Beruflich Dokumente
Kultur Dokumente
PRIMEIRAS APROXIMAÇÕES
Resumo:
O presente artigo busca demonstrar como alguns autores da historiografia brasileira sobre
educação concebem o surgimento e desenvolvimento do ideário da Escola Nova. Será exposta
a compreensão que Nagle (2004), Saviani (2006) e Hilsdorf (2006) apresentam em relação
àquele ideário, buscando suas convergências e divergências. Há convergência de abordagem
quanto à racionalização dos órgãos educacionais, tanto do ponto de vista burocrático como
técnico-pedagógico, tendo como contexto a crença na ciência. Tanto Nagle (2004), quanto
Hilsdorf (2006) enfatizam a influência do nacionalismo como principal matiz do processo
educativo brasileiro que ocorreu junto com o ideário da escola nova. As divergências podem
ser distinguidas nos seguintes aspectos: Saviani (2006) afirma que somente após a revolução
de 1930 a educação começa a ser reconhecida como uma questão nacional. Nagle (2004) e
Hilsdorf (2006), por vias diferenciadas asseveram que durante a I República a educação já
teve papel de destaque na sociedade brasileira, sendo entendida como uma questão nacional.
Em relação ao período pós Manifesto de 1932, Saviani (2006) enfatiza a influência que este
teria exercido sobre os constituintes de 1933/34, enquanto Hilsdorf (2006) questiona esta
influência, afirmando que diversos grupos que exerceram pressão sob a constituinte não eram
representantes do ideário liberal e da escola nova. Para Saviani (2006) o ideário da escola
nova teria avançado e tornado-se hegemônico dentro de uma perspectiva desenvolvimentista e
redemocratizadora no pós-1945 (Era Vargas). Hilsdorf (2006) diverge entendendo esse
aspecto como um caráter de continuísmo e conservadorismo, referentes à década de 1920, do
que uma abertura liberal.
Introdução
Este artigo indica algumas considerações que são parte do trabalho de mestrado que
está sendo realizado. Representa as primeiras aproximações de como a Escola nova vinculada
à formação de docentes está presente na historiografia brasileira.
Desse modo, a partir de alguns autores tais como Nagle (2004), Saviani (2006) e
Hilsdorf (2006)1analisamos como ela tem sido abordada. Suas assertivas serão analisadas a
1
Na dissertação de mestrado estarão presentes mais autores que não serão analisados neste artigo devido à
limitação de tempo e espaço que cabe a este exercício. Porém, autores como Carlos Monarcha (2005), Freitas
(2005), bem como, Pagni (2000) são exemplo de outros autores que estão sendo analisados.
1039
2
Educadores influenciados pelo ideário cientificista que se apresentam a sociedade brasileira durante a década
de 1920 como profissionais do campo educacional afirmando o caráter técnico e cientifico de seu conhecimento
e prática no campo. Tais educadores formulam um discurso no qual afirmam serem especialistas, buscando sair
desta maneira do campo político da discussão educacional afirmando serem os únicos aptos a formular uma
compreensão neutra e sem preconceitos nesse campo. (Nagle, 2004).
1040
Lei n. 4024/61. Como terceiro período, o autor estabelece como marco inicial essa
lei e marca final, em 1996, a promulgação da Lei n. 9.394/96, atualmente em vigor
no panorama educacional do país. (SAVIANI, 2006, p. 5).
Para Saviani (2006), pela leitura global do Manifesto, pode-se perceber que a idéia de
plano de educação se aproxima, aí, da idéia de sistema educacional, isto é, a organização
lógica, coerente e eficaz do conjunto das atividades no âmbito de um determinado país.
Destaca a importância do Manifesto, que deve ser visto como um Plano entendido como um
instrumento de introdução da racionalidade científica no campo da educação em consonância
1041
com o ideário escolanovista. Mas, o autor afirma que o Manifesto é um documento de política
educacional em que, mais do que a defesa da escola nova, está em causa a defesa da escola
pública.
Saviani (2006) ressalta a condição do ideário da escola nova estar aglutinada à defesa
da escola pública como sendo uma originalidade do caso brasileiro, pois na Europa e Estados
Unidos às iniciativas que integravam o Movimento da Escola nova, em regra, deram-se no
campo das escolas privadas, ficando à margem do sistema público de ensino. Mais do que
uma inovação brasileira a ligação entre escola nova e escola pública deve ser apreendida
dentro do conservadorismo como a escola pública foi vista no Brasil, sendo implantada
através de um ideário renovador que buscava antes de tudo, controlar e formatar as crescentes
massas escolares através do discurso neutro da ciência e seus resultados objetivos.
Não atentando para as divergências teóricas dos signatários do Manifesto, Saviani
(2006) compreende-o como um documento de política educacional, que expressa a tomada de
posição de uma corrente de educadores que se firma pela coesão interna e pela conquista da
hegemonia educacional diante do conjunto da sociedade, capacitando-se, consequentemente
ao exercício dos cargos de direção da educação pública, tanto no âmbito do governo central
como dos estados federados. Além disso, o Manifesto expressa a posição do grupo de
educadores que se aglutinou na década de 1920 e que vislumbrou na Revolução de 1930 a
oportunidade de vir a exercer o controle da educação do país.
Não se refere as demais forças que atuaram no iniciou do século XX, tais como os
educadores libertários3 em geral, bem como comunistas e socialistas, tanto quanto, a
3
Os libertários têm uma clara formulação pedagógica e didática, que não parte, porém, da realidade
brasileira,mas das tradicionais diretrizes do anarquismo internacional (italiano, para os anarquistas, e francês
para os anarco-sindicalistas). De outro, não lutam pelo ensino público e gratuito oferecido pelo Estado liberal
republicano: a postura dos libertários é de levar suas crianças a escola, mas não à escola liberal republicana,
porque esta não correspondia, tanto do ponto de vista instrucional (a ciência enquanto suporte do progresso
capitalista) quanto do ponto de vista da função de modelagem (construindo e mantendo a ordem social
hierárquica e dual), às necessidades dos trabalhadores definidas pelos libertários, que tinham outro entendimento
da relação formação humana – processo de transformação da sociedade. (HILSDORF, 2006. p.79)
1042
expressiva atuação do grupo de educadores católicos que aturaram efetivamente para exercer
influencia na conduta educacional do país principalmente após a revolução de 1930.
ensino. E que tal processo culminou no aproveitamento de suas idéias pela Revolução de
1930.
A presença dos adeptos e divulgadores da Escola nova nos anos 20 e 30, marca a
atuação brasileira como um verdadeiro “divisor de águas”, separando a mentalidade
tradicional e velha da nova e progressista. Isso quer dizer que todos aqueles que se
opunham, ou tinham propostas alternativas, como os trabalhadores, os católicos e os
defensores da pedagogia moderna, quer tivessem atuado no período monárquico,
quer no da República, quer fossem defensores da educação popular, quer tivessem
renovado o ensino técnico, foram enfeixados por eles sob a rubrica de
tradicionalistas. (HILSDORf, 2006. p. 79).
Nela não dominam os liberais renovadores como um grupo homogêneo de linha liberal
e escolanovista. Segundo Hilsdorf (2006), com base e minuciosa pesquisa na documentação
inédita da ABE4 é possível dizer que, nos anos 20, essa entidade é autoritária, e não, liberal.
Para a autora existiam várias correntes de opinião, várias facções, como, ainda, o que
predominava a orientação do grupo de católicos, preocupados com a formação das elites cuja
tarefa era formar o povo de acordo as tradições nacionais. No seu entender as facções mais à
esquerda vão assumir o controle ideológico da ABE apenas depois de 1932.
Também contestando a concepção de Nagle (2004) quanto à importância dos
especialistas da educação durante a década de 1920, Hilsdorf (2006) assevera que na ABE não
são expressivos, pois o grupo mais forte, que pensa e determina a política educacional dessa
associação, é formado por uma maioria de engenheiros e médicos.
Nas reuniões da ABE e nos Congressos Nacionais que ela realizou o que está em
disputa não é o aspecto técnico da educação, ou seja, seu “otimismo” não é pedagógico, como
diz Nagle (2004), mas sim é político, na medida em que faz parte de um projeto de controle,
de moldagem da sociedade. Tanto liberais como católicos têm um projeto autoritário de
constituir a “nação brasileira”.
Para realizar este projeto trouxeram a pedagogia da Escola nova do exterior, não
enquanto mero transplante cultural, uma imposição de idéias estrangeiras, uma
“dominação”, mas porque essa metodologia foi aceita e considerada um mecanismo
eficiente de controle social, para constituir de “cima para baixo” o povo adequado à
nação. (HILSDORF, 2006, p. 83).
Assevera a autora, que o fio que conduz aos escolanovistas da década de 20 vem da
escola nacionalista, recolocada em circulação pelos intelectuais da década de 10 quando
4
Hilsdorf baseara-se em Marta Carvalho (1986) que realizara intensa pesquisa em ampla documentação da ABE
para construir tal assertiva.
1045
Circe Bittencourt também mostrou (p. 180) que o ensino de história do Brasil no
curso primário oficial tinha um fundamento nacionalista na sua concepção, bem de
acordo com o título da introdução do programa de 1917: “nacionalismo do ensino
como fundamento da formação da Nova Pátria”. Estudando os livros didáticos de
história do período, fossem autores católicos, como Jonhathas Serrano, fosse de
autores identificados com os liberais, como Afrânio Peixoto, percebeu que eles
foram utilizados como uma das estratégias de formação dessa mentalidade
nacionalista ao apresentar uma narração que criava um passado único, no qual o
elemento branco - em detrimento do índio e do negro – era valorizado como
trabalhador, isto é, construtor do progresso, em contraste com a figura desprovida de
direitos apresentada pelo movimento operário. (HILSDORF, 2006, p. 85).
A constituição de 1934 foi substituída por outra em 1937, com a instauração do Estado
Novo, elaborada por Campos, que estabelecia nas Disposições Transitórias como mecanismo-
chave do novo governo, o uso do decreto-lei pelo Executivo central e pelos interventores
estaduais em substituição às iniciativas do poder legislativo.
Para reforçar o nacionalismo o Estado Novo destacou no currículo dos cursos
elementares e secundários a importância da educação física, do ensino da moral católica e da
educação pelo estudo da História e Geografia do Brasil, do canto orfeônico e das festividades
cívicas, como a “Semana da Pátria”.
Finalmente a modernização ocorreu pela efetivação do aparelho burocrático
administrativo do setor educacional. Criaram-se órgãos federais que instalaram a estrutura
administrativa definitiva do ensino e passaram a estabelecer regras a serem cumpridas no
plano estadual.
Nesse longo processo de conformação da educação e do ensino na Era Vargas, a
polarização dos escolanovistas foi inevitável. As figuras mais conflitantes do grupo
liberal afastaram-se, ao passo que a maioria se acomodou no interior do novo quadro
institucional e ideológico do período, cuidando de renovar o pedagógico. Lourenço
Filho, um dos grandes nomes dentre os pioneiros liberais da Escola nova,
desenvolveu a linha da educação como questão de segurança nacional, ocupando
diversos cargos na estrutura técnico-burocrática do governo. (HILSDORF, 2006, p.
102).
1047
Hilsdorf (2006) afirma que o ministro da Educação Clemente Mariani convocou uma
comissão de antigos “pioneiros”, que preparou um anteprojeto de LDB de orientação liberal e
descentralizadora, apresentado à Câmara de Deputados para discussão em 1948.
Em razão da oposição de Capanema (líder do PSD na Câmara), o projeto fora
engavetado e a questão da LDB somente discutida nos meados da próxima década quando um
deputado da UDN, Carlos Lacerda apresenta por três vezes, em 1955, 1958 e 1959,
substitutivos de orientação privatista, defendendo o pressuposto da primazia do direito da
família, e não do estado, como afirmavam os liberais, de educar seus filhos; e, colocando o
financiamento das escolas privadas pelo poder público, para que se tornassem gratuitas às
famílias.
O projeto de Lacerda ia ao encontro dos interesses comerciais da iniciativa privada
organizada empresarialmente e aos ideólogos da Igreja Católica. O substituto de Lacerda foi
aprovado como Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (Lei 4.024, de 20/12/1961),
nos termos propostos de apoio à iniciativa privada, sem alterar a organização existente desde
Capanema (1942), exceto pelos currículos flexíveis e possibilidade de aproveitamento de
estudo entre técnico e o acadêmico.
Enquanto a LDB Lei 4024/61, apresentava uma linha liberal, evocando a autonomia
do indivíduo, a qualidade do ensino, de uma cultura geral, com ênfase nos fins, ideais, é
suplantada pelas Leis n. 5540/68 e 5692/71, que traçando uma linha tecnicista, buscaram a
adaptação à sociedade, a quantidade, a cultura profissional enfatizando os meios,
metodologias de microensino, máquinas de ensinar, enfoque sistêmico, telensino, ensino
programado a distância e outros.
1049
O principal objetivo deste artigo foi pontuar as interpretações realizadas pelos autores
indicando as convergências e divergências dos mesmos em relação à escola nova no Brasil.
Inicialmente indicou-se através do discurso de Nagle (2004) que a década de 20 com
seus profissionais na educação, posicionando-se como especialistas, buscavam através do
otimismo pedagógico uma mudança de modelo, dentro da idéia de modernidade, e crença na
ciência e na técnica, que seria a escola nova. Enquanto, por outro viés, Saviani (2006)
estabelece as bases estruturais da escola nova no Brasil no final do século XIX, mas com sua
consolidação e expansão apenas após a revolução de 1930, ou seja, na segunda fase do
chamado longo século XX, onde os reformadores liberais efetivam a expansão do ideário
renovador. Finalmente, Hilsdorf (2006), produz uma visão alternativa ao discurso tradicional
sobre a escola nova no Brasil. Neste sentido, Hilsdorf (2006), questiona a importância dos
reformadores liberais dentro do movimento educacional brasileiro, enfatizando o papel
destacado dos católicos neste processo, bem como, o caráter conservador e principalmente
vinculado ao nacionalismo que a educação brasileira terá em consonância com a escola nova.
Mais do que a uma conclusão este artigo buscou possibilitar uma pequena discussão
sobre a diversidade de análises e interpretações produzidas pela historiografia referentes à
escola nova no Brasil.
REFERÊNCIAS
BITTENCOURT, Circe M.F. Produção didática e programas de ensino das escolas paulistas
nas primeiras décadas do século X. Revista da FEUSP, 15, 2 (1989): 167-187.
FREITAS, Marcos Cezar de. Educação Brasileira: dilemas republicanos nas entrelinhas de
seus manifestos. Histórias e memórias da Educação no Brasil, vol. III: século XX/ Maria
Stephanou, Maria Helena Câmara Bastos (Org.). – Petrópolis: Vozes, 2005.
HILSDORF, Maria Lucia Spedo. História da educação brasileira: Leituras. São Paulo:
Thomson Learning Edições, 2006.
OLIVEIRA, S.T. de. A educação na Primeira República. FAUSTO, B.(org). História geral
da civilização brasileira, v.9. São Paulo: Difel, 1977.