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O Poema Infinito

de Wlademir
Dias-Pino

Cirandar 1
Coordenação Editorial Projeto Gráfico
Aline Duarte Paola Hystellen Leal Ludegero
Luis Almeida Pinto

EX Redação
Luisa Freitas da Costa
Leonardo Alves de Brito

Juliana Andrade Reportes

PE Ana Luisa Farias Paulo Herkenhoff


Solange Godoy

DI Equipe de Produção Editorial


Rodrigo Martins
José Antonio Lima
Ilustradores
José Antonio Lima

EN Daysi Bregantini

Revisão
Daysi Bregantini

Revista Cirandar

TE Elisa dos Santos


Marília Bertotti
Praça Mauá, 5, Centro
Rio de Janeiro – CEP 20081-240
Tel (21) 3031 2741
Editor de Arte e Fotografia relacionamento@cirandar.com.br
Edmundo Serra www.revistacirandar.com.br

2
A
Revista Cirandar é uma publica-
ção focada em todas as pesso-
as que tem interesse em arte e
cultura, sendo este o seu conteúdo. Ela foi
criada em parceria com a escola do olhar
E
que é uma instituição do Museu de Arte
do Rio - MAR, e visa levar o conhecimento
sobre o mundo artístico, mostrando novas
di
visões do que seria arte, criando assim,
novas perpectivas que incentivam nossos
leitores a buscar mais sobre o assunto.
to
Nesta primeira edição iremos mostrar en-
trevistas, reportagens e informações sobre
ri
exposições atuais. E, para para ilustrar a
nossa capa Revista Cirandar trazemos a
obra feita por Elvis Silva, que mostra um
al
grupo de crianças brincando, sendo este
um reflexo do futuro que queremos para
quem irá ler a Cirandar. Nós desejamos
que todos possam interajir e ver a arte não
como algo estranho, mas sim, como parte
de seu dia-a-dia, algo familiar.

Cirandar 3
CO
LA
BO
RA Evandro Salles Marcelo Campos
DO Atual diretor do Museu de Arte do Rio –
MAR, Evandro tem ampla atuação nas
artes plásticas. Ele fundou e dirigiu entre
Professor Adjunto do Departamento de
Teoria e História da Arte do Instituto
de Artes da UERJ. Professor da Escola

RE 1992 e 1996, a Fundação Athos Bulcão,


foi cofundador da Galeria Arte Futura
(Brasília), fundador do Instituto CASA
de Artes Visuais do Parque Lage.
Doutor em Artes Visuais pelo PPGAV
da Escola de Belas Artes/ UFRJ.

S (Rio) e atuou como secretário adjunto


de Cultura do Distrito Federal, de 1997 a
Desenvolveu tese de doutorado sobre
o conceito de brasilidade na arte con-
1998. Como curador, concebeu importan- temporânea. Possui textos publicados
tes exposições, tais como “Amilcar de sobre arte brasileira em periódicos e
Castro: Repetição e Síntese”, “Mestres catálogos nacionais e internacionais.
Espanhóis e a Gravura”, “Gráfica Utópica:
Arte Gráfica Russa 1904-1942” e “Flu-
xus”, entre outras.

4
Elvis da Silva Rosa Amélia
O Artista Plástico Elvis da Silva trabalha
com ações étnico raciais e racismo
Barbosa
Professora do Ensino Básico Técnico
dentro das escolas do Brasil, (Cultura
e Tecnológico no IFPR. Mestre em
Negra e Cultura Indígena), foi funcionário
Educação pela Universidade Federal de
concursado da Receita Federal, depois
Uberlândia. Possui graduação em Peda-
Funcionário Público Especial concursa-
gogia (FAMA - 2015) e em Artes Visuais
do, na AM, MG, RS, e SP, permanecendo
(CESUBE - 2006). Atuou como Analista
em tais atividades por 25 anos, sempre
Educacional na Superintendência Regio-
desenvolveu a arte em sua vida e o arte-
nal de Ensino de Patrocínio (SEE/MG).
sanato em diferentes regiões do Brasil.
Atualmente pesquisa sobre a formação
cidadã no âmbito das políticas públicas
educacionais do Brasil e o componente
curricular Arte na rede pública. Desenvol-
ve projeto de extensão relacionado a
arte e a cultura.

Cirandar 5
su Entrevista brasil
má´ Enquanto bebo a água,
Cenário
comtenporâneo do
8 a água me bebe
20 cinema Brasileiro

ri Marcio de Oliveira Fonseca


Daysi Bregantini

O Mercado brasileiro

o artigo
24 de arte
José Antonio Lima

A cor do brasil

12 Paulo Herkenhoff e
Marcelo Campos
capa
Linguagens do corpo
Poema Infinito
18 Carioca
Por Luiz Camillo Osorio
26 Por Evandro Salles

6
~
educação ENTRETENIMENTO
Benefícios da arte no
Faça você mesmo
34 contexto escolar
Rodrigo Martins
44 José Antonio Lima

Projeto Escola do
~
Painel de arte
37 Olhar
Rodrigo Martins
46 Por Luiz Camillo Osorio

Agenda do mês

´
CRÍTICA
48 Juliana Andrade

Crítica: Exposição
Medo de pular
41 Capa em cores
Marcio de Oliveira Fonseca
50 Luisa Freitas da Costa

Cirandar 7
Entrevista
Artista Lúcia Laguna. São Paulo (SP)
Foto: José Paulo Lacerda

Enquanto
bebo a
´água,
a ´água
me bebe

Entrevista com Lucia Laguna


Por Marcio de Oliveira Fonseca

8
L
ucia Laguna cria paisagens que While I drink water, water drinks me
são cartografias de um camin-
hante sem destino e sem pressa. Laguna creates landscapes that are
Malhas sobrepostas, marcadas pelo tempo cartographies of a walker with no destination
que age sobre a urbe e por entre a pintura. and no hurry. Overlapping meshes, marked
E, por mais impressionantes que sejam by the time that acts upon the city and among
essas paisagens, geografias-mundo de uma the painting. And, no matter how impressive
grafia imaginal de mundo ainda em insinu- these landscapes are, world-geographies
ação, estamos diante de um conteúdo de of an imaginal spelling of a world still being
impressões rotineiras, de cunho doméstico, hinted at, we face a content of routine
que resumem o desejo da pintora de pairar expressions, of domestic character, that sum
sobre seus próprios fragmentos, sua própria up the painter’s desire to hover above her own


história, sua própria espreita. Pinta tudo o fragments, her own history, her own ambush.
que vê, e o que não se vê. O que paira. O halo She paints everything that she sees, and what

Pinta tudo o
delicado dos avistamentos do vale, da fave- she doesn’t see. All that hovers. The delicate
la, e das vigílias solitárias durante a noite, halo of sightings of the valley, of the favela
and of the solitary vigils during the night, the
que vê, e o que
quando a escuta atua mais que a equivoca-
da visão. Esse é seu território, aquele que sense of hearing functions better than the
resume seu desejo de continuar a marcha, mistaken vision. This is her territory, the one
mesmo quando o deslocamento se encerrou that resumes her desire to continue the march, não se vê. O
e tudo o que sobra para a navegante é con- even when the displacement is over and all
fundir “porto” com “bordo”. that remains is for the navigator to confuse
“port” with “board”.
que paira.

Laguna nasceu em Campos de Goytaquases
em 1941. Aos 30 anos formou-se em Letras, Laguna was born in Campos de Goytaquases,
tendo trabalhado em escolas pública e in 1941. When she was 30, she graduated in
particular lecionando Português e Literatu- Literature. She worked in public and private
ra. Em 1984, iniciou sua formação artística schools as a teacher. In 1984, she began
na Escola de Artes Visuais do Parque Lage. her artistic training at the Visual Arts
Sua primeira exposição individual aconte- School of Parque Lage. Her first exhibition
ceu em 1998. Uma carreira que conta com was in 1998. Her career includes several
diversos prêmios como o Programa Rumos awards such as the Rumos Artes Visuais
Artes Visuais do Instituto Itaú Cultural, o Program of the Itaú Cultural Institute, the
Prêmio SESI Marcantônio Vilaça e duas indi- Marcantônio Vilaça SESI Award and two
cações para o Prêmio Pipa, em 2011 e 2015. nominations for the Pipa Award in 2011

Cirandar 9
Entrevista

Participou da Bienal de São Paulo em manhos diversos que foram remanejadas em O que é ser uma pintora no século XXI?
2012, onde sua pintura abstrata discute a três montagens – a inicial da abertura, outra Repito a resposta que dei ao Paulo Herken-
paisagem, o jardim e o espaço onde a artista que foi em outubro e outra em novembro. Os hoff numa entrevista em 2007: Um pintor
mora. Vive e trabalha no Rio de Janeiro e hoje quadros foram trocados de lugar e posição e contemporâneo tem de lidar com limites a
é representada pela Galeria Fortes Vilaça, outros inéditos foram acrescentados. afirmações, e quase fazer uma confissão
São Paulo. Em entrevista a Marcio Fonseca, de fé na força inesgotável da pintura e sua
Lucia nos conta um pouco desta história. posição única na produção contemporânea

Lucia, como a arte entrou na sua vida?


Como você sabe, Márcio, minha história com

Acho que pintar
(assim era quando eu comecei em 1994. Acho
que pintar é sobre isso: o trabalho se constrói
entre dúvidas e questionamentos. Gosto de

a pintura foi como as de amor à primeira pensar no mundo como superfície, usar as

é sobre isso:
vista: a gente se apaixona e quer saber tudo imagens, transformá-las, construí-las e des-

do outro. Esta sempre foi a minha pretensão, construí-las no momento mesmo em que se

o trabalho se
esquadrinhar a História da Arte, aprender com formam, segundo meu processo nômade...

meus ídolos, copiar e repetir até ganhar algu-


ma experiência que me ajudasse a encontrar Como foi sua formação na pintura?

um caminho entre o passado e o contemporâ- constrói entre Comecei a pintar depois de me aposentar,

neo. E esta é uma busca que nunca termina. aos 54 anos, em 1994, após uma carreira

dúvidas e ques- de 30 anos como professora de Lingua


Portuquesa. Na Escola de Artes Visuais do
Sua primeira participação na Bienal de São
Paulo, foi em 2012. Qual foi a sensação
diante do convite e o que você mostrou lá?
tionamentos. “ Parque Lage, fiz cursos teóricos e práticos
com Luis Ernesto, Charles Watson, Kate

A surpresa do convite para a Bienal me trouxe van Scherpenberg, João Magalhaes, Paulo

uma grande alegria, como se estivesse rece- Sergio Duarte e outros. Considero que devo

bendo uma medalha olímpica por correr con- muito do pouco que sei às viagens monitora-

tra o tempo! Recomecei a pintar ferozmente. das que fiz com Charles Watson no Projeto

Agora, é só desfrutar da alegria de pintar. Lucia, sabemos, que você costuma escrever Dynamic Encounters, visitando vários mu-
num painel de seu ateliê o nome dos artistas seus no mundo, ateliês de artistas, debates

A mostra foi a verdade do meu trabalho no influenciadores de seu pensamento, você com os professores. que nos acompanha-

ateliê. São muitos - ficam dispostas como no poderia dividí-los conosco? vam... Tenho uma série de pinturas sobre o

ateliê, alguns bem próximos uns dos outros É uma longa lista que aumenta sempre ...Vou subúrbio do Rio e outras que se referem ao

para explorar uma possivel relação entre citar alguns... Paolo Uccelo, Morandi, Piero ateliê e ao jardim de casa. Ou seja, meu lugar

eles...Há quadros que se referem diretamente della Francesca, Goya, Phillip Guston, Bispo no mundo é o meu assunto.

ao espaço do Pavilhão da Bienal e seu entor- do Rosario, Richard Deacon, Tony Cragg, Sean

no ( “O mundo é o que se vê de onde se está”. Scully, Turner, John Baldessari, Cristina Cana-

Milton Santos). No total são 35 obras de ta- le, Beatriz Milhazes... entre muitos outros.

10
and 2015. She participated in the São Paulo see Where you are. “Milton Santos). There are
Biennial In 2012, where her abstract painting 35 works of various sizes that were remade
discusses the landscape, the garden and in three assemblies – the first group in the
the space where the artist lives. She lives opening, another in October and other in
and works in Rio de Janeiro and today it’is November. The tables were changed place and
represented by Galeria Fortes Vilaça, São position and other unpublished were added.
Artista Lúcia Laguna
Paulo. In an interview with Marcio Fonseca, Foto: José Paulo Lacerda
Lucia tells us about this story. Lucia, you used to write on a panel of your
studio the name of the influential artists of
Lucia, how did art come into your life? your thought, could you share them with us?
As you know, my story with the painting was It is a long list that always increases ... I will
like love at first sight: we fall in love and want mention some ... Paolo Uccelo, Morandi,
to know everything about the other. This has Piero della Francesca, Goya, Phillip Guston,
always been my pretense, to scan the history Bishop do Rosario, Richard Deacon, Tony
of art, to learn from my idols, to copy and to Cragg, Sean Scully, Turner, John Baldessari,
repeat until I even gained some experience Cristina Canale , Beatriz Milhazes ... among
that would help me find a way between the many others.
past and the contemporary. And this is a
quest that never ends. How is it to be a painter in the 21st century?
I repeat the answer I gave to Paulo
His first participation in the São Paulo Herkenhoff in 2007: A contemporary painter
Biennial was in 2012. What was the feeling of has to deal with limits to affirmations, and
the invitation and what you showed there? almost make a confession of faith in the as a teacher of Lingua Portuquesa. Then I

The surprise of the invitation to the Biennial inexhaustible force of painting and his unique took theoretical and practical courses with

brought me great joy, as if I were receiving position in contemporary production (that Luis Ernesto, Charles Watson, Kate van

an Olympic medal for running against time! is when I started in 1994. I think painting is Scherpenberg, João Magalhaes, Paulo Sergio

I started painting again fiercely. Now, just about this: work is built between doubts and Duarte and others at the Visual Arts School of

enjoy the joy of painting. questions. I like to think of the world as a Parque Lage.Also, I consider that I’ve learned

surface, to use images, to transform them, to very much with Charles Watson at the Dynamic

The exhibition was the truth of my work in construct them and to deconstruct them at Encounters Project, visiting several museums

studio. There are many works - they are the moment they are formed, according to My around the world, doing artists’ workshops

arranged like my studio, some them are very nomadic process and debating with teachers who accompanied

close to each other to explore a possible us ... Now I have a series of paintings about

relationships… There are pictures that refer How was your training in painting? the suburb of Rio and others that refer to my

directly to the space of the Biennial Pavilion I started painting after retiring, at the age studio and my house garden. That is all, my

and its surroundings (“The world is what you of 54, in 1994, after a career of 30 years place in the world is my subject.

Cirandar 11
Artigo

A
cor
do
bra
sil
The colour of Brazil
Por Paulo Herkenhoff
e Marcelo Campos

Abaporu/Abaporu- 1928
Tarsila do Amaral

12
Não há cor neutra. Além de ser fenômeno
óptico, a cor é construção social. Por
atuar no campo do sensível, atua também
politicamente. Assim, da experimentação
das formas de percepção à dimensão pública
da cor, colorir nunca foi um ato ingênuo,
apolítico ou arbitrário.
There is no neutral colour. As well as being an optical phenomenon,
colour is a social construction. And as it acts in the field of sensitivity,
it also acts politically. As such, from the experimentation of forms of
perception to the public dimension of colour, colouring has never been
a naive, apolitical, or an arbitrary act.

S
ão muitos os projetos da cor na sociedade. A exposição A cor do Brasil apresenta
percursos, inflexões e transformações da cor na história da arte brasileira. Ao ini-
ciar com os projetos da cor dramática do barroco, a paleta cromática da natureza
dos pintores viajantes dos séculos XVII-XIX, e as investigações acadêmicas afrancesadas,
a mostra abre um largo panorama para as experimentações modernas em torno da cor no
século XX. Obras de artistas tão importantes quanto Anita Malfatti, Tarsila do Amaral, Flávio
de Carvalho, Emiliano Di Cavalcanti, Ismael Nery, Lasar Segall, Vicente do Rego Monteiro e
Candido Portinari conformam um vibrante percurso pelo momento histórico em que o Brasil
se inventa como nação, de pletora das cores pau-brasil, em que a cor adquire papel crucial.

Cirandar 13
Artigo

Mais adiante, a segunda sala da exposição da cor na atualidade, agora pensando um


exibe o período em que se busca desvincular Brasil ampliado, de Norte a Sul, a exemplo de
a cor de sua dimensão nacionalista para radi- um núcleo dedicado à revisão da ideia do “na-
calizar experimentos prioritariamente percep- cional”, que tem na bandeira seu maior ícone.


A cor do Brasil retoma as impli-
cações e os projetos políticos da
cor na atualidade, agora pensando
um Brasil ampliado... “
tivos, coadunados à autonomia da arte. É o Intenções e ressonâncias múltiplas da cor se
ambiente tanto do Núcleo Bernardelli, com os revelam através da arte: colorir inventa uma
primeiros exercícios frente à abstração, quan- nação; a transforma em república; recria – por
to da afirmação construtiva no Brasil, com os meio da paisagem – a relação do homem com
movimentos concretos e neoconcretos, dos a natureza, com a terra, com o minério, com
quais aqui destacamos obras-primas de artis- o céu, com as nuvens; interpõe ciência e arte;
tas ainda pouco conhecidos do público, como promove encontros entre culturas distintas,
Décio Vieira, Aluísio Carvão e Ivan Serpa. A modos de colorir o corpo, afirmação política
última sala da mostra parte da gestualidade entre cor e etnicidade; reposiciona o corpo;
abstrata nipônica de artistas como Manabu atua politicamente; simboliza. Recria, con-
Mabe, Flávio-Shiró e Tomie Ohtake e conduz stantemente, os modos de perceber, inclusive
o visitante à voluptuosidade da cor gestual na ausência de cor ou nos projetos de “cor
da Geração 80, cujas pesquisas em pintura inexistente” (Israel Pedrosa). O que se impõe
conformaram uma fase única na arte do país. em A cor do Brasil é a força da arte desde um
Alcançando o século XXI, A cor do Brasil dos seus gestos mais precípuos e, portanto,
retoma as implicações e os projetos políticos fundamentais: a invenção da cor.

14
There are many projects of colour in society. are revealed through art: colour invents a
The exhibition A cor do Brasil [The colour nation; it transforms it into a republic; it
of Brazil] presents the inflections and recreates – through the landscape – the
transformations of colour in the history of relationship of man with nature, with the
Brazilian art. Starting from the dramatic colour earth, with minerals, with the sky, and with
projects of Baroque, the chromatic pallet the clouds; it interposes science and art;
of nature of the travelling painters from the it promotes meetings between distinct
17th-19th centuries, and from French-like cultures, forms of colouring the body, and
academic investigations, the exhibition opens the political affirmation between colour and
a wide panorama for modern experimentations ethnicity; it repositions the body; it acts
relating to colour in the 20th century. Works politically; and it symbolises. It constantly
by such important artists as Anita Malfatti, recreates means of perception, even in
Tarsila do Amaral, Flávio de Carvalho, Emiliano the absence of colour, or in projects of
Di Cavalcanti, Ismael Nery, Lasar Segall, “inexistent colour” (Israel Pedrosa).
Vicente do Rego Monteiro and Candido
Portinari form a vibrant journey through the What is imperative in A cor do Brasil is the
historical moment in which Brazil invented strength of art from one of its essential,
itself as a nation, from the plethora of colours and therefore fundamental gestures: the
of the Brazilwood tree, in which colour takes invention of colour.
on a crucial role. Procissão / procession - 1941
Tarsila do Amaral

Moving on, the second room of the


exhibition shows the period in which the
disconnection of colour from its nationalist
dimension was sought, in order to radicalise
experiments that were, as a priority,
perceptive, and linked to the autonomy
of art. It is the environment both of the
Bernardelli Group, with the first exercises
into abstract, as well as the constructive
affirmation of Brazil, with the concrete and
neo-concrete movements, from which the
masterpieces of artists who remain little-
known to the public stand out here, such as
Décio Vieira, Aluísio Carvão and Ivan Serpa.
Multiple intentions and resonances of colour

Cirandar 15
Artigo

Cor, vida, luto


e resistência

A
s vivências sociopolíticas que os extremos da ausência absoluta da luz
fundamentam o severo projeto de no preto ou da luminosidade cegante. Falar
cor de Anna Maria Maiolino são de si, para Anna Maria, é afirmar que cada
atravessadas pelo trauma das privações indivíduo tem seu inventário de perdas,
oriundas da Segunda Guerra e por uma dobras da alma, memórias do corpo vibrátil,
história de migrações. Seu reduzido grupo afetos. Para ela, lugar é o espaço onde a
de cores constrói a contundência visual que subjetividade possa existir em busca da
indaga sobre o lugar do sujeito em errância plenitude dolorida da expressão. É dessa
no mundo moderno, dos papéis fluídos da ampla cartografia entre o luto e a resistên-
mulher, das instâncias significativas da arte cia que surge a positividade desta obra
na sociedade, da matéria primal do mundo, sobre a ventura e a dor de viver.
do pão, do desejo, do amor, do medo e da
fome antropofágica. Seus Mapas mentais O Museu de Arte do Rio – MAR abre ao
dão conta de um itinerário pessoal que só público A cor do Brasil, exposição que
encontra refúgio na exposição do desabrigo. traça a trajetória da arte brasileira desde o
O vermelho sanguíneo que atravessa sua período colonial até o século XXI. A mostra
Museu de Arte do Rio - MAR
Exposição “A cor do Brasil/ The obra é a suficiência da cor vital que resolve reúne mais de 300 peças, vindas da Argen-
colour of Brazil”
tina, do México e de outras 12 instituições
espalhadas pelo Brasil, que cederam parte
de seus acervos para a montagem da mais
completa antologia da cor já apresentada
na cidade do Rio de Janeiro.

O percurso é formado por obras-primas que


vão de Frans Post – um dos mais importantes
artistas neerlandeses, que no século XVII par-
ticipou de expedição pelo nordeste do Brasil
– a Tarsila do Amaral, considerada a primeira
dama do modernismo nacional e autora de
Abaporu (1928) e Antropofagia (1929), pintu-
ras mundialmente conhecidas que retornam à

16
cidade pela primeira vez desde o começo do
século XX. O público também terá a oportuni-
dade de apreciar o elogio da beleza nas cores
de Eliseu Visconti e Beatriz Milhazes.

The sociopolitical experiences that underlie


the severe color scheme of Anna Maria
Maiolino are traversed by the trauma of the
deprivations of the Second World War and
a history of migration. Her small group of
colors builds the visual force that inquires
about the place of the subject in wandering in
the modern world, the fluid roles of women,
the significant instances of art in society,
the primal matter of the world, bread, desire,
love , Fear and anthropophagic hunger. His gathers more than 300 pieces from Argentina, Museu de Arte do Rio - MAR
Mindmaps realize a personal itinerary that Exposição “A cor do Brasil/ The
Mexico and other 12 institutions spread colour of Brazil”
only find refuge in homelessness exposure. throughout Brazil, which have transferred part
The blood red that goes through his work is of their collections to the assembly of the most
the sufficiency of the vital color that resolves complete anthology of color already presented
the extremes of absolute absence of light in the city of Rio de Janeiro.
in black or blinding luminosity. To speak of
oneself, to Anna Maria, is to affirm that each The course consists of masterpieces ranging from Frans
individual has his inventory of losses, folds Post - one of the most important Dutch artists,
of the soul, memories of the vibrating body, who in the seventeenth century participated in
affections. For her, place is the space where an expedition in northeastern Brazil - Tarsila
subjectivity can exist in search of the painful do Amaral, considered the first lady of national
fullness of expression. It is from this ample modernism and author of Abaporu ( 1928) and
cartography between mourning and resistance Anthropophagy (1929), world-known paintings
that the positivity of this work appears on the that return to the city for the first time since
happiness and pain of living. the beginning of the 20th century. The public
will also have the opportunity to enjoy the
The Rio Art Museum - MAR opens the public compliment of beauty in the colors of Eliseu
The color of Brazil, an exhibition that traces Visconti and Beatriz Milhazes.
the trajectory of Brazilian art from the colonial
period to the 21st century. The exhibition

Cirandar 17
Artigo Se é pra ser amor, que marque a alma/
If It’s Meant to be Love,
Let It Brand the Soul! (2014)
Alexandre Mazza

Por Luiz Camillo Osorio

Linguagens do a vertigem
do Rio
corpo carioca
O
Museu de Arte do Rio inaugura A abordagem transversal, característica comum as multidões nos jogos no Maracanã, manifes-
Linguagens do corpo carioca [a às mais diversas mostras do MAR, se repete em tações políticas e até as filas do INSS. A famosa
vertigem do Rio]. Resultado de Linguagens do corpo carioca, que é dividida em ginga das capas de discos da bossa nova, a cul-
uma vasta pesquisa realizada sob a curadoria núcleos e traz à tona as mais diversas faces da tura afro, a relação com o mar e personagens do
de Paulo Herkenhoff e cocuradoria Milton Gu- vida na cidade. Entre as tendências lançadas imaginário do Rio também integram a mostra.
ran, a exposição reúne 800 obras de artistas por aqui estão o highline (exercício de equilíbrio
como Evandro Teixeira, Pierre Verger, Mario sobre uma fita elástica esticada entre dois Na contramão das belezas de ser carioca, o
Testino, Bruno Veiga e Ana Stewart, entre out- pontos fixo no alto) e o surfe no trem. A cama- visitante é confrontado com um Rio melancólico
ros nomes que captaram a essência da alma radagem e a aproximação entre as classes, e marcado pela violência, por uma oposição ao
carioca por meio de seus trabalhos. A mostra possível devido à segregação social marcante, prazer. Nesse contexto, três séries merecem
integra a programação do FotoRio 2016 e tem estarão presentes em imagens do antigo Píer destaque: a primeira, da artista Ana Khan,
o apoio do banco J.P. Morgan. de Ipanema e dos cotidianos do samba e das mostra o vazio deixado no exato local onde
comunidades. Também serão representadas pessoas foram vítimas de balas perdidas;

18
seguindo a mesma poética, fotos do coletivo their work. The exhibition is part of the at the INSS work and pensions office. The
Mão na Lata, feitas com uma câmera pinhole FotoRio 2016 programme and is sponsored by famous hip swinging covers of Bossa Nova
– que por ter uma fixação lenta da imagem não the J.P. Morgan bank. albums, Afro culture, the relationship with the
capta movimentos – mostram locais onde há sea, and the characters of the imagery of Rio
somente construções, sem qualquer tipo de On show throughout the Olympic Games, the also feature in the exhibition.
vida; fechando o núcleo, a série “Universidade exhibition takes as its starting point the body

Federal”, de Walter Carvalho, reflete sobre os of the people who live in the city in order to Going against the beauty of being Carioca,
lugares do crime na cidade. bring into discussion social identity as a kind the visitor is confronted by a melancholic Rio
of gestural slang. This transversal approach, a that is marked by violence, by an opposition
Body discourses [the vertigo of Rio] common characteristic in many exhibitions in to the pleasure. In this context, three series
MAR, is repeated in Body discourses, which is deserve attention: the first, by the artist
The Museu de Arte do Rio, under the divided into sections and brings the tone of the Ana Khan, shows the void left in the exact
management of Instituto Odeon, opens Body most diverse facets of life in the city. spot where people were the victims of stray
discourses [the vertigo of Rio]. The result of bullets; following this same poetic, photos by
wide-ranging research carried out under the Among the trends that are launched here are the the collective Mão na Lata, taken by pinhole
curatorship of Paulo Herkenhoff and co- highline and train surfing. The camaraderie and cameras – which due to the slow fixation of
curatorship of Milton Guran, the exhibition the closeness between classes, made possible the image don’t capture movement – show
brings together 800 works by renowned artists by strong social segregation, are present in places where there are only constructions,
– such as Evandro Teixeira, Pierre Verger, Mario images of the old Ipanema Pier and the day- without any kind of life; finishing of this
Testino, Bruno Veiga and Ana Stewart – and to-day of samba and the favela communities. section is the Federal University series,
names that are less well-known, but who equally Also on show are the masses in the Maracanã by Walter Carvalho, reflecting upon crime
capture the essence of the Carioca soul through stadium, political protests and even the queues scenes in the city.

Salto em Copacabana/
Jumping in Copacabana (2013)
Fábio Teixeira

Cirandar 19
Exposições

O Poema
Infinito
de
Wlademir
Dias-Pino
The infinite poem of Wlademir Dias-Pino
Por Evandro Salles

20
26
É
preciso entender sua vida partil-
hada entre duas cidades (Rio de

O surpreendente universo poético de Janeiro e Cuiabá) e os diversos


focos de seu trabalho, do dia a dia de artista
Wlademir Dias-Pino, artista seminal para à atuação política na fundação da Univer-

a história da poesia visual, da arte con- sidade da Selva (hoje Universidade Federal
do Mato Grosso) – experiência inovadora no
creta, do poema/processo, do design e campo universitário brasileiro na década de

da educação no Brasil e a enorme con- 1970 –, e também a intensa atividade como

tribuição de sua obra que – iniciada des-


teórico do design e programador visual. A
escolha por esses territórios, discretos se

de a adolescência, com trabalhos já aos comparados à estridência hegemônica de

11 anos de idade – ainda não foi plena- outros centros do Brasil, certamente segre-
daram as inovações e as experimentações de
mente reconhecida. Wlademir. É, portanto, com especial entusias-
mo que o MAR apresenta a mostra O poema
infinito de Wlademir Dias-Pino, organizada
The surprising universe of Wlademir Dias-Pino, great artist
pelo artista e curador Evandro Salles.
for the history of visual poetry, concrete art, poem-process,
design and education in Brazil, and the enormous contribu-
Nascido no Rio de Janeiro, Dias-Pino
tion of his work that – that begun since he was 11 years old
migra ainda criança para o Mato Grosso e
- has not yet been fully recognized.
retorna à capital fluminense para se tornar
um dos precursores da poesia concreta e

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Exposições

uma relevante referência para os preceitos Já o último é uma brincadeira que associa
neoconcretos. Nesse contexto, passa a palavras a números, gerando poesia a par-
compreender que seu interesse é menos tir de formulações aritméticas, numa críti-
pelo sentido ou pela forma final da poesia, ca à toda ideia de inspiração do artista.
mas sobretudo pelos modos de estruturar
o poema – de sua materialidade ao caráter Na exposição, visando ampliar a experiência
participativo do leitor –, o que o estimula a sensorial dos trabalhos, tais livros-poemas
criar, junto a outros artistas, o movimento do foram transformados em grandes instalações
poema/processo (1967-1972). Paralelamente magnéticas, nas quais os elementos serão
aos dois movimentos que dominavam o eixo construídos e rearranjados pelo visitante.
Rio-São Paulo nas décadas de 50 e 60, Di- Outro destaque da exposição é a Enci-
as-Pino, junto a Álvaro de Sá e outros artistas clopédia Visual Brasileira, na qual o artista


do Rio Grande do Norte, Pernambuco, Minas vem trabalhando nos últimos 20 anos. Com-
Gerais e Mato Grosso, desenvolve esse mét- posto por 1001 volumes, o trabalho pretende
odo de vanguarda que repensa o poema para apresentar, por meio de pranchas resultantes

...seu interesse além de sua dimensão de signo linguístico, da montagem alegórica de referências cul-
transformando o livro ou qualquer outro turais diversas, a história da construção da

é menos pelo suporte em poemas, manipuláveis simbólica,


estrutural e fisicamente pelo leitor.
imagem no mundo.

sentido ou pela A exposição toma como eixo central quatro


A obra de Wlademir Dias-Pino, sua bi-
ografia, suas principais interlocuções, os

forma final da poemas: O dia da cidade, Ave, Solida e


Numéricos. No primeiro, o artista conecta os
marcos históricos de sua trajetória, suas
referências e suas principais propostas es-

poesia, mas so-


versos a linhas, descreve pontos de Cuiabá tarão reunidas e articuladas, na exposição,
– centro geodésico da América do Sul – e na mais completa cronologia já elaborada
forma um grande mapa, já trazendo para a sobre o artista. Fartamente ilustrada, e

bretudo pelos arte questões relacionadas à cartografia. No apresentando também os documentos


segundo poema, páginas transparentes e pa- relativos a cada ponto dessa linha do

modos de estru- lavras soltas apresentam diversas possibili- tempo, a cronologia oferece uma opor-
dades de leituras, enquanto o terceiro, Solida, tunidade ímpar de contextualizar a obra

turar o poema...
“ se apropria da ambiguidade entre as palavras
solidão e sólida para convidar o leitor a dar
de Dias-Pino e perceber, em perspectiva,
sua crucial relevância para o panorama
corpo ao poema através da manipulação das nacional e internacional da arte, da poesia
páginas do livro. e da programação visual.

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It is necessary to understand he shared Grosso, developed this avant-garde method intends to present, through boards
his life between two cities (Rio de Janeiro that rethinks the poem beyond its linguistic resulting from the allegorical assembly of
and Cuiabá) there are various points of sign dimension. Also transforming the book diverse cultural references, the history of
his work, from day by day as an artist with or any other medium into poems, handled as the construction of the image in the world.
political action at the University of Selva symbolically, structurally and physically
(now Federal University of Mato Grosso) – way by the reader. The work of Wlademir Dias-Pino, his
where developed innovative academics biography, his main interlocutions, the
experiences in the 1970s – and also his The exhibition takes as central axis four historical milestones of his trajectory,
acted as a theorist of design and visual poems: The day of the city, Ave, Solida e his references and his main proposals
communication. Wlademir choose for Numéricos. In the first, the artist connects will be gathered and articulated in the
lives in these territories, on the center the verses to lines, describes points of exhibition, in the most complete chronology
of Brazil, certainly hided the innovations Cuiabá - geodesic center of South America already elaborated on the artist. The
and the experiments of him. Because of - and forms a great map, already bringing chronology provides a unique opportunity
that today MAR has special enthusiasm to to the art questions related to cartography. to contextualize Dias-Pino’s work and to
presents the exhibition The infinite poem In the second poem, transparent pages and perceive, in perspective, its crucial relevance
of Wlademir Dias-Pino, by the artist and loose words present different possibilities of to the national and international panorama of
curator Evandro Salles. reading, while the third, Solida, appropriates art, Poetry and visual programming.
the ambiguity between the words solitude
Dias-Pino born in Rio de Janeiro and and solid to invite the reader to give body
moved still a child to Mato Grosso. He to the poem by manipulating the pages of
returned to Rio de Janeiro to became one the book. The latter is a joke that associates
of the main writes of concrete poetry and a words with numbers, generating poetry from
reference to neoconcrete precepts. In this arithmetic formulations, in a criticism of the
context, he begins to understand that his whole idea of the artist’s inspiration.
interest is less in the sense or final form of
poetry, but more especially in the ways of In the exhibition, in order to extend the
structuring the poem – from its materiality sensory experience of the works, these
to the participatory character of the reader. poem-books were transformed into
It encourages him to create with other large magnetic installations, in which
artists The movement of the poem/process the elements will be constructed and
(1967-1972). Simultaneously to the two rearranged by the visitor. Another highlight
movements from Rio-São Paulo in the 1950s of the exhibition is the Encyclopaedia
and 1960s. Dias-Pino worked with Álvaro Visual Brasileira, in which the artist
de Sá and other artists from Rio Grande do has been working in the last 20 years.
Artista Wlademir Dias-Pino
Norte, Pernambuco, Minas Gerais and Mato Composed of 1001 volumes, the work
Foto: Ana Branco

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Exposições

O poema
a obra-labirinto de Wlademir Dias-Pino por
qualquer um de seus lados, de suas pontas

e
ou portas.

Prestes a completar 89 anos, Wlademir

a obra
trabalha, como sempre o fez, intensa e pro-
ficuamente, idealizando projetos dos quais
produz longas séries de trabalhos, milhares
de imagens. Sua obra visual/literária é, ainda,
em larga medida inédita, desconhecida mes-
mo de seus admiradores. Esta obra material-

E
stamos diante do Poema Infini- iza-se hoje como um campo de descobertas
to, uma obra que não possui um e revelações surpreendentes, impondo uma
começo e um fim: ela consiste em urgente revisão de seu papel nas vanguardas
um todo em processo, como um labirinto, artísticas brasileiras. O poema Dia da cidade,
no qual cada parte se entrelaça à outra, de 1948, ou a Enciclopédia visual brasileira,
formando uma rede de confluências advindas aqui expostos pela primeira vez com suas
de pontos distintos. Da mesma forma que necessárias configurações e grandezas, bem
diante de uma pintura, podemos adentrar como a oportunidade de conhecer as edições


Estamos diante do Poema Infinito,
uma obra que não possui um
começo e um fim: ela consiste
em um todo em processo,
como um labirinto... “
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originais raríssimas dos livros A ave e Solida, meio da criação do que denomina versões O Museu de Arte do Rio apresenta
são exemplos gritantes dessa urgência. – propõem sistemas e não modelos formais O poema infinito de Wlademir
Por isso, mesmo que possa parecer absurdo acabados. Dias-Pino, que traz ao conheci-
construir uma cronologia para um labirinto, mento do público a obra de um
esta exposição inicia-se com uma “crono- Percorrendo a obra-labirinto, essa é a dos mais significantes artistas do
biografia” que nos ajudará a estabelecer chave para entender o que poderíamos Brasil. Com curadoria de Evandro
marcos importantes, permitindo relacionar chamar – usando um termo caro ao poema/ Salles, a mostra reúne mais de
elementos da obra de Wlademir Dias-Pino processo – seu “contra-estilo”: incontáveis 800 peças entre livros, cartazes,
com a história da arte e da literatura brasilei- camadas de significantes se superpõem objetos, fotografias, desenhos,
ras, dando continuidade a uma releitura des- livremente se autodesconstruindo umas às vídeos e instalações para contar a
sa obra em sua significação. Tendo criado na outras para revelar a estrutura do sistema história de quase 90 anos de vida
década de 1940 em Mato Grosso o movimen- que as originou, a lógica interna, a ideia que do artista – seus diversos focos
to intensivista, que rompe com os preceitos brilha e sustenta a montanha de imagens de trabalho, a atuação política
modernistas; tendo sido em 1956 um dos que produz. O conceito de autoria então se na fundação da Universidade da
seis poetas participantes da fundação do esgarça, fazendo com que o gesto poético, o Selva (hoje Universidade Federal
movimento concreto; e, finalmente, tendo gesto criador – do próprio poeta-artista e/ou do Mato Grosso) e a intensa
organizado na década de 1960 o mais radical do leitor-consumidor que recria a obra com atividade como teórico do design
dos movimentos literários de vanguarda, sua ação-investigação sobre ela – abarque e programador visual.
o poema/processo; a obra de Wlademir tanto o momento da inscrição primeira do
Dias-Pino confunde-se com a história das poema-obra como o de sua leitura-consumo,
vanguardas no Brasil. tanto o passado histórico em que o sistema
se construiu, como o presente imediato no
A cronologia nos apresenta também o qual ele é reconstruído em inevitável versão.
romance de uma vida pautada por um rigor Se a cronologia oferece um panorama o mais
ético extremo em torno do fazer artístico, amplo possível de sua trajetória (apesar de
configurando-se como um verdadeiro projeto inevitavelmente incompleto), as séries de tra-
político-cultural, cuja prática se delineia balhos que compõem a mostra articulam-se
como um quase sacerdócio e crença em seu entre si segundo uma lógica atemporal, de
poder e função. Wlademir Dias-Pino, por uma núcleos que reúnem diferentes vertentes do
opção estritamente teórico-ideológica, sem- trabalho e que configuram de maneira signifi-
pre evitou o mercado de arte: seu trabalho cativa partes do todo-labirinto de um poema,
busca instaurar processos e não reduzir-se muitas vezes de desenvolvimento simultâneo
à feitura de objetos únicos. Os objetos e/ou paralelo – e definitivamente inacabado
únicos que produz – sujeitos à serialização porque, enquanto obra-processo, estará sem-
e abertos à apropriação poética pública por pre disponível à sua própria reinvenção.

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Exposições

The poem and the work Therefore, even if it may seem absurd to
construct a chronology for a labyrinth, this
We are faced with the Infinite Poem, a work exhibition begins with a “chronobiography”
that has no beginning and an end: it consists that will help us establish important
of a whole in process, like a labyrinth, in which milestones, allowing us to relate elements of
each part intertwines with the other, forming a Wlademir Dias-Pino’s work with the history of
network of confluences from different points. art and Brazilian literature, giving continuity
In the same way as before a painting, we can to a rereading of this work in its meaning.
enter the labyrinth of Wlademir Dias-Pino by Having created in the 1940s in Mato Grosso
any of its sides, its tips or doors. the intensivist movement, which breaks
with the modernist precepts; Having been
About 89 years old, Wlademir works, as he in 1956 one of the six poets participating in
has always done, intensely and proficuously, the foundation of the concrete movement;
idealizing projects of which he produces long And finally, having organized in the 1960s
series of works, thousands of images. His the most radical of the avant-garde literary
visual / literary work is still largely unpublished, movements, the poem / process; The work
unknown even to his admirers. This work of Wlademir Dias-Pino is confused with the
materializes today as a field of surprising history of the vanguards in Brazil.
discoveries and revelations, imposing an
urgent review of its role in the Brazilian artistic The chronology also presents us with the
avant-gardes. The 1948 poem Day of the City, novel of a life ruled by an extreme ethical rigor
or the Brazilian visual encyclopaedia, here about the artistic making, configuring itself as
exposed for the first time with its necessary a true political-cultural project whose practice
configurations and greatness, as well as the is outlined as a quasi-priesthood and belief in
opportunity to know the rare original editions its power and function. Wlademir Dias-Pino,
of the books A bird and Solida, are glaring by a strictly theoretical-ideological option,
examples of this urgency. always avoided the art market: his work seeks

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to establish processes and not reduce which the system was constructed, and the
himself to the making of unique objects. immediate present in which it is rebuilt in
The unique objects that it produces - an inevitable version.
subject to serialization and open to public
poetic appropriation through the creation If the chronology gives as broad a panorama
of what it calls versions - propose systems of its trajectory (although inevitably
and not finished formal models. incomplete), the series of works that
compose the show articulate with each
Going through the labyrinth, this is the key other according to a timeless logic, of nuclei
to understanding what we might call-using that bring together different aspects of the
a costly term to the poem / process- work and that configure of Meaningfully
its “counter-style”: countless layers parts of the whole-maze of a poem, often of
of signifiers superimpose themselves simultaneous and / or parallel development
freely to self-deconstruct one another to - and definitely unfinished because, as
reveal the structure of the System that work-process, it will always be available to
originated them, the internal logic, the its own reinvention.
idea that shines and sustains the mountain
of images that it produces. The concept
of authorship is then narrowed, so that The Rio Art Museum presents Wlademir Dias-Pino’s Infinite Poem, which brings to
the poetic gesture, the creative gesture the attention of the public the work of one of the most significant artists in Brazil.
- of the poet-artist himself and / or the Curated by Evandro Salles, the exhibition brings together more than 800 pieces

reader-consumer who recreates the work including books, posters, objects, photographs, drawings, videos and installations

with his action-research on it - embraces to tell the story of the artist’s almost 90-year life - his various focuses of work,

both the moment of the first inscription Foundation of the University of Selva (now Federal University of Mato Grosso) and

Of the poem-work as that of its reading- the intense activity as a theorist of design and visual programmer.

consumption, both the historical past in

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Entretenimento

medo
de ganhavam suas habilidades em um grande
evento fantástico que mudava a sua vida.
Com exceção dos mutantes, que um dia se
viu que não estava caindo. Desejou se mover
até o terraço do prédio e quando pousou suas
pernas pareciam de borracha. Ele desceu o

pular Por Adriano Docconi


descobriam alterando as leis da física. Mas
os mutantes viviam em um mundo onde as
leis da física não eram respeitadas. Para
todos os outros era fácil.
elevador da obra, segurando com força nas
suas vigas de aço, com medo de ser lançado
novamente no ar. Quando chegou ao térreo,
percebeu que tinha deixado a impressão da
sua mão no metal.
Ele era só um engenheiro que lia histórias
em quadrinho muitos anos atrás. Sua origem E foi isso. Essa era a sua origem secreta. Sem
Fazia um mês que ele repetia o que já se
também era um acidente, mas um acidente de aviso, sem motivo, ele se tornou a primeira
tornava um ritual. Parava em frente da janela
trabalho. Perdeu o equilíbrio quando estava pessoa com superpoderes do mundo. E esse
e olhava primeiro para cima, para o céu,
no prédio que acompanhava a construção era o problema. Ele testava a resistência da
admirava as nuvens, sentia o vento bater no
e caiu. Ele se lembra com detalhes sádicos sua pele, deixava a mão sobre o fogo, tentava
rosto e se lembrava de que tudo isso podia
a queda. Já tinha lido em algum lugar que o cortar sua mão com uma faca, flutuava até o
ser seu. Então, ele olhava para baixo. Para o
cérebro aumenta a velocidade de processa- teto do seu apartamento e pairava por vários
chão, 7 andares abaixo. A ponta das grades
mento em situações de perigo, a percepção minutos, prendia sua respiração por horas, le-
que ficavam na entrada do prédio. Imagina-
de tempo acelera e o mundo fica em câmera vantava o seu sofá com uma única mão. Mas
va se bateria nelas quando caísse. Talvez
lenta. Para ele foi pior, a sua percepção de fazia isso com medo. Como não ter? O que ele
acertasse as costas na bancada do jardim.
tempo acelerou a níveis sobrehumanos e os fazia era impossível. Não deveria acontecer.
A altura não era garantia de que ele morre-
22 andares que caiu duraram o que pareceu E, por isso, tinha medo que tudo acabasse,
ria. Talvez só quebrasse as costas, ficasse
dias. Conseguiu passar por todos os estágios de repente, do mesmo jeito que começou. E
inválido, ironicamente como aquele ator que
de alguém que descobre que vai morrer. A se acabasse enquanto estivesse no ar e ele
fez o Superman no cinema. O ritual sempre
negação inicial, raiva, barganha, depressão caísse novamente? Dessa vez, ele morreria ou
terminava do mesmo jeito, ele se afastava da
e aceitação. Mas ele não morreu. Acertou o pior. E se tentasse ajudar alguém, parar um
janela, abria a porta e ia para o trabalho.
chão e quebrou o piso de concreto que tinham trem, levar um tiro, combater o crime, como
armado no dia anterior. em seus sonhos de criança, e no meio de tudo
Ele pensava muito sobre o assunto de origens
ele se tornasse uma pessoa normal?
secretas. Adolescente, colecionava histórias
Na alegria de não ter morrido, deu um
em quadrinho. Por isso, sabia como a sua
pequeno salto e, para a sua surpresa, não Então, ele parava na janela do seu apartamen-
situação era única. Aranhas radioativas, aci-
parou de subir. Em frações de segundos, to. E olhava para cima. E olhava para baixo.
dentes em laboratórios, foguetes do espaço,
estava acima dos 30 andares do prédio. O Com medo de pular. Sem motivo para ter
medalhões mágicos. Todos os super-heróis
pânico de repetir o acidente passou quando medo. E abria a porta. E esperava o elevador.

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