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Americana - 2008
Observação preliminar:
Estas anotações, feitas em caráter de esboço, tem como objetivo tão somente orientar e complementar
os conteúdos apresentados em sala de aula, de modo a explicitar as matérias abordadas e servir como
um guia para os estudos dos alunos. Não devem, portanto, substituir a leitura e o aprofundamento dos
livros já indicados. Por conta de sua natureza provisória, o trabalho também está sujeito a imperfeições
e desde já assumimos a necessidade de futuras correções e complementações.
Sugestões, complementações, críticas e correções são muito bem vindas e podem ser enviadas para o e-
mail:
rodolfoarruda1@yahoo.com.br
Natureza da Disciplina de IED
Cabe neste início de curso trazer algumas definições que explicam e explicitam a natureza e o
objeto de estudo da disciplina de Introdução ao Estudo do Direito.
Podemos citar quatro características que nos informam as linhas gerais do conteúdo da
disciplina e de sua proposta constitutiva.
é uma disciplina que visa fornecer uma noção panorâmica da ciência que cuida
do fenômeno jurídico, propiciando a compreensão dos conceitos jurídicos
comuns a todas as disciplinas do curso de direito (Diniz, 2001).
Diferente de outros ramos específicos do Direito, tais como Direito Penal e Direito
Constitucional (que possuem objeto específico de estudo, como, por exemplo, Direito Penal: a pena e o
conceito de crime; Constitucional, a Constituição e a organização do Estado), IED não possuí um
objeto específico de estudo, uma matéria própria que ela cuida. Em sentido diverso, ela estuda
materiais de outras áreas tentando compreender o que existe de científico nos outros saberes de modo a
elaborar uma compreensão ampla da ciência jurídica (Diniz, 2001).
1
Maria Helena Diniz. Compêndio de Introdução à Ciência do Direito. 13ª edição. Rio de Janeiro, Saraiva, 2001.
Enciclopédica e Epistemológica –
Tal como as enciclopédias, ela reúne conhecimentos de todas as áreas, basicamente com
definições de termos, conceitos e princípios que informam o universo jurídico.
Epistemológica, porque discute cientificamente como se formam esses saberes jurídicos (avalia
do ponto de vista filosófico se os conceitos do direito estão de acordo com definições lógico-científicas,
se eles estão estruturados de modo a formar um conjunto de conhecimentos, ou seja, de saberes
sistematizados).
Na medida em que coloca o estudante em contato com a terminologia jurídica de modo crítico,
no modo como visa oferecer uma visão de conjunto do direito, na maneira com que chama a pensar o
Direito com rigor lógico e sistemático.
O conceito de Direito
Por ser uma palavra com múltiplos e infinitos significados, um conceito único e universal de
Direito não existe. Porém, mesmo diante desta limitação, é possível analisar alguns elementos que
compõem o termo que nos auxiliam a expandir o entendimento do seu significado.
Partindo de algumas noções comuns acerca do Direito, podemos visualizar, dentre muitos
significados, que o termo Direito ora designa a “norma”, ora a “autorização ou permissão” dada pela
norma de ter ou fazer o que ela não proíbe, ora a “qualidade do justo” (Diniz, 2001), dentre muitos
significados possíveis.
Todos são exemplos de usos possíveis para o termo Direito, mas temos ainda outras divisões
interessantes. Montoro (2005), por exemplo, realiza sua investigação do conceito de Direito a partir da
origem da palavra, também chamada de etimologia.
Nos diferentes idiomas Droit (francês), Diritto (italiano), Derecho (espanhol), Recht (alemão) e
Right (inglês), em todos os termos, como se pode observar pela semelhança, podemos encontrar uma
origem comum em um vocábulo do latim: directum ou rectum, que significa o que é conforme a uma
régua.
Ao lado deste conjunto de palavras, também temos a palavra jus, que dá origem ao termo
Direito, mas possuí outro conjunto de significados. Jus pode ser considerado uma variação de Justum,
que corresponde àquilo que é justo, ou conforme à justiça.
Como é possível notar, na própria origem do termo Direito, encontramos novamente noções
semelhantes que nos indicam as idéias de um ordenamento ou regramento, e a de justiça. Esta
diversidade de significados nos permite perceber o Direito como uma área do saber que possui não
apenas uma pluralidade de acepções, mas também uma multiplicidade de níveis de análise.
• O Direito enquanto uma Teoria do Direito: a investigação que busca definir de forma ampla e
conceitual em que consiste o fenômeno jurídico;
• O Direito enquanto Técnica: o estudo das regras contidas no Direito que determinam o modo
como devem ser resolvidos e regulados os conflitos e os desequilíbrios da vida social;
• O Direito enquanto Ciência Normativa, enquanto um ramo específico das Ciências Humanas
que discute o sentido e o conteúdo das normas jurídicas, no sentido de regular condutas
humanas2.
Uma das definições mais antigas que se apresenta ao estudo do Direito se dá entre Direito
Positivo e Direito Natural. Iniciamos por esta definição pois ela nos ajuda a delimitar nosso foco de
estudo.
Direito Positivo
O Direito Positivo é o conjunto de normas estabelecidas pelo poder político que se impõem e
regulam a vida social de um dado povo em determinada época. Também é entendido como o Direito
posto, ou seja, todo o conjunto de leis, regras, normas, conceitos e entendimentos que compõem o
arcabouço jurídico de uma sociedade.
Também se costuma atribuir ao Direito Positivo a qualidade de norma heterônoma. Uma norma
heterônoma é uma Lei que se impõe a toda a sociedade, mas que não depende diretamente da vontade
dos membros que estão a ela submetidos. É o caso do Estado, que produz normas que são válidas para
2
Esta distinção será explorada com mais profundidade em estágio mais avançado de nossa disciplina.
toda a sociedade.
Direito Natural
Dentro do campo do Direito Positivo, podemos encontrar uma divisão bastante tradicional que
classifica os Direitos em Objetivos e Subjetivos.
A distinção tem a sua razão de ser na medida em que na incidência das normas do ordenamento
jurídico nem sempre estão claramente definidas: quando podemos dizer que um indivíduo possui um
Direito, ou possui uma prerrogativa de agir por conta de uma Lei existente no ordenamento jurídico?
Direito Subjetivo – é a permissão, dada por uma norma jurídica válida, para fazer ou não fazer alguma
coisa, para ter ou não ter algo, ou ainda, a autorização para exigir, por meio dos órgãos competentes do
poder público, o cumprimento da norma infringida, ou reparação do mal sofrido (Diniz, 2001).
É a prerrogativa colocada pelo direito objetivo, a disposição de um sujeito de direitos.
Também é chamado de facultas agendi – Faculdade de Agir
Exemplo: A Lei do Inquilinato é uma norma contida no Direito Objetivo. Num caso em que o inquilino
não paga o aluguel, essa infração gera um direito para o proprietário de pedir o despejo. O proprietário
possui a faculdade (Direito Subjetivo)– ele não é obrigado a agir de uma forma ou de outra.
A distinção entre Direito Público e Direito Privado surgiu inicialmente no Direito romano3. Para
os romanos, o Direito Público era o concernente aos negócios do Estado romano, enquanto o Direito
Privado era aquele, de caráter residual, que regulava o interesse entre particulares.
A divisão entre Direito Público e Direito Privado sempre foi objeto de divergência nas doutrinas
jurídicas. Até hoje não se encontrou um critério único e universalmente aceito para esta divisão.
Apesar da impossibilidade de se atingir tal critério, a divisão entre Direito Público e Direito
Privado é importante para estruturar o modo como o Direito é organizado. Ele é um critério que
contribui para a estruturação dos diversos ramos do Direito, ajuda a definir o campo de atuação de cada
um deles e fornecer uma visão ampla do conteúdo jurídico.
O critério inicialmente proposto pelos romanos era identificar o interesse ou utilidade do que era
regulado.
Interesse – utilidade:
• pública – visa a coletividade, diz respeito aos assuntos do Estado;
• privada – de interesse dos particulares, segue a vontade das partes, o Estado não tem interesse
em interferir.
3
Para uma referência sobre o Direito Romano, vide José Carlos Moreira Alves, Direito Romano Vol. I, II. Como referência
ao período histórico, podemos citar a maior compilação da experiência jurídica romana, o Corpus Júris Civilis, que data de
534 (século VI) e foi retomado como objeto de estudo a partir do século XI na Itália, e, posteriormente na Alemanha,
sobretudo no século XIX.
A principal crítica referente à distinção romana encontrava-se nos casos em que o critério não
funcionava.
Há situações em que o critério da utilidade ou interesse pode aparecer nas duas partes, casos em que
o interesse pertence tanto à coletividade quanto aos particulares. O critério falha porque existem
situações nas quais não é possível decidir quem é o interessado na parte.
Ex: no Direito de Família, existe tanto um interesse dos particulares em regular a relação, como há
interesse do Estado em definir normas a estes particulares.
Vejamos então os critérios que foram utilizados para distinguir direito público e direito privado e
que tipo de críticas esses elementos sofreram:
Quanto ao conteúdo:
Neste critério é importante observar o objeto da relação jurídica. Um exemplo é o caso dos serviços
de Telefonia, de Energia Elétrica e Saneamento Básico. Por se tratar de serviços fundamentais a
toda a coletividade, devem ser regulados por normas de Direito Público.
Quanto à forma:
A tendência atual é que a divisão seja feita com critérios que articulam estes dois critérios,
dando ênfase na natureza das partes e no papel em que elas ocupam na relação jurídica.
Ex: o Estado que atua como particular numa relação de compra e venda não pode se beneficiar
de sua natureza de ente jurídico superior – deve seguir o direito privado no que toca ao contrato
específico no qual ele toma parte.
Direito Público – é aquele que regula relações em que o Estado é parte, regendo a organização e
atividade do Estado considerado em si mesmo, em relação a outro Estado e em suas relações com
particulares, quando procede em razão de seu poder soberano e atua na tutela do bem coletivo.
Direito privado – é o que disciplina relações entre particulares, nas quais predomina, de modo
imediato, o interesse de ordem privada.
Ramos do Direito
Cumpre nesta etapa do curso expor de forma esquemática alguns dos principais ramos do Direito. Esta
atividade tem a função tanto de fornecer uma visão panorâmica dos conteúdos do Direito, como serve
também para ilustrar a própria discussão sobre a classificação entre Direito Público e Direito Privado
que acabamos de realizar.
Quadro da Distinção:
• Direito Público
• Direito Privado
o Direito Privado Comum
Direito Civil
Direito Público
De modo geral, é entendido como o conjunto de normas que regulam internamente a estrutura
básica e funcional do Estado, disciplina a sua organização, modo de funcionamento e estrutura política.
Direito Constitucional
Direitos e Garantias Fundamentais – Ex: art. 5.º da Constituição Federal: direito à vida, à
liberdade, à igualdade, à segurança, à propriedade, e demais.
Direito Administrativo
Direito Tributário
O Direito Tributário é o ramo que tem por objeto de regulamentação as despesas e as receitas do
Estado. É também o ramo do Direito destinado a tratar com toda matéria que aborda tributos: sua
instituição, arrecadação e fiscalização.
Consiste num ramo autônomo que se desmembrou do Direito Administrativo (Montoro, 2005),
devido a sua importância e grau de especialização.
Tem como principal instrumento de sua realização as Leis Orçamentárias, cujas diretrizes estão
fixadas em Seções próprias da Constituição Federal (art. 165)
Direito Processual
Neste ramos encontramos normas processuais que regulam a ordem dos atos sucessivos de um
processo, disposição sobre prazos, despesas judiciais, etc.
Ex: em Processo Civil, dentre outros assuntos, temos: petição inicial, citação, contestação,
provas, audiência de instrução, julgamento, sentença. Em Processo Penal: ação penal, interrogatórios,
julgamento, execução da sentença.
Direito Penal
Ramo do Direito Público que regula a atividade repressiva do Estado, definindo crimes e
determinando penas e medidas de segurança aplicáveis.
É considerado um ramo de Direito Público porque regula uma atividade essencialmente pública,
que é o poder repressivo, ou, chamado de outra forma, o Direito de Punir.
O poder repressivo é uma atividade pública porque somente o Estado é o titular legítimo do
Direito de Punir.
Direito Público Externo: é o conjunto de norma disciplinadoras das relações entre os Estados. São
normas que têm a intenção de valer para todos os Estados, de forma igualitária.
Direito Internacional Público
Direito Privado
O Direito Privado é o ramo que tem por função principal regulamentar a situação jurídica e as
relações entre particulares (pessoas físicas e pessoas jurídicas de direito privado) (Dimoulis, 2007). Os
princípios que o estruturam são: a igualdade entre os sujeitos que participam da relação jurídica privada
e a primazia da liberdade individual.
Direito Civil
São relações pessoais (relativas à pessoa, enquanto sujeito privado de direitos) relativas ao
estado e à capacidade do indivíduo de criar, modificar, contrair, extinguir relações jurídicas.
É comum a todas as pessoas, por disciplinar o seu modo de ser e agir, sem quaisquer referências
às condições sociais ou culturais específicas.
Alguns princípios basilares que norteiam o conteúdo do Direito Civil, segundo M.H. Diniz:
personalidade, autonomia da vontade, liberdade de estipulação negocial, propriedade individual,
intangibilidade familiar, legitimidade da herança e do direito de testar, solidariedade social.
Direito Civil
• Parte Geral
o Pessoas
o Bens
o Fatos Jurídicos em sentido amplo4
Segunda M.H. Diniz, podemos ressaltar três funções para a parte geral:
a) fixar conceitos, categorias e princípios que possuem reflexos em todo ordenamento jurídico. são
conceitos que, na ausência de normas específicas, regulam a atividade jurídica dos fatos sociais.
b)contém normas relativas ao sujeito, ao objeto e ao modo de criar, modificar e extinguir direitos
4
A parte Geral do Código Civil que cuida do Fato Jurídico visa abordar o modo como surgem, se modificam e se extinguem
os direitos. Apenas de modo ilustrativo apresentamos o quadro para fornecer um panorama desta regulamentação.
o Ato Jurídico – dependem da vontade humana: surge do efeito da lei em relação a atos praticados por
particulares no exercício de sua vontade;
Negócio Jurídico – é o poder de auto regulação dos interesses que contém a enunciação de um
preceito – contrato, testamento – as partes buscam realizar o interesse e revestem o seu ato de
formalidades que dão validade ao ato;
Ato Jurídico em sentido estrito
o Ato Ilícito : atos praticados que estão em desacordo com a ordem jurídica, que violam o direito subjetivo
de outrem, que criam o dever de reparar a situação.
Atos lesivos que não são ilícitos
• Legítima defesa
• Exercício regular de um direito
• Estado de Necessidade
o Direito de Família
Além das partes Geral e Especial, compõe a matéria do Direito Civil o estudo da Lei de
Introdução ao Código Civil.
A Lei de Introdução do Código Civil (também referida como LICC) contém normas sobre
normas, regulando a maneira de aplicação e entendimento, predeterminando as fontes de direito
positivo, indicando-lhes as dimensões espaço-temporais (Diniz, 2001).
• Regulam a vigência e eficácia da norma, oferecer soluções para o conflito de normas no tempo
e no espaço;
• Critérios de hermenêutica;
É importante frisar que muitos autores (Diniz, 2001; Reale, 2007) consideram que a LICC é
considerada uma Lei que ultrapassa o âmbito do Direito Civil, dando embasamento para outros ramos
do Direito.
Direito Privado Especial
São considerados Especiais por estabelecer critérios específicos para ramos e atividades
próprias no campo do Direito Privado.
Direito Comercial
Atos de Comércio: há mediação e objetivo de lucro nas relações jurídicas – a princípio são relações
jurídicas civis que, por sua especificidade, ganham estatuto de comerciais.
há diversas teorias que visam explicar o correto entendimento do conceito de Atos de Comércio.
destacam-se neste ramo a natureza econômica (não é de consumo próprio, por exemplo)
habitual e dirigida para resultados patrimoniais.
Direito do Trabalho
Este é um exemplo que alguns autores classificam o ramo do Direito do Trabalho de Direito Difuso.
O Direito Difuso é considerado um direito pertencente à coletividade: ele não se caracteriza como um
Direito Público de caráter estatal, nem como um privado pertencente aos sujeitos privados.
Ele atua como um princípio geral que limita a capacidade de contratar dos sujeitos na esfera privada.
Exemplo: normas referentes à categorias profissionais que garantem um piso salarial: são princípios
que não são considerados de Direito Público (não representam o interesse do Estado) e não são
considerados de Direito Privado, pois não são direitos de particulares. Eles atuam de modo a limitar a
vontade das partes, mitigando o princípio da autonomia da vontade no direito civil.