno, que não indica senão a próprio eu, que acena para a emergência de
impossibilidade de certeza quanto a uma nova existência, a saber, “je suis une
existência dos atributos da natureza chose qui pense” (“eu sou uma coisa que
corpórea, consequentemente invalidando as pensa”)6, o ser do pensamento puro, enfim,
ações que, inter-relacionadas à alma, cuja resposta é a única possibilidade que
guardam correspondência com o corpo, a emerge na circunscrição do problema
saber, alimentar-se, caminhar e sentir, proposto, tendo em vista que o processo em
emergindo o pensamento como a única questão elimina a influência da própria
faculdade que resiste à exclusão, o imaginação.
pensamento cuja inseparabilidade, objeto da Se a substância “coisa pensante” se
reflexão proposta, permite o desvelamento impõe como “um espírito7, um
da natureza daquilo que o homem é entendimento ou uma razão”, depois da
propriamente. determinação da sua essência, Descartes
reintegra, na acepção de diferentes modos
Eu sou, eu existo: isto é certo, mas por do pensamento, tudo o que antes sofrera
quanto tempo? A saber, por todo o tempo exclusão, a saber, imaginar, sentir, querer,
em que eu penso; pois poderia, talvez, faculdades não propriamente intelectuais
ocorrer que, se eu deixasse de pensar, que, embora não pertençam à natureza do
deixaria ao mesmo tempo de ser ou de ser pensante, emergem da certeza do
existir. Nada admito agora que não seja Cogito8, pois implicam este pensamento
necessariamente verdadeiro: nada sou,
pois, falando precisamente, senão uma
6 “1º) A inseparabilidade simples do pensar e do ser
coisa que pensa, isto é, um espírito, um do pensante. Cogito, ergo sum equivale, de todo, a
entendimento ou uma razão, que são dizer: que me foi revelado na consciência
termos cuja significação me era imediatamente o ser, a realidade, a existência do Eu
anteriormente desconhecida. Ora, eu sou (Descartes declara ao mesmo tempo, expressamente
uma coisa verdadeira e verdadeiramente – Principia philosophiae, I, 9 –, que por pensar ele
existente; mas que coisa? Já o disse: uma entende a consciência em geral, como tal); e que
coisa que pensa (DESCARTES, 1996, p. essa inseparabilidade [do pensar e do ser pensante] é
269, grifos do autor). o conhecimento absolutamente primeiro, (não
mediatizado, comprovado) e o mais certo [que há].”
(HEGEL, 1995, §76)
Consistindo todo pensamento, na 7 Alma racional ou intelecto, eis o significado
acepção de fenômeno psíquico – e mais imposto por Descartes ao âmbito da filosofia
especificamente todo ato intelectual - , na moderna e contemporânea, convergindo a noção de
apreensão de um objeto, que demanda, em substância para as fronteiras envolvendo o
suma, um movimento da mente que se significado novo e o significado antigo (substância
incorpórea), se lhes mantendo uma relação de
dirige para algo, a distinção entre o ato intermediação, pois, e alcançando o status de
(pensamento) e o seu conteúdo (objeto) se consciência, o que confere o caráter de sinônimos de
impõe, convergindo para a conclusão de espírito aos termos que seguem: Substância
que se o objeto do pensamento se dispõe ao pensante, consciência, intelecto, razão.
homem através do referido exercício o ato 8 “Mas o que sou eu que existo? Só existo enquanto
me penso: sou, portanto, apenas uma coisa que

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puro. conforme minha atenção se dirija mais ou
Ao apelo do pensamento imaginativo, menos às coisas que existem nela e das
que se inclina à leitura de que as coisas quais é composta (DESCARTES, 1996,
corpóreas, expostas aos sentidos, “sejam p. 273)
mais distintamente conhecidas do que essa
não sei que parte de mim mesmo que não se Se o caso da cera demonstra que, sob
apresenta à imaginação” (DESCARTES, tal horizonte, a percepção escapa aos
1996, p. 271), Descartes propõe uma sentidos (paladar, olfato, visão, tato,
investigação envolvendo os corpos que se audição), não havendo possibilidade de que
disponibilizam ao tato e à visão, a imaginação produza o conhecimento da
exemplificando através de um pedaço de natureza dos corpos que se lhe expõem,
cera tirado da colmeia que, embora estabelecendo uma comparatividade
inicialmente possa mostrar da doçura do envolvendo a visão dos olhos e a inspeção
mel a algo do odor das flores, carregando do espírito (pensamento puro), Descartes
de maneira patente cor, figura, grandeza, recorre à construção de um cenário no qual
sendo duro, frio, chegando a produzir de uma janela olha homens que passam pela
algum som diante de um toque rua, cuja visão, da mesma maneira que se
empreendido com mais força, basta impôs à cera, se detém, contudo, ao dizê-lo,
submetê-lo ao fogo para que perca tais na perspectiva que envolve “chapéus e
características, permanecendo, afinal, a casacos que podem cobrir espectros ou
mesma cera, a mesma, o que comprova que homens fictícios que se movem apenas por
uma vez subtraídas as coisas que não molas” (IDEM), ilustração que, contudo,
pertencem a ela, nada resta senão algo de circunscreve-se às suas formas, o conteúdo
extenso, flexível e mutável. Conclusão: A das quais, a saber, os “homens
possibilidade de reconhecer a mesmidade verdadeiros”, somente se inclina à
da cera guarda relação com a sua identidade compreensão, que assim se faz, em virtude
à medida que se impõe como uma coisa do poder de julgar do espírito.
extensa. A distinção e evidência que
caracteriza a percepção à medida que se
Ora, qual é esta cera que não pode ser impõe a diferenciação da cera em relação às
concebida senão pelo entendimento ou suas formas exteriores, segundo Descartes,
pelo espírito? Certamente é a mesma que por si só, apesar de não isentar
vejo, que toco, que imagino e a mesma absolutamente o juízo de erro, é suficiente
que conhecia desde o começo. Mas o que para confirmar a superioridade do espírito
é de notar é que sua percepção, ou a ação humano, tendo em vista que a possibilidade
pela qual é percebida, não é uma visão, do conhecimento, no que concerne à
nem um tatear, nem uma imaginação, e percepção ou à imaginação, não guarda
jamais o foi, embora assim o parecesse
correspondência senão com a compreensão
anteriormente, mas somente uma
ou o reconhecimento que, por intermédio
inspeção do espírito, que pode ser
imperfeita e confusa, como era antes, ou do pensamento, implica a essência da coisa.
clara e distinta, como é presentemente,
Mas, enfim, que direi desse espírito, isto
é, de mim mesmo? Pois até aqui não
pensa. Mas enquanto coisa que pensa, posso atribuir-
admiti em mim nada além de um espírito.
me todas as modalidades do pensamento. Duvido,
imagino, concebo. Assim, imaginar é a faculdade de Que declararei, digo, de mim, que pareço
representar as figuras ou as imagens corpóreas, o conceber com tanta nitidez e distinção
que muitas vezes exige um esforço, “uma aplicação este pedaço de cera? Não me conheço a
do espírito” que o ato de conceber não requer. Este é mim mesmo não só com muito mais
o trabalho do entendimento, faculdade pela qual verdade e certeza, mas também com
percebemos as ideias.” (BARAQUIN; LAFFITTE, muito maior distinção e nitidez? Pois, se
2004, p. 118, grifos do autor)

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julgo que a cera é ou existe pelo fato de como uma “coisa que pensa”, Descartes
eu a ver, sem dúvida segue-se bem mais procura escapar à influência dos sentidos,
evidentemente que eu próprio sou, ou que tentando manter o pensamento imune ao
existo pelo fato de eu a ver. Pois pode assédio das imagens de coisas corporais,
acontecer que aquilo que eu vejo não relegando-as ao âmbito da falsidade à
seja, de fato, cera; pode também dar-se
medida que leva a efeito o plano que
que eu não tenha olhos para ver coisa
alguma; mas não pode ocorrer, quando envolve a construção do conhecimento de si
vejo ou (coisa que não mais distingo) mesmo, convergindo para a conclusão de
quando penso ver, que eu, que penso, não que se sentir e imaginar guardam relação
seja alguma coisa (DESCARTES, 1996, com coisas que em si mesmas não sejam
pp. 274-275). absolutamente nada na esfera da
exterioridade do eu, essas maneiras de
O pensar a cera, nessa perspectiva, pensar, a saber, sentimentos e imaginações,
independentemente da possibilidade ou não somente nesta acepção podem se localizar
de conhecer a sua natureza ou do meio que na circunscrição da interioridade.
viabiliza essa relação, através dos sentidos Apesar de estabelecer como regra
ou da imaginação, torna-se fundamental à geral que todas as coisas cuja concepção se
medida que converge para que Descartes impõe através da clareza e distinção são
possa constatar a sua própria existência - e todas verdadeiras, Descartes ainda dialoga
não só, mas certificar-se absolutamente de com a possibilidade de que até mesmo estas
que existe como uma “coisa que pensa”, escapem à certeza, como aquelas que se
cujo conhecimento se impõe imediatamente inclinam à percepção dos sentidos (a terra,
ao espírito, implicando o assentimento o céu, os astros), o conteúdo das quais,
deste, trazendo em si a clareza e a distinção, existente embora no âmbito do espírito, não
que acenam, pois, para o horizonte da assinala, porém, que aquilo que há na esfera
verdade que, em suma, não tem outro signo da exterioridade do eu se impõe como a raiz
senão ela mesma. de uma ideia, perfazendo, nessa
Se os pensamentos não são outra perspectiva, uma relação de absoluta
coisa que eu pensando, como ser pensante, semelhança entre ambas (coisa e ideia),
à medida que guardam proximidade de leitura que esconde, no tocante ao processo
modo imediato em relação a mim, de construção do conhecimento, o
confundindo-se, pois, com meu próprio eu, verdadeiro engano.
tendo em vista a condição de imediatez que Recorrendo, no entanto, ao âmbito da
os caracteriza como indubitáveis, Aritmética e da Geometria, cujos casos se
convergindo, simultaneamente, para as impõem como inquestionáveis, emergindo
fronteiras que encerram a unidade do eu, através de ideias claras e distintas,
em cuja construção se fundem, o que se verdadeiras, pois, a dúvida proposta guarda
impõe, nessa perspectiva, não é senão o correspondência, segundo Descartes, com a
alcance do conhecimento da existência e da possibilidade da própria natureza do eu se
natureza do meu espírito, enquanto que, inclinar ao engano, carregando tal
conforme expõe o caso da cera, que encerra tendência, ou mesmo, antes, do soberano
uma concepção que depende da faculdade poder de um Deus sujeitar à ilusão o
pela qual as ideias são percebidas pensamento no processo de construção do
(entendimento), o meu pensamento me conhecimento, o fato é que
proporciona apenas a ideia clara e distinta
dos corpos, que implicam uma existência [...] ainda assim jamais poderá fazer que
que ainda se mantém sob a égide da eu nada seja enquanto eu pensar que sou
problematicidade. algo; ou que algum dia seja verdade que
Nessa perspectiva, pois, assumindo-se eu não tenha jamais existido, sendo
verdade agora que eu existo; ou então

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que dois e três juntos façam mais ou propriamente como ideia, os quais
menos do que cinco, ou coisas emergem como as imagens das coisas (que
semelhantes, que vejo claramente não envolve o processo de representação) -
poderem ser de outra maneira senão comparação que acena para o horizonte da
como as concebo (DESCARTES, 1996, função da ideia, além daqueles que
p. 279).
carregam outras formas, engendradas
Se o Cogito se impõe, nessa através de uma determinada ação (querer,
perspectiva, como o único fundamento para temer, afirmar ou negar) inter-relacionada à
a ciência, a razão da dúvida que traz como ideia em referência, que convergem, enfim,
argumento a existência de um Deus para o âmbito das fronteiras das vontades
enganador, caracterizada pela fragilidade – ou afecções, e outros juízos, classificação
e circunscrita embora às fronteiras da que possibilita a organização de dois
metafísica -, demanda, sem prejuízo da grupos, a saber, as ideias e os conteúdos
“cadeia das razões” instaurada, uma que trazem, pois, concernente a estas, o
investigação que se detenha tanto na acréscimo de uma ação do espírito.
questão que envolve a possibilidade de As ideias, por si próprias, escapando à
haver um Deus como no problema da qualquer tipo de relação que as envolva,
condição de que este Deus não seja não se inclinam à falsidade, propriamente,
enganador, formulando provas que guardando os conteúdos que encerram
reclamam fundamentos que não escapem confiabilidade à medida que,
aos dados que porventura estejam no independentemente do objeto do
âmbito do referido processo. pensamento, se é uma cabra ou uma
quimera, como explica Descartes, “não é
menos verdadeiro que eu imagino tanto
Da investigação das ideias e o seu valor
uma quanto a outra” (DESCARTES, 1996,
objetivo na experiência do Cogito: a
p. 280), perspectiva que se aplica também
consciência da finitude e o princípio de
às afecções ou vontades, pois jamais é
causalidade como base da ideia de
menos verdade o seu desejo, ainda que este
perfeição
remeta à coisas más, ou mesmo
Quando posteriormente o pensamento inexistentes, excluindo-se os juízos desta
passa em revista as diversas ideias ou leitura à medida que, embora enquanto
noções que estão em si aí encontra a conteúdos de pensamento sejam tão certos
noção de um ser onisciente, todo- como os outros, o erro consiste no
poderoso e extremamente perfeito [e julgamento de que há uma relação de
facilmente julga, através do que apreende semelhança ou conformidade entre as ideias
em tal ideia, que Deus, que é esse Ser que se impõem à minha interioridade e as
todo perfeito, é ou existe: com efeito, coisas que se mantém em minha
embora o pensamento possua distintas
exterioridade, ou seja, refere-se à afirmação
ideias de muitas outras coisas, não
ou à negação infundada de que o conteúdo
encontra nada que o certifique da
existência do seu objeto] e observa nessa da ideia corresponde a uma realidade fora
ideia não-somente uma existência dela, ou ainda, prescindindo do exame
possível, mas absolutamente necessária e prévio relacionado ao conteúdo de uma
eterna (DESCARTES, 1997, p. 32). ideia, envolve a afirmação ou a negação de
que o conteúdo em questão (“realidade
Detendo-se na investigação dos objetiva”) detém um valor objetivo.
pensamentos, Descartes primeiramente os “Ora, destas ideias, umas me parecem
distingue em gêneros, procurando ter nascido comigo, outras ser estranhas e
identificar os indícios de verdade ou erro, vir de fora, e as outras ser feitas e
definindo aqueles que se impõem inventadas por mim mesmo”

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(DESCARTES, 1996, p. 281). Entendendo- quais, na acepção que envolve
se por ideias tudo o que está presente no determinadas formas de pensar, não se
espírito, tudo o que o nosso espírito impõem entre si à qualquer diferença ou
concebe, Descartes encontra as ideias desigualdade, como imagens, no entanto,
adventícias (ou sensíveis), que se impõem guardam diferencializações relevantes,
através do exterior, e as ideias factícias segundo Descartes, pois “aquelas que me
(inventadas, como a ideia de quimera), representam substâncias são, sem dúvida,
além daquelas que não vêm por intermédio algo mais e contêm em si (por assim falar)
dos sentidos e da experiência, as ideias mais realidade objetiva, isto é, participam,
inatas, que estão “naturalmente nas nossas por representação, num maior número de
almas”, emergindo como naturezas graus de ser ou de perfeição do que aquelas
verdadeiras e imutáveis, germes de verdade, que representam apenas modos ou
em suma. acidentes” (DESCARTES, 1996, p. 283).
Detendo-se, no âmbito da Se a diferença entre os conteúdos,
investigação das ideias que aparentemente escapando à designação que a circunscreve
se impõem através dos objetos localizados aos conteúdos mesmos, enquanto tais,
na exterioridade do eu, nas razões que envolve antes os seus graus de ser ou de
emergem estabelecendo uma relação de perfeição, a qual, nessa leitura, assinala um
semelhança entre ambos (ideias e objetos), bem que, pertencendo pois ao ser, se se lhe
Descartes obtém uma conclusão que impõe naturalmente possuir, conforme o
converge para o ensino da natureza, objeto representado, Descartes, recorrendo
primeiramente, tanto quanto para a ao princípio de causalidade 9, cujo valor se
independência que guardam em face da impõe tanto no caso de uma “realidade
intervenção da vontade, pois se este último atual ou formal” quanto no caso de uma
caso escapa à possibilidade de “realidade objetiva”, à medida que examina
demonstração de que essas ideias mantêm as ideias, inclusive as que carregam clareza
certamente correspondência com uma coisa e distinção, procurando alguma dentre estas
que implica uma condição de exterioridade que porventura apresente um valor objetivo,
em relação a mim, a diferencialização não encontra senão a ideia de Deus, que
daquele, na acepção de instinto contém um máximo de realidade objetiva,
pretensamente “natural”, da luz natural (que remetendo necessariamente a uma causa
carrega a capacidade de estabelecer a que conterá, no mínimo, um máximo
distinguibilidade entre o verdadeiro e o absoluto de realidade formal.
falso), converge para a impossibilidade da Nessa perspectiva, pois, se a
aplicação de confiança na inclinação que investigação em questão converge para as
propõe.
Nessa perspectiva, pois, supondo que 9 “O raciocínio cartesiano supõe o que se pode
a origem das ideias corresponda aos objetos designar como o princípio da 'não-inferioridade' da
causa – segundo este princípio, a causa de algo que
que se impõem através da exterioridade do
possui um determinado grau de perfeição deve ter
eu, Descartes elimina a possibilidade perfeição igual ou superior à da coisa causada em
envolvendo uma relação de semelhança questão (...). Por que este princípio seria verdadeiro?
entre ambos, transpondo a “via” do senso Ao que parece, Descartes pressupõe, implicitamente,
comum à medida que a sua leitura assinala um modelo de causalidade no qual as causas passam
ou transmitem propriedades aos efeitos, dizendo-se
que o juízo concernente à origem (X é
então que estes extraem suas características das
causa de Y) não serve como um causas. E isso por sua vez pressupõe que há certos
fundamento que possibilite, de forma tipos de relação de semelhança entre causas e efeitos
alguma, o exercício do juízo em relação ao – nos termos da máxima tradicional à qual, segundo
valor objetivo (Y assemelha-se a X). consta, Descartes ter-se-ia reportado em tom
aprovativo: “o efeito se assemelha à causa” […].”
Detendo-se apenas nas ideias, as
(COTTINGHAM, 1995, p. 28)

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fronteiras da ideia de Deus, a descoberta do concebe, hipótese que se impõe como
valor objetivo que esta detém acena para o absurda à medida que há mais dificuldade
horizonte da primeira prova da existência quanto a criação de uma substância (mesmo
de Deus pelos efeitos, cuja verdade se finita) do que em relação à atribuição de
impõe ao Cogito invalidando o poder do perfeições que jamais são algo exceto
Grande enganador à medida que Deus se acidentes, de maneira que se não há
torna a garantia quanto à veracidade das condições de que as perfeições que o
ideias claras e distintas, tendo em vista que pensamento carrega sejam produzidas se
a leitura cartesiana mostra que a noção do tornar o autor do próprio ser tampouco cabe
infinito se sobrepõe à do finito, motivo pelo ao princípio ora aplicado.
qual há possibilidade do conhecimento que Se a própria possibilidade da
envolve a dúvida e o desejo, que guardam existência do ser sem causa é invalidada
relação com a ausência de algo e com a pela perspectiva que envolve a
exclusão da perfeição, tanto quanto, antes, descontinuidade e a independência dos
com a comparação da natureza humana momentos do tempo, pois implicam a
com um ser mais perfeito ao qual remete. necessidade que demanda a sua
Contrapondo-se ao argumento de que conservação, em cada instante, através de
a intelecção do infinito emerge através da uma causa, tendo em vista a leitura que traz
negação da limitação, pois esta, que como fundamento que o eu não é nada mais
estabelece a diferencialização envolvendo o do que uma coisa pensante, que assinala,
finito daquele é não-ser ou negação do ser, em suma, que uma substância reclama, em
que jamais encerra a possibilidade de função da necessidade de se manter no
produzir o conhecimento do que é, decorrer do tempo (durante), o mesmo
Descartes defende a clareza e a distinção poder e a mesma ação, necessário para
desta ideia que contém em si mais realidade produzi-la e criá-la de novo, convergindo
objetiva do que qualquer outra, não para a conclusão da dependência em relação
havendo “nenhuma que seja por si mais a algum ser diferente, que, existindo por si -
verdadeira nem que possa ser menos e impondo-se necessariamente que deve
suspeita de erro e de falsidade” causar-se com todas as perfeições de que
(DESCARTES, 1996, p. 290). tenho ideia -, não pode ser outro senão
À possibilidade de supor a Deus.
inexistência de tal ser, de acordo com a Nessa perspectiva, pois, concebendo
leitura em questão, se impõe a incapacidade como uma das principais perfeições que se
de fingir que a sua ideia não representa impõem a Deus a unidade, a simplicidade
nada de real, convergindo para a conclusão ou a inseparabilidade de todas as coisas
de que tudo o que o espírito concebe clara e existentes nele, que permanece inter-
distintamente de real e de verdadeiro, relacionada à mesma causa que encerra as
alguma perfeição contendo em si, ideias de todas as outras perfeições,
circunscreve-se inteiramente à essa ideia, Descartes demonstra a existência de Deus,
ainda que não haja compreensibilidade ideia cuja aquisição escapa aos sentidos,
quanto ao infinito, cuja natureza escapa ao tanto quanto à pura produção ou ficção do
finito e limitado, tornando-se, pois, para espírito, não havendo alternativa senão
este, inapreensível, enfim. considerá-la como inata tal como a ideia de
A questão que envolve a si, pois nasce e é produzida com o ser desde
possibilidade do ser existir por si, na qual o momento da criação.
Descartes se detém então, acena para a Detendo-se na questão do valor
compreensão de que, se assim fosse, todas objetivo das ideias, tanto quanto no
as coisas que se mantêm contidas na ideia princípio de causalidade, que encerra a
de Deus participariam da natureza que o noção de que não há possibilidade de existir

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maior realidade objetiva no efeito do que na quais participa, enfim, não descobrindo
causa, leitura que indica que se ao infinito nenhuma causa de erro ou falsidade,
cabe a possibilidade de produção da sua segundo a primeira, mas, de acordo com a
própria ideia ao pensamento do infinito o segunda, exposto a uma infinidade de
que se impõe necessariamente não é senão faltas.
uma causa infinita da qual emerge então Escapando, no entanto, à perspectiva
como expressão, a investigação cartesiana, que define a existência do erro como
à medida que põe Deus como causa de si, simples falta de ser, Descartes procura uma
autor do ser e soberanamente perfeito, explicação que corresponda aos princípios
converge para a conclusão que assinala a do referido raciocínio, concluindo que, mais
sua existência, primeiramente, e, do que uma negação, ele se impõe como
consequentemente, a impossibilidade de uma privação, tratando-se, pois, de uma
que seja enganador. “imperfeição positiva”, que possibilita,
Às coisas corporais (sensíveis ou então, uma justificativa que dialoga com a
imagináveis) Descartes impõe aquelas que incompreensibilidade de Deus, trazendo
são puramente inteligíveis, cujo como fundamento a questão ora proposta:
conhecimento alcança uma possibilidade “E por certo não há dúvida de que Deus só
que escapa àquelas, tornando-se a ideia que pode me ter criado de tal maneira que
envolve o espírito humano mais distinta do jamais eu pudesse enganar-me; é certo
que qualquer outra que porventura guarde também que ele quer sempre aquilo que é o
relação com os sentidos, emergindo Deus, melhor: ser-me-á, pois, mais vantajoso
nesse contexto, como um ser cuja falhar do que não falhar?” (DESCARTES,
possibilidade de conhecer se sobrepõe ao 1996, p. 299).
próprio Eu pensante, tendo em vista que, À questão que envolve a perfeição
remetendo à incompletude e à dependência, das obras de Deus, Descartes impõe o
a dúvida demanda a completude e a argumento que acena para a impropriedade
independência que somente Deus encerra, a da perspectiva que se detém na leitura de
ideia do qual se expõe, então, trazendo uma única criatura separadamente, tendo
distinção e clareza, a despeito da em vista que a percepção da imperfeição
incompreensibilidade que carrega. que porventura emerge desta somente se
circunscreve ao âmbito da verdade em
Do fundamento metafísico do erro: a relação àquele que a prescreve, escapando,
contradição entre a liberdade infinita e o portanto, ao exame que implica a
entendimento finito totalidade, o conjunto do Universo, diante
Convergindo, pois, para as fronteiras do qual o que parece imperfeito não o é,
que interseccionam duas teses mas apresenta-se perfeito em sua natureza.
aparentemente contraditórias, aquela que Nessa perspectiva, pois, investigando
envolve a ideia de que a criação do ser se os erros cuja existência não se impõe senão
impõe a um Deus que escapa à condição de como testemunho da sua própria
enganador, posto que perfeito, e aquela que imperfeição, Descartes os relaciona a duas
indica a possibilidade da sujeição do ser ao causas, a saber, o poder de conhecer
erro e à inclinação ao mal, Descartes (entendimento) e o poder de escolher (livre-
recorre, à medida que pretende garantir o arbítrio, vontade), faculdades às quais
conhecimento das outras coisas do recorre a fim de mostrar que não há
Universo através do horizonte da qualquer privação que, por assim dizer,
veracidade de Deus, à justificativa que advenha de Deus, no sentido que remete à
apela à inter-relação no pensamento de uma “uma imperfeição em Deus, pois se não há
ideia real e positiva de Deus (perfeição) e razão alguma que possa provar que Deus
certa ideia negativa do nada (não-ser), das devesse conferir mais capacidade ao

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entendimento (diante do qual emergem atrelada à operação que procede do ser,
coisas incognoscíveis de direito), a questão escapando, nesse caso, ao âmbito do poder
do livre-arbítrio tampouco a demanda, que em si carrega tal como concedido por
tendo em vista a infinidade da vontade que, Deus e na medida em que ela depende dele,
evocada quanto à grandeza primeiramente, emergindo como “imperfeição”, sim, de
define a semelhança humana com Deus à modo algum embora produzida por Deus,
medida que se constitui, em ambos, um pois, se de acordo com a perspectiva do ser
poder de caráter absoluto envolvendo o sim trata-se de “privação” ou “imperfeição
e o não. positiva”, segundo a perspectiva de Deus
Se o poder da vontade não traz em si não se detém senão nas fronteiras que
a causa dos erros, que escapam também ao encerram negação ou limitação.
âmbito do entendimento, posto que a
concepção que se impõe através deste não Quanto à privação, que consiste na única
se desenvolve senão como necessária qual razão formal do erro e do pecado, não
é, pois, a sua origem, afinal? tem necessidade de nenhum concurso de
Deus, já que não é uma coisa ou um ser e
A saber, somente de que, sendo a vontade que, se a relacionamos a Deus como à
muito mais ampla e extensa que o sua causa, ela não deverá ser chamada
entendimento, eu não a contenho nos privação mas somente negação, segundo
mesmos limites, mas estendo-a também o significado que se atribui a essas
às coisas que não entendo; das quais, palavras na Escola (DESCARTES, 1996,
sendo a vontade por si indiferente, ela se p. 305).
perde muito facilmente e escolhe o mal
pelo bem ou o falso pelo verdadeiro. O Se Deus poderia efetivamente
que faz com que eu me engane e peque impossibilitar a emergência do erro na
(DESCARTES, 1996, p. 303). natureza humana, conservando embora a
sua liberdade e o seu conhecimento
Eis o mecanismo do erro, cuja limitado, à medida que conferisse ao
possibilidade se detém na “indiferença” da entendimento uma clara e distinta
vontade que, embora fundamentalmente inteligência das coisas que se impõem à
“indiferente”, se expressa sobre aquilo que, deliberação, ou então, se houvesse atribuído
inteira ou suficientemente, escapa ao à memória a capacidade de resolução no
entendimento, constituindo-se, nessa sentido de jamais exercer um juízo acerca
perspectiva, “privação”, pois envolve a de alguma coisa que escapa à clareza e à
formulação de um juízo diante de uma coisa distinção, a permissão dos defeitos não o
que ainda não se impõe com suficiente culpabiliza, segundo Descartes, que recorre
clareza e distinção, tendo em vista que às relações que envolvem o todo e as partes,
supõe a garantia do que não é verdadeiro 10. acenando para o horizonte dos fins, embora
Se a privação, que constitui a forma impenetráveis.
do erro, guarda correspondência com o mau Reter a vontade, circunscrevendo-a ao
uso do livre-arbítrio, não se impõe senão âmbito do conhecimento que ora se impõe,
escapando à formulação de juízos que não
10 Tese que remete à doutrina que emerge do se incline senão sobre as coisas que
pensamento de Ockham, que afirma que “o emergem no entendimento sob o horizonte
assentimento da vontade deve necessariamente da clareza e da distinção, cuja concepção
seguir-se à evidência intuitiva dos primeiros
princípios da demonstração, ou das verdades
encerra algo de real e positivo, não havendo
empíricas ou conclusões das demonstrações; por possibilidade de que traga o nada como
outro lado, pode se dar assentimento ao que é fundamento, mas Deus, ser soberanamente
desprovido de qual- quer evidência (Jbid., II, q. 25, perfeito, eis a conclusão para a qual, à
Y); nesses casos, determina-se a possibilidade de medida que investiga a causa das falsidades
erro.” (ABBAGNANO, 2007, p. 343, grifo do autor)

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e dos erros, Descartes converge, sintetizada questão que envolve a existência de Deus,
pela leitura que mostra que as ideias claras que, “legível em sua essência”, não detém
e distintas têm um valor objetivo menos certeza do que as verdades
imediatamente certo. matemáticas, mas tampouco o é mais,
Detendo-se no exame da essência das mantendo-se no mesmo plano dessas
coisas materiais, Descartes primeiramente verdades essenciais que escapam à dúvida
procura estabelecer diferenciação, dentre as natural, tendo em vista que, caracterizando
ideias que as trazem, aquelas que carregam ambas, trata-se de um tipo idêntico de
distinção daquelas que são confusas, certeza, a saber, espontânea e ingênua, que
inclinando-se então sobre a “quantidade emerge configurando a condição de
contínua”, que abrange a extensão, largura inseparabilidade que determina a relação
e profundidade, além das partes diversas que envolve, nessa perspectiva, essência e
que se impõem à enumeração, cada uma existência.
das quais encerrando, por sua vez,
grandezas, figuras, situações e movimentos […] quando penso nisso com maior
(sujeitos a toda espécie de duração), cujas atenção, verifico claramente que a
coisas se dispõem ao conhecimento como existência não pode ser separada da
essência de Deus, tanto quanto da
distintas não só através de uma leitura que essência de um triângulo retilíneo não
as mantém sob o âmbito geral, mas também pode ser separada a grandeza de seus três
diante daquela que as investiga de modo ângulos iguais a dois retos ou, da ideia de
particularizado, procedimento que uma montanha, a ideia de um vale; de
possibilita, enfim, a concepção de uma sorte que não sinto menos repugnância
infinidade de especificidades referentes aos em conceber um Deus (isto é, um ser
números, às figuras, aos movimentos, que à soberanamente perfeito) ao qual falte
medida que emergem como verdades, existência (isto é, ao qual falte alguma
trazem tanta evidência que não acenam perfeição), do que em conceber uma
senão para a conclusão de que tal percepção montanha que não tenha vale
envolve aquilo que o espírito já encerrava (DESCARTES, 1996, p. 312).
em si, guardando a descoberta em questão o
Se, no tocante a análise em questão,
sentido de recordação.
recorrendo à exemplificação da leitura que
Nessa perspectiva, pois, Descartes
envolve Deus (com existência) e montanha
destaca as ideias das coisas que, embora
(com vale), Descartes conclui que o
talvez escapem à qualquer tipo de
pensamento não impõe às coisas qualquer
existência no âmbito exterior ao
tipo de necessidade, tendo em vista a
pensamento, se impõem a este, não
possibilidade da construção de um cavalo
havendo possibilidade de que sejam
alado através da imaginação, ainda que não
reduzidas a nada, pois detêm naturezas
haja nenhum que exista dessa forma,
verdadeiras e imutáveis, caracterizando-se
objeção que não se justifica, porém,
como independentes do espírito, não
tornando-se improcedente à medida que a
passíveis de simulação e invenção, como o
impossibilidade de se conceber uma
demonstra o caso do triângulo, objeto da
“montanha sem vale” não serve como
referência da investigação em questão, que
confirmação quanto à sua existência como
converge para a noção de que “as ideias das
tal, mas somente como condição da
essências matemáticas não são, portanto,
inseparabilidade de ambos, a montanha e o
simuladas nem provenientes do sensível”,
vale, no caso, tanto quanto em relação a
correspondendo, em suma, enquanto
Deus e a existência.
detentoras de clareza e distinção, a algo.
“Pois não está em minha liberdade
Diante do valor objetivo das ideias
conceber um Deus sem existência (isto é,
claras e distintas, Descartes impõe a

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um ser soberanamente perfeito sem uma a mudança de opinião, caso o conhecimento
soberana perfeição), como me é dada a da existência de Deus não se impusesse
liberdade de imaginar um cavalo sem asas como fundamento, sem o qual jamais
ou com asas.” (DESCARTES, 1996, p. haveria uma ciência verdadeira e certa, mas
313). Se a concepção de que para Deus, ser somente opiniões vagas e inconstantes.
soberanamente perfeito, se impõe
necessariamente a existência, reconhecida, Do problema da existência das coisas
nessa leitura, como perfeição, não é senão, materiais e o reconhecimento da sua
no tocante à ideia de Deus, uma essência possibilidade
que se lhe guarda correspondência, À questão que envolve a existência
convergindo para a inseparabilidade de das coisas materiais, Descartes impõe o
ambas, a saber, essência e existência, à reconhecimento da sua possibilidade, que
medida que se sobrepõe ao sentido de guarda relação com a emergência das ideias
representação, perfazendo uma relação que claras e distintas envolvendo as suas
traz a emergência de uma essência essências, escapando à dúvida o poder de
necessária, não se detendo nas fronteiras Deus no tocante à produção de tudo quanto
que encerram a noção que implica uma se detém no âmbito da capacidade humana
existência em ideia circunscrita ao conceber com distinção, inclusive porque o
pensamento. exame da imaginação acena para o
À ideia de Deus, segundo Descartes, horizonte da probabilidade, tendo em vista
o que se impõe não é senão uma condição que a operação que desenvolve se inclina
que a encerra como a primeira e principal para um corpo que se expõe como
no que concerne aquelas que emergem intimamente presente, existente, portanto.
como inatas, convergindo para a sua Demonstrando, através das
caracterização como o fundamento da exemplificações que envolvem do triângulo
certeza de todas as outras coisas, inclusive ao quiliógono, além do pentágono,
das essências matemáticas, à medida que comparando as suas figuras, a finitude da
emerge como algo que por si contém tanta imaginação (que demanda contenção de
evidência, clareza e distinção que chega a espírito) e a “infinitude” do entendimento
abranger a existência necessária ou eterna, (pura intelecção), Descartes se detém na
tendo em vista que em nenhuma outra diferencialidade que emerge entre ambas,
concepção a existência pertence convergindo para a conclusão de que aquela
necessariamente à essência, como nesta, não se impõe de modo algum como
que envolve Deus, e não mais do que um necessária à natureza humana (ou à essência
que, implicando a noção da eternidade, do espírito), pois caracteriza-se como
dialoga com a anterioridade, tanto quanto dependente de algo que guarda
com o futuro, detendo uma infinidade de diferenciação em relação ao espírito,
atributos que, afinal, escapam à indício que embora sirva como prova da
possibilidade de diminuição ou mudança. existência dos corpos, demanda, enfim,
Nessa perspectiva, pois, Descartes para alcançar a condição de explicação
mostra que se a clareza e a distinção se verdadeira, uma comprovação que por ora
impõem configurando uma compreensão escapa, mas para a qual a investigação em
que, no tocante á uma determinada coisa, se questão acena, à medida que a análise da
inclina para o campo da verdade, a natureza sensação se põe, dialogando com as coisas
humana carrega a possibilidade de perder a expostas à apreensão dos sentidos,
referencialidade das razões que acenam especificamente sob o horizonte que
para tal horizonte, tornando-se capaz de se encerra o eu unido a um corpo, que, nessa
deter nas fronteiras de outras que perspectiva, possibilitando o curso das
porventura se exponham, convergindo para ideias que carregam as qualidades

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sensíveis, as torna as únicas que própria e corpo como um deles, pois
imediatamente se oferecem ao sentir, de diferencializando-se da essência, “uma
acordo com os seguintes motivos: a coisa que pensa”, inextensa, impõe-se, pois,
“coerção”, “vivacidade particular das ideias através de uma ideia distinta, “coisa extensa
sensíveis”, o grau de importância aparente e que não pensa”, assumindo a alma, nessa
das ideias sensíveis, a inseparabilidade do perspectiva, a condição que acena para a
próprio corpo (se comparado com a possibilidade de “ser ou existir sem ele”.
condição em relação aos demais), a Se há possibilidade, no tocante a si,
capacidade de sentir afecções e apetites (por da construção de uma concepção clara e
intermédio do corpo, do qual assim se distinta sem a intervenção das faculdades
constrói a sua noção), a possibilidade de de imaginar e de sentir, estas, por sua vez,
sentir prazer e dor (que guarda dependência dependem da substância inteligente,
quanto às partes do corpo), o vínculo demonstrativo da distinguibilidade delas em
estabelecido entre a fisiologia e a alma relação à essência, raciocínio que permite o
(contrações do estômago e fome). exame daquelas que envolvem o
Examinando da capacidade de sentir movimento, que demandam uma substância
afecções e apetites à possibilidade de sentir corpórea e extensa, segundo Descartes que,
prazer e dor, além do vínculo estabelecido dessa maneira, estabelece a distinção dos
entre a fisiologia e a alma, Descartes se modos das substâncias (a saber, extensa e
detém nas relações que envolvem o inteligente), convergindo a sua leitura para
sentimento de dor e a tristeza do espírito, o o reconhecimento de uma sensibilidade
sentimento de prazer e a alegria, a emoção passiva, encarregada de receber e conhecer
do estômago (fome) e a vontade de comer, as ideias das coisas sensíveis, que depende
a secura da garganta e o desejo de beber, de uma faculdade ativa, que guarda
diante das quais não se impõe outra razão capacidade no que tange a sua formação e
senão que trazem o ensinamento da produção.
natureza como fundamento, tendo em vista
a inexistência de qualquer compatibilidade Ora, essa faculdade ativa não pode existir
ou correspondência entre os fenômenos em em mim enquanto sou apenas uma coisa
que pensa, visto que ela não pressupõe
questão, segundo a sua leitura, que assinala
meu pensamento, e, também, que essas
que esta explicação serve também para ideias me são frequentemente
todas as demais coisas que se inclinam, no representadas sem que eu em nada
tocante aos objetos dos sentidos, ao juízo, contribua para tanto e mesmo, amiúde,
pois a sua formulação forma-se antes da mau grado meu; é preciso, pois,
consideração de quaisquer razões que necessariamente, que ela exista em
porventura possam engendrá-lo, não se alguma substância diferente de mim, na
tratando senão de “pré-juízos”, sob cujo qual toda a realidade que há
horizonte encerra todas as experiências dos objetivamente nas ideias por ela
sentidos à medida que recorre ao argumento produzidas esteja contida formal ou
do sonho, que as desestrutura através da eminentemente […] (DESCARTES,
dúvida, insinuando, nessa perspectiva, a 1996, p. 327).
hipótese de uma faculdade que produzisse
Nessa perspectiva, a faculdade em
as ideias sensíveis.
referência (ativa), demandando uma
No entanto, o conhecimento da
substância que escapa à essência, posto que
existência de Deus - cujo ato produtivo não
emerge em sua exterioridade, impõe, em
pode deixar de guardar relação com todas
virtude do princípio de causalidade, ou algo
as coisas que se impõe com clareza e
mais “nobre” do que o corpo (causa
distinção ao pensamento - possibilita a
eminente), ou o próprio corpo (causa
análise dos dados sensíveis, emergindo o

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formal), não restando senão a segunda reduz a substância composta humana ao
opção, tendo em vista que a primeira corpo físico (ou ao animal-máquina),
violaria o princípio da veracidade divina. tornando-se incompatível com a união
Conclusão: “E, portanto, é preciso substancial, leitura que emerge no exame
confessar que há coisas corpóreas que em questão convergindo para a explicação
existem” (DESCARTES, 1996, p. 327). da razão pela qual Deus não impede o seu
Se a percepção dos sentidos caráter falível e enganador, que não se
caracteriza-se pela obscuridade e confusão, mostra senão pela própria
o valor objetivo da verdade sensível, incompatibilidade das duas esferas que se
mínimo que seja, não se esgota através da unem, a saber, o corpo (divisível) e o
simples atestação da existência dos corpos, espírito (indivisível), que embora se incline
tendo em vista que a possibilidade que à constatação e descrição, escapa, enfim, à
envolve a falsidade dialoga com a compreensibilidade.
faculdade que se impõe à devida correção,
cuja constatação converge, então, para a Aspectos Conclusivos
conclusão de que a existência de Deus, que Se, quanto aos costumes, às opiniões,
como tal não encerra engano, permite a mesmo incertas, convêm às vezes assumir
confiabilidade quanto aos meios de como se fossem indubitáveis, segundo a
conhecer as coisas com certeza. fala de Descartes, à investigação da verdade
Se às percepções dos sentidos se se impõe o princípio oposto, a rejeição de
impõem as influências dos demais corpos tudo aquilo que guarda indícios de dúvida
que o circundam, embora o conhecimento como absolutamente falso, a fim de que
da existência destes possa guardar relação porventura possa encontrar algo que escape
com o ensino da natureza, tendo em vista a à sua circunscrição, em um processo que à
incorporação de alguns dados através de um medida que atribui falsidade, das produções
juízo inconsiderado, que carrega a dos sentidos (imaginação) às razões que
possibilidade da falsidade, a verdade dessas emergem através das demonstrações
coisas somente se põe diante do espírito, (raciocínio) – chegando ao ponto de
escapando, pois, ao composto antes considerar que todas as coisas não são mais
mencionado (a saber, envolvendo espírito e verdadeiras do que as ilusões dos sonhos -,
corpo), diante do qual os sentimentos ou converge para a conclusão de que pelo
percepções dos sentidos funcionam a fim de menos o que pensa é alguma coisa,
significar ao espírito a conveniência ou mantendo-se imune à suspeita que se impõe
nocividade que em relação a ele (composto, à qualquer outra, tornando-se a dúvida
no caso) as coisas trazem, não se relevante como conhecimento do fato de
constituindo como legítimo, afinal, o que eu duvido.
emprego dos dados sensíveis na construção Encontrando os seus limites no
do conhecimento. próprio ato de duvidar, o pensamento em
No tocante à possibilidade da ato, a dúvida radical converge para a
existência do erro transmitido pelo seu emergência da primeira certeza, o Cogito,
ensinamento, impõe-se a conclusão de que que inaugura a “cadeia de razões” que,
a natureza humana não detém o segundo a concepção que envolve uma
conhecimento integral e universal de todas 'mathesis universalis' capaz de resolver
as coisas, tendo em vista a sua finitude, que indiferentemente todos os problemas,
não possibilita senão “um conhecimento de carrega a possibilidade de tornar o
uma perfeição limitada”, segundo desconhecido um termo que será
Descartes, que esclarece que a expressão necessariamente descoberto através de uma
“minha natureza” não se restringe ao corpo construção que se impõe, pois, a partir do já
material como máquina, concepção que conhecido, do primeiro elo que a ele

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conduza, tendo em vista a leitura que sujeito produz a certeza de que duvida,
remete à uma ordem natural caracterizando tanto quanto de que vive e pensa,
a progressão do saber. perfazendo um pensamento cuja tendência
Ao conhecimento como um processo emerge da leitura de Tomás de Aquino e
envolvendo uma relação de identificação alcança, na mesma época de Descartes,
com o objeto, o que se impõe é o princípio Campanella, em cuja perspectiva o
que atribui à ideia a condição que a encerra princípio em questão assinala a
como único objeto imediato que se lhe está sobreposição da “noção inata de si” no
disposto, convergindo para a perspectiva tocante à qualquer outro tipo de
que implica que a existência da ideia no conhecimento, a leitura de Descartes
âmbito do pensamento e a existência do implica, em suma, em uma formulação que
objeto representado não guardam consiste em um postulado metodológico
necessariamente correspondência, que se impõe à filosofia da consciência, não
configurando uma tendência que sobrepõe à escapando a sua validez nem mesmo aos
assimilação ou identidade da ideia no que que não o reconhecem dessa forma, tais
tange ao objeto conhecido a assimilação e a como, entre outros, Locke e Kant, além de
identidade da ordem das ideias no tocante à Husserl e Heidegger 12.
ordem dos objetos conhecidos11. “Pela palavra pensamento entendo
Se o problema do eu emerge do tudo quanto ocorre em nós de tal maneira
sistema de conhecimento cartesiano e que o notamos imediatamente por nós
alcança, a partir de então, a condição de próprios; é por isso que compreender,
objeto da investigação filosófica, querer, imaginar, mas também sentir, são as
convergindo para o horizonte que o encerra mesmas coisas que pensar.”
sob a acepção de consciência, que implica (DESCARTES, 1997, p. 29-30). À
relação consigo mesmo, subjetividade, em condição de paternidade do idealismo
suma, ao princípio da verdade o que se moderno, que se lhe atribui o Cogito como
impõe, através da experiência do Cogito, base de sua dedução metafísica, o que se
não é senão a certeza que o eu alcança no impõe, sobrepujando o reducionismo que
que tange à sua própria existência, o que caracteriza a interpretação da construção
implica, em nome do referido ato ou cartesiana, simplificando o sentido do
manifestação, na construção da identidade fundamento em questão, não é senão um
entre ambas, delineando a perspectiva em trabalho que mantém relação com a
questão o viés característico da filosofia existência, conforme assinala o referido
moderna. texto, consistindo em uma experiência que
Se, pretendendo demonstrar a acena com a sua determinação e converge
impossibilidade da suspensão do para a possibilidade que implica, pois, a
assentimento ou da permanência de caráter sondagem do Ser.
firme e constante nas fronteiras da dúvida, Convergindo para as fronteiras que
Santo Agostinho recorre ao Cogito para se encerram questões que envolvem desde a
contrapor ao ceticismo acadêmico, função até o objetivo, a noção de
sustentando, pois, que nesta está a própria
certeza que converge para a verdade, à
medida que a dúvida que se lhe impõe o 12 Se para Locke o Cogito é “o mais alto grau de
certeza”, Kant o interpreta sob a acepção que
envolve a própria apercepção pura ou consciência
11 Conforme subentendido na Regra V reflexiva, constituindo-se na leitura husserliana o
(DESCARTES, 1989, p. 31-32), a despeito da leitura ponto de partida da sua filosofia, como também a
cartesiana não escapar às fronteiras que encerram a estrutura da experiência vivida (Erlebniss) ou
concepção da ideia no sentido que implica “quadro” consciência, perfazendo um princípio cuja validade
ou “imagem” da coisa, segundo o que expõe a nem a perspectiva heideggeriana contesta.
Meditação Terceira. (DESCARTES, 1996) (ABBAGNANO, 2007, p. 148)

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instrumentalidade se impõe ao corpo, condição que implica uma qualidade de res
segundo a concepção que emerge da cogitans e converge para as fronteiras que
Antiguidade e implica tanto o encerram um pertencimento que se refere a
reconhecimento do seu valor como tal mim, sob a acepção de uma criatura dotada
como a sua transformação em objeto de de um corpo, remetendo à integralidade que
crítica, alcançando a leitura de Aristóteles carrega a noção de um ser humano, à
relevância no que concerne à elaboração da medida que se uma res cogitans traria em
referida perspectiva, que se lhe atribui o sua formação o intelecto e a volição 14, o
sentido de instrumento natural da alma caráter puramente material (res extensa) o
(depois da condenação imposta pela circunscreveria ao âmbito de um autômato
doutrina dos órficos e pela filosofia de mecânico, não constituindo a sensação um
Platão), posição que o materialismo não elemento da essência de minha mente, mas
deixava de corroborar, se lhe conferindo um um modo da consciência, tendo em vista
caráter instrumental, conforme o exposto no que a experiência em questão não resulta
pensamento de Epicuro e no estoicismo, senão da união essencial entre uma coisa
tanto quanto no materialismo hobbesiano, pensante e um corpo.
não se lhe escapando também o viés do
espiritualismo, contraposto àquele, tal qual A natureza me ensina, também, por esses
o exemplifica o caso do neoplatonismo sentimentos de dor, fome, sede, etc., que
não somente estou alojado em meu
(Plotino), perfazendo um conceito que
corpo, como um piloto em seu navio,
determina a visão filosófica medieval (S. mas que, além disso, lhe estou conjugado
Tomás de Aquino) e que somente encontra muito estreitamente e de tal modo
resistência diante do “dualismo confundido e misturado, que componho
cartesiano”13, que se lhe sobrepuja e com ele um único todo. […]. Pois, com
produz, antes da independência da alma em efeito, todos esses sentimentos de fome,
face do corpo, a independência deste no que de sede, de dor, etc., nada são exceto
se refere àquela, o que configura a maneiras confusas de pensar que provêm
introdução de um elemento inovador na e dependem da união e como que da
esfera do conhecimento. mistura entre o espírito e o corpo
À oposição que caracteriza a relação (DESCARTES, 1996, p. 328-329. grifos
meus).
envolvendo mente (alma ou consciência) e
matéria (corpo), o que se impõe, pois, é
Se a leitura cartesiana assinala, pois,
uma unidade baseada na natureza da
que tudo o que a natureza ensina contém
experiência sensorial, que escapa à
alguma verdade15, o que se impõe não é
13 “[...] Do ponto de vista ontológico, o termo
'dualismo' sugere um contraste, por um lado com o
monismo (a concepção de que há apenas uma 14 O intelecto (a percepção do entendimento) e a
substância, que tem seu representante mais famoso volição (ação da vontade) perfazem, pois, os dois
em Spinoza), e, por outro, com o pluralismo (a modos de pensamento, segundo a leitura cartesiana:
concepção, mantida, por exemplo, por Leibniz, de “Todas as maneiras de pensar que experimentamos
que o universo contém uma pluralidade infinita de em nós podem reduzir-se a duas gerais: uma consiste
substâncias). Mas os números ('uma', 'duas', 'muitas') em apreender pelo entendimento e a outra em
podem ser muito enganadores aqui. Pois no que diz determinar-se pela vontade. Assim, sentir, imaginar
respeito às mentes, Descartes é um pluralista: cada e mesmo conceber coisas puramente inteligíveis são
mente individual humana é uma substância isolada e formas diferentes de apreender; mas desejar, ter
distinta. [...]. No caso da substância corpórea, ao aversão, confirmar, negar e duvidar são formas
contrário, Descartes adota o ponto de vista monista: diferentes de querer” (DESCARTES, 1997, p. 39).
corpos individuais, tais como rochas, pedras e 15 “E, primeiramente, não há dúvida de que tudo o
planetas, não são substâncias, mas, simplesmente, que a natureza me ensina contém alguma verdade.
modificações da matéria extensa que está em toda Pois, por natureza considerada em geral, não
parte. (COTTINGHAM, 1995, p. 56). entendo agora outra coisa senão o próprio Deus, ou a

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senão o fato que implica a posse de um Se o teocentrismo se impõe como
corpo e a experiência que está atrelada a eixo referencial do arcabouço do
referida condição, corpo este que, em pensamento medieval, descobrindo a sua
relação à essência (substância pensante), subjetividade através do Cogito o homem
guarda conjugação tão estreita que o eu moderno torna-se o horizonte de
compõe com ele um todo único, “mistura intersecção que a partir de então abrange
de fato” que se sobrepõe ao “dualismo de dos interesses às decisões que o mundo
direito”, convergindo para a noção de que o implica à medida que, escapando à
ser humano é totalmente corpo e totalmente realidade inquestionada do objeto – e à
espírito, à medida que o que se impõe é capacidade humana de conhecê-la -, a
uma “união substancial” que, em virtude do preocupação converge para a questão que
fenômeno da sensação não se restringir ao envolve a “consciência da consciência”,
corpo ou se circunscrever à mente, carrega emergindo, nesse contexto, o sujeito
um caráter irredutível, acenando com uma cognoscente, não mais o objeto conhecido,
temática fundamental da Antropologia como o nó do conhecimento, fenômeno
moderna. que, não se circunscrevendo ao âmbito
Nesta perspectiva, o que se impõe à científico, cuja silhueta estrutural nesse
relação envolvendo o intelecto e a vontade processo sócio-histórico define, inclina-se
é uma condição que, longe de perfazer uma inclusive sobre a esfera da própria religião,
tensão entre livre-arbítrio e determinismo, tendo em vista a defesa dos adeptos da
converge para a sua pressuposição em um Reforma, no caso, quanto ao direito de
sistema que assinala uma liberdade que construção, por parte do indivíduo, de uma
escapa à circunscrição de um poder relação com a textualidade bíblica que não
“bidirecionável” ou contracausal que reclame a participação de qualquer
implique uma escolha em detrimento de autoridade senão daquela que, constituída
outra, designando um exercício que guarda em si (racionalidade), possibilita, enfim,
espontaneidade, carregando através do livre exame, o exercício da
simultaneamente um caráter inevitável, no interpretação.
que concerne à decisão que encerra uma Nessa perspectiva, acenando para um
resposta certa imediatamente evidente, horizonte que guarda indícios que propõem
tendo em vista a emergência da verdade e um mundo carregado de positividade, a
da sua simplicidade e clareza sob a filosofia cartesiana não deixa de anunciar o
influência da razão, diante de cuja luz o que domínio humano sobre as potências da
cabe não é senão o assentimento, segundo a natureza à medida que a leitura da
leitura cartesiana, que identifica a causalidade encerra a noção que implica a
verdadeira liberdade como aquela que se possibilidade que converge para o leitmotiv
sobrepõe à indiferença e consiste na escolha do homem pós-cartesiano, a saber, a
esclarecida através do conhecimento da produção de efeitos em função da
verdade16. colocação em ação de causas adequadas,
cujas fronteiras, que mantém a natureza
ordem e a disposição que Deus estabeleceu nas integrada em um universo de máquinas,
coisas criadas. [...]” (DESCARTES, 1996, p. 328). permanecem inter-relacionadas ao
16 “[...] Descartes distingue dois níveis da liberdade: propósito que emerge da construção em
- a liberdade de indiferença é o estado em que está a
questão e que não se impõe senão como a
vontade quando não é levada, pelo conhecimento
daquilo que é verdadeiro e bom, a tomar um partido organização do mundo objetivando a
em detrimento de outro; felicidade terrestre dos homens.
- a verdadeira liberdade exclui a indiferença e
designa a escolha esclarecida pelo conhecimento da
verdade [...]” (BARAQUIN; LAFFITTE, 2004, p.
119, grifos do autor).

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Referências

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Filosofia. Ed. revista e ampliada. São
Paulo: Martins Fontes, 2007.
AGOSTINHO. A Trindade. Tradução de
Agustinho Belmonte. 2ª ed. São Paulo:
Paulus, 1995.
BARAQUIN, N.; LAFFITTE, J.
Dicionário de Filósofos. Tradução de
Pedro Elói Duarte. Coleção Lexis. Lisboa:
Edições 70, 2004.
COTTINGHAM, J. Dicionário Descartes.
Tradução de Helena Martins. Rio de
Janeiro: J. Zahar, 1995.
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Tradução de J. Guinsburg e Bento Prado
Júnior. São Paulo: Nova Cultural, 1996.
_______. Princípios da filosofia. Tradução
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Lisboa: Edições 70, 1997.
_______. Regras para a direção do
espírito. Tradução de João Gama. Coleção
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1989.
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HEGEL, Georg Wilhelm Friedrich.
Enciclopédia das ciências filosóficas em
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LEFEBVRE, H. Descartes. Paris: Éditions
Hier et Aujourd'hui, 1947.

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