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ARISTOTÉLICA
Marcos Luiz da Silva
Abstract: This article analyses the idea of akrasia according to Plato and Aristotle’s thoughts.
In line with Socratic stand, Plato delineates his idea of akrasia as an irrational or deviating
behavior, which happens although in face of knowledge or right reasoning. Aristotle deviates
from this understanding and he comes closer to Socrates when allowing that this phenomenon
takes place only in time of concrete application of universal rule. Therefore, the two theories
are explained briefly in order to pointing out the current importance about the study of the
theme in terms of philosophy, moral, ethical and right.
Introdução
Acrasia seria, em sua essência, a ação do sujeito em desconformidade com a
razão, e interessa a filosofia especialmente no aspecto das razões que levam o sujeito a
agir dessa forma, ou seja, interroga-se acerca das razões e motivos que levam o
indivíduo a praticar um ato contrariando a reta razão.
Platão e Aristóteles são dois filósofos fundamentais para o estudo da acrasia,
e conceberam ideias em grande parte distintas nesse tema, embora, como veremos ao
final, o primeiro tenha sido tributário ao segundo em alguns aspectos. Platão foi
discípulo de Sócrates, sendo, portanto, mais novo que este. Alguns consideram Sócrates
apenas uma criação de Platão, já que não deixou nenhum escrito de punho próprio. Já
Aristóteles teria sido discípulo de Platão, e notabilizou-se por uma filosofia voltada para
os dilemas morais e éticos, e para a vida em sociedade.
Sócrates, em se tratando de acrasia, adota a posição de que esta não existe, ou
seria fruto da ignorância ou do desconhecimento. Ou seja, para ele em possuindo o
Professor de Direito da Uespi (Universidade Estadual do Piauí). Mestrando em Filosofia (UFPI). E-mail:
mluizsilva@hotmail.com.
sujeito o conhecimento do que é certo e errado jamais praticaria uma conduta que
contrariasse tal entendimento. A violação de alguma norma ou regra somente ocorreria
em face do desconhecimento dessa regra pelo sujeito, e nunca quando este possuísse o
conhecimento correto da regra. Sócrates, portanto, crê no conhecimento como forma de
possibilitar que o indivíduo atue de forma ética e em conformidade com as regras,
podendo-se aqui também acentuar a importância da educação para esse processo de
aprendizado.
A explicação para a ocorrência da acrasia, contudo, ganha outros contornos
em Platão e Aristóteles. Se Sócrates defendia que o indivíduo sempre agiria em pleno
acordo com a regra moral, se dela tivesse conhecimento pleno, Platão em seu diálogo A
República, partindo da ideia dualista do homem (corpo e alma), defende que acrasia
estaria no “desgoverno da alma, a falta de controle quando acontece a discórdia entre as
partes”, como nos lembra Feitosa (FEITOSA, 2017, p. 2017). Ou seja, Platão entende
que é possível a ocorrência da acrasia, mesmo tendo o sujeito o conhecimento
adequado para evitá-la.
Aristóteles, de outra banda, em sua ética nicomaquéia, diverge de Platão e
tende a aproximar-se de Sócrates, posicionando-se no sentido de que acrasia ocorreria
quando o indivíduo ainda não possui o conhecimento completo ou pleno sobre as
premissas que devem nortear o julgamento moral e a ação. Ou seja, ainda que tenha
algum conhecimento do que é moralmente correto, o sujeito ainda estaria vulnerável,
principalmente por motivações psicológicas ou naturais, a cometer atos desviantes em
face de não ter ainda a percepção adequada da premissa menor, ou particular, na hora do
decidir.
Veremos, nos próximos tópicos, pari passu, as posições de Platão e
Aristóteles sobre a acrasia, com suas similitudes e distinções, e ao final buscaremos
apresentar a situação atual e contemporânea dessa discussão.
Platão, em sua filosofia, faz a distinção entre a alma e o corpo, adotando uma
antropologia que é denominada de dualista. O homem, portanto, seria formado por essas
duas partes, sendo que seria definido pela alma, que seria o lócus das virtudes, emoções,
e o lugar onde se daria o discernimento entre o bem e o mal. É na alma que se
encontraria o lugar de solução dos problemas morais do homem, onde se dariam
efetivamente os conflitos éticos e a solução destes.
Contudo, Platão aponta que se a alma é o lugar das virtudes, é nela que
também se encontram os problemas morais do homem, ou, como nos informa Feitosa, é
nela que se dá a acrasia, ou seja, o “desgoverno da alma, a falta de controle mediante os
conflitos causados pelos desejos e paixões que conduzem o homem ao erro” (FEITOSA,
2017, P. 217). A acrasia é um excesso, um abuso, uma ausência de ponderação que leva
o homem a violar a lei moral que lhe é conhecida e que deveria governar seus atos
naquele momento em que age de forma contrária a tal regra.
Sócrates tinha posição mais rigorosa sobre a questão moral. Para ele, o
homem que conhece a regra moral jamais poderia lhe ferir. Ou seja, se ele é consciente
de que tal conduta é danosa, ou ruim, não poderia praticá-la. E se pratica, o faz porque
não tomou conhecimento integral da norma moral. Sócrates, portanto, não admite a
ocorrência da acrasia, na medida em que ele compreende que o conhecimento da norma
moral pelo homem é suficiente para fazê-lo conduzir-se em conformidade com aquela, e
que qualquer conduta dissonante da regra somente se dá por ausência desse
conhecimento, ou pela falta parcial dele. Para Sócrates, “aquele que se deixa envolver e
é dominado pelos prazeres perde a sua autonomia como homem, passando a ser escravo
de si mesmo” (FEITOSA, 2017, P. 216).
Platão, a despeito de discípulo de Sócrates, supera a sua compreensão do
tema, admitindo a ocorrência de acrasia, ou seja, que o homem, mesmo sendo
conhecedor da regra moral, pode agir em desconformidade com aquela, violando-a. Tal
raciocínio de Platão pode ser encontrado no diálogo A República, onde ele formulada a
ideai de uma tripartição da alma. Segundo ele, existiriam três tipos de indivíduos
classificados a partir de três tipos de virtudes, que se vinculariam ao tipo de
classificação da cidade. Assim, se o sujeito não se identifica com a sua própria virtude e
busca a virtude do outro já teríamos um motivo para um conflito, ou seja, acrasia.
Platão afirma, conforme nos lembra Feitosa, que
a noção de justiça está na aptidão e aceitação das funções da cidade por cada
sujeito, em acordo com a sua virtude própria, ou seja, cada indivíduo não
poderá exercer na cidade senão uma única ocupação, a que por natureza se
encontre mais habilitado (433 a) (FEITOSA, 2017, p. 217).
Resta ainda uma dúvida com relação a como os princípios conflituosos agem
dentro da alma gerando a acrasia. Platão parece não esclarecer bem essa questão,
embora em sua A República apresente uma formulação que pode ser a resposta para o
problema. Pare ele, considerando que a alma é composta por diversos tipos de desejos e
apetites, ou princípios, estes vão conflitar quando se sobressaem à razão, surgindo neste
momento a acrasia. A acrasia decorreria, portanto, de um apetite ou desejo que conflita
com a razão, ou mesmo com outro apetite ou desejo, tendo o sujeito optado por uma
ação que atenda esse desejo, e não à razão.
A análise platônica é de fundo psicológico, portanto. Para ele a “alma” é
composta de três distintos princípios, que devem dialogar, se comunicar entre si para
que a acrasia seja evitada. O modo como se dá tal diálogo? Não explica muito bem
Platão. Parece uma questão mal resolvida em sua formulação. Contudo, aponta ele uma
solução para a questão, que é a educação. Pela educação as pessoas são levadas a
conhecer o que é bom e mal, e podem, assim, conter os seus impulsos emocionais, ou
seja, seus desejos e apetites. E cada classe que habita a cidade terá ciência do seu papel
naquela comunidade, evitando-se, por exemplo, que haja um desvio de função por parte
de um sujeito. “O conhecimento que cada classe adquire deve servir para que todos
aceitem suas próprias condições por questão de natureza, de forma que ninguém passe a
desejar estar em outro lugar que não o seu” (FEITOSA, 2017, p. 223).
A educação, portanto, é o caminho para o controle dos apetites e desejos, e o
que possibilita que o sujeito possa ponderar em favor da razão, evitando uma ação que
se configura uma acrasia. A alma estabelece os valores e princípios normativos que
devem regular a ação do sujeito, e ainda que não possa ser vista como algo determinante
para a ação, impões como um rumo a ser tomado, constituindo-se, pois, na medida ou
meta a ser alcançada pelo sujeito. A alma funciona, portanto, como um vetor normativo,
impulsionando o sujeito à conduta correta. A educação diz que matar alguém
injustificadamente é errado, e o sujeito guia seu comportamento rumo a essa regra,
ainda que pressionado por impulsos outros que divirjam dela. O que não significa que a
razão sempre prevalecerá diante dos apetites. Mas o que fica claro na teoria moral
platônica é que o sujeito poderá ponderará, e optar por um caminho, caso possua o
instrumento adequado para isso, ou seja, o conhecimento dos princípios éticos que
governam a ação humana, o que é repassado pela educação.
Considerações finais
Para finalizar, convém realizar umas breves considerações sobre a
importância do debate sobre a acrasia na contemporaneidade. Além dos aspectos
relacionados à filosofia moral, podemos destacar a importância dessa discussão no
âmbito da psicologia, da psicanálise e do direito.
No âmbito da filosofia da psicanálise, por exemplo, podemos ver em Donald
Davidson uma procura por descrever os comportamentos não como aqueles desprovidos
de racionalidade, mas aqueles em que “a racionalidade se apresenta como falha”,
conforme nos informa Martins (MARTINS, 2009, p. 201). Davidson defende que
qualquer modelo que deseje contemplar uma solução viável ao desafio de justificar a
ocorrência da acrasia deve considerar algumas premissas importantes sugeridas por
Freud (MARTINS, 2009, p. 202), o que por si só já demonstra que a acrasia teria tido
enorme importância nos estudos realizados pela psicanálise.
No âmbito das neurociências também se desenvolvem pesquisas e acalorados
debates sobre a acrasia. Marino Junior, por exemplo, nos lembra a influência de
aspectos anatômicos e neurofisiológicos no cérebro nos nossos atos, escolhas, decisões,
resolução de dilemas éticos, caráter, emoções e consciência moral, os quais
dependeriam de sistemas e áreas específicas. Segundo ele, “a moderna neurociência tem
permitido a instauração de novos tratamentos nas doenças do cérebro e, também, o
surgimento de surpreendentes e inesperadas aplicações do progresso tecnológico
neurocientífico, no nível individual e da medicina em geral, afetando, inclusive, a
percepção de novos condicionantes culturais em função de novas tecnologias”
(MARINO JR. 2009, p. 110).
Os estudos empíricos em neurociência, portanto, podem ter forte impacto nas
teorias já existentes sobre os comportamentos irracionais ou desviantes, e ajudar a
esclarecer questões que jamais teriam sido pensadas pelos filósofos gregos e que, diante
das novas tecnológicas, se tornaram passíveis de serem entendidos e analisados,
posicionando os estudos sobre ética e moral em outro patamar. Aspectos morfológicos,
danos cerebrais, patológicas de ordem anatômica ou genética, podem ter sérias
influências na formação dos juízos morais, e isso deve ser também considerado pelo
estudioso da ética e da moral em suas investigações.
Por fim, na seara do direito não é menos importante o estudo do fenômeno da
acrasia. Os comportamentos desviantes ou violadores da regra universal, no caso, da
lei, são o ponto central das ciências jurídicas, notadamente no direito penal e na
criminologia. Identificar as razões da prática de crimes, os motivos que levaram o
criminoso ou violador da lei a adotar essa ou aquela conduta contrária à lei, constitui-se
em um aspecto que relaciona toda a teoria filosófica, a psicanálise, e outros estudos
sobre moral e ética ao direito.
Assim, inegável que Sócrates, Platão e Aristóteles foram desbravadores desse
terreno no âmbito não só da filosofia, mas também a fonte originária de estudos dessa
natureza em todas as outras ciências que se dedicaram ao estudo da conduta humana, da
moral e da ética no curso da história. A noção de acrasia mostra-se, no entanto, ainda
carente de novos estudos que possam dar-lhe melhor delineamento diante da maior
complexidade da sociedade e dos fenômenos que envolvem comportamentos desviantes
ou irracionais na atualidade, como é o do discurso de ódio que é fomentado nas redes
sociais e na seara da política, assim como o fenômeno da corrupção, os quais têm
causado perplexidade aos estudiosos do assunto e à sociedade em geral. O que não
implica, por óbvio, no abandono da teoria clássica sobre o tema, cuja relevância mostra-
se ainda maior quando se percebe que muito do que se vê hoje em estudos sobre o
termina por corroborar ou demonstrar algumas das teses dos filósofos da Grécia antiga.
Referências
ARISTÓTELES. Ethica Nicomachea. Recognovit brevique adnotatione
crítica instruxit I. Bywater. Classicorum Bibliotheca Oxoniensis. Oxford: Oxford
University Press. (1894). 1962.