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VIÇOSO
E A SELECTA CATHOLICA
A abolição teria sido uma obra de outro alcance moral se tivesse sido
feita do altar, pregada do púlpito, prosseguida de geração em geração
pelo clero e pelos educadores da consciência. Infelizmente o espírito
revolucionário teve de executar em poucos anos uma tarefa que havia
sido desprezada durante um século [...] O movimento contra a
escravidão no Brasil foi um movimento de caráter humanitário-social
antes que religioso (NABUCO, 1949, p. 207).
Então, podemos concluir, pelo que nos diz Beozzo, que desde os anos quarenta,
quando o ultramotanismo começava a ganhar força, alguns dos bispos dessa tendência
já se posicionam contra a escravidão.
A historiografia acadêmica também seguiu a tendência anteriormente
apresentada, na qual a hierarquia católica é vista como pouco ativa ou ausente do
movimento abolicionista até 1887. Entre os autores que assim se posicionaram podemos
citar Emília Viotti da Costa, Sérgio Buarque de Holanda, José Murilo de Carvalho, Luiz
Gustavo Santos Cota, Robert Conrad entre outros1.
No século XXI, novas pesquisas vêm atraindo novamente a atenção para o papel
da Igreja Católica no movimento abolicionista. Além de trazerem ainda mais elementos
sobre a participação das elites eclesiástica na luta contra a escravidão, a partir de 1887,
elas também vêm demonstrando intensa atividade em prol da Lei do Ventre Livre,
chegando retroagir ainda mais a ação antiescravistas católica para os anos quarenta do
século XIX.
Em 2004, uma interessantíssima tese multidisciplinar, defendida na área da
educação, veio ampliar o horizonte de ação da Igreja Católica em prol da abolição da
escravidão. Foi o trabalho de Raquel Martins de Assis, intitulado Psicologia, educação
e reforma dos costumes: lições da Selecta Catholica (1846-1847). Em 2010, temos a
dissertação de Tatiana Costa Coelho A reforma católica em Mariana e o discurso
ultramontano de Dom Viçoso (1844-1875). Já em 2011 temos outros dois trabalhos
interessantíssimos, a dissertação de Camila Mendonça Pereira, Abolição e Catolicismo:
a participação da Igreja Católica na extinção da escravidão no Brasil, e o texto de
Alceste Pinheiro, O ventre livre em um jornal Católico do século XIX.
Em sua dissertação, Camila Mendonça Pereira, ao se deparar, nas suas
pesquisas, com os intensos festejos católicos após a abolição de escravidão, se
questionou sobre a historiografia que colocava a Igreja num papel secundário no
movimento abolicionista. Após fazer um minucioso levantamento historiográfico sobre
a temática, a autora nos mostra como foi intensa a participação da hierarquia católica
nos debates a favor da abolição da escravidão nas páginas do jornal O Apóstolo, desde
finais dos anos 60 até as vésperas da abolição. Se intensificando ainda mais a partir de
1887, quando passa do gradualismo para defesa da abolição imediata. Entre suas
conclusões salienta:
1
COSTA (1985 e 2008); HOLANDA (1985); CARVALHO (1999, 2008, 2010); COTA (2010);
CONRAD (1978).
O resultado da pesquisa aqui apresentado, no entanto, revelou que já
havia discursos antiescravistas antes de 1887, porém, foi a partir desse
ano que a atividade libertadora do clero tornou-se mais recorrente e
afastada da proposta de uma abolição gradual. Além disso, ela foi
fundamental para o despertar de um sentimento religioso pró-abolição
que contribuiu para aumentar as fileiras do emancipacionismo e para
formular uma alternativa às destinações propostas para os libertos
(PEREIRA, 2011, p. 132).
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