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A
MESA DA CÂMARA DOS DEPUTADOS
- 1989-1991 -

Presidente: Dep. PAES DE ANDRADE


1" Vice-Presidente: Dep. INOCÊNCIO DE OLIVEIRA
2" Vice-Presidente: Dep. WILSON CAMPOS
l• Secretário: Dep. LUIZ HENRIQUE
2" Secretário: Dep. EDME TAVARES
3• Secretário: Dep. CARLOS COITA
4• Secretário: Dep. RUBERVAL PILOTTO

SUPLENTES DE SECRETÁRIOS
1' Suplente: Dep. FERES NADER
29 Suplente: Dep. FLORJCENO PAIXÃO
3• Suplente: Dep. ARNALDO FARIA DE SÁ
4• Suplente: Dep. JOSÉ MELO

DIRETORIA-GERAL DA CÂMARA DOS DEPUTADOS


Diretor-Geral: ADELMAR SILVEIRA SABJNO

SECRETARIA-GERAL DA MESA DA CÂMARA DOS DEPUTADOS


Secretário-Geral: HÉLIO DUTRA
ANAIS
, DO .

I SIMPOSIO NACIONAL
SOBRE ASSISTÊNCIA SOCIAL

Tema: LEI ORGÂNICA DA ASSISTÊNCIA SOCIAL


CÂMARA DOS DEPUTADOS

ANAIS
DO
I SIMPÓSIO NACIONAL
SOBRE ASSISTÊNCIA SOCIAL

Tema: LEI ORGÂNICA DA ASSISTÊNCIA SOCIAL

Realizado pela Comissão de Saúde, Pre-


vidência e Assistência Social da Câmara
dos Deputados, nos dias 30 e 31 de maio
e 1' de junho de 1989.

Centro de Documentação e Informação


Coordenação de Publicações
BRASÍLIA - 1989
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CÂMARA DOS DEPUTADOS

DIRETORIA LEGISLATIVA
Diretor: Antônio Neuber Ribas

CENTRO DE DOCUMENTAÇÂO E JNFORMAÇÂO


Diretor: Aristeu Gonçalves de Melo

COORDENAÇÂO DE PUBLICAÇÂO
Diretora: Maria Liz da Silva Braga

Diagramação: Fernando Almeida

SÉRIE: AÇÂOPARLAMENTAR
N• 38

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PRESIDENTE DO SIMPÓSIO
Deputado Raimundo Bezerra
COORDENADORA-GERAL
Deputada Maria de Lourdes Abadia

COMISSÃO DE SAÚDE, PREVIDÊNCIA E ASSISTÊNCIA SOCIAL

Presidente: Deputado Raimundo Bezerra


Vice-Presidentes: Deputado Ivo Lech
Deputado Elias M urad
Deputado Arnaldo Faria de Sá

EFETIVOS

Abigail Feitosa Jesualdo Cavalcanti


Alarico Abib João Paulo
Alceni Guerra Joaquim Sucena
António Salim Curiati Jofran Frejat
Arnaldo Faria de Sá Jorge Uequed
Ary Valadão José Carlos Coutinho
Benedita da Silva José Queiroz
Borges da Silveira José Viana
Carlos Mosconi Júlio Costamilan
Carlos Virgílio Lauro Maia
Célia de Castro Mauro Sampaio
Chico Humberto Maria de Lourdes Abadia
Djenal Gonçalves Messias Soares
Doreto Campanari Miraldo Gomes
Edmi\son Valentim Moisés Avelino
Eduardo Moreira Nelson Seixas
Elias Murad Orlando Pacheco
Erico Pegoraro Pedro Canedo
Eunice Michiles Raimundo Bezerra
Floriceno PaiXão Raimundo Rezende
Francisco Amaral Roberto Jefferson
Gandi Jamil Ruy Nedel
Genésio Bernardino Sandra Cavalcanti
Geraldo Alckmin Filho Uldurico Pinto
Ivo Lech Vingt Rosado
SUPLENTES

Adhemar de Barros Filho Leonel Júlio


Adylson Motta Lúcia Braga
Anna Maria Rattes Manuel Domingos
Anníbal Barcellos Márcio Braga
António Britto Mattos Leão
Arolde de Oliveira Maurício Campos
Bernardo Cabral Octávio Elísio_
Celso Dourado Osvaldo Bender
Dalton Canabrava Oswaldo Almeida
Euclides Scalco Paulo Marques
Farabulini Júnior Paulo Paim
Francisco Rolün Rubem Medina
Gcrson Peres Saulo Coelho
Ivo Mainardi Simão Sessim
João de Deus Tidei de Litna
Júlio Cainpos Vicente Bago

Secretária: Maria Inês de Bessa Lins

[I

li
SUMÁRIO

Pág.
APRESENTAÇÃO................................................................... 15
AGRADECIMENTOS............................................................... 17
SESSÃO DE ABERTURA:
Deputado Raimundo Bezerra, Presidente ................................. . 19
Deputada Maria de Lourdes Abadia, Coordenadora-Geral ........... . 19
Deputado Raimundo Bezerra, Presidente ................................. . 20
Dr. Seigo Tsuzuki, Ministro da Saúde ...................................... . 22
Deputado Paes de Andrade, Presidente da Câmara dos Deputados
23
Dr. Jáder Barbalho, Ministro da Previdência e Assistência Social.. ... 25
ENCERRAMENTO:
Deputado Raimundo Bezerra, Presidente .......... .,. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 28
MESA-REDONDA -30-5-89
Coordenadora: Deputada Anna Maria Rattes
Tema: DIRETRIZES CONSTITUCIONAIS NA ASSISTÊNCIA
SOCIAL
ABERTURA:
Deputado Raimundo Bezerra, Presidente.................................. 31
DeputadaAnnaMariaRattes, Coordenadora.............................. 31

EXPOSITORES:
- Diretrizes constitucionais na assistência social
Deputada Sandra Cavalcanti . ... . . . . . . . . . . . . .. . . . . .. . . . . . . . . .. . . . . . . . .. . . 31
- Critérios, clientela, benefícios, serviços e e.ntidade de assistência
social
Prof. Vicente de Paula Faleiros
Membro do Sindicato dos Assistentes Sociais - DF . . . . . . . . . . . . . . . . . . 36
- Conceitos e funções da política de assistência social no Brasil
Prof' Potyara Amazoneida P. Pereira
Coordenadora do Núcleo de Estudos e Pesquisas em Políticas
Sociais - NEPPOS/UnB . .. ...... .. ..... .. . ... .. ......... ... .. . . . .......... 39
- As APAE no Brasil - perspectivas e diretrizes
Dr. Elpídio Araújo Néris
Vice-Presidente para Assuntos Inteniacionais da Federação Na-
cional das APAE e Membro do Conselho Deliberativo da Liga
Internacional de Associações Pró-Deficientes Mentais.............. 43
- O deficiente na sociedade brasileira
Vereadora Célia Camargo Leão Edelmuth . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . · 47
- Meninos e meninas de rua
Prof. Benedito Rodrigues dos Santos
Coordenador do Movimento Nacional de Meninos e Meninas
~~........................................................................... 51
-A assistência social e o idoso
Sr. Oswaldo Lourenço
Presidente da Confederação Brasileira de Aposentados e Pensio-
nistas .. . . . . . . .. . . . . ... . . . . ..... ... . . . ....... .. .. . . . . . . . . . . . .. . . . . .. . . . . .. . . ... .. . 55
Deputada Anna Maria Rattes, Coordenadora......................... 59

ENCERRAMENTO:
Deputada Maria de Lourdes Abadia, Coordenadora-Geral............ 59

MESA-REDONDA - 31-5-89
Coordenador: Deputado Geraldo Alckmin Filho
Tema: A REALIDADE SÓCIO-ECONÔMICA BRASILEIRA
EOQUADROATUALDAASSISTÊNCIASOCIAL
ABERTURA:
Deputado Raimundo Bezerra, Presidente . . . . . . . .. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 63
Deputado Geraldo Alckmin Filho, Coordenador......................... 64

EXPOSITORES:
-A realidade sócio-econômica brasileira e o quadro atual da assis-
tência social
Dr. João Ribeiro de Oliveira e Souza
Secretário de Serviços Sociais -DF........ .......... ....... ... .... .... 64
-Credenciamento das instituições - critérios, fiscalização e con-
trole
Dr. Adherbal Antônio de Oliveira

'~
M
Presidente do Conselho Nacional de Serviços Sociais - CNSS/
MEC............................................................................. 73
~Critérios para isenções das contribuições de seguridade, imuni-
dades das entidades assistenciais e recuperação do valor dos auxí-
lioS na assistência social
Dr• Teresa de Jesus Costa do Amaral
Coordenadora-Geral da Coordenadoria Nacional para Integração
de Pessoa Portadora de Deficiência -CORDE... .. . . . . . . . . . . . . . . . . . . 78
-A LBA no Brasil
Dr. Irapoan Cavalcanti de L yra
Presidente da Legião Brasileira de Assistência - LBA . . . . . . . . . . . . . . 84
-A relação do setor público com o privado e interfaces na Assis-
tência Social
Dr• Marina Bandeira de Carvalho
Presidente da Fundação Nacional do Bem-Estar do Menor -
Funabem ....................................................................... 88
- Experiência de descentralização e gestão comunitária a nível esta-
dual
Dr• Adelayde Júlia de Lima Soares
Presidente da Fundação do Bem-Estar Social do Pará - FBESP
91
- Programas assistenciais no Brasil
Dr. Nelson Proença
Secretário Especial da Habitação e Ação Comunitária -SEHAC
98
ENCERRAMENTO:
Deputada Maria de Lourdes Abadia, Coordenadora-Geral............ 109
MESA-REDONDA-1°-6-89
Coordenador: Deputado Nelson Seixas
Tema: MODERNIZAÇÃO E GESTÃO DEMOCRÁTICA DA
ASSISTÊNCIA SOCIAL-TENDÊNCIAS E PERSPECTIVAS
ABERTURA:
Deputado Nelson Seixas, Coordenador .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. . 113
Deputado Raimundo Bezerra, Presidente .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. 114
Deputado Nelson Seixas, Coordenador .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. . 115
EXPOSITORES:
- Orçamento e financiamento da Assistência Social - critérios
para credenciamento das instituições
Dr. Pedro Pullen Parente
Secretário de Orçamento e Finanças/Seplan . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 115
~Organização e participação comunitária
Prof. Pedro Demo
Técnico do Iplan/Ipea........ .. . . . . .. . . . . . .. . . . . .. .. . . . .. . . . . . . . . ... . . . . .. . . . 119
-Estrutura organizacional e competência da União, estados e mu-
nicípios na Assistência Social
Dr• Aldaíza Sposati
Secretária das Administrações Regionais da Prefeitura do Muni-
cípio de São Paulo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 125
-REPRESENTANTES DA COMISSÁO NACIONAL DAS
TRABALHADORAS RURAIS DA CONTAG
(espaço concedido pelo Deputado Nelson Seixas para reivindi-
cações, leitura e entrega de documento) . . . . .. .. . . . .. . . . . . . . . . . . .. . . . . .. . 130
- Experiência de descentralização e municipalização da Assistência
Social
Prof. Diogo Lordello de Mel/o
Assessor Especial para Assuntos Internacionais do Instituto Bra-
sileiro de Administração Municipal - IBAM .. . . . . .. . . . . . . . . . . . .. .. . . . 133
-A Igreja e a Assistência Social
Pe. Marino Bohn
Secretário Nacional de Cáritas Brasileira................................ 137
- Uma proposta de sistematização do conceito e funções de Assis-
tência Social
Dr• Ivanisa Maria T. Martins
Dr. Paulo de Tarso Carletti
Secretaria Nacional de Assistência Social do MPAS................ 141

ENCERRAMENTO:
Deputado Nelson Seixas, Coordenador..................................... 150

SESSÁO PLENÁRIA DE ENCERRAMENTO


ABERTURA
Deputada Maria de Lourdes Abadia, Coordenadora-Geral ........... .
APRESENTAÇÁO DOS RELATÓRIOS DOS
GRUPOS DE TRABALHO

Grupo 1 - Tema: Definição de Assistência Social; funções, princí-


pios, diretrizes e campo de atuação
Deputada Benedita da Silva, Coordenadora e Relatora
155
Ilza Maria Pereira Sant'Ana, Relatora ....................... . 156

11

i1
Grupo 2 - Tema: Organização, gestão e competência da União,
Estado e Município na área da Assistência Social; revisão
do papel das instituições federais hoje
Albamaria Paulino de Campos Abigail, Relatora . . . . . . . . . . 157
Grupo 3 - Tema: Participação da população:
a) na formulação das políticas de Assistência Social e
controle das ações em todos os níveis (art. 204, inciso
II);
b) na gestão administrativa da Assistência Social (art.
194, inciso VII)
Vitória Gois de Araújo, Relatora .. .. .. .. .. .. . .. .. .. .. .. .. .. .. . 16.0
Venina Chiappin, Relatora...................................... 162
Grupo 4 - Tema: Financiamento da Assistência Social no contexto
do orçamento da seguridade social
Eni Maria Monteiro Barbosa, Relatora....................... 163
Grupo 5 - Tema: Qualificação dos beneficiários e a operaciona-
lização de benefícios e serviços da Assistência Social
(art. 203, inciso V)
Dalva Maria de Souza Moura, Relatora .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. 166 .·
Grupo 6 - Tema: Relação entre setor público e privado na Assis-
tência Social e definição de entidades beneficentes; crité-
rios de isenção, credenciamento e fiscalização
Lizair Guarino, Relatora .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .... .. .. .. .. . 168
Deputada Maria de Lourdes Abadia, Coordenadora-Ge-
~... .. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .. ... . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 170
Deputado Raimundo Bezerra, Presidente .. .. .. .. .. .. .. .. .. 170
Deputada Maria de Lourdes Abadia, Coordenadora-Ge-
ral ..................................................................... 174
APRESENTAÇÃO DE MOÇÕES............................................... 179
CONSIDERAÇÕES FINAIS:
Deputada Maria de Lourdes Abadia, Coordenadora-Geral............ 189
Maria de Fátima Azevedo Ferreira............................................ 189
José Dias............................................................................ J 90
Alice Costa Cantuária .. .. . ... .. .. .. .. .. .... .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. ... .. .... J90
Eni Maria Monteiro Barbosa................................................... 19 l
ENCERRAMENTO:
Deputada Maria de Lourdes Abadia, Coordenadora-Geral . . . . . . . . . . . . 191
ANEXOS: Proposta de Anteprojeto da Lei Orgânica da Assistência
Social, trabalhos e documentos apresentados à Comissão de Saú-
de, Previdência e Assistência Social .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. 199
APRESENTAÇÃO

A idéia da realização do I SIMPÓSIO NACIONAL SOBRE ASSISTÊN-


CIA SOCIAL nasceu da determinação e vontade política do Presidente da
Comissão de Saúde, Previdência e Assistência Social, Deputado Raimundo
Bezerra; da consciência e compromisso social dos parlamentares da referida
comissão; e, principalmente, do justo apelo de 13 milhões de pessoas que
sofrem as conseqüências de um quadro reconhecidamente perverso.
Durante três dias 533 pessoas de diversas regiões do Pais, no geral técnicos,
professores, estudiosos, parlamentares, autoridades, representantes de entidades
sociais, sindicais, trabalhadores e lideranças comunitárias tiveram oportunidade
de obter informações, trocar idéias e formular propostas.
O Simpósio constituiu-se num espaço democrático de livre debate com
setores envolvidos com a Assistência Social no Brasil e serviu como instrumento
para reafirmar os pontos de consenso, explicitar as divergências, registrar as
opiniões e colher sugestões para formular a Lei Orgânica da Assistência Social.
Acreditamos que os objetivos propostos foram plenamente alcançados:
- o Congresso Nacional cumpriu com seu papel de "caixa de ressonância
da pluralidade de interesses que representa" abrindo suas portas ao povo e
garantindo a participação popular;
- foi garantido, através do trabalho dos participantes, o compromisso
com 13 milhões de pessoas que necessitam de assistência;
- e juntos começamos a construir uma nova ordem social através da
nossa luta no resgate inegociável da vergonhosa dívida social brasileira e da
certeza de transformar em direito aquilo qlfe até então foi dado como esmola.

Deputada MARIA DE LOURDES ABADIA


Coordenadora-Geral do
I Simpósio Nacional de
Assistência Social

15
AGRADECIMENTOS
Vivemos o I Simpósio Nacional sobre Assistência Social com a plena
consciência de que estávamos começando a resgatar a grande injustiça para
com 13 milhões de brasileiros deficientes e idosos sem previdência, que até
hoje têm recebido a caridade pública ou privada, apenas.
O direito de cidadania foi reconhecido quando da elaboração da Carta
Magna e agora mostramos os caminhos para torná-la realidade.
É nosso dever, na qualidade de Presidente do Simpósio, agradecer a
todos aqueles que tornaram o evento um sucesso. Destacamos a Coorde-
nadora, Deputada Maria de Lourdes Abadia, ligada profissionalmente ao
setor, não apenas por sua formação de Assistente Social, mas por sua vivência
no trato com os necessitados, quando de sua passagem pelas Administrações
Regionais das Cidades-Satélites de Brasília.
A Secretária-Geral, Maria Inês de Bessa Lins, incansável, eficiente, presti-
mosa, foi a mola mestra do Simpósio, secundada pela Secretária-Adjunto
Anamélia Ribeiro Correia de Araújo que, com tempo integral, dedicou o
melhor de si mesma para que a fase preparatória e a de realização não necessi-
tassem de nznhum reparo. Conseguiu.
Ainda nosso agradecimento ao Presidente da Câmara dos Deputados,
Deputado Paes de Andrade; Diretor-Geral, Adehnar Silveira Sabino; Secretá-
rio-Geral da Mesa, Hélio Dutra; Diretor do Departamento de Comissões,
Carlos Brasil de Araújo que, nas suas respectivas áreas de atuação, viabilizaram
o Simpósio e contribuíram para o êxito que logramos alcançar.

Deputado RAIMUNDO BEZERRA


Presidente

17
SESSÃO DE ABERTURA

O SR. DEPUTADO RAIMUNDO BEZERRA


Presidente

Declaramos aberto o I Simpósio Nacional sobre Assistência Social.


Convidamos, para fazer parte da Mesa, S. Ex' o Presidente da Câmara
dos Deputados, Deputado Paes de Andrade; S. Ex' o Ministro da Previdência,
Dr. Jáder Barbalho; S. Ex' o Ministro da Saúde, Dr. Seigo Tsuzuki; o Dr.
José Carlos Mello, representando o Dr. João Alves Filho, Ministro do Interior;
o Dr. Antônio Alves, representando a Dra. Dorothéa Werneck, Ministra
do Trabalho; a Coordenadora-Geral deste simpósio, Deputada Maria de Lour-
des Abadia; Dr. Aderbal Antônio de Oliveira, representando o Ministro
da Educação, Deputado Carlos Sant' Anna.
Passamos a palavra à Coordenadora-Geral deste simpósio, Deputada
Maria de Lourdes Abadia.

A SRA. DEPUTADA MARIA DE LOURDES ABADIA


Coordenadora-Geral

Sr. Presidente da Comissão de Saúde, Previdência e Assistência Social,


Deputado Raimundo Bezerra, Exm' Sr. Deputado Paes de Andrade, Presi-
dente da Câmara dos Deputados; Exm' Sr. Ministro da Previdência e Assis-
tência Social, Sr. Jáder Barbalho; representante da Sr' Ministra _do Trabalho,
Dorothéa Werneck; representante do Sr. Ministro da Educação, Carlos
Sant' Anna; Exm' Sr. Ministro da Saúde, Seigo Tsuzuki; Exm' Dr. José Carlos
Mello, representante do Ministro do Interior, Dr. João Alves; demais autori-
dades aqui presentes, colegas assistentes sociais e representantes de instituições
assistenciais, primeiramente, gostaria de registrar minha alegria, como assis-
tente social, por ter sido designada para coordenar o I Simpósio Nacional
sobre Assistência Social, após a promulgação da nova Constituição brasileira.
De fato, esta é uma responsabilidade muito grande, e sabedora da nossa
triste realidade social, podemos medir essa responsabilidade de coordenar
um simpósio dessa ordem.

19
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Quero dar as boas-vindas a todos, representantes de instituições, pessoas
que se deslocaram de outros Estados, pessoas de Brasília que se fazem presen-
tes neste momento de tantas dificuldades, e dizer-lhes que este simpósio é
o primeiro passo de um longo trabalho que temos pela frente. É o primeiro
passo no sentido de convocarmos a sociedade e todos os seus segmentos para,
juntos, discutirmos a nossa realidade social e propormos alternativas e solu-
ções, porque acredito, todos os problemas, nós já conhecemos.
O diagnóstico da nossa realiàade socíai está estampado em cada dia,
em cada mom~nto nas ruas, nas pontes e divulgado pelos meios de comuni-
cação. Há que se ter disposição, boa vontade e vontade política no sentido
de resolver e intervir nessa realidade social.
Conclamo todos os presentes, toda a sociedade brasileira a fim de que
juntos, possamos intervir nessa realidade social.
Agradeço muito a presença de todos, das autoridades, conscientes tam-
bém dessa responsabilidade, fazem-se presentes, principalmente aqueles que
atenderam nosso convite para sugerir, debater e juntos elaborarmos esta pro-
posta de lei orgânica da assistência social. É um momento oportuno, porque
é hora em que o Congresso Nacional está sendo desmoralizado perante a
sociedade brasileira. Diz-se que o Congresso é representado por um bando
de pessoas que foram eleitas e que não cumprem com o seu dever. Isso
fere muito aqueles que trabalham e estão concretizando compromissos feitos
durante suas campanhas. Seria bom 1nanterrno-nos alerta contra essa campa-
nha de desmoralizaçâo das instituições democráticas do País. Infelizmente,
temos alguns colegas que não estão correspondendo ao mandato que lhes
foi conferido pelo povo, mas há aqueles que estão trabalhando. Acredito
que este simpósio vá mostrar, também à sociedade brasileira, que o Congresso
tem de ser respeitado, porquanto sem ele em pleno funcionamento, o,que
está sendo ameaçada é a democracia brasileira.
Meus companheiros, bem-vindos.
Como Coordenadora, e acho que posso falar em nome do Presidente
Raimundo Bezerra - que não tem medido esforços no cumprimento do
capítulo que temos de legislar, que é o da saúde, previdência e assistência
social - posso afirmar que vamos apresentar ao Brasil e ao povo brasileiro
as leis complementares que faltam, no menor tempo possível. Conclamo a
todos no sentido de transformar em direito aquilo que até hoje nos foi dado
como esmola.
Bem-vindos e muito obrigada. (Palmas.)

O SR. DEPUTADO RAIMUNDO BEZERRA


Presidente

Sr. Presidente da Câmara dos Deputados, Deputado Paes de Andrade;


Sr. Ministro da Previdência, Jáder Barbalho; Sr. Ministro da Saúde, Seigo

20
Tsuzuki; Sr. José Carlos de Mello, representante do Sr. Ministro João Alves
Filho, do Interior; Dr. Antônio Alves, representante da Sr• Ministra do Traba·
lho, Sr' Dorothéa Werneck; Dr. Aderbal Antônio de Oliveira, representante
do Sr. Ministro da Educação, Deputado Carlos Sant'Anna; minha cara amiga
e colega, Deputada Maria de Lourdes Abadia, a quem agradecemos a operosi-
dade nesta difícil missão de coordenar o I Simpósio Nacional Sobre Assistência
Social. Já podemos antever o sucesso deste simpósio, porque os preparativos
foram encaminhados de m::ineira a atingir os objetivos que almejamos -
convocar a sociedade brasileira para participar, nesta Casa, de- assunto da
mais alta relevância, qual seja de transformar a assistência social em direito
do cidadão e não em esmola, como até hoje acontece.
Meus colegas Parlamentares, demais participantes funcionários da Casa,
Senhoras e Senhores:
O Estado moderno, por imposição da sociedade, passa a interpretar como
direito de cidadania a saúde, o trabalho, a educação, o esporte, o lazer,
a preservação do meio ambiente, a livre manifestação de pensamento, a liber-
dade política, religiosa, o respeito às etnias minoritárias, a não discriminação
de sexo, raça e cor. Entende, também, que a assistência social está incluída
entre os direitos de cidadania, e que é dever do Estado, como uma de
suas funções, prestar todo tipo de assistência que dignifique o homem na
sua essência. A idéia de esmola ou ação altruística, tanto coletiva como_ privada,
foi sepultada, considerando que são iguais perante a Pátria o hígido, o defi-
ciente, o pobre, o rico, o analfabeto, o letrado. A nova Constituição, quando
incluiu a assistência na seguridade social, com destaque que a torna indepen-
dente e auto-sustentável, entendeu a definição de assistência social como
um direito de pessoa humana e não como uma benesse que, meritoriamente,
lhe fosse destinada.
Este 1 Simpósio Nacional vai receber subsídios dos mais diversos setores
envolvidos com assistência social, para que os Parlamentares possam transfor-
mar em prática o que em tão boa hora foi aprovado na Constituição. A
Comissão de Saúde, Previdência e Assistência Social promoveu três Simpósios,
este mês, com o mesmo objetivo: convocar a sociedade para trazer suas expe-
riências e propostas para a complementação da Carta Magna. O Simpósio
de Saúde e o de Previdência, podemos considerar, foram coroados de êxito,
atingindo o objetivo colimado. Esperamos que este Simpósio da Assistência
Social que ora iniciamos tenha o mesmo caminho, ou ultrapasse os anteriores.
A Assistência Social no Brasil é caótica, desordenada, sem objetivos
definidos, com contínuas mudanças de direção e sem uma lei orgânica que
determine os critérios e parâmetros para o seu funcionamento. Teremos agora,
aproveitando as vivências de instituições dirigidas por verdadeiros sacerdotes
na arte de servir e ajudar o próximo, a oportunidade de transformar o deficiente
físico, mental, o idoso, em pessoas merecedoras .do respeito da Nação. Nosso
trabalho é hercúleo, mas todos aqueles que dele participam já têm como

21
prêmio o sentimento interior de estar fazendo algo por seu semelhante, um
dos pilares que justificam uossa existência.
Preparemos o caminho para aqueles que por desígnios do destino têm
necessidade de ajuda. Que a recebam como um direito de cidadão, um dever
do Estado e um ato de solidariedade humana de todos, que têm no semelhante
um irmão. Treze milhões de brasileiros foram lembrados; façamos com que
nunca mais sejam esquecidos.
Mais uma vez, sentimo-nos gratificados, porque a sociedade acorreu ao
nosso chamamento comparecendo a este simpósio. Agradecemos, em nome
do País, a participação de todos.
Em nosso nome pessoal, expressamos o nosso muito obrigado aos dedica-
dos servidores da Comissão de Saúde, Previdência e Assistência Social, nas
pessoas das secretárias Maria Inês de Bessa Lins e Anamélia Ribeiro Correia
de Araújo.
Vamos ao trabalho, vamos pagar a dívida para com treze milhões de
brasileiros. Tenho dito. (Palmas.)

O SR. SEIGO TSUZUKI


Ministro da Saúde

Exm' Sr. Presidente da Câmara dos Deputados, Deputado Paes de Andra-


de; Exm 9 Sr. Jáder Barbalho, Ministro da Previdência e Assistência Social;
Exm' Sr. Deputado Raimundo Bezerra, Presidente da Comissão de Saúde
e Previdência Social da Câmara dos Deputados; Sr. Antônio Alves, no mo-
mento representando a Ministra do Trabalho, Dorothéa Werneck; Sr. Aderbal
Antônio Oliveira, neste momento representando o Ministro da Educação,
o Deputado Carlos Sant'Anna; Sr. José Carlos Mello, neste momento repre-
sentando o Ministro do Interior o Sr. João Alves Filho; Exm• Sr• Deputada
Maria de Lourdes Abadia, Coordenadora-Geral deste simpósio. Parlamen-
tares e demais autoridades presentes, senhoras e senhores.
Sinto-me honrado em participar deste evento e parabenizo esta Casa
pelo brilhantismo com que vem desempenhando suas atribuições em conjunto
com a sociedade civil, promovendo discussões participativas e democrátic~s,
como esta para a preparação das leis complementares do terceiro segmento
da seguridade social previsto na Constituição: a Assistência Social.
É com satisfação que saliento a orientação dada por este poder, para
que o presente debate se caracterize pelo compromisso de resgatar as ações
de assistência social não como paliativas, e sim como efetivas medidas de
erradicação da miséria absoluta existente em vários segmentos sociais.
Assim, estaremos evitando discussões e tratamentos estigmatizantes com
definição de metas prioritárias para o devido enfrentamento do problema.
Após a Revolução de 1930, a legislação previdenciária estabeleceu clara
distinção entre a assistência devida aos cidadãos engajados na força de trabalho

22
como contraprestação de suas contribuições e aquela prestada aos desafor-
tunados com nítido sentido caritativo.
Hoje, com o advento da Nova República e de acordo com o processo
de transição democrática respaldado e garantido pela Constituição, podemos
reverter este quadro, devendo a assistência social perder a sua antiga conotação
de beneficência ou misericórdia para se tornar um eficiente instrumento de
ação pública, na solução de desigualdades resultantes de limitações naturais
impeditivas de participação no processo produtivo.
Assim, a assistência social se imporia como questão inerente à cidadania,
garantindo a satisfação das necessidades essenciais como mínimo indispensável
à sobrevivência humana.
Nas comunidades onde ainda não foi definido um serviço de assistência
social adequado, institucionalizado e participativo, independente de classe
social, haverá sempre um maior número de pessoas marginalizadas em função
de disCriminações inaceitáveis decorrentes de sua condição natural.
Creio que não me fica mal aproveitar a expressividade deste evento para
fazer de público o que até hoje nunca fiz: um ensaio de justificativa. Esta
justificativa pode dar ensejo a que saiamos um pouco do âmbito sempre
limitado de decisões, para irmos ao encontro dos problemas, e sobretudo
das opções que se apresentam ao setor saúde, hoje, como alternativa indispen-
sável à redução do contingente de necessitados, tornando-os aptos a se reinse-
rirem na sociedade.
A intenção - muito forte - é a de que o Ministério da Saúde possa
continuar o processo de descentralização, registrando as idéias aqui expressas,
para o planejamento da sua função maior de articular, coordenar, definir
e divulgar os objetivos, as intenções, as perplexidades e a amplitude da grande
missão que deve desempenhar no País: garantir a saúde como Um direito
de todos e dever do Estado.
Muito obrigado. (Palmas.)

O SR. DEPUTADO PAES DE ANDRADE


Presidente da Câmara dos Deputados

Sr. Presidente Raimundo Bezerra, Coordenadora-Geral deste simpósio,


Deputada Maria de Lourdes Abadia, Ministro Jáder Barbalho, Ministro Seigo
Tsuzuki, Srs. representantes do Ministro da Educação, do Ministro do Traba-
lho e do Ministro do Interior, integrantes da Mesa, minhas senhoras, meus
senhores, inicialmente quero congratular-me com o Deputado Raimundo Be-
zerra, que preside, com alto espírito público e competência, este simpósio,
com a Deputada Maria de Lourdes Abadia e com todos que aqui se encontram.
Este é um simpósio indiscutivelmente da mais alta importância porque
do debate aberto, democrático, livre, nascerão os subsídios para lastrear uma

23
política que, .amanhã, se poderá transformar na Lei Orgânica da Assistência
Social.
A Deputada Maria de Lourdes Abadia disse, com muita propriedade,
que o Poder Legislativo está vivendo uma hora difícil - atacado e agredido
- e que, no entanto, pelos seus representantes, haveria de se fortalecer.
Fortalecido está, até porque se encontra no centro das decisões nacionais.
O Poder Legislativo, que foi tantas vezes mutilado e posto em recesso
compulsório, tendo suas prerrogativas e predicamentos usurpados em mais
de uma oportunidade, golpeado diversas vezes ao longo de uma História,
deu ao Brasil uma Constituição progressista, que retrata as aspirações nacionais
e que haverá de ser duradoura. Esta Carta Magna haverá de ser u1n instrumento
jurídico para a plena realização do homem, para o exercício permanente
da liberdade, para a aplicação correta da justiça, para a defesa dos direitos
humanos e da soberania nacional. Esta Constituição pode não ser perfeita
- até porque a perfeição está distante do contexto político institucional das
nações. Já dizia o grande mestre do Direito Constitucional, Léon Duguit,
que a eterna quimera dos homens é querer incluir nas Constituições a perfeição
que eles não têm. Rui foi mais preciso, ao dizer que o Brasil precisava,
já àquela época, de uma Constituição sensata, sólida, de uma Constituição
praticável, política nos seus defeitos e humana nas suas contradições. Esta
Constituição que o Poder Legislativo colocou nas mãos do povo é sólida,
praticável; veio para ficar, para ser cumprida e respeitada pelo povo. O Poder
Legislativo, vai cumprir sua tarefa histórica de completar esta Constituição,
através de leis complementares e ordinárias.
As Constituições do Brasil perdera1n-.se ou foram rasgadas, ou abriram
caminhos para as rupturas institucionais exatamente por falta de aplicabilidade
resultante da falta de regulamentação.
Ao congratular-me com os senhores, que promovem este simpósio, quero
dizer, e mais uma vez reafirmar, que o Poder Legislativo vai colocar-se no
centro das decisões nacionais.
E, aqui, uma questão de fundo, para encerrar: diante de tantas agressões,
diante de uma divulgação distorcida e deformada dos nossos trabalhos, diante
da projeção de uma imagem que não é a do Poder Legislativo, quero dizer,
até me indagando: quanto custa ao povo o Poder Legislativo, a pedra angular
do regime representativo? Quanto custa ao povo a Câmara dos Deputados?
Custa 0,40% do Orçamento da União. Quanto custam ao povo a Câmara
dos Deputados, o Senado Federal e o Tribunal de Contas da União? Menos
de 1% do Orçamento da União. Quanto custaria ao povo e à Nação o regime
ditatorial sem Parlamento, em que sindicatos não têm voz nem voto, os direitos
humanos são desrespeitados, a soberania nacional está posta a preç.o no mer-
cado internacional?
Meu abraço e minhas congratulações.

24
Quero dizer que, na Presidência da Câmara, pretendo ser - serei, sim
- um servidor da Pátria, um guardião da Constituição e do Regimento.
(Palmas.)

O SR. JÁDER BARBALHO


Ministro da Previdência e Assistência Social

Exm' Sr. Presidente da Câmara dos Deputados, Deputado Paes de Andra-


de; Exm' Sr. Deputado Raimundo Bezerra, Presidente da Comissão de Saúde,
Previdência e Assistência Social; Exm' Sr• Deputada Maria de Lourdes Abadia,
Coordenadora-Geral deste Simpósio de Assistência Social; Exm' Sr. Ministro
da Saúde, Seigo Tsuzuki; Sr. representante do Ministro do Interior; Sr. repre-
sentante do Ministro da Educação; Sr. representante da Sr• Ministra do Traba-
lho; Sr'-'5 e Srs. Deputados, minhas senhoras e meus senhores, em primeiro
lugar, desejo manifestar meus cumprimentos à Comissão de Saúde, Previ-
dência e Assistência Social da Câmara dos Deputados.
Pela terceira vez, tenho a oportunidade de comparecer, em tão curto
e~paço de tempo, a simpósios realizados por esta Co1nissão, o que demonstra
o imenso interesse em buscar, a curto prazo, ouvindo a sociedade, subsídios
para a elaboração de legislação complementar referente à lei orgânica da
saúde, ao plano de benefício e custeio da Previdência Social. E hoje, neste
encontro, para a Lei Orgânica da Assistência Social. Isto, acima de tudo,
demonstra a importância do Parlamento brasileiro, a elevada sensibilidade
dos Srs. Congressistas de buscarem subsídios nessa discussão com ·os mais
diversos segmentos da sociedade, com vistas a elaborar um texto legal capaz
de refletir os anseios da sociedade brasileira.
Sr. Presidente, Deputado Raimundo Bezerra, a presença do Ministro
da Previdência e Assistência Social neste encontro e sua palavra poderiam
até certo ponto, ser consideradas gratuitas ou até mesmo interpretadas como
saudosistas, já que, seguramente, caberia melhor e com maior desenvoltura
ao Ministro do Interior tratar da questão relativa à assistência social, eis
que esta, hoje, não mais se encontra no âmbito da Previdência Social. Hoje,
de assistência social o meu Ministério tem apenas a denominação, já que
organismos como LBA, Funabem e Secretaria de Ação Comunitária estão
no âmbito do Ministério do Interior.
Mas. cu não poderia perder a oportun'idade de comparecer a este encon-
tro. 1nanifcstar n1cu apreço a esta Comissão e declinar que, no curso do
atual Governo. enquanto a assistência social esteve no :1111hito de competência
do Ministério da Previdência. os recursos cresccr<~ill. Devo afirmar que chega-
ra111 até. no ano de llJX7. a cerca de)\,;. do orça1ncnto glohal da Previdênciü
Social e. cn1 1988, a cerca de 4r'{ . ..J.Uando cn1 anos anteriores a rubrica

25
relativa à assistência social chegava a apenas 1,5%. Isso demonstra, portanto,
o interesse do atual Governo no que diz respeito à assistência social no Brasil.
Entendo, e aqui foi dito de forma clara e precisa pela Coordenadora
deste simpósio, pelo Sr. Presidente desta Comissão e pelo Ministro da Saúde,
que a visão de assistência social não pode ser a de esmola, de benesse. Gostaria,
como Ministro da Previdência Socia'.l, de ressaltar que em uma sociedade
moderna e justa deve-se ampliar cada vez mais os benefícios da Previdência
Social com vistas à eliminação do assistencialismo.- Quando possível, incorporar
todos os trabalhadores no mercado de trabalho, onde todas as pessoas efetiva-
mente tenham direito ao emprego neste País. Quando todas as pessoas estive-
rem abrangidas pela Previdência Social, seguramente o assistencialismo desa-
parecerá, e aí, o Brasil efetivamento terá alcançado os patamares de uma
sociedade moderna e acima de tudo justa.
Creio que este seja o desejo de todos. Neste momento, temos a obrigato-
riedade de reconhecer que não alcançamos esse patamar. O papel a ser desen-
volvido pela assistência social é, portanto, fundamental, porque temos vários
brasis, a riqueza convivendo ao lado da pobreza, a ostentação ao lado de
bolsões de miséria. Então, a presença da assistência social ainda é um fator
importante na eliminação das profundas desigualdades que permeiam a socie-
dade brasileira.
Gostaria, Sr. Presidente, que V. Ex• e os participantes deste encontro
me permitissem fazer um desabafo também - porque verifiquei aqui que
se acabaram transformando, de alguma sorte, tanto o discurso da Deputada
Abadia quanto o do Presidente da Câmara dos Deputados, Deputado Paes
de Andrade, num certo desabafo. Tenho assistido, com certa intraqüilidade,
proclamar-se que existe um rombo na Previdência Social. Quero aproveitar
o ensejo, em que pese ao tema de hoje tratar de assistência social, para
informar a V. Ex" que não existe rombo nem déficit na Previdência Social.
Se existe, não é na Previdência Social. Esta, com os recursos recolhidos de
empregadores e empregados, vem cumprindo com os seus deveres. No mês
de ·maio último, resgatou o que foi estabelecido na nova Constituição: .a
velha e justa aspiração de recompor aposentadorias, pensões e prestações
continuadas, isto é, benefícios diversos que, ao longo do tempo, tornaram-se
defasados em face do processo inflacionário, numa tremenda injustiça funda-
mentalmente para com os aposentados e pensionistas.
Foi a Previdência, sem qualquer aparte de recurso externo, exceto o
dela, quem pagou a recomposição de maio e ainda disp.õe de meios para
pagar a de junho, sem problemas. As questões que afetam a Previdência
Social, a médio e a curto prazos, independem da sua administração. Se há
déficit de caixa, não é na Previdência Social, que espera lhe sejam concedidas
as fontes de custeio listadas pela Constituição, de forma prioritária, porque
exatamente com a Previdência Social é que a Assembléia Nacional Constituinte
cometeu as maiores injustiças no que diz respeito ao capítulo da seguridade

26
social. Sabemos e entendetnos que seguridade social não é relativa apenas
à Previdência Social. Pedimos licença para proclamar que, no capítulo da
seguridade social, as responsabilidades listadas, factuais, são co1n relação à
Previdência, inclusive com prazos constitucionais estabelecidos, e já cumpri-
mos o pr.imeiro.
Reivindicamos, entáo, que seja dado tratamento prioritário à Previdência
Social, no que diz respeito às responsabilidades que ela tem. Além disso,
a Previdência Social neste País, oriunda das Caixas de Pecúlio, dos Institutos
diversos, os IAPAS, que depois foram reunidos no Simpas, surgiu fundamen-
talmente com o objetivo de uma política previdenciária, isto é, de benefícios.

Hoje, a Previdência Social e particularmente o atual Governo vêm inves-


tindo recursos consideráveis no setor saúde. Enquanto em 1987, investimos
49% em benefícios da previdência, investimos em assistência médico-hospitalar
22,45%. Em 1988, investimos 49,49% em benefícios, e em assistência médica,
23,86%. Sabe o Ministro da Saúde, porque trabalhamos juntos, o quanto
a Previdência Social hoje, através do SUDS, sustenta a saúde no Brasil no
campo da assistência médico-hospitalar com dinheiro recolhido dos empre-
gados e empregadores do País.
Alguns setores da imprensa, de forma equivocada, vêm proclamando
rombo e déficit na Previdência Social. O Ministro dessa Pasta aproveita este
auditório para dizer que não há rombo nem existe déficit na Previdência
Social, e que, se forem carreados os recursos relativos ao Finsocial para a
Previdência, teremos condições de implantar o novo plano de benefícios da
Previdência Social sem dificuldade alguma e amparar os cento e quarenta
milhões de brasileiros em assistência médico-hospitalar, particularmente no
que respeita à questáo de benefícios.

Eram estas, Sr. Presidente, as considerações que desejava fazer.

Aproveito a oportunidade para dizer que, em que pese à Previdência


ter defeitos, equívocos e precisar se modernizar, não aproveitem este momento
para transformá-la em bode expiatório. Mais .do que isso, Sr. Presidente,
é necessário que esta Comissão esteja atenta à interpretação que se está
pretendendo dar à seguridade social. Há gente pensando em seguridade social
para demarcar terra indígena. Há gente pensando em seguridade social para
manter o Programa Padre Cícero, no Nordeste. Entendemos que seguridade
social é coisa bem distinta desses programas.
Portanto, gostaria de aproveitar, aqui e agora, para deixar essas questões
bem claras, particularmente, para a imprensa que, de forma equivocada,
repito, vem tratando desinformadamente o assunto e informando mal a opiniáo
pública brasileira com relação ao que se passa no momento no Ministério
da Previdência e Assistência Social. (Muito bem! Palmas.)

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ENCERRAMENTO

O SR. DEPUTADO RAIMUNDO BEZERRA


Presidente

Antes de encerrarmos esta primeira etapa dos trabalhos, quero agradecer


a presença aos membros da Mesa, e também dar uma notícia que, acredito,
é do interesse de toda a Nação, principalmente porque está aqui uma pessoa
que trouxe essa informação.
Em cumprimento a dispositivo constitucional, a Lei Orgânica da Saúde,
a Lei Orgânica da Assistência Social e o Plano de Custeies e Benefícios
da Previdência Social, que deveriam ter chegado a esta Casa até o dia 5
de abril e aqui não aportaram, deverão chegar amanhã, de acordo com informa-
ções dadas pelos Srs. Ministros Ronaldo Costa Couto e Jáder Barbalho. A
Comissão de Saúde, Previdência e Assistência Social sente-se feliz, porque
agora terá os instrumentos necessários para fazer sua intervenção nas leis
orgânicas e no Plano de Custeias 1~ ·Benefícios, inclusive para emendar a
Lei de Diretrizes Orçamentárias, que já tramita nesta Casa. Infelizmente,
por atraso do Poder Executivo, a nossa Comissão ficou tolhida e não pôde
avançar naq~ilo que era seu propósito. Já poderíamos ter correspondido aos
anseios da Nação, quanto à nossa missão de completar a Carta Magna recém-
promulgada, mas lamentavelmente não pudemos emendar aquilo que constitu-
cionalmente é de competência do Poder Executivo. Felizmente, a partir de
amanhã, teremos esses instrumentos, e acreditamos que, em tempo recorde,
daremos à Nação a resposta, no que concerne à seguridade social, à saúde,
previdência e assistência social, antes do tempo que estipula a Constituição
no seu Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, de que teremos
completado nossa missão.
Agradeço sensibilizado a presença de todos que aqui vieram para esta
sessão inaugural do I Simpósio Nacional sobre Assistência Social.
Encerramos os trabalhos, concedendo o prazo de cinco minutos para
abrirmos a mesa-redonda marcada para hoje. Está encerrada a sessão. (Pal-
mas.)

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MESA-REDONDA - 30-5-89

COORDENADORA:
Deputada Anna Maria Rattes
TEMA:
Diretrizes Constitucionais na Assistência Social
EXPOSITORES:
- Diretrizes Constitucionais na Assistência Social
Deputada Sandra Cavalcanti
- Critérios, clientela, benefícios, serviços e entidade de assistência social
Prof. Vicente de Paula Faleiros
- Conceitos e funções da política de assistência social no Brasil
- Prof•. Potyara Amazoneida P. Pereira
-As APAE no Brasil - perspectivas e diretrizes
Dr. Elpídio Araújo Néris
- O deficiente na sociedade brasileira
Vereadora Célia Camargo Leão Edelmuth
- Meninos e meninas de rua
Prof. Benedito Rodrigues dos Santos
- A assistência social e o idoso
- Sr. Oswaldo Lourenço

29
ABERTURA
O SR. DEPUTADO RAIMUNDO BEZERRA
Presidente
A mesa-redonda programada para a manhã de hoje, em prosseguimento
ao I Simpósio Nacional sobre Assistência Social, terá como lema principal
"Diretrizes Constitucionais na Assistência Social". Teremos, como coorde-
nadora dessa mesa-redonda a DeputadaAnna Maria Rattes; como expositores,
a Deputada Sandra Cavalcanti, o Prof. Vicente de Paula Faleiros, a Prof'
Potyara Amazoneida P. Pereira, Dr. Elpídio Araújo Néris, a Prof• Célia
Camargo Leão Edelmuth, o Prof. Benedito Rodrigues dos Santos e o Sr.
Oswaldo Lourenço. Convidamos os nominados a se fazerem presentes à mesa
dos trabalhos, ao mesmo tempo em que passamos a presidência destes traba-
lhos à Deputada Anna Maria Rattes.

A SRA. DEPUTADA ANNA MARIA RATTES


Coordenadora

Gostaríamos que os participantes deste encontro fossem tomando lugar


no auditório para podermos começar a exposição desta primeira mesa-redonda.
Esta será composta de três expositores e quatro lideranças comunitárias, que
terão respectivamente vinte e quinze minutos para seus pronunciamentos.

EXPOSITORES

A SRA. DEPUTADA SANDRA CAVALCANTI


Expositora

Sr• Presidente da mesa-redonda, Deputada Anna Maria Rattes; Exm•


Sr• Coordenadora deste simpósio, Deputada Maria de Lourdes Abadia, a
quem, de público, quero dar os parabéns pela excelência do trabalho executado
e pelo resultado excepcional colhido neste simpósio; prezados companheiros
que compõem esta mesa de debates; senhoras e senhores dirigentes de entida-
des ligadas ao problema de assistência social; profissionais liberais que traba-
lham nessa área; Exm• Sr• Presidente da Funabem, Marina Bandeira, que
vejo, com muita alegria, neste plenário.

31
Virou moda dizer que a Constituição é que está atrapalhando a vida
do País, por ser parlamentarista em um sistema presidencialista. Também,
porque, numa total irresponsabilidade, na hora de elaborá-la, os Deputados
inventaram uma porção de favores para determinados setores e esqueceram-se
de localizar os recursos para esses favores. De sorte que, se posta em prática,
quebrará o País. Provavelmente, os senhores já leram isso em inúmeros edito-
riais, vêem todos os dias nos jornais a Constituição ser responsabilizada pelo
clima de caos, confusão e desordem gerado pelas dificuldades que o País
atravessa.
É uma boa desculpa esfarrapada, porque as dificuldades são bem anterio-
res à Constituição, podendo até ser localizadas: elas nasceram muito mais
da irresponsabilidade e da impunidade do Poder Executivo do que dos atos
do Poder Legislativo. É preciso que isso seja dito de forma muito clara,
até para não parecer que estamos aqui discutindo matéria da mais completa
e total irresponsabilidade e que, o que aqui está posto como diretriz constitu-
cional na área de assistência Social, não vai poder ser implementado, pelo
fato de, na prática, não poder ser conseguido.
Peço perdão por este tom de desabafo e por esta forma aberta de dizer
as coisas. Acho que, ein uma mesa-redonda, quando daqui a pouco vamos
ouvir e decidir questões e responder perguntas das partes interessadas -
e vão ser muitos os que vão falar - , é bom que, desde logo, pelo menos,
este tipo de argumento seja desmanchado. Não é verdade que os defeitos
desta Constituição residam no fato de termos, pela primeira vez na história
dos textos constitucionais brasileiros, nos debruçado sobre uma expressiva
parcela da população brasileira que não era mencionada nas Constituições
anteriores. Poderia até ter sido alvo de atenção e providências porque, se
as Constituições anteriores não tinham capítulo expresso sobre seguridade
social, previdência e assistência social, sobre a criança, o adolescente, o idoso,
a família, sobre as pessoas portadoras de deficiências, nem por isso elas deixa-
ram de existir; elas existiram ao longo de toda a nossa vida. E se havia
um artigo declarando que eram todos iguais perante a lei, de uma forma
muito mais ampla, em todas as Constituições anteriores, nada teria impedido
que houvesse por parte das autoridades um cuidado muito grande com esse
setor da nossa população.
Por que é que o Constituinte de 87/88 decidiu tornar mais explícitas
as intenções da Carta Constitucional nessa matéria? Exatamente para ver
se conseguia, afinal, acordar o Poder Executivo para essas suas responsabi-
lidades, até porque estas não são as áreas que conseguem fazer lobby nos
corredores, não do Poder Legislativo, mas nos do Poder Executivo. Se há
lobbies nesta Casa, e houve na hora de elaborarmos o texto, lobbies muito
mais sérios existem há 1nuitos anos circulando nos corredores ministeriais,
nos corredores do Tesouro Nacional, quando da elaboração da Lei Orçamen-
tária pelo Executivo, para colocar ali seus interesses. E não são essas categorias,

32
as mais frágeis da nossa estrutura social, que consegue1n fazer suas vontades
serem entendidas e atendidas.
Então, vamos remover, logo de saída, essa afir1nação que não é verda-
deira. No texto constitucional, no art. 195, quando definimos de forma muito
clara quais seriam os recursos que financiariam a seguridade social, está dito,
sem faltar vírgulas ou adjetivos, que a seguridade social será financiaÇa por
toda sociedade, de forma direta e indireta, nos termos da lei - esta lei
vai nascer certamente até deste simpósio-, mediante recursos piovenientes
dos Orçamentos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios
e das seguintes contribuições sociais ..
Portanto, ninguém imagine que, para sustentar os programas de assistên-
cia social, só há um recurso válido: o de meter a mão no bolso do trabalhador
brasileiro. Não. Há recurso válido, o das contribuições sociais. É um deles.
Mas o que está dito aqui é que a seguridade social vai-se sustentar dos Orça-
mentos da União, dos Estados, do Distrito Federal, dos Municípios. Então,
não é da contribuição direta do trabalhador e do empregador que vai nascer
o recurso para sustentar a seguridade social. É dos iinpostos que são pagos
por todos os brasileiros, formando os orçamentos. Até porque, se não pagás-
semos impostos, não teríamos necessidade de ter governo. O governo, nos
regimes democráticos, desde João Sem-Terra, na Inglaterra, existe apenas
porque há gente pagando impostos. Se não existissem impostos, o governo
não teria o que fazer, a não ser discursos e, assim mesmo, a partir do mo1nento
em que não fosse pago para fazer discursos também não os faria mais.
Então, essa diretriz constitucional é a primeira e a mais importante.
Temos de ter uma legislação estabelecendo, nos Orçamentos da União, dos
Estados, do Distrito Federal e dos Municípios o que deve ser encaminhado
para a seguridade social.
As contribuições diretas, aquelas que são listadas, são: "Dos emprega-
dores, incidentes sobre as folhas de salários, o faturamcnto e o lucro" -
aqui esta Constituição inovou - "dos trabalhadores", que pagam em cima
dos seus salários, e isto é o que já existia; "e receita de concursos de prognós-
ticos". Aqui já existia sem que tivéssemos uma legislação mais clara sobre
a 1natéria como pretendemos ter. Portanto, aqui está sinalizado, para que
seja colocado na Lei Orgânica da Assistência Social: o que é retirado da
receita de concursos de prognósticos será destinado à assistência social ta1n-
bém.
"§ l' As receitas dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios
destinadas à seguridade social constarão dos re_spectivos orçamentos, não inte-
grando o Orçamento da União."
Este é um dado também importante, porque isto também era objeto
muitas vezes de complicação. A União repassava ao Estado, o Estado repas-
sava ao Município; a União já tinha cumprido a sua obrigação, o Estado,
com o dinheiro repassado da União, dizia que tinha cumprido a sua; o Muni-

33
cípio, com o dinheiro repassado do Estado, dizia que tinha cumprido a sua,
e, na verdade, era apenas uma parcela que passeava de escala. Agora, não;
no Orçamento da União terá de constar o que ela destinará para a seguridade
social; idem do Orçamento do Estado e do Orçamento do Município:
"Art. 195. . ............................................................................ .
§ 2° A proposta de orçamento de seguridade social será elaborada de
forma integrada pelos órgãos responsáveis pela saúde, previdência social e
assistência social ( ... )."
Isto aqui é uma indicação clara. Poderá não constar do texto da Consti-
tuição. Não chega, digamos, a ser um princípio constitucional, 1nas uma dire-
triz. Isto, no fundo, significa que não vamos trabalhar três pessoas de forma
desintegrada e desperdiçada em cima de uma mesma área. Conjugaremos
esforços para economizar recursos. Esta é a diretriz desse parágrafo.
Depois, vem uma série de observações:
"Art. 195. . ............................................................................ .
§ 5' Nenhum benefício ou serviço da seguridade social poderá ser cria-
do, majorado ou estendido sem a correspondente fonte de custeio total."
Isto é o lógico. Deveria ser o óbvio, mas como não vinha sendo nem
lógico, nem óbvio, precisou ser posto como uma diretriz no texto da Consti-
tuição.
"Art. 195
"§ 6' As contribuições sociais de que trata este artigo só poderão ser
exigidas após decorridos noventa dias da data da publicação da lei( ... )."
Esta lei deveria ter chegado aqui cm abril, e só chegará amanhã. Portanto,
exigirá de nós um tempo recorde para conseguir elaborá-la e votá-la.
"Art. 195. . ............................................................................ .
§ 7' São isentas de contribuição para a seguridade social as entidades
beneficentes da assistência social que atendam às exigências estabelecidas
em lei."
Portanto, toda a imensa legião de obras de assistência social co1n fins
filantrópicos, sem fins lucrativos, que seguram e sustentam todo o trabalho
de assistência social no País, terão, nesta lei, disciplinada a forma pela qual
ficarão isentas de contribuições para a seguridade social, já que o trabalho
delas é uma forma de contribuição, alén1 de outras isenções que deverão
ser estudadas no texto da lei que também terá de ser elaborada.
Na mesa-redonda de amanhã, tercinas exposição sobre "Critérios para
isenções das contribuições de seguridade, imunidades das entidades assisten-
ciais e recuperação do valor dos auxílios na assistência social", por conta
da Dr' Tereza de Jesus Costa do Amaral, Coordenadora do CORDE. Deve
ser, portanto, u1na contribuição 1nuito importante, uma vez que ela está atuan-
do de forma objetiva e límpida nesta área.
Isto posto apenas para levantar algumas questões que considero funda-
mentais para quem já lidou con1 este assunto e lida de perto há 1nuitos anos,
seria interessante que os participantes, ao longo dos debates, pudessem trazer

34
para a coordenação deste simpósio suas contribuições sobre como vêem as
entidades das quais fazem parte, dirigem ou participam. Como cada uma
dessas entidades vê o aproveitamento desses recursos c1n termos de patrimô-
nio, de recursos humanos, de reciclagem para o aproveitamento melhor do
trabalho na área especializada e no atendimento à população carente que,
neste setor, é imensa no País, principalmente as entidades ligadas ao esforço
de habilitação e reabilitação de pessoas portadoras de deficiência. Não reabili-
tação simplesmente, mas habilitação, que é, no fundo, no fundo, o cerne
de toda a nossa movimentação em torno da matéria. É claro que, quando
atribuímos à Constituição o equívoco de ter a1npliado a· presença dos recursos
do Estado neste área - e diz-se que istoº ocorreu sem os recursos - é porque
estamos de fato vivendo dois retratos: um do que já está sinalizado no texto
constitucional para todos nós como direitos; e o outro, .uma estrutura anterior
que ainda não se adaptou, até por falta de legislação.
Provavelmente, a inaioria das questões que serão aqui levantadas cairão
em cheio no ponto: como é que a Previdência e Assistência Social, o Ministério
do Interior, o Ministério da Saúde, o INAMPS, a Legião Brasileira de Assistên-
cia, enfim, atenderão ao que já está aqui, que é o moderno; o atual, o que
se quer, - se a estrutura dessas entidades está ligada ao que existia e ainda
precisa ser mudada? Este é o quadro que estamos enfrentando, muito parecido
até com o quadro político, porque está ocorrendo em todos os outros setores.
Não é privilégio das entidades assistenciais que atuam nesta área estarem
encontrando dificuldades para se localizar nos orçamentos, afim de conseguir
recursos para pagar o que lhes é cobrado. Isto está acontecendo em todas
as demais áreas.
A Constituição abriu um leque de perspectivas e de expectativas, e atrás
dele vem uma série de leis, uma legislação ordinária e complementar encarre-
gada de tornar tudo isso factível, plausível, realizável e não houve e nem
há tempo material para se chegar até lá. Aí, sim, as razões podem ser apresen-
tadas por muitos. Ouvi aqui várias versões do porquê dessa demora.
Estou vendo a Câmara dos Deputados e o Senado Federal tomando
providências enérgicas contra os faltosos, dizendo que vão ter descontados
os proventos, que vai acontecer isso e aquilo, quando nada disso resolverá
proventos, que vai acontecer isso e_aquilo, quando nada disso resolverá proble-
ma algum. O problema é muito mais fundo e sério e está há 99 anos atrapa-
lhando o Governo e a atividade dos brasileiros, que é o sistema de governo
atrasado e incapaz de responder aos anseios da população. Isto seria abordado
e1n outra oportunidade, em outra questão.
Não vou sair do nosso tema. Mas, só para letnbrar: se estivéssemos
vivendo há muito mais tempo do que eu desejaria em um sistema de governo
parlamentar, com Gabinete e Câmara passíveis de dissolução, nada disso
estaria acontecendo. Cada vez que um Gabinete não desse conta do recado,
se o governo andasse mal, cairia. E quantos governos tivc1nos de agüentar
durante quatro, cinco ou seis anos, desejando que eles já tivessem caído

35
há muito tempo. E a Câmara, não conseguindo dar conta do recado, quantas
vezes o povo se arrependeu' da n1aneira co1no votou e gostaria de ver isso
tudo renovado? Então não é por aí.
Para consertar esse marasmo temos, de fato, outro remédio. No momento,
o que te1nos é um sistema de governo horrível, rígido, paralisante, de confronto
permanente, de litígio entre o Poder Executivo e o Poder Legislativo, e quem
sofre com isso é o povo, porque o atraso que daí decorre atinge realmente
a massa da população. Se tivésse1nos co1no alterar isso, tudo be111. No mo1nen-
to, não temos. Vamos tentar então correr com a nossa lei. A lei vai responder
1nuito be1n a essas questões, e a principal delas é a que fica como parâ1netro
para essa parte da mesa-redonda.
Na elaboração do texto constitucional o constituinte não foi irresponsável.
Colocou todos os recursos possíveis para sustentar as responsabilidades nele
definidas. Só está faltando que a Lei de Diretrizes Orçamentárias chegue
a tempo de dar respaldo ao que está colocado nesse texto.
Para terminar, gostaria de deixar isso bem registrado nesta reunião. Foi
o mais espetacular avanço que um país conseguiu num texto constitucional
em relação à sua população, que precisava ser olhada com respeito, que
precisava deixar de receber favores e que tinha direito a ser tratada no mesmo
nível de cidadania do restante da população brasileira. Ê a mais moderna
das contribuições que poderíamos ter dado a um texto constitucional. Ê a
primeira vez que a criança aparece com todos os seus direitos listados; que
o adolescente ali está com todos os seus direitos listados; que o idoso é
olhado como deve ser, e, principalmente, é a primeira vez que, de fato,
a pessoa portadora de deficiência pode até continuar ao longo da sua vida
física com a diferença, com o handicap negativo, mas não do pondo de vista
de cidadania. Quer dizer, 13 milhões de brasileiros são iguais a todos os
outros perante a lei. Muito obrigado pela atenção. (Palmas.)

O SR. VICENTE DE PAULA FALEIROS


Expositor
Sr•' Deputadas Anna Maria Rattes, Sandra Cavalcanti, Maria de Lourdes
Abadia, Benedita da Silva, ilustres membros da Mesa, prezados colegas partici-
pantes, a questão da assistência social é muito complexa e minhas reflexões
aqui são fruto de um debate de muitos ineses entre colegas que participaram
da tentativa de eleborar um anteprojeto de lei orgânica da assistência social.
Como associado do Sindicato dos Assistentes Sociais e membro de grupo
de trabalho, minha reflexão não representa a posição oficial dessas entidades,
mas a do pesquisador, do debatedor, do militante nessa área da assistência
social.
A complexidade dessa discussão itnplica, em prin1eiro lugar, a·definição
do que é pobre. Se não tivermos bem claro o conceito de pobreza, não
poderemos atender ao que está disposto na própria Constituição.

36
O art. 6\' da Constituição estatui que são direitos sociais a educação,
a saúde, o trabalho, o lazer, a segurança, a previdência, a proteçãd à materni-
dade e à infância e a assistência aos desamparados. Já o 203, que trata especifi-
ca1nente da assistência, diz que a Previdência Social deve garantir u1n benefício
mensal à pessoa portadora de deficiência e ao idoso que comprovem não
possuírem 1neios de prover da própria subsistência. Então, há necessidade
de comprovação ou não de pobreza, para se retirar o atestado de óbito ou
se fazer o registro de nascimento gratuitamente.
É fundan1ental, ao tratarmos da assistência, discutir essa questão, porque
a primeira impressão que se tem, quando se discute a pobreza, é de que a
grande maioria da população brasileira é pobre e todos, mais ou menos, se
inclue1n nessa categoria. Se tomarmos co1no critério, por exernplo, a linha de
pobreza abaixo dos três salários 1nínin1os, encontraremos aí 70% ou até
mais, dependendo da região, da população considerada pobre. E, se passarmos
agora a um conceito mais rigoroso, vamos ver que muitos definem pobreza
como destituição, como falta de meios de subsistência, carência. São expressões
que escutamos todos os dias. Alguns pesquisadores também colocam a defini-
ção de pobreza nesses ter1nos. Mas pobreza não pode ser definida como
"falta" apenas, nem pode ser vista como dívida a ser paga. Não se define
em que termos essa dívida está colocada, e muito menos pode ser definida
como vagabundagem, porque é co1num ainda, na nossa sociedade, penalizar
o pobre, confundi-lo com o vagabundo. Também não podemos culpar o pobre
dizendo que a causa da pobreza é inerente a urna falha individual da pessoa.
Nesses termos, como o tempo é relativamente curto, podemos entender o
que é pobreza e daí definirmos a clientela da assistência social.
A pobreza é urna relação social de exclusão da participação econômica
e político-social da ·sociedade, dos benefícios da riqueza dessa sociedade. A
pobreza é uma relação social porque, se existe aqueles que são excluídos, é
porque há um grupo que se apropria da riqueza. Então, não podemos_ entender
a pobreza con10 crin1c, como falha, tnas corno utna relação que tem corno
conseqüência a iinpossibilidade de auto-stistentar-sc. Essa i1npossibilidadc é
uma conseqüência dessa relação de exclusão social. E,stou falando de in1possi,-.
bitidade que é dada pelas condições nas, quais as pessoas se encontram. E
por isso que o conceito, en1bora seja 1nais ou n1enos claro, teorica1nente,
na prática é 1nuito difícil de ser 1nedido.
Nos países onde há urna política mais definida em relação à pobreza,
como Estados Unidos, Canadá, França, Suécia e mesmo a Costa Rica, na
América Latina, há a definição de uma linha que separa os absolutamente
pobres dos relativamente pobres - relativamente, porque a pobreza pode
ser vista sob o ponto de vista absoluto, etn u1na definição descritiva, empírica,
em que há falta de atendimento das necessidades básicas, relativamente à
riqueza, através da renda média do país.
Sabemos que a renda média no Brasil representa um indicador muito falho,
vago. E corno a história de duas pessoas em que urna come um frango e

37
a outra nada come. Na média, cada uma come a metade. Então, a renda
média não representa uma visão real da distribuição da renda na sociedade.
Se dissermos que no Brasil há uma renda de dois mil dólares per capita
anuais, não estaremos mostrando as profundas desigualdades existentes onde
há diferença entre os 10% de renda inferior e os 10% de renda superior,
de 46 salários mínimos. Então, que critério adotar para definir esta pobreza
relativa?
No Brasil, não temos o hábito de falar a este respeito, de pensar nos
pobres em termos globais. Por isso torna-se difícil abordar a questão. O
. que se te1n feito ultitnamente é tomar como parâmetro o salário mínilno,
como linha estritamente mínima de situação dos pobres. Mesmo neste caso,
torna-se difícil. Por isso, sugerimos, para definir a linha de pobreza, tomar
um quarto do salário mínimo per capita da renda familiar. Esse critério está
sendo assumido tanto no IPEA, quanto no IBGE e no Relatório Jaguaribe
- Brasil: Reforma ou Caos. Esse critério nos dá uma indicação inicial do
nú1nero dos estritan1ente pobres no País.
Segundo dados, ainda não publicados, do IBGE, mas de fonte oficial,
relativos ao ano de 1987, do PNAD, existem, no Brasil, atualmente, 34.290.923
pessoas com renda até u1n quarto do salário mínimo per capita mensal. Do
total de 3.692.937 famílias, 3.296.000 têm filhos de zero a 17 anos, o que
representa 9,6% do total das famílias brasileiras. O número de famílias com
pessoas de zero a 17 anos, sem qualquer rendimento, é de 487.897. Esses
números são assustadores, porque, apesar de se referirem a apenas 10%
do número de famílias, representam um número extremamente grande de
pessoas que sequer alcançam um quarto do salário mínimo per capita.
Diante deste fato, as políticas sociais existentes são extre1namente precá-
rias, porque não há uma sistemática nacional, nem regional, para um atendi-
mento contínuo e juridicamente estabelecido. Daí a maior importância deste
Simpósio aqui, na Câmara dos Deputados, para discutirmos não só os direitos
já consagrados na Constituição, mas também as formas práticas de colocarmos
a questão da assistência em uma sistemática global e coordenada. O que
existe são políticas isoladas que dependem de pessoas ou de grupos e volun-
tários que fazem inúmeros esforços para poder trabalhar a assistência social
na prática. Muitas vezes, essas políticas são marcadas pelo clientelismo, pelo
favoritismo, pela intermediação de favores em troca de lealdade, e caracteri-
zam-se pela su:l inconstância. Exemplo disso são as fa1nosas campanhas do
frio, do cobertor, de casas, em situações de emergência. O sistema de ajuda
baseia-se no voluntariado. É preciso, portanto, articular essas políticas.
No anteprojeto de lei, no qual participamos, a preocupação foi colocar
como clientela de uma política sistemática apenas grandes categorias que
são contempladas na Constituição e que são excluídas do mercado de trabalho.
As crianças, os idosos, e os deficientes, já que dentro de uma ótica liberal
não podemos propor a substituição do trabalho pela assistência. Essa é a

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grande briga dos liberais. Nos países que têm uma política liberal de assistência
o importante é não prejudicar a 1não-de-obra cotn a assistência. E nesse
sentido a proposta inscreve-se até numa ótica liberal, porque considera crian-
ças, deficientes e idosos como os beneficiários da assistência, dentro dessa
linha de pobreza. Mas é fundamental também colocar como critério a organi-
zação sistemática de uma política de assistência que respeite também a Consti-
tuição, que é a descentralização, a responsabilidade dos Estados e Municípios,
a nível federal, era necessário colocar uma coordenação geral da assistência
através, talvez, de un1 instituto de assistência social que coordene essa política
e que respeite a organização estadual e municipal com a participação da
população, para que possa1nos distinguir na assistência as incapacidades das
dificuldades. Porque mesmo para essa população incapaz de trabalhar, como
a dos idosos, dos deficientes, e dos pobres, há momentos em que há dificuldades
eventuais. E o critério da incapacidade na política de assistência vem do
Século XVII, na lei dos pobres, da Inglaterra, que distingue os aptos dos
inaptos, os capazes dos incapazes. Mas isso, como bem salientou a Deputada
Sandra Cavalcanti, não pode ser visto a não ser sob a ótica da cidadania.
Quer dizer, tratar dos incapacitados para o trabalho numa política de assistên-
cia, mas como cidadãos que contribuem socialmente para a Nação, toda política
de assistência deve ter como critério funda1nental essa ótica da cidadania.
Finalmente, ter um controle da população sobre essa política, que é o que
está no art. 204 da Constituição, e u1na fiscalização mais rigorosa do Estado,
para que todos os abusos sejam coibidos, a fim de que não se usem as crianças,
os idosos, os deficientes para também se obter u1na intermediação privada
desses serviços. Já que criticamos tanto a intermediação pública, clientelística,
é preciso também que haja um controle das intermediações privadas, para
que haja um sistema único de assistência social e que essa renda 1nínima,
que já foi implantada em outros países, possa se constituir numa questão
política a ser resolvida a médio prazo, à medida que o salário mínimo for
se elevando, possa contribuir para a erradicação desta faixa de população
extremamente pobre. (Palmas.)

A SRA. POTYARA AMAZONEIDA P. PEREIRA


Expositora

Prezados participantes, promotores deste Simpósio e companheiros de


Mesa, preliminarmente gostaria de informar que minha fala sobre conceitos
e funções da assistência social não tem caráter ineramente acadêmico ou
escolar. Está vinculada a um propósito prático, de subsidiar substantivamente
a lei que deverá regulamentar a assistência social na nova Constituição. Tanto
é assim, que o que será dito por mim agora serviu de subsídio ou de fundamen-
tação teórica ao Anteprojeto de Lei Orgânica de Assistência Social, ao qual
o Prof. Vicente já se referiu, preparado por um grupo diversificado de colabora-

39
dores, sob a coordenação da Universidade de Brasília, do IPEA, do IPLAN
e da SEPLAN.
Este anteprojeto, trabalhado a várias mãos, durante seis meses de inten-
sivos estudos, foi, desde as suas pritneiras versões, submetido à crítica de
vários interlocutores, a nível nacional e local, inclusive de lideranças comuni-
tárias no Distrito Federal, resultando e1n um texto que, embora provisório,
esperamos tenha cumprido dois grandes objetivos. Primeiro, o de mobilizar
o maior número possível de pessoas e1n torno da necessidade de se debater
e de se repensar criticamente a assistência social no Brasil. O segundo, oferecer
aos legisladores uma proposta de lei que valorize os gvanços constitucionais
nessa área, principalmente no que diz respeito à participação da comunidade
na formulação e no controle da política da assistência social, a descentralização
dessa política, a questão da redistribuição de renda embutida na alocação
dos recursos para essa área, etc. Efetivamente, falar de assistência social
é tarefa difícil, principalmente porque a assistência social não tem sido; através
do tempo, um assunto que inereça interesse científico. Apesar de a assistência
social ser um fato relevante do ponto de vista prático\ empírico, histórico,
existem poucas contribuições no sentido de conceituá-la, de melhor demarcar
o seu espaço de conhecimento e a identificar as suas propriedades essenciais.
Isso não só no Brasil ou no Terceiro Mundo, onde as condições de pesquisa
nessa área são sabidamente adversas, mas também nos países ricos do Oci-
dente, berço do padrão pós-liberal de desenvolvimento capitalista que produziu
o chamado welfare state, ou estado de bem-estar. Mesmo lá, a assistência
social é considerada uma atividade eminentemente prescritiva, operativa, vin-
culada à órbita do planejamento ou da execução de medidas técnico-admi-
nistrativas reguladoras das desigualdades sociais.
Isso significa que, quando a assistência social tem que ser conceituada
ou abstraída de uma forma conceitual, ela o é não pelo seu conteúdo e substân-
cia com base na dinâmica da realidade em que se constitui e se processa,
mas geralmente co1n base na sua manifestação feno1nenológica, nas suas orien-
tações programáticas, gerando, inclusive alguns equívocos conceituais. O pri-
meiro equívoco é que a assistência social geralmente é definida pelas suas
funções. Ora, conceituar a assistência social pelas suas funções é incorrer
num vício metodológico, é conceituar a assistência social pelas conseqüências
que ela produz ou que pretende produzir. Assim, a assistência social passa
a ser vítima de um raciocínio circular finalístico vicioso que nunca diz o que
ela é mas o que ela se propõe a ser.
Assim, por exe1nplo, se em deter1ninados programas a assistên:ia social
tem a função de distribuir renda ela é definida como aquele coniunto de
medidas que visa a distribuir renda.
Se em outro programa ela tem a função de resgatar a dívida social é
definida como aquele conjunto de medidas que visa a resgatar a dívida social.

40
Então fica claro o caráter tautológico vicioso repetitivo dessas definições que,
além de ingênuas, em nada avançam teoricamente.
Um outro equívoco na conceituação da assistência social é o de que
geralmente ela é definida pelo lugar da sua elaboração. Assim como é no
aparelho do Estado que ela é sistematizada, orçada, formalizada, avaliada,
deduz-se automaticamente que ela é uma iniciativa exclusiva do Estado,
ou seja, a assistência social neste caso passa a ser produto da inteligência
governamental ou dos burocratas e tecnocratas, em desconsideração à autono-
mia relativa da sociedade.
O Estado passa a ser sujeito, a sociedade passa a ser objeto, e temos
aí uma visão essencialista do Estado com relação à conceituação da assistência
social.
Com efeito, é preciso considerar que a assistência social tem várias e
diferentes funções. Assim, pelo fato de ser uma atividade ubíqua, quer dizer,
que se encontra ao mesmo tempo no capitalismo, nó socialismo, nas sociedades
de livre empresa e naquelas de economia mais centralizada, ela pode por
isso mesmo, ter funções diferenciadas e funcionar, inclusive, de forma perver-
sa, diferente daquela que foi programada.
Portanto, conceituar a assistência social pelas suas funções apesar de
ser necessário - eu não estou aqui discordando do fato de estabelecermos
e explicitarmos as funções da assistência social, é preciso que se faça -
é incorrer num vício metodológico que não tem absolutamente importância
do ponto de vista teórico.
Os limites desses dois equívocos conceituais de que eu falei, definir a
assistência social ou conceituá-la pelas suas funções ou pelo lugar de sua
elaboração, são evidentes alimentações desses equívocos. O primeiro é o
total desprezo pelo que é central no esforço de conceituação de qualquer
política, é o seu caráter contraditório, não no sentido de incoerência mas
no sentido dialético do termo de relação de opostos. Assistência social na
verdade, é um processo que resulta da relação entre interesses opostos: do
capital, do trabalho ou entre o interesse de uma lógica da rentabilidade e
o interesse da lógica das necessidades sociais dentro de uma mes1na ordem
social.
Assim sendo, a assistência é produto de uma relação conflituosa e, portan-
to, não pode ser definida mecanicamente como um cálculo programático nem
pode ser entendida como um ato espontâneo de lucidez ou boa-vontade de
quem está no poder.
É preciso considerar, e isso é importante, que no processo da sua consti-
tuição e desenvolvimento a assistência social tem sido alvo da participação
da sociedade através dos tempos, embora nem sempre a sociedade tenha
conseguido a assistência que defende ou que merece. Na verdade a assistência
~ocial, no 1ncu ponto de vista, con10 sinônin10 de protcç<""io universal ou
de direito social, tal como consta na Constituição é aquela política da qual
se vale a lógica das necessidades sociais para impor limites ao poderio e

41
à prepotência da lógica da rentabilidade. Assim sendo, da não tem caráter
meratnente residual como muitos pensam. A assistência social para mün é
aquele elemento estrutural do modo de produção capitalista que problematiza,
por dentro deste modo de produção, a sua tendência para a desigualdade
e para a injustiça.
É a assistência social, pois, do meu ponto de vista, que deselitiza e universaliza
as demais políticas de bem-estar capitalistas já que essas políticas estão sempre
dominadas pela lógica da rentabilidade. Eu poderia até dizer que
é a assistência social que fornece o caráter social ao Estado. Quando o Estado
passou a se interessar pelo aspecto social foi porque ele desenvolveu o seu
lado assistencial. Da mesma for1na as políticas de bem-estar só se tornaram
políticas sociais na medida em que elas desenvolveram também o seu compro-
metimento co1n a lógica das necessidades sociais, ou seja, desenvolveram
o seu lado assistencial. Contudo, a assistência social, por ser produto de
uma relação contraditória, pode ser capturada pela lógica da rentabilidade
e submetida a seus desígnios, principalmente quando a população se vê impe-
dida de participar da sua formulação e do controle dessa política.
Por isso, no meu ponto de vista, é possível vislumbrar dois tipos de
assistência social: uma strictu sensu, capturada e fortemente dominada pela
lógica da rentabilidade econômica e, por isso, prejudicada pela sua identifi-
cação com a justiça.
Tal assistência é uma caricatura dos valores defendidos pelas lógicas das
necessidades sociais, já que ela não impõe barreiras ao domínio crescente
da lógica da acumulação sobre a lógica da eqüidade. É o que muitos chamam
de assistencialismo; é o que prepondera, inclusive no Brasil.
A outra assistência social lato sensu, é aquela assistência social que per-
passa as demais políticas sociais impondo limites à sua tendência à elitização.
Assin1, enquanto a primeira assistência social age no limite e por fora
das políticas de bem-estar, a política de assistência social lato sensu se instala
no interior dessas políticas, problematizando ou esgaçando a sua tendência
à elitização com sua proposta de universalização. É, pois, a assistência social
lato sensu que impede a autonomização da lógica da rentabilidade econômica
no interior das políticas sociais.
Suas características: ela é vocacionada para as necessidades sociais, que
são históricas, necessidades de classe de um conjunto de pessoas. Diferente,
pois, das necessidades animais que são naturais e constantes, as sociais são
históricas e foi em cima da questão de necessidades históricas que montan1os
o nosso Anteprojeto de Lei Orgânica da Assistência Social.
A assistência social lato sensu também é um meio e não um fim em
si mesma, porque a sua função básica é a de estender direitos que tendem
a ficar concentrados no âmbito daqueles que já possuem recursos materiais
e de poder. Ela é redistributiva e não simplesmente distributiva, porque se
pauta por um jogo de soma zero, ou seja, aquele jogo em que se tira de
quem tein para dar a quem não tein, e neste caso ela reivindica transferência

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do topo da pirâmide social para sua base, o que difere de uma política simples-
mente distributiva. Ela é dependente da participação da sociedade da comuni-
dade na sua dinâmica e no seu desenvolvimento, pois sendo a restrição da
lógica da rentabilidade ou da acumulação, se constitui numa arena de choques
de intere.sses que não podem ser resolvidos por decretos, portarias, progra1nas.
Têm de ser resolvidos politica1ncntc. Ela é sistc1nática e contínua; não é
uma assistência social contingencial e ad hoc. Ela é mesmo uma política
de assistência social. E neste caso ela direfe frontalmente da política social
strictu sensu ou da assistência social strictu sensu. Eu sempre conftindo assistên-
cia social com política social - e já digo por que, embora não tenha dito
no início. Para mitn, assistência social é uma política social, e não um aspecto.
Ela é uma política social com as suas características próprias. Então, tais
atributos são a extrapolação da política social strictu sensu ou da assistência
social strictu sensu, que atém-se a um mínimo biológico. Geralmente assistência
social strictu sensu atém-se àquelas pessoas que já se encontram numa situação
onde o mínimo vital já está ameaçado ou já sofreu níveis profundos de deterio-
ração. A assistência social strictu sensu tem um fim e1n si mesma. Por quê?
Porque ela se ocupa daquelas vítitnas terminais da injustiça social e fica nisso
mesmo, muitas vezes sem condições de fazer uma atividade promocional.
Ela é amadora e contingencial. Amadora, porque faz de tudo um pouco
junto àqueles que foram excluídos das demais políticas sociais, e contingencial
porque é incerta, faz o que pode e quando tem. Então, ela não é propriamente
uma política. Assim sendo ela é importante ao funcionamento e ao fortaleci-
mento do capitalismo selvagem, porque ela não impõe limites à lógica da
rentabilidade, e muitas vezes é até usada para impedir que outros direitos
se constituam. É muito comum - e aqui no Brasil já verificamos esse processo
- o uso da assistência social como um direito social, para que direitos civis
e políticos não sejam estendidos, mas cerceados. Então, usa-se a assistência
social como u1na forma mascarada de direito social, para impedir que os
direitos civis e políticos sejam expandidos.
Enfim, embora considere que a assistência social strictu.sensu tenha a sua
serventia em uma sociedade de profundas desigualdades sociais, de profundas
necessidades, acho que não deve ser legitimada permanentemente e deve ceder
espaços à assistência social lato sensu, que, inclusive, pela primeira vez está
sendo amparada e garantida pela nossa Constituição.
Era o que tinha a dizer. Muito obrigado. (Palmas.)

O SR. ELPÍDIO ARAÚJO NÉRIS


Expositor
Exm" Sra. Deputada Anna Maria Rattes, Deputadas Maria de Lourdes
Abadia, Sandra Cavalcanti, Deputada Benedita da Silva, Deputado Nelson
de Carvalho Seixas, Pr~sidente da Federação Nacional das APAE, entidade
que preside e que me deu a honra de falar em seu nome nesta oportunidade,

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demais componentes da Mesa, meus amigos, eu até havia caprichado um
pouco na palestra que escrevi, mas verifiquei que o nosso te1npo foi diminuído
em cinco minutos como salá1io de pobre. De maneira que vou deixar de lado
toda a parte conceituai que tinha escrito para dar o recado da nossa entidade
nesta oportunidade que uão podemos perder.
O tema é "As APAE no Brasil, Perspectivas e Diretrizes". Todos sabem
o que são as APAE. Muitos, talvez, já tenham sido incomodados com a
sua atuação no sentido de fazer funcionar os governos e a sociedade brasileiros
em favor das pessoas deficientes. De maneira que essas entidades, nascidas
da comunidade há mais de trinta anos, existem para prestar serviços, e os
prestam realmente, e para lutar para que entidades e governos também façam
a sua parte neste setor social que abrange o deficiente.
Em 1982, representando esta entidade, compareci a um Congresso Inter-
nacional da Liga Internacional de Associações Pró-Deficientes Mentais e,
nu1n auditório como este, assisti a duas conferências: uma, de um representante
dos países industrializados ou desenvolvidos, e outra, de um representante
dos países em desenvolvimento ou subdesenvolvidos. E o que se procurou
demonstrar foi o que se fazia em um e em outro lado dessas sociedades,
em termos de assistência às pessoas deficientes. Ouvi o Sr. Brian, da Grã-Bre-
tanha, falar sobre a famfüa uos países industrializados ou desenvolvidos. E
ele destacou a preocupação dos respectivos governos em tratar as pessoas
portadoras de deficiência como cidadãos, titulares dos mesmos direitos que
o seu parceiro comum, e participantes igualitários dos benefícios gerados
pela sociedade e administrado pelo Estado em benefício desta sociedade.
Ressaltou especialmente a situação da Inglaterra, onde o governo reco-
nhece os direitos dos incapacitados e editou leis que lhes asseguram não
apenas o direito, mas também a efetiva participação nas vantagens a uma
assistência social condigna e efetiva.
Naquele País, ao se constatar, ressaltou ele, numa criança recém-nascida
com indícios de deficiência, as autoridades sanitárias e educacionais são obriga-
das a orientar as famílias sobre os recursos existentes e postos pelo Estado
à sua disposição. Não é preciso que as entidades e as famílias caminhem
para pedir à autoridade. As autoridades sanitárias e educacionais são obrigadas
a orientar os pais e as famílias à comunidade sobre os recursos existentes.
Destacou o Sr. Brian os importantes serviços prestados pelo Estado,
que consistem em evitar que a pessoa deficiente seja u1na carga insuportável
aos pais ou aos seus irmãos, ainda que o seu ente querido deficiente tenha
reduzido as condições de habilitação ou de reabilitação para viver com indepen-
dência. Leis sobre saúde, educação e assistência social fora1n editadas, sendo
de se mencionar a lei que, ein 1971, reconheceu e- procla1nou iguais direitos
às pessoas deficientes e oportunidade de exercício efetivo desses direitos.
Observe-se que o conceito inglês da proteção prestada pelo Estado à
pessoa deficiente leva em consideração tambétn os seus parentes, aqueles

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que com eles lidam. Países existem especialmente no Leste Europeu, onde
o governo consignou em legislação própria pensão ao deficiente de acordo
com o grau de sua deficiência, de forma que, constatada essa e 1nensurado
o seu grau a pensão correspondente é fato nor1nal na vida administrativa
do Estado. Ninguém reclama nem diz que não tem dinheiro. É fato normal,
é vida normal, é exercício normal de democracia e de administração. Na
Argentina, nossa vizinha, com todas as dificuldades, já foran1 adotadas leis
que definem e demonstram a preocupação do governo em solucionar essa
situação. Nós temos exemplares dessa lei. Aqui, no Brasil, o Estado de Santa
Catarina, que com o Paraná forma dupla pioneira no atendimento às pessoas
deficientes, instituiu em lei, sancionada em 1" de novembro de 1982, uma
pensão mensal no valor de 50% do salário mínimo regional devida às pessoas
deficientes definitivamente incapacitadas para o trabalho, cujos pais tutores
ou curadores responsáveis pela sua criação, educação e proteção residam
no território de Santa Catarina e aufiratn renda inferior a dois salários mínünos
regionais. É apenas um começo, 1nas valeu a pena co1neçar.
Essa unidade da Federação, pioneira e sensível à causa de tantos filhos
seus consciente por outro lado da sua alta missão de bem governar a coisa
pública em benefício de seus cidadãos, jamais se manifestou arrependida
do seu gesto em razão da falta de recurso. Ao contrário, é o Estado que
mais investe proporcionahnente nessa área através da Fundação Catarincnse
de Educação Especial e por intermédio dos programas da Secretaria de Educa-
ção, da Secretaria da Saúde, da Ladesc e de outras entidades. É o Estado
que mais investe.
Li, há tempos, e reli ontem, uma passagem do relatório do Banco Mundial,
de 1982 - já faz muito tempo - em que o diretor dizia que investir em setor
social é o negócio que mais rende. Não há outro investimento físico que
devolva rentabilidade igual ao investimento da área social.
Aqui, no Brasil, infelizmente, por uma deformada visão das coisas, temos
investimentos dos quais até não podemos reclamar, porque resultam em bene-
fício. Aliás) como disse o nosso antecessor, o que reclamamos é aquela divisão,
aquela satisfação dos 50% para a pessoa que não comeu a galinha. É um
exemplo apenas, mas há poucos dias vitnos que num contrato firmado para
se construir a Ferrovia Norte existc1n bilhões de incentivos fiscais. Não critica-
mos os incentivos fiscais. Sabemos que eles existe1n para a exportação, para
a indústria, para as ferrovias, para inúmeras coisas mas eu nunca ouvi falar
que houvesse incentivo fiscal para o atendimento social. Pelo contrário, sempre
se fala de falência dos órgãos de administração quando se quer mudar, ou,
então, se diz que é preciso .pegar mais no bolso do contribuinte brasileiro,
seja ele trabalhador ou empresário.
Então, o que nós quere1nos é que o bolo seja dividido de acordo com
o que a Constituição manda - a nobre Deputada Sandra Cavalcanti demons-
trou - que consignou igualitariamente tanto às pessoas deficientes quanto
aos outros cidadãos pois todos são iguais perante a lei.

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É preciso que se diga que de longa data a Federação Nacional das APAE
e suas associadas vêm desenvolvendo ao lado de outras instituições congêneres
um grande esforço no sentido de forçar a edição de leis que facilitem e permitam
a distribuição de igualdade de condições para os deficientes. Há alguns auos
entregamos ao Sr. Presidente da República e a alguns Deputados - e faremos
agora a entrega à coordenadora-geral - um anteprojeto que a Federação
elaborou, retirando do Congresso Nacional todos os projetos em anda1nento
e arquivados, sobre esta matéria. Mandamos a nossa assessoria jurídica fazer
uma consolidação, refundir tudo aquilo; procuramos examinar a legislação
alienígena, a inglesa, a argentina, a espanhola, a francesa; procuramos subme-
ter isso ao crivo da crítica nacional das entidades e de pessoas que trabalham
nessa área e depois preparamos um projeto e entregamos. Sabemos que ele
tem erros - a própria Constituição os tem - mas há alguma coisa de útil,
a primeira utilidade é que este projeto tem cheiro de povo. Ele foi feito
com o suor, com a experiência das entidades e das pessoas que trabalham
e sofrem, foi recolhido da experiência legislativa. Aqui tem mais de 80%
de artigos que já passaram pelo Congresso Nacional.
Como o nosso tempo já está curto, posso dizer que procuramos amparar
os superdotados, tratar da sua capacidade civil, do seu suprimento, da sua respon-
sabilidade por atos definidos como ilícitos na lei penal. O direito do deficiente
à educação, o direito ao tratamento - aqui temos relacionadas inúmeras hipóteses
- a garantia constitucional de assistência e reabilitação.
No âmbito federal, na forma desse capítulo, incumbe aos Ministérios ...
E vamos dizer o que pensamos a respeito dessa matéria, do direito do deficiente
ao trabalho estatutário ou celetista, ao trabalho protegido, voltado para o
mercado de trabalho; enfim do amparo devido ao deficiente capacitado para
o trabalho.
Procurou-se instituir, na Previdência Social um auxHio financeiro em
favor de segurado que apresente deficiência ou que possua dependente, mesmo
menor, portador de deficiência, que impossibilite o ingresso no mercado de
trabalho, equivalente a dois salários mínimos. Temos o direito do deficiente
ao acesso, essa terrível questão, e outras que até inesmo nas fontes de recursos
nós procuramos sondar para dar a nossa contribuição.
É isto que essas entidades procuram fazer; dar sua contribuição. Nesta
hora queremos - aliás, respondendo ao telefonema muito amável da Depu-
tada Maria Abadia- a ajuda de sua experiência, a sua colaboração. Passamos
à Sra. Deputada que coordena nosso trabalho o número 39 da revista mensal
da APAE, que contém o projeto.
Para finalizar, gostaria de citar dois fatos que definem bem a posição,
o desejo do deficiente de trabalhar e das barreiras que encontra para concre-
tizar esse desejo.
Há algum tempo, no Estado de Goiás, um cego fez nm concurso para
Procurador do Estado. Passou, inuito bem classificado, e começou a luta
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para ingressar na carreira. O estatuto, a lei não o permitia; o médico disse
que ele não tinha saúde e o Governador o chamou, todo condoído e disse
que tinha resolvido dar-lhe uma pensão vitalícia porque não podia nomeá-lo.
Ele respondeu: "Eu não estou pedindo esmola. Tenho direito ao trabalho.
Recuso a pensão, pois quero trabalhar".
O deficiente quer trabalhar, mas quer apenas o espaço.
Era o que tinha a dizer. (Palmas.)

A SRA. VEREADORA CÉLIA CAMARGO LEÃO EDELMUTH


Expositora

Sras. Deputadas Anna Maria Rattes, Maria de Lourdes Abadia, Sandra


Cavalcanti, Benedita da Silva, Deputado Nelson Seixas, demais autoridades
presentes na Mesa e no Plenário, senhoras e senhores, tento trazer a este
Simpósio uma efetiva colaboração, no que diz respeito à in.tegração do defi-
ciente na sociedade brasileira.
Esse teina me foi passado e até me honra ser portadora das palavras
de um grupo tão grande que hoje existe no nosso País, pelo grupo de pessoas
deficientes que, queiramos ou não, chama a atenção até mesmo pelo número
de seus integrantes.
Para analisarmos um pouco o que é ser deficiente, poderíamos começar
dizendo que, antes de ser deficiente, é pessoa. É lógico que tal pessoa é
portadora de uma deficiência que afeta alguns, mas não todos os aspectos
dos seus componentes e do seu comportamento.
Tenho muita coisa a dizer hoje a todos os senhores aqui presentes. Infeliz-
mente, o trabalho com pessoas deficientes hoje gera uma polêmica muito
grande e a matéria é muito complexa - é até inesgotável, em termos de
tempo. Como temos, segundo a Coordenação, quinze minutos - eu até peço
que me avisem, já que eu me empolgo inuito com o assunto - vou passar
a alguns pontos que anotei. Vou tentar, primeiro, passar esses pontos, para
depois falar outras coisas que não estão aqui escritas, mas que são importantes.
Existem no mundo, hoje, mais de quinhentos milhões de pessoas deficientes.
No Brasil, são quinze milhões, e esse número cresce ano a ano, na 1nedida
em que a sociedade se desenvolve. Mas, quem é a pessoa deficiente no Brasil?
Inicialmente, ela não é vítima de guerras, pelo menos não formalmente declara-
das. Ela é, sim, conseqüência das precárias condições de saneamento e saúde,
das arriscadas condições de trabalho e transporte, da violência urbana. Em essên-
cia, ela é vítima de um alto preço pago pela sobrevivência.
Nesse contexto, os problemas do deficiente no Brasil não são diferentes
do contexto da sociedade à qual pertencem, nem podem ou poderiam ser
resolvidas isoladamente.

47
Gostaria também de dizer, e o faço de cadeira duas vezes - quando se
domina um assunto, costuma-se dizer que se fala "de cadeira": então, eu digo
sempre "de cadeira duas vezes", por dominar o assunto e por estar de cadeira
mesmo -que, quando se fala cm pessoas deficientes, parece que se está falando
de algué.m do outro mundo. E essa imagem tem de desaparecer ou diminuir
em nosso País. Se podemos dizer que pessoas deficientes são diferentes, com
isso dir-se-ia que não são pessoas. Porque pessoa, no 1neu modo de entender,
tem de ser considerada de uma maneira só: te1n pensainento, tem coração,
tem inteligência, anda ou não anda, enxerga ou não enxerga, mas é gente,
é pessoa. Então, não há que separar. Isso muda alguma coisa, posso dar meu
próprio testemunho: há quatorze anos eu era normal e deixei de ser por um
acidente de carro. Uma pergunta: Isso muda a Célia Leão? Isso muda a pessoa
que passa a ter uma lllnitação, uma deficiência? Não é inais a mesma pessoa
na sua capacidade, nos seus anseios?

É esta a nossa grande luta, a grande briga que vimos travando há muitos
anos neste País.

Para que os senhores tenham uma idéia, no nosso País fica difícil até
falar em reintegração da pessoa deficiente na sociedade. Quando, na nossa
sociedade,.ºse tentar colocar tudo aquilo que está fora dela, vamos ter de
pegar 70% dessa sociedade para colocar nos 30% existentes. Se fosse a socie-
dade um papel quadrado, dentro dela só entraria aquilo que é bom e que
serve para ela. O que está fora é marginalizado. E o que é que está fora?
Os negros estão fora, os favelados estão fora, as pessoas deficientes estão
fora, o menor carente,.abandonado, está fora, e assim por diante. A sociedade
foi convencionada por nós mesmos. Não foi gente de fora, não foi alienígena,
não foi gente da Lua que veio aqui dizer: "O que presta está aqui dentro;
o que não presta está aí fora". Fo1nos nós mesmos, cada cidadão, em cada
ato, em cada atitude do seu dia-a-dia, cada governo no seu desempenho,
cada lei, tudo isso fez com que existisse a marginalização que temos hoje,
com relação a vários segmentos da sociedade e, especialmente, este que estou
agora trazendo a público, o da pessoa deficiente. Se é rico, está aqui dentro;
se é pobre, está fora; se é loiro é melhor do que o negro; se tem olho
azul é melhor do que o de olho castanho. Isso é o que a televisão nos
traz, é o que a ünprensa nos fala, é o que a revista nos mostra. Esse é
o dia-a-dia, todo inundo vê, mesmo o cego. É uma coisa muito clara. Essa
é a verdadeira briga que a classe de deficientes e as pessoas que trabalham
com e pelo deficiente travam no dia-a-dia.
Sabemos que existem hoje muitas entidades no Brasil que trabalham
com ou pelo deficiente. Outras são formadas de pessoas deficientes que se
uniram para tentar amenizar um problema - trabalho, que, ria verdade,
deveria, ser feito pelo Poder Público. É obrigação dos Governos federal,
estadual e municipal proverem as necessidades dos deficientes na sua totalidade

48
- educação, saúde, transporte, lazer. Alguém pode estar pensando: "Ela
está fazendo piada lá na frente. Imagine! Num País em que falta comida,
em que o povo está faminto, vem ela reivindicar lazer, transporte para defi-
ciente, quando muita gente não tem nem emprego:
Eu sei que, no contexto geral, hoje, nosso País enfrenta problemas sociais
sérios. Mas, em nome do problema Social do País, estamos deixando de.. lado
um outro problema que também é social, o das pessoas deficientes. Ou seja,
é preciso melhorar o contexto do Brasil para depois mel110rar o contexto
das pessoas deficientes. Mas isso, talvez, só os 1neus trinetos verão ..
Então, não dá n1ais para esperar ter ou não cotnida para o povo para
depois pensar no deficiente. É lógico - seria utopia - , não estou pensando
em fazer do Brasil uma Europa, nem em trazer de lá a tecnologia. Mas
uma coisa podemos implantar no Brasil, porque é gratuita: o respeito da
sociedade para com a pessoa deficiente. Isso é de graça, nada custa. Lá
fora eles têm; aqui, não temos. Só para os senhores terem urna idéia, na
Holanda existe um vilarejo, uma cidadezinha, dentro da qual tem uma vila
onde moram pessoas deficientes. É um exagero, é o outro lado do exagero:
aqui não há nada; lá há muito. Essa vila é adaptada para pessoas deficientes.
Só moram deficientes? Não, moram deficientes casados com outras pessoas
também deficientes ou sem deficiência, os ditos "normais". Eu conheci, vi
de perto um rapaz tetraplégico. Tenho certeza de que os senhores sabem
que tetraplégica é aquela pessoa que só tem movimento da cabeça e com
bastante dificuldade os membros superiores; move um pouco os braços. Esse
rapaz faz quatorze anos quebrou o pescoço numa piscina sen1 água, em Buenos
Aires, foi para a Europa, morou e mora até hoje na Holanda, e lá ele recebeu
tratamento. Hoje ele está casado, trabalha, tem filho, a casa está toda adap-
tada, tem transporte. Quando cheguei à sua casa, ele abriu a porta, abriu
as cortinas, tocou o telefone, ligou e desligou a televisão, colocou música
e fez uma série de outras coisas. Ele não 1nexc os braços, só a cabeça e
os olhos. Como fez isso? Soprando. Na sua cadeira de rodas havia um caninho;
ele soprava e era tudo feito por computador. Ele tem uma filha de seis anos
que é a cara dele. Quando voltei e contei essa estória, perguntaram: como,
tem uma filha? Respondi: sei lá, vai ver, soprou.
Essa é a realidade. Lógico, não estou querendo trazer isso de lá para
cá. Sabemos que não teremos isso. N,ern posso aqui representar a realidade
atual das pessoas deficientes no Brasil, porque sei que sou privilegiada, repre-
sento uma minoria dentro da minoria. Sou advogada, vereadora de um Muni~
cípio com mais de 1 milhão e 300 mil habitantes, sou considerada; casei-me
depois de paraplégica e tive um filho, há dois anos, de parto normal. Isto
chama a atenção. Na época em que eu estava grávida, de dois, três meses,
quando a barriga ainda não aparecia muito - acredito até que pensavam
tratar-se de barriga d' água - ninguém arriscava uma pergunta. Mas, quando
a barriga cresceu e começou a aparecer - tinha que ser gravidez ou, então,
um supertumor que iria explodir - as pessoas vinham, com muito jeitinho,

49
às vezes sem graça, e perguntavam: "É gravidez?" Tinhatn medo de que
eu dissesse que não. Eu dizia que sim, com muita alegria, com muita felicidade.
Questionavam-me como eu havia feito. E eu dizia: não sei, da mesma forma,
é tudo igual.
É por tudo isso que a pessoa deficiente é marginalizada. Ela não é aceita
na sociedade. A pessoa deficiente é vista corno assexuada, seja na deficiente
visual, auditiva, mental ou física. Educação, não existe no Brasil. Já falta
educação para muitas crianças. Para o deficiente, mais ainda. A criança defi-
ciente não pode entrar nu1na escola porque a escola fica feia, vai 1narginalizar
as outras crianças. Com isso, não tem educação e, conseqüentemente, não
terá trabalho, transporte, lazer. É um círculo vicioso. A pessoa deficiente
nada te1n; é melhor ficar rezando e1n casa, que já faz inuito; já está com
o céu ganho. Coitadinho, é tão deficiente, tão paraplégico, tão cego, tão
deficiente mental. É essa a imagem que precisamos acabar na sociedade brasi-
leira, e isto não. custa dinheiro. É lógico que algum gasto haverá, mas a
educação do povo brasileiro para isso nada custa.
Gostaria de dizer aos senhores que ser deficiente não é a melhor coisa
do mundo. Estão presentes aqui alguns companheiros que também são defi-
cientes e sabemos disso. Se fosse a melhor coisa do mundo, sairíamos dando
tiro e paula:da nas pessoas para verem como é. Mas também não é a pior
coisa do mundo. Para ser feliz, não é preciso ter duas pernas, dois braços,
dois olhos ou dois. ouvidos que escutem perfeitamente. A felicidade de uma
pessoa não está no físico ou em cada órgão do organismo. Ela está no respeito
que ela dá e recebe ou, pelo menos, deveria receber. Ser feliz é ser tratado
como pessoa humana, como gente. Nós fazemos essa diferenciação, mas -
para aqueles que acreditam, e certamente todos pensam assim - para Deus
somos todos iguais. Quen1 so1nos nós para dizer que alguém é melhor porque
anda, ou pior porque não anda; é melhor porque enxerga, ou pior porque
não enxerga?
Outra coisa ünportante - e este é um assunto polêmico e complexo
- é que o Brasil é uma fábrica de pessoas deficientes. Na cidade de São
Paulo, há dois anos, a cada vinte e quatro horas, vinte e oito pessoas torna-
vam-se deficientes. Aconteceu con1igo, com meu vizinho, alguém que eu
não conhecia, com o amigo do meu an1igo. Alguém sempre é, sempre fica
ou sempre nasce deficiente. Sabemos de crianças de dois 1neses que estão
cegas porque nasceram com icterícia e, ao tomar o banho de luz na cestinha,
tendo de ficar ali uma hora, ficaram duas. A enfer1neira esqueceu de tampar
os olhos do bebê recém-nascido e este ficou cego. Conheço mais de dez
casos recentes, em Campinas, de crianças de dois a três meses. Isso está
acontecendo no Brasil agora, cm 1989. Temos hoje, no Brasil, poliomielite,
hanseníase, e outras doenças que não existem mais e1n outros países. Além
dos casos de pessoas deficientes que já nasceram assim ou ficaram, temos
a paralisia cerebral, em função de parto mal feito, corno é o caso da mãe
que, com dor, fechou a perna e acabou apertando a cabeça do bebê, nascendo

50
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com problema. Isto está acontecendo hoje, não em 1930. Existem hoje, mais
ou menos, quatorze milhões de pessoas deficientes. Isso dá para encher a Grande
São Paulo. Parece uma guerra. Enquanto estamos falando aqui, estão aconte-
cendo mais casos: tiro, acidente de carro, doença, parto, briga, acidente de
trabalho. Urna coisa sem fim. É necessário haver prevenção e a diminuição
desses casos, porque sabemos que eles não vão acabar. É preciso atenção para
os casos que existem e para os que virão.
Daquilo a que me propus a falar, muito ficou de fora, mas tirei xerox
e distribuirei a V. Ex' Estarei à disposição para qualquer dúvida.
Para finalizar, quero dizer que no Brasil teríamos de ficar de braços cruzados,
enquanto o Governo deveria tomar as providências. Mas é muito difícil, porque
o Brasil cresce desenfreadamente. Sou política e não poderia falar mal dos
políticos, apesar de alguns merecerem. Sabemos que o Governo,
enquanto federal, estadual ou municipal, não vai prover todas as necessidades
da população. Nesse caso, encaixa-se uma estória muito simples: a floresta
estava pegando fogo, árvores de cinqüenta, cem metros incendiando-se, bichos
correndo para fora da floresta - leão, onça, tigre, macaco, girafa - e as
chamas aumentando. Daí a pouco, no 1neio dos bichos, em sentido contrário,
vem o beija-flor voando. O elefante parou e disse: deixa de ser louco, a
floresta está pegando fogo, você vai se queimar, vamos sair correndo. E
o beija-flor respondeu: vou sair do incêndio, mas, antes, tentarei apagá-lo
- e no bico levava uma gota d'água. E continuou:. se você, elefante, assim
como todos os bichos, levar também uma gatinha d'água, provavelmente
conseguiremos apagar o incêndio".
E porque o Governo não consegue fazer, nós, cidadãos brasileiros, temos
a obrigaçã0 de levar "no biquinho" a nossa gota d'água. Acabar com o incêndio
é muito difícil, porque existem pessoas ficando deficientes neste exato mo-
mento em que falo. Mas, pelo menos, podemos amenizar a vida e a situação
de cada deficiente no Brasil. Isso compete não só ao Governo, mas às entidades
e a todos os presentes aqui.
Empolguei-me demais e acabei esquecendo de passar para a Comissão,
para a Coordenação deste Simpósio, nas pessoas das Sr•' Deputadas Anna
Maria Rattes e Maria de Lourdes Abadia, como colaboração, um anteprojeto
de lei básica sobre assistência a pessoas deficientes, para depois ser debatido,
estudado e analisado nas Comissões, nesses dias, para fazer parte da Lei
Orgânica de Assistência Social. Queria passá-lo oficialmente a V. Ex• Muito
obrigado. (Patinas.)

O SR. BENEDITO RODRIGUES DOS SANTOS


Expositor

Sr• Presidente, caros participantes, sou do Movimento Nacional de Meni-


nos e Meninas de Rua, um movimento da sociedade civil, não governamental)

51
que busca o engajamento dos próprios meninos na construção de um espaço
aonde possam levar sua voz e lutar por sua vez. Seriá muito bom que na
próxima oportunidade, em vez de eu falar pelos meninos, estivesse aqui um
menino falando com os presentes.
Gostaria de trazer alguns aspectos dessa realidade para que possamos
juntos resgatar a nossa capacidade de· indignação frente ao que vem aconte-
éendo. Não trago dados estatísticos, a despeito de haver estatísticas bastante
sérias avançando nessa direção.
Queria chamar a atenção para um aspecto das estatísticas que têm dificul-
tado em vez de contribuir.
Primeiro, há uma série de estatísticas bastante exageradas, e essas estatís-
ticas exageradas, em vez de contribuir para a solução, têm contribuído, pa.ra
gerar e justificar o imobilismo da sociedade. Essas estatísticas são também
usadas para conseguir recursos do exterior e têtn gerado a imagem de u.ma
"republiqueta de banana", que não tem as mínimas condições de r.esolver
os seus próprios problemas. Essa imagem serve de justificativa para a domi-
nação e a colonização do chamado Primeiro Mundo sobre o Terceiro Mundo.
Além do mais, tais estatísticas têm servido para superestimar as ações do
Governo, para justificar as soluções n1irabolantes. Mas a situação é séria,
pois há violência e violação dos direitos tnais fundamentais dessas crianças.
A questão do menino de rua deve ser compreendida como a face mais exposta
de toda a questão social, que é muito grave, que afeta toda a infância e
a juventude neste País. Esses meninos são os que conseguiram furar o cerco
e vir para o centro das cidades para denunciar, em ato, toda a situação de
miséria em que se encontra a sociedade e proclamar também a falácia do
ditado "a criança é o futuro deste País". Como pode ser futuro, sendo tratada
dessa forma, com essa injustiça toda? Ao contrário do que muitas pessoas
pensam, e é divulgado, as 1nilhares de crianças que vêm à rua n'ão estão
cometendo delito ou cheirando cola. A imensa maibria que vem às ruas vem
à busca de sobrevivência sua e de sua família.
A questão do ingresso prematuro do menor no trabalho, que é uma
violência grave, é louvada pela sociedade. Essas crianças, porém, deviam
estar brincando e .estudando. A sociedade aplaude quando vê esse número
enorme de crianças trabalhando. Para mim, essa é uma das mais sérias violên-
cias, para a qual gostaria de chamar a atenção, já que se constitui em um
fenômeno mundial.
Outro_ dado é o de que essas crianças qu~ estão na rua são vítimas das
violências mais absurdas e que todos já conh~cem bem. Há uma tendência
generalizada de deslocar a análise da violência para o setor mais fraco e
fragilizado. Em detrimento da corrupção que campeia solta, e dessa questão
do crime organizado, está-se colocando nas crianças toda a culpa pela violência.
E, por serem culpados por essa violência, esses meninos são presos, espancados
e torturados nas delegacias. Essa tortura é muito maior do que a cometida

52
com os presos políticos e com os presos comuns adultos. É uma violência
séria e grave.
Outra situação bastante grave é a questão do extermínio. Existe um
grupo fascista da população que ainda aplaude e justifica esse extermínio
em massa cometido pela polícia, pelos grupos paramilitares e pelas quadrilhas
organizadas. A situação é tão séria, que qualquer comparação poderia ser
percebida, uma vez que o número de crianças que estão sendo exterminadas
é maior do que o número de camponeses que estão sendo exterminados
nos conflitos rurais; é maior do que as mortes nos centrós das cidades. As
crianças estão sendo n1ortas. E a população, se1n uma consciência mais clara
dessa realidade, age ao sabor da emoção. Quando a criança é morta pela .
polícia, diz que é preciso humanizar a polícia; quando ela ou alguma pessoa
da família é assaltada ou roubada, reclama por mais policiamento. Para essa
questão, as buscas e soluções têm sido equacionadas sob as coordenadas
da violência, e o problema ainda é tratado no âmbito da polícia. As políticas
já foram bem analizadas nesse setor, já foram bastante esmiuçadas mas,
gostaria só de caracterizar alguns de seus aspectos. Primeiro, o modelo econô-
1nico brasileiro, ou seja, o crescüncnto econômico tem gerado mudanças na
estrutura da organização da família, que hoje é nuclear, chefiada por mulheres
e que faz uso da mão-de-obra infantil para a sua sobrevivência. É pautada
pela frieza tecnicista, pela formulação de pacotes, pela maximização do papel
do Estado na definição das prioridades e na definição da população-alvo,
burocratização, centralização e clientelismo político na gestão dos órgãos e
multiplicação dos serviços, o que gera a fragmentação, a redundância e o
paralelismo. As respostas são assistencialistas e paternalistas, baseadas no
atendimento em grandes internatos. Há rotulação das crianças como menores
abandonados, carentes, infratores. Essa é a política em termos gerais. Não
se pode dizer que não houve avanço nesse período chamado de transição.
Acho que se deve destacar esforços na direção da mudança do enfoque dessa
questão e na participação popular. Esforços como os que vêm desenvolvendo
a própria Dr~ Marina Bandeira, aqui presente, 1nerecem ser destacados, bem
como o crescimento da organização popular na definição da própria política
voltada para esses menores. Nese período de transição, quero ainda destacar
dois aspectos bastante sérios. O primeiro é que foram chamadas para as
instituições técnicos progressistas, não para ocupar cargos de decisão, mas
sim para srenovar o próprio discurso das instituições, modernizando-o, a fim
de perpetuar essas instituições. Esses técnicos têm servido muito mais para
renovar o discurso do que para fazer uma mudança substancial nas práticas
das instituições.
O segundo aspecto bastante sério, porque a questão da assistência não
é entendida como um direito. Atualmente muitos programas de atendimento
às crianças são mais um braço do Estado do que a organização da sociedade
civil. Acho que as soluções mais profundas para esses problemas - todos
sabem - viriam com a solução da questão da dívida externa, da reforma
agrária, da política salarial, de emprego e da distribuição da renda. Mas
53
sabemos que ten1os a ver com a questão do momento aqui e agora, e as
soluções seriam a !ougo prazo.
Gostaria de chamar a atenção para o problema da criança, do adolescente,
do menino de rua, que tem interface com as demais questões sociais, não
sendo uma questão de assistência social, de educação ou outra política. Existe
essa interface, porque são problemas relativos a todas as outras questões
sociais. Por isso, não pode ser tratada por esta ou aquela política. Nesse
sentido, temos lutado para que a criança seja tratada de acordo com a sua
especificidade, dada a sua condição peculiar de ser em desenvolvimento, o
que justifica uma atenção diferenciada dentro da formulação das políticas.
Sei também que estamos viveudo um momento histórico de busca de alteração
do panorama legal.
Cabe registrar aqui o esforço dos setores técnicos governamentais e não
governamentais, como é o caso do Foro de Defesa da Criança e do Adoles-
cente, da ca1npanha "Criança e Constituinte" e vários outros segmentos que
lutaram para a inclusão na Constituição de uma lista de direitos da criança
que nas oito constituições anteriores não haviam sido contemplados.
O setor que buscou assegurar esses direitos também está propondo e
elaborando o Estatuto da Criança e do Adolescente, qne busca dar à questão
a especificidade que merece. Este Estatuto foi apresentado, numa versão
preliminar, ao Congresso, para garantir a precedência na hora das votações,
pelo Deputado Nelson Aguiar e pela Deputada Benedita da Silva, que se
encontra no plenário. Com esse Estatuto, queremos dar à problemática um
enfoque totalmente novo e diferente do que foi dado até hoje. Nesse enfoque,
a criança é tratada como sujeito de direitos, e a partir dessas propostas teremos
de buscar interfaces com outras legislações, como a Lei de Diretrizes e Bases
e a Lei Orgânica da Assistência Social.
Basicamente, propomos que o ECA - Estatuto da Criança e do Adoles-
cente - inclua direitos fundamentais, porque o Código de Menores anterior
trata da criança apenas em situação de trabalho ou de cometimento de ato
delituoso, a chamada situação irregular. Buscamos assegurar o direito à vida,
à liberdade, ao respeito, à dignidade, à família, à comunidade, à convivência
comunitária, à educação, à cultura, ao lazer, à profissionalização e à proteção
no trabalho. Propomos, também, que a prioridade absoluta, assegurada na
Constituição, ocorra em alguns níveis, como a da primazia absoluta da criança
em receber socorros e proteção; precedência no atendimento nos órgãos públi-
cos e preferência na formulação e execução das políticas; privilégio na definição
dos recursos. É prevista, em todo o processo, a participação das crianças.
O Estatuto propõe, ainda, a distinção entre crianças em situação de
risco e crianças que cometam infração. Com essa distinção, buscamos tirar
no âmbito da Justiça todos os casos de crianças consideradas problema, deven-
do ser tratadas no âmbito da justiça social e no âmbito das outras políticas.
Além disso, propomos uma série de mudanças no ordenamento jurídico,
diminuindo-se o poder do Juiz na definição e no julgamento das questões,

54
e introduzindo a figura do advogado de defesa da criança, porque sabemos
que, a despeito de existir uma chamada legislação tutelar, a criança é penalizada
e tratada pior do que os presos adultos. Com a inclusão do advogado no
processo, a criança terá margem para se defender. Estamos propondo nova
política de atendimento à criança e ao adolescente. Ela far-se-á por ineio
de órgãoS governamentais e não governamentais, na perspectiva de não deso-
brigar o Estado do papel que lhe compete. Esta política seria centrada no
atendimento, primeiro, mediante políticas sociais básicas - saúde, educação
etc. - , políticas e programas de assistência social, serviço especial de preven-
ção à negligência e a proteção jurídico-social por entidades de defesa de
direitos. O ordenamento @essa política seria feito por um fundo nacional,
um conselho paritário e um instituto, estando este sem natureza definida.
As ações de execução seriam 1nunicipalizadas e não "prefeiturizadas",
cabendo ao Estado exercer as atividades supletivas.
É sobre isso que temos refletido e gostaria que essas propostas fossem
colocadas em consideração, compatibilizando-se com a Lei Orgânica da Assis-
tência Social que está sendo elaborada. Muito obrigado pela atenção. (Palmas.)

A SRA. DEPUTADA ANNA MARIA RATTES


Presidente

Com a palavra o próximo expositor, Sr. Oswaldo Lourenço, Presidente


da Confederação Brasileira de Aposentados e Pensionistas, que falará sobre
a assistência social e o idoso.

O SR. OSWALDO LOURENÇO

Expositor
Sr• Presidente, em primeiro lugar, quero saudar a ilustre Deputada Maria
de Lourdes Abadia, Coordenadora-Geral deste Simpósio, os Srs. Deputados
aqui presentes e demais membros da Mesa.
Senhoras e senhores, meus companheiros, este Simpósio, ao encerrar
esta primeira parte, mostra, por coincidência, um espelho do sistema social
em que vivemos, com dois dos segmentos mais discriminados, como é o caso
das crianças e do idoso. Às crianças e ao idoso pr~cura-se dar o mesmo
tratamento diferenciado. As crianças são metralhadas, como faz a Polícia
do Rio de Janeiro com os adolescentes de nove a quatorze anos, considerados
perigosos; quanto aos idosos, diminuem a aposentadoria ao mínimo possível,
para que morram mais depressa. Acabam morrendo confinados em um asilo,
jogados à própria sorte, nas ruas, homens que, depois de darem toda a sua
vida para a produção das riquezas deste País - e este se vangloria de ser

55
a oitava economia do mundo -, tendo contribuído religiosamente durante
trinta e cinco, quarenta anos para a Previdência Social, no fim da vida são
tratados como indigentes, muitas vezes no meio da própria família. O idoso
de hoje, o aposentado, foi quem criou as primeiras entidades de previdência
social, que foi às lutas operárias, antes mesmo da existência do sindicalismo,
que criou seus grupos, as associações de auxílio mútuo e forçou, já em 1923,
a primeira lei de previdência social, a chamada Lei Eloy Chaves. A Consti-
tuição de 1934 já previa a Previdência Social, determinando a participação do
trabalhador, da_ União e do empresário igualitariamente. Mas ocorre que
durante todo o tempo, os únicos que religiosamente contribuíram para a
Previdência Social foram os trabalhadores, sejain braçais, sejam intelectuais
-os segurados da Previdência Social-, porque a contribuição já vem descon-
tada em folha de pagamento. Os empresários não contribuem, porque repas-
sam para as suas mercadorias, voltando o trabalhador a pagar também a
quota dos empresários, no momento de compra dessas mercadorias. A União,
embora haja um preceito constitucional nesse sentido, jamais contribuiu com
coisa alguma. Pelo contrário, surrupia o que está dentro da Previdência Social;
recursos desaparecem e ningué1n presta conta de nada, ninguém é responsaM
bilizado por nada. Este problema da assistência social, principalmente, no
caso do idoso, é olhado na sociedade em que vivemos como um ato de filantro-
pia que só se resolverá quando tivermos um sistema social que altere esse
estado de coisas; uma massa que produz para que meia dúzia se aproprie
das riquezas, como é o caso desta sociedade em que 10% das elites dominantes
se apropriam da produção relativa a 50% do Produto Interno Bruto. Enquanto
não alterarmos este sistema social, podemos fazer as coisas mais bonitas que
já estiveram ein outras constituiç_ões, mas não atingiremos aquilo que cada
um dos presentes deseja, com a idéia de que poderemos 'resolver o problema.
Se não fizermos uma transformação naquilo que aí está, jamais teremos ,na
nossa vida a satisfação de ver o homem como um ser humano, seja ele o
que for, que desde a infância até a velhice tem de ser tratado com dignidade.
Não é possível que um homem que trabalha, que contribui durante trinta,
quarenta anos chegue ao fim de sua vida e não tenha sequer um tratamento
digno para que possa terminar os seus dias a serviço da sociedade, e não
marginalizado, porque a própria sociedade, o próprio Estado procura isolar
esse velho, que é testemunha de muitas misérias praticadas pelas classes domi-
nantes. Foram velhõs que passaram por uma, duas guerras mundiais, que
passaram por ditaduras, que foram maltratados no trabalho, nas prisões e
muitos deles, como eu, que fui cassado e passei também por isso, estão ainda
dando o seu testemunho para que este País seja, na realidade, aquilo que
ouvimos quando crianças nas escolas e que dizem os nossos hinos patrióticos
etc.

Fico preocupado com duas questões - e aí vamos ver o que é .esta


sociedade. Os militares, por exemplo, sempre tiveram na Constituição todos

56
os direitos, sendo que até o seu último herdeiro é beneficiado por uma aposen-
tadoria. O alto funcionalismo sempre o foi. O trabalhador, pela primeira
vez, passa a ter seus direitos de previdência e seguridade assegurados na
Constituição, uma coisa que não é novidade, porque já existia. Fui um dos
que, quando líder sindical dos portuários de Santos, na década de 50, trabalhou
para uma Lei Orgânica da Previdência Social em que constava quase tudo
isso que hoje está na nova Constituição do País, e que nos foi roubado pela
"redentora" de 1964.
Mas fico muito preocupado com duas questões. A primeira é a de que
se deve dar à previdência e à seguridade social estrutura necessária para
gerirem-se por si mesmas, nas mãos de quem de direito, que são os trabalha-
dores, os contribuintes e os próprios funcionáfios do sistema, para acabar
com toda essas mazelas que aí estão e que no dia-a-dia vemos. Hoje, é só
o trabalhador fazer qualquer reivindicação, para que o mundo pareça vir
abaixo. Não existe dinheiro para coisa alguma, o que é uma balela. Como
podemos ter previdência social, seguridade social, se hoje, na mão-de-obra
ativa deste País, temos 42% que trabalham sem registro em carteira? O que
será destes velhos de amanhã, que estão sendo explorados, sem pelo menos,
terem condição de contribuir para a seguridade, para a Previdência Social?
Como pode o povo trabalhador viver assim? Quando foi instituído, em 1930,
o salário mínimo equivalia a cento e oitenta dólares; sessenta ·anos depois,
equivale a trinta dólares. Como podemos sonhar em resolver o problema
por meio da assistência social, se não modificarmos esse estado de coisas,
quando o mundo quase vem abaixo quando o Congresso vota o miserável
salário mínimo de cento e vinte cruzados novos? Enquanto o povo, principal-
mente os trabalhadores não se organizarem para que se resolva este problema
da distribuição do Produto Interno Bruto, da riqueza deste País, rião resolve-
remos o problema da assistência social nem da seguridade social. Sabemos
que o Governo agora está levando a imprensa, orquestradamente a fazer
uma campanha no sentido de que a Previdência está mal. Por que ele não
se lembra de pagar à Previdência os vinte e três bilhões de cruzados novos
que lhe deve? Só no ano passado, em que era sua obrigação pagar as despesas
do funcionalismo, que já eram seiscentos e oitenta e um milhões de cruzados
velhos, pagou apenas treze milhões. Que moral tem um Governo desse para
dizer que a Previdência Social vai ao caos por causa de uma miséria de um
salário mínimo de cento e vinte cruzados novos? (Palmas.)
Gostaria que o Presidente, os Ministros, os Generais e toda essa elite
vivesse pelo menos três ou quatro meses com cento e vinte cruzados novos.
(Palmas.) Meus amigos, os aposentados, apesar de discriminados, não vivem
marginalizados. Eles estão organizados. É difícil esta organização para quem
não tem meios sequer para se locomover, mas é uma classe que está dando
o seu brado e o seu protesto, porque muitos deles perderam braços e pernas
em fábricas - em nosso País morrem mais trabalhadores em acidentes de

57
trabalho do que soldados morreram na Guerra do Vi~tnã, 13 ,a classe empre-
sarial deste País, que só sai com cara de bonzinhos, _c_o_rjtrii>-ui_ c_om quase
nada para a seguridade social. Foram levantados dad.os. Louvo .a luta do
Congresso Nacional para trazer a debate essas questões. Já parücipei de dois
congressos e foram trazidos casos de doze milhões .de marginalizados que
não contribuem para a Previdência Social, fora aqueles quarenta.e dqis mi-
lhões. Há escamoteamento de relações de emprego para reduzir.as contribui-
ções, além do subemprego, inerente ao sistema econômico em _qlle :v~vemos.
Ouvimos denúncias, aqui, de fiscais~ muita gente, quase todo mundo,, te1n
uma visão pouco boa do fiscal - que diziam que, fazendo ·levanta:tri.entos
em firmas, encontravam pessoas dos Ministérios, do Governo, do Se'nádo,
que diziam: "Pára com isso aí, porque são amigos nossos". Agora, o. ·povo,
não! Este tem de pagar tudo, religiosamente, sejam quais forem as condições.
Se não paga imposto na Prefeitura, pegam a casa dele; se não paga direitinho
ao INPS, cortam-lhe a aposentadoria. E ele é quem produz, ele é quem
trabalha.
Então, em que tipo de sociedade vivemos? Será que alguém tem a ilusão
de que se não se alterar esse sistema social resolveremos todos es_ses problemas,
apesar do índice de mortalidade das crianças brasileiras, quando em alguns
lugares do Nordeste chegam a morrer duzentas de cada mil que nascem?
E aqueles que sobrevivem, em que situação vão encarar a vida? E necessário,
portanto,. que o povo se organize, para que essas oligarquias, que aí estão
dominando o Estado brasileiro desde o tempo de Cabral e que vêm sucedendo
uns aos outros, sejam substituídas por um Estado do povo, onde o povo
resolva os seus problemas. Do contrário, com todo o esforço que foi feito
e aqui está sendo feito, os problemas sociais não serão resolvidos - nem
os das crianças nem os do velho.
O velho não deve ser olhado com piedade, filantropia. É preciso que
ele continue com o mesmo poder aquisitivo da época em que trabalhava,
para viver com dignidade até a sua morte. Não pode ser privilégio de alguém
viver 80 ou 90 anos dando ordens neste País - os Ulysses Guimarães são
poucos. Trazem, por exemplo, os velhinhos de 90 anos para pegarem um
cachê extra nos horários bons da Globo e fazerem propaganda - que não
é verdade -da Previdência Social. Deveriam buscar os velhinhos aposentados,
que cobrariam muito menos. Deveriam buscar os velhinhos dos asilos, das
praças de São Paulo, das praças do Brasil, para que eles mostrem ao povo
e a todo o mundo como vivem aqueles que dependem da Previdência Social.
(Palmas.)
Precisamos ser sinceros. Não podemos ficar propondo coisas que sabemos
que só serão modificadas com muita luta. Estamos aqui para contribuir, a
fim de que as coisas sejam colocadas no papel. Mas temos a plena consciência
de que ternos de continuar lutando. Queremos, pelo menos, morrer lutando,
com dignidade.

58
A SRA. DEPUTADA ANNA MARIA RATTES
Coordenadora

Vamos, agora, chegando ao fim dessa nossa primeira fase de trabalho.


Gostaria de agradecer, de maneira bastante enfática, a presença dos exposi-
tores, que nos deram uma visão geral do tema em que vamos trabalhar.
Em relação às diretrizes, aos critérios, aos conceitos da assistência social
e também algumas especificidades de casos aqui apresentados pelas lideranças
comunitárias, desejo lembrar que na parte da tarde, às quatorze horas, come-
çam a reunir-se os grupos de trabalho que farão uma análise comparada
dos anteprojetos de Assistência Social, encaminhados aqui ao Congresso pela
Presidência da República, pela LBA e pela U nB.
Agradeço a presença de todos e o interesse demonstrado.

ENCERRAMENTO

A SRA. DEPUTADA MARIA DE LOURDES ABADIA

Coordenadora-Geral
Quero agradecer a presença de todos. Muito obrigada. Está encerrada
a reunião.

59
MESA-REDONDA - 31-5-89

COORDENADOR:
Deputado Geraldo Alckmin Filho
TEMA:
A realidade sócio-económica brasileira e o quadro atual da Assistência
Social
EXPOSITORES:
- A realidade sócio-económica brasileira e o quadro atual da Assistência
Social
Dr. João Ribeiro de Oliveira e Souza
- Credenciamento das instituições - critérios, fiscalização e controle
Dr. Adherbal Antônio de Oliveira
- Critérios para isenções das contribuições de seguridade, imunidades
das entidades assistenciais e recuperação do valor dos auxílios na Assis-
tência Social
Dr" Teresa de Jesus Costa do Amaral
- A LBA no Brasil
Dr. Irapoan Cavalcanti de Lyra
-A relação do setor público com o privado e interfaces na Assistência
Social
Dr.' Marina Bandeira de Carvalho
- Experiência de descentralização e gestão comunitária a nível estadual
Dr" Adelayde Júlia de Lima Soares
- Programas assistenciais no Brasil
Dr. Nelson Proença

61
ABERTURA

O SR. DEPUTADO RAIMUNDO BEZERRA


Presidente

Está aberta a sessão de hoje, 31 de maio, do I Simpósio Nacional sobre


Assistência Social, em que será realizada uma mesa-redonda cujo tema prin-
cipal "A Realidade Sócio-Econômica Brasileira e o Quadro Atual da Assis-
tência Social".
Teremos como coordenador o Deputado Geraldo Alckmin Filho e como
expositores o Dr. João Ribeiro de Oliveira e Souza, Secretário de Serviços
Sociais do DF, que discorrerá sobre "A Realidade Sócio-Econômica Brasileira
e o Quadro Atual da Assistência Social", o Dr. Adherbal Antônio de Oliveira,
Presidente do Conselho Nacional de Serviços Sociais, que falará sobre "Cre-
denciamento das Instituições - Critérios, Fiscalização e Controle; ·"a Dr~
Teresa de Jesus Costa do Amaral, Coordenadora-Geral da Coordenadoria
Nacional para Integração de Pessoa Portadora de Deficiência, que discorrerá
sobre "Critérios para Isenções das Contribuições de Seguridade, Imunid~des
das Entidades Assistenciais e Recuperação do Valor dos Auxílios na Assis-·
tência Social"; o Dr. Irapoan Cavalcanti de Lyra, Presidente da Legião Brasi-
leira de Assistência - LBA; que falará sobre "A LBA no Brasil" a Dr•
Marina Bandeira de Carvalho, Presidente da Fundação Nacional do Bem-Estar
do Menor, que falará sobre "A Relação do Setor Público com o Privado
e Interfaces na Assistência Social"; a Dr' Adelayde Júlia de Lima Soares,
Presidente da Fundação do Bem-Estar Social do Pará, que falará sobre "Expe-
riência de Descentralização e Gestão Comunitária a Nível Estadual"; e Dr.
Nelson Proença, Secretário Especial da Habitação e Ação Comunitária, que
discorrerá sobre "Programas Assistenciais no Brasil".
Tenho o prazer de convidar todos os nominados para se fazerem presentes
à mesa dos trabalhos, assim como o Coordenador Geraldo Alckmin Filho,
para assumir a Presidência desta mesa-redonda.
Recebemos da Organização Pau-Americana de Saúde um pedido de divul-
gação de alta importância, o qual temos neste momento:
"Prezado Senhor, dirigimo-nos a V. Ex', a fim de comunicar-lhe que
no dia 31 de maio de 1989 será celebrado na região das américas o II Dia
Mundial sem Fumo. O tema central será "A mulher fumante, um risco a

63
mais". Seria de nosso interesse organizar, para o mencionado dia, algum
evento comemorativo, como comunicações de imprensa, apresentação de emis-
soras de rádio e TV ou outra atividade que V. Ex• julgue conveniente.
Achamos conveniente anunciar este programa "A mulher fumante, um
risco a mais" como maneira de colaborarmos com a Organização Mundial
de Saúde, que patrocina este evento.
Tenho o prazer de passar a Presidência ao Deputado Geraldo Alckmin
Filho.

O SR. DEPUTADO GERALDO ALCKMIN FILHO


Coordenador

Vamos iniciar a mesa-redonda de hoje com a exposição do Sr. João


Ribeiro de Oliveira e Souza, Secretário de Serviços Sociais do DF, que nos
vai falar sobre "A Realidade Sócio-Econômica Brasileira e o Quadro Atual
da Assistência Social". S. S• disporá de vinte minntos para proferir seu pronnn-
ciamento.

EXPOSITORES

SR. JOÃO RIBEIRO DE OLIVEIRA E SOUZA


Expositor

Srs. membros da Mesa, demais presentes, em primeiro lugar, agradeço


o convite que me foi dirigido para fazer uso da palavra neste I Simpósio
Nacional sobre Assistência Social, permitindo-me expor idéias com as quais,
não apenas eu, mas toda uma grande equipe vem-se desempenhando há muitos
anos em diversas áreas de atividades de planejamento e no ensino universitário,
visando à promoção social global de nosso povo.
Merece irrestrito lonvor a iniciativa da Comissão de Saúde, Previdência
e Assistência Social de promover o presente debate neste auditório.
Não se trata de uma discussão acadêmica, mas da busca de soluções
nos planos legislativo, institucional e no da prática política, para uma área
extremamente crítica da atualidade brasileira: a do amparp urgente, por um
lado, e da promoção integral, por outro, às populações carentes espalhadas
em cada recanto do Território Nacional.
. É necessário ressaltar que todo esforço para complementar, o mais rapida-
mente possível, a nova Constituição exprime o senso de responsabilidade
social dos Congressistas que assim agem e representa também a sensibilidade
diante da enorme expectativa despertada entre os brasileiros pelos novos
i: direitos de cidadania escritos na Lei Maior.
O tema que me foi atribuído, "A Realidade Sócio-Econômica Brasileira
e o Quadro Atual da Assistência Social", reveste-se de inegável complexidade.

64
Pretendo considerá-lo nesse breve espaço de tempo em seus aspectos essen-
ciais, tentando oferecer uma visão sintética e pessoal sobre o assunto.
Assim, no tocante à realidade vigente, limitar-me-ei a expor uma série
de indicadores sociais, cm termos globais é lógico, que evidenciam as extremas
e preocupantes disparidades sociais e regionais que dilaceram a Nação brasi-
leira.
Embora os especialistas já os conheçam perfeitamente, impõem-se que
os lembremos nos momentos de reflexão, corno este, para aguçar a consciência
ética do dever de enfrentar o problema da pobreza generalizada.
Procurarei oferecer uma' visão abrangente das práticas da assistência social
em andamento no Brasil como um todo, assim corno uma notícia dos programas
a cargo, neste terreno, da Secretaria que tenho a honra de dirigir no DF.
Encerrarei a exposição com a análise das perspectivas abertas hoje não
apenas pela ordem jurídica em processo de implantação, mas principalmente
pelos anseios participativos dos movimentos sociais emergentes ou já conso-
lidados.
O próprio nome deste órgão técnico da Câmara dos Deputados - Comis-
são de Saúde, Previdência e Assistência Social-exprime a nobre e abrangente
concepção constitucional, a da seguridade social, no que se refere a direitos
básicos que a sociedade deve propiciar a todos os brasileiros.
Quando se fala em assistência social, naturalmente nela está embutida
uma perspectiva bem mais ampla: a de promoção integral da população caren-
te, da população nacional como um todo, mais especificamente a população
carente, que compõe grande parcela de nossa Nação.
Evidentemente, não podemos pensar em excluir a assistência social que
muitos consideram palia.tiva, porque o processo de promoção humana não
é imediato. Não é apertando-se um botão hoje que amanhã o Brasil estará
promovido.
Neste interregno vamos ter que enfrentar, durante muito tempo ainda,
posturas que aparentemente são paternalistas. Mas o próprio espírito da assis-
tência, o que está embutido, nela pode considerar esse aspecto promocional.
É a velha estória de ou dar o peixe ou então ensinar a pescar. Indo mais
profundamente, os dois segmentos podem andar paralelamente. Podemos
ter assistência social, atuando no prisma assistencial propriamente dito e assis-
tência social - e aí vejo a importância enorme das assistentes sociais dentro
da concepção moderna de desenvolvimento social global-, atuando no desen-
volvimento social, na promoção integral do ser humano.
Evidentemente, a assistência social deve dirigir-se aos setores mais necessi-
tados, visando a amparar a família, a maternidade, a infância, a adolescência
e a velhice. Portanto, a carência, a deficiência e a idade avançada são critérios
para a definição do universo de pessoas a serem assistidas. Os recursos devem
provir tanto das fontes financiadoras de seguridade geral como de quaisquer
outras fontes. E nesse momento tem grande importância a sociedade civil.

65
São dignas de destaque, acima de tudo, as diretrizes fixadas pela Consti-
tuição de 1988, para as ações governamentais na área da assistência social.
A primeira delas se refere ao desenvolvimento descentralizado dessa atração.
Cabe à esfera federal o estabelecimento de normas e às esferas estadual
e muniçipal, a execução dos respectivos programas. Dispõe a segunda diretriz
sobre a necessidade de participação efetiva da população na formulação. de
políticas sociais, de assistência, e no controle das ações em todos os seus
níveis. Tal participação deverá efetuar-se por meio de organizações represen-
tativas, vale dizer, pelos órgãos da socie_dade civil.
Para todos nós, que defendemos hfmuitos anos a idéia de um desenvol-
vimento sOcial integral e participativo,_ esses dispositivos constitucionais, a
par de outros na mesma direção, representam viva esperança de que se possa
viabilizar o modelo de desenvolvimento com o qual nos identificamos. Encon-
tra-se plenamente justificada a discussão do problema assistencial. Ninguém
ignora as condições estruturais que impedem o Brasil, no momento, de cami-
nhar para uma eqüitativa distribuição de renda e o aumento do bem-estar
da população. As carências, no entanto, são de tal monta que políticas de
efeito imediato devem ser empreendidas antes que esses obstáculos estruturais
possam ser superados. Uma das exigências é de que a assistência não se
realize -isoladamente, mas integrada às demais políticas sociais.
É oportuna e necessária, portanto, a discussão em torno dos rumos a
tomar. A convicção que se impõe como irrecusável é a de que a melhoria
da eficácia desse setor deriva, por um lado, de clara tomada de posição por
parte dos especialistas e intelectuais conscientes de seu papel e, por outro
mais importante ainda - da crescente reivindicação das próprias populações
carentes. No processo de votação da nova Carta Constitucional, verificou-se
a presença ativa de grupos populares levando sua voz até os representantes
do povo. Se a postulação de interesses por parte de qualquer categoria de
pessoas era legítima naquele processo, com muito maior razão o era o clamor
dos excluídos, sobre os quais nunca se poderia falar, por exemplo, em corpora-
tivismo, mas sim em luta pela sobrevivência.
Também sintetizando dados sobre a realidade da pobreza, e tendo em
vista os fins do presente debate, tentarei apenas trazer algumas informações
estatísticas que atestam os alarmantes níveis de pobreza e miséria vividos
por grande parte da população brasileira. Tentarei, ao mesmo tempo, fazer
referências necessárias à compreensão da situação de Brasília nesse particular.
Tomando a renda como o indicador mais facilmente mensurável, um
estudo recente do Engenheiro Jaguaribe e sua equipe demonstrou que 40,7%
dos brasileiros vivem com uma renda até meio salário mínimo. São mais
de 53 milhões de patrícios nossos. Nessa situação existem mais de 11 milhões
de famílias, representando 34,6% do total de famílias brasileiras: Com renda
familiar até um quarto do salário mínimo existem quase 15 % da população
brasileira, ou seja, 5,6 milhões de famílias. Igualmente, com renda de até

66
um quarto do salário mínimo, há 24,4 milhões de pessoas, significando 34,6
do total. Essa grave situação de penúria que se distribui desigualmente pelo
território brasileiro, preocupa bastante.
A incidência da pobreza se manifesta mais clamorosamente em algumas
regiões do que em outras. No Nordeste, caso extremo, aparecem 48,6% das
pessoas com renda até meio salário mínimo. Por sua vez, a situação é, muito
mais grave nas áreas rurais do que nas urbanas. Das famílias com renda
familiar até um quarto do salário mínimo,.51,4 se localizam nas zonas rurais.
Esse fato, que tem suas raízes na tradição de uma agricultura primitiva, acar-
reta, como é evidente, a expulsão do campo de enormes contingentes demográ-
ficos, que se dirigem aos centros urbanos, inclusive à Capital da República,
que atraem migrantes das regiões mais pobres.
Comparativamente com os outros ineios urbanos, as regiões metropo-
litanas em todo o País apresentam situação menos drainática. Em termos
de concentração de pobreza, entretanto, as metrópoles de influência nacional,
Rio de Janeiro e São Paulo, representam 47,2% do total da pobreza existente
no conjunto das populações metropolitanas. As metrópoles de menor porte,
inclusive Brasília, possuem contingentes relativamente menores de pessoas
carentes.
Na região metropolitana de Brasília, a incidência relativa da pobreza
e da miséria apresenta-se em melhor situação do que as aglomerações urbanas
não metropolitanas do Centro-Oeste e principalmente do que as áreas rurais
dessa mesma região. Apenas 7% das famílias da região metropolitana brasi·
liense têm renda até um quarto do salário mínimo, e 21,9%, até meio salário
mínimo. Relativamente às pessoas, os percentuais são respectivamente 8,1 %
e 25,3%. Comparando-se com outras regiões metropolitanas, verifica-se que
Brasília encontra-se, sob esse aspecto, em melhores condições do que as
metrópoles do Nordeste - Recife, Fortaleza, Salvador. Belo Horizonte e
Belém estão em situação também difícil e menos favorável do que a das
metrópoles do Rio de Janeiro, São Paulo e Curitiba. Os dados da CODEPLAN
indicam que a distribuição das populações carentes dentro do Distrito Federal
é bastante diferenciada.
Dados muito recentes mostram que no Plano Piloto temos uma população
de 377.215 habitantes, com 22% da população global; no Cruzeiro, 66.370;
no Guará, 140.709; no Núcleo Bandeirante, 23.113; no Gama, 182.173; em
Taguatinga, 262.029; na Ceilândia, 492.947; em Brazlândia, 27.202; em Sobra-
dinho, 82.288; e em Planaltina, 56.491. Daria 1.710.537 habitantes; portanto,
quase dois milhões de habitantes. Nessa população, 677.030 pessoas são consi-
deradas de baixa renda, por receberem até dois salários mínimos como renda
familiar. Isso representa 40% da população total. Do ponto de vista das
regiões administrativas, verifica-se que Brasília tem 13% de carentes; o Gama,
49%; Taguatinga, 56%; Brazlândia, 73%; Sobradinho, 39% e Planaltina 61 % .
Esses números evidenciam o desriível de renda existente entre o Plano
Piloto e as cidades-satélites, um dos aspectos marcantes da situação social

67
do Distrito Federal. São dados que coincidem com os da renda bruta per
capita e familiar por ano e por localidade urbana, elaborados pela CODE-
PLAN. Os n1ais baixos Ilíveis de renda são encontrados, por ordem decres-
cente, no Gama, em Planaltina, na Ceilândia e em Brazlândia.
Dados elaborados igualmente pela CODEPLAN indicam a existência
de cerca de quatrocentos 1nil menores carentes no Distrito Federal, e cerca
de 49 mil menores abandonados, representando respectivamente 45,2 e 7 ,9%
de toda a população jovem de 1nenores de 19 anos no território desta unidade
federativa. A esses elementos informativos devem ser acrescentados os refe-
rentes aos menores residentes no entorno e que circulam também em Brasília.
No diagnóstico que se abre com o programa de atendimento integral e integra-
do a crianças e adolescentes de 7 a 18 anos, estima-se, no Distrito Federal,
a existência de aproximadamente oitenta mil menores de 7 a 18 anos traba-
lhando, mendigando ou vivendo nas ruas em situação de risco pessoal e social.
Trata-se de menores abandonados ou socialmente marginalizados. Outras
informações do mesmo diagnóstico são igualmente significativas. Dados da
7' Delegacia de Menores mostram um vertiginoso aumento de menores apreen-
didos em dez anos 1979, 422 menores; 1980, 1.083; 1981, 1.645; 1982, 2.227;
1983, 2.955; 1984, 3.205; 1985, 2.334; 1986, 3.221; 1987, 3.015; 1988 e até
o presente momento, 5 .327. Tomando-se apenas o ano de 1988 para detalhada-
mento, de 3.327 menores apreendidos 2.598 foram casos de investigação social
e os restantes 849, casos de menores em situação irregular de fato, meninos
pobres, sem assistência e proteção de adultos, perambulando, andando pelas
imediações ou dentro de grandes lojas comerciais, cheirando cola e se prosti-
tuindo na rodoviária.
A par da situação gravíssima dos menores, a Secretaria enfrenta outros
desafios sérios como o do amparo a deficientes e a idosos. Pelos elementos
aqui trazidos, pode aquilatar-se a enorme responsabilidade governamental
diante da magnitude dos problemas expostos e, por outro lado, a absoluta
consciência que todos temos, no Governo, de que sem uma soma de esforços
dos três poderes com a sociedade civil é impossível superar os problemas
aqui colocados.
As ações sociais no Brasil e no Distrito Federal começam a ser expostas
a partir das ações governamentais e, no campo assistencial, vêm-se desenvol-
vendo nos últimos anos, no âmbito federal, por intermédio da Secretaria
de Assistência Social do Ministério da Previdência e Assistência Social e,
nos Estados e Municípios, através das respectivas Secretarias com competência
legal para atuar nos setores de serviços sociais da ação comunitária.
A Secretaria de Assistência Social do Ministério da Previdência e Assis-
tência Social teve seu Regimento Interno, ainda hoje em vigor, aprovado
pela Portaria n' 316, de 23 de dezembro de 1975. Esse diploma legal define
as atribuições do órgão e lhe confere a organização, dividindo-o em Coorde-
nadoria de Planejamento e Estudos, Coordenadoria de Orientação e Controle

68
e Serviço de Atividades Auxiliares. Contava a Secretaria com dois órgãos
de atuação muito relevante: a LBA, de larga tradição em termos de trabalho
comunitário em todo o Território Nacional e a Fundação Nacional do Bem-
Estar do Menor, FUNABEM, com muitos e relevantes serviços prestados à
questão do menor. Com as recentes modificações na estrutura da administração
federal, ambos os órgãos localizam-se agora no Ministério do Interior. Uma
inovação positiva no Ministério da Previdência e Assistência Social foi instituir,
em 1986, os Conselhos Comunitários, que funcionam como canais de comuni-
cação e de representação dos usuários e contribuintes junto aos Centros de
Prestação de Serviços. Devidamente reconhecidos pelos órgãos locais e regio-
nais do Ministério, assumem funções de acompanhamento das ações previden-
ciárias e assistenciais. Trata-se de mecanismo válido de participação que deve
ser ampliado e aprimorado.

Na prática, desde a promulgação do novo texto constitucional com seus


dispositivos referentes à seguridade, a Secretaria de Assistência Social do
Ministério está seguindo algumas linhas de atuação não diretamente derivadas
do regimento acima referido. Enquanto se rediscutem os rumos da assistência
social, as linhas de trabalho têm sido as seguintes: assessoria permanente
aos Conselhos Comunitários, ações integradas de assistência social envolvendo
recursos destinados a programas de saúde de amparo ao aposentado, assistên-
cia previdenciária através de órgão da gestão de benefícios vinculados à Previ-
dência e destinados a idosos e deficientes. A celebração de convênios com
a UNICEF possibilitou àquela Secretaria desenvolver programas assistenciais
de inegável alcance, incluindo a publicação de manuais para orientação das
famílias da oomunidade.
É muito importante salientar aqui a atuação da Secretaria Especial de
Açfo Comunitária da Presidência, a SEAC, que dentro desse contexto acelera
tremendamente o processo de participação comunitária no desenvolvimento
integral.
No âmbito do Distrito Federal temos realizado contínuo trabalho na
implementação de programas que se enquadram entre os objetivos definidos
pela Constituição para a área de assistência social. Essa orientação consta,
aliás, das diretrizes desenvolvidas por uma equipe que formulou a política
de assistência social por solicitação do Governador Joaquim Roriz, equipe
esta que continua contribuindo fortemente com o Governo para a promoção
integral de nosso povo através de um conselho de ação social. O relatório
do grupo afirma que a política da Secretaria de Serviços Sociais, na área
de assistência social, terá como diretriz básica a que emana da Constituição,
nos termos dos artigos 203 e 204, Sessão IV, título Ordem Social. O documento
a que me refiro, subscrito por componentes especialistas e representantes
das associações da sociedade civil, vem balizando, desde o início, a orientação
da Secretaria no atual Governo. O grupo de trabalho foi especialmente sensível

69
às demandas sociais ao considerar os problemas das favelas de Brasília, para
cujo encaminhamento propôs medidas prudentes e não trau1náticas.
Portanto, ao analisar a partir de agora os programas a cargo da secretaria
ou coordenados por ela, devo começar exatamente pela questão prioritária,
definida pelo Governo do Distiito Federal, do assentamento das populações
dos favelados e de inquilinos de baixa renda. Este programa absorve grande
parte do tempo e da energia da secretaria e da Fundação de Serviço Social.
Toda a equipe se sorna neste esforço e enfrenta um número significativo
de problemas.
Foram cadastradas 14.622 famílias residentes nas aglomerações faveladas
e um total de 141.922 famílias de inquilinos de fundo de quintal. Isso equivale
a dizer que um número significativo de famílias, aquelas com renda de até
três salários mínimos, e pessoas sós, idosos, viúvas, solteiras, com renda de
um salário mínimo, receberão lotes semi-urbanizados, desde que estejam
enquadradas nos critérios previamente fixados. Este trabalho, que pretende
continuar a ser um processo de assentamento, é feito com respeito muito
grande às pessoas que estão sendo abordadas, e não com o intuito apenas
de remover pessoas de um lado para outro, deslocando a miséria de um
lado para outro. O Governo tem absoluta convicção de que a distribuição
dos lotes semi-urbanizados, em concessão de uso e com urna taxa de pagamento
equivalente a 10% do salário mínimo - e aí se incluem áreas dentro do
Distrito Federal com acessos encascalhados, luz e água - é apenas o primeiro
passo num processo de promoção social global, de um processo participativo
de desenvolvimento integral.
As áreas em que já atuamos, como Samambaia, onde se trabalha com
as favelas, Paranoá e espaços que estão sendo abertos desde Brazlândia até
Núcleo Bandeirante, passando por todas as cidades satélites, são locais em
que serão agrupados seres humanos co1n os quais se começa, a partir do
seu assentamento, u1n processo sério de desenvolvimento integral e partici-
pativo.
Complementa o nosso trabalho o Programa de Ação Comunitária desen-
volvida pela Fundação de Serviço Social, atendendo a migrantes e outras
pessoas carentes, prestando assistência a grupos de produção e associações;
proporcionando apoio financeiro a instituições de assistência social; benefi-
ciando diretamente milhares de famílias; promovendo a implantação de hortas
domiciliares e comunitárias; promovendo o artesanato com o engajamento
de grande número de artesãos.
Esse trabalho procura ser cada vez mais integrado, no caso do Distrito
Federal com as demais secretarias, com os órgãos federais que promovem
desenvolvimento, como a LBA, FUNABEM, a SEAC etc., e mobiliza cada
vez mais a sociedade civil, tanto as associações de base, que representatn
favelados, inquilinos de baixa renda e diversas áreas de interesse, Como tan1-
bém os clubes de serviço - Rotary, Lions, Maçonaria, Igrejas - enfim,
todos os órgãos que podem somar-se a esse esforço de promoção integral.

70
E esse trabalho conta com a crítica construtiva e permanente do Poder Legisla-
tivo, com o qual este Governo, principalmente a Secretaria~ posso responder
por mim - procura dialogar sempre.
É muito importante notar aqui o esforço que vem sendo feito no sentido
de apoiar as obras conveniadas com a Fundação de Serviço Social. No entanto,
os recurso's são muito escassos. Estamos com grande dificuldade para aten-
dê-las de maneira 1nínima mesmo. Mas não adianta ficarmos diante do impasse
da falta de recursos, deve1nos basicamente nos somar para canalizar recursos
de fontes nacionais e internacionais que permitam a realização, d_essas obras
e o desenvolvimento de seus programas.
Além do Programa de Ação Comunitária, estão incluídos no sistema
da Secretaria de Serviços Sociais da Fundação outros de execução permanente,
tais como o de atendimento ao menor e o de assistência ao menor infrator,
este últin10 realizado em conjunto co1n várias entidades entre as quais o
Juizado de Menores, a Delegacia de Menores, com o apoio da FUNABEM,
do Tribunal de Justiça e de diversos outros órgãos.
Por sua vez, a Secretaria vem dando especial atenção aos problemas
de menores carentes, estando planejada para daqui a dois meses urna campanha
que vai dar ênfase à assunção, por cada família de estrato social mais alto,
da guarda de menores, guarda com responsabilidade por, menores com cinco
linhas de atividade basicamente centradas no apoio à família do menor, na
guarda direta do menor e na atuação conjunta com órgãos para o encaminha-
mento de soluções humanas viáveis, mas eficazes, para o menor dito infrator.
Também desenvolvemos com outras secretarias e outros órgãos de Go-
verno um programa de atendimento integral e integrado da criança e do
adolescente, um projeto de educação e profissionalização.
Aproveitando a oportunidade que aqui foi dada à Secretaria, como último
tópico que quero desenvolver, gostaria de lembrar que neste momento se
abrem ao Brasil perspectivas muito interessantes a uma política eficaz de
assistência social. Os dispositivos constitucionais inovadores e a manifestação
das aspirações populares condicionam tais perspectivas.
No plano nacional, constitui acontecimento de extraordinária relevância
a iniciativa de uma proposta de lei complementar à Constituição versando
sobre assistência social, que deveria ser elaborada e promulgada o mais breve-
mente possível.
No plano específico do Distrito Federal, ressalta-se como acontecimento
decisivo a próxima implementação do Conselho de Ação Social junto à Secre-
taria de Serviços Sociais. A atuação do Conselho facilitará a integração de
todos os programas de desenvolvimento sociais, num esforço conjunto de
promoção humana.
Considero como muito valiosa a contribuição para o Anteprojeto da
Lei Orgânica de Assistência Social elaborado no âmbito da Universidade
de Brasília, por meio do NESP - Núcleo de Estudo de Saúde Pública, com

71
colaboração do IPEA, no intuito de contribuirmos rcahncntc, através do Con-
gresso, com este projeto de lei. Conforme salienta na apresentação do trabalho,
trata-se de parte dos resultados dos esforços da UnB no intuito de contribuir
para viabilizar os dispositivos constitucionais referentes à seguridade social.
Redigida por especialistas com larga vivência e conhecimento teórico em
matéria de política social, a proposta para discussão apresenta numerosos
pontos positivos quanto a diretrizes e princípios. Pode1nos pensá-los resumida-
mente como orientação construtiva na linha da ética e da cidadania, especial-
mente quanto à participação dos usuários e de suas entidades representativas
na execução de política de assistência social. Embora se trate de um dever
do Estado, em face da extensão das necessidades coletivas, a assistência deixa
de ser objeto apenas de exercício do poder estatal para se transformar num
compromisso profundo das instituições e dos profissionais da área em face
da sociedade, em especial dos despossuídos. Outro aspecto a destacar no
anteprojeto é o da descentalização, definindo-se adequadamente competência
legal dos Estados e Municípios na execução dos serviços assistenciais. Com
isso, a orientação do trabalho, atendendo a peculiaridades regionais e locais,
fica mais próxima das aspirações comunitárias. A diretriz descentralizadora
aparece tanto na organização e gestão da assistência, como na definição de
atribuições de cada esfera do Poder Público. Parece também acertada a distin-
ção entre os benefícios de prestação continuada com a inclusão do abono
familiar e os serviços assistenciais propriamente ditos como u1n conjunto de
ações diversificadas voltadas para as necessidades básicas, não suficientemente
atendidas pelas demais políticas sociais.
Sintetizando, entendo que temos em mãos excelente ponto de partida
para discutir as novas perspectivas da assistência social. É claro que nem
tudo se encontra equacionado em definitivo. Penso que as questões de organi-
zação administrativa e da garantia de viabilidade financeira para os projetos
e programas devam ser aprofundadas e amplamente esclarecidas. Louvo mais
uma vez a filosofia da proposta na medida cm que nela identifico muitos
pontos em comum com a visão de desenvolvimento social global, como um
processo essencialmente participativo e capaz de promover integralmente a
realização das virtualidades do ser humano. Bem conheço as limitaçóes da
assistência social neste processo, mas isso não nos impede de exercitá-la com
todo o empenho e em perfeita consciência de estar prestando um serviço
necessário. Espero que com a próxima implantação do Conselho de Ação
Social possamos, todos nós do Governo do Distrito Federal, dinamizar ainda
mais o atendimento das comunidades brasileiras que aqui chegam, inclusive
através dos seus traços mais carentes.
Congratulo-me especialmente com a Comissão de Saúde, Previdência
e Assistência Social da Câmara dos Deputado; pela iniciativa deste simpósio,
fazendo votos para que se possa oferecer em breve instrumento legal adequado
a que se atendan1 às necessidades básicas de grandes parcelas da sociedade

72

e\::,-,
brasileira, que, infelizmente para todos nós, ainda vegetam nos vales sombrios
da miséria sem esperança.
Muito obrigado. (Palmas.)

O SR. ADHERBAL ANTÔNIO DE OLIVEIRA


Expositor

Exm' Sr. Deputado Geraldo Alckmin Filho, digníssimo Presidente desta


mesa-redonda; Deputada Maria de Lourdes Abadia, Coordenadora-Geral
desse primeiro sitnpósio; Dr. João Ribeiro de Oliveira e Souza, Secretário
de Serviços Sociais do Distrito Federal; Dr Teresa de Jesus Costa do Amaral,
Coordenadora-Geral da Coordenadoria Nacional para Integração da Pessoa
Portadora de Deficiência; Dra. Marina Bandeira de Carvalho, Presidente
da Fundação Nacional do Bem-Estar do Menor - FUNABEM; Dra. Ade-
Jaydc Júlia de Lima Soares, Presidente da Fundação do Bem-Estar Social
do Pará; Dr. Irapoan Cavalvanti de Lyra, Presidente da Legião Brasileira
de Assistência; Srs. Deputados; Senhoras e Senhores, o Conselho Nacional
de Serviço Social agradece à Comissão de Saúde, Previdência e Assistência
Social da Câmara dos Deputados o convite para participar deste I Simpósio
Nacional sobre Assistência Social. O tema que nos foi solicitado expor diz
respeito ao registro das instituições - critérios, fiscalização e controle.
Fazendo um breve histórico, diria que a política social adotada pelo
Governo, de forma oficial, data de cinco décadas, ou seja, originou-se com
o Decreto-Lei n•' 525, de 1>' de julho de 1938, que instituiu o Conselho Nacional
de Serviço Social e fixou as bases da Organização do Serviço Social em todo
o País (anexo 1).
A estratégia a ser aplicada e os objetivos da política social foram assim
determinados:
1 - Utilizar as obras sociais mantidas pelo Poder Público ou pelas entida-
des privadas, para o fim de diminuir ou suprimir as deficiências ou sofrimentos
causados pela pobreza ou pela miséria, ou oriundos de qualquer forma de
desajustamento social - procurando reconduzir tanto o indivíduo como a
família, na medida do possível, a um nível satisfatório de existência no meio
em que habitam.
2-Estudar, em todos os seus aspectos, problema do serviço social para
funcionar como órgão consultivo dos Poderes Públicos e das entidades priva-
das, em tudo o que se relacione com administração do Serviço Social.
3 - Promover pesquisas e inquéritos relativamente ao gênero de vida
de todas as categorias de pessoas e famílias em situação de pobreza ou miséria,
ou, por outra qualquer forma, socialmente desajustada.
4 - Elaborar o Plano de Organização do Serviço Social, para ser execu-
tado em todo o País.

73
5 - Sugerir ao Poder Público as medidas tendentes a ampliar e melhorar
as obras por ele mantidas e destinadas à realização de qualquer modalidade
de serviço social.
6 - Delinear os tipos de instituições de caráter privado, destinadas à
realização de qualquer espécie de serviço social, e estudar a situação, das
instituições existentes para o fim de opinar quanto às subvenções que lhes
devam ser concedidas pelo Governo Federal.
Preliminarmente, gostaria de apresentar algumas observações relativas
aos itens aqui enunciados.
A primeira delas se refere à atuação "de fato" do Conselho Nacional
de Serviço Social, que historicamente se salientou na avaliação da atuação
assistencial das entidades que solicitaram o registro, bem como estudou as
condições de cerca de cinco mil instituições que se credenciaram ao Certificado
de Fins Filantrópicos. Esse Certificado de Fins Filantrópicos foi criado pela
Lei n' 3.577, de 1959, e regulamentado pelo Decreto-Lei n' 1.117/62. Essa
lei teve vigência até o dia l° de setembro de 1977, quando foi revogado
pelo Decreto-Lei n•' 1.572. Então, temos uma situação interessante, porque
entidades co1no as APAE, fundadas anteriormente à revogação dessa lei,
se beneficiaram com certificado de fins filantrópicos. Outras que foram criadas
posteriormente já não têm o mesmo benefício. Como as APAE, diversas
instituições procuraram fazer o mesmo serviço e têm tratamento já diferenciado
na base do próprio Governo o que é uma injustiça, diga-se de passagem.
A segunda refere-se à estratégia de atendimento, proposta mediante a
descentralização com o concurso de entidades privadas. Política, aliás referen-
dada na atual Constituição, ao estabelecer, no art. 204, a "descentralização
político-administrativa nas esferas federal, estadual e municipal, bem como
a entidades beneficientes e de assistência social".
À época de formalização da política social pelo Estado, como agora,
o País atravessa grave crise econômica e social, em decorrência, entre outros
fatores, da implantação do modelo urbano industrial e conseqüente incremento
populacional das cidades, carentes de infra-estrutura em termos de serviços
sociais básicos.
A estratégia da descentralização assentava-se na constatação de que os
serviços próprios do Estado não tinham, nem de longe, em termos quantita-
tivos, condições de atender às demandas das populações carentes de assis-
tência.
Se considerarmos os dados apresentados por Hélio Jaguaribe e outros
- como aqui foi demonstrado de maneira pormenorizada - indicando que
15% das famílias brasileiras tem rendimento per capita de até um quarto
do-salário mínimo, vivendo em estado de miséria; que 35% vivem em estado
d~ .miséria ou de estrita pobreza, percebendo rendimentos per capita de até
IP~IO,-S,aláriq mínimo; que neste contingente encontram-se 41 % dos brasileiros;
grosso modo, delimitada a clientela da assistência.
Como equacionar as condições de acesso aos serviços de assistência à
quase metade da população brasileira?
Novamente, a alternativa é servir-se não só dos serviços mantidos pelo
Poder Público, mas também utilizar a rede privada instalada.
A descentralização dos serviços, com o concurso das instituições privadas,
além de necessária, dada a demanda existente, pode tornar-se fator de demo-
cratização, a partir da opção do cliente quanto à oferta do serviço, seja de
caráter metodológico, seja de caráter político, seja de caráter religioso.
Atualmente encontram-se registradas no CNSS, cerca de quarenta mil
instituições, sendo que quatro mil e oitocentas são portadoras do certificado
de fins filantrópicos, que se isenta, entre outros benefícios, do recolhimento
relativo aos encargos sociais.
O registro no CNSS credencia as instituições ao recebimento de subven-
ções do Poder Público, além de outros benefícios, como importação, isenção
de taxa de energia elétrica etc.
É importante ressaltar que essa forma de financiamento pelo Estado,
via isenção de tributos, é sobremaneira relevante no aspecto orçamentário
das instituições.
O credenciamento das instituições é baseado no art. 7» da Lei n•' 1.493,
de 13-12-51, com as alterações feitas relas Leis n»' 4.762, de 30-8-65, e 2.266,
de 12-7'54.
O registro das instituições no Conselho Nacional de Serviço Social é
feito mediante requerimento, cumpridas condições e instruído com os seguintes
elementos:
Condições:
1 -promover a educação e desenvolvimento da cultura;
2 - promover a defesa da saúde e a assistência médico-social;
3 -promover o amparo social da coletividade;
4 - não distribuir lucros, superávit ou dividendos a seus participantes;
5 - não constitua patrimônio de indivíduo ou sociedade sem caráter filan-
trópico;
6 - não tenha finalidade precipuamente recreativa, esportiva ou comer-
cial;
7 - não remunere seus diretores, conselheiros, mantenedores, sob nenhu-
ma forma;
8 - que faça prova de estar prestando serviços à comunidade há mais
de um ano.
Documentos exigidos para crcdenciameto:
1 - Certidão de inteiro teor dos estatutos, regulamentos ou compromissos
da instituição, fornecida pelo Registro Público das Pessoas Jurídicas;
2 - prova do mandato da diretoria e de funcionamento (passada por
autoridade local);
3 - relatório circunstanciado das atividades qualificando e quantificando
os atendimentos;

75
4 - preenchimento do questionário adotado pelo CNSS.
Critério:
O pedido de registro de instituição no Conselho Nacional de Serviço
Social é analisado, discutido e aprovado, ou não, pelo Órgão Colegiado,
à luz do que preceituam a Lei nº 1.493, de 13-12-51, e os dispositivos constitu-
cionais contidos no Título VIII ~ Da Ordem Social - (e seus capítulos),
obedecido um procedimento interno, verificando-se o cumprimento do se-
guinte:
1-exigências impostas pela Lei n'' 1.493, de 13-12-51;
2 - análise dos objetivos e fins a que se propõe;
3 - estudo e crítica do relatório de atividades realizadas nos dois últimos
exercícios.
Há pedido de registro para o qual, além da análise da documentação
apresentada, o Conselho determina verificação, in loco, e posterior apresen-
tação de relatório. (Delegacias do MEC).
Para essa verificação in loco utiliza as delegacias do Ministério da Educa-
ção existentes em todos os Estados do País. Se for solicitado, a Delegacia
envia um técnico, que verifica o que é pedido.
Fiscalização e Controle:
A Fiscalização e o Controle das instituições registradas neste Conselho
Nacional de Serviço Social foram regulamentados pelo Decreto-Lei n° 5.698,
de 22-7-43, que regula a cooperação financeira da União com as entidades
privadas a que se refere o Decreto-Lei n•' 527, de 1°-7-38.
O Conselho Nacional de Serviço Social tem obrigação de fiscalizar a
distribuição de subvenções (art. 4°), que só podem ser consignadas às institui-
ções para as seguintes modalidades:
1- assistência médica;
2- amparo à maternidade;
3 - proteção à saúde da criança;
4 - assistência a qualquer espécie de doente;
5 - assistência a toda sorte de necessitados e desvalidos;
6 - assistência à velhice e à invalidez;
7 - amparo à infância e à juventude em estado de abandono moral,
intelectual ou físico;
8 - educação pré-escolar profissional, secundário e superior;
9 - educação e reeducação de adultos;
10 - educação de deficientes;
11 - assistência a escolares;
12 - amparo a toda sorte de trabalhadores intelectuais ou manuais.
A instituição recebedora de subvenção prestará contas do recurso que
houver recebido perante o Conselho Nacional de Serviço Social, que as exami-
nará e aprovará, ou não, propondo, neste caso, as providências que julgar
necessárias.

76
A partir de 1977, o Conselho introduziu nas prestações de contas que
em seu relatório as entidades quantificassem e qualificassem o atendimento
prestado com o recurso recebido. Vamos exemplificar: uma Associação de
Pais e Mestres recebe subvenção de mil cruzados novos; então, na prestação
de contas, ela vai falar que com mil cruzados novos atendeu a vinte e cinco
crianças na faixa etária de tanto a tanto, dando-lhes alimentação ou ensino,
ou treinamento. E com a medida instalada em 1977, já estamos recebendo
os primeiros resultados. Já temos os dados estatísticos que nos facilitam saber
quanto foi aplicado em determinado tipo de assistência ou bolsa de estudo,
em alimentação, vestuário ou assistência médica. Já estamos com um quadro
bem interessante. À medida que as prestações de contas estão chegando,
estamos jogando no computador todos esses elementos.
O Conselho Nacional de Serviço Social considera como entidades de
Assistência Social todas as instituições e fundações de direito privado sem
fins lucrativos, organizadas com o fim de cooperar com o dever de solidariedade
da comunidade em prever e sanar os estados de necessidade (ou os riscos
sociais) da família, do cidadão, da maternidade, da infância, da adolescência
e da velhice, mediante a concessão de bens de prestação de serviços essenciais
ao bem-estar e à justiça social, à integração social e co1nunitária, à proteção
e promoção da saúde, à educação e formação profissional, à formação cultural,
à dignidade humana e à liberdade do indivíduo.
Filantrópicas:
Conceito de Filantropia:
Não foi consagrado na Constituição, que se refere a entidade beneficentes
de assistência social - Art. 195 § 7' - ou entidades beneficentes de assistência
social - 24, l.
O Conselho Nacional de Serviço Social acompanhou desenvolvimento
das entidades atentamente, zelando para que as atividades assistenciais não
fossem restringidas ou suprimidas.
O contexto econômico, com suas crescentes exigências sociais, levou as
entidades assistenciais, até agora consideradas filantrópicas, a desenvolver
ingentes e desesperados esforços para assegurar sua eficiente atuação em
favor dos desfavorecidos, obrigando-os a descobrir e perseguir fontes de custeio
alternativas que assegurassem a perenidade de sua sobrevivência operacional.
Exemplo ímpar neste sentido é o caso das Santas Casas de Misericórdia,
em cuja atuação originou-se o conceito de filantropia como atendimento com-
pletamente gratuito. A carência de ineios forçou-as a implantar serviços par-
cialmente remunerados para custear suas despesas operacionais, sobretudo
o essencial para cobrir suas folhas de pagamento. E nem por isso deixaram
de realizar esta magnífica assistência filantrópica que toda a sociedade reconhe-
ce, aplaude e enaltece.
Restringir o conceito de assistência social ou filantrópica exigibilidade
de um atendimento inteira ou totalmente gratuito pela entidade beneficente
resultará, inequivocamente, em eliminar as Santas Casas e demais organizações

77
que lhes seguem o modelo e a inspiração de todas entidades assistenciais
a merecerem o incentivo da seguridade social, (excluindo-as da relação de
entidades beneficentes.)
Como conclusão, gostaria c;le apresentar alguinas questões referentes à
estratégia proposta na Constituição, caracterizadas pela desconcentração polí-
tico-ad1ninistrativa e estabelecidas nas várias políticas sociais que reconhecem
a participação de instituições de natureza privada, privilegiando as "benefi-
centes" e as sem "fins lucrativos".
A primeira questão refere-se à necessidade de centralização, etn um único
organismo, das ações concernentes ao credencia1nento das instituições, de
modo a buscar a otimização organizacional, evitar a duplicidade de ações
e facilitar o controle e acompanhamento.
Torna-se necessário tambén1 atualizar os critérios de caracterização e
reconhechnento de inStituiçõcs "beneficentes" e "sem fins lucrativos", ade-
quando-os aos princípios da assistência enquanto direito de cidadania.
É importante, ainda, estudar a relação custo X benefício, considerando
o investimento que o Estado faz, via isenção de tributos, e os reais benefícios
auferidos pela população assistida.
Na esteira da assistência, enquanto direito de cidadania, é itnprescindível
que se criem canais de participação da população assistida, de sorte a controlar
os critérios para concessão da assistência, muitas vezes caracterizada cm rela-
ções clientelísticas. (Palmas.)

A SRA. TERESA DE JESUS COSTA DO AMARAL


Expositora

Sr. Presidente, Deputada Maria Abadia, Srs. Deputados, minhas Senho-


ras e meus Senhores, a questão social é hoje a mais grave questão brasileira,
mas não é evidente para todos que deve receber, entre as muitas com que
nos defrontamos, uma clara precedência .
.Para muitos, a questão econômica, reduzida freqüentemente às suas di-
1nensões estritamente financeiras, deveria 1nerecer este lugar. Durante longos
anos o poder encampou esta tese - e o que hoje se chama hipoteca social
é a nossa herança dessa experiência perversa. A questão política é, sem dúvida,
ilnportante em si mesma, beneficia-se de u1na relativa autonomia que expressa
as graves exigências da construção de1nocrática. Mas un1a democracia mera-
1nente institucional, que deixe à margem do seu processo a legião dos despos-
suídos, não se sustentará; faltar-lhe-á o amplo apoio popular, sem o qual
não vive; faltar-lhe-á dimensão legitimadora da esperança, fermento das trans-
formações.
A questão social é, portanto, o ponto em que a economia, que gera
riquezas, e a política, que gere liberdades, se curvam à pressão do sofrimento.
Pobreza absoluta, desigualdade de oportunidades, desníveis de renda, desequi-

78
líbrios regionais, doenças, marginalidade, violência e mortalidade: aí se encon-
tra o continente do sofrimento, aí se desenha o doloroso perímetro da questão
social. Não se trata, porém, de problemas que a caridade vaga e as boas
intenções possam tocar com dedo reparador, como quem oferece paliativos
à desigualdade, mas não deixa de condiderá-la, no fundo, uma fatalidade
natural. Mão forte se exige no trato dessa questão. Porque o que aí se joga
é muito simplesmente a cidadania, a possibilidade de construir uma nação
que possa orgulhar-se desse antigo nome. A cidadania, diretamente: este
é o lugar da questão social. Por isso as dünensões econô1nica e política lhe
pertencem. Por isso ela é a mais aguda e desafiadora questão que se coloca
para o nosso tempo e o nosso povo - o que também quer dizer: para o
Estado brasileiro e os seus dirigentes. Trata-se de uma questão histórica,
a mais premente nela se decidirá se, sim ou não, o século XXI nos conhecerá
corno u1n país civilizado.
É, entretanto, indispensável que a abordagem do problema se dê de
m;;tneira coerente. e eficaz. Não há mais lugar para assistencialismo, não há
mais possibilidade de camuflarmos o problema. É necessário traçarmos, para
o nosso País, uma clara política de desenvolvimento social. Uma pátria desu-
nida, em que aos cidadãos de 3' categoria o Estado oferece a filantropia
privada e o paternalismo da assistência, para que não se possa diferenciar
entre o cidadão, que tem direito à previdência, e o não-cidadão, que tem
direito à assistência; um país, assim, desunido, não sobrevive. Precisamos
construir o espaço da cidadania no encaminhamento da questão social. A
capacidade de tornar a política social ponto prioritário de nosso desenvol-
vimento há de nos ser cobrada pelas gerações futuras.
Tenho hoje, aqui, a palavra por defender, frente ao Estado e à sociedade,
um dos mais agudos problemas sociais do nosso País, o das pessoas portadoras
de deficiência. Temos procurado enfrentá-lo em sua real dimensão política,
tendo consciência clara da omissão de nossos governos, dos quais obteve,
até aqui, com raras exceções, a atenção do paternalismo que desfibra e do
assistencialismo que acomoda. Será necessário recorrer aos números, que
sempre parecem legitimar essas denúncias com o seu peso frio e isento? Então
citemo-los. Não números nossos, que nossos estatísticos ainda não se deram
ao trabalho de levantá-los, mas da ONU, que estima que 10% da população
brasileira é portadora de algum tipo de deficiência. Treze milhões de pessoas.
Seis milhões e meio de deficientes mentais. Dois milhões e seiscentos mil
deficientes físicos. Um milhão, novecentos e cinqüenta mil deficientes de
audição. Seiscentos mil cegos. Um milhão e trezentos mil portadores de defi-
ciências múltiplas. Treze milhões de brasileiros - e suas fa1nílias. :rreze mi-
lhões de cidadãos que o preconceito trata como se fossem de terceira classe.
Alguns milhões de trabalhadores que a ausência de políticos de integração
mantêm à margem da vida, à margem do mercado. Oficialmente, apenas
3% desta população está atendida.

79
Bastariam esses números para nos convencern1os da extensão e profun-
didade do problema. Mas há outros. Sabemos que 40% dos casos graves
de deficiência mental, 60% dos casos de deficiência visual e a maioria dos
casos de deficiência auditiva e física - os decorrentes de acidentes de tr2.nsito
e de trabalho, por exemplo - seriam facilmente evitados por ações preven-
tivas. Ações simples, às vezes tão simples quanto limpar adequadamente os
olhos de recém-nascidos. Não é sua complexidade, portanto, que as torna
raras: é a enorme falta de consciência para o .problema. Não se trata de
um paradoxo. Pode-se afirmar que, se houvesse consciência da gravidade
do problema da deficiência, suas dimensões seriam mais circunscritas, e a
questão seria socialmente menos aguda. A falta de consciência é pois um
dos dados constitutivos da natureza social do problema da deficiência. Trata-se,
portanto - e é de propósito que uso esse termo forte - verdadeiramente
de uma inconsciência. E essa inconsciência é de uma gama vasta, que vai
da insensibilidade, do desconhecimento, do medo e do preconceito à falta
de informação, da ocultação da realidade ao paternalismo. Ela permeia as
instituições públicas, as associações privadas, as organizações comunitárias.
E é a tal ponto banal que já não é percebida como discriminação e margina-
lização concreta da pessoa portadora de deficiência. Mas aparece a todo mo-
mento e em toda parte: na legislação, na arquitetura, no dimensionamento
do espaço urbano, nos serviços de transporte, na organização do mercado
de trabalho, no sistema de ensino, nos serviços de saúde.
O resultado dessa inconsciência generalizada é a boa consciência caridosa
e paternalista: confundindo o deficiente com a deficiência, associações filantró-
picas e Estados ocultam para si próprios que o problema não é puramente
humanitário- é de cidadania; e que dos que se ocupam dele exige-se mais
do que serem beneméritos - exige-se que pensem politicamente. Lembremos
os números. Treze milhões de brasileiros, e suas famílias. Mais de trinta
nlilhões de pessoas diretamente, pessoalmente atingidas. Eis as dimensões
1nais frias de um grave proble1na social. São só números. Neles não se insinµam
sequer o sofrimento concreto, a dor concreta, a desesperança concreta. Mas
estão lá! no corpo da Nação brasileira, que sofre, numa décima parte dos
seus filhos, limitações que podem ser evitadas, superadas e compensadas,
mas cuja manutenção já não se pode tolerar.
Com esta consciência - a de termos atingido um limite insuportável -
foi criada a Coordenadoria para Integração da Pessoa Portadora de Deficiência
- CORDE. E é com o saber adquirido nestes dois anos de luta diária para,
como órgão de governo, praticar cm nosso país uma delineada política social
que estou hoje aqui. E se ando pelo caminho da minha prática de trabalho
é porque, tenho certeza, ela nos permitirá colocar corretamente a questão
primordial deste nosso encontro; foi ela que me possibilitou refletir e concluir
sobre o t!'ma que me foi proposto "Critérios para Isenções das Contribuições
de Seguridade, Imunidades das Entidades Assistênciais e Recuperação do

80

"'\
1,
valor dos Auxílios na Assistência Social" que é, em resu1no, como equacionar
a necessária união da sociedade e do Estado na busca de soluções para a
questão social, como delimitar responsabilidades e tê-las assumidas em sua
plenitude.
Permitam-1ne, pois, continuar nosso raciocínio, centrado na problemática
da pessoa portadora de deficiência.
A CORDE é o órgão federal destinado a definir as melhores políticas
para o ataque ao problema. Que seja utna instituição de governo, que seja
um órgão federal, eis o que ainda merece alguma reflexão.
Pois era de se desejar que a sociedade diretamente ton1asse nas mãos
o problema, se organizasse e encontrasse, no jogo livre das pressões e das
demandas, os caminhos da sua solução. E espero que ainda venha a ser
assim. Porque existem as associações de luta, as associações de atendimento.
Porque há já urna história acumulada de denúncias, pedidos, projetos, reuniões
alianças. História de altivez e coragem. Mas também história de humilhações:
homens e mulheres pedindo ao Estado como favor o que lhes era devido
como obrigação. A isto se deve dizer basta. A entrada do Estado brasileiro
diretamente no cerne da questão é um modo de resgatar a humilhação e
o silêncio de milhões, o sofrimento e a tristeza de milhões - e de mudar
o patamar de tratamento do problema. Questão de cidadania, questão de
política, questão que só junto com o Estado a sociedade poderá enfrentar
numa posição de força, como o problema exige. Questão de direitos, sim;
mas também e sobretudo questão de dever.
Nossa nova Constituição reafirma o princípio básico de que saúde e educa-
ção são deveres do Estado. Examinemos especificamente o atendimento de
saúde e educação oferecidos ao deficiente e encontraremos as mais diferentes
reflexões sobre o cumprimento destes deveres.
A legislação pertinente aos dois problemas básicos do povo brasileiro
prefere passar ao largo da questão do deficiente, com referências longínquas
de responsabilidade. E o vácuo formado precisou ser preenchido, e o foi,
por aqueles que, através da necessidade, tiveram que encontrar soluções ime-
diatas. E é por isso que, em nosso País, grande parte do atendimento ao
deficiente é realizado por instituições da sociedade civil. E o dever do estado?
Quando dele não puderam fugir-ou quando houve as exceções-os governos
foram, timidamente, tomando posições. Devemos assumir compro-
missos, já agora de maneira coerente, acreditando em um novo país, em
que possa re.almente florescer uma política de desenvolvimento social que
enfrente as responsabilidades do Estado. E é assim que deve ser encarada
a questão dos serviço~ prestados por instituições privadas para esse mesmo
Estado.
No nosso entender as entidades particulares, sem fins lucrativos, que
desempenham funções do Estado, por sua delegação, devem ter todo um
tratamento especial. É preciso, entretanto, tornar claros os principais pontos

81
desse desempenho, não somerttc no sentido do exercício dessa função, como
na corroboração dessa delegação e, principalmente, no que até hoje temos
esquecido, na sua supervisão.
Quando o Estado concede a uma instituição privada o registro de utilidade
pública, está, justamente, permitindo-lhe desempenhar, em seu lugar, mas
não no mesmo lugar, função que lhe é inerente.
Torna-se, assim, necessário clarificar essa troca de funções e serviços,
ordenar em nosso País esta atuação. É preciso que os registros de utilidade
pública, os registros no Conselho Nacional de Serviço Social, os registros
de filantropia, dentre vários outros, tenham a racionalidade da formação
de um sistema de atuação que complemente a ação do Estado. O critério
que adotamos para conceder esta "permissão de participação", chamemos
assim, deverá ser tambétn o critério que permite isenções e imunidades.
Por quê? Porque, cm primeiro lugar, a obrigação é do Estado. Em segun-
do, a instituição está, sem a pesada mão do Estado, desempenhando o seu
papel como contribuição ao Estado, já que seus diretores não são remunerados.
E, e1n terceiro lugar, porque este credencian1ento há de ser rigoroso, porque
só assitn poderá ser reahncntc eficaz.
A convivência com as instituições privadas me permite enunciar alguns
postulados da relação hoje existente. O primeiro deles é que estas instituições
executam os serviços que lhe são comprados, com custo extre1na1nente redu-
zido. O segundo é que o preço pelo qual o Governo paga estes serviços
é muito inferior ao custo. O terceiro é que financiam estes serviços ao Estado,
que lhes paga em data aleatória, dependente da vontade dos membros do
Governo. E1n quarto lugar, tornar-se-ia necessário a estas entidades ter capital
de giro proporcional ao das grandes empreiteiras, para poder suportar os
três primeiros postulados. E, em quinto lugar, deven1os reconhecer que é
o Estado o 1naior comprador desses serviços, n1antcndo praticamente o mono-
pólio de sua compra.
Cabe-nos, então, perguntar por quê. Por que a iniciativa privada ainda
não fechou suas portas? E os economistas não saberão responder, nem os
governantes; só o responde a solidariedade humana. Cabe-nos, então, pergun-
tar: por que o Estado permanece insensível?
Cabe à COROE responder: é urgente fixar definições básicas, para que
esta compra e venda de serviços não resulte em trocas injustas e nem em conluios
de omissão. É preciso ficar claro que se trata de função do Estado, exercida,
através da co1npra de serviços, por instituições privadas sem fins lucrativos,
e que, dentro desta visão, colocamo-nos na seguinte posição. As entidades
particulares filantrópicas credenciadas deverão obter:
1 - Isenção previdenciária total, cabendo-lhes apenas o recolhimento
da contribuição descontada do empregado.
2 - Imunidade Tributária, não so1ncntc cm relação ao Imposto de Renda,
mas também ao IPl; ISS, ICMS e outra taxas.

82

:l
3 -As doações que lhes forem concedidas deverão ser abatidas, pelos
doadores, do imposto a pagar e não de sua renda bruta.
4 -A impenhorabilidade de seus bens.
5 - A isenção de licitação para venda de serviços na sua área especializada
de atuação.
6 -Que estas instituições filantrópicas pudessem produzir e comercializar
bens e serviços decorrentes de sua própria for1na de atuação.
Que fique certo que estas isenções e imunidades não são favores, mas
contrapartida da relação estabelecida pelo Governo com a sociedade civil
na troca de serviços prestados.
Que também fique evidente que esta série de propostas só pode ser
concedida havendo uma efetiva supervisão dos serviços prestados: credencia-
mento e supervisão devem ser desenvolvidos de maneira paralela e responsável
para poderem resultar em uma engajada política social.
Ao lado do credenciamento e da supervisão, há que haver uma forma
clara de formação do preço dessa compra de serviços: formação e manutenção
do valor pago.
Para que haja uma responsável deliberação do preço a ser pago, precisa-
1nos determinar definitiva1nente a composição dos custos dos serviços execu·
tados por entidades privadas para órgãos governamentais. A base deve ficar
especificada para que se possa, a curto prazo, pensar e1n estabelecer índices
de reajustes para esse preço, levando em consideração inclusive o fato de
que deverá haver um preço pago na compra de serviços a entidades particulares
filantrópicas e outro a entidades particulares não filantrópicas. E será também
necessário haver um órgão que determine o índice de reajuste, no qual deverão
tomar parte representantes das instituições prestadoras de serviços; ao qual
será necessária a agilidade de determinar, concomitante1nente com os outros
índices de preços do País, o específico desses serviços, tornando assim negociá-
vel, mas praticamente automática, a divulgação de tal índice.
Devemos retomar aqui a idéia que perpassou toda a argumentação, a
idéia da compra de serviços para cumprir uma função do Estado. É preciso
ficar claro que a posição de desenvolvimento de uma política social responsável
não dá lugar à prática, hoje comum, de distribuições de auxílios e subvenções
sociais como forma de clicntclismo. Não se trata de esmola, não se trata
de ajuda, nem de favor. Devemos ter de um lado a compra de serviços
e, de outro, a subvenção, como forma restrita de financiamento governa-
mental, a fundo perdido, para situações específicas excepcionais que lidarão
com emergências ou co1n projetos significativos de correção de posturas ou
inovações de serviços.
O Brasil do clientelismo deve ser modificado pelo Brasil das responsabi-
lidades. Nas grandes instituições e órgãos assistenciais, etn nosso País, o discur-
so já começa a mudar, mas a prática permanece primordialmente assisten-
cialista.

83
Precisamos corrigir o desco1npasso do nosso desenvolvimento social, atra-
vés da transformação das nossas instituições sociais. Órgãos do Governo,
organizações co1nunitárias de luta e instituições filantrópicas devem buscar
uma nova postura na prática social. Se dissermos não ao assistencialismo
e desenvolvermos uma política social de respeito à cidadania, estaremos encon-
trando nossa História.
A contribuição, consciente e responsável, do Poder Legislativo nessa
etapa de leis complementares é essencial. É necessário trabalhar para que
a prática social, em todas as esferas de participação da vida política do País,
possibilite o planejamento da abordagem da questão social. Sua priorização
e1n termos orça1nentários é inadiável, e é esta posição que realmente nos
dirá se houve determinação política.
A legião dos miseráveis está à nossa porta. O século XX nos dá a última
chance de encontrarmos nossa história. No século XXI deve começar um
novo Brasil.
Muito obrigada. (Palmas.)

O SR. IRAPOAN CAVALCANTI DE LYRA


Expositor

Sr. Presidente dos trabalhos, Deputado Geraldo Alckmin Filho, Sr' Depu-
tada Maria de Lourdes Abadia, Coordenadora do Simpósio, a quem homena-
geio, na condição de assistente social, Srs. Parlamentares, e1n especial o nosso
amigo, Deputado Nelson Seixas, com extraordinários trabalhos realizados
junto às APAE no Brasil, senhores componentes da mesa, minhas senhoras
e meus senhores, acredito que no trabalho de Governo há um tempo de
reflexão e um de ação. A reflexão deve presidir a ação, mas não pode estar
muito afastada do tempo da ação. As duas têm de se integrar. O caminho
que a Legião Brasileira de Assist6ncia tem procurado percorrer, nesses últimos
tempos, é da reflexão, mas também da ação, em seguida. É o caminho de
se tornarem concretos os pensa1nentos, não só o discurso que orienta, mas,
sim, a ação.
Mais grave ainda será a separação entre a reflexão e a ação. No caso
do combate à pobreza, será mais perverso ainda. Por isso, todos nós, que
trabalhamos nessa área, temos a obrigação de transformar nossos pensamentos
em ações imediatas.
Quando pensamos no problema da pobreza, na questão da assistência
social do País, não pode1nos esquecer que a assistência social não deve ser
um instrumento perverso de renovação do ciclo da pobreza, ou seja, aquele
elemento que leva a pobreza a se renovar a cada período. Ao· contrário,
a assistência social deve ter o papel de romper esse ciclo, de criar condições
de desenvolvünento social.

84
Não podemos permitir que o trabalho da assistência social se esgote
naquele dia em que é prestado o auxílio, o que faz com que a pessoa retorne,
com que a pobreza se escravize ao prestador do auxílio. Ao contrário, temos
de criar condições para que a população se liberte, inclusive, dos órgãos
que prestam serviços de assistência. Essa é uma condição básica de pensa-
menta.
Tambétn pensamos que a assistência social não deve ser um instrumento
de tutela indireta, ou direta do Estado, ou de grupos econômicos, ou de
pensamento sobre as camadas menos favorecidas da população. Mas, sim,
um instrumento da população, em busca de ·melhores condições de vida,
sejam elas espirituais, sejam elas materiais. Enfim, a assistência social não
deve ser um instrumento do Estado, mas da população.
Este tem sido o nosso propósito nos últimos anos: reordenar a LBA,
no sentido de que o usuário não seja mais aquele pobre homem que vem
às nossas portas. Não. O usuário deve ser um cidadão que tem direitos,
que nos cabe cumprir.
Entendemos que essa questão tem de ser olhada do ponto de vista da
cidadania, com a relação de reciprocidade entre o reconhecimento do indivíduo
como cidadão e o Estado.
A assistência social não vinha sendo utilizada co1no um espaço de valida~
ção dessa reciprocidade. Ao contrário, ela vinha assumindo, no Brasil, uma
natureza compensatória, pautada na percepção de que a necessidade é um
problema individual do necessitado. Associava-se a essa compreensão uma
visão punitiva e discriminatória, em que ser atendido significava mostrar uma
incapacidade.
Quando a LBA se propõe ao reconhecimento dessa cidadania, compro-
mete-se a cumprir o propósito de buscar a superação de alguns processos
de estigmatização e discriminação, que ao longo da História brasileira foram
sendo construídos.
A extensão da cidadania à população com a qual trabalha é uma missão
da LBA, missão que ela vem assumindo na construção democrática da socie~
dade brasileira. É ela a instituição de assistência social com maior capilaridade.
É a que se faz presente nos níveis local, estadual e federal, podendo tornar-se
um canal de acesso da população à validade da sua própria cidadania.
Para isto é preciso que a LBA reconheça ·as propostas das organizações
comunitárias representativas da população. São elas os organismos mais legíti~
mos para dizer o que precisan1; elas é que sabein o que realmente necessitam.
E cabe à LBA o processo de reconhecimento apenas dessas necessidades.
A LBA reconhece o direito da população na gestão e usufruto dos bens
e serviços sociais, como ta1nbérn a necessidade de co1npatibilizar os programas
sociais públicos e privados, racionalizando recursos, integrando ações, a partir
das bases e de suas representações, favorecendo a definição de uma política
social representativa e participativa.

85
A instituição não deve mais fechar-se em seus gabinetes, a conceber
projetos que nada têm de semelhança com as reais necessidades da população.
Essa instituição de quase cinqüenta anos, criada por uma figura extraor-
dinária na História brasileira, Dona Darcy Vargas, tem hoje o seu nome
intimamente ligado à história das ações sociais no Brasil. Mas tem, nos últimos
quatro anos, passado por um processo de transformação de sua atuação.
Essa mudança consiste essencialmente no deslocamento do eixo de sua progra-
mação, de quase meio século de assistência, para uma ação mais consciente
e consistente de promoção e de desenvolvimento social.
É urna mudança que tem implicado o redimensionamento dos recursos
materiais, financeiros e humanos da instituição, em tal escala quantitativa,
que já corresponde, sem qualquer dúvida, a urna transformação qualitativa,
sensível não só no resultado da atuação, mas também, e sobretudo, na natureza
e nos objetivos da própria LBA. Por isso, a LBA hoje é considerada urna
agência de desenvolvimento social.
A partir da definição de desenvolvimento, corno a satisfação plena das
necessidades fundamentais pelo próprio homem, permitindo a sua ascensão
social e, portanto, de acordo com a nova visão de política social, a LBA
tem pautado sua trajetória irtstitucional, nesses quatro anos, pela conjugação
de dois fatores: a filosofia de participação democrática na eleição de prioridades
e estratégias de atuação, e a reorganização operacional de seus recursos,
conforme conceitos e modelos de investitnento social.
Desse modo, desde 1985, temos condicionado seu comportamento a u1na
metodologia de participação ativa e responsável da população, através de
suas organizações legítimas, na gestão dos programas e projetos que nos
dizem respeito.
Um dos princípios básicos do atual modelo da LBA é o reconhecimento
de todas as formas organizadas da sociedade. Esse modelo de integração
tem, naturalmente, contribuído bastante para democratizar o desempenho
da instituição, que passou a reconhecer e partilhar com as representações
comunitárias a co-responsabihdade de formulação, execução e avaliação de
prioridades.
Com essa via de mão dupla entre a sua equipe técnica e a sociedade
como u1n todo, a estratégia operacional da LBA vem-se caracterizando por
privilegiar modelos participativos de atuação, incorporando no elenco de seus
programas as iniciativas populares e buscando se1npre as relações de parceria
com instituições e associações que, por sua experiência e conhecimento, sabem
e fazem o-cotidiano social.
Dessas palavras à ação, são vinte e cinco mil acordos em todo o País
co1n os 1nais diferentes tipos de entidades, setn qualquer restrição de natureza
política, religiosa ou social.
Esse esforço concreto de descentralização e democratização operativa)
co-gestão e autogestão co1nunitária, já se reflete nitida1ncnte nos investimentos
da LBA, que, de 1985 em diante, ampliou consideravelmente a aplicação

86
de recursos na execução partilhada, chegando hoje a dirigir 80% do seu
orçamento operacional para alianças, ações conjuntas e convênios com entida-
des em quase 95% dos municípios brasileiros.
Portanto, não se pode pensar a ação social dentro de convencionais fron-
teiras da área social. Não se pode mais compartirnentalizar a ação social
nas áreas de saúde, educação, habitação e previdência. Progra1nas de desenvol-
vimento e promoção social não podem nem devem confinar-se em comparti-
mentos estanques. Toda a ampla e criativa variedade de ações, adequadas
a peculiares situações concretas e subdescnvolvünento voltadas para o combate
comunitário e solidário às causas da pobreza, deve ser incentivada e efetivada
sem barreiras, injunções ou interesses de qualquer espécie. Pensamos que
a ação se dirige ao homem, e não à saúde, à educação ou a qualquer outro
tipo de compartimento. O homem é o objeto essencial da açáo e, ao mesmo
tempo, o sujeito dela. É ele que1n detennina o tipo das suas necessidades,
não é o tipo que deter1nina as necessidades do homem.
Como eu disse, no início, de n::;da adianta pensar nessas condições, de
nada adianta pensar em desenvolvimento social se nós, efetiva1nente, não
a realiza1nos. O discurso não leva a população a nada. A população precisa
realmente ser atendida pelo poder público.
Gostaria de citar rapidamente alguns nú1neros para mostrar que a política
que está esboçada nessas palavras se refere ta1nbém aos nú1ncros. Só nos
programas de creche te1nos, no dia de hoje, dois milhões e quinhentas mil
pessoas em todo o País. Diariamente, são atendidas dois milhões e quinhentas
mil pessoas. Nos programas de apoio nutricional existem cerca de um milhão
e novecentas mil pessoas em todo o País. Os progra1nas de educação, nestes
quatro anos, já atingiram seis milhões e oitocentas mil pessoas e1n todo o
País. Nas ações básicas de saúde já foran1 atendidas cerca de treze inilhões
e quinhentas mil pessoas. Já foram beneficiadas por progra1nas de microem-
presas sociais cerca de dois milhões e oitenta 1nil pessoas.
Esses são alguns números que eu queria levar a V. Ex"s Outros existem.
No total, nestes últimos quatro anos, já prestamos cerca de sessenta 1nilhões
de atendimentos sociais e1n cerca de 95% dos municípios brasileiros.
De outro lado, o esforço de 1nodernização levou a administração central
da LBA, que antes consumia 12% dos seus recursos, a utilizar, no ano passado,
0,6% dos seus recursos. Não acredito que existam exemplos em que os recursos
com a administração tenham sido reduzidos tão drasticamente com o exato
atendilncnto das co1nunidades. Repito: 0,6%, menos de 1 % gasto com admi-
nistração.
Isso demonstra o esforço dessa Instituição para passar de um modelo
ideológico claramente definido - e nós temos de estar claramente definidos,
pois não atuamos às cegas - para a prática, para a execução. Temos, em
todas as áreas, naqueles programas que atendem hoje às necessidades imedia-
tas cotidianas do indivíduo, números expressivos. Temos progra1nas que se

87
preocupam com o futuro do indivíduo, progra1nas que cuidam das crianças
carentes, que não terão seu cérebro adequadamente formado até os dois
anos se não estiverem nas creches, num atendimento de dois milhões e meio
de pessoas. Nos prograinas que levam o homem a poder pensar no seu futuro,
através da formação, aponta1nos números significativos.
Temos, no dia de hoje, urna notícia que talvez nctn todos saibam. Hoje,
dia 30 de maio de 1989, fizemos o maior pagamento per capita de toda a
história da LBA, em cinqüenta anos. Estou falando em termos reais, não
em números escriturados, descontando a inflação. Isso demonstra claramente
um esforço significativo em atender à 1nassa de necessitados do País, que
não precisa de palavras, mas de ações que levarão ao seu sonho, ao sonho
da construção de uma sociedade cristã, de urna sociedade democrática, de
uma sociedade de pessoas iguais, e não de uma sociedade que separa os
cidadãos em primeira, segunda, terceira e quarta classes.
Este é o te1na que me pediram, fosse demonstrado: o esforço feito pela
LBA. Mais do que o esforço, fica o exemplo do reconhecimento do cidadão
e da busca de se juntar a ele não através de sua tutela, 1nas corno instrumento
na construção do seu futuro. Somos instrumentos da população brasileira.
Muito obrigado. (Palmas.)

A SRA. MARINA BANDEIRA DE CARVALHO


Expositora

Sr. Presidente, ilustres integrantes da Mesa, Sr' Deputada Maria de Lour-


des Abadia, equipe organizadora deste Simpósio, quero agradecer-lhes a opor-
tunidade que é dada à FUNABEM de aqui estar.
Minhas Senhoras, meus Senhores, o debate já levantado na mesa-redonda
de ontem (e de hoje também) pôs em evidência, de forma muito enriquecedora,
os aspectos básicos da relação público/privado, ou seja, do que é governamental
e não govername_ntal na área das políticas sociais e do que, não sendo governa-
mental, é também de caráter público.
O Estado, lembremo-nos bem, não tira seus recursos do nada. Tudo
que é reunido nos orçamentos públicos (sejam o federal, os estaduais e os
municipais), vem dos particulares. Vem dos cidadãos, vem da sociedade civil.
Em primeiro e absoluto lugar, pois, não nos esqueçamos nunca de que cabe
à sociedade civil definir os critérios de captação dos recursos e de sua aplicação.
Nessa aplicação é que se encontra o cerne de nosso problema: a serviço
de que políticas serão postos tais recursos, quem as formula, quem controla
as açóes dos programas em nome delas desenvolvidos.
Toda a legislação aqui discutida é regulamen:adora de uma nova ordem
constitucional. E a Constituição aponta papéis e caminhos qué a lei deve
seguir para que o setor público e o privado se comportem adequadamente
na garantia dos direitos que ela estatui.

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Seja a assistência social tomada no sentido amplo de Política Social,
seja ela tomada no sentido estrito de atender a situações emergenciais, a
Constituição nos desafia a inovar papéis, a gerar mecanismos, a criar formas
de relacionamento entre o governamental e o não governamental. Não há
dogmas. Devemos, sim, é nos precaver contra os interesses corporativos,
contra a ·prepotência das burocracias tentaculares impostas, contra o pareia~
tismo dos que pretendem manter privilégios. Os senhores todos sabem que
na área pública e na área não governamental esses fantasmas nos rondam
para desvirtuar tudo o que conseguimos na Constituinte e para repor agora,
na legislação regulamentadora ou complementar, teses derrotadas nas lutas
por direitos que travamos nos dois últimos anos, com memorável e inédita
participação popular.
Uma coisa porém é certa: as políticas sociais básicas que são deveres
do Estado e direito de todos serão sempre controladas pela sociedade, e
esta, através de entidades representativas, zelará:
a) pelos critérios de captação e distribuição dos recursos (pensemos aqui
inclusive nos casos de criação de incentivos fiscais previstos para atendimento
dos direitos das crianças e dos adolescentes, com peculiaridades especialís-
simas, Art. 227 da C. Federal);
b) pela forma de atender a todos, reduzindo as distâncias sociais, elimi-
nando privilégios, universalizando o atendimento;
e) pelo sistema de garantir direitos, já que atender aos direitos de crianças
e adolescentes, por exemplo, é previsto por política que se sobrepõe a todas
as outras, por mecanismos próprios e o que é fundamental, com prioridade
absoluta.
Só assim, com o controle da sociedade organizada, teremos a redução
dos programas emergencais necessários no Aqui e Agora, correspondentes
à assistência social no sentido estrito.
Notem os senhores que há funções públicas exercidas por entidades gover-
namentais e por entidades não-governamentais.
Tomemos a educação. No art. 213, a Constituição determina que os
recursos públicos serão destinados às escolas públicas, podendo ser dirigidos
a escolas comunitárias, confessionais ou filantrópicas, definidas em lei. Temos
aí escolas confessionais e comunitárias exercendo função pública.
Tome1nos, na assistência social, os casos a que se referem os princípios
constitucionais para as leis orgânicas dos Municípios (Art. 29, X), determi-
nando a cooperação das associações representativas no planejamento muni-
cipal.
Tomemos o caso da assistência integral à saúde da criança e do adoles-
cente. No Art. 227, a Constituição determina que o Estado promoverá progra-
mas, admitida a participação de entidades não-governamentais.
O importante é considerarmos as funções previstas, constitucionalmente,
para as entidades não-governamentais:

89
a) de iniciativa de projetos de lei de interesse social da sociedade, cabendo
aí importante papel na própria condução legislativa da matéria. É o povo
agente constitucional da própria história;
b) de participação no planejamento de governo, obrigatória em nível
municipal, admitida ao nível federal, a ser regulada nas constitllições estaduais
para os estados federados;
e) de planejamento participativo nas decisões políticas sociais, sendo que
no caso da criança e do adolescente vai além; muito além da assistência
social, pois se refere a urna política enérgica de garantia de direitos extrema-
mente abrangentes;
d) de controle de ações do Estado em todos os níveis, valendo aqui,
para a criança e o adolescente, o mesmo no caso anterior, porque hoje o
Estado é herdeiro da violação de direitos dos antigamente denominados "me-
nores" nos termos da antiga ordem constitucional e le~al.
Resumindo: a democracia brasileira pós-constitucional prevê participação
não govcrnatnental nas ações e políticas públicas, seja no âmbito legislativo
dos representantes do povo, seja diretamente, por entidades representativas,
nos casos que a própria Constituiçao prevê. Não deixemos que estas duas
vias sejam escamoteadas pelos que se arrogam em iluminados decisores, sejam
eles burocratas, corporativos, pseudodetentores do saber, ou pseudo-heróis
de uma pseudobeneficência como já foi aqui mencionada. Os vilões não estão
só no setor público, estão também no setor privado.
Precisamos de um esforço de seriedade e competência para lidar com
estas questões.
Este seminário está buscando criar as formas da distribuição de papéis
para gerir recursos, criar fundos, instituir conselhos, regula1nentar órgãos,
sejam elas governamentais ou não governa1nentais. Entendo que a palavra
do momento é imaginação; imaginação criativa. Estamos sendo desafiados
a criar novas estruturas. Defender a criança e o adolescente, em seus direitos,
exige uma forma específica de compor ações públicas e privadas. Defender
o idoso e o aposentado. Assistir os carentes, os vitimados, os desassistidos
das políticas sociais básicas.
Necessitamos de harmonia no trabalho em conjunto. Trabalhando harmo-
niosamente. Unidade, sim. Uniformidade, não. Por quê? Porque há o risco
de, sem querer, criarmos máquinas gigantescas, burocracias ainda mais lentas,
que virão atrasar ainda mais todo o esforço que vem sendo feito. Na FUNABEM,
por exemplo, queremos tornar ágil a parte burocrática. Graças a Deus, estamos
conseguindo, pelo menos, algum resultado.
![ Citarei uma pequena estatística, que acredito importante: há três anos
a FUNABEM mantinha, números redondos, quinhentos convênios e contratos,
a maioria por intermédio de órgãos estaduais. Fechamos o ano de 1988
com 4.463 contratos e convênios, e com o mesmo pessoal, com a mesma
li equipe.
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1 !l 1
Portanto, se estamos todos fazendo um esforço para tornar ágil a máquina
governamental, para diminuir todos os trâmites burocráticos, por favor, aten-
ção, para que nas novas reformas não caiamos no risco de chegar a um
novo tipo de gigantismo que vá atrasar ainda mais o esforço que já vem
sendo realizado. Construamos novos modelos e os subm€tamos ao debate
sadio e fecundo. Este simpósio cumprirá a sua função se nos levar a esse
caminho. Não temamos nosso papel nesta quadra da história do Brasil.
Pela atenção, muitíssimo obrigada. (Palmas.)

A SRA. ADELA YDE JÚLIA DE LIMA SOARES


Expositora

Sr. Presidente desta Mesa, Sr. Presidente da LBA, Dr. Irapoan Caval-
canti, Professora Marina Bandeira, Presidente da FUNABEM, demais autori-
dades aqui presentes e representadas, gostaria de agradecer à Comissão por
ter lembrado do Pará. O Pará, de tão longe, vem dar a sua contribuição
nesse processo histórico que atravessamos hoje. A nossa exposição vai ser
um pouco diferente, visto que vamos colocar uma experiência, que estamos
fazendo, o que estamns vivenciando e que acreditamos. Seria muito difícil
gravarmos o que faze1nos com o pensamento, com o coração e com a coragem.
Então, peço permissão para fazer a nossa exposição pelo que temos aqui
dentro.
Inicialmente, foi-me dado o tema experiência de descentralização e gestão
comunitária, a nível estadual. Entretanto, nesta experiência faz parte de um
bojo maior, de uma proposta que, hoje, a Fundação do Bem-Estar Social do
Pará vem desenvolvendo. Seria ingenuidade nossa colocar unia proposta aqui,
concretizada, sem, no entanto, entrarmos em algumas questões sócio-eco-
nômicas do Estado do Pará.
O Pará situa-se no norte do País. Sua capital é Belém. Descortinamos
aqui as primeiras imagens de nossa capital, de cartão postal de Belém, que
é o Ver-o-Peso. Quem conhece o Pará sabe que lá encontramos o tacacá,
o açaí e, principalmente, o menor de rua, como em todo o Brasil.
Antes de tudo, queríamos falar um pouco dos grandes projetos que se
implantaram na Amazônia e, principalmente, no Pará, projetos esses que
vieram dar uma resposta ao grande empresariado do nosso País, que vive
da exploração de mão-de-obra, uma exploração do homem pelo homem.
O Pará, em função de seu solo e subsolo, talvez seja um dos estados
mais ricos desta Nação. Temos o ouro, que é explorado dos nossos garimpas
e deixa, ao seu largo, a prostituição infantil. Temos a bauxita, que é explorada
pelos braços dos nossos homens, dos nossos trabalhadores e só deixa o buraco
na Amazônia. Temos a nossa madeira, que só devasta a Amazônia, levando
para os grandes empresários o grande lucro, ficando, na Amazônia e no

91
Pará, os grandes problemas sociais. A nossa terra escorre pelos dedos, e
dentro desta mão só fica a questão social.
Também não poderíamos deixar de falar sobre o grande latifúndio exis-
tente no Pará. Exemplo disto é que no sul do Estado existe uma cidade,
que, utilizando-se um avião Bandeirante, pode ser atingida em cinco horas.
E mais longe do que Brasília! Para chegar em outras cidades, caminhamos
por estradas batidas de chão e atravessamos nossos igarapés. Nessa cidade
- só para V. Ex~s terem uma idéia - um milhão, novecentos e trinta mil
hectares de terra estão em poder do grande latifúndio, chegando às mãos
dos pequenos camponeses, apenas 173 hectares. Isto significa que a nossa
questão latifundiária é escrita com o sangue dos nosso irmãos, das nossas
lideranças comunitárias.
É esta a situação sócio-econômica do Estado do Pará. Como conseqüência
de tudo isto, temos um quadro latente das desigualdades sociais. A esse
quadro, que envolve as crianças, as fa1nflias e os famintos do Pará, é so1nado
àquela estrutura que temos no País, de que, acredito, todos nós já temos
conhecimento.
O nosso Brasil atravessa, talvez, um dos momentos mais difíceis, de
muito maior desorganização, visto que, em 1988, 350 milhões de crianças
morreram de fome neste País. É nesse contexto de desigualdade social, de
contradições, que a FBESP aparece como órgão de assistência social no Estado
do Pará.
É importante dizer que a FBESP adotou, em tempos passados, um modelo
de expansão desordenado, espalhando-se por todo o Estado, invadindo os
municípios e criando estruturas próprias. Há um ano e cinco meses estamos
à frente desse órgão.
Fomos chamados pelo Governo do Estado para fazer parte de uma comis-
são que iria avaliar, diagnosticar e fazer uma proposta ao órgão. Essa equipe,
multidisciplinar, tinha consciência dos problemas nacionais e dos que enfrentá-
vamos em nossa região. Passamos três meses dentro do órgão, can1inhando,
navegando, viajando. Ouvimos funcionários, desde o Presidente ao vigia,
crianças e pais de crianças. Fizemos uma avaliação crítica, e chegamos a
algumas situações-problema, o que causou grande indignação.
Mas, digo-lhes, é importante termos uma dose de coragem para dizer
e fazer.
O diagnóstico a que chegamos foi o de que na estrutura organizacional
do órgão existiam 153 cargos gratificados. No primeiro momento diminuímos
esse número para 53. Dos servidores, 70% estavam nas atividades-meio, quan-
do tivemos a coragem de colocá-los junto à população. Encontramos onze
coordenadorias regionais. Eram apenas instâncias burocráticas. Funcionavam
em casas alugadas, tinham carro, telefone e funcionários, estes, riuma média
de dez a doze técnicos. Desestruturamos e extinguimos, de uma só vez seis 1

na capital e cinco no interior, colocando os técnicos na base.

i
92
.1,:·.
j1!

11
Os espaços físicos estavam, quase todos, em ruína. Encontramos os nossos
menores, ditos autores de infração penal, abrigados em celas em ruínas, semi-
nus, comendo com a mão, se1n a mínima dignidade humana. Algumas dessas
unidades físicas não tiveram mais conserto e foram desativadas. Trabalhamos
com a desinternação. Hoje temos dez unidades físicas totalmente reformadas,
recuperadas e duas construídas, em um ano e quatro meses. Apesar de todo
o processo de carência econômica, conseguimos soerguer um pouco a Fun-
dação.
Encontramos a utilização dos espaços físicos da instituição na militância
partidária comprometendo o trabalho de base. Achamos que o espaço físico
deve ser destinado realmente para a assistência social. Defendemos aquele
servidor que tem uma política partidária. Isso é até muito importante. É
ele quem tem maior capacidade de pensar, maior conhecimento do contexto
social. Mas a Fundação perdeu de vista o seu ser, o seu objetivo, que é
o atendimento a uma população espoliada nos seus direitos.
Nos serviços assistenciais, encontramos dezoito serviços diferentes, desde
a melhoria de habitabilidade até a educação de adultos, e por aí afora. Diminuí-
mos esses serviços, porque sabíamos que pulverizavam os recursos financeiros,
já tão escassos. Tivemos a coragem de passar serviços aos órgãos inerentes
aos mesmos, para atingirmos uma assistência de qualidade. Fizemos mudanças
também a nível de pessoal. Tivemos a coragem de, em num único momento,
rescindir a contratação de 520 funcionários. Para isso é preciso muita coragem.
Eram pessoas indevidamente instaladas no órgão, que não tinham a mínima
condição de ali trabalhar, funcionários que roubavam até os pertences dos
menores infratores. Cerca de 200 funcionários estavam à disposição de outros
órgãos e outros 200, de outros órgãos, oneravam a instituição, tirando, cada
vez mais, os recursos das bases.
Encontramos, por fim, uma folha de pagamento com cinco mil pessoas,
incluindo bolsistas, mães-crecheiras e mães de origem. No primeiro mês tive-
mos quase trinta horas de discussões, de reuniões com a associação de mães-cre-
cheiras, associação de bolsistas, associação dos funcionários, sindieatos. Abri-
mos nosso espaço de negociação com todos os organismos, com todos os
segmentos que compõem a instituição.
Achamos que os fins não justificam os meios e, portanto, tivemos a
coragem de mudar o quadro da instituição. Com isso, estávamos implantando
uma proposta, cuja síntese aqui exporemos.
A proposta de trabalho da FBESP concebe a instituição estritamente
como prestadora de serviço na área da assistência social, significando com
isso que deve estar necessariamente a serviço da população definida como
meta. Procurou-se evitar o reconhecimento da FBESP enquanto serviça públi-
co, assumindo o compromisso de desenvolver de forma racional e eficaz seus
problemas específicos, não pretendendo querer fazer tudo, mas aquilo que
lhe compete na dimensão do atendimento extensivo e com qualidade.

93
Elegemos uma metodologia para atuar na FBESP. É a metodologia produ-
tiva, participativa e rentável. O que significa isso? Uma metodologia que
leva o garoto, a família e todos os segmentos que atendemos a uma produção
econômica e a uma participação política. A produção econômica faz com
que a rentabilidade esteja voltada para o garoto. Quem nos pediu isso foram
as próprias crianças. Estão na rua, porque é um espaço de sobrevivência.
De lá tem de tirar seu ganha-pão. A metodologia é um meio de se agrupar,
de se desenvolver o garoto.
Quanto às atividades produtivas rentáveis, trouxemos o exemplo de algu-
mas no vídeo que os senhores verão. Todas são desenvolvidas nos 1nunicípios
mais distantes; alguns mais próximos. Primeiramente, temos o Município de
Santa Isabel, a sessenta quilômetros da cidade de Belém. Todas essas atividades
estão municipalizadas - daqui a pouco, falarei sobre municipalização.
Os meninos se agrupam nas fábricas de picolé, em um município muito
simples, que só tem a rua principal saneada. E essas crianças se agrupam
na questão econômica e, principalmente, na questão política.
V. S'° devem ver neste mesmo vídeo, uma cartilha feita pelos 1neninos,
em que eles discutem toda a problemática de suas vidas: desde a exploração
da mão-de-obra, como se organizar, até o processo da sua cidadania. E,
nessa cartilha muito simples, podemos vislu1nbrar a questão política sendo
discutida com o menor.
Ontem, foi colocada pela Prof' Potyara, de forma muito inteligente,
a assistência social, stricto sensu, c a assistência social, lato sensu. Essa questão
dos dois poderes, na teoria, é muito diferente. Mas, na prática, temos que
ter os pés no chão para fazer unia assistência social lato sensu.
Então, isto é feito através de debates com os meninos e das fábricas
de brinquedos pedagógicos, das fábricas de vassouras, das marcenarias, dos
artesanatos e das oficinas de teatro que desenvolvemos.
A exemplo disso, há dois meses, tivemos doze garotos das oficinas de
teatro trazendo o teatro da Amazônia para São Paulo. Também temos oficinas
de música. Todos esses espaços são de participação política, principalmente.
E queremos, com isso, que essas atividades produtivas e rentáveis sejam
auto-sustentáveis - algumas delas já estão sendo.
Nesse sentido, podemos antever a emancipação política do menor. E,
por isso, poderemos vislumbrar uma co-gestão. O Município de Santa Isabel,
como disse, está distante, desenvolve atividades produtivas, rentáveis, com
o menor; há. participaão política e econômica. Ele discute seu dia-a-dia, seus
problerrias vitais, porque ele é menor de rua, está nesse contexto. Só assim
estaremos desenvolvendo com o menor sua cidadania.
Vigia é um Município, como já disse, que dista 120km de Belém. Lá
temos garotos em atividades produtivas tais como artesanato, fábrica de vas-
souras. Todas essas atividades são meios para conseguirmos agrupar os garotos
e fazer com que pensem sobre sua própria realidade.

94
Esta é uma frente de trabalho da unidade municipal de Vigia. Este é
o espaço de participação e produção. Este é um dos grupos que existem
nesta ação. Aqui está o grupo de tecelagem, formado por crianças na faixa
etária de 7 a 14 anos. Este grupo confecciona quadros, tapetes, sacolas, bolsas,
capas de liquidificador e botijão de gás. Há uma variedade de produtos desse
grupo de trabalho. O grupo que confecciona sandálias é formado por quinze
crianças de 13 a 15 anos. Temos também o grupo da marcenaria, formado
por sete meninos na faixa etária de 15 a 17 anos. Temos o grupo de corte
e costura, com crianças de 15 a 17 anos. O grupo de bordado e crochê é
formado por crianças de 10 a 15 anos. Há o grupo de tricô, formado por
crianças de 12 a 15 anos; e o de pintura, formado por crianças na faixa
de 8 a 12 anos. Temos um total de 250 crianças atendidas.
Estamos, neste momento, na fábrica de picolés, promovida pelo Centro
Social do Menor, da Unidade Municipal de Vigia-FBESP, da qual participam
doze menores. Este centro está atendendo a uma clientela de crianças, entre
meninas e meninos. Neste momento, realiza-se a produção de picolés de
m"aracujá. A participação do grupo é total. Faz-se a confecção dos picolés,
com a observação do instrutor, nosso colega Clélio, um menor que está aju-
dando na produção dos picolés, no Centro Social do Menor.
Sr. Presidente, o ar7>:sanato é desenvolvido também com as crianças.
É uma forma de agrupar as crianças.
Temos aí São João de Pirabas. É um trabalho conjunto com a FUNABEM
e con1 a LBA. As crianças desenvolvem atividades em uma colônia agrícola,
onde há suinocultura, horticultura e outras atividades. Aí o trabalho é feito
com o centro comunitário, que o desenvolve com a criança e o adolescente.
Podemos ver que a horta produziu aproximadamente quatro toneladas
de pimentão, duas toneladas de pepino e outras hortaliças. Essa atividade
é desenvolvida com a comunidade, que a coordena e dirige. Estamos lá subsi-
diando, fazendo com que ela cresça, mas sem tirar a coordenação da c6mu-
nidade.
Gostaríamos também de enfatizar que os recursos recebidos pela Funda-
ção do Bem-Estar Social do Pará são oriundos do Estado, da FUNABEM
e da LBA.
Estamos aqui falando também em nome das Presidentes de FEBEM.
Nos dias 18 e 19 deste mês estivemos reunidos em Brasflia num fórum
de discussões e falamos sobre as questões do financiamento, a nível federal,
para as instituições. Nós somos as instituições que estão na ponta de lança.
Quanto aos recursos, gostaria de perguntar ao Sr. Ministro do Interior,
por que os recursos de 1989 ainda não chegaram às nossas unidades? Nossas
crianças estão lá esperando. Parece que estamos de pires na mão, pedindo
pelo amor de Deus, quando, na realidade, nossas crianças têm direito a esses
recursos. (Palmas.)
Acompanhamos a Prof• Marina Bandeira, sabendo do esforço que tem
feito para encontrar um fundo que, na realidade, não tem dinheiro algum.

95
Até hoje náo foi repassado qualquer recurso para a FBESP e já estamos
iniciando o mês de julho. Como nós, estáo todas as instituições que trabalham
com órgáo federal.
Expresso nossa indignaçáo diante de um Ministro que náo tem sensibi-
lidade para a questão do menor. (Palmas.)
Gostaríamos de falar um pouco sobre a política de descentralizaçáo,
entrando direta1nente no nosso tema.
A descentralizaçáo, na nossa proposta, significa dividir poderes e náo
repassar ações. Por isso, acreditamos na descentralização que, repito, na nossa
proposta, chamamos de municipalização. Isso está previsto no art. 204, inciso
II, do texto constitucional. Por isso, estamos procurando viabilizar essa pro-
posta. De que forma? Fortalecendo os municípios. Como se efetiva a descentra-
lização? Estamos presentes nos municípios discutindo de forma democrática
o texto constitucional, no primeiro momento - art. 204, incisos I e II.
Discutiremos não apenas nas prefeituras, mas também com nosso pessoal
de apoio e nossos técnicos. Interpretamos com as prefeituras nossa proposta
de assistência social devida por direito de cidadania e seus pressupostos meto-
dológicos. Levamos a proposta não apenas aos municípios mas também às
comunidades, viabilizando a questão da responsabilidade das partes.
Hoje os municípios já assumem alguma atribuição da assistência social,
e, com o nosso vaivém da discussão democrática, surgiram convênios não
apenas para passar ações mas, realmente, para dividir poderes, repassando
recursos financeiros, respaldo, supervisão de qualidade e assessoramento. Isso
significa que estaremos nos municípios, capacitando técnicos e pessoal local
para desenvolver sua assistência social.
Acreditamos que este seja um passo importante para viabilização da
nossa proposta, visto que os compromissos mútuos fazem com que dividamos
responsabilidades. O apoio à supervisão de qualidade dá-se, atualmente, a
partir da nossa entrada nos municípios, capacitando todo o pessoal para prestar
assistência social. Com isso, os municípios, hoje, já se estruturam para prestar
sua própria assistência social.
Sobre a descentralização comunitária, a FBESP adota uma linha de traba-
lho com a comunidade no sentido da co-gestão dos serviços, sem contudo,
transferir obrigações inerentes ao Estado.
Temos, a exemplo disso, as creches domiciliares, que eram desenvolvidas
em Belém. Sabemos q11e as creches comunitárias, no Sul do País, tinham
outra estrutura, mas em Belém a pobreza é bem mais desumana. Estamos
passando esse serviço para a Federação dos Centros Comunitários, pois serão
as geradoras das creches comunitárias. Nesse sentido, a comunidade passa
a gerir seu próprio serviço.
Deixamos aqui a contribuição da nossa proposta que está ein execução,
lembrando sempre uma frase de Eagle: "Quem não põe as mãos na massa
não suja as mãos, e quem não suja as mãos é preferível não tê-las". (Palmas.)

96
A SRA. MARINA BANDEIRA DE CARVALHO
Expositora

Sr. Presidente, em primeiro lugar, agradeço a todos pela oportunidade


que me é. dada para esclarecer o que foi mencionado por Adelayde Júlia
de Lima Soares, Presidente da FBESP, relativamente a recursos.
Aproveito a oportunidade para deixar claro perante todos que não tenho
qualquer vinculação político-partidária.
A partir de meados de janeiro, a FUNABEM, a LBA e demais órgãos
passaram a receber seus recursos não mais da Previdência Social, mas da
Secretaria do Tesouro Nacional. Suponho que compreenda1n que se tratou
de um grande esforço de adaptação para toea uma nova contabilidade, pois
passou-se a trabalhar com ter1ninais de outras entidades que ainda -q.ão estavam
ligadas à FUNABEM nem, suponho, à LBA. Esse foi um fator de atraso,
de ·n1ais ou menos quinze dias, mas foi possível treinar o pessoal para utilizar
os tern1inais e toda a nova siste1nática.
O problema gravíssimo, da FUNABEM e da LBA, é que o orçamento
provém de uma fonte chamada 051. Isso significa quç os recursos da FUNA-
BEM e dos dcinais órf,ãos oriundos dessa fonte sáo provenientes do vulgar-
n1cnte conhecido hnposto sobre Lucro Extraordinário.
Ora, os recursos estabelecidos pela lei referente a esse imposto, aprovada
no final de dezembro, ainda não começaram a entrar nos cofres da fonte
051. O núrnero 2 está sendo questionado na justiça. Te1n, siin, a FUNABEM,
através de sua direção, feito gestões constantes e recebido a melhor atenção
da Secretaria do Tesouro Nacional, preocupada com o problema. Até agora,
que seja do meu conhecimento, desta fonte 051 saiu para a FUNABEM exata-
mente zero. No 1nomcnto, estamos vivendo - a FUNABEM - dos recursos
que estão sendo repassados. Depois desse atraso, que levou mais ou menos
um 1nês, entre adaptar o pessoal para un1a nova contabilidade, aprender
a usar o novo terminal e remeter os recursos, tivc1nos outro problema gravís-
simo, que foi a greve de 21 dias do Banco do Brasil. Acredito, que os recursos
para a FBESP são aqueles que devem estar saindo agora, também por causa
da greve do Banco do Brasil. ·
Quais são, afinal, os recursos de que dispõe no n101nento a FUNABEM?
São recursos que estão sendo obtidos pelo Ministro do Interior, Sr. João
Alves, dentro do próprio Ministério, de reservas de projetos que aguardam
posterior reembolso. Portanto, não me sinto no direito - por conhecer deta-
lhes, ~\ver e sofrer este problema - de criticar o Ministro João Alves. Creio
que a responsabilidade é mais ampla. Quem fez o orçamento? Quem pôs
as entidades nesta fonte que não tem nada? Creio que é uma responsabilidade
maior de toda uma sociedade e um exemplo típico da necessidade de que

97
1.,.
1.1

todos temos que trabalhar juntos, com maior seriedade, na hora da distribuição
de verbas.
Muito obrigada. (Palmas.)

O SR. NELSON PROENÇA


Expositor

Deputado Geraldo Alckmin Filho, que preside esta Mesa, Deputada


Maria de Lourdes Abadia, Coordenadora deste Simpósio, Srs. Parlamentares
aqui presentes, meus companheiros de Mesa, membros deste Simpósio, senho-
ras e senhores. Acredito que a melhor forma de falarmos sobre o que estamos
fazendo e o que pretendemos fazer nesta ligação que se estabelece entre
o Governo Federal e a sociedade organizada através de programas de ação
comunitária, que visam a executar melhorias na condição de vida das popula-
ções mais carentes, seja expormos, de forma clara, direta e a mais objetiva
possível, os programas que executamos na SEHAC.
Antes de entrarmos diretamente na descrição destes programas, na sua
exposição do ponto de vista prático, gostaríamos de fazer algumas conside-
raçócs a respeito da SEHAC e da sua criação.
A SEHAC foi criada há quatro anos, em julho de 1985. Vivia-se no Brasil
um momento interessante, um momento historicamente diferenciado. Come~
çavam a ser organizadas no Brasil as comunidades e a sociedade, depois
de um longo período em que havia muitas dificuldades para que isso ocorresse.
Por outro lado, havia um desejo grande de se começar a corrigir, com o
início do Governo do Presidente Sarney, algumas distorções existentes na
execução de programas sociais.
Essas distorções eram claramente visíveis, e muitas delas eram apontadas
em alguns relatórios que recebemos, à época, de organismos internacionais
que tinham a finalidade de fazer convênios com o Governo brasileiro para
aportar recursos para programas sociais no Brasil. A maior parte dessas irregu-
laridades e dificuldades, obstáculos ao bom andamento dos programas sociais
no Brasil, dizia respeito à pouca visibilidade que havia na execução dos progra-
mas sociais no Brasil, que eram feitos com recursos oriundos de agentes
financeiros internacionais. Havia uma crítica severa por parte da maioria desses
agentes financeiros internacionais-falo do Banco Mundial e de outros agentes
de cooperação internacional para programas sociais - de que no Brasil os
programas sociais eram pouco visíveis e não tinham padrões de mensuração
de eficiência compatíveis com as exigências desses organismos. Havia ainda
uma crítica muito severa pelo fato de que, no Brasil, se gastava grande parcela
dos recursos aportados na atividade-meio, nas atividades administrativas.
Alguns programas sociais no Brasil, segundo este relatório, chegavam
a consumir 50, 60, às vezes até 70% do seu orçamento em atividades-meio.

98
Havia alguns recordes. Lembro-me bem de um programa de amparo ao menor
abandonado que chegava a consumir mais de 80% de seus recursos em ativida-
des administrativas. E existiam várias razões para isto. A primeira delas é
que a situação era de absoluta desconfiança do Governo na sociedade civil.
Por outro lado, havia a contrapartida de desconfiança da sociedade no Gover-
no. Não· havendo esta parceria, esta confiança mútua, o Governo criaxa de-
graus intermediários cm sua burocracia para poder administrar, ele próprio,
os programas sociais. Criava mecanismos burocráticos complicados de fiscali-
zação e, principalmente, fazia com que o recurso público, alocado a esses
programas, passasse por uma série longa de degraus intermediários na buro-
cracia até que chegasse, finalmente, à periferia da sociedade, às pessoas às
quais era destinado.
Esse rolar do recurso público, todos sabemos, é a forma mais fácil de
se fazer com que ele seja, aos poucos, consumido.
Estes eram os problemas e obstáculos que precisavam ser superados,
na medida em que tencionávamos criar um organismo que tivesse agilidade,
que pudesse ser desburocratizado e pudesse, principalmente, executar progra·
mas sociais de forma mais eficiente e, Ílnaginávamos, co1npetente no Brasil.
A primeira idéia que nos ocorreu foi a de usarmos, em benefício da
execução desses programas, em benefício da própria sociedade, a imensa
vontade de participação que havia naquele momento em toda a sociedade
brasileira. A sociedade começava a se organizar e desejava participar. Achá-
vamos que haveria um grande potencial no estabelecimento de uma ligação
direta entre o Governo Federal e a sociedade civil organizada. Achávamos
que poderíamos superar alguns dos obstáculos apontados anteriormente atra-
vés dessa parceria. Achávamos que essa parceria poderia, por exemplo, trazer
a desejada descentralização das definições e da execução dos programas sociais.
Achávamos que poderíamos obter a democratização desses programas, na
medida em que déssemos aos segmentos organizados da sociedade, principal-
mente aos extratos mais carentes, aqueles para os quais se destinam os progra·
mas sociais - já que estes mesmos extratos começavam a se organizar -
o direito de decidirem a forma como o Governo iria gastar o recurso em
benefício deles próprios.
É importante considerar aqui uma observação feita pela Dr' Marina Soa-
res, de que o Governo - parece uma banalidade, mas é preciso termos
isso em mente-não cria recursos; ele é sempre mero transferidor de recursos.
O Governo tira recursos da sociedade e os devolve para a sociedade com
a intenção de corrigir desigualdades. Não há nada mais democrático, portanto,
que deixar a própria sociedade, principalmente aquela que mais necessita
de recurso público - a fim de que sejam corrigidos os contrastes sociais
- decidir e opinar sobre a forma como esses recursos devam ser gastos
com ela. Agindo desta maneira, obteríamos a participação da sociedade organi-
zada e, obtendo a participação da sociedade, teríamos um segundo produto

99
extremamente importante: conseguiría1nos alavancar o recurso público, que
é se1npre escasso, usando a capacidade de rnultiplicação de recursos existentes
na sociedade organizada.
A primeira tarefa que na época nos propusemos a fazer foi avaliar a
extensão da organização que havia na sociedade, que não era medida em
lugar nenhum, arquivada ou arn1azenada. Essa informação era difícil de se
obter. Descobrimos que havia literalmente dezenas de milhares de institui-
ções no Brasil, organizadas pelas próprias comunidades, que se destinavam,
de uma maneira ou de outra, a trabalhar em benefício da melhoria da qualidade
de vida das populações carentes. Eram dezenas de milhares de instituições,
como as associações de 1noradores, as associações de n1oradores de favelas,
instituições beneficentes, religiosas e clubes de serviços, que não fazem, e
nunca fizeram, até hoje, qualquer tipo de discrüninação. Os clubes de serviços,
as instituições como a Maçonaria, e as escolas de samba no Rio de Janeiro,
destinam-se também a fazer algum tipo de apoio comunitário e trabalhos
sociais.
Uma vez avaliado esse universo, propusemo-nos a criar u1na estrutura
burocrática que fosse ágil, que se pudesse n1anter leve e tivesse a possibilidade
de estabelecer co1n rapidez uma parceria co1n esses segmentos que tínhamos
encontrado organizados na sociedade. Criamos u1n programa nacional de
ação co1nunitária, que tinha a finalidade de apoiar a iniciativa da comunidade,
entregar recursos de for1na pulverizada a instituições da comunidade, de manei-
ra a apoiar iniciativas delas próprias. Por exemplo, queríamos apoiar a reforma,
a construção, o equipa1nento de creches, de postos médicos e odontológicos,
a criação e a construção de centros comunitários, pequenas obras de sanea-
1nento, que eram organizadas e realizadas em mutirão pela própria comuni-
dade, a canalização de esgotos, a extensão de u1na rede de água, o calçamento
de uma rua, bibliotecas comunitárias, patrulhas 1nccanizadas, organizadas
por pequenos proprietários rurais. Enfim, Iiterahnente são mais de vinte tipos
diferentes de projetos apoiados pela Secretaria Especial de Habitação e Ação
Comunitária.
Umtl outra deter1ninação que tínhamos à época, e que faze1nos questão
de cumprir até hoje, era a de pulverizar os recursos. Às Vezes so1nos criticados
por pessoas que nos dize1n uue virarn un1a creche feita co1n recursos da SEHAC
1
e, nela, as crianças dor1nia1n no.chão, sobre colchões, porque não havia
1, ca1nas. Achamos que no Brasil é preciso que a realidade social seja encarada
de frente e que se façam concessões a ela, por ser 1nais justo e democrático
do que se destinar determinada quantia para a construção de uma creche
condignamente aparelhada, co1n todos os recursos, onde as crianças sejam
perfeitamente bem tratadas e atendidas de forma exemplar. Esperamos que
um dia, todas as crianças brasileiras que precisam de creches sejam atendidas,
mas o que acontece é que se termina consu1nindo a maior parcela de recursos
para atender apenas a 2, 3, 4, 5, 10% das crianças que necessitam de creches.
e:
'
100
f
'í1

1:
Achamos que é inais condizente con1 a realidade social do Brasil pulverizarmos
esses recursos. E1n vez de destinannos 100, 200 milhões para a construção
de u1na única creche, entrega1nos 10 milhões a dez creches 1nantidas pela
comunidade, onde, é verdade, as crianças, às vezes, dorn1em cn1 colchões
no chão, as janelas não têm vidros, mas ta1npõcs de madeira. Mas, dessa
1naneira·i estaremos dando oportunidade para que todas as crianças em idade
de estarem em creches tenham acesso a elas.
Há alguns números que podemos, hoje, contabilizar. Esses pequenos
projetos que acabamos de descrever so1narn unia contabilidade-que considc-
ra111os cxtren1a1nente vantajosa à SEHAC, pois o nún1ero desses pequenos proje-
tos chega perto de 50 1nil e1n praticamente todos os Municípios brasileiros.
Tivemos de incorporar, também, ao longo do processo, a participação da
administração municipal. Chegamos à conclusão de que a participação da
administração municipal é fundamental e que a figura do Prefeito é importante,
porque é sen1pre ela a instituição governa1nental que está 1nais próxima do
cidadão necessitado.
É simples entender isso. Lembro-1ne de certa vez, quando fui a um con-
gresso de prefeitos no Recife falar sobre mortalidade infantil. À época, estáva-
mos implantando o Programa Nacional do Leite, e u1n prefeito saiu com
u1na história que nos fez ter a hun1ildadc de rever o nosso procedünento
e a nossa metodologia de ünplantação. E1n deter1ninado mo1nento, o referido
prefeito disse que gostaria de me lembrar que, quando falava cm mortalidade
infantil, estava n1e referindo a u1n número, a urna estatística; inas, para eles,
que eram prefeitos da Zona da Mata de Pernambuco, a mortalidade infantil
tinha nome e rosto- era urna mãe que batia à porta do prefeito, de-madrugada,
pedindo ajuda, porque a Prefeitura é a primeira e a última instância, principal-
1nente nessas localidades mais isoladas) mais carentes e mais pobres. Então,
achávamos que juntar o esforço da administração municipal e a figura do
prefeito a esse grande esforço era fundamental. E temos feito isso. Os nossos
convênios englobam, além da instituição comunitária que irá receber o recurso,
também a Prefeitura. Como disse, somamos hoje perto de 50 mil desses
projetos em mais de 4 mil municípios brasileiros.
No final de 1985, recebemos do Presidente José Sarney a incumbência
de montarmos um programa de suplementação alimentar infantil. Reporto-me
agora àqueles relatórios e àquelas informações, principahnente do Banco Mun-
dial, que recebíamos à época da criação da SEHAC, que nos apontavam a
grande dificuldade que o Governo brasileiro tinha em ad1ninistrar programas
sociais de forn1a eficiente e barata. Esse quadro era particularmente cruel
no que dizia respeito a programas de assistência à infância. Havia nú1neros
ainda mais gritantes do ponto de vista de gastos com atividades-meio e com
atividades administrativas. Desde o início, quisemos inontar u1n programa
que pudesse, em primeiro lugar, usar estruturas já existentes, de maneira
que não precisássemos usar novas; em segulldo lugar, dado que seria urr1

101
programa de suplementação alimentar infantil - e é impossível se retirar
toda a característica de assistencialismo existente em programas dessa natureza
- queríamos, pelo menos, fazer com que esse programa se transformasse,
também, num instrumento de transformação da sociedade, de credenciamento
e de fortalecimento da organização comunitária que começava a surgir, é
bom que se lembre, nos extratos inferiores da nossa sociedade.
Por isso, criamos um programa, em que procuramos não reinventar nada.
O programa se baseia em mecanismos de distribuição já existentes. Se há
milhões de pontos de vendas de leite no Brasil - mercearias, supermercados,
vendas etc. - por que não usar essa estrutura de distribuição já existente?
Seguramente, eles seriam capazes de fazer o leite chegar até seus beneficiados
de forma mais competente e eficiente do que o Governo seria capaz de fazer.
Se havia um mecanismo de formação e de fortalecimento de instituições da
própria comunidade, por que não lhes entregar o direito de administrar o
programa e de escolher as pessoas necessitadas? Achávamos que, assim, esta-
ríamos agindo com muito mais justiça.
É fácil concluirmos que a comunidade organizada é muito mais compe-
tente e age com muito mais justiça no momento em que tem de escolher,
entre os necessitados, aqueles que mais necessitam do benefício do programa,
que, por ter recursos escassos, não pode atender a todo o mundo.
Com esses preceitos, dentro dessa metodologia, nasceu o Programa Nacio-
nal do Leite, que, segundo a UNICEF, é provavelmente o maior programa
de suplementação alimentar de todo o mundo, pois chega a mais de 7 milhões,
620 mil crianças em todo o Brasil, diariamente, sendo completamente adminis-
trado por instituições da própria comunidade, hoje, em número de 26 mil,
duzentas e poucas entidades, conveniadas com a Sehac. Na sua esmagadora
maioria, por volta de 70%, são associações de moradores de favelas e da
periferia das grandes cidades. A eles é que cabe a tarefa de escolher as
pessoas necessitadas, as crianças mais necessitadas entre os necessitados, e
fazer o benefício do programa chegar até essas famílias.
Com a criação do Programa Nacional do Leite, na verdade, conseguimos
abrir um grande espaço uas comunidades organizadas de todo o Brasil. É
fácil imaginarmos, entre cerca de 26 mil e 200 instituições conveniadas conosco,
a quantidade de pessoas que trabalham voluntariamente pelo programa e
o espaço que se criou, na medida em que uma das exigências do programa
é que os tíquetcs que dão direito ao benefício sejam entregues em reuniões
co1nunitárias. Descobrimos que, obrigando as instituições a entregarem os
tíquetes para as mães, conseguimos reduzir, às vezes substancialmente, o
percentual de fraudes e desvios do programa. Então, uma das exigências
do programa é que os tíquetes sejam entregues sempre em reuniões comuni-
tárias, que acontecem uma vez por mês. Essas reuniões são coinpulsórias,
mas, na verdade, abrem um grande espaço na comunidade. E nós, desde
o início, queríamos aproveitar esse espaço, principalmente considerando aque-

102
le fator a que me referi no início, quer dizer, queríamos usar as características
assistencialista e paternalista existentes no programa como u1n instrumento
de organização da comunidade, da sociedade. Queríamos aproveitar esse espa-
ço. E começamos, fazendo parcerias com técnicos do Ministério da Saúde,
levando mensagens educacionais para essas milhares de reuniões que aconteM
cem todoS os meses no Brasil.
Mais tarde, fize1nos um convênio co1n a UNICEF e, através dele, nasceu
um projeto hoje já implantado em muitas capitais brasileiras, que se chama
"Cresça Criança". Esse projeto tem como finalidade levar uma mensagem
para essas mães que se reúnem no Brasil inteiro todos os meses, mostrando
a importância e a necessidade de se manter a amamentação materna pelo
menos até os seis meses de idade, a importância da vacinação infantil, os
cuidados que se devem ter durante o período de inverno com as doenças
respiratórias, os cuidados que se devem ter permanentemente com o risco
da desidratação.
A partir daí, nasceu a idéia de se fazer um treinamento das lideranças
comunitárias, de maneira que elas próprias pudessem fazer a avaliação clínica
das crianças que estavam incluídas no Programa Nacional do Leite. Fizemos,
com a ajuda da UNICEF, o treinamento dessas crianças. E a própria UNICEF
está entregando balanças às lideranças comunitárias, para que as crianças
sejam mensalmente pesadas, a fim de que se possa estabelecer, através daquele
cartão com a curva de evolução de peso das crianças, o estado nutricional
das mesmas.
Não temos a pretensão de achar que o Programa Nacional do Leite
resolve o problema de nutrição infantil. Sabemos que isso não acontece.
Achamos que ele pode ser um elemento importante de suplementação de
proteínas. Mas achamos, principalmente, que as características de implantação
e de execução do programa podem e devem ajudar não só no desenvolvimento
organizacional das comunidades onde o programa está implantado, mas tam-
bém no crescimento do nível de qualidade de vida das mães e das crianças
que estão participando do programa. Isso tem acontecido. Através desse proje-
l to, fazemos, junto com a UNICEF, a avaliação do desempenho de peso
das crianças e usamos o programa co1no uma espécie de termômetro.
1 A partir do programa, podemos fazer diagnósticos de situação de nutrição
de alguns bairros, de algumas favelas, de algumas comunidades específicas.
1 E quando se constatam, por exemplo, situações de desnutrição mais grave,
i podemos entrar com programas suplementares, através do Ministério da Saú-
de, das Secretarias Estaduais e Municipais de Saúde. Podemos fazer com
1
1. que as comunidades, às vezes, apresentem à SEHAC projetos que tenham a
1 finalidade de melhorar o seu nível de renda. E temos recebido centenas de
projetos que nascem desse programa. São projetos simples de lavanderias
comunitárias, de fabricação de sabão feito pela própria comunidade, de fabri-
cação de velas e até um projeto que veio do Recife, que nós já aprovamos,

103
de fabricação de caixões mortuários, feitos pela própria comunidade. Todos
eles têm a finalidade de aumentar os níveis de renda da população.
Podemos tarnbén1 apoiar outras iniciativas da comunidade que têm como
primeira finalidade melhorar a qualidade de vida das pessoas. São projetos
de saneamento que podc1n ser executados pelas prefeituras e, em mutirão,
pelas comunidades, com recursos da Secretaria Especial de Habitação e Ação
Comunitária. E, principalmente, temos a possibilidade - e é importante
que se repita aqui - de levar complementos educacionais a essas pessoas.
Segundo a Unicef, morrem por ano no Brasil cerca de 300 mil crianças
antes de completarem um ano de vida. Segundo também a Unicef, a causa
fundamental da mortalidade infantil no Brasil ainda é a desidratação infantil,
quando sabemos que a desidratação infantil pode ser remediada com o uso
do soro caseiro. A maior parte dessas crianças morre por descuido, pois
o soro caseiro pode ser obtido com a simples mistura de água, sal e açúcar.
Conseqüente1TJcnte, chega-se à conclusão, a mes1na da Unicef, de que prova-
velmente a maior parte dessas crianças morre por ignorância, por desconhe-
cünento do mecanismo do soro caseiro. Então, achamos que essa possibilidade
e esse espaço que se criou na con1unidade podem ser usados para isso também.

Temos diagnosticado alguns atos interessantes. Encontramos, por exem-


plo, algumas comunidades, cm Recife, onde 80% das crianças avaliadas não
era1n vacinadas. Não tinhan1 nenhum tipo de vacinação infantil. Isso ocorre
em Recife, capital. Encontramos algumas comunidades em Porto Alegre,
Estado onde as coisas às vezes acontecem com mais facilidade, onde 50%
das crianças com n1enos de seis n1eses de idade não eram mais amamentadas
pelas mães.
Essas distorções podem ser corrigidas com o uso do espaço que se criou
com o Programa Nacional do Leite. Esse espaço foi responsável também
por uma aproximação grande que se deu entre a SEHAC e instituições organi-
zadas das comunidades que habitam a periferia das grandes cidades brasileiras.
Provavelmente, esteja na SEHAC hoje, por força disso e por nenhuma outra
razão, a maior armazenage1n de conhecimentos que se tem sobre a organização
comunitária das favelas e a organização social das favelas brasileiras. E nós
- aqui vale a pena que se fale um pouco sobre isso - chegamos a algumas
conclusões, a partir desses conhecimentos, que são impressionantes.
Vou misturar informações com algumas conclusões nossas. Há, hoje,
no Brasil, por volta de 15 milhões de brasileiros que moram em favelas.
E nós estamos aqui considerando favelas só aquelas estruturadas, aquelas
mais antigas, aquelas organizadas. Não incluhnos as invasões 1nais recentes
das cidades brasileiras. Algumas dessas grandes favelas têm uma estrutura
comunitária que chega a ser, às vezes, sofisticada, estrutura que, em muitas
e muitas situações, foi criada pela própria comunidade com a finalidade de
se sub_stituir a ausência do Estado.

104

i~I
Ili
.1
Cito aqui alguns casos para os senhores. Algumas favelas do Rio de
Janeiro têm um sistema de coleta de lixo organizado, conduzido e executado
·pela própria comunidade. Há um exemplo que eu gostaria de salientar entre
os demais. Quem for do Rio de Janeiro, pode até se lembrar disso. O Morro
do Boréu, no Rio, tem um sistema de coleta de lixo que usa pequenos tratores
com reboque, e a própria comunidade opera os mesmos, levando o lixo para
o pé do morro, porque a Comlurb, Companhia Municipal de Coleta de Lixo
do Rio, não sobe o morro para colher o lixo. Então, eles colocam o lixo
em containers ao pé do morro, de onde a Comlurb o retira.
Há algumas favelas no Rio de Janeiro onde a organização social é tão
própria e diferenciada - qne começa no pé do morro e se estabelece no
resto da cidade do Rio de Janeiro - que chegam a ter, por exemplo, mão
de trânsito ao contrário. No Morro do Formiga, no Rio de Janeiro, a mão
de trânsito é inglesa. As pessoas sobem pelo lado esquerdo e descem pelo
lado esquerdo. A primeira vez que eu subi, levei um susto. A razão que
eles alegam para isso é que, como as rampas são muito íngrenes e sinuosas,
fica mais fácil para quem sobe subir pelo lado esquerdo. E não resta outra
alternativa a quem desce a não ser descer também pelo lado esquerdo. A
mão de trânsito é diversa da do resto da cidade. Esses são exemplos -
eu diria assim - mais gritantes e até mais chocantes, mas são importantes,
na medida em que podem diagnosticar com clareza a situação em que vivem
milhões de brasileiros nas grandes cidades.
Referi-me ao Rio de Janeiro, mas esse exemplo também serve para outras
capitais. E uma das primeiras conclusões a que se chega, quando se tem
esse nível de conhecimento, é a de que é impossívvel se pensar em re1nover,
pelo menos a curto e a médio prazos, as grandes e consolidadas favelas brasi-
leiras. É impossível se pensar em remover uma favela como a Rocinha, que
tem quase 300 mil habitantes, como a de Iliópolis e a de Vila Prudente,
em São Paulo, como a de Santo Amaro, no Recife, ou como a do Morro
da Cruz, na minha cidade, Porto Alegre.
Achamos que deve haver um papel de complementariedade por parte
do Estado. O papel que a Secretaria Especial de Habitação e Ação Comunitária
tem procurado exercer com essas comunidades é o de complementariedade.
Nós procuramos apoiar iniciativas da comunidade. Isso pode parecer banal
a V. Ex"5, mas nem sempre é entendido com muita clareza pela burocracia
oficial.
Dou a V. Ex~s um exemplo do que costumamos, na Sehac, chamar de
miopia burocrática. Certa vez, visitando o Morro do Formiga, no Rio -
havia rolado uma pedra e alguns barracos desabaram -, vi, de repente, na
parte superior do morro, uma casa co1n uma torneira do lado de fora. Fui
até lá e abri a torneira; saiu dela um filete de água. Olhei em volta e vi
que todas as outras casas vizinhas possuíam torneiras e água. Perguntei ao
presidente da associação de moradores como podiam ter água lá em cima;
ele dispós-se a me mostrar. Levou-me, através de bananeiras e mato, ao

105
cume do morro, onde havia uma nascente. Usaram mangueiras de plástico
preto e foram descendo o morro e distribuindo água por gravidade. Quando
elogiei a comunidade pela iniciativa, que achei criativa, o presidente da associa-
ção & moradores contou que haviam tido muitos problemas com a companhia
de água do Rio de Janeiro, que volta e meia queria desligar o sistema, alegando
que aquela água não era tratada, e, portanto, a comunidade não poderia
utilizá-la.
Esse exemplo pode parecer chocante, ou uma exceção, mas serve com
clareza para entendermos que o papel que deve caber ao Estado, neste momen-
to, pelo menos, é o de ocupar um espaço que vem sendo ocupado por outras
organizações, mais competentes, para fazer esse trabaho: no Rio de Janeiro,
pelo crime organizado; em outras cidades, por instituições da própria comuw
nidade.
Temos procurado agir cumprindo esse papel complementar de apoio às
iniciativas comunitárias, que são, às vezes, muito competentes. Quando houve
aquela enxurrada, no Rio, há dois anos, que derrubou barracos, o primeiro
socorro aos flagelados do Morro da Mangueira foi fornecido pelas próprias
instituições da comunidade. Quem abrigou e alimentou as pessoas que perde-
ram suas casas e lhes deu agasalho foram as associações de moradores da
Mangueira e a própria escola de samba.
É esse papel complementar que, pelo menos, neste momento, estamos
procurando executar. De que forma? Criamos um programa de apoio à comu-
nidade dos favelados que tem essa iniciativa. Esse programa começa com
uma votação que se faz nas favelas. As pessoas são chamadas a opinar sobre
o que consideram mais importante em termos de serviços sociais e comunitários
e em termos de serviços de infra-estrutura. É realmente uma votação, com
cédula, e as pessoas decidem se preferem ter um centro comunitário, um
posto médico, um gabinete odontológico, uma creche, uma lavanderia comu-
nitária ou coisa parecida; no outro lado, no verso_ da cédula, se consideram
mais importantes a infra-estrutura de esgoto, de água, de contenção de encos-
tas etc. Estamos, agora, começando essa votação.
Isso foi feito ao longo do segundo semestre do ano passado e no início
deste, e estamos agora começando a implantar, com o apoio das comunidades,
esses programas.
É um programa simples. As estruturas que irão conter os serviços sociais
e comunitários são pré-fabricadas. Muitas delas já são visíveis nas grandes
cidades brasileiras, e esses serviços de infra-estrutura são aqueles mais neces-
sários e passíveis de serem feitos com os recursos que temos. Além disso,
temos uma responsabilidade adicional que começou há dois meses, a de execu-
tar programas e formular políticas habitacionais para a população de baixa
renda.
Aliás, o quadro de favelas dá um diagnóstico claro do problema habita-
cional brasileiro. Estima-se que hoje exista, no Brasil, um deficit habitacional
de dez milhões de unidades, e - o que é mais grave e talvez seja o grande
nó cego da questão habitacional no Brasil - cerca de 70% desse deficit
está concentrado em famílias que têm renda de até três salários mínimos.
Achamos. que não há solução para o problema habitacional brasileiro,
pelo menos nessa faixa de renda, sem passar pelo subsídio governamental.
Esta é uma postura que precisa ser corajosamente encarada de frente pela
sociedade brasileira. Às vezes, as pessoas nos dizem que temos muita coragem,
quando todo o mundo fala em acabar com o subsídio, em conter deficit,
em conter os gastos públicos, por dizermos. que não há solução para isso.
Não há. No mundo inteiro a habitação social, a habitação para a faixa popula-
cional de baixa renda, é subsidiada pela sociedade. No Brasil não poderá
ser diferente. Não vamos resolver o probelma da habitação no Brasil, pelo
menos o da população que compõe o grosso do deficit, se não houver uma
política oficial de subsídios. A sociedade brasileira inteira precisa entender
que deve, através do Governo, subsidiar a habitação popular. Achamos que
a f~rma mais prática, mais objetiva e racional de conceder esse subsídio
é através de programas de autoconstrução, programas de mutirão, e é assim
que temos agido.
Em 1988, executamos um programa de mutirões habitacionais que se
estendeu a mais de 1.500 municípios brasileiros. Para ser preciso, foram 1.502
municípios. É um programa de muita simplicidade. As prefeituras, ou, às
vezes, os governos estaduais, entram com as áreas de terra e com a infra-es-
trutura. Mais uma vez: a infra-estrutura é a condizente com a realidade social,
é a que é possível de se obter fazendo a concessão à realidade social do
Brasil. O modelo e as plantas das casas são definidos pela própria prefeitura
e pelas comunidades. Variam de 25 a 35m 1 . Casas simples. A maior parte
delas não tem revestimento interno nem externo. Algumas não têm divisões
internas, algumas não têm vidros nas janelas. São as casas possíveis de ser
feitas, considerando-se nossa realidade. Pelo menos as pessoas vão morar
em alguma coisa que é sua, nutn local razoavelmente saneado.
Através desse programa, conseguimos iniciar a construção, que está sendo
concluída agora, em 1989, de 1.431 casas populares em 1.502 municípios
brasileiros. O número pode parecer pequeno quando o comparamos com
o deficit habitacional, mas é razoável quando o comparamos com o que foi
feito no Brasil até agora. Em dezenove anos de existência, o Banco Nacional
de Habitação construiu pouco mais de um milhão e duzentas mil casas popu-
lares e terminou, como a gente sabe, sendo a solução do problema habitacional
da classe média e das classes de renda mais alta no Brasil, assim como a
solução dos problemas das construtoras.
No nosso programa, as pessoas ajudam na construção das casas, que
chegam a ser quatro, cinco, seis e até sete vezes mais baratas do que as
construídas pelos métodos convencionais, por várias razões: em primeiro lugar,
porque são mais simples; em segundo lugar, e mais importante, porque são
feitas por administração direta - o prefeito ajuda, as pessoas trabalham

107
- e, em terceiro lugar, principalmente por isto, o modelo da casa leva e1n
conta tradições culturais da região, tradições de edificação. No Norte do
Brasil, as casas estão sendo feitas de inadeira, assiln como no Sul, porque
há uma tradição de edificação de casas de madeira. Em alguns lugares fazem-se
casas de tijolos. Em São Paulo, casas de bloquetcs de concreto. Em Pernam-
buco, estão-se fazendo casas usando técnicas de mistura de terra com cal.
Ou seja: o segredo é justamente o fato de que, descentralizando-se, as pessoas
terminam encontrando soluções mais econôm_icas e bem mais baratas.
Anunciamos há vinte dias dois programas novos de habitação para o
ano de 1989. Um deles é o voltado para as grandes cidades brasileiras.
A maior dificuldade que encontramos para implantar o programa do
ano passado nas cidades grandes e nas capitais foi o fato de as prefeituras,
normalmente, não terem recursos para fazer a infra-estrutura que deveria
ser a contrapartida fornecida pelo município.
Portanto, este ano estamos inovando. Em vez de casas, nas grandes
cidades brasileiras estamos construindo lotes urbanizados. Cada lote terá um
banheiro, de maneira que as pessoas, num primeiro mo1nento, podem ser
transferidas de áreas invadidas e conflitadas até co1n seus barracos. Num
pritneiro momento, as pessoas serão colocadas, com seus barracos, no fundo
dos lotes. Pelo menos estarão morando nu1na área razoavelmente saneada,
com banheiro, que é seu; e, num segundo mo1nento, poderão, pelo sistema
de autoconstrução, terminar de construir suas casas em torno desse en1brião,
que é o banheiro.
Para as cidades do interior, anunciamos há vinte dias esses programas
e estamos executando um de construção de casas populares para a zona rural.
Esse programa prevê a realização do mutirão em distritos e aglomerados
rurais no interior dos municípios. Os dois programas prevêem, até março
de 1989, a construção de 500 mil novas unidades habitacionais no Brasil.
Se somar1nos essas 500 .mil, que acreditamos conseguir fazer até março do
ano que vem, às 431 mil que estão-sendo terminadas, veremos que, ein pouco
mais de dois anos, estaremos quase chegando ao nú1nero obtido pelo· Banco
Nacional de Habitação em dezenove anos de existência.
É importante, repito, considerar que todos esses progra1nas levam en1
conta o fato de que é preciso conviver com a realidade social brasileira e
encará-la de frente, fazendo-lhe concessões. Se não é possível fazer a casa
ideal, vamos começar pelo que é possível. O que não se pode é esperar
pelo dia em que se possa fazer o ideal. Este te1n sido o nosso lema: começar
pelo possível e não esperar pelo ideal.
Em segundo lugar achamos que, talvez, o maior subproduto da execução
dos programas da Secretaria Especial de Habitação e Ação Comunitária,
através da metodologia que emprega, seja o fato de acreditarmos sinceramente
nisso.
Estamos dando uma grande contribuição à causa da organização da socie-
dade no Brasil, principalmente onde ela mais precisa ser organizada, que

108
é nos Estados mais necessitados. Na medida em que transferirmos à comuni-
dade co-responsabilidade e co-partieipação na execução de programas sociais,
estaremos credenciando o surgimento de novas lideranças e fortalecendo a
organização da sociedade na sua base.
Era o que tinha a dizer. Muito obrigado a todos pela atenção. (Palmas.)

ENCERRAMENTO

A SRA. DEPUTADA MARIA DE LOURDES ABADIA


Coordenadora-Gera!

Sr. Presidente, quero informar aos participantes que recebi uma sugestão
muito interessante. Amanhã teríamos trabalho de grupo de 14 às 17 horas
e, às 18 horas, a sessão plenária de encerramento com os eventuais enca1ninha-
1nentos.
A sugestão dada pela colega Márcia, do Paraná, é a de que poderíamos
adiantar hoje os trabalhos de grupo e amanhã, de 14 às 17 horas, trabalharíamos
nos encaminhamentos, porque não houve muito tempo para os debates e
encaminhamentos.
Terminaríamos, assim, a tarefa dos trabalhos de grupo hoje, num esforço
maior, e amanhã, às 14 horas, iniciaríamos a plenária com o enca1ninhamento
das sugestões para a elaboração da lei orgânica. O que V. S» acham da
sugestüo? (Pausa.)
Está aprovada a sugestão.
Muito obrigada.

109
MESA-REDONDA - 1°-6-89

COORDENADOR:
Deputado Nelson Seixas
TEMA:
Modernização e Gestão Democrática da Assistência Social - Tendências
e Perspectivas
EXPOSITORES:
- Orçamento e financiamento da Assistência Social - critérios para
credenciamento das instituições
Dr. Pedro Pullen Parente
- Organização e participação comunitária
Prof. Pedro Demo
-Estrutura organizacional e competências da União, estados e municí-
pios na Assistência Social
Dra. Aldaíza Sposati
- Experiência de descentralização e municipalização da Assistência So-
cial
Prof. Diogo Lordello de Mel/o
-A Igreja e a Assistência Social
Pe. Marino Bohn
- Uma proposta de sistematização do conceito e funções de Assistência
Social
Dra. Ivanisa Maria T. Martins
Dr. Paulo de Tarso Carletti

111
ABERTURA

O SR. DEPUTADO NELSON SEIXAS

Coordenador

Está aberta a reunião da Comissão de Saúde, Previdência e Assistência


Socia.l da Câmara dos Deputados.

Desejo compor a Mesa com os ilustres expositores: Dr. Pedro Pullen


Parente, da Secretaria de Planejamento, que falará sobre Orçamento e Finan-
ciamento da Assistência Social, Critérios para Credenciamento das Institui-
ções; o Prof. Pedro Demo, técnico do Iplan-Ipea, que discorrerá sobre Organi-
zação e Participação Comunitária; e a Dra. Aldaiza Sposati, Secretária das
Administrações Regionais da Prefeitura do Município de São Paulo, que abor-
dará o tema Estrutura Organizacional e Competências da União, Estados
e Municípios na Assistência Social.

Registramos ainda, a presença do Deputado Raimundo Bezerra, Presi-


dente da Comissão de Saúde, Previdência e Assistência Social, que estimulou
bastante a realização desses vários simpósios. Como se sabe, tivemos o Simpó-
sio da Saúde, o da Previdência Social e agora estamos realizando o da Assis-
tência Social, coordenado pela Sr' Deputada Maria de Lourdes Abadia.

Chamamos também, para compor a Mesa o Prof. Diogo Lordello de


Mello, Assessor Especial para Assuntos Internacionais do lbam, <que discorrerá
sobre Experiência de Descentralização e Municipalização da Assistência So-
cial; o Padre Marino Bohn, Secretário Nacional da Caritas Brasileira, que
falará sobre a Igreja e a Assistência Social; a Dra. Maria Eugênia Marcos
Rio, Secretária Nacional de Asssistência Social do Ministério da Previdência
e Assistência Social; o Dr. Paulo de Tarso Carletti, também da Secretaria
Nacional de Assistência Social do Ministério da Previdência Social; e ainda,
dessa Secretaria, a Dra. Ivanisa Maria Martins -todos falarão sobre Proposta
de Sistematização do Conceito e Funções de Assistência Social.
Vamos iniciar nossos trabalhos.
Passo a Presidência ao Sr. Deputado Raimundo Bezerra.

113
O SR. DEPUTADO RAIMUNDO BEZERRA
Presidente

Senhoras e Senhores gostaria de dar algumas notícias que acredito serem


da mais alta importância para o nosso Simpósio, como também para a questão
da seguridade social.
Com base no que nos foi dito pelos Ministros Ronaldo Costa Couto
e Jáder Barbalho, prometemos submeter à apreciação de todos, ainda neste
Simpósio, a Lei Orgânica Oficial de Saúde, a Lei Orgânica Oficial de Assis-
tência e os Planos de Custeio e Benefícios da Previdência, que, por sua vez,
o Executivo se compro1neteu a nos enviar até quarta-feira. Temos insisten-
temente cobrado, já que deveríamos tê-los recebido até o dia 5 de abril
- são mais de cinqüenta dias de atraso, apesar de os Ministros nos terem
garantido que até ontem esses documentos estariam aqui. Infelizmente, isso
não ocorreu. Fui até o Ministério da Previdência, ontem pela manhã, e tive
uma audiência um tanto demorada com o Sr. Ministro Jáder Barbalho, que
me informou que iria reunir-se com o Presidente da República e com o pessoal
da Seplan, a partir das llh 30min - o que realmente ocorreu - e que
provavelmente chegariam a urna conclusão, para que tivéssemos acesso a
esses planos que, com o projeto da Lei Orgânica, serão fundamentais para
que tenhamos condições de levar à frente nossa missão de complementar
a Carta Magna. Até o presente momento - repito-, não chegaram a esta
Casa os documentos prometidos.
Hoje, pela manhã, a Rádio Globo do Rio de Janeiro nos telefonou sobre
esse momentoso problema, preocupada especialmente com os aposentados,
que recebem com base no salário mínimo, para que não tenham prejuízo
em seus benefícios. É intenção do Governo, como se sabe, desvincular o
salário mínimo dos proventos da aposentadoria, para que sempre que aumente
o salário mínimo não haja, ao mesmo tempo, correspondência em relação
às aposentadorias. Parece que este é um dos objetivos do Governo, a fim
de que a Previdência não tenha de desembolsar uma quantia razoavelmente
elevada com os aposentados .
. Dificilmente vamos concordar com isso. A Constituição, no art. 195,
que dispõe sobre o orçamento da seguridade social, já define os recursos
que deverão ser alocados para complementar o orçamento da seguridade,
que é independente do Orçamento da União.
Estas informações que presto aos participantes, neste momento, têm
mais o objetivo de prestar contas sobre o que lhes prometi. há dois dias
}' e que, por não depender única e exclusivamente do nosso trabalho, não
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,li foi possível concretizar. Mas estamos atentos. Qualquer coisa que neste sentido
venha do Executivo, antes de tirarmos nossas conclusões definitivas em relação
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114

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à Lei Orgânica ou nos outros planos, faremos chegar aos participantes deste
Simpósio. Não tomaremos qualquer posição conclusiva sem antes comunicar
a todos os senhores aquilo que tem sido pelo menos a interpretação do Poder
Executivo.
Depois desta prestação de contas, convido para coordenar esta mesa-re-
donda o Deputado Nelson Seixas, Presidente Nacional das APAE, cuja partici-
pação tem sido muito intensa, há muitos e muitos anos, na área da assistência
social. Trata-se de _pessoa voltada para o próximo, notadamente para aquele
que precisa de uma compreensão inaior do seu semelhante. S. Ex~ deveria
ser o coordenador-geral deste Simpósio; mas, convidado também para um
congresso nacional das AP AE, marcado para o mês de julho próximo, declinou
do convite. Substituímos S. Ex• pela Sr• Deputada Maria de Lourdes Abadia,
que tem dado demonstrações da sua co1npetência, principalmente na organi-
zação e no sucesso deste Simpósio. Era preciso, porém, que este registro
fosse feito: o Deputado Nelson Seixas é reconhecido nesta Casa e no Brasil
inteiro pela sua competência e dedicação, por ser uma das pessoas que mais
se têm dedicado aos seus semelhantes, principalmente aos deficientes.
Rendo esta homenagem a S. Ex• o Sr. Deputado Nelson Seixas, e o
convido a presidir esta mesa-redonda como Coordenador.

O SR. DEPUTADO NELSON SEIXAS


Coordenador

Agradeço, bastante sensibilizado, ao nobre Deputado Raimundo Bezerra


as palavras elogiosas. Realmente, como pai de dois retardados de nível severo,
vim à Câmara dos Deputados com o objetivo maior de prestar algum serviço
para um futuro melhor dos nossos excepcionais. Agradeço a V. Ex• esta
homenagem prestada, este reconhecimento, muito gratificantes e animadores
para o nosso trabalho.
Pedimos agora ao Dr. Pedro Pullen Parente, Secretário de Orçamento
e Finanças da Secretaria de Planejamento, para que faça a sua exposição
sobre "Orçamento e Financiamento da Assistência Social, Critérios para Cre-
denciamento das Instituições".
Cada expositor tem vinte minutos.

EXPOSITORES

O SR. PEDRO PULLEN PARENTE


Expositor

Sr. Deputado Raimundo Bezerra, Presidente da Comissão de Saúde,


Previdência e Assistência Social, da Câmara dos Deputados; Deputado Nelson

115
Seixas, Coordenador deste painel; Srs. Parlamentares aqui presentes; senhoras
e senhores, gostaria, inicialmente, de agradecer a todos a oportunidade de
comparecer a este Simpósio de vital importância para a definição da legislação
complementar das áreas que compõe a seguridade social, para que possamos
trazer aqui as informações da área orçamentária do Governo Federal. O
tema que me cabe é Orçamento e Financitncnto da Assistência Social, com
uma parte de critérios para credenciamento das instituições.
Ressalto, por relevante, no que se refere a -esses critérios para credencia~
menta das instituições, que me estarei referindo às exigências sobre o ponto
de vista orçamentário.
Em primeiro lugar, desejaria partir da nova Constituição, que tem um
peso muito forte na área de seguridade social e estabelece que uma das áreas
da seguridade social é a assistência social. Assim estabelecido, teríamos como
principais objetivos da assistência social na seguridade social a uniformidade
e equivalência dos serviços prestados às populações urbanas, a descentralização
da gestão administrativa, co1n a participação da comunidade, a seletividade
e distributividade na prestação de serviços.
Especifica1nente no que se refere à assistência social, ela tem por objetivo
a proteção à família, à maternidade, à infância, à adolescência e à velhice,
o amparo às crianças e adolescentes carentes, a pro1noção da integração ao
mercado de trabalho, a habilitação e reabilitação das pessoas portadoras de
deficiência, a promoção da sua integração à vida con1unitária. Naturalmente,
V. Ex<t> conhecern o assunto profundamente. Estou nic referindo apenas para
que possamos conduzir nossa apresentação dentro de un1 contexto maior,
que é a própria Constituição.
No que se refere ao Orçamento para 1990, na proposta das diretrizes
orçamentárias do Governo Federal na Lei de Diretrizes Orçamentárias, que
se encontra e1n discussão no Congresso Nacional, a assistência social é contem·
piada de duas formas diferentes. Em primeiro lugar, no que se refere ao
seu percentual para despesas de capital cm relação ao total das despesas
de capital para a seguridade social. Esse percentual para a área de seguridade
social, segundo a proposta do Poder Executivo, é da ordem de 25,5% desses
recursos para a assistênci-a social. Quero deixar claro que isso não significa
que o total dos recursos destinados à seguridade social - 25,5% - será
destinado à assistência. Estamos referindo-nos especificamente àquela parcela
destinada à despesa de capital, portanto, não à totalidade dos recursos desti-
nados à seguridade social.
Ainda na Lei das Diretrizes Orçamentárias, como segundo item relativo
à assistência social, há o conjunto de prioridades propostas pelo Poder Execu-
tivo, que já é objeto de discussão nesses painéis, em que apresentaríamos
a assistência social geral, que teria como meta a reabilitação. de cem mil
trabalhadores acidentados no âmbito do MPAS; a questão do seguro-de-
semprego, o sistema nacional de emprego, a fiscalização ao trabalho, a assistên-
cia .ao menor e à velhice, a assistência comunitária, a assistência ao silvícola

I.!'
e a distribuição de leite para crianças carentes. Naturalmente, tal conjunto
de prioridades apresenta algumas controvérsias, que decorrem justamente
da inexistência de uma legislação complementar que melhor defina o que
é exatamente assistência social e quais as áreas e funções que o Governo
deve atacar como assistência social. Aí, então, existem regiões cinzentas entre
assistênciá social, previdência e saúde. Portanto, sei que há divergências;
elas já foram amplamente discutidas; estou apenas relatando a V. Ex'' quais
foratn as prioridades incluídas na proposta do Poder Executivo. Sabemos,
volto a insistir, que há divergências. Está justamente aí o grande ménto
de todas essas discussões, que permitirão sejam sanadas essas divergências,
através da elaboração de uma lei complementar que nos permita trabalhar
segundo uma diretriz detalhada, no que se refere a cada uma das áreas contem-
pladas na seguridade social.
Quanto ao financiamento da assistência social, a Constituição estabeleceu
as fontes específicas para a seguridade social. Dentre elas, temos as dotações
orçamentárias da União, dos Estados e dos Municípios, especificamente as
contribuições das e1nprcsas sobre a folha de salários, sobre o lucro e sobre
o fatura1nento, a contribuição dos c1npregados sobre seus salários, a contri-
buição sobre os programas de prognósticos e outras receitas que venham
a ser consignadas no pr6prio Orça1nento.
Quanto ao Orçamento de 1989, a contribuição social para o Finsocial
está prevista cm três bilhões e setecentos milhões de cruzados. Desses, quatro-
centos e oitenta e dois milhões estão destinados ao conjunto de programas
considerados de assistência social, ou seja, do total da contribuição para o
Finsocial cerca de 13% estão destinados aos programas considerados de assis-
tência social. Na contribuição social sobre o lucro das pessoas jurídicas, contri-
buição estabelecida no final do ano passado, existe uma previsão de arreca-
dação de 4,2 bilhões de cruzados, sendo que, desses, setecentos milhões de
cruzados estão destinados aos programas considerados de assistência social,
ou seja, cerca de 17%; 16,6%.
A contribuição para o programa PIS-Pascp tem uma previsão de arreca-
dação da ordem de 4,2 bilhões de cruzados, dos quais cerca de quatrocentos
e vinte e nove milhões de cruzados são destinados aos progra1nas de assistência
social - portanto, cerca de 10,1 % .
Na contribuição sobre a receita de concursos de prognósticos, está prevista
uma arrecadação da ordem de 358,3 milhões de cruzados, sendo que os mesmos
estão integralmente destinados a programas da área de assistência social;
portanto, 100%.
Gostaríamos de observar alguns fatos sobre essas receitas.
Elas são previstas no Orçamento de 1989.
Estamos assistindo a problemas na arrecadação de alguns itens dessas
receitas.

117
Primeiramente na contribuição social sobre o lucro das pessoas jurídicas,
ela está sendo computada bem abaixo do valor previsto.
V. Ex'' devem ter acompanhado pela imprensa o questionamento jurídico
que está surgindo sobre essa contribuição, com o que essa arrecadação, eviden-
temente, está bem abaixo do valor previsto.
Isso, certamente, tem trazido problemas aos prqgrámas contemplados
com essa fonte de recursos; está impedindo a destinação de recursos para
esses programas na forma em que seria necessária para seu_ correto desenvol-
vimento.
Um fato que gostaria de deixar consignado é que, embora haja uma
previsão de 4,2 bilhões para essa contribuição social, o que está ocorrendo
é uma insuficiência de arrecadação que vem prejudicando os programas atendi-
dos com essa fonte de recurso.
Um outro aspecto a considerar, com relação a essas fontes de recursos,
é que a contribuição sobre a receita de concursos e prognósticos não está
com sua regulamentação legal completada. Portanto, essa receita também
não está ocorrendo.
Demos, na realidade, prejuízo aos programas de assistência social, em
decorrência de frustrações de fontes, que não decorrem, naturalmente, de
administração do Poder Executivo. O que ocorre é uma frustração de fonte
impedindo que o Executivo possa encaminhar os recursos para os programas
atendidos com essas fontes.
Além das receitas da seguridade social, outras são destinadas aos progra-
mas de assistência social, sendo que só para o Tesouro, recurso ordinário,
são destinados duzentos_ e quarenta e cinco milhões, e de outras fontes,
cerca de 17 ,8 milhões.
De acordo com essas fontes, o orçamento atual para a assistência social
tem uma dotação global, considerando todos os órgãos que classificamos como
de assistência social, volto a dizer, dentro de uma caracterização que pode
não ser aquela que venha a se' definida em lei. Para todos esses órgãos
que consideramos como de assistência social, existem no orçamento de 1989
cerca de 4,1 bilhões de cruzados.
Destacamos, desse conjunto global de instituições que consideramos de
assistência social, apenas aquelas mais típicas de seguridade social. O montante
desses recursos é de cerca de 2,24 bilhões de cruzados. Portanto, de um
total global da ordem de 4,1 bilhões de cruzados, temos 2,24 bilhões destinados
àqueles órgãos e programas 1nais típicos de seguridade social.
A nível de órgãos típicos, temos que os órgãos do Ministério do Interior
contam com uma dotação da ordem de 1,6 bilhão de cruzados, ou seja, SEAC,
Funabem, LBA, Funai. Para o Ministério da Previdência e Assistência Social.
especificamente destinados à Fundação Abrigo do Cristo Redentor, temos
uma dotação de 5,8 milhões de cruzados. E, para o Ministério do Trabalho,

118
integralmente considerado na área de assistência social, temos cerca de 647 ,6
bilhões de cruzados.
Especificamente com relação ao critério para credenciamento das institui-
ções sob o aspecto orçamentário, poderíamos separá-los segundo a esfera
das instituições. Em primeiro lugar, para as instituições federais que· atuam
na área de assistência social. Naturaimentc, o único recurso necessário é
a inclusão de recursos no orçamento específico, para cada uma das instituições,
ou seja, elas são credenciadas para receber recursos orçamentários se estiverem
contempladas no orçamento federal. Esta é uma disposição constitucional.
Não podemos liberar recursos para qualquer instituição, programa ou finali-
dade, se não estiverem contemplados no Orçamento. Portanto, a primeira,
1 única e inafastável condição para que as instituições federais possam receber
1 recursos orçamentários em programas de assistência social é sua inclusão
1 no Orçamento do Governo federal.
No que se refere às instituições estaduais e municipais, para se credenciar
e receber recursos orçamentários do Governo Federal, tem de existir, natural-
mente, uma compatibilização programática com o Orçamento da União. Isso
já vem sendo feito, mas estará melhor definido quando estiverem concluídas
as legislações complementares relativas à assistência social, saúde e previ-
dência.
Finalmente, no que se refere às instituições privadas beneficentes, além
da sua inclusão no orçamento geral da União, sob forma global ou específica,
é necessária sua legalização no Conselho Nacional de Serviço Social, prestando
serviços assistenciais, cujas despesas são factíveis para coberturas, através
de subvenções sociais.
Deputado Nelson Seixas, quero agradecer-lhe, mais uma vez, a oportu-
nidade de estar aqui.
Encerro neste instante minha apresentação. (Palmas.)

O SR. PEDRO DEMO


Expositor

Sr. Presidente, Srs. Deputados aqui presentes, particularmente os que


estão comprometidos com esta comissão, integrantes da Mesa, secretários
de Estado, colegas, demais auto1idades, presidente da Funabem, da FBESP
etc., nestes poucos minutos quero dese1npenhar aqui a tarefa proposta e
dizer alguma coisa sobre a participação comunitária, conforme está na Consti-
tuição, dirigida sobretudo à dita ordem social, na qual também está incluído
o que tratamos aqui.
Escrevi um trabalho sobre o assunto, que será distribuído. Permito-me
levantar alguns tópicos qúe me parecem mais importantes.

119
Em primeiro lugar, deve-se reconhecer que a Constituição marca um
avanço muito itnportante na questão comunitária.
Destacaria, entre outras coisas, a chance do voto direto, conquista muito
importante, mas, em particular, o reconhecimento expresso de que para as
pessoas se associarem e se sindicalizarem não precisam de autorização de
ninguém. Esse é um movimento de direito original, que não passa por qualquer
autorização, sequer do Estado. Há também implícito aí o reconhecimento
de que essas organizações não devem ser confundidas com o Estado, porque
grande parte da sua tarefa está em controlar o Estado.
Eu diria que esta é a coisa mais interessante e mais importante que
a Constituição colocou em termos da participação comunitária. Finalmente
pode haver uma sociedade civil organizada, independente. O sindicato não.
será nunca mais órgão de Estado; terá uma função civil, representativa de
todos os trabalhadores, capaz, entre outras coisas, ta1nbém de fazer o Estado
funcionar.
Gostaria de defender a tese aqui - certamente nessa área muito polêmica
- de que participação comunitária, no duro, não é substituir o Estado, ser
muleta de um Estado capenga, mas fazer o Estado funcionar, cada um no
seu lugar.
A Constituição, além desses avanços interessantíssimos, também é muito
ambígua; representa urna súmula de contradições, evidentemente, corno refle-
xo de uma sociedade muito contraditória. Primeiro, é uma Constituição capita-
lista liberal. Então, em todas essas áreas sociais existe o acesso à iniciativa
privada, abertamente. Em segundo lugar, existem também sugestões, às vezes
até explícitas, de tutela da cidadania. Por exemplo, a defesa do consumidor
é o Estado que faz. Em flagrante contradição com a proposta de que, para
se associar, não se precisa da autorização de ninguém. A questão do consu-
;i midor é do Estado. Eu diria que, se fôssemos coerentes, o Estado deveria
instrumentar a defesa do consumidor; deveria manter os tribunais de defesa
do consumidor; deveria apresentar ao consumidor a informação competente
1
para exercer a cidadania; não substituir o consumidor. Esse tipo de ambigüi-
i
dade pode aparecer também na ordem social, em que existe uma insistência,
de um lado interessante, de que deve aparecer, de alguma maneira, a partici-
pação comunitária, mas não se arrisca a definir, fica uma sugestão, de certa
maneira, de compadrio com o Estado, na expectativa de que, sendo um
Estado ainda pouco desenvolvido, muito complicado, cheio de deficiência
e de inépcias, a comunidade entraria para arrumar isso, mas de maneira,
mais oti menos substitutiva: o que o Estado não pode, a comunidade faz.
Então, aí começam - acho - alguns pontos complicados que eu gostaria
de desenvolver aqui, respeitando as boas polêmicas, evidentemente. Tenho
minha posição, outros terão outras posições, e quero respeitar isso.
De partida, penso que é preciso também tocar na questão pública. Enten-
do o Estado como instância delegada do serviço público, res publica. Mas

120

·.·'111;111
1;111:
o público tem, como marca fundamental, três itens importantes, antes de
ser alvo do Estado: o público é marcado, primeiro, por ser de todos, todos
têm acesso; segundo, é marcado pela incondicionalidade de acesso. Nem
sempre é necessário que isso esteja dentro do Estado. A instância social
mais próxima de garantir essa incondicionalidade é o Estado. Por isso, o
Estado tem um papel não só inevitável, mas necessário, insubstitutível. Não
há como fazer política social sem o Estado, embora existam políticas sociais
não estatais. Por exemplo, a política sindical é um dos maiores instrumentos
de confronto com a desigualdade e não é estatal. Muitas vezes, é contra
o Estado; não raro, no banco dos réus não está só o empregador, mas também
o Estado.
1
Parte dessa idéia de que público, preferente e caracteristicamente, será
estatal. Mas nem sempre se esgota na estatal. Existem expressões na sociedade
1 que podem ser perfeitamente públicas nesse sentido, sem serem diretamente
estatais. A questão da seguridade passa muitas vezes por aí; até a Constituição
garante o trabalho com essas entidades filantrópicas, convencionais, e assim
1 por diante, onde existem coisas muito abjetas também - sob o nome de
filantropia se faz muita malandragem -- mas existem coisas extraordinárias,
tipo a Apae, tipo OMEP e tantas outras entidades que tiram o tempo dessas
pessoas muito ocupadas e voluntariamente cedem à sociedade. Tudo isso
é público, desde que satisfaça à seguinte definição: o acesso é de todos e
é incondicional. Às vezes, o que está no Estado é muito mais privado que
qualquer outra coisa.
Quanto à participação comunitária, minhas preocupações seriam mais
ou menos as seguintes: tentei levantar cinco pontos possíveis para uma discus-
são nessa linha da participação comunitária, colocando-as como ambigüidades.
De um lado, deve-se aceitar que são avanços, são interessantes representam
- acho - uma perspectiva nova, uma Constituição em um momento diferente
da História, que também reflete mobilização comunitária, movimentos sociais;
mas há ambigüidades. Não acho que há erros crassos, mas há ambigüidades.
Neste sentido, queria colocar essas idéias.
Além de conservar possível insinuação de que coisas comunitárias são
para periferias pobres ou para migrantes, pode levar à interpretação de que
a comunidade deveria substituir compromissos de Estado. São particularmente
perversas as alusões que passam pela falta de recursos, pelo barateamento
dos serviços ou pela exploração da mão-de-obra barata ou gratuita da comu-
nidade.
De fato, não é difícil constatar a inépcia do Estado. Diante disso, há
comunidades que resolvem assumir iniciativas próprias, levantando, por exem-
plo, um posto de saúde, uma creche, uma escola etc. De um lado, existe
mérito comunitário, no que toca à capacidade de solução própria e na crítica
prática ao Poder Público incapaz. De outro, é sempre um traço da espoliação
da comunidade, que passa a substituir uma função que seria de Estado. Surge,

121
então, a creche comunitária, por exemplo, com as marcas típicas de nossa
sociedade discriminatória: é sempre coisa de pobre. A comunidade responde
por ela, em última instância, sobretudo pelas precariedades; passa pela volunta-
riedade e pela boa vontade, às vezes pelo heroísmo de alguns. Instâncias
públicas, quando se associan1 ao etnpreendimento, repassam o mínimo possí-
vel, numa visível divisão desigual de trabalho. O resultado é que a creche
co1nunitária acaba sendo a pior possível, pior do que as ditas públicas, e1n
meio ao sarcasmo da espoliação da boa vontade. Quanto à participação comu-
nitária, neste caso não seria liberar o Estado do que deve à população, mas
organizar-se de tal modo competente que se possa impor ao Estado o devido
controle democrático no sentido de cumprir com suas obrigações. Aceitando-se
que o Estado não consegue resolver tudo, mesmo que não existisse qualquer
corrupção, ainda assim permanece o dever do Estado de instrumentar o acesso
aos direitos sociais consagrados. Em termos claros, uma creche comunitária,
desde que pública, no sentido acima descrito, tem todo o direito a recursos
públicos e, no fundo, ou se trata de oferta pública sob administração privada,
ou se trata de compra de serviços prestados por parte do Estado. Em qualquer
hipótese, não se coloca o mascaramento da coisa co1nunitária como a busca
de algo mais barato, ou a exploração da comunidade, ou a liberação do
Estado de suas obrigações sociais. Algo semelhante se deve colocar no caso
da gestão c do planejamento, em que também é incongruente substituir obriga-
ções do Estado. Se a comunidade assumir a gestão de qualquer serviço público,
deve ser ressarcida condignamente. Em non1c da equalização de oportuni-
dades, não faz sentido aceitar, para as classes privilegiadas, acessos preferen-
ciais, enquanto para a pobreza sobra1n 1nigalhas ironica1nente adereçadas
de comunitárias. Essa problemática é visivelmente aguçada pela prolixidade
de direitos sociais alugados, acrescentando outra forma de a1nbigüid~de, inuita
pro1nessa diante de condições n1ínimas de realização concreta.
Uma ambigüidade arriscada é a que aparece em propostas que levam
a confundir lógicas políticas de cada ladq, como se entre Estado e sociedade
houvesse funcionalidade paritária. Essa problemática é muito sensível e tem
significado relevante no contexto atual, principalmente em vista de iniciativas
ditas comunitárias por parte do Governo. Exemplo dessa confusão útil são
os ditos conselhos paritários, formados de membros dos dois lados, em número
igual, embora exista aí idéia muito aproveitável, seja no sentido de cultivar
transparência decisória e de uso de recursos, seja no sentido de se ouvirem
as partes interessadas. Aí geralmente consuma-se uma farsa fatal, observável
em tópicos tais como:
a) não há paridade natural entre o Estado e sociedade, por mais que
o número seja paritário; concretamente, o Estado detém muito maior poder
de fogo em todos os sentidos;
b) dificilmente o Estado coloca o processo decisório em plano paritário
- no máximo ouve as partes, mas decide sozinho, o que reduz o conselho
à estratégia esperta de convalidação;

122
e) é muito difícil garantir representatividade dos membros que represen-
tariam a comunidade, se esta não manifestar já contorno de organização
clara; o Estado, por sua vez, aproveita-se dessa precariedade natural para
ele mesmo "indicar" os comunitários representantes.
A farsa é evidente. De um lado, o Estado se convalida e sobretudo
divide seus fracasos. De outro. a comunir!ade entra como "gaiata", principal-
mente no sentido de que, em vez de um processo emancipatório, assume
um golpe esperto de desmobilização.
É essencial respeitar as lógicas, por mais que não exista dicotomia, mas
relação de confronto dialético. Neste sentido, a idéia do conselho paritário
pode ser aproveitada, se não desbordar de sua realidade histórica. Na prática,
não vai além de tornar o processo decisório menos fechado. Mas isto já
é fundamental. Não há interesse para a com unidade de se confundir com
o Estado, porque seu papel será de urgir o Estado a que cumpra seus deveres
para com a comunidade.
Outra ambigüidade está em esconder divergências possíveis entre os ditos
representantes do povo, via voto, e as manifestações de exercício direto de
poder. Do ponto de vista dos partidos, talvez se pudesse falar de "direito
partidário'', no sentido de que, tendo-se legitimado nas urnas, já não carece
de ulterior validação.
Com efeito, todo partido razoavelmente organizado apresenta-se com
programa mais ou menos completo de governo. Pelo menos em tese "sabe"
o que deve fazer em educação, em finanças, em transporte, em urbanização,
em cultura etc., e, sobretudo, stibmeteu isso, no processo eleitoral, ao veredicto
popular. Se conseguir maioria, a questão já é executar, não ainda inventar
idéias, conclamando a comunidade para que colabore.
Ao mes1no te1npo, o partido vencedor não aprecia a idéia de que a
comunidade possa "usurpar" o direito de indicar titulares de cargos, cotno,
por exemplo, diretor de colégio, de hospital, de fundações etc. O partido
diria, sem mais, que se trata de usurpação porque os que reivindicam eleger
tais diretores não tê1n mandato, enquanto o partido precisamente o conquistou.
Neste sentido, a proposta constitucional de participação popular no plane-
jamento municipal é muito ambigua, a começar pela insinuação de que o
prefeito chega ao poder destituído de planos. O papel da comunidade não
é "fazer o plano" que o prefeito não fez, mas exigir dele o cumprimento
do plano que pregou na campanha. Outra coisa seria sugerir que a prefeitura
se mantenha sempre- em contato direto com os movimentos populares, o
que permitiria rever planos, fazer outros, corrigir rotas e sustentar crivo crítico
constante.
Na prática, a farsa pode ser fácil, seja porque é possível vender como
participativo um plano "palpitado" por algumas pessoas apenas, seja porque
é impraticável discussão com platéias imensas e indistintas, seja porque encobre
a pobreza de idéias do Governo, seja porque se busca somente convalidação

123
legitimadora. No fundo, estaríamos de novo confundindo as lógicas, empur-
rando para a comunidade algo que o Governo deve fazer ou deveria ter
feito.
Ademais, resta sempre a pergunta sobre o papel dos Vereadores, pelo
menos em tese representantes legítimos do povo. Do ponto de vista da lógica
do Estado, o Governo deve produzir seu plano e submetê-lo ao escrutínio
da Câmara dos Vereadores. Do ponto de vista da lógica da comunidade,
cabe pressionar democraticamente para que isso ocorra, no sentido de que
o plano reflita as necessidades da base. Para tanto, não se trata de fazer
o que o Governo deveria fazer! mas de "fazer" o Governo fazer.
Entretanto, isso não colide com participações comunitárias para além
desta lógica, desde que coerentes com o processo emancipatório da cidadania
popular. A pressão popular organizada pode mudar, refazer, rejeitar planos
dentro da lógica do seu espaço, bem como assumir ações diretas, por exemplo,
a urbanização de um bairro, contanto que não se apele para estratégias de
exploração comunitária. Uma dessas estratégias mais conhecidas é o "muti-
rão", que, embora podendo expressar capacidade comunitária competente
e mesmo comovente, de 1nodo geral mascara formas de exploração da boa
vontade do povo humilde. Mutirão, de novo, é coisa de pobre para pobre.
"Gente de bem" não faz mutirão, nem o Estado se atreveria a pedir isso
dela.
Sob pressão concreta da pobreza o mutirão é muitas vezes uma saída
criativa e eficiente, até mesmo uma expressão de possível processo emanci-
patório. Mas, no fundo, faz parte das políticas sociais co1npensató1ias, estigma-
tizadas pelas sobras de um sistema perverso em termos produtivos e políticos.
Outra ambigüidade pode ser encontrada em "intermediários" que o Esta-
do apresenta às comunidades, sob o título de apoio comunitário. Recente-
mente, surgiram muitas expressões dessa postura, condensadas em Secretarias
de Ação Comunitária e congêneres, que supostamente fazetn "articulação",
"coordenação", "apoio" etc.
De um lado, pode haver "boa vontade" de técnicos e governantes, que,
movidos pelo reconhecimento de que o desenvolvimento da cidadania popular
é algo essencial para o processo democrátrico, gostariam de se colocar à
serviço desta causa. De outro, como política não vive de boa vontade, mas
de estratégias de poder, o efeito acaba sendo a desmobilização funcional
dos movimentos populares.
'li Frente aos movimentos populares, .a primeira função do Estado é certamente
de não estorvar, não boicotar, não coopta_r. A Constituição avan~ou
.1
nisto, colocando claramente que cidadania não precisa de autorização do
Estado, porque é ela que autoriza o Estado. Assim, se o Estado sabe que
sua função é subsidiária e instrumental, não convém inventar atribuições de
intermediários, como se a cidadania precisasse de "despachante·". A pressão
que as comunidades exercem sobre o Estado deve ser direta, não filtrada
i
por "articuladores" estatais.
11.11
124
' i' .'
11
'I
ili
! 'I
A maneira mais congruente de o Estado "ajudar" será tomando a sério
seu papel de instrumentação, à medida que souber informar, manter escolas
condignas, legislar adequadamente, sustentar acesso público à justiça etc.
No fundo, porém, o Estado teme a cidadania crítica, porque isso é apenas
da lógica do poder. Assim, antes que as comunidades façam pressão, o Estado
se adianta corno "intermediário" desta pressão, obtendo corno resultado o
efeito desmobilizador.
Na prática, política social do Estado tende a ser isto caracteristicamente:
através da distribuição de 1nigalhas assistencialistas e de serviçüs públicos
residuais, desmobilizar o potencial de mudança histórica contido nos movi-
mentos populares (Faleiros, 1986).
Para mim, pelo menos, respeitando todas as polêmicas, participação co-
munitária não significa ser muleta do Estado. É a organização para a devida
pressão política organizada sobre o Estado, a fim de que o mesmo funcione.
(Palmas.)

A SRA. ALDAÍZA SPOSATI


Expositora

Meu bom-dia a todos.


Primeiro, quero agradecer a V. Ex•' a possibilidade de estar neste I
Simpósio que se instala sobre assistência social. Meus cumprimentos às autori-
dades legislativas e executivas. Mais do que isto, gostaria de estar partilhando
deste momento com os companheiros, vários, de trabalho, de anos seguidos,
nas instituições de assistência social. Esta é a primeira vez que conseguimos
trazer uma discussão dessas para uma instância de Legislativo e instância
maior a nível federal. Então, meus cumprimentos à Comissão, que oferece
esta possibilidade a todos nós, e, principalmente, a possibilidade de travarmos
urna discussão política da política de assistência social. Para quem trabalha
e milita nessa área, é extren1amente desconfortante sentir que a questão da
assistência social é tratada, ainda muitas vezes, como um conselho de ho1ncns
bons, co1no um conselho de ho1nens nobres, opinião ainda herdada da monar-
quia, e não, e1n verdade, un1a preocupação de brasileiros com os brasileiros.
Creio que, se não guardar1nos essa distância entre o que é tratarmos essa
questão como homens bons e tratarmos essa questão como brasileiros, dificil-
1nente va1nos conseguir encaminhá-la para uni n.ovo patamar. Se permane-
cer1nos olhando uma criança na rua simplesmente como um menor de rua
ou como aquele que carece de ajuda, dificilmente estarem()S olh'<indo essa
criança como um brasileiro. Se conseguirmos permanecer Conformados com
o fato, por exémplo, de que, para alguétn ter acesso à assistência social não
pode perceber mais do que un1 quarto do salário mínimo, o que significa

125
que um brasileiro pode viver e sobreviver com cerca de oito dólares por
mês ou cerca de oitenta centavos/dia, enquanto tivermos que nos conformar
com isso e não pudermos manifestar nosso inconformismo, não poderemos
realmente elevar essa política de assistência social ao patamar de uma política.
Quero, de-início, congratular-me forte1nente com tqdos aqui por esta
possibilidade de podermos estar aqui discutindo tais questões e, mais do que
isso, podertnos entender que o que estamos discutindo aqui é uma área funda-
mentalmente estratégica. Isso é muito difícil de dizer. Em geral, a assistência
social não tem essa visibilidade imediata, é um terreno meio pantanoso, porque
qualquer ajuda a encobre, dizendo que atingiu suas finalidades. Mas, em
verdade, ela é fundamentalmente uma área estratégica para enfrentar a pobre-
za brasileira, para manifestar o inconformismo em aceitar que um brasileiro
possa - aquele que ainda consegue ganhar o piso salarial mínimo, ao nível
de pensão de uma família de quatro pessoas - com um quarto dessa renda
por pessoa, obter um nível de sobrevivência de oitenta centavos, ou dois
cafezinhos. Há pouco tempo, as estatísticas diziam que o salário mínimo
permitia quatro cafezinhos/dia. Hoje, está em dois. Então, não sabemos como,
efetivamente, a questão vai ficar. O que me parece muito importante é poder-
! mos garantir que essa área tenha um outro patamar. Nisso eu me congratulo
1
com o IPEA pela própria conceituação do projeto que apresentou, quando
coloca a asslstêttcia social cm um patamar de un1a área de ação que busca
romper as discriminações feitas à população e busca criar formas de acesso
à população discriminada historicamente, em termos de renda, em termos
de condições de vida, por razões pessoais, sociais, econômicas, políticas, enfim.
Se não partilharmos dessa questão, entendendo essa área como uma alavanca
impulsionadora, será muito difícil conseguir1nos encaminhá-la até a direção
que a Cbrtstítuiç,ão coloca, ou seja, a assistência social é um direito social.
Pela primeira vez, além de colocar isso, a Carta Magna estabelece um
:i interlocutor. Isso é fundamental assinalar também, porque, via de regra, até
!
dizermos: o usuário da assistência social é um sujeito oculto. Ele nunca aparece.
Aparecem as instituições, aparecem as obras beneméritas, mas o pensamento,
a opinião, as expectativas, as proporções daqueles que necessitam engajar-se
nesses programas - até porque são excluídos de outros - dificilmente apare-
cem.
O Prof. Pedro Demo coloca como não fazermos - permita-me - uma
certa molecagem nessa questão da participação, ao dizer que não estamos
aplicando o golpe de esperto. S. S0 assinala a questão muito bem, principal-
mente nessa área de ação, em que a população tem sido muito mais massa
de manobra do que alguém a opinar, a ser ouvido, a poder discutir, a poder
fazer as proposições que lhe dizem respeito. Essa questão de cidadania avança
para podermos inclusive trabalhar com a população no sentido de ela reclamar
seus direitos.
Eu queria demarcar isto, a nível da proposta.

126
Mais u1na coisa: gostaria de assinalar que, a partir do momento em que.
entendemos essa assistência social como uma política maior, no conjunto
das políticas sociais - não estou dizendo uma política maior dentre outras,
mas como uma área de ação que se inscreve no contexto de uma política social
- ela está recebendo ness~ proposta a condição de ter recursos para
pesquisa, de sair de uma área do tipo ensaio e erro, do tipo em que tudo
o que é feito é um bem em si mesmo e, co1no nada se tem, tudo aquilo
que é proposto já é uma resultante boa. A possibilidade de se introduzir
a pesquisa nessa área - gostaria de ressaltar isto, até porque na Mes·a temos
pessoas ligadas a instituições de pesquisas, e essa área é sempre relegada
a segundo plano - é extremamente importante, porque ela tem uma capaci-
dade denunciatória das mais precárias condições de vida da população que
outra área da política social não tem. Diferentemente de outras áreas, a
de assistência social vai da criança ao idoso, cuida da alimentação, saúde
e habitação. O leque que ela abre, já que trabalha com condições de vida
do segmento mais espoliado da população, é muito grande. Com isso, permite
aproximar, conferir e penetrar em uma angulação do real que outras áreas
sociais não chegam plenamente a essa textura. Essa proposta de regulamen-
tação, deveria manter, além disso, a preocupação de se trabalhar com os
recursos humanos. Existe a idéia de que para lidar com a pobreza qualquer
um serve e qualquer um pode. Alguém, aqui na Mesa, disse ~ não tlle
lembro agora quem, talvez tenha sido o Prof. Pedro Demo -que, fitl cultura
discriminatória, lidar com o pobre pode ser uma coisa de pobre, ou ser feito
pobremente. Com isso, não é necessário refletir, desenvolver propostas, alter-
nativas e repensar em qualidades de ação.
Gostaria de reforçar nesta reunião que tornar a assistência social, efetiva-
mente, como uma proposta de política social e, com isso, de algum rnodtl,
segmentar um grupo da população para receber determinado tipo de atenção
não é bom. Devemos, isto sim, garantir um outro grau de qualidade de atenção.
Não é porque alguém é usuário dessa área que ela pode ser a menor e,
na verdade, executada de maneira precária. Se temos um compromisso com
brasileiros e com a cidadania dos brasileiros, é exatamente nossa dívida com
os mais espoliados que deve ser paga com muito mais força. É esta nossa
dívida para com aqueles que por quaisquer circunstâncias tiveram sua capaci-
dade reduzida; por isso, ela deve ser paga com maior riqueza. Essa questão
é muito importante e se associa à questão de orçamento.
Gostaria de assinalar neste comentário que, até na proposta de legislação,
deséjaria que a questão orçamentária fosse mais forte e mais explícita. Permi-
to-me não concordar com o otimismo do companheiro que falava sobre o
orçamento, quando dizia que, de algum modo, os recursos para a assistência
social eram reduzidos por uma certa frustração de fonte. Não é só frustação
de fonte. Porque até sabemos medir o caudal das fontes, mesmo antes de
senti-las e de usá-las. Na verdade, existe, sim, uma secundariedade - e

127
por que não uma terciariedade? - daquilo que sobre, se vem a sobrar, vá
ser aplicado. Quem trabalha nas organizações de assistência social sabe muito
bem que os recursos_ financeiros, principalmente dos órgãos federais, só chegam
nos últimos meses do ano, novembro e dezembro, para serem gastos em
dez, quinze dias. (Palmas.) Que compromisso podemos ter com uma progra-
mação e com a população, quando, na verdade, te1nos o que resta, e no
que resta, esse curtíssitno prazo? Como podemos falar em participação e
em alavancar uma proposta?
Gostaria de assinalar uma questão muito importante. Quando falamos
de pobreza dos brasileiros, não nos referimos meramente a uma questão
econômica e social, mas, sitn, a uma questão política, porque esse segmento
da população é também tratado de maneira subalternizada. Se conseguirmos
reforçar esses mecanis1nos da proposta constitucional, seria bom que instituís-
semos e déssemos visibilidade a essa interlocução. É bom que se entenda
que são os órgãos de assistência social que, contraditoriamente, possuem
menos 1necanismos participativos no seu interior. Apesar de, desde a Nova
República, terem sido feitas propostas de se introduzirem conselhos partici-
pativos dentro da Previdência Social, envolvendo, com isso, os vários órgãos
que também são da assistência social, não se conseguiu, absolutamente, insta-
lar, sequer, formas de co-gestão. Não há, realmente, uma visibilidade e,
do que isso, não há uma aceitação de' que a população tenha algo a dizer.
Por isso, quando o Prof. Pedro Demo disse que a população deve reclamar
ao Governo, ele devia acrescentar que ne1n o estatuto de reclamante é dado
ao usuário da assistência social. Temos dC rotnper com isso. Temos de dar,
efetivamente um outro porte ao assunto.
Sinto a necessidade, também, de que essa proposta de legislação seja
reforçada em mecanismos mais objetivos, evidentes e claros em relação à
participação popular, sob pena de que essa inércia recebida, de que essa
área é tratada aos tropeços e às vontades desse ou daquele dirigente, permaneça
como está.
No que se refere à descentralização, a legislação avança consideravelmente
quando nos propõe a criação de alguns fóruns maiores: primeiro, o da Confe-
rência Nacional de Assistência Social; depois, um Conse'lho Superior de Assis-
tência Social. Essa proposta indica também um debate a ser feito para se
saber qual o melhor encaminha1nento a ser feito se em termos de um Ministério
próprio, ou de um instituto de assistência social. De certo modo, prefiro
a idéia de termos um Ministério de Seguridade, se assim for, e um Instituto
de Assistência Social, entendendo que, como área estratégica, tem de ser
muito mais uma área aliançada a outras, mas, evidentemente, tendo mais
um poder político para isso do que uma área fechada em si mesma. A área
de, assistência social entendo sempre como uma área em transitividade, sendo
ta?'bém estratégica, porque vai propulsionar um grupo de pessoas ao encami-
nhamento para outra situação.

128
No que se refere à descentralização, é bom que se assinale hoje que
as instituições federais de assistência social, como, por exe1nplo, a LBA,
são instituições de intensa capilaridade, diferente de outros órgãos federais.
Posso dizer, até, co1no a Seac, quando absorveu na sua história a organização
do Projeto Rondon, e que teve uma penetração nas pequenas comunidades.
Quando fàlamos c1n descentralização, ternos de levar em conta o processo
de desconcentração existente e a forte capilaridade da instância federal no
que se refere à assistência social desses órgãos. Con1 isso, o recorte de urna
unificação entre os órgãos federais, estaduais e municipais precisa receber
um tratamento diferenciado, o qual demarcarei um pouco.

Fazendo uma consideração preliminar, quando falamos em descentra-


lização imediatamente nos vem a idéia da prcfciturização e, nesta, vem-nos
urna certa reação por conta do clientelismo político de que tem sido vítüna
essa área de ação. O Jornal do Brasil, de sábado, 27 de maio, trazia em
manchete "Leite da SEAC engorda PRN". A Prefeita, de não sei onde,
usa - diz o jornal - a distribuição do leite como instrumento para filiação
partidária. Trago este exemplo por ser o mais próximo, mas, segúramente,
teremos inúmeros outros. Há, então, a questão do rompimento do clientelismo
e, mais do que isso, que possamos trazer o tratamento da questão da assistência
social para um nível local, sem que isso seja, de algu1n modo, vou dizer
assim, engordar a política clicntclista ou o coronelismo histórico deste ou
daquele cacique político. Este é efetivamente o grande desafio. E por que
isso? Se esta área tem de trabalhar com o enfrentamcnto da subalternidade,
o enlaçamento com a população é a chave no avanço de qualquer programa
de assistência social, ou seja, esses programas têm de ser de base, sim, têm
de envolver a população, sim. Não falo nem que o mutirão seja a forma
ideal, mas que a gestão, a cowgcstão, até, quiçá, a autogcstão, são chaves
no enfrentamento dessa forma discriminada com que esse segmento da popu-
lação historicamente é tratado. A conquista da cidadania passa por essa ação
coletiva de um grupo da população enfrentando suas condições de vida. Então,
a descentralização nessa área é n1enos do que uma questão de racionalidade
administrativa e gerencial. Embora isso seja necessário e se vá defrontar
com essa capilaridade que eu assinalava, é, em muito, a 1neu ver, a única
forma do tratamento político dessa questão para ter um avanço. Creio que
dificilmente vamos ter uma área de ação plena de irracionalidades, como
essa de assistência social. As funções são paralelas entre Governos estadual,
munjcipal e federal. Sabemos que, por exemplo, muitas vezes, a mesma creche
recebe o per capita da prefeitura, do Estado e do nível federal. Aquelas
mesmas criancinhas aparece1n como atendidas três vezes e, na verdade, tenta-
se, assün, dar um mínimo nesse per capita. Sabemos, inclusive, que essa
ausência de responsabilidade faz com que, muitas vezes, esses convênios te-
nham valores per capita extremamente rebaixados.

129
Uma notícia do mesmo Jornal do Brasil - acho que era encomendado
a esse sábado - dizia do reclamo das instituiçóes que recebiam NCz$ 7 ,00
para atender a um deficiente, mostrando, em verdade, a impossibilidade de
se pensar em proceder a um atendimento condigno com este valor mensal
de per capita. Então, essa ausência de definição de responsabilidades e atribui-
çóes faz com que o paralelismo seja extremamente forte nesses órgãos.
Então, parece-me que, para além até de uma legislação, entendo que
este Simpósio, ao proporcionar e trazer esta discussão política, juntando os
Poderes Executivo e Legislativo, empenhando-se, inclusive, no avanço da
própria Constituição, na questão, tem de reforçar uma vontade política no
sentido de creScermos nessa área de ação, de desenvolver, por exemplo,
alguns projetos integrados, com coordenaçóes, digamos, localizadas. Por que
não numa cidade a coordenação de todo esse campo de ação ser da LBA?
Numa outra, por exemplo, ser da secretaria de promoção social do Estado?
Numa outra, da prefeitura? Por que não vivenciarmos essa possibilidade de
integração de esforços? Por que essa área de ação funciona em tal conjunto
de caixas~pretas, que não se conversam em tais feudos que são instalados?
Nesta questão da descentralização, que me é colocada até acho que antes
de iniciarmos a conversa ... Quando, aqui, entre os painelistas, trocávamos
idéias, "pois é, vamos discutir a modernização administrativa da assistência
social", dizíamos: "pois é, isto é um desafio". Por quê? Porque, de repente,
pensamos: como se tira uma área de ação que está organizada dentro do
medievo para o ano 2000? Essa passagem histórica é extremamente difícil.
Diria até ser insólito falarmos de modernização de uma área que ainda não
chega a ter sequer uma visibilidade suficiente para passarmos na frente de
qualquer prédio, de qualquer organização de assistência social e ter a clareza,
a visibilidade em saber o que se passa Já dentro. Como são tomadas as decisóes
Já dentro? A quem serve essa área? Como são suas prioridades?
Então, acho que esta questão da descentralização me parece forte e
necessária por ser o espaço para que possamos engajar uma vontade política
no sentido de realmente trabalharmos para um Brasil em que todos se possam
sentir efetivamente brasileiros. (Palmas.)

A SRA. REPRESENTANTE DA COMISSÃO NACIONAL DAS


TRABALHADORAS RURAIS DA CONTAGllJ

Como já foi dito, compomos a Comissão Nacional das Trabalhadoras


Rurais do movimento sindical. Ficamos reunidas, durante esses três dias,

(1) Espaço concedido durante a realizaçáo da<; exposições pelo Coordenador, Deputado Nelson
Seixas, para que as Representantes da Comissão Nacional das Trabalhadoras Rurais da Contag
apresentasse1n suas reivindicações.

130

!i'
sob a coordenação da Contag, onde pudemos discutir toda a problemática
vivida pela trabalhadora rural. Sabemos que esta Comissão, no momento
do silnpósio, está discutindo a questão da assistência social. Nesta área, somos
muito desprovidas. Temos poucos benefícios, especialmente os trabalhadores
rurais. Mas, no mo1ncnto, propo1no-nos a dar nossa colaboração, porterior-
mente, à área da assistência social. Trouxemos um docu1nento mais relacionado
à questão da Previdência Social. Sabemos que, neste momento, como falava
anteriormente, a questã6 discutida é a assistência. Mas, como tínhamos feito
toda essa discussão, achamos importante Vir aqui e colocá-la.
Vamos ler o documento que elaboramos:
"As participantes, abaixo-assinadas, na II Reunião da Comissã'o de Traba-
lhadoras Rurais, promovida pela Contag, Confederação Nacional dos Traba-
lhadores na Agricultura, vêm manifestar a V. Ex' a preocupação de toda
a classe em relação ao atraso na remessa do projeto de lei ao Congresso
Nacional instituindo o novo plano de benefícios de custeio da Previdência
Social que, de acordo com a Constituição vigente, deveria ter sido remetida
até o dia 5 de abril de 1989. O movimento sindical de trabalhadoras rurais
espera que a lentidão governamental, que resultou no descumprimento de
um dever constitucional, imposto ao Poder Executivo, não venha a ocasionar
outros prejuízos à classe trabalhadora, retardaudo indefinidamente a implan-
tação efetiva do novo sistema previdenciário e, por isso, tornando letra morta
o que prevê a Constituição Federal. A falta de remessa formal de projeto
no prazo previsto constitucionalmente, por omissão do Governo, não permite
um debate profundo e conclusivo sobre a matéria. Apesar disso, a Comissão
Nacional das Trabalhadoras Rurais sente-se no direito e no dever de formular
algumas observações preliminares sobre a questão. Algumas versões não ofi-
ciais de projeto do governo iudicam uma elevação absurda do prazo de
carência para o direito aos benefícios previdenciários. No caso do trabalhador
rural, o prazo de 180 meses de carência é inaceitável, pois constitui a mauu-
tenção de uma antiga discriminação que exclui a categoria da Previdência
Social. A dilatação exagerada do prazo de carência significará, na prática,
que o trabalhador rural só vai ter direito aos benefícios previdenciários após
15 anos do início da vigência da nova lei, adiando o acesso a um direito
já concedido pela Constituição. Além disso, a contagem do tempo de serviço
do trabalhador rural, anterior à uova lei, condicionada ao cumprimento da
totalidade do prazo de carência, constitui odiosa discriminação, em face do
tratamento diferente que é dado às outras profissões. Os trabalhadores rurais
estão ameaçados de permanecer 15 anos sem qualquer proteção previdenciária.
Esse entendimento é conseqüência da leitura de versão de projeto governa-
mental, em que, na exposição de motivos, há uma referência a respeito da
manutenção dos benefícios do Pró-Rural, o que não é confirmado no texto
do projeto, que mantém tais benefícios apenas para o trabalhador rural empre-
gado. No que se refere ao custeio da Previdência Social, percebe-se uma
tendência nítida e clara de reduzir e até eliminar as contribuições provenientes

131
da União, inclusive recursos do Finsocial, transferindo a quase totalidade
dos encargos para os trabalhadores, mediante elevação de alíquotas, pois
as versões conhecidas do projeto governamental indicam ser o mesmo bastante
tÍinido para contribuição, baseado no núcleo sobre o faturamento das empre-
sas. E1n relação à contribuição dos pequenos produtores, a Co1nissão Nacional
das Trabalhadoras Rurais reafirma a posição definida pela Contag, federações
e sindicatos dos trabalhadores rurais, no sentido de que tal contribuição seja
estabelecida com base na alíquota de 12,5% sobre a comercialização da produ-
ção, e11tendendo-se que essa contribuição é suficiente para assegurar o acesso
a todos os benefícios previdenciários, serviços de assistência e saúde, inclusive
atendimento médico-hospitalar, dentário, exames complementares, plantão
médico etc.
Outro aspecto considerado discriminatório é a possível exclusão dos pe-
quenos produtores rurais, posseiros, arrendatários, assemelhados e suas res-
pectivas companheiras, que exercem suas atividades em regime de economia
familiar, sem empregados, da cobertura de acidentes de trabalho que, inclu-
sive, é um direito assegurado na Constituição. A discriminação alcança também
a trabalhadora rural que exerce sua atividade em regime de economia familiar,
sem empregados, que é excluída do direito ao salário-maternidade.
As considerações acima têm caráter preliminar em decorrência da inexis-
tência formal de projeto de lei governamental sobre a matéria em tramitação
no Congresso Nacional, conforme previsto na Constituição. Entretanto, o
Movimento Sindical de Trabalhadores Rurais continua atento, reclamando
a remessa imediata da mensagem presidencial respectiva, para que a Consti-
tuição seja efetivamente cumprida, assinalando que, na oportunidade em que
se consumar essa remessa, emitirá seu pronunciamento definitivo sobre o
projeto, registrando, no momento, sua insatisfação quanto ao atraso, bein
como o repúdio da classe diante de mais uma discriminação, concretizada
pela ausência de reajuste para o limite n1ínimo do valor dos benefícios previden-
ciários dos trabalhadores rurais.
Atenciosa1nente:
As Federações de Trabalhadores, a Comissão e as representantes de
trabalhadores, rurais presentes." (Palmas.)

A SRA. REPRESENTANTE DA COMISSÃO NACIONAL DAS


TRABALHADORAS RURAIS DA CONTAG< 1>

Srs. Deputados e demais autoridades aqui presentes, exigimos que este


docu1ncnto seja analisado e aprovado, pois estan1os cansadas de esperar.
Sabemos que V. Ex"' têm grandes poderes na decisão para nos libertar desta
escravidão moderna. (Palmas.)

(2) Reivindicação de outra representante da Conlissão Nacional das Trabalhadoras Rurais da


Contag.

132

'·)j

'\\!
O SR. DIOGO LORDELLO DE MELLO
Expositor

Exm' Sr. Deputado Raimundo Bezerra, Sr. Deputado Nelson Seixas,


Senador Almir Gabriel, Deputada Maria de Lourdes Abadia, Deputada Bene-
dita da Silva, demais parla1ncntares, dirigentes de instituições de assistência
social aqui presentes, como a Dr•' Marina Bandeira, Presidente da FUNABEM,
colegas dcbatedores e expositores, minhas senhoras e meus senhores, nós
do IBAM, eu particularmente, sentimo-nos muito contentes e muito honrados
e1n participar deste simpósio e trazer aqui algu1nas idéias que possam ser
úteis para uma penetração mais profunda dos serviços de assistência social
a todos os rincões do País, através do processo de descentralização e munici-
palização.
O Dr. Pedro Pullen Parente definiu muito bem o conceito de assistência
social, ao qual nada tenho a acrescentar, pois ele foi bastante abrangente.
O Dr. Pedro Demo, por sua vez, colocou muito bem as questões relativas
à participação càmunitária, que exigem, certamente, para que se atinjam
os ideais estabelecidos por ele, transformações na nossa cultura física. Não
é fácil realizar o que ele propõe, mas são propostas extremamente interes-
santes. A Dr• Aldaíza Spolsati, em linha parecida, também reforçou isso,
falando da questão do clientelismo que acontece no município, quando sabe-
mos que não é absolutamente exclusividade do município, mas das outras
esferas também - e ela concorda comigo, embora não se tenha referido.
De modo que não tenho de me deter em coisas que têm sido debatidas
aqui em sessões anteriores e hoje fora1n muito bem colocadas.
Concentrar-me-ei precisamente no tema da experiência da descentra-
lização e municipalização da assistência social no caso brasileiro. Infelizmente,
há falta de tradição de uma política de descentralização e municipalização
desses serviços no Brasil, falta de uma tradição, falta de uma política concebida
que não seja resultado de ações eventuais. Não é que não haja descentralização
dessas atividades a nível municipal. Tem faltado uma política. Só ultimamente,
felizmente, está-se começando a se tomar consciência de que é necessária
a formulação de uma política de descentralização, para que vários desses
serviços sociais enumerados aqui, com detalhes pelo primeiro dos nossos expo-
sitores, possam chegar aos municípios. Por exemplo: sabemos que há um
grande esforço de instituições, como a FUNABEM, a LBA, a EDUCAR,
a SEAC, mas eu me refiro- também a uma experiência como a do SUDS;
o programa SUDS, de descentralização dos serviços de saúde, dentro de
u1na filosofia nova, corno sabemos, no sentido de não excluir dos serviços
de atenção primária de saúde e outros aqueles que não estão na Previdência
Social. Trata-se de um esforço extraordinário em que se está procurando
envolver os estados e os 1nunicípios. Creio ser urna das experiências de vulto

133
que merecem todo o apoio. Nós, no IBAM, torcemos muito para que todas
as experiências que mencionei - a do SUDS, a da SUCAM - pouco a
pouco descentralizcin os serviços de combates às endernias. São experiências
importantes, 1nas, co1no políticas nacionais, são relativamente novas no Brasil
Por quê? Porque nossÜ conceito de descentralização é restrito. O que temos
como descentralização no Brasil? Pritneiro, as funções próprias ou exclusivas
de cada esfera do município, as funç_ões que são próprias do município, que
estão estabelecidas, 1nas que, infelizmente, não estão inseridas na Constituição
Federal -fizemos um grande esforço para isso durante os trabalhos da Assem-
bléia Nacional Constituinte, 1nas fracassa1nos e ficaram estabelecidas so1nente
as funções de serviço ao público, como o transporte; a educação e a saúde
nada representam. O fracasso do IBAM e dos órgãos municipalistas foi tremen-
do nesse ponto. Fica, portanto, por conta dos Estados dizerem o que quiserem.
Tc1nos as funções próprias ou exclusivas; temos uma prática terrível, que
considero, ao lado da falta de sistema do mérito, o pior defeito da organização
governamental brasileira: as tais funções concorrentes, redes paralelas do
ensino de 19 grau, municipais, ao lado de redes estaduais-no Rio de Janeiro,
há até um colégio de 2'' grau federal, o Colégio Pedro II; temos serviços
de saúde paralelos - redes ml!-nicipais, estaduais, federais, lado a lado, sem
integração, em muitos casos. Somente agora se está tentando resolver proble-
mas com o SUDS e, possívelmente, com a SUCAM em alguns casos: temos
até viadutos estaduais, federais e municipais dentro de uma mesma cidade.
(Risos.) Quando 1ne refiro a essa experiência de competências concorrentes
nos fóruns internacionais de que tenho participado - e são muitos - as
pessoas não acreditam no que falo; pensam que estou n1entindo ou então,
para serc1n atenciosas, não querem admitir ser u1na coisa absurda. Nãü conside-
ratn uma inépcia governatnental, então; certamente acham que estou exage-
rando ou mentindo. Prefiro que me considerem 1nentiroso a considerarem
o Brasil incompetente, para inventar algo que, se prestasse, os outros países
o seguiram. Se não é regra no inundo, é porque não presta. Como, então,
existem cento e ,setenta e cinco países, e ninguém pratica essa questão das
competências concorrentes? Na escala em que praticamos, os casos são muito
raros, sempre provoco um grande escândalo e surpresa quando me refiro
a essas competências concorrentes.
Não temos também experiência, a não ser agora - e esse é um ponto
muito importante que quero frisar - com relação às funções delegadas. Não
temos essa experiência. Como Hely Lopes Meireles diz muito bem, no seu
livro "Direito Municipal Brasileiro", durante a guerra houve, para controle
de preços, uma delegação aos municípios. Fora disso, só tínhamos, até essas
experiências recentes, a questão do serviço da junta de alistamento militar,
dos tiros de guerra, que são funções delegadas, em que os prefeitos são
..os P1e~identes ex officio das Forças Armadas, elas estabelecem as normas
______ ,_, · cumpre uma função delegada. Essas funções delegadas, que
iaJradição, -fazem enorme falta; são uma prática extremamente
difundida nos países desenvolvidos e em muitos países em desenvolvimento,
de independência recente de pós-guerra.
Em que consiste a função delegada? Delegar os recursos à esfera local,
à esfera menor, geralmente o município, delegar recursos, estabelecer padrões
standard, normas, naturalmente ajustando em alguns casos às condiçôes especí-
ficas de régiões - porque nem todas as regiões, nem todos os municípios
são iguais e podem adotar as mesmas normas -fazendo a cobrança necessária,
mas deixando a execução a cargo do governo municipal. O exemplo mais
extraordinário disso no mundo - e é curioso porque se trata de um país
que cabe no nosso bolso, comparado com o Brasil - é o da Dinamarca:
com exceção de Copenhaguc e de Fredcrikborg, as duas maiores cidades
do país, é preciso um exército de Diógenes, com lanternas extraordinariamente
poderosas, para descobrir qualquer repartição do governo central. Em qual-
quer cidade do país, fora dessas duas, a não ser onde existam forças armadas,
quem faz tudo é o município ou como função própria, ou como função delega-
da: os recursos são distribuídos, normas e padrões são cobrados para que
se atendam aos objetivos dessa política. O caso da Dinamarca é curioso por
se tratar de um pequeno país; o governo central podia muito bem resolver
a questão, pois não tem a extensão territorial do Brasil. Mas essa política
é seguida em vários países desenvolvidos da Europa, e1n muitos países africanos
de independência recente e na Ásia. Se não der certo, então, retira-se de
determinados municípios aquelas funções, até que as coisas melhorem, e volta
para o governo central; se der certo, fica e no futuro, certas funções delegadas
se podem transfonnar en1 funções exclusivas, próprias. Essa experiência apenas
está começando no Brasil, se excluínnos as juntas de alistamento militar
e os tiros de guerra. Agora está começando, nos últimos anos e, apesar de
resistências internas do Poder Central - sabemos que há, no caso do SUDS,
algumas resistências - apesar de dificuldades em alguns municípios, porque
muitos não estão iincdiatamentc preparados para a descentralização; é inútil
pensar que estão. Na Europa e na Bahia é a mesma coisa. Se transferirmos
funções a certos municípios, sem preparação prévia, sem resistência técnica,
não vai funcionar. Temos acompanhado no IBAM, a assitência que estamos
dando à Colômbia, que tem um programa de centralização nos últimos seis
anos, aue vai indo, ou 1nenos, cotn os percalços naturais. Se não houver
essa as;istência técnica, isso não é possível. É preciso, em alguns casos. Por
isso mesmo, não se pode sitnples1nente delegar sem padrões, sem os standard,
sctn os recursos evidentemente, sem a cobrança e orientação para que isso
funcione.
Por que a descentralização é importante? Por que é importante que seja
o municipio? Porque sabemos perfeitamente que, com todas as deficiências
que possa haver em muitos governos municipais, o governq que está mais
próximo do povo sempre foi o municipal. E muito mais fácil, cem vezes
mais fácil chegar a um prefeito e se queixar, cobrando dele alguma coisa,

135
por motivos óbvios - não é pela personalidade do prefeito, pela bondade
dele - do que chegar ao Ministro, a um Secretário de Educação, da Saúde
do Estado, ou chegar a um representante regional, que não tenha a palavra
final, pois ele terá de ouvir o Secretário de Estado ou o Secretário do Minis-
tério, ou o Ministro. É tnuito natural que seja o município o órgão que,
estando mais próximo do povo, que pode cobrar mais do povo, tenha a
seu cargo certas funções que são de absoluta necessidade, as chamadas funções
de primeira necessidade, a que se refere o Prof. Bento Silva, no seu livro
"Teoria das Funções Municipais". Além disso, há também o critério das
escalas, que a Prof~ Ana Maria Brasileiro e eu dcsenvolve1nos em um trabalho
que ela fez sobre o Rio de Janeiro, sobre a fusão da Guanabara: "A Escala
Geográfica". Alguns serviços têm de ser federais pela escala geográfica, outros
têm de ser estaduais, agora que temos entes metropolitanos outros, pela
escala, devc1n ser eminentemente municipais. A escala técnica, a complexidade
técnica pode não ser superada no nível menor. Então, tem de estar no nível
maior. Condições financeiras também podem determinar que seja da esfera
maior, ou, e1n alguns casos, a esfera menor, pode perfeitamente cumprir.
E a escala do poder político? Claro que as relações diplomáticas jamais podem
ser exercidas por quem não tem o poder político, que é o Governo Central,
assim como o controle da 1noeda e do crédito. Evidentemente, são funções
tradicionais. Mas quem tem mais poder político para serviços de assistência
social, por exemplo? De longe, é o município. Por quê? Porque é o que
está mais perto e é o que pode ser cobrado. O necessário, como disse muito
bem o Dr. Pedro Demo, é que a participação comunitária saiba cobrar, partici-
par, para formular as políticas. É preciso que se evite o clientelismo nesse
nível também, o que é perfeitamente possível, através da participação comuni-
tária; é preciso que aumentemos, de certa forn1a, a participação comunitária,
o que o IBAM tem proposto há muito tempo: criar-se, nas Câmaras Muni-
cipais, o direito de qualquer cidadão usar da palavra nas sessões - isso
está introduzido em várias Câmaras Municipais do Brasil - para falar sobre
certos projetos, e també1n nas comissões; criarem comissões de participação
comunitária - a Deputada Benedita da Silva, quando era Vereadora no
Rio de Janeiro, tomou a iniciativa de criar na Câmara de Vereadores do
Rio de Janeiro uma Comissão de Assuntos Comunitários, de modo que as
associações comunitárias não tenham de pedir favor à Câinara para se relacio-
nar com ela. É um direito delas, porque há uma co1nissão especial para
isso. Essas modificações têm de ser feitas para complementar o processo
de participação comunitária: o que já existe, foi referido, está na Constituição,
a iniciativa privada, o referendum.
Sei que o meu tempo está acabando, mas quero dizer e insistir em que
vejo a descentralização co1no uma cotnbinação, no caso dos serviços sociais,
de funções próprias associadas a funções delegadas - é muito importante
introduzir e fortalecer esta prática - e a desconcentração. Desconcentra-se
o Governo Central, as esferas maiores desconcentram suas atividades, de

136
certo modo, e delegam essas atividades nas condições em que eu disse, o
que pode, eventualmente, vir a ser urna função própria, pode vir a evitar
o tipo pernicioso que temos das funções concorrentes, que não têm sentido
algum. As redes paralelas são um absurdo que deve ser objeto de todo o
repúdio de quem está pensando, sobretudo, nos serviços sociais, porque,
geralmente, é nesse campo que há aS redes paralelas, que são caras, duplicam
esforços, aumentando custos, dificultando integração, permitindo uma compe-
tência que não é a competência entre órgãos, que não é a co1npetência que
deve haver, absolutamente.
Quero concluir aqui minhas palavras pedindo atenção para que se presti-
giem esses esquemas de funções delegadas, delegação de funções, que já
estão sendo praticadas pela LBA, EDUCAR, FUNABEM, SEAC, SUDS,
SUCAM, para citar alguns órgãos. Creio que há um grande futuro na municipa-
lização desses serviços, através de funções delegadas por recursos padrões
e, evidentemente, controles. (!'almas.)

O Pe. MARINO BOHN


Expositor

Prefiro chamar todos de irmãos e irmãs, se me permitirem.


Irmãos, venho aqui como padre católico que ama a Igreja em processo
de conversão para os mais pobres, corno assessor da Conferência Nacional
dos Bispos do Brasil e Secretário da Cáritas Brasileiras, que é exatamente
o organismo da Conferência que atua junto às comunidades e populações
mais sofridas e carentes. Chamaria de empobrecidas aquelas pessoas e comuni-
dades que aos poucos foram perdendo sua dignidade, em vista do não respeito
aos seus direitos. Por isso, encontram-se em situação trágica, embora ainda
com um pouco de esperança. E, porque há ainda esta esperança, venho aqui
aqui em nome de toda essa multidão que invade este Brasil - os cortiços,
periferia, acampamentos sem-terra, bóias-frias, e assim por diante.
É claro que o assunto é vastíssimo. Vou-me deter em alguns pontos
que acho importantes para subsidiar esse trabalho que é extremamente impor-
tante, pelo que se propõe este Simpósio, na palavra do seu Presidente e
da Coordenadora-Geral, que dizem ser indispensável transformar em direito
aquilo que até então foi dado como esmola até hoje. E, ainda, que a construção
de uma nova ordem social depende do nosso trabalho, da nossa luta, do
nosso compromisso no resgate inegociável da vergonhosa dívida social brasi-
leira.
Para não nos omitirmos nesse esforço conjunto a fim de que tenhamos
uma sociedade justa e fraterna, em que todos tenham seus direitos respeitados,
viemos hoje aqui. E como pessoa que ama a Igreja em processo de conversão,
processo que significa que estamos buscando, cada vez mais imitar Jesus

137
Cristo na sna prática, não só no seu discurso. Se há um longo caminho a
perfazer ainda, o que importa é que estamos caminhando. E, como Ele se
desvelou na sua prática, no servir aos mais humildes, cabe à Igreja, hoje
- e por que não dizer?-, às Igrejas cristãs desvelarem-se também no serviço
a essa grande porção de empobrecidos, roubados na sua dignidade e nos
seus direitos.
Tais situações não acontecem por acaso; são fruto - e isso gritamos
aos quatro ventos por este Brasil afora - do sistema existente, profunda e
intrinsecamente injusto, pecaminoso. A Igreja, buscando fidelidade a Jesus
Cristo no seu discurso e na sua prática, sobreinodo, procura colocar na pessoa
humana sua atenção 1naior, porque é a pessoa humana o valor maior e 1nais
alto. Se escutamos aqui essas confissões públicas dos descasos aos empobre-
cidos, é exatamente porque não os enxergamos e ainda não os consideramos,
co1no Jesus Cristo, co1no pessoas irmãos e irmãs. Por isso, vão a eles as
migalhas das migalhas. Não digo nem as migalhas, mas, de fato, as migalhas
das migalhas. Assim, é importante ver a Igreja, em nome da qual falo, nesse
processo de prática coerente à de Jesus Cristo. E, como Jesus Cristo atuou
no concreto da sociedade, não nos cabe, como Igreja, atuar somente na
sacristia, como 1nuitos dcsc_iam que a Igreja faça. Cabe-nos, como fidelidade
à missão, atuar no concreto da sociedade, junto à vida concreta dos nossos
muitos e muitos irmãos. E como a ação de Jesus Cristo, o Mestre, Senhor,
foi transformadora, cabe-nos assumir uma ação formadora. Chamo a atenção
para este tópico, para que confrontem se, na verdade, nossa prática no campo
da assistência social é puramente assistencialista e promocional, ou se ela
caminha para um processo transformador e libertador.
A lei a qual queremos, em conjunto, propor para ser aprovada, para
o bem de todo o povo brasileiro, no campo da assistência, deve, necessa-
riamente - assim a Igreja o enxerga -- ser uma lei de amor. E, sendo uma
lei de amor, será geradora de vida, e vida abundante, não para uma minoria
privilegiada, 1nas para totalidade da nossa boa gente. A lei não é a vida,
mas deve assegurar a vida e possibilitar condições dignas para que todos
tenha1n vida abundante, e aqueles que a têm enfraquecida ou em risco possam,
com dignidade, recuperá-la,
Como alguém que fala em nome da Igreja, temos, por questão de justiça,
de confessar que é enorme o valor dos muitos e muitos serviços que a Igreja
prestou, ou que as Igrejas prestaram, até hoje, nos mais diferentes setores
da atividade humana, e o quão são benemérjtas essas 1nuitas e muitas pessoas
que atuaram, na ótica do seu tempo, no campo da assistência social. Todavia,
confessamos e reconhecemos, como Igreja Católica, que por muito tempo,
por tempo demasiadamente longo, fomos, a exemplo do Estado, uma máquima
distribuidora de bens, atenuando e acobertando as contradições sociais frutos
da injustiça. Nós, Igreja Católica, erramos muito nessa conivência com o
l'oder, _na distribuição dos bens. E confessamos mais, com muita lealdade,
p~ra que isso seja considerado dentro desse processo de conversão para uma
prática diferente, uma prática de Jesus Cristo: fomos colaboradores na execu-
ção de grandes programas sociais, nacionais e internacionais, que desarticu-
laram iniciativas comunitárias e populares de longo alcance e, por isso, somos
também culpados, hoje, pela atual dependência de nossa boa gente, culpados
de sua pobreza e de sua ignorância. Nós, Igreja Católica. E porque erramos
muito, atuamos hoje, a nível de Brasil, na área do social, buscando recuperar
a prática original e o conceito original de caridade, ensinado e deixado a
nós por Jesus Cristo.
Carregamos uma herança muito pesada, que é a fama de uma prática
tncramente assistencialista. Constata1nos, felizmente -e també1n confessamos
alto - que a partir de u1na autocrítica a Igreja assu1niu uma nova postura
e decididamente está pondo e1n prática uma ação evangelizadora nova, visando
a contribuir decidida e eficazmente, na construção de u1na nova sociedade.
Essa nova postura está expressa no objetivo geral da Conferência Nacional
dos Bispos do Brasil, que assim reza:
"Evangelizar o povo brasileiro, em processo de transformação social,
econômica, política e cultural, anunciando a plena verdade sobre Jesus Cristo,
a Igreja e o Homem, à luz da evangélica opção preferencial pelos mais pobres,
pela libertação integral do homem, numa crescente participação e comunhão,
visando formar o povo de Deus e participar na construção de uma nova
sociedade, justa e fraterna, sinal do Reino Definitivo."
Após estas considerações e confissões, quero apresentar aqui alguns dos
princípios de ação que perpassam essa nova ação da Igreja Católica no Brasil,
na área social.
Primeiro, o princípio de que o povo é o sujeito de sua promoção e,
nós, os servidores desse povo: Jesus, eu vim para servir. A nós cabe a mesma
postura. O povo, portanto, como sujeito. E esse povo está desejoso de partici-
par, sente seu potencial e capacidade, quer ser gente, sujeito, e não objeto
de uso e abuso. Queremos não mais fazer para ele, mas queremos fazer
com ele; ele como sujeito. Aí vem o novo e, parece, é um aspecto importante
a ser considerado na discussão: o fazer com ele e não mais para ele, como
aconteceu até hoje e acontece ainda muito. Acontecer com ele, fazê-lo desco-
brir, ler a realidade que ele vive e a realidade que o rodeia. Ao mesmo
tempo, anunciar a ele o projeto de Jesus Cristo que, comparado com a realidade
de sofrimento, faz o povo descobrir a injustiça, começando a entender o
desejo transformador de Jesus Cristo. Ele vai entrar na de Jesus Cristo. Irá
se conscientizando e se organizando em grupos, bairros e associações e sindica-
tos, apoiará partidos, irá, _organizadamente, mobilizar-se e começar a exigir
os seus direitos, conquistando-, uma após outra, suas propostas e necessidades.
Conseqüentemente, conseguirá ele mesmo a resposta às suas necessidades.
Isso é extremamente importante: o trabalho com ele e não mais para ele.
Esse povo é feito à imagem de Deus - e é inteligente por isso mesmo -
tem vontade e vocação comunitária organizativa.

139
Terceiro princípio: o povo, também o empobrecido, precisa descobrir
que, cónsciente, organizado e mobilizado, é gerador de vida para ele e para
muitos outros. Essa vida gerada por sua pressão será fruto da exigência por
justiça.
Quarto princípio: o povo consciente, organizado e animado pela fé em
Jesus Cristo reconquistará, ele mesmo, com assessorias, sua dignidade e verá
seus direitos respeitados e, se não os forem, há de denunciar e há de anunciar
a justiça; sua prática será coerente com seu anúncio.
E o último - e esse é importante também dentro desse processo que
está acontecendo aqui - a participação nessa elaboração de uma lei orgânica
para a assistência social. A nós, Igreja, e a todos nós, irmãos, não cabe
ter medo de tensões. Elas são normais, porque o mudar é muito difícil, ainda
mais quando estamos a essa distância, como falava nosso companheiro, de
uma sociedade moderna. Se é difícil, cabe-nos também ter essa convieção
de que a mudança, a transformação não se fazem sem uma certa dose de
conflitos - e que dose cavalar de conflitos!
Terminando, faltam-me poucos minutos, constatamos, na prática, o quan-
to surtem efeitos positivos e transformadores nessa prática de atuar com as
coinunidades, com os grupos, evitando e superando o fazer para eles; conside-
rando-os não sujeitos, 1nas considerando-os objetos - não nos cabe - isso
é injusto - considerá-los como objetos. Temos como modelo a parábola
do Bom Samaritano, que parou junto ao quase morto, tomou-o consigo e
deu condições à sua recuperação. Ele o fez de novo gente, caminhando com
seus próprios pés. Por isso, ele foi considerado o próximo daquele quase
tnorto. Então, não nos cabe perguntar quem é nosso próximo. Jesus nos
mostra que precisamos ser próximos daquele que está à margem. Cabe fazer
com que aquele que está à margem seja nosso irmão e tratá-lo como tal.
O rico, que foi condenado, porque jogou para Lázaro, o pobre, as migalhas,
não foi condenado porque era rico, foi condenado porque não saiu de si
mesmo. Ele não se fez próximo do semimorto. Ele olhou à distância. Não
saiu de si, do seu egoísmo e da sua estrutura injusta. Não partilhou com
ele. Por isso, foi condenado. Então, a nós, irmãos, cabe sairmos de nós
e ajudarmos outros a saírein de nós, para que participativamente transfor-
memos essas grandes camadas empobrecidas em gente. Que eles saiam e
deixem de ser trapos, sendo gente, com vida de gente com sua dignidade
honrada! Essa prática transformadora é muito difícil. Mas, como cristãos
- e com isso eu termino - que entramos na opção de Jesus Cristo e nos
propomos entrar nesse processo de conversão para a prática Dele, somos
motivados, não só por razões humanas de compaixão e 1nisericórdia, mas_.,
principalmente, somos animados pela fé, que é o impulso mais forte em
nossa vida. E, se impulsionados pela fé, pelo espírito de coragein que todos
recebemos - e por isso possuímos - trabalhamos todos e trabalhamos muito.
E, como disse Paulo, Apóstolo: "Quem trabalha, deve trabalhar com esperan-

140
ça". Apelamos a que todos nós, que aqui estamos reunidos, trabalhemos,
mas com esperança. Ainda é possível mudar. Vamos mudar, dando-nos as
mãos, trabalhando em conjunto com as populações, descentralizando e fortale-
cendo os organismos, em todos os níveis, para que isso possa acontecer.
O nosso obrigado e o nosso abraço a todos. (Palmas.)

A SRA. IVANISA MARIA T. MARTINS


Expositora

Deputado Nelson Seixas, Deputada Maria de Lourdes Abadia, Srs. com-


ponentes da Mesa senhoras e senhores, vamos iniciar nossa palestra falando,
primeiro, do grande questionamento da área da assistência social, sobre quem
é a clientela da assistência social a quem se dirige a assistência social e em
que contexto político e sócio-econô1nico essa clientela se encerra.
À primeira vista, a assistência social dirige-se à mendigos e à população
de rua. Mas sabemos que também os subempregados e os trabalhadores que
recebem até dois salários mínimos encontram-se abaixo da linha de pobreza
e são clientes da assistência social. Percebe-se que há um efeito perverso
que determina a estrutura social brasileira, produzida por um modelo concen-
trador de renda. Como esse modelo depende da acumulação de riquezas
nas mãos de poucos, também depende da repressão às demandas sociais.
E, quanto 1nais autoritário o governo, mais a questão social é tratada corno
caso de polícia, de controle social.
Nos períodos de transição democrática, restabelecidos os direitos sociais
na Constituição, cabe fazer as reformas institucionais e, mais do que nunca,
democratizar a gestão pública, redistribuir benefícios, serviços e renda. Só
que as marcas herdadas do autoritarismo são profundas e as reformas institu-
cionais, políticas e administrativas encontram resistência, porque ferem inte-
resses. A sociedade faz o discurso do dever do Estado. E o Estado responde
com demagogia. Não há recursos para a saúde, para a educação, não há
terras para o lavrador, não há dinheiro para pagar os aposentados. E o Governo
responde que é preciso equilibrar as finanças públicas, que há outras priori-
dades, que já se havia comprometido com o FMI em reduzir o deficit público
para poder tomar mais empréstünos no exterior que servem para amortizar
os serviços da dívida externa, que, pelo jeito, será eterna.
Os Srs. Constituintes, sabedores do fato de que o uso do cachimbo faz
a boca torta, e estimulados por um forte movimento de reforma sanitária
que se desenvolveu por força de recursos previdenciários cuja destinação
não dependia de autorização da área econômica, aprovaram um sistema de
seguridade social em orçamento independente. Desta forma, estaria garantido,
constitucionalmente, o desenvolvimento de uma política social, como foram
definidos, inclusive, os percentuais no orçamento fiscal destinados à educação.
A Carta Política tornou-se um instrumento de defesa dos direitos dos trabalha-

141
dores, há anos vilipendiados. Foram aprovadas as seguintes fontes de financia-
mento para a seguridade social: contribuição social sobre folha de empregados
e empregadores; contribuição sobre lucro e faturamento das empresas; contri-
buição sobre Loto, Loteria Federal, Esportiva, corridas de cavalos e outras,
além das contribuições da União, dos estados e municípios. É número sufi-
ciente de fontes de financiamento para dar cobertura às ações da seguridade
social.
A área econômica, não satisfeita ein não dar.prioridade à questão social,
destinando recursos da União para este fim, pondo em dia sua dívida com
a Previdência, passou a defender um caixa único, declarando que a máquina
de arrecadação da área econômica era mais eficiente do que a da Previdência
Social. Além disso, o Governo deslocou órgãos da assistência social para
o Ministério do Interior, acompanhados, é claro, dos recursos do Fundo da
Previdência e Assistência Social, quando a perspectiva era de unificação das
três ações integrantes da seguridade social: previdência, saúde e assistência
social.
As contribuições sociais sobre faturamento e lucro das empresas, reco-
lhidas pela Receita Federal, ficaram sob o controle do Tesouro Nacional,
e a Constituição, .iá cm 1989, foi descumprida. Agora, fala-se no deficit da
Previdência Social. Se há déficit na Previdência, imaginem o que aguarda
a assistência social.
É por estes motivos, em defesa da ordem social na Constituição, que
foi produto das reivindicações de toda a sociedade civil, que propomos o
cumprimento da lei, a transparência administrativa e a participação popular.
As regras do Estado de Direito estão postas. Cabe a todos nós, técnicos
e cidadãos, resguardar as garantias constitucionais. Muito nos agradou a pre-
sença, aqui, da comissão de trabalhadoras rurais da CONTAG. Não foi à-toa
que estiveram presentes exata1nente no Simpósio de Assistência Social, quando
deveriam estar presentes no Simpósio da Previdência Social. Estivemos presen-
tes a este simpósio, aqui, e percebemos que não houve referência à situação
dos trabalhadores no campo e à cobertura previdenciária. Percebemos tam-
bém, a nível do Executivo, que não havia estudos suficientes sobre a 1natéria,
mantendo-se esse segmento de maneira discriminada, excluindo-se, enfim,
esse segmento da sociedade. Tem razão a trabalhadora rural, quando diz
que foram discriminados porque não foram revistos os benefícios rurais, que
perfazem meio salário mínimo, porque o que está na Carta é a recomposição
dos benefícios previdenciários a partir dos salários mínimos da época da conces-
são. Como o benefício rural não é de utn, mas de meio salário mínimo,
eles não foram absorvidos por este artigo. Foi mantido, então, o mesmo
valor do benefício do rural.
Outra questão defendida pelos trabalhadores rurais é a de que, no Ante-
projeto da Previdência, não estão resguardados os benefícios do Pró-Rural.
Como vêem V. Ex•', na medida em que o benefício do Pró-Rural - que

142
é o programa de assistência ao trabalhador rural - é de meio salário mínimo,
ele foi entendido pela área econômica do Governo como benefício assistencial.
De fato, era benefício assistencial. E ainda não conseguimos - nós, da Previ-
dência - garantir a cobertura dos benefícios do Pró-Rural para os trabalha-
dores rurais. Por isto, a importância da presença destas trabalhado·ras aqui,
hoje.

A necessidade da asssitência social em nosso País não é residual, mas


pretende ser compensatória e recuperadora de direitos Não se- trata, por
1

outro lado, de, a partir da assistência social, criar um sistema público de


atendimento à sociedade informal, concorrente com o sistema público de
atendimento à sociedade formal, como tentou a Secretaria de Desenvolvimento
Social no Município do Rio de Janeiro, num esforço sobre-humano de constru-
ção e manutenção de creches e escolas comunitárias, e de iniciativas de geração
de renda. Essas iniciativas podem atender a curto e médio prazos às necessi-
dades de uma parcela da chamada sociedade informal, mas acabam reprodu-
zindo um sistema não oficial de prestação de serviços. Há uma sociedade
excluída dentro de uma outra sociedade; uma sociedade sem registro mergu-
lhada numa economia informal, mas que produz e gera riquezas. Trata-se,
sim, de, através da descentralização político-administrativa, dar autonomia
a Estados para coordenar, e municípios e entidades beneficentes de assistência
social para executar uma política integrada de ações. Se a Lei Orgânica da
Saúde regulamenta as ações de saúde de caráter preventivo e desenvolve
programas alimentares, cabe ao órgão de assistência social reforçar essas ações
em benefício de todos; acompanhar, fiscalizar, garantir que a sociedade infor-
mal, sem registro, seja atendida em igualdade de direitos pela saúde. Se
a Lei de Diretrizes e Bases da Educação regulamenta o ensino para erradicaçáo
do analfabetismo e para igualdade a todos de acesso ao ensino, cabe ao
órgão de assistência social não deixar de subvencionar as escolas co1nunitárias,
mas legalizá-las junto ao sistema oficial de ensino e garantir que mais escolas
públicas atendam à sociedade informal. Se o Ministério do Trabalho e as
Secretarias de Estados e Municípios somente tratam da situação jurídica e
trabalhista do assalariado com registro profissional, cabe ao órgão de assistên-
cia social defender o estabelecimento de uma política a ser desenvolvida pela
área do trabalho, no sentido de adotar programas que absorvam o mundo
do trabalho informal e propiciem a organização da produção e do trabalho
no campo e na cidade. Se o Ministério da Previdência Social tem por obrigaçáo
pagar aposentadorias e pensões ao contribuinte previdenciário, cabe ao órgão
de assistência social vincular~se à estrutura administrativa desse Ministério,
para garantir o pagamento dos benefícios de regimes não contributivos que,
financiados por toda a sociedade, conforme as fontes de financiamento que
discriminamos, sejam pagos àquelas famílias que precisam da complementação
financeira para não se desagregarem, aos idosos e aos portadores de deficiên-
cias. Devem-se oficializar· os cidadãos do campo e das cidades que não têm

143
ainda registro nas estatísticas, na economia, na produção e no trabalho. O
papel da assistência social, neste momento do País, é o de caminhar para
se tornar efetivamente residual, na defesa de uma política de desenvolvimento
social que atenda a todos seus cidadãos contribuintes, direta e indiretamente,
dentro de uma perspectiva redistributiva que reduza ao máximo as desigual-
dades sociais. (Palmas.)

O SR. PAULO DE TARSO CARLETTI


Expositor

Srs. Deptutados Nelson Seixas e Raimundo Bezerra, Deputado e ex-Mi-


nistro Borges da Silveira, Deputada Benedita da Silva, aqui presentes, tenho
uma dupla missão. Em primeiro lugar, como alguém que há 5 anos, desde
as grandes esperanças de uma Nova República neste País, até este momento,
participou e continua participando de uma certa luta, de uma certa vontade
e esperança de que a assistência social viesse a ocupar um espaço dentro
do Governo. Com essa perspectiva - somente com ela - é com muita alegria
e com muita esperança que vemos, aqui, pela pritneira vez, mais de 600
pesso_as, trabalhadoras e trabalhadores rurais, reunirem-se, em Brasília, ·que,
para muitos, é uma cidade distante - mas não em Brasília, dentro do Con-
gresso Nacional-, para usarem do direito de participar, de serem ouvidos
e ouvidas, qualquer que seja sua opinião. Esta é uma área polêmica, sim,
porque se está iniciando, se está organizando, se está tentando montar uma
lei orgânica, se está tentando ocupar espaço depois de uma série de lutas,
tendo atrás uma população que, segundo os dados, oscila entre 65 e 70%
no País. Quase poderíamos dizer que essa é a população e o resto é a exceção.
É uma ironia buscarmos um espaço para que se ouça essa luta que tem
sido feita e que, muitas vezes, foi inglória. Este momento tem de ser registrado,
porque reunir tantas pessoas, em busca desse contexto e dessa legislação,
não foi fácil.
Cabe-me ser o último a falar. Muitas coisas e quase tudo foi dito. A
busca de uma legalização legitimada de uma lei orgânica para uma população
pobre, despossuída, seja lá o que for, não será uma luta que ter1nina aqui.
Sabemos e temos consciência de que a Constituição definida e decidida não
foi uma chancela dos direitos conquistados e estabelecidos. Precisamos ter
muito cuidado, porque a luta se inicia agora; o espaço para ser ocupado
se inicia agora, está começando agora. Precisamos ter tnuito cuidado para
não exigir que os despossuídos e os miseráveis se unam para buscar seus
direitos, direitos que aqueles que se consideram cidadãos, trabalhadores, ainda
não têm. São cidadãos, mas os seus direitos ainda não estão sendo executados.
Precisamos ter muita cautela, pisar em terreno firme, saber por onde estamos
,CJi:J-:l;iin_hando_. _Para isso, é muito importante que enxerguemos a realidade
~f:,~_sJ~µios pisando hoje; saibamos distinguir Governo de Estado; saibatnos
ver qual a estratégia, qual o caminho a seguir. Nosso País tem uma História.
A assistência social tem uma história arraigada, que não se modifica, que
não se vai mudar do dia para a noite. Muito dessa história, V. ·Ex~ 5 conhecem,
foi muito assistencialista. O contexto do Brasil é capitalista. Os anos da "Glo-
riosa" sedimentaram essa filosofia da famosa divisão do bolo. Ainda que
existisse urila lógica interna nessa perspectiva econômica de que, o bolo cres-
cendo por inércia, talvez a população carente assumisse, tal lógica chegou
ao que temos atualmente: o assistencialismo, o uso eleitoreiro, o abuso das
verbas destinadas a essa área de assistência social, até para fins -de eleição
de pessoas que hoje são Parlamentares nesta Casa. É importante que saibamos
que esta é nossa realidade.
A Constituição, como o Prof. Pedro Demo disse, é basicamente capitalista
e liberal, mas abre uma perspectiva. O primeiro artigo da Ordem Social,
o art. 193, coloca como o objetivo da ordctn social o bem-estar e a justiça
social sob o primado do trabalho. É evidente que a Constituição não está
co1no gostaríamos que fosse. Colocar a justiça social como objetivo não é
correto, pois ela é dinâmica, deve permear todas as ações no campo social,
não é um objetivo a ser conquistado; a justiça está. lá conte1nplada. Quando
se refere ao primado do trabalho, o risco que corremos - e estamos correndo
ainda dentro da tecnocracia do Governo - é chamar o salário de renda,
é ainda ter defeito da boca torta por causa do cachimbo. Salário nunca foi
renda. Por que? Porque se coloca o primado do trabalho. Em um dos grupos
houve uma discussão muito rica no sentido de saber o que é o princípio
da necessidade, historicamente determinada; o que é. o primado do trabalho,
que está na Constituição. Tal distinção, para nós, é muito séria, -seriíssima.
Quando colocamos o primado da necessidade, estamos colocando o primado
da dignidade da pessoa; estamos colocando o primado da liberdade; estamos
colocando o primado da própria sociedade valorizar seu cidadão, enquanto
pessoa. Não corramos o risco de traduzir o nosso· cidadão, pobre ou rico,
a um conceito mera1nente jurídico, o sujeito que tem seus direitos, pois a
pessoa humana transcende direitos, não se esvazia através de utn conceito
jurídico. É importante sabermos que nosso trabalho aqui tem uma prospectiva;
é um trabalho que se vai iniciar; é um trabalho para o futuro. Vai depender
muito, como disse Herbert de Souza, num artigo do Jornal do Brasil, da
semana passada, da grande importância que temos que dar à inteligência
na elaboração dessa legislação; da importância que temos que dar a certos
fatos e certos confrontos que nesta hora não interessam. Isso é preciso, princi-
palmente para nós, que vamos somar na elaboração desta regulamentação.
A assistência social sempre foi vista, queiramos ou não, neste muÍldo onde
o capital prevalece, como resíduo. Lembro-me, em nossos primórdios na
Secretaria de Assistência Social, quando fomos discutir um pouco a questão
de recursos com o então Secretário de Planejamento da SEPLAN a dificuldade
que tivemos em lhe explicar o que é assistência social, o que fazíamos. Não

145
encontrávamos um jeito de dar a explicação. Por sorte, estávamos em três,
e a terceira pessoa, além do então Secretário, era um economista. Ele começou
a desenhar num papel. Quando mostrou o desenho para o então Secretário,
é que ele veio entender o que é assistência social. O desenho era muito
simples: ele fez umas colunas, quase como se fosse um modelo estatístico,
em cada coluna um órgão do Executivo - Ministério da Educação, Ministério
do Trabalho, Ministério da Saúde~ parou essa determinada coluna em deter-
minado nível; juntou tudo corno se fosse um escoadouro, fez embaixo uma
bola e escreveu "resíduo". Quando ele mostrou esse desenho ao Secretário,
ele entendeu o que era assitência social e disse: "Então, vocês cuidam do
resíduo?" Dentro daquela lógica, ele estava perfeitamente certo. Ou, senão,
de Assistência Social, vivíainos em determinado tempo urna angústia terrível,
com um decreto presidencial de incorporação da F ATR à LBA. Talvez muitos
de V. Ex•' conheçam esse assunto. Naquela época, com o decreto presidencial
na mão, houve mudança de Ministros. Diga-se de passagem que neste cinco
anos tivemos cinco Secretários, inclusive, tiveram-me como substituto quase
um ano. Passou-se algum tempo, e os operários sociais da FATR, não vendo
essa incorporação, ou talvez querendo ou não essa incorporação, mas querendo
que seus níveis salariais miseráveis de então, por força disso, tivessem uma
equiparação, começaram a entrar em greve. A angústia que vivíamos naquela
época, de fazermos alguma coisa acontecer, fosse ela qual fosse, a tentativa
de chegar até as pessoas do poder, eu ainda em nível de Secretário, como
na época estava, passando-se esse tempo e as coisas não acontecendo,_determi-
nado dia fui chamado pelo Secretário-Geral de então, que me disse: "Carletti,
perdoe-me por não tê-lo chamado antes. Mas, como vocês têm 1% do Orça-
mento da Previdência, vou dar-lhe 1 % da atenção".
Esta é a 'realidade, ainda. Não nos vamos iludir. Por melhor que seja,
se Deus nos ajudar que a escolha do futuro Presidente da República seja
a melhor, nem assim vai significar que as coisas vão mudar de imediato.
Citando novamente o Prof. Pedro Demo, apesar de S. S• ter colocado
com muita crueza o aspecto real do que é o Estado, o Governo e como
deve ser o trabalho comunitário, não podemos, evidentemente, como S. Sa.
bem disse, fazer com que a comunidade, a sociedade, seja quem for, as
sociedades organizadas ou desorganizadas venham a substituir o que é do
Estado e do Governo. Mas esse pessoal-nós-vai legitimar as reivindicações
e os direitos que estão hoje na Constituição e ninguém tira. Por mais que
se tente desvirtuar, cooptar, forjar, usar para fins eleitoreiros, sejam eles
quais forem, a comunidade está lá para vigiar e controlar. Nós, que vamos
ter de enfrentar essa realidade, precisamos de uma consciência muito clara,
de como essa nossa sociedade, hoje de miseráveis, de pobres, e é com essa
que vamos lidar, tem esses direitos. Como chegarem a esses diréitos? Qual
a estratégia a ser usada para isso? Tenhamos consciência, também, de um
fato que é extremamente importante hoje: como diz o próprio Wqlter Barelli,
em um dos seus artigos, o Brasil, hoje, com 140 milhões de habitantes, qualquer
iniciativa que se tenha de alta sofisticação, no campo da indústria, possui
um mercado de 10 ou 15 milhões de pessoas. Uma fábrica de vídeo cassete,
de alta sofisticação, que se instale e1n Manaus, tem um mercado de 10, 15
milhões de pessoas. O risco que corremos, neste País, é fazer com que ele
se torne um emirado, uma pequena Dinamarca ou uma Dinamarca pequena,
onde essa sociedade privilegiada, daqueles que estão nas esferas mais altas,
conso1nem o suficiente, para que se instale aqui alta tecnologia, e cada
vez mais se distancie o fosso entre essa camada e os pobres deste País. É
muito importante que tenhamos consciência de que ainda não há no Brasil
u1na união da ordem lógica e econômica com a ordem social. O fosso é
muito grande. Ainda não existe interlocução. Se a econon1ia é uma ciência
social, como dizem, ainda estamos ao nível de uma econometria, de uma
quantificação de dinheiro. A Profª lvanisa foi muito clara quando disse dessa
interface ou desse confronto.
Acabei me desviando do meu assunto, que estava escrito, mas uma pales-
tra de encerramento, co1n tudo o que já foi dito aqui, 1nais praticamente
de quem vivenciou os três dias, neste 1nornento, perdoem-me, gostaria 1nuito
de salientar a presença da Prof' Marina, que permaneceu os três dias aqui
e tem sentido essa realidade (palmas}, gostaria muito que prestassem um
pouco de atenção em um documento que foi distribuído ontem. Não é minha
intenção defendê-lo, absolutamente, mas foi elaborado e de uma legitimação
muito grande, a partir de outubro do ano passado, que é o Estatuto da
Criança e do Adolescente. Posso até discordar de alguns pontos que aí estão,
mas vejam como é iinportante e como se consegue fazer alguma coisa com
a própria participação comunitária, legitimando essa proposta, esse docu-
mento; pode ser questionado, mas os senhores que tên1 esse documento dêe1n
uma lida e vejam como é a elaboração de uma regulamentação. Evidente-
mente, o documento não está aqui para ser discutido, mas para sentirem
um pouco que, saindo daqui, poderíamos nos sentir frustrados.
Onde está a legitimação dessa lei que estamos querendo propor aqui?
Onde vamos buscar essa legitimação? Há tempo ainda e há muita oportu-
nidade. Daqui a pouco, cada um vai para sua terra, vai para seu lugar de
trabalho, vai entrar em contato com sua comunidade, vai levar uma proposta
que deverá sair daqui, se Deus quiser, o mais abrangente possível, aquilo
que foi possível dentro do limite do tempo; ainda no plenário desta tarde,
com todas as votações, busquem legitimar, pressionem, enviem para cá de
novo as propostas que forem discutidas, as decisões da base. Isso, para nós,
é muito importante.
Por último, co1no alguém que sempre lutou e nunca se posicionou como
um burocrata do Governo - não há como se posicionar nesta nossa área
- gostaria de esclarecer e até fazer uma reivindicação da própria equipe
da Secretaria de Assistência Social, no sentido de que, se hoje essa competência

147
não nos cabe mais, peregrinou para o Ministério que foi criado, o M-10,
que depois foi extinto. E, quando passou do MH-10 para o Ministério do
Interior, houve um dia - não Sei se· os senhores estiveram atentos - que
essa competência voltou para a Secretaria por um erro de Medida Provisória,
e no dia seguinte, passou para o Ministério do Interior, onde aquele trabalho
de competência da Secretaria de novo foi para o Ministério do Interior. Nosso
pessoal, que viveu todo esse processo, pediu ontem em urna reunião que
eu aqui dissesse claramente da vocação da Secretaria de Assistência Social,
que ainda existe dentro do Ministério, que se voltou para um trabalho de
assistência previdenciária, um trabalho talvez de urna vocação anterior, quando
da própria criação do SINPAS que, posteriormente, foi-se evoluindo, até um
1976, a integração final da LBA, FUNABEM e do trabalho que se está fazendo
hoje dentro desta Secretaria, onde há uma busca de legislar também as ações
da Previdência e de participação dos seus beneficiários dentro até dos órgãos
colegiados desse Ministério - que estamos revendo e reelaborando - e
dos conselhos comunitários que foram criados, _numa perspectiva de fiscali-
zação da Previdência, que estamos reformulando através dos próprios preceitos
constitucionais, e1n que o trabalhador te1n que participar da Previdência,
porque é uma casa dele, dos órgãos até deliberativos.
Para encerrar, gostaria de manifestar minha alegria de ver tanta gente
aqui - mais de 600 pessoas - procurando, repetindo minhas palavras de
início, fazer com que aconteça a área da assistência social neste País. Os
senhores têm todos os elementos, alguns talvez não, naquelas polêmicas de
discussões, de uma política social, de uma política pública, de uma política
específica de assistência social. Essa fundamentação teórica é importante,
mas, acima de tudo, paira uma consciência tnuito firme, muito grande, pois,
infelizmente, estamos legislando, talvez, para 70% da nossa população. (Pal-
mas.)
O SR. DEPUTADO NELSON SEIXAS
Coordenador

Queremos fazer alguns registros.


Primeiro, a Presidência dos trabalhos se associa a esta homenagem à
Dr' Marina Bandeira, que estr~ve aqui (palmas), inclusive com os assessores
Arnaldo e Bocaiúva, participando efetivamente do Simpósio. Tomara que
todas as ações seja1n realmente integradas. Inclusive, vimos ontem, na área
do menor, órgãos do Governo Federal desligados.
Queríamos também agradecer a todos os presentes e consignar a presença
da Dr' Alizair Guarino, nossa confreira. Ela é Presidente da Federação Nacio-
nal da Sociedade Pestalozzi e foi Diretora do Centro Nacional de Educação
Especial - CENESP, hoje Secretaria de Educação Especial do Ministério
da Educação. (Palmas.)
Queria fazer também urna homenagem carinhosa a D. Lo urdes Vanilda
Favieiro, que é uma lutadora. Essa companheira veio da Grande Porto Alegre
e nos trouxe em n1ão uma emenda popular com quase 50 mil assinaturas,
esteve rodando os gabinetes do Presidente da Constituinte e do Relator Bernar-
do Cabral, ainda estava lá agora procurando o Senador Alrnir Gabriel, preocu-
pada com ·a assistência da pessoa deficiente, carente. Este é o objeto da
assistência social. Só agora ela conseguiu a garantia de um salário mínimo
de benefício mensal aos deficientes. Tenho a oportunidade, co1no Relator,
Vanilda, da grande responsabilidade de conjugar os projetos de lei dos Depu-
tados Francisco Amaral, Darcy Deitas, Sérgio Spada, Carlos Vinagre, Rita
Carnata, Osvaldo Bender, Paulo Zarzur, para fazer um consenso de todas
essas posturas: não qucre1nos que o benefício mensal seja paternalista, assisten-
cialista; esperamos que não mate a integração no mercado de trabalho da
pessoa deficiente, mas que tatnbém não deixe pessoas deficientes morrerem
em asilos e manicômios do Governo; qu·= tenhamos a custódia efetiva daquele
nosso filho que chega a uma posição de quase abandono e que precisa, efetiva-
mente, da cobertura do Estado. Parabéns pelo seu trabalho.

A SRA. IV ANISA MARIA T. MARTINS


Expositora

Esta é minha preocupação agora: que esse meu grande trabalho não
se torne um prejuízo para nosso querido deficiente. Aquele que consegue
trabalhar, é muito digno e é muito justo que trabalhe. Minha preocupação
maior sempre foi com o deficiente vegetativo, o deficiente total, físico e
mental. (Palmas.)

O SR. JOÃO ZITO MACEDO


Representante do Dr. Pedro Pullen Parente

Exrn' Sr. Deputado Nelson Seixas, demais parlamentares presentes, se-


nhoras e senhores, quero dizer apenas duas palavras para posicionar nosso
papel: é realmente muito difícil administrar a escassez. Muitas vezes, nos
sentimos angustiados por não poder satisfazer a todas as prioridades e a
toda a demanda com recursos para projetos nobres que precisam ser colocados
em execução.
Quero também conclarnar todos para urna participação comunitária na
discussão do Orçamento, no processo de alocação de recursos, que, hoje
democratizado, tramita nesta Casa e permite, através do Congresso Nacional,
emendas e ajustes de alocação, possivelmente para corrigir erros que possamos
cometer em gabinetes, em comportamentos muitas vezes tecnocrático, neófito,
sem sensibilidade, por ignorância em termos de conhecimento de causa, em

149
final de linha, quanto às reais necessidades, principalmente na área social.
Em época de escassez, de falta de recursos, de déficit, que estamos vivendo,
é importante que haja essa preocupação de maxin1izar o uso desses escassos
recursos. Constatamos, aqui, que há un1a preocupação tnuito grande em se
elüninar paralelismos. Realmente, a pulverização leva à ineficácia, não tenham
dúvidas. Sentitnos que, mesmo co1n poucos recursos, mas com boa gerência
ou maximização do uso desses recursos, talvez não atinjamos uma plenitude
em tern1os de satisfação de resultados na área social, mas consigamos atenuar
algumas injustiças e pcr1nitir que os marginalizados, os que não estão envol-
vidos em programas formais de governo institucionalizado, tenham também
uma participação e1n termos de uma assistência, atravé·s de programas governa-
mentais.
Esta é minha preocupação.
Nós, da SEPLAN, não estruturamos nem redefinimos posicionamento de
órgãos. U posicionamento e a multiplicidade de órgãos, se existe, é porque
são aceitos pela sociedade. A sociedade pode mobilizar-se e, através dos
seus representantes, os parlamentares, tentar inibir essa proliferação de órgãos
que, muitas vezes, prejudicatn a utilização de recursos escassos.
Era este o registro que gostaria de fazer no sentido de dizer que também
nos preocupamos, que não somos tão insensíveis. Talvez, por ignorância,
deixemos de priorizar determinada ação. Mas o Orçamento, hoje, não é
uma peça que é concluída e vem para a homologação do Legislativo. O
Orçamento é uma peça que caminha para a discussão, para ser criticado
e redefinidas posições pelo próprio Legislativo. (Palmas.) .

ENCERRAMENTO

O SR. DEPUTADO NELSON SEIXAS


Coordenador

Em nome da Comissão de Saúde, Previdência e Assistência Social, em


nome do seu Presidente, o Deputado Raimundo Bezerra, da Coordenadora
do 1 Simpósio Nacional sobre Assistência Social, Deputada Maria de Lourdes
Abadia, queremos agradecer aos ilustres expositores que participaram desta
terceira e última mesa-redonda de um simpósio nacional que é o primeiro,
mas esperamos que tenha seqüência, e até mesmo extinção, desde que se
extinga a assistência social.
Então, agradecemos ao Dr. Pedro Pullen Parente, que foi substituído
Dr. João Zita Macedo, da Secretaria de Orçamento e Finanças, da
SJiPLAN, ao Dr. Pedro Demo, Técnico do Instituto de Planejamento, IPEA
'à;,([i)yj Aldaíza Sposati, Secretária das Organizações Regionais da Prefeitura
São Paulo; ao Prof. Diogo Lordello de Mello, Assessor
Especial para Assuntos Internacionais do Instituto Brasileiro de Administração
Municipal; ao Padre Marino Bohn, Secretário Nacional de Cáritas Brasileira;
à Dr' Ivanisa Maria Matins; ao Dr. Paulo de Tarso Carletti, ambos da Secre-
taria Nacional de Assistência So.cial do Ministério da Previdência e Assistência
Social, pela brilhante participação nesta Mesa.
Queremos ainda agradecer aos Srs. Deputados Borges da Silveira, Bene-
dita da Silva e outros que passaram por aqui, a presença, assim como a
Paulo Delgado, Farabulini Júnior e demais parlamentares que tomarão conhe-
cimento das deliberações deste Simpósio.
Damos por encerrada esta mesa-redonda.

151
GRUPOS DE TRABALHO

GRUPO 1- Tema: Definição da Assistência Social; funções, princípios, dire-


trizes e campo de atuação.
Relatores: Deputada Benedita da Silva
Ilza Maria Pereira Sant'Ana
Jaime Moura
GRUPO 2 -Tema: Organização, gestão e competência da União, Estado
e Município na área da Assistência Social; revisão do papel
das instituições federais hoje.
Relatores: Albamaria Paulino de Campos Abigalil
Ma ria José J ucá
GRUPO 3 - Tema: Participação da população:
a) na formulação das políticas de Assistência Social e controle
das ações em todos os níveis (artigo 204, inciso II);
b) na gestão administrativa da Assistência Social (artigo 194,
inciso VII).
Relatores: Vitória Gois de Araújo
Venina Chiappin
GRUPO 4 - Tema: Financiamento da Assistência Social no contexto do Orça-
mento da Seguridade Social.
Relatora: Eni Maria Monteiro Barbosa
GRUPO 5 -Tema: Qualificação dos beneficiários e operacionalização de
benefícios e serviços da Assistência Social (artigo 203, inciso
V).
Relatora: Dalva Maria de Souza Moura
GRUPO 6 - Tema: Relação entre setor público e privado na Assistência
Social e definição de entidades beneficentes; critérios de isenção,
credenciamento e fiscalização.
Relatora: Lizair Guarino

153
ABERTURA

A SRA. DEPUTADA MARIA DE LOURDES ABADIA

Coordenadora-Geral

Gostaria de saber se os relatores dos Grupos 1 a 6 já se encontram


neste auditório. (Pausa.) Como a maioria já se encontra presente, convida-
los-ei a sentar-se à Mesa, com direito a falar durante 20 tninutos. Após a
apresentação da síntese dos grupos, teremos um pequeno espaço para o enca-
minhamento e a votação de propostas e de moções. Corno há várias colegas
querendo cópias dos pronunciamentos e das palestras, lembro-lhes que todo
o seminário está sendo gravado, com o objetivo de fazermos um relatório,
posteriormente, incluindo os nomes dos participantes e dos palestristas, com
todo o assunto e a síntese do que foi feito aqui, o qual encaminharemos
pelo correio a todos os participantes.

APRESENTAÇÃO DOS RELATÓRIOS DOS GRUPOS


DE TRABALHO

Grupo l - Tema: Definição da Assistência Social;


funções, princípios, diretrizes e campo de atuação

A SRA. DEPUTADA BENEDITA DA SILVA


Coordenadora e Relatora

Com relação ao Grupo 1, da qual fui relatora e coordenadora - a Ilza


também foi uma das relatoras - será feita a leitura do documento que elabo-
ramos e dos adendos que fizemos. Tínhamos terminado a discussão e fechado
o documento para ser trazido à plenária, mas ficou pendente uma questão
que entendemos importantíssima e que não foi colocada. Como temos o espaço
da plenária e o momento da entrega das moções, quero aqui, já de antemão
- é por isso que estou fazendo esta primeira fala, pois me esqueci do nome
da pessoa que falou comigo - esclarecer esta questão pendente, que é a
dos presidiários, a qual deve ser incluída neste documento. Devemos fazer
as anotações necessárias a respeito do assunto para depois, em plenária, incluir-

155
mos no documento do Grupo 1 essa parte, que, por um lapso, deixamos
faltar.

A SRA. ILZA MARIA PEREIRA SANT'ANA


Relatora

O Grupo 1 teve como tema a definição da Assistência Social: princípios,


diretrizes e campo de atuação. Foram entregues ao nosso grupo, para deb~te,
três documentos: um deles entregue pela LBA; outro, pelo MPAS, o terceiro,
elaborado pela UnB, pela SEPLAN e pelo IPEA. O grupo teve oportunidade
de analisar e discutir os três capítulos do referido documento. Com relação
ao primeiro item, o da definição, houve aprovação integral do texto, ficando
a Assistência Social, enquanto direito de cidadania, e a política social que
provê a quem necessitar, benefícios e serviços para o acesso à renda mínima
e o atendimento das necessidades humanas básicas, historicamente determi-
nadas.
No capítulo II, Dos Princípios e Diretrizes, houve apenas uma alteração
no item VI, onde foi acrescida "idade", ficando desta forma:
"Art. 4'' - A Assistência Social rege-se pelos seguintes princípios e dire-
trizes:
item I - supremacia do princípio de atendimento das necessidades sociais
sobre o de rentabilidade econômica;
item II - universalização dos direitos sociais, no sentido de tornar o
destinatário da ação assistencial alcançável pelas demais políticas sociais;
item III - promoção e emancipação do assistido, visando sua indepen-
dência da ação assistencial;
item IV - responsabilidade dos poderes públicos, enquanto dever do
Estado, de prestar assistência a quem dela necessitar, independente de contri-
buição à seguridade social;
item V - respeito à dignidade do cidadão, sua autonomia e seu direito
a benefícios e serviços de qualidade, bem como a convivência familiar e comuni-
tária, vedando-se qualquer comprovação vexatória de necessidades;"
O item alterado;
item VI - igualdade ao direito de atendimento, sem qualquer discrimi-
nação por motivo de raça, "idade" - a palavra acrescida - cor, religião,
costumes e posição político-ideológica;
item VII - gratuidade no acesso a benefícios e serviços;
item VIII -participação do assistido diretamente e por meio de entidades
e organizações representativas da sociedade civil na formação de políticas,
na· fixação dos critérios de elegibilidade do beneficiário e no controle das
ações governamentais em seus diferentes níveis; ·
,item·'l_X'.,--:informação ampla dos benefícios e serviços assistenciais ofere-
S>pelO'Podér Público .e dos critérios de sua concessão·,
item X - descentralização político-administrativa para os Estados, Dis-
trito Federal e Municípios, respeitando-se a diversidade das necessidades so-
ciais e das formas de atendê-las;
item XI - comando político-administrativo único em cada esfera de
governo das ações da Assistência Social, apoiado numa estrutura organiza~
cional simples e ágil, capaz de acompanhar a dinâmica social e de evitar
a dispersão de recursos e a superposição de benefícios e serviços sociais."
Foi alterado e acrescido o item XII: "a participação de entidades benefi-
centes" foi acrescida no planejamento, na execução e na política de Assistência
Social.
"Capítulo III - Do Campo de Atuação da Assistência Social.
Art. 5' Constitui campo de atuação da Assistência Social:
item I - definição dos segmentos populacionais vulneráveis e das famílias
e pessoas necessitadas de assistência social;
item II - promoção do acesso à renda mínima;
item III - provisão de benefícios e serviços assistenciais para supnr
necessidades básicas não satisfeitas;
item IV - promoção do acesso aos bens e serviços sociais básicos;
'item V - normalização, fiscalização e controle da prestação de serviços
assistenciais;
item VI - normatização e credencia1nento das entidades beneficentes
de assistência social;
item VII - gestão dos recursos orçamentários destinados à área;
item VIII - alterado - "formulação de políticas e diretrizes, fixação
de prioridades e elaboração de planos e programas com a participação da
população, ... "
Parágrafo acrescido:
" ... através de segmentos organizados e representativos da sociedade."
No nosso grupo foi aprovado quase integralmente o texto do documento
elaborado pela UnB e SEPLAN.
Grupo 2 - Tema: Organização, gestão e competência da União,
Estado e Município na área da Assistência Social;
revisão do papel das instituições federais hoje.

A SRA. ALBAMARIA PAULINO DE CAMPOS ABIGALIL


Relatora

O Grupo 2 tratou da organização, gestão e competência da União, do


Estado e do Município na área de assistência social e, ainda, da reVisão
dos papéis das instituições federais hoje. Constituiu-se em um grupo grande.
Foi bastante polêmica a discussão. Chegamos, assim, a conclusões parciais,
não de consenso; algumas de consenso, outras em nível parcial.

157
A metodologia utilizada para discussão desse grupo foi a análise dos
três documentos básicos: o da UnB, do MPAS e a proposta da LBA.
Além desses três documentos, o grupo buscou a implementação do texto
final, baseado em questão teórico-práticas do campo da assistência social.
Considerações preliminares:
A política de assistência social deve ser formulada nas bases, fornecendo
subsídios à esfera federal para garantir a unidade na diversidade. O órgão
de comando único deve tratar a assistência social, garantindo que sua operacio-
nalização seja desempenhada por equipe técnica nas três esferas. Deve, ainda,
buscar instrumentos, normas e regulamentos que minünizem a ingerência
político-partidária, in1pcdindo ao 111áximo que a assistência social no País
continue sendo tratada com objetivos políticos, partidários, eleitoreiros e,
sim, atinja sua finalidade, que é a erradicação da miséria, assistência e desen-
volvimento social. Ela deverá privilegiar a população e buscar ao máximo
fortalecer o desenvolvimento dos Estados e dos Municípios; evitar o cunho
paternalista, clicntelístico e visar ao crescimento e desenvolvin1ento regional.
Em relação à organização e gestão: a política de assistência obedece
ao princípio da descentralização político-administrativa para o Distrito Fede-
ral, Estados e Municípios, respeitadas as diversidades locais, regionais. e o
conjunto das diretrizes federais.
Art. 1\> A assistência social se processa através de uma rede integrada
de prestação de benefícios e serviços que incluem:
1-instituiçóes públicas cm nível federal, estadual e municipal;
2 - entidades não governan1entais de assistência social que recebe1n,
direta ou indiretamente, recursos e incentivos do poder púbico;
3 - entidades não governamentais de assistência social que não se benefi-
ciem de recursos públicos, a qualquer título.
A rede integrada pelas instituições e entidades mencionadas nos incisos
I e II deste artigo constituem a rede pública de assistência social. As entidades
mencionadas no inciso III deste artigo constitue1n a rede privada autônoma.
Tanto a rede pública co1no a rede privada autônoma são subordinadas aos
princípios e diretrizes gerais da Assistência Social definidos nesta lei e à fiscali-
zação da população e do poder público.
il O Conselho Superior de Assistência Social, na esfera federal, estadual
~
I!' e municipal, composto paritariamente de representantes do Governo e da
sociedade civil ligados à área, se constitui no órgão máximo de deliberação
sobre política nacional de Assistência Social."
Cabe enfatizar aqui que o Conselho Superior de Assistência Social foi
consenso no grupo. Entretanto, sua constituição - se vai ser partidária, iguali-
; tária ou de outra forma - também foi um ponto polêmico.
Em relação às competências da União.
fj i "Cabe à União:
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1 - formular a política nacional de assistência social em articulação com
os Estados e Municípios;
II - coordenar, supervisionar e fiscalizar e1n âmbito estadual e regional
a execução da política de assistência social;
III - estabelecer normas gerais para concessão dos benefícios de presta-
ção continuada;
IV - elaborar propostas orçamentárias para compor o orça1nento da se-
guridade social;
V - gerir os recursos orçamentários próprios;
VI -transferir recursos financeiros devidos a Estados, Distrito Federal
e Municípios, obedecendo a critérios que considerem, dentre outros indica-
dores, o tamanho da população, a receita per capita da localidade e o esforço
orçamentário próprio, segundo os valores estabelecidos na lei orçamentária
anual;
VII - articular em nível intra e intergovernamental e intersetorial a
formulação de programas e normas compatíveis de atuação;
VIII - coordenar e manter um sistema de informações e estatísticas na
área de assistência social, em articulação com os níveis estadual, regional
e municipal, divulgando os resultados:
IX - promover e apoiar o desenvolvimento de recursos huinanos e subsí-
dios a estudos e pesquisas;
X - formular e implementar a política nacional de desenvolvimento e
administração de recursos humanos para a assistência social, em articulação
com os governos estaduais, municipais e demais órgãos que atuam na área;
XI - coordenar e financiar programas e projetos de interesse nacional;
supra-estadual e de caráter emergencial;
XII - prestar apoio técnico e assessoria a órgãos estaduais e municipais.
XIII - a proposição de lei para definição de entidades beneficentes de
assistência social, inclusive para fins de isenção de contribuição à seguridade
social, prevista no art. 195 da Constituição Federal.
Ein relação à competência dos Estados e Municípios:
-formular políticas estaduais e municipais de assistência social, em arti-
culação com a política nacional;
- estabelecer regulamentação sobre matéria política, financeira e progra-
1nática para assistência social, respeitada a diretriz nacional, princípios e regula-
ridades regionais;
-planejar, executar e avaliar os problemas assistenciais, em seus respec-
tivos níveis, em articulação com as demais esferas de Governo e efetiva partici-
pação dos organismos municipais;
- coordenar, fiscalizar e controlar a execução da política de assistência
social no âmbito do Estado e do Município;
- gerjr os recursos orçamentários próprios, bem como aqueles recursos
repassados por outra esfera de governo, respeitados os dispositvos legais vi-
gentes;

159
- instituir e manter mecanismo~ de participação popular representativa
e instância de recursos;
- registrar e autorizar a instalação e o funciona1nento de entidades assis-·
tenciais não governa1nentais pela esfera municipal;
- ad1ninistrar o Fundo de Assistência Social nas esferas estadual e muni-
cipal;
- efetuar transferências financeiras nos respectivos níveis, de acordo
com os critérios já definidos anteriormente.
A execução de ação assistencial por parte das Unidades da Federação
deverá se limitar ao papel supletivo e de suporte em relação aos Municípios.
Como houve muita discussão no grupo, vou apresentar as propostas rela-
cionadas aos pontos polêmicos.
Em relação ao comando único na esfera federal houve consenso. A preo-
cupação maior foi sobre se realmente deve existir ou não representações
do comando único federal nas esferas estaduais e microrregionais. Então,
há uma proposta no seguinte sentido: "Que o comando único tenha uma
representação em nível estadual e municipal, coino forma de garantir a unidade
da política social de assistência."
Agora as propostas apresentadas e que foram polêmicas. Primeira: criação
do Ministério de Assistência Social; segunda, criar um órgão que responda
pelo comando único da política de assistência social, vinculado ao Ministério
da Seguridade Social; terceira, a criação do INAS, vinculado ao Ministério
da Seguridade Social - caso esse ministério não seja criado, ficaria ligado
ao MPAS. Quarta proposta: criação do INAS, vinculado ao MPAS. Quinta
proposta: reestruturar os órgãos executores, hoje, da política social de assistên-
cia no País, aproveitando aquele que dispõe de estrutura e tecnologia para
assumir a coordenação dessa política, não desprezando as tecnologias adqui-
ridas. Sexta: não criar nenhum órgão, fortalecer os já existentes, retornar
à política de assistência social, ao MPAS, e fortalecer a Secretaria Social,
a qual assu1niria essa política.
Gostaria, aproveitando os 20 minutos que foram dados a cada elemento
da Mesa, de oferecer a algum elemento do nosso grupo a oportunidade,
se quiser, de se pronunciar, caso tenha considerado a exposição não completa
ou queira fazer outra manifestação.
Grupo 3 - Tema: Participação da população: a) na formulação
das políticas de Assistência Social e controle das ações em todos
os níveis (artigo 204, inciso II, h) na gestão administrativa
da Assistência Social (artigo 194, inciso VII).

A SRA. VITÓRIA GOIS DE ARAÚJO


Relatora
O grupo do qual fiz parte teve como tema a participação da população.

160
Nosso grupo, enquanto população, ressentiu-se de não ter um coorde-
nador oficial durante os trabalhos. Minha participação foi a título de colabo-
ração no primeiro dia.
A sistemática que o grupo utilizou foi a seguinte: no primeiro dia eu
e uma companheira do Ceará coordenamos os trabalhos, a título de colabo-
ração, com um elemento da plenária, para fazê-la funcionar, e levantamos
as questões maiores colocadas nos docum.entos. No final, o grupo resolveu
que a melhÜr maneira seria, como tinha muitos elcm_entos, dividir-se em
quatro subgrupos. Mas, no segundo dia, que foi ontem, só restaram dois
subgrupos, que passaram a ter outros coordenadores e relatores. O subgrupo
do qual participei, achou por bem ler os documcnos e sobre os mesmos
fez algumas propostas, que vou passar a ler agora. Em seguida, a companheira
Venina vai explicar qual foi a sistemática do seu subgrupo e a que conclusões
chegaram.
São dois os subgrupos com o mesmo tema: "A participação da população."
Conclusões do subgrupo que tratou do tema "Participação comunitária."
"Primeiro ponto: o grupo manifesta estranheza pelo fato de a população
organizada não estar participando da elaboração do projeto. Pergunta-se se
as organizações representativas da sociedade civil foram coilvidad:is para o
simpósio.
Ponto dois: sugerimos que as propostas explicitadas neste simpósio sejam
discutidas com os diversos segmentos da sociedade civil antes de se tornarem
projeto de lei, para que os mecanismos de participação sejam instituídos
pela população: sindicatos, federações, associações de moradores e outros;
que as informações sobre o projeto sejam disseminadas.
Ponto três: sobre a descentralização."
Trata-se de um ponto que deve ser enfatizado tambétn..
"A descentralização deve ser entendida como fortalecimento da partici-
pação local e não necessariamente como prefeiturização. O locus da cidadania
é a comunidade; é aí que as de1nandas se dão e as propostas devem ser
elaboradas a partir dessas demandas locais.
Ponto quatro: Sobre a participação popular em nível federal, discutiu-se
a necessidade de criação c:le mecanismos de articu!a.çao das diversas instâncias,
aliados a mecanismos de participação popular. Em nível central deve existir
um órgão único de caráter colegiado, com representantes dos Estados (ofi-
ciais), e com representantes _da sociedade civil de âmbito nacional. Esse órgão
colegiado deve ter caráter deliberativo e funcionamento permanente.
Os Estados que se fizeram representar neste subgrupo foram: Distrito
Federal, Ceará, São Paulo, Minas Gerais, Pará e Goiás.
Passo a palavra, agora, à companheira Venina Chiappin, para expor
as conclusões a que seu subgrupo chegou.

161
A SRA. VENINA CHIAPPIN
Relatora

Nosso subgrupo quer que conste nos anais do simpósio o que segue:
não elegemos nem legitimamos documento algum dos que nos foram distruíbos
para estudo.
Usamos para análise da participação popular o documento da UnB por
considerarmos, no 1nomento, o que mais detalhes apresenta. No entanto,
ele é deficiente no que segue:
Capítulo I -Na definição: "A assistência social, enquanto direito de
cidadania ... "
Queremos que se acrescente: "e dever do Estado."
Capítulo II, art. 49 , inciso VIII: aparece a palavra "necessitado" ou "caren-
te", alguma coisa nesse sentido. Achamos por bem colocar "participação
do usuário".
Capítulo III, art. 59 , inciso VIII - Sugerimos, pela ordem, que esse
inciso se transforme no inciso I, o 1 em II e, assim, na seqüência e seja
acrescentado - projetos - após a palavra "programas".
Ainda neste capítulo e artigo, insiste-se muito na palavra "promoção".
Então, no inciso II, troque-se essa palavra por "garantir"; no inciso X, por
"elaborar" e, no XI, por "articulação com as demais áreas sociais" - e
não "promover" articulação, porque quem promove já faz.
O .inciso IX deve ser transformado em um capítulo de recursos humanos,
pois consideramos que, quando se legisla sobre organização e competência,
deve-se legislar sobre recursos humanos da área. Em nenhum dos dois docu-
mentos, do MPAS e da UnB, faz-se maior menção, a não ser alguma coisa,
sobre recursos humanos. Nos documentos do SUDS e da Previdência Social
existem três ou quatro páginas descrevendo recursos humanos.
Voltando ao capítulo II, art. 4", o inciso XI fala em "comando político-ad-
ministrativo único, em cada esfera de Governo, das ações de asssitênca social,
apoiado numa estrutura organizacional. .. " A isto consideramos conveniente
acrescentar apenas: "de forma articulada", suprimindo-se o restante do texto.
No capítulo III, inciso VII; o texto diz: "gestão de recursos orçamentários
destinados à área ... " Consideramos conveniente acrescentar: "com a partici-
pação das organizações representativas da sociedade civil".
No capítulo IV, art. 89 , houve um enfoque da participação da população,
da garantia do espaço para a população, quando se percebe que a assistência
social está competindo com saúde e previdência em desigualdade do poder.
Existem dois ministros e alguma coisa que se chama assistência social.
Assim, a proposta do grupo é a seguinte:
"A assistência social; co1no operacionalização de diretrizes da política
social; é parte integrante de um sistema unificado de seguridade social que
contempla saúde, previdência e assistência social como componentes do Minis-

162
tério da Seguridade Social, viabilizando a proposta da Constituição no seu
art. 194, Capítulo II."
E, como parágrafo único, o que consta do capítulo 8':
"Os órgãos responsáveis pelo tripé da seguridade social garantem canais
efetivos de participação da sociedade civil na normalização e coordenação
das respeCtivas políticas."
Não tivemos tempo para avançar mais. Queremos, assim, deixar claro
que não referendamos documento algum dos que estavam conosco.
Este foi o subgrupo 2 do Grupo 3, de participação popular.

Grupo 4 - Tema: Financiamento da Assistência Social


no contexto do Orçamento da Seguridade Social.

A SRA. EN! MARIA MONTEIRO BARBOSA


Relatora

O Grupo 4 trabalhou com a questão do financiamento à assistência social.


O grupo contou com vinte me1nbros de origem bastante diversificada, prove-
nientes de órgãos federais, de secretarias ou órgãos estaduais, da iniciatíva
privada; enfim, repito a composição do grupo foi bastante diversificada e
interessante.
Tivemos bastante dificuldade para trabalhar com essa matéria de financia-
mento, primeiro, por ser eminentemente técnica; faltou ao grupo subsídios
e material disponível, tanto que até requisitou a presença de assessores da
Comissão Mista de Orçamentos para nos ajudarem em algumas questões.
Eles colaborara1n bastante, mas também estão começando na área de seguri-
dade social. Portanto, algumas coisas ficaram ainda mal definidas. O senti-
mento do grupo foi de que deveríamos encaminhar. e aproveitar ao máximo
o que havia em relação a financiamento nas duas propostas ____,. a da LBA
e a da UnB - mas sabemos que a questão do financiamento está mal colocada.
Pensou-se, inclusive, na necessidade de trabalhar de forma mais articulada
com as demais áreas que compõem a seguridade social; ainda faltam, neste
momento, alguns estudos que subsidiem melhor o que yai ser, esse volu1ne
de recursos da área e o que vão significar as novas fontes que estão previstas
para a área de seguridade. Assim, contentamo-nos e1n consolidar o que havia
de melhor nas propostas no julgamento do grupo. Repito que sabemos que
esta matéria ainda deve ser_tnclhor trabalhada. Inclusive, sobre algumas ques-
tões tivemos dúvidas se eram constitucionais ou não. Ficam para os especia-
listas, depois, ajudarem-nos a tra_balhar.
O que ficou definido para esta parte, a partir dos documentos, foi o
seguinte:
''Do financiamento da assistência social."

163
A assistência social pública é financiada, nos termos dos arts. 195 e 204
da Constituição Federal, com recursos do orça1nento da Seguridade Social,
acrescidos de outros recursos dos Orçamentos da União, dos Estados, do
Distrito Federal e dos Municípios, bem como de percentuais das fontes de
recursos abaixo relacionadas:
''-prê1nios de seguro;
- taxas portuárias e aeroportuárias; - que co1npõem o Orçamento da
União;
- artigos considerados supérfluos;
- bens apreendidos e leiloados pela Receita Federal;
- concursos de prognósticos (previstos na Constituição, art. 195, inciso
III);
-impostos sobre grandes fortunas (Seção III, art. 153, inciso VII);
-impostos da União;
- doações de pessoas físicas e jurídicas às entidades assistenciais, que
serão deduzidos no seu valor total do Imposto de Renda a pagar;
- receita proveniente da renda de venda e aluguel dos imóveis da Previ-
dência Social;
- outras fontes."
Ou seja, não quisemos perder tudo o que surgiu como sugestão no grupo.
Faltou um domínio maior para saber o que era perfeitamente adequado ou
não. Assim, preferimos encaminhar a lista completa de todas as sugestões
de fontes que surgiram. Ainda abrimos espaço para outras fontes, na medida
em que achamos que esta área ainda não está satisfatoriamente coberta.
Continuando:
"Os orçamentos da assistência social serão administrados e coordenados
pelo órgão nacional, estadual e 1nunicipal de cada área."
O grupo não quis trazer à discussão co1no seria esse arranjo institucional
para a área - porque esse trabalho ocuparia todo o tempo e não poderíamos
discutir financiamento - inas admitimos o pressuposto de um comando único
a cada esfera de governo e trabalhamos com isso. Assim, referimo-nos sempre
ao órgão central em cada esfera de Governo.
Continuando:
"O órgão nacional de assistência social será responsável pela adminis-
tração e coordenação dos recursos provenientes do orçamento da Seguridade
Social ou dos recursos do Orçamento da União, além de outras fontes.
Os recursos do orçamento do órgão nacional responsável pela assistência
social serão transferidos aos órgãos estaduais e municipais de assistência social,
de forma regular, automática e segundo critérios técnico-administrativos, de
acordo com valores e cronogratna propostos pelos Conselhos Nacional, Esta-
duais, Municipais e do Distrito Federal, aprovados na Lei Orçamentária.
As transferências de recursos intra e intergovernamentais dispensam a
formulação dos convênios ou outros instrumentos jurídicos.

164
As transferências de recursos a entidades privadas de assistência social
serão formalizadas através de instrumentos jurídicos."
Tivemos alguma dúvida quanto a esta questão da dispensa de convênios,
mas achamos importante trazer a idéia que está por trás: a idéia de transferência
auto1nática, transferência sistemática, transferência não tão negociada; alguma
parte dos recursos transferidos de for1na mais direta e uma parte com maior
negociação.
"Para o estabelecimento de vàlores a serem transferidos a Estados, Dis-
trito Federal e Municípios, o Orçamento da União será utilizada a combinação
de critérios que levem em conta os seguintes aspectos:
1 - perfil demográfico e diagnóstico sócio-econômico da região definirão
auto1naticamente 50% dos recursos a serem transferidos para os respectivos
órgãos;
II - características quantitativas e qualitativas da área de assistência so-
cial;
III -previsão do plano qüinqüenal de investimentos nas áreas de Assis-
tência Social;
IV - avaliação do desempenho técnico, econômico e financeiro do perío-
do anterior;
V - avaliação dos níveis de participação de recursos destinados à área
de assistência social nos orçamentos dos Estados, Municípios e Distrito Fede-
ral."
Esta últinia proposta foi bastante discutida, na medida em que, ao se
prever uma transferência automática e mais facilitada de recursos da União
para Estados e Municípios, não signifique uma simples substituição de fonte
em nível de Estados e Municípios. Ou seja, transferimos recursos da União
- a idéia é essa - mas queremos também que Estados e Municípios tenham
um esforço próprio orçamentário.
Um complemento a esta idéia: os critérios para a transferência de recursos
para Estados e Municípios serão periodicamente revistos e amplamente divul-
gados.
O grupo acha que esse "amplamente divulgado" deve ser bem grifado
na proposta.
No orçamento da assistência social, na esfera federal, serão garantidos
recursos ordinários do Tesouro para: I - despesas de pessoal e administração
geral do órgão gestor da assistência social; II - repasse de recursos a Estados
e Municípios e Distrito Federal; em caso de calamidade pública.
Então, é :axar um pouco para a área de assistência social recursos também
do Orçamento Fiscal da União, como a Constituição permite.
O orçamento da Seguridade Social da União, além dos recursos para
cumpritnento dos benefícios de prestação continuada, destinará à assistência
social recursos equivalentes ao valor real alocado à área etn relação à média
dos últimos 3 anos.

165
Não sei se aqui no relato está faltando um pedacinho, porque se discutiu
muito a idéia de preservar pelo tnenos o montante de recursos, mas parecia
que l\avia uma proposta de definir isso durante algum período de tempo.
Então, não sei se o grupo pode colocar em seguida se essa era a decisão
ou se f,~cou em aberto essa questão de definir por um período de prazo.
Não estou muito segura.
O processo de planejamento e orçamento, no âmbito do órgão gestor
da seguridade social, será ascendente, com origem no nível local até o nível
federal, compatibilizando necessidades, definiçóes políticas e disponibilidade
de recursos com base em instrumento homogêneo de programação.
Aqui colocamos uma sugestão final: a classificação da função programática
no orçamento deverá levar em conta a compatibilização com a definição da
função de assistência social que essa lei orgâriica deverá definir. Vimos, hoje,
pela exposição do Subsecretário de Orçamento e Finanças, como o conceito
de assistência social. está cotnplicado, porque foram colocadas coisas como
demarcação de terra indígena - esse tipo de. coisa - toda a fiscalização
de trabalho e alguma coisa no âmbito da assistência social. Isso, e1n parte,
se deve aos próprios objetivos como estão definidos na Constituição para
a área de assistência social, mas se deve, em parte, também à conceituação
hoje adotada na funcional programática. Achamos importante que, a partir
de uma definição nessa lei orgânica da área da assistência social, faça-se
a correspondência na linguagem dos orçamentos.
Concluindo:
"Os recursos públicos destinados a ações assistenciais sob qualquer título
devem integrar o orçamento da assistência social das diferentes esferas de
Governo, bem como serem aplicados no âmbito da respectiva política de
assistência social."
Esta é exatamente uma formulação que vai ao encontro dessa proposta
que o grupo colocou. Até pensei: será que foi estratégia do Relator, para
os parlamentares não ouvirem, porque com isso acabamos com a verba assisten-
cial que os parlamentares possuem.?

Grupo 5 - Tema: Qualificação dos beneficiários e operacionalização


de benefícios e serviços da Assistência Social (artigo 203, inciso V)

A SRA. DALV A MARIA DE SOUZA MOURA


Relatora

Nosso tema tratou da qualificação dos beneficiários e operacionalização


dos benefícios e serviços da assistência social - art. 203.
~osso grupo foi pequeno, super-reduzido, 7 pessoas, não sei por que;
até discutimos e tentamos entender o porquê de um assunto tão importante
ter tão pouca gente para discutir: a operacionalização e qualificação dos bene-

166
fícios e o art. 203, que fala do salário mínimo para as pessoas deficientes
e idosas.
Mas tentamos discutir a matéria 1nesmo diante desse número tão reduzido,
com pessoas que não dominavam o assunto totalmente.
Nossa metodologia foi a de análise dos documentos apresentados pela
UnB, pelo MPAS e pela LBA; um membro que participou da elaboração
do anteprojeto do MPAS, que trabalha no IPEA, foi a única que conseguiu
nos dar maiores informações antes de scre~ fornecidos os projetos.
Mas relendo o que tentamos tirar do projeto, do qual discorda1nos em
algumas coisas, achamos que o da UnB é o que está mais completo.
Achamos que o art. 18 estava claro; não tentamos tirá-lo porque é exata-
mente o que está na Constituição, quando fala sobre a renda mínima para
o idoso, que "o benefício mensal de um salário mínimo será concedido a
pessoa com idade superior a 68 anos que não possua meios de prover a
própria subsistência".
Tiramos "ou de tê-la provido por sua família", no sentido de tentar
resgatar a cidadania daquela pessoa que não teve condições de pagar ou
não teve meios. Como ela não tem qualquer tipo de renda, o Governo passaria
a fornecer esse salário mínimo e que isso fosse garantido.
Modificamos também o art. ]C, que fala: "A renda mínima para o defi-
ciente é o benefício de u1n salário n1íni1no mensal concedido a pessoa portadora
de deficiência". Tira1nos "física ou mental", ou acrescentaríamos "física, men-
tal e sensorial''.
Inclusive, tivemos participantes com deficiência que deram seus depoi-
mentos, discordando quanto a esse "física e mental", porque acharam que
poderia aparecer um outro tipo de deficiência. Começamos a discutir se não
estaria incluído em "físico ou mental" todo tipo de deficiência.
Também modificamos o art. 20. Retiramos a palavra "idoso" e substi-
tuímos "renda per capita" por "renda familiar" não superior a três salários
mínimos.
Diz este artigo: .. , "para efeito e concessão da renda mínima para o
idoso e para o deficiente''.
Tentaram sempre colocar o idoso e o deficiente em uma relação comum.
Tiramos o "idoso" e deixamos para o deficiente "a família sem condição
de manutenção, aquele cuja renda 1nensal familiar, não per capita" - tiramos
"per capita" - seja inferior a três salários mínimos".
Deixaríamos a operacionalização a cargo do INPS, considerando sua
experiência na concessão de benefício social, só reestruturando-a.
Outra proposta seria estabelecer incentivos fiscais para a admissão de
pessoas deficientes em empresas privadas, públicas ou de economia mista,
pela isenção de contribuição previdenciária do empregador em relação ao
emprego do deficiente e por desconto do Imposto de Renda para pessoa
jurídica.
Estas foram nossas conclusões.

167
Grupo 6 - Tema: Relação entre setor público e privado
na Assistência Social e definição de entidades beneficentes;
critérios de isenção, credenciamento e fiscalização.

A SRA. LIZAIR GUARINO


Relatora

O nosso grupo tratou da relação entre o setor público e privado na


assistência social e definição de entidades beneficentes; critérios de isenção,
credenciamento e fiscalização. Nosso grupo foi grande. Foi um grupo bem
polêmico e que trabalhou bastante.
Iniciamos o trabalho pelo art. 6' da proposta do MPAS. Só estudamos
o projeto do MPAS. Modificamos seu art. 6'.
Da Organização e Gestão da Assistência Social
Foi a seguinte a redação:
"Art. 6"' A assistência social se processa através de um sistema integrado
de prestação de benefícios e serviços, que inclui:
I - a rede pública de assistência social;
II - a rede privada de entidades beneficentes de assistência social;
III - as entidades não governamentais de assistência social.
Parágrafo único. A rede descrita nos incisos II e III constitui a rede
privada autônoma, subordinada aos princípios e diretrizes gerais de assistência
social e à fiscalização do Poder Público e da sociedade civil, através de suas
organizações representativas."
O art. 7' ficou sem alterações.
"A_rt. 8\> Na esfera federal, a norrnatização e a coordenação da assistên-
cia social será exercida por um órgão único."
Colocamos em todas as esferas um órgão único, que seria o centralizador
da política de assistência social.
"Art. 9' Nas esferas das Unidades Federativas, a coordenação e execu-
ção de programas de assistência social será exercida por órgão único do Go-
verno estadual.
Art. 10. Na esfera municipal, a coordenação e execução dos programas
de assistência social será exercido pelo governo municipal, através de órgão
único definido em lei municipal.
Art. 11. Introduza-se um novo artigo, renumerando-se os demais ~
de assistência beneficentes e de assistência social participarão da coordenação
e execução dos programas nas respectivas esferas."
Esse item foi muito discutido e foi votado por unanimidade.
Passamos para o art. 12. Fica o anterior, o art. 11, e se cria, então,
o art. 12, que li agora. O art. 12 é o anterior, art. 11, que permanece com
a mesma redação.

168
Agora, vem o art. 13, que seria o anterior art. 12:
"As entidades beneficentes e as não governamentais de assistência social
são instituições privadas de natureza social, organizadas sem finalidades lucra-
tiva, com o propósito de efetivar ações voltadas para a promoção de justiça
social e da cidadania de seus usuários."
O art. 14 é o anterior, art. 13, com a seguinte redação:
"O registro para instalação e funcionamento de qualquer serviço assisten-
cial é fornecido por órgão Federal, Estadual e Municipal único e competente
no âmbito respectivo."
O art. 15 é o anterior, art. 14, com a seguinte redação:
"Para efeito de subvenção pública as entidades beneficentes de assistência
social devem atender aos seguintes requisitos:
a) integração dos serviços à política nacional de assistência social;
b) controle e supervisão do Poder Público e da sociedade civil, através
de suas entidades representativas, de forma paritaria, afim de se garantir
a qualidade dos serviços; ·
e) prestação de contas para fins de renovação da subvenção na forma
da legislação vigente;
d) representatividade dos usuários em conselho deliberativo;"
O art. 16 é o anterior, art. 15, com a seguinte redação:
"O certificado beneficente de Assistência Social será expedido por órgão
Federal, ou Estadual ou Municipal competente."
O art. 17 é o anterior, art. 16, com a seguinte redação:
"As entidade beneficentes de Assistência Social são isentas de contri-
buição para a Seguridade Social desde que atendam aos seguintes requisitos:
a) tenham personalidade jurídica e sede no País;
b) tenham sido constituídas há mais de um ano, comprovado seu funciona-
mento efetivo;
e) publiquem anualmente seu demonstrativo de resultados e balanço Pa-
trimonial;
d) não remunerem, sob qualquer forma, os cargos de deliberação e dire-
ção;
e) prevejam em seus estatutos que não se faça, sob qualquer pretexto,
a distribuição de lucros ou de dividendos aos sócios e em caso de extenção,
seja o patrimônio obrigatoriamente transferido a outra instituição beneficente
de assistência social devidamente registrado nos órgãos competentes;
f) apresentem certificado de entidade beneficente de assistência social."
O art. 18 é o anterior, art. 17, com a seguinte redação:
"Perdem a isenção a que se refere o artigo anterior as entidades que
deixarem de recolher regularmente a contribuição à Seguridade Social dedu-
zida dos seus empregados."
Entramos no Financiamento, colocando o item:

169
Do Financiamento da Assistência Social.
Incluam-se dois artigos, com a seguinte redação:
"Art. - A remuneração dos serviços de Assistência Social contra-
tados pelo Poder Público deverá ser reajusta da de acordo com os índices
oficiais, de modo a garantir a efetividade dos serviços prestados pela entidade.
Houve uma discussão inclusive em relação às instituições particulares
e filantrópicas, que só conseguem pagar um salário muito baixo aos seus
profissionais, porque realmente não alcançam um índice maior em termos
de recursos. Incluímos este item exatamente para amarrar o índice salarial
à remuneração dos serviços.
Ainda colocamos aqui um outro artigo que não faz parte desses dois
últimos capítulos, mas sobre o qual houve um consenso do grupo:
"É vedada a distribuição de recursos públicos na área de assistência
social por ocupantes de cargos eletivos."
Nosso coordenador foi o Deputado Nelson Seixas, que achou este item
muito importante.

A SRA. DEPUTADA MARIA DE LOURDES ABADIA


Coordenadora-Geral

Antes de começarmos os debates, teríamos vinte minutos para a apresen-


tação de moções e sugestões que não foram colocadas pelos Relatores, mas,
primeiramente, gostaria de passar a palavra para o Presidente do Simpósio,
o Deputado Raimundo Bezerra, que quer dizer algumas palavras ao Plenário.

O SR. DEPUTADO RAIMUNDO BEZERRA


Presidente

Primeiramente, as minhas escusas por não ter comparecido de maneira


mais efetiva a este Simpósio, como fiz quando do Simpósio de Saúde e Previ-
dência. Acredito que, quando terminávamos os simpósios anteriores, eu já
havia conseguido captar grande parte daqueles subsídios que aqui foram trazi-
dos, pois participei de quase todas as mesas-redondas e todos os grupos de
trabalho; cinco minutos num grupo de trabalho, dez minutos em outro, e
vez por outra ocorria alguma intervenção minha. Por limitações de ordem
física - estou ainda num pós-operatório de apendicite aguda, há onze dias
- não tive condições reais de dar uma assistência maior a este Simpósio.
Gostaria de dizer a V. S•' como fiz nos simpósios anteriores, que o trabalho
realizado aqui, além de ser o despertar da consciência nacional para um
assunto que consideramos da mais alta importância, da mais alta relevância,
que é a modificação, que tivemos no texto constitucional, da definição e

170
da maneira filosófica de encarar as pessoas que por uma razão ou outra
precisam de uma ajuda, no sentido de essa ajuda ser direito, filosoficamente
a assistênciúocialestá na Carta Magna como um direito de cidadania. Inclusive
tivemos oportunidade de, na abertura destes trabalhos, frisar bem isso. Não
se discute - e isso foi levantado em relação à Previdência, como também
em relação à Saúde - o quantitativo destinado às Forças Armadas, por
exemplo, porque ninguém discute a necessidade de o País ter sua segurança,
embora a maneira como é feita possa ser discutida; não se discute o mesmo
em relação ao Poder Judiciário, porque sabemos que toda democracia precisa
de um Poder Judiciário, que é a complementação dos Poderes Executivo
e Legislativo. Então, hoje, não há mais razão para se discutir a assistência
social principalmente em relação a financiamentos. Será que teremos condições
de financiar a assistência social? Como isso vai acontecer? Será que tudo
o que estamos fazendo não é uma utopia? No final das contas, tudo não
vai cair em letra morta, ficar apenas na Constituição? Acreditamos que não,
porque hoje tudo isso é entendido como um direito de cidadania e, se é
um direito de cidadania, é um dever do Estado. Precisamos ter apenas a
competência de alocar esses recursos e, aí, termos também a competência
de definir critérios, parâmetros, sabermos o que é realmente assistência social,
como e o que são os outros setores que completam a seguridade social. Desde
que assumimos a Presidência da Comissão de Saúde, Previdência e Assistência
Social tivemos uma preocupação muito grande, a qual nos acompanhou du-
rante todo o período da Assembléia Nacional Constituinte. Fizemos parte,
desde as Subcomissões, das Comissões Temáticas, da Comissão de Sistema-
tização, do primeiro e segundo turnos, praticamente da Ordem Social. Inclu-
sive parte do que está redigido, em termos de ordem social, teve nossa colabo-
ração, juntamente com o Senador Almir Gabriel. Fomos designado pelo nosso
partido para, naquelas reuniões de lideranças, defendermos a posição do
nosso partido em relação à ordem social, à seguridade social especialmente.
Estamos muito familiarizados com tudo o que aconteceu até a aprovação
da nova Carta Magna, no dia 5 de outubro.
Nossa preocupação em termos de financiamento - e aqui quero deter-me
um pouco mais, porque acho que é a base do sucesso de toda a assistência
social - foi muito grande. Inclusive essa idéia de criar um orçamento de
seguridade social independente do Orçamento Geral da União teve o objetivo
de darmos independência a determinados setores que até então eram apêndices
um do outro: a assistência social dependia da Previdência, que era dependente
da Presidência da República e da ação altruística de outros segmentos da
sociedade. Então, para que tivéssemos um direito de cidadão reconhecido,
e isso fosse exeqüível e viabilizado, criamos o Orçamento da Seguridade
Social. Parece que até então esse orçamento não foi bem entendido pelo
Governo principalmente pelos seus órgãos de planejamento, que elaboram
determinados projetos e leis, pois se está querendo incluir dentro da seguridade

171
social setores que não têm absolutamente nada com seguridade social e, dentro
da assistência social, determinados setores também que nada têm com assistên-
cia social, no nosso entender. Isso é muito perigoso. A primeira coisa a
ser feita com qualquer projeto que aqui chegar é submetê-lo à Comissão
de Constituição e Justiça para ver se existe ou não constitucionalidade. Se
esse projeto estiver diferente do que preceitua a Constituição, evidentemente
não passará alé1n dessa Co1nissão de Constituição e Justiça.
Ontem, quando discutíamos no Ministério_ da Previdência, com o Sr.
Ministro Jáder Barbalho, o que entendíamos por orçamento da seguridade,
além daquilo que está descrito no art. 195 - que os recursos são incidentes
sobre a folha de salário do empregado e do empregador, faturamento, lucro
das empresas, concurso de prognósticos e outras fontes, com a participação
da União, dos Estados, dos Municípios e do Distrito Federal - externamos
a preocupação que desde a primeira hora se fez presente: precisaríamos obter
do Poder Executivo uma projeção, em relação ao PIB, do necessário para
que todos os avanços sociais da Constituição pudessem ser postos em prática.
Então, não adiantava que tivéssemos u1n percentual de orçamento da União,
de forma aleatória, sem sabermos a necessidade em termos de PIB, porque
o Produto Interno Bruto pode aumentar em um ano, pode descer em outro,
mas é o único referencial que não está sujeito a modificações durante este
ano. O Orçamento pode sofrer modificações tanto de corte orçamentário,
que é competência do Poder Executivo, quanto também de recursos que
sejam transferidos de uma rubrica para outra. Infelizmente, não conseguimos
chegar a essa projeção de PIB. Se tivéssemos, em relação à folha, faturamento,
lucro de empresa, concurso de prognóstico, determinado percentual tendo
como referencial o PIB, poderíamos saber quanto iríamos precisar de outras
fontes e quanto também precisaríamos para complementar isso em termos
do Orçamento da União, dos recursos da União, dos Estados e dos Municípios.
Poderíamos, inclusive, em termos das Assembléias Legislativas estaduais, dar
agora uma colaboração nesse sentido. Infelizmente, isso não chegou em tempo
oportuno. Convocamos aqui o Dr. Delile que esteve inclusive na comissão
antes do Simpósio, para ver se tínhámos algum referencial a respeito, mas
isso não nos chegou às nossas mãos até agora.
Ficamos devendo aquilo que hoje pela manhã eu disse a V. s•: vamos
receber, acredito - agora já é definitivo - nestas 24 ou 48 horas, tanto
a Lei Orgânica de Saúde, como a da Assistência Social, como o Plano de
Custeias e Benefícios da Previdência, em termos oficiais, não só oficiosos.
Com os subsídios dos três simpósios trabalharemos em cima do que nos vier
às mãos.
Antes de qualquer definição .da comissão, acredito que as leis comple-
mentares, ordinárias, orgânicas, as modificações que fizermos tanto na Lei
de Diretrizes Orçamentárias que está tramitando, como dos projetos apresen-
tados, deverão sair como uma participação da comissão como um todo. Dificil-
mente teremos um Deputado, isoladamente, alterando, através de medida,

172
'l.ualquer artigo, inciso ou parágrafo das Leis Orgânicas e dos planos de custeio.
E nosso objetivo fazê-lo coletivamente, corno urna definição da Comissão
de Saúde, Previdência e Assistência Social, evidenterneute depois de intenso
debate interno. Quando chegarmos a essa conclusão faremos chegar às mãos
de todas as pessoas interessadas e das entidades que participaram do simpósio
aquela que deverá ser nossa colaboração, para que os participantes tenham
uma oportunidade de analisar, concordar ou sugerir alguma modificação nesse
trabalho. Li, ligeiramente, algumas críticas que foram encaminhadas a este
simpósio, notadamente em relação à organização e a determinados temas
que não foram levantados ou propostos. Essas críticas foram recebidas com
muita humildade e de maneira que nos satisfaz. Difícil seria recebermos apenas
elogios, porque sabemos que nada se faz que seja completo, que preencha
tudo o que almejamos. É normal da própria condição humana que não consiga-
mos a plenitude de tudo. Evidentemente, um simpósio corno este deve ter
falhas. Não aceitamos muito as crítiças que não têm fundamento maior e
que não merecemos. Desde a primeira hora não procuramos ser donos da
verdade; procuramos a sociedade como um todo; porque somos representantes
dela e lhe devemos tudo o que aqui fazemos em termos de prestação de
contas; sabemos que estamos trabalhando em um problema que interessa
muito ao País; não queremos ser, isoladamente, os responsáveis pela convali-
dação e exeqüibilidade do que a Constituição definiu; queremos que toda
a sociedade participe. Nesse sentido, acho que alcançamos nosso objetivo.
Vou encerrar dizendo, talvez, algo muito pessoal: sou médico há 29
anos; tenho vivência de 22 anos no interior e na mais alta Medicina que
se pratica neste País, por ter sido médico do Hospital das Clínicas de São
Paulo durante 2 anos; tenho vivência na mais alta Medicina que se faz no
exterior, pois fui médico na Alemanha, de 1969 a 1971, em Düsseldorf; parti-
cipei, na minha especialidade, de congressos internacionais; em termos da
Previdência, fui médico durante mais de 20 anos, tanto do INAMPS, corno
plantonista do SAMDU, corno também fui Chefe do Grupamento Médico
Pericial, por concurso, durante muitos anos; fui coordenador do Grupo de
Acidentes de Trabalho, participando das comissões internas de prevenção,
principalmente naquelas indústrias que têm mais de 50 operários, examinando
fábricas, doentes, doenças profissionais, principalmente as pneumoconioses,
doenças por aspiração de partículas de espécies nas fábricas, notadarnente
nas cerâmicas e fábricas de cimento. Tenho, pois, certa vivência nesse setor
que hoje tenho a honra de presidir por urna distinção especial dos meus
colegas da Câmara. Mas nada me leva a urna responsabilidade maior do
que esse trabalho em relação à assistência social. A saúde avançou, tem
defensores, já tem algo definido e posto em prática, corno as AIS, primeiro
passo para esse Sistema Único da Saúde, SUS, implantadas em muitos Estados,
inclusive com municipalização; chegaremos ao SUS com muita facilidade,
porque o caminho intermediário já foi percorrido.

173
Em relação à Previdência, a esses avanços, à incorporação de determi-
nados segmentos até então esquecidos, como o trabalhador rural, que hoje
é igual ao trabalhador urbano; os garimpeiros, os meeiros, o pessoal de pesca,
a empregada doméstica; acredito que tudo será absorvido, regulamentado
e brevemente viabilizado. Tenho muita preocupação em relação à assistência
social, porque ela depende muito da vontade interior de cada pessoa, da
abnegação, daquilo que existe em todos nós, mas que precisa ser talvez evocado
por determinadas passagens de nossa vida, que é o sentimento maior de
ajudar aquelas pessoas que não têm nem a condição de exigir aquilo que
lhes é de direito. É algo muito subjetivo. Pela primeia vez na história deste
País estamos tendo uma oportunidade ímpar de definir - criar critérios -
uma lei orgânica que saia dO papel, vá para as ruas e cidades, vá exatamente
para aqueles locais onde precisa ser empregada. Esta missão é gigante talvez
porque seja o setor mais desamparado, de menor força de pressão. É preciso
que tenhamos a consciência de que ou nos capacitamos já para definir e
deixar o Brasil com algo que não possa ser extinto e que seja realmente
exeqüível, ou talvez percamos a oportunidade que a história nos oferece.
Esta responsabilidade é de todos nós. Este simpósio foi um começo, e muito
bom, para que tenhamos realmente condições de levar a cabo esta tarefa.
Agradeço a todos a presença. A sessão de encerramento será presidida
pela nossa Coordenadora, de quem já me despeço. Queria que todos enten-
dessem que nossa Comissão está aberta a todos os presentes e a todos o
segmentos interessados, aberta muito mais por uma necessidade que tem
de colaboração. Somos apenas os instrumentos para redigir, modificar e apro-
var a lei, mas sua essência e seu conteúdo está 1nuito mais com V. s~s do
que conosco. Muito obrigado a todos pela colaboração e pela presença. (Pal-
mas.)

DEPUTADA MARIA DE LOURDES ABADIA

Coordenadora-Geral

Gostaria de comunicar que nos chegou um trabalho, encaminhado por


um jornalista e escritor, Sr. Sebastião Bortone, sobre o problema carcerário
do Brasil, que é sua contribuição para a Comissão. Como a colega Benedita
da Silva disse, é importante lembrarmos a questão dos presidiários. Posso
adiantar que foi formada há tempos, no Ministério da Justiça - creio que
todos devem lembrar - a Comissão Teotônio Vilela, cujo objetivo foi visitar
o sistema penitenciário brasileiro e fazer um levantamento sobre ele. Essas
visitas culminaram em denúncias gravíssimas sobre a vergonh~sa situação
carcerária do Brasil. Se os presentes tiverem algumas sugestões para enriquecer
mais o trabalho sobre a questão carcerária, ou seja, o sistema penitenciário,
nós as estamos recebendo.

174
Quero agradecer ao jornalista Sebastião Bortone sua colaboração com
este trabalho sobre o problema carcerário no Brasil. Posso assegurar que
será lido e aproveitado dentro das possibilidades.

175
APRESENTAÇÃO DE MOÇÕES
MOÇÃO N' 1

Apresentada pelas seguintes entidades:

SINDASP e CRAS, da 11" região do Paraná


No momento em que discutimos o anteprojeto da Lei Orgânica da Assis-
tência Social, onde se propõe a criação de um órgão único, a nível federal,
normatizador dessa política, evitando, assim, o paralelismo de ações e a disper-
são de recursos, questionamos a proposta substitutiva ao Projeto de Lei n'
1.506. Tal proposta cria um órgão específico - INAIA-que trata de questões
relativas à criança e ao adolescente. Propomos que seja efetuada a revisão
do Título VI, Cap. II, do mencionado documento.

179
MOÇÃO N•2

Apresentada pela Sr' Marly Lemos e


demais assinaturas ilegíveis

Participantes do I Simpósio sobre Assistência Social repudiam a forma


unilateral com que foi organizado, onde as mesas-redondas não abriram espa·
ços para debates com os próprios conferencistas, só havendo discussão em
grupos quando os referidos conferencistas já não estavam presentes.

181
MOÇÃO N'3

Apresentada pelas seguintes entidades:

-Associação dos Movimentos das Entidades Sociais Conve-


niadas com o Município de São Paulo - AMESC
- Sindicato dos Hospitais e Instituições Beneficentes Filan-
trópicas e Religjosas do Estado de São Paulo - SINDHOSP
Pastoral do Menor de São Paulo - Setor São Mateus

MOÇÃO DE PROTESTO

1 - Manifestamos o nosso protesto pela forma de organização do presente


Simpósio, especificainente no que se refere a sua convocação, uma vez que
não foram convidados e, conseqüentemente, não participaram, diversos seg~
mentas representativos e atuantes no âmbito da assistência social em nosso
País.
2 - Repudiamos a forma acintosa de participação de determinados gru-
pos, que evidenciaram a sua preocupação com a manutenção de seus empregos
e cargos, em decorrência de possível extinção de órgãos da Administração
Pública Federal, pelo atual texto constitucional.
3 - Protestamos pela forma superficial e propagandística de expositores,
especialmente os do dia 31 de maio de 1989, que simplesmente enfatizaram
seus setores de atuação, não oferecendo subsídios substanciais aos debates.
Da mesma forma, estranhamos a programação somente para o terceiro
dia, de temas e expositores que realmente poderiam oferecer subsídios substan-
ciais aos grupos de trabalho, uma vez que tais grupos já haviam concluído
seus estudos acerca dos temas propostos no segundo dia.
Propomos que sejam os anais do presente Simpósio amplamente divul-
gados e submetidos a um debate com as Entidades Representativas de Assis-
tência Social Públicas e Privadas, em âmbito nacional, com o objetivo de
se encaminhar Anteprojeto de Lei de Política Nacional de Assistência Social.
Brasilia, 1° de junho de 1989

183
MOÇÃO N•4

Apresentada pelas Senhoras:


- Márcia Helena Carvalho Lopes - Londrina - PR e
- Lucília - Umuarama - PR

ASSISTÊNCIA AO PRESO

Que se inclua no capítulo I da Lei Orgânica da Assistência Social a


assistência ao preso.
É preciso que a nível federal os direitos do preso sejam garantidos clara-
mente, estando portanto explicitados na lei.

185
MOÇÃ0N"5

Apresentada e não foi possível identificar sua autoria


Exigência da presença e dos serviços das assistentes sociais nas empresas
e instituições, "em proporção ao número de funcionários''.

187
CONSIDERAÇÓES FINAIS

DEPUTADA MARIA DE LOURDES ABADIA


Coordenadora-Geral

Agora passaremos a vinte minutos de debates.


Quero, na minha palavra final, fazer algumas considerações sobre as
moções. Temos representantes de vários Estados, sindicatos, associações, enti-
dades públicas e privadas. Talvez pudessem levantar os pontos positivos e,
caso houver, os negativos, porque isso vem subsidiar os futuros simpósios
e trabalhos desta Casa. Se alguém quiser se inscrever, teremos vinte minutos
para isso.

A SRA. MARIA DE FÁTIMA AZEVEDO FERREIRA

Em primeiro lugar, gostaria de dar boa tarde a todos os presentes. Sou


Presidente do Conselho Federal de Assistentes Sociais. Participei, inclusive,
da elaboração pelo menos de grande parte do Projeto da UnB. Não vim
aqui no papel de defensora de projeto algum. A questão inicial, que estava
no corpo do projeto, é que ele deveria ser colocado, como o foi, em termos
de debate e de democracia. Coube às entidades que participaram dele fazer
isso. O Conselho Federal procurou através dos Conselhos Regionais, levar
esse debate ao conjunto da categoria dos assistentes sociais. Estranho que
existam algumas moções de repúdio - vejam bem, companheiros - moções
de repúdio. Considero que em uma moção de repúdio repudia-se algo nocivo
à sociedade. Acho que o esforço deste simpósio não foi o de ser nocivo
à sociedade, mas de ampliar o debate sobre a questão da assistência social.
Penso que teve falhas, sim, algumas que até foram apresentadas aqui, como
a questão das mesas, a questão de não ter sido aberto o debate com relação
aos expositores, a questão de que essas mesas trouxessem subsídios às discus-
sões dos grupos etc. Mas, vejam bem, uma coisa são erros cometidos; outra
coisa é uma moção que repudia o que está sendo feito, a meu ver, em termos
de abertura. E, se essa abertura deverá ser maior ~ e acho que deva ser
- estamos ainda em tempo e, mesmo durante o trâmite, o projeto, pelo
que sei, poderá sofrer modificações. Inclusive, a meu ver, uma das questões

189
fundamentais é a da participação da comunidade, daquelas pessoas que vão
ser atingidas pelo projeto. Isso depende de nós, que fazemos parte de entidades
representativas da categoria, que fazemos parte de entidades assistenciais
e, principalmeute, daqueles que fazem parte hoje do Poder Público. Inclusive,
considero - e aí já vou entrar na questão discutida no grupo - a que responsa-
bilidade da assistência social é do Estado. Se entidades ainda desenvolvem
esse tipo de atividade é porque estão substituindo uma atividade que deveria
ser do Estado. A participação democrática deve ser garantida através da
participação principalmente da população atingida e daquelas pessoas dedica-
das à assistência social.
O Conselho Federal de Assistentes Sociais, através da minha represen-
tação, queria deixar esta questão em aberto para que as companheiras que
aqui estão presentes pensassem nela. Àqueles que dirigiram este simpósio
saibam que o aspecto principal foi positivo e não negativo; que aprendam
com as lições daqui tiradas, para que no próximo simpósio possamús crescer.
Em relação à questão da assistência social, consideramos que não podemos
ficar eternamente esperando soluções e projetos mirabolantes feitos da forma
mais ideal possível, quando nossa realidade concreta não é essa. Devemos
exigir ,a participação popular ampla mas de pé no chão.

O SR. JOSÉ DIAS

Gostaria de dar meu boa tarde a todos.


Sou médico e gostaria de, neste instante em que estamos discutindo
a assistência social do País, fazer uma reflexão a respeito do anteprojeto
de lei da UnB, no seu art. 18, quando diz que a renda mínima para o idoso
é o benefício mensal de um salário mínimo concedido à pessoa com idade
superior a sessenta e oito anos. Sabemos muito bem que· a idade média do
brasileiro fica entre os sessenta e os sessenta e cinco anos. Deixo, portanto)
para reflexão de V. s• o seguinte tema: estamos realmente tentando trabalhar
para ajudar o próprio idoso? (Palmas.)

A SRA. ALICE COSTA CANTUÁRIO

Colegas presentes de todo o Brasil, gostaria de aproveitar esta oportu·


nidade para agradecer à minhacolega Maria de Lourdes, que me convidou
para este simpósio, já que sou assistente social, ex-colega dela e Chefe do
Programa Nacional de Saúde do Idoso do Ministério da Sáúde.
Desejo ressaltar as palavras do meu colega Renato Maia, Coordenador
do Programa. Ele e eu, assistente. social, somos os dois únicos funcionários
do Governo a trabalhar pelo idoso neste País, lutando para que os benefícios
a essas pessoas cheguem aos 60 anos de idade, desde o passe livre, que

190
foi para 65 anos. A expectativa de vida do brasileiro é de 55 anos para
o Nordeste e 65 anos para o Sul. Corno vamos iniciar esse benefício aos
68 anos?
Fico satisfeita porque alguém veio defender um programa pelo qual,
corno a mais humilde servidora do Ministério da Saúde, venho batalhando.
Isto, para que realmente, quando chegar a minha vez, já tenha o benefício
alcançado. (Palmas.)

A SRA. EN! MARIA MONTEIRO BARBOSA

Só queria fazer urna colocação em relação à questão que a companheira


anterior mencionou, sobre a idade de 68 anos. Hoje, esse benefício incluído
na Constituição substitui a renda mensal vitalícia, que já existe atualmente
no âmbito da Previdência - ela era definida a partir dos 60 anos. Desde
o início do trabalho do grupo se discutiu muito qual seria a idade adequada.
Tínhamos dois tipos de raciocínio: primeiro, se mantiver a idade que está
hoje na renda mensal vitalícia, aos 70 anos, não ficará muito adequado, na
medida em que essa população carente tem urna expectativa mais baixa de
vida. Então, muitos poucos serão beneficiados por esta medida, já que a
expectativa de vida dessa população que será alvo do benefício é mais baixa.
O outro raciocínio era o seguinte: se aos 65 anos é que está definida
a idade de aposentadoria - e tínhamos toda urna amarração conceitua! da
questão da assistência co1no uma for1na de introduzir as pessoas nas políticas
setoriais e não tirar delas a assistência, esta era a proposta de conceituação
do trabalho para se entender a assistência - então achávamos que também
não tinha sentido determinar 65 anos, na medida em que a pessoa contribui
e recebe o benefício nessa idade e não contribui e recebe um benefício igual
aos 65 anos. Até quando colocamos a supremacia do critério das necessidades
sociais sobre a rentabilidade econômica, tenho a impressão de que nos atrapa-
lhamos um pouquinho, porque acabamos fazendo urna compatibilização dos
dois critérios. Q que fundamentou a discussão foram essas duas questões.
Acabamos optando por um corte na média: "Vamos ficar nos 68 anos".
Só queria esclarecer que este foi o raciocínio que fundamentou aquela
proposta.

ENCERRAMENTO

A SRA. DEPUTADA MARIA DE LOURDES ABADIA


Coordenadora-Geral

Primeiramente, quero, de coração, agradecer a todos a valiosa· partici-


pação, principalmente daqueles que tiveram que se deslocar do Norte, Sul,
Leste e Oeste do nosso Brasil para estarem conosco nestes três dias.

191
Não quero apresentar desculpas pelas nossas falhas, primeiro, porque
acredito que só erra quem tem coragem de fazer alguma coisa. (Palmas)
Quem nada faz não corre o risco de se submeter a uma crítica ou a uma
análise. Temos aprendido muito. Acredito que posso até falar em nome da
Deputada Benedita: nós, que somos assistentes sociais, que atuamos muito
na área profissional e depois fomos jogadas no Congresso Nacional, com
todas as ideologias, com todos os interesses e com todos os partidos, temos,
pois, que aprender a nos defender, senão morreremos.
A idéia e a essência deste encontro - confesso - além do objetivo
maior ser a elaboração da Lei Orgânica da Assistência Social, foi a participação
de todos os presentes, até mesmo para provar que é possível os segmentos
da sociedade participarem de qualquer iniciativa até mesmo na elaboração
de uma legislação e dentro de um Congresso Nacional. Isso não é fácil até
por problemas de instalação, porque este Congresso, quando foi concebido,
a população era uma, o número de Deputados era outro. Temos um plenário
que hoje não comporta todos os Deputados e Senadores, tudo é muito impro-
visado. Há um aspecto que é interessante V. s~s tomarem conhecimento:
durante muitos anos a função do Congresso era apenas a de aprovar decre-
tos-lei, não havia debates, discussão nem a participação do povo nesta Casa.
A partir da promulgação da nova Constituição, quando foram constituídas
as comissões, quando a sociedade brasileira foi chamada a tomar conta desta
Casa, a abrir as portas e a entrar nesta Câmara, passamos a ter muitas dificul-
dades: dificuldade até de água para todos, de banheiro, de xerox~ esperá-
vamos 250 pessoas e -que bom -tivemos 481 pessoas inscritas, participando
deste simpósio. Então, ficou congestionado o trabalho de xerox e de outras
coisinhas que atrapalharam muito. Não tivemos como planejar devido ao
tempo, aos recursos e até pela compreensão da necessidade e da grandiosidade
da assistência social. Pensávamos em fazer pastas com canetas, çom os nomes,
com salas bem confortáveis - tudo isso gostaríamos de oferecer aos senhores
- mas, infelizmente, não foi possível.
Com relação ao chamado das instituições, confesso que, se não fosse
a colaboração da Eni, da Universidade de Brasília e de algumas colegas que,
às vezes até sem autorização, mandaram-nos relações de nomes de pessoas
e de líderes que gostariam de aqui comparecer, nem essas pessoas teríamos,
porque nem esta Casa nem os órgãos governamentais têm uma central de
nomes de todas as instituições assistenciais, de todas associações populares
e de todas as instituições que cuidam da assistência social. Se alguém tiver
essas relações, mande-nos, porque daqui para a frente queremos criar aqui
na Câmara, na Comissão da Saúde, Previdência e Assistência Social, uma
central de informações. Poderemos informar a qualquer cidadão que quiser
saber quais são as instituições do Brasil que trabalham na área do excepcional
e do idoso, se Deus quiser, mas precisamos da colaboração dos senhores.
Este simpósio foi divulgado por todos os meios de imprensa. Colegas,
isso foi dito aqui. Ninguém mais do que nós sabemos disso. Tenho certeza

192
de que, se alguma deputada tirasse a roupa dentro deste Congresso, até
o "Time" estaria aqui. Mas como é para tratar de assistência social, o esforço
que fizemos para entregar esse convite a todos os meios de comunicação
- posso até garantir que o ouvi na "Voz do Brasil" - não teve resposta
à altura do que esperávamos. Durante uma semana usei o horário da Liderança
do PSDB, como Vice-Líder, divulgando o programa e convidando todos os
segmentos da sociedade brasileira a comparecerem ou enviarem sugestões
para este Congresso. Houve um esforço real. A culpa não é tanto nossa.
Não pensem como alguns setores, que não foram convidados. Isso não é
verdade. Pelo menos não foi intenção desta Casa.
Outra coisa, também: realmente vemos muita esperança em todos que
aqui estão. Quero também deixar claro que há boa vontade por parte de
um grupo de Parlamentares que realmente têm o compromisso com a Lei
Orgânica da Assistência Social, da Previdência, da Saúde e com a comissão
à qual pertencemos. É preciso ficar claro que não podemos também afirmar
que este projeto e estas sugestões sejam garantidas em lei, porque somos
559 Parlamentares e não podemos impedir que um substitutivo mude tudo;
que se consiga, através de acordo de liderança, a possibilidade de votar um
outro substitutivo e não este em que estamos aqui trabalhando e sobre o
qual discutimos. É bom que se diga isso. Esta Casa é um jogo de pressões,
é preciso maioria, há interesses aqui e ali. Comprometo-me a lutar até o
fim por esta proposta discutida e refletida.
Sobre a questão do tempo, somos 101 Deputados nesta comissão -
os titulares e os suplentes. Não me quero desculpar. Quero apenas expor
nossas dificuldades. Pelo estatuto, cada grupo seria coordenado por um Parla-
mentar. Não conseguimos todos os seis Parlamentares, porque eles têm audiên-
cias com Ministros, os Prefeitos dos seus Estados vêm para cá com um pires
na mão atrás de verbas, eles estão formando partidos, organizando-se para
as campanhas presidenciais. A vida do político é diferente da vida de um
técnico ou de um professor, que têm o tempo disponível para refletir e estudar.
Ele tem que ir para as ruas. Gostaria de discutir com os aqui presentes todas
essas dificuldades.
Finalmente, agradeço a todos e assumo o compromisso de luta para
aprovarmos essa lei orgânica nessa perspectiva da valorização e do resgate
da cidadania, de transformar a esmola em direito, de cobrar do Estado o
dever que tem com a sociedade brasileira, principalmente com esses 13 milhões
de deficientes que existem no nosso Brasil. Assumimos este compromisso
com os participantes deste simpósio e com a sociedade brasileira. Só não
podemos garantir a aprovação total desse substitutivo, porque uma maioria,
com outro interesse, pode nos atropelar.
Quero contar aqui uma história que vivenciei no processo constituinte,
porque é a mensagem que quero deixar neste Congresso. Uma pescadora
do Ceará, parece-me, procurou uma Parlamentar, na época dos trabalhos

193
constJtmntes. Chegou aqui na Câmara e disse que queria falar com uma
Deputada. Como sou de Brasília e estou sempre em Brasília, o segurança
a encaminhou para meu gabinete. Ela me disse o seguinte: "Sou uma pesca-
dora. Estou aqui porque quero conversar com as Deputadas, porque somos
injustiçadas. Somos pescadoras e saiu uma portaria do Ministro da Marinha
que está proibindo mulher de ser pescadora. E temos que tirar uma carteira.
Sem essa carteira, a Marinha não deixa mais a gente pescar. E a gente não
sabia bem. Procuramos as Deputadas, principalmente do Rio Grande do
Norte, do Piauí, do Ceará, marcamos uma audiência com o Ministro. Quando
levamos o problema, o Ministro disse que tinha uma portaria, mas que lá
não estava dito que é proibido mulheres pescarem. Lá está escrito que "os
pescadores" terão que revalidar suas carteiras ou tirá-las, caso não tenham.
Mas acontece, Ministro, que depois dessa história desse discurso do "Ao
pé do rádio", dos brasileiros e brasileiras, a pessoa que bate à máquina e
que leu a portaria só solta carteira para os pescadores. Para as pescadoras,
não. Quero sair daqui com um documento que autorize os pescadores e as
pescadoras a terem carteira".
O Ministro pediu, então, ao seu chefe de gabinete que batesse essa porta-
ria. E a pescadora saiu com uma portaria do gabinete do Ministro na sua
bolsinha, dizendo: "Agora, sim, sei que o nosso problema está resolvido.
Não o meu, mas de todas as pescadoras que não conseguiram tirar sua carteira".
Quando eu me lembro disso, arrepio-me, porque naquele momento tive
a consciência do que é participação da comunidade. Confesso a V. S•', como
uma pessoa que subscreveu a Constituição brasileira, que, se ela permanecer
fria, em uma prateleira, não poderá fazer muita coisa. Mas, no dia em que
a sociedade, o cidadão, a pessoa tiver a real consciência do seu papel, do
seu valor e dos seus direitos, começaremos, no nosso meio, à nossa volta,
no nosso Município, no nosso Estado, no nosso Brasil, a resgatar todos os
direitos que buscamos.
Dirijo-me agora às pessoas que têm aguçada a consciência social e às
colegas assistentes sociais: nosso papel é sair dos gabinetes, é deixar de fazer
reuniões - ou fazer menos reuniões - é fazer menos relatórios e sair às
ruas, às praças, onde o povo está, para chamar esse povo, para ajudar esse
povo a se organizar para exigir seus direitos e o cumprimento dessa Consti-
tuição, às vezes tão criticada, mas o nosso livro constitucional, a nossa cartilha,
o nosso registro. E, desta forma, com deficiência, com críticas, esta Casa
foi aberta para todos os segmentos da sociedade chegarem e dizerem: "Que-
remos isto, precisamos disto". Percebemos que os grupos que se organizaram
conseguiram mais em relação àqueles que não se pronunciaram e não pressio-
naram esta Casa. O jogo é democrático, é de competência, é de garra, é
de luta. Então, deixo para V. S•' a mensagem de que estamos começando
uma coisa nova: uma proposta de transformação pelo lugar que as pessoas
queiram trabalhar. Posso até dizer a V. S•' que a Comissão de Relações
Exteriores é muito mais disputada do que a Comissão de Assistência Social.

194
Mas confio muito em V. S•', nesta perspectiva de participação e de organização
da sociedade civil. Deixo aqui registrado - e posso adiantar até - que
conseguimos fechar estes três simpósios com a promessa do Senador Almir
Gabriel o Relator do Capítulo de Seguridade, que hoje garantiu-nos que
irá promover um encontro analisando as três propostas - da saúde, previ-
dência e assistência social - para fazer a interface, para discutir o financia-
mento, a questão do orçamento, para amarrar todos os assuntos que, penso,
são a grande novidade e a grande conquista resultante desses três simpósios.
Mais uma vez, conclamo a todos que participem. Podem mandar à Comissão
de Saúde, Previdência e Assistência Social a colaboração da Associação dos
Moradores, de Sindicatos, pessoal, porque nos comprometemos a debater,
a encaminhar as sugestões de V. S•'
Um abraço a todos.
Todos receberão um relatório sobre a comissão. Ajudem-nos, por favor.
(Palmas.)
Está encerrado nosso simpósio.

195
ANEXOS
Proposta de anteprojeto da Lei Orgânica da Assistência Social,
trabalhos e docnmentos apresentados à Comissão de Saúde,
Previdência e Assistência Social.

197
ANEXOI

Anteprojeto da Lei Orgânica da Assistência Social


(Proposta para discussão)
- Universidade de Brasília (UnB)
- Núcleo de Estudos em Saúde Pública (NESP)
- Núcleo de Estudos e Pesquisas em Políticas Sociais (NEPPOS)
- Instituto de Planejamento Econômico e Social (IPEA)
- Instituto de Planejamento (IPLAN)

199
ANTEPROJETO
LEI ORGÂNICA DA ASSISTÊNCIA SOCIAL
(Proposta para discussão)

SUMÁRIO

Apresentação
Capítulo I
Da Definição (arts. 1° a 3°)
Capítulo II
Dos Princípios e Diretrizes (art. 4°)
Capítulo III
Do Campo de Atuação da Assistência Social (art. 5°)
Capítulo IV
Da Organização e Gestão da Assistência Social (arts. 6° a 11)
Capítulo V
Das Competências Gerais em cada Esfera de Governo (arts. 12 e 13)
Capítulo VI
Dos Benefícios e Serviços (art. 14)
Seção l
Dos Benefícios de Prestação Continuada ( arts. 15 a 23)
Seção II
Dos Serviços Assistenciais (arts. 24 a 26)
Capítulo VII
Do Financiamento da Assistência Social ( arts. 27 a 31)
Capítulo VIII
Das Disposições Gerais e Transitórias (arts. 32 a 39)

201
APRESENTAÇÃO

Este anteprojeto de lei constitui um subsídio à regulamentação da assistên-


cia social, enquanto um componente da seguridade social contemplado na
Constituição Federal de 1988.
De caráter setorial, ele integra um conjunto mais amplo de contribuições
referentes à regulamentação da seguridade social coordenadas pela Univer-
sidade de Brasília - UnB, através de seu Núcleo de 'Estudos em Saúde
Pública - NESP, com o apoio do Ministério da Previdência e Assistência
Social -MPAS, do Ministério da Saúde -MS, do Instituto de Planejamento
Econômico e Social - IPEA e da Organização Pan-Americana de Saúde
- OPS (anexo 1).
No que se refere especificamente à assistência social, o trabalho se viabi-
lizou pela articulação do IPEA/IPLAN e do NESP com o Núcleo de Estudos
e Pesquisas em Políticas Sociais - NEPPOS, do CEAM/UnB, para consti-
tuição de um grupo inicial de trabalho que se responsabilizasse pelo processo
de produção deste anteprojeto de lei. Este grupo básico foi enriquecido pela
participação de diferentes profissionais, em seu nome ou das instituições a
que pertencem, como FUNABEM, COROE, CFAS e FSS/DF. Além destes,
o trabalho se beneficiou da colaboração de pessoas ligadas à questão assisten-
cial, de diferentes origens, que marcaram presença em estágios particulares
do seu processo (vide anexo 2).
O anteprojeto é, pois, o resultado de um trabalho conjunto que expressa
não a concepção particular das pessoas e instituições que participaram de
sua elaboração, mas o consenso ou posição majoritária referente à matéria,
no sentido de integrar organicamente a assistência social ao compósito da
seguridade social definido na Constituição.
Centrado nesta orientação o anteprojeto considera mas não trata matérias
passíveis de regulamentação por outros ordenamentos legais com implicações
previsíveis na área de assistência social. É o caso da proteção à infância
e adolescência, cujo tratamento prioritário no texto constitucional sugere radi-
cal revisão de leis especiais'referentes à família; à educação, ao trabalho,
à adoção, entre outras.
No seu desenvolvimento, o trabalho baseou-se tanto nos preceitos consti-
tucionais, direta ou indiretamente relacionados à assistência social, quanto

203
na prática dessa assistência, demoradamente discutida em reuniões interdisci·
plinares, bem como em textos especialmente produzidos ou disponíveis sobre
o tema.
Apoiado no fato de que a assistência social é tratada pela primeira vez
como um direito de cidadania assegurado na Constituição Federal, o antepro·
jetO Visa basicamente criar COndiçÓes para a conversão do preceitOTOnstitU·
cional em prerrogativas reais.
Para tanto, apoiou-se em duas grandes diretivas:
a) o esforço de regulamentação da assistência social não seria apenas
um fato formal e ético. Teria que se basear em orientação teórica que, embora
não explicitada, serviria de fundamento às proposições legais;
b) o esforço de regulamentação da assistência social não se identificaria
com um trabalho de "experts". Seria o resultado da discussão conjunta de
diferentes participantes, incluindo os beneficiários da área. Esta foi uma aspira·
ção que não se cumpriu plenamente, dada a dificuldade de mobilização dos
vários atores, inclusive dos beneficiários, na atual fase do trabalho. Contudo,
espera-se que a participação popular seja ampla durante o processo legislativo
bem como na discussão dos vários aspectos que, em nome desta participação,
foram remetidos à regulamentação posterior. Daí, também, a ênfase nos órgãos
colegiados de gestão.
Assim, o anteprojeto expressa uma concepção de assistência social que
a entende como fruto da relação entre Estado e sociedade, dentro de uma
perspectiva histórica. Isso equivale dizer que a assistência social, a par de
sofrer modificações permanentemente, não é obra exclusiva do Estado. No
processo de sua formação e desenvolvimento, a sociedade tem e deve marcar
papel ativo.
Além disso, considerando o comprometimento histórico da assistência
social contemporânea com o estatuto da cidadania, entende, o anteprojeto,
que aquela só será um direito social na medida em que extrapolar os limites
de sua ação convencional.
É com base nesta concepção que a assistência social configura-se como
um tipo particular de política social que assume duas formas principais:
a) uma, restrita, voltada para os segmentos populacionais em situação
de pobreza extrema; e
b) outra, mais ampla, que conflui para as demais políticas sociais, contri·
buindo para a extensão destas políticas aos mais necessitados e, portanto,
para a sua universalização.
Entretanto, dada a magnitude da pobreza no Brasil e a atenção prioritária
que esse fenômeno reclama, o anteprojeto prioriza a assistência social em
sentido estrito, sem deixar de considerar a sua forma ampla. Esta é uma
preocupação que perpassa toda a proposta de lei e se expressa nitidamente
na ênfase à articulação intersetorial e na concepção dos serviços.
O fato de a assistência social integrar-se no conceito de seguridade social
conforme preceitua a Constituição de 1988 implica, por sua vez, nova aborda·

204
· gem na concepção e na organizaçáo da ação assistencial. É que a seguridade
social propõe uma nova política de proteção social baseada no compromisso
do Estado com a garantia de um mínimo vital a cada cidadão.
Isto justifica as duas linhas de atuação assistencial propostas no antepro-
jeto: os benefícios de prestação continuada destinados a assegurar uma renda
mínima para os segmentos mais vulneráveis da população e a prestação de
serviços assistenciais, forma indireta de garantir um mínimo de satisfação
de necessidades básicas não atendidas pelas demais políticas sociais.
Já definida pela Constituição Federal a renda mínima para idosos e defi-
cientes (art. 203, inciso V), o anteprojeto apenas qualifica seus beneficiários.
Mas a idéia da renda mínima, aqui, é estendida também às famílias pobres
através do abono família, visando a atenção à crianças e adolescentes até
14 anos. Cumpre-se desta forma outros dispositivos constitucionais que priori-
zam a proteção às crianças e adolescentes e privilegiam o atendimento no
âmbito de suas famílias (art. 227).
No estabelecimento dessas linhas de atuação tornou-se necessário expli-
citar o beneficiário da assistência social respaldado em um corte de pobreza
que não o vilipendiasse. No pressuposto da elevação do salário mínimo que,
nos termos da Constituição e deste anteprojeto, seja capaz de atender às
necessidades do trabalhador e de sua família, e considerando que a família
brasileira, na média, tem 4 membros, adotou-se como critério que 1/4 do
salário mínimo seria o limite inferior para atender às necessidades de cada
pessoa no âmbito da família. É óbvio que este critério náo se adequa ao
salário mínimo hoje vigente mas optou-se por trabalhar com esse pressuposto
inclusive porque a revisão da política salarial é imprescindível para que uma
política assistencial conforme concebida na Constituição e neste anteprojeto
possa se efetivar no País. Nesta perspectiva, o anteprojeto adota uma postura
cautelosa na fixação dos benefícios considerando a viabilidade financeira do
sistema assistencial.
No tocante à organização da assistência social, o anteprojeto prevê uma
estrutura descentralizada para Estados, Distrito Federal e Municípios, ao nível
operacional, com comando único em cada esfera de governo, articulado a
um órgão de coordenação nacional da política de assistência social-o Instituto
Nacional de Assistência Social - criado em lei específica para este fim e
vinculado ao Ministério da Seguridade Social. O Ministério da Seguridade
Social seria a agência capaz de efetivar a integração conceituai, orçamentária
e operacional da previdência e assistência num sistema universal de proteçáo
social.
A ênfase no comando único e na descentralização visa, de um lado,
integrar o esforço assistencial, sem desperdícios e superposições inócuas e,
de outro, salvaguardar a autonomia das diferentes esferas de governo na
formulação e execução da assistência social, com a participação e o controle
da populaçáo, sem abdicar da integração institucional em nível nacional.

205
Em relação ao financiamento da área cabe assegurar no orçamento da
seguridade social os recursos necessários à efetivação da assistência social
como direito de cidadania. Trabalha-se numa conjuntura de recursos presumi-
velmente escassos para as necessidades da seguridade social como um todo.
Daí que considera-se a necessidade de compor o orçamento da assistência
social com recursos do tesouro, destinando-se estes a despesas de pessoal
e administração do INAS e atendimento a situações emergenciais de calami-
dade pública. Compromete-se, também, a União através do Orçamento da
Seguridade Social, com o custeio dos benefícios de prestação continuada e
o apoio a Estados e Municípios na execução de serviços assistenciais através
de transferências baseadas em critérios que contemplem as necessidades locais
e o esforço orçamentário próprio. Busca-se, ainda, evitar que recursos contri-
butivos dos trabalhadores ao seguro social sejam aplicados à área assistencial,
devendo, portanto, dirigir-se à assistencia social as fontes de recursos de caráter
mais redistributivo.
Por fim, indica-se uma série ce medidas de caráter geral e transitório
indispensáveis à efetivação e complementação das propostas colocadas no
corpo da lei.

206
LEI ORGÂNICA DA ASSISTÊNCIA SOCIAL

CAPÍTULO I
Da Definição
Art. 1' A assistência social, enquanto direito de cidadania, é a política
social que provê, a quem necessitar, benefícios e serviços para o acesso à
renda mínima e ao atendimento das necessidades humanas básicas, historica-
mente determinadas.
Art. 2' As ações de assistência social devem cumprir, no âmbito de
sua competência, os objetivos constitucionais de erradicação da pobreza e
de proteção à família, à maternidade, à infância, à adolescência, à velhice
e à pessoa portadora de deficiência, entre outros.
Art. 3° É beneficiário da assistência social todo cidadão em situação
de incapacidade ou impedimento permanente ou temporário, por razões so-
ciais, pessoais ou de calamidade pública, de prover para si e sua familia,
ou ter por ela provido, o acesso à renda mínima e aos serviços sociais básicos.

CAPÍTULO II
Dos PrilJcipios e Diretrizes
Art. 4° A assistência social rege-se pelos seguintes princípios e dire-
trizes:
I - supremacia do princípio de atendimento das necessidades sociais so-
bre o de rentabilidade econômica;
II - universalização dos direitos sociais, no sentido de tornar o destina-
tário da ação assistencial alcançável pelas demais políticas sociais;
III -promoção e emancipação do assistido, visando a sua independência
da ação assistencial;
IV - responsabilidade dos Poderes Públicos, enquanto dever do Estado,
de prestar assistência a quem dela necessitar, independentemente de contri-
buição à seguridade social;
V - respeito à dignidade do cidadão, sua autonomia e seu direito a
benefícios e serviços de qualidade, bem como à convivência familiar e comuni-
tária, vedando-se qualquer comprovação vexatória de necessidades;

207
VI-igualdade ao direito de atendimento, sem qualquer discriminação,
por motivo de raça, sexo, cor, religião, costumes e posição político-ideológica;
VII - gratuidade no acesso a benefícios e serviços;
VIII - participação do assistido, diretamente e por meio de entidades
e organizações representativas da sociedade civil na formulação de políticas,
na fixação dos critérios de elegibilidade do beneficiário e no controle das
ações governamentais em seus diferentes níveis;
IX - informação ampla dos benefícios e serviços assistenciais oferecidos
pelo Poder Público e dos critérios de sua concessão;
X - descentralização político-administrativa para os Estados, Distrito Fe-
deral e Municípios, respeitando-se a diversidade das necessidades sociais e
das formas de atendê-las;
XI - comando político-administrativo único em cada esfera de governo
das ações de assistência social, apoiado numa estrutura organizacional simples
e ágil capaz de acompanhar a dinâmica social e de evitar a dispersão de
recursos e a superposição de benefícios e serviços sociais;
XII -participação de entidades beneficentes na execução da política
de assistência social.

CAPÍTULO III
Do Campo de Atuação da Assistência Social
Art. 5' Constitui campo de atuação da assistência social:
I - definição dos segmentos populacionais vulneráveis e das famílias e
pessoas necessitadas de assistência social;
II -promoção do acesso à renda mínima;
III - provisão de benefícios e serviços assistenciais para suprir necessi-
dades básicas não satisfeitas;
IV -promoção do acesso aos bens e serviços sociais básicos;
V - normatização, fiscalização e controle da prestação de serviços assis-
tenciais;
VI - normatização e credenciamento das entidades beneficentes de assis-
tência social;
VII - gestão de recursos orçamentários destinados à área;
VIII - formulação de políticas e diretrizes, fixação de prioridades e elabo-
ração de planos e programas com a participação da população;
IX -desenvolvimento de recursos humanos para a área;
X -promoção de estudos e pesquisas na área;
XI -promoção da articulação com as demais áreas sociais.
CAPÍTULO IV
Da Organização e Gestão da Assistência Social
Art. 6° A assistência social se processa através de uma rede de prestação
de benefícios e serviços integrados por:

208
I - instituições públicas em níveis federal, estadual e municipal;
II - entidades não governamentais de assistência social que recebem,
direta bu indi~etamente, recursos e incentivos do Poder Público;
III - entidades não governamentais de assistência social que não se bene-
ficiem de recursos públicos, a qualquer título.
§ 1' A rede integrada pelas instituições e entidades mencionadas nos
incisos I e II deste artigo constitui a rede pública de assistência social.
§ 2' As entidades mencionadas no inciso III deste artigo constituem
a rede privada autônoma.
§ 3' Tanto a rede pública como a rede privada autônoma são subordi-
nadas aos princípios e diretrizes gerais da assistência social definidos nesta
lei, e à fiscalização da população e do Poder Público.
Art. 7' A coordenação da assistência social é única em cada esfera
de governo.
Art. 8' Na esfera federal a coordenação da assistência social é exercida
pelo Instituto Nacional de Assistência Social - INAS, autarquia vinculada
ao Ministério da Seguridade Social criada em lei específica<').
Parágrafo único. O Instituto a que se refere o caput deste artigo será
também responsável pela normalização geral da assistência social, conforme
o disposto no art. 204 da Constituição Federal.
Art. 9'' Na esfera das unidades federativas a coordenação da assistência
social é exercida pelo Governo Estadual, através de órgão próprio definido
em lei estadual.
Art. 10. Na esfera municipal a coordenação da assistência social é exer-
cida pelo Governo Municipal, através de órgão próprio definido em lei muni-
cipal.
Art. 11. Na estruturação do Instituto Nacional de Assistência Social
será prevista a constituição de dois foros, em seu apoio:
I - a Conferência Nacional de Assistência Social, de caráter consultivo,
que se reúne a cada dois anos ou extraordinariamente, com participação
de entidades representativas da sociedade civil, instituições assistenciais, bem
como dos usuários, para avaliar a situação de pobreza no País e propor dire-
trizes para a política nacional de assistência social, convocada pelo presidente
do Instituto Nacional de Assistência Social (INAS), ou extraordinariamente
pelo Conselho Superior de Assistência Social;
II - o Conselho Superior de Assistência Social, de caráter permanente,
composto paritariamente por representantes do Governo e da sociedade civil
ligados à área, que se constitui no órgão máximo de deliberação sobre a
política nacional de assistência social e de controle de sua execução.

("') Em caso de não criação do Ministério da Seguridade Social o Instituto Nacional de Assistência
Social - !NAS, se vincula ao Ministério da Previdência e Assistência Social.

209
CAPÍTULO V
Das Competências Gerais em cada Esfera de Governo
Art. 12. São competências da União, exercidas por meio do Instituto
Nacional de Assistência Social:
I - a coordenação nacional da execução da política de assistência sÔcial
. e o estabelecimento de normas gerais, já referidos no art. 8•' desta lei;
II - a formulação da política nacional de_ assistência social em articulação
com os Estados e Municípios;
III - a normalização e custeio dos benefícios de prestação continuada
definidos no Capítulo VI, Seção I, desta lei;
IV - a proposição de lei para definição de entidades beneficentes de
assistência social, inclusive para o fim de isenção de contribuição à seguridade
social prevista no art. 195, § 7'', da Constituição Federal;
V - a elaboração de proposta orçamentária para compor o orçamento
da seguridade social;
VI--:-- a gestão dos recursos orçamentários próprios;
VII - a articulação intra e intergovernamental e intersetorial para compa-
tibilização de programas e normas;
VIII - a coordenação e manutenção de um sistema de informações e
estatístiéas na área de assistência social em articulação com instâncias estaduais
e municipais;
· IX - a coordenação e finaneiamento de programas e projetos de interesse
nacional, supra-estadual e de caráter emergencial;
X~ o apoio técnico a órgãos estaduais e municipais.
Art. 13. Compete aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios,
aléin de outras atribuições nos termos de suas respectivas leis:
1 -formular políticas estaduais e municipais de assistência social em
articulação com a política nacional;
II -legislar e normatizar sobre matéria de natureza financeira, política
e programática na área assistencial, resp~itadas as diretrizes e princípios enun-
ciados nesta lei;
III - planejar, coordenar, executar, controlar, fiscalizar e avaliar a pres-
tação de serviços e benefícios assistenciais em seus respectivos níveis, em
articulação com as demais esferas de governo;
IV - gerir os recursos orçamentários próprios bem como aqueles recursos
repassados por outra esfera de governo, respeitados os dispositivos legais
vigentes;
V - instituir mecanismos de participação popular;
VI - registrar e autorizar a instalação e funcionamento de entidades
assistenciais não governamentais.
Parágrafo único. A execução de ações assistenciais por parte das Unida-
des da Federação deverá se limitar ao papel supletivo e de suporte em relação
aos Municípios.

210
CAPÍTULO VI
Dos Benefícios e Serviços
Art. 14. A assistência social compreende benefícios de prestação conti-
nuada, serviços sociais específicos e auxílios eventuais.

Seção I
í>os Benefícios de Prestação Continuada
Art. 15. Os benefícios de prestação continuada visam assegurar o acesso
à renda mínima e são: o abono família, a renda mínima para o idoso e a
renda mínima para o deficiente.
Art. 16. Os benefícios de prestação continuada têm caráter subsidiário,
cessando no momento em que forem superadas as condições que lhe deram
origem.
Art. 17. O abono família é devido às famílias que tenham renda mensal
familiar per capita inferior a 1/4 do salário mínimo, na proporção do respectivo
número de filhos ou equiparados até 14 anos.
§ 1' O valor da cota do abono família é de 10% do salário mínimo
para cada filho ou equiparado, até o máximo de 50% do salário mínimo.
§ 2' As famílias cujos integrantes recebam salário-família ou benefício
previdenciário equivalente terão os respectivos valores descontados no abono
definido no caput deste artigo.
§ 30 O abono família será concedido apenas a um dos pais ou ao respon-
sável pela guarda ou tutela da criança.
§ 4' A internação da criança por medida judicial em período superior
a seis meses implica a suspensão do abono família.
Art. 18. A renda mínima para o idoso é o benefício mensal de um
salário mínimo concedido à pessoa co1n idade superior a 68 anos que não
possua meios de prover a própria subsistência ou de tê-la provida por sua
família.
Art. 19. A renda mínima para o deficiente é o benefício de um salário
mínimo mensal concedido à pessoa portadora de deficiência física ou mental,
independentemente da idade, que não disponha de recursos próprios ou fami-
liares para sua manutenção.
Parágrafo único. Para efeito de concessão deste benefício, a pessoa
portadora de deficiência é aquela cuja deficiência incapacite para a vida inde-
pendente e para o trabalho,ou exija tratamento e atenção especiais.
Art. 20. Para efeito de concessão da renda mínima para o idoso e parr
o deficiente, a família sem condições de manutenção é aquela cuja rendF
mensal familiar per capita seja inferior a 1/4 do salário mínimo.
Art. 21. No caso do idoso e do deficiente qualificados nos arts. 18.
19 e 20 perceberem alguma renda inferior ao salário mínimo, o benefício

211
da renda mínima terá caráter complementar até atingir o valor de um salário
mínimo.
Art. 22. A situação do internado ou asilado não prejudica o direito
do idoso e do deficiente à renda mínima, mas seu valor será reduzido à
1/4 do salário mínimo, se a internação for gratuita.
Art. 23. A operacionalização dos benefícios de prestação continuada
de que tratam os arts. 17, 18 e 19 desta lei será definida em regulamentação
específica pelo Instituto Nacional de Assistência Social (INAS) com a partici-
pação dos órgãos de coordenação da assistência social estftduais e municipais
e da população.
Parágrafo único. O regulamento de que trata o caput deste artigo defi-
nirá as formas de comprobação do direito aos benefícios, as condições de
sua suspensão, os procedimentos em casos de curatela e tutela, o órgão de
credenciamento, de pagamento e de fiscalização do benefício, entre outros.

Seção II
Dos Serviços Assistenciais
Art. 24. Os serviços assistenciais compreendem um conjunto de ações
diversificadas voltadas para as necessidades básicas não suficientemente aten-
didas pelas demais políticas sociais.
§ 1' Incluem-se nos serviços assistenciais a prestação de auxílios even-
tuais destinados ao atendimento à situação de nascimento, morte, emergência
e vulnerabilidade temporária que podem ser concedidos sob a forma de dinhei-
ro ou in natura, varia~do o seu valor e duração segundo a natureza. da situação.
§ 2' Parn atender a diversidade dos problemas e viabilizar a participação
popular, os serviços assistenciais devem ser definidos, regulamentados e execu-
tados no âmbito dos Estados e Municípios, e desenvolvidos diretamente pelos
organismos assistenciais ou por meio de ações articuladas às demais áreas
sociais.
Art. 25. Os serviços assistenciais voltados para a proteção à família,
à maternidade, à infância, à adolescência, à velhice, à pessoa portadora de
deficiência, dentre outros, deverão ser concebidos e organizados, observando,
além dos princípios e diretrizes especificados nesta lei, os demais preceitos
constitucionais que têm interface com a assistência social.
Art. 26. Na organização dos serviços assistenciais será dada prioridade
à proteção a infância e adolescência em situação de abandono e risco social,
visando o cumprimento do disposto no art. 227 da Constituição Federal.

CAPÍTULO VII
Do Financiamento da Assistência Social
A assistência social pública é financiada nos termos dos arts.
e 20.4 da Constituição Federal, com recurso do orçamento da seguridade
social acrescidos de recursos de outros orçamentos da União, dos Estados,
do Distrito Federal e dos Municípios, além de outras fontes.
Parágrafo único. É vedada a aplicação de recursos originários das contri-
buições sociais dos trabalhadores ao orçamento da seguridade social na área
de assistência social.
Art. 28. Na esfera federal, o orçamento da assistência social deverá
garantir recursos para custeio dos benefícios de prestação continuada definidos
na Seção I do Capítulo VI desta lei.
Art. 29. Serão garantidos recursos ordinários do Tesouro para:
I - despesas de pessoal e administração geral do INAS;
II - repasse de recursos aos Estados e Municípios em caso de calamidade
pública.
Art. 30. A transferência de recursos do orçamento da seguridade social
para custeio dos serviços assistenciais a cargo dos Estados e Municípios obede-
cerá a critérios que considerem dentre outros indicadores o tamanho da popula-
ção, a receita per capita da localidade e o esforço orçamentário próprio.
Parágrafo único. Regulamentação específica, elaborada pelo Instituto
·Nacional de Assistência Social (!NAS) e aprovada pelo Conselho Superior
de Assistência Social, disporá sobre os critérios de transferência de recursos
para Estados e Municípios que serão periodicamente revistos e amplamente
divulgados.
Art. 31. Para efeitos de subvenção pública as entidades não governa-
mentais de assistência social atenderão aos seguintes requisitos, entre outros
definidos nas normas estaduais e municipais:
I -integração dos serviços à política de assistência social;
II - garantia de qualidade dos serviços;
III - subordinação dos serviços à fiscalização e supervisão do Poder Pú-
blico;
IV -prestação de contas para fins de renovação da subvenção;
V - existência, na estrutura organizacional da entidade, de um conselho
deliberativo com representação dos usuários.
CAPÍTULO VIII
Das Disposições Gerais e Transitórias
Art. 32. O Ministério Público é parte legítima para promover a ação
administrativa e judicial na defesa dos direitos estabelecidos nesta lei.
Art. 33. O salário mínimo a que se refere esta lei é o piso nacional
de salários.
Art. 34. , O orçamento da seguridade social da União, além dos recursos
definidos no art. 28, destinará à assistência social, nos dois primeitos anos
de vigência desta lei, recursos, no mínimo, equivalentes ao valor real alocado
à área no ano anterior.

213
Art. 35. O Poder Executivo terá um prazo de trinta dias para apresentar
ao Congresso Nacional, e este terá trinta dias para apreciar projeto de lei
que disporá sobre a criação e estrutura básica, atribuições e recursos humanos
e financeiros do Instituto Nacional de Assistência Social (INAS) para o cumpri-
mento do disposto nos arts. 8 e 12 da presente lei.
Parágrafo único. A lei de que trata este artigo vinculará provisoriamente
ao Instituto Nacional de Assistência Social (INAS) a Legião Brasileira de
Assistência (LBA), a Fundação Nacional do Bem-Estar do Menor (Funabem),
a Secretaria Especial de Ação Comunitária (SEAC), a Fundação Abrigo do
Cristo Redentor (FACR) e o Conselho Nacional de Serviços Sociais (CNSS/
MEC), até que se disponha definitivamente sobre a matéria nos termos do
art. 36 desta lei.
Art. 36. O Poder Executivo, através do Instituto Nacional de Assis-
tência Social (!NAS), terá cento e vinte dias para elaborar e apresentar ao
Congresso Nacional, que terá o mesmo prazo para apreciar, projeto de lei
dispondo sobre:
I - fusão, incorporação ou extinção dos órgãos federais hoje existentes
na área de assistência social;
II - transferência de serviços e programas federais para as esferas esta-
duais e municipais, bem como dos respectivos bens materiais e recursos huma·
nos;
III - regulamentação da Conferência Nacional de Assistência Social e
do Conselho Superior de Assistência Social;
IV - regimento do !NAS.
Parágrafo único. Na elaboração do projeto de lei de que trata o caput
deste artigo será garantida a participação das instituições federais de assistência
social, dos governos estaduais e municipais, de organizações da sociedade
civil, inclusive do usuário e profissionais da área.
Art. 37. Os recursos públicos destinados a ações assistenciais, sob qual-
quer título, devem integrar o orçamento de assistência social das diferentes
esferas de governo, bem como ser aplicados no âmbito da respectiva política
de assistência social.
Art. 38. A renda mínima para o idoso substitui a renda mensal vitalícia
hoje existente no âmbito da previdência social, devendo ser estabelecidos
os processos de transferência dos beneficiários de um sistema para outro,
de forma a que o atendimento à população não sofra solução de continuidade.
Art. 39. A revisão desta lei coincidirá com o prazo de revisão constitu-
cional, atualizando-se, após cinco anos, a definição de necessidades· humanas
básicas a serem atendidas pela assistência social, bem como a fixação dos
limites mínimos de atendimento, com base na evolução econômica, política
e social do País, inclusive a política salarial.

214
ATO DA REITORIA Nº 692/88

O Presidente da Fundação e Reitor da Universidade de Brasília, no


uso de suas atribuições, resolve:
1 - Criar um Grupo de Assessoramento para elaborar estudos e propor
subsídios para a elaboração da legislação correspondente aos desdobramentos
da Constituição, no tocante à Seguridade Social (saúde, previdência e assistên-
cia social).
2 - O Grupo de Assessoramento contará com uma equipe de coorde-
nação composta por profissionais de diversas instituições que manifestaram
interesse no trabalho conjunto sobre o tema e urna equipe de assessoramento
integrado por técnicos que atuam de forma destacada na área.
3 - O Grupo de Assessoramento elaborará estudos, encomendará arti-
gos, promoverá debates, divulgará informações e produzirá propostas de ante-
projetos de lei correspondentes.
4 - Para viabilizar suas atividades o Grupo de Assessoramento buscará
o apoio financeiro e técnico dos órgãos setoriais e contará com a colaboração
das áreas correspondentes da UnB, através do NESP - Núcleo de Estudos
em Saúde Pública, que se articulará com os demais Núcleos e Departamentos
envolvidos com a temática.
5 -A equipe de coordenação fica inicialmente composta por:
- Eleutério Rodrigues Neto
- Mozart de Abreu e Lima
- Maria Emília Rocha de Azevedo
-Antônio José Guerra
-Eugênio V. Mendes
- Eric Jenner Rosas
-José Carvalho de Noronha
- Pedro Luiz Tauil
6 -Este ato entra em vigor a partir desta data.
Brasília, 22 de novembro de 1988. - Cristovam Buarque, Reitor.

215
ANEXO II

GRUPO ASSESSOR - ASSISTÊNCIA SOCIAL

Amarilis Riani Costa


Eni Maria M. Barbosa (coordenação)
Eva Faleiros
Francisco José Silveira Lobo
Luigi Bataglia
Maria das Dores Gonçalves
Maristela Zorzo
Marly I. dos Santos Pinto
Paulo Carletti
Potyara A. P. Pereira
Rosana Ulhôa Botelho
Vicente de Paula Faleiros
Zélia Maria Cortes Alves

217
CONSULTORES E PARTICIPANTES
DE REUNIÕES TÉCNICAS

Aldaisa Sposatti - Antonio Carlos G. da Costa - Benício Tavares


- Carmem Craidy - Custódio Mattos - Dirceu Nogueira Magalhães -
Eduardo Sales Novaes - Eleutério Rodriguez Neto - Eurípedes Pedro de
Camargo - Ivaniza M. T. de Souza Martins - João Ricardo Brito Teixeira
- José Luís Riani Costa - Leda Dei Caro Paiva - Luís Felippe Rosemburg
- Maria Auxiliadora Cordeiro Couto - Maria Auxiliadora Dutra Vieira
- Maria de Fátima de Azevedo Ferreira - Maria Emília Rocha Mello de
Azevedo - Maria José Sarno Bomfim - Maria Leda de Resende Dantas
- Maria Lúcia Pinto Leal - Maria Odília Andrade Ribeiro de Oliveira
- Marisa de Moura Rivaldo - Neide Castanha - Nerita dos Santos -
Niza Ribeiro da Luz - Oswaldo Lourenço - Paulo Brum Ferreira - Pedro
Demo - Regina Lúcia C.C. Lima - Roberto Mauro Gurgel Rocha - Ro-
berto Ramos - Rubens Bueno e equipe - Sebastião Francisco Camargo
- Sebastião Rios - Sérgio Piola - Sílvia Arruda - Tânia Montoro -
Vicente de Paula Gomes Ferreira - Vitória Goes de Araújo - Zally Pinto
Vasconcelos de Queiroz - Walter Garcia - Zélia Lobato.

219
ANEXO II

Sugestões dos profissionais da Legião Brasileira


de Assistência - LBA
ANEXO II

Sugestões dos profissionais da Legião Brasileira


de Assistência - LBA
APRESENTAÇÃO

Este documento é uma colaboração de profissionais da área de assistência


social, especificamente da Fundação Legião Brasileira de Assistência, visando
a subsidiar a elaboração do anteprojeto da Lei Orgânica da Assistência Social,
fundamentado em discussões, estudos e na prática acumulada ao longo dos
anos no exercício da assistên'cia social, bem como em documentos oriundos
dos órgãos UnB, MPAS, SUDS. Pretende-se, desta forma, apresentar pontos
prioritários e relevantes na composição da própria lei.
Apoiado no fato de que a assistência social é tratada pela primeira
vez como direito de cidadania, assegurado na Constituição Federal, sugerimos
que o assunto não se esgote neste I Simpósio de Assistência Social, mas
que seja enriquecido pela participação mais efetiva das populações diretamente
envolvidas na questão.
Fica o compromisso de apresentarmos em tempo hábil um anteprojeto
sobre a Lei Orgânica da Assistência Social, que enriquecerá as discussões
e decisões.

223
Conceito -A assistência social é uma forma de enfrenta1nento da "ques-
tão social", expressando-se como um scg1nento da política social, euja opera-
cionalização deve-se dar integradamente com as demais políticas componentes
do Sistema de Seguridade Social, na construção da cidadania.
É um instrumento de concretizaçáo da relação Estado e sociedade, cujo
fim é a construçáo de cidadania, o fortalecimento do processo democrático.
Como política integrante do sistema de seguridade social, cabe à assistên-
cia social gararitir o atendimento das necessidades humanas básicas, além
da criaçáo e ampliação de espaços de participação popular, na formulação
e controle de ações políticas sociais em todos os níveis (art. 204, inciso II,
da Constituição).
Desta forma, cidadania não se restringe à satisfação das necessidades
básicas dos cidadãos, mas na sua participação, integração no sistema produtivo,
exercendo seus direitos civis, políticos e sociais.
A assistência social, como operacionalização de diretrizes da política so-
cial, será parte integrante de um sistema unificado de Seguridade Social,
que contempla saúde, previdência e assistência social, como coriiponentes
do Ministério d<l Seguridade Social viabilizando a proposta da Constituição
em seu artigo 194- capítulo II, título 8', da Ordem Social.
A política de assistência social configura-se de duas formas que, na sua
execução, se inter-relacionam e se complementam:
- Benefícios e serviços.
- Programas sócio-educativos.
stricto sensu - a quem necessitar para acesso a renda mínima;
lato sensu - no processo de construção da cidadania coletiva.
Definição - A assistência social, segmento da política social, enquanto
direito de cidadania, é dever do Estado, voltada ao atendimento das necessi-
dades humanas historicamente determinadas, propiciando seu acesso a bens
e serviços sociais e sua autopromoção.
Dos Serviços Sociais
Os serviços sociais, conjunto de programas e projetos, compreendem
as ações discutidas e elaboradas nas diferentes formas de organização .da
população, culminando na formulação da política municipal, estadual e nacio-
nal de assistência social.

225
Dos Benefícios e Serviços
O caráter da assistência como direito de cidadania se dará pela garantia
do acesso ao mercado de trabalho, através de programas e ações e mobili-
zação das camadas populares na busca de bens e serviços, além de contemplar
atendimentos imediatos, como mccanis1no de resgate de situações emergên-
ciais ou de calamidade pública.
Do Desenvolvimento de Recursos Humanos
Será garantida a capacitação continuada dos profissionais que trabalham
na área da assistência social, co1n a promoção de treinamentos, cursos e
reciclagens periódicas e o acesso a cursos de aperfeiçoamento.
A política de recursos humanos deverá capacitar os profissionais para
a elaboração de pesquisas e diagnõsticos sobre a realidade social e sobre
o universo dos beneficiários. Serão instituídos pelo órgão responsável pela
assistência social planos de carreira para os servidores da área, regidos pelos
seguintes princípios:
a) implementação do sistema de mérito para progressão nas carreiras;
b) desenvolvimento do servidor na carreira, mediante programas de capa-
citação permanente;
e) vinculação dos cargos em co1nissão aos cargos de provimento efetivo
das carreiras, nos termos da lei;
d) equivalência entre as categorias profissionais constantes dos planos
de carreira e as habilitações aprovadas pelo sistema de educação;
e) incentivo para desempenho e permanência nas unidades operacionais
de acordo com o local, as condições e a natureza do trabalho, entre outros;
f) a rede governamental de serviços de assistência social, quer na União,
Estado, Distrito Federal e Município, constitui campo de prática para ensino
e pesquisa e deverá prever em seus orçamentos recursos destinados para
tal.
Organização e Gestão
A política de assistência social obedece ao princípio da descentralização
político-administrativa para os Estados, Municípios e Distritos, respeitadas
as diversidades locais e regionais emanadas do conjunto das diretrizes federais.
O coma~do será único em cada esfera, na sua execução, coordenado
pelo órgão federal, através de representações estaduais e regionais.
Cabe às representações estaduais e regionais do Governo Federal zelar
pelo cumprimento das diretrizes federais, no âmbito da assistência social,
efetivada através de ações municipalizadas de política social.
A gestão da política de assistência social nas diferentes esferas deverá
ser entregue ao comando de uma equipe técnica administrativa, com profis-
sionais da área social, ou profissionais de nível universitário, que comprovem
experiência na direção de programas e projetos da área social por mais de
5 (cinco) anos consecutivos.

226
Competência da União
1 - Formular a política nacional de assistência social em articulação com
os Estados e Municípios.
II -Coordenar, supervisionar e fiscalizar em âmbito estadual e regional
a execução da política de assistência social.
III -Estabelecer normas gerais para concessão dos benefícios de presta-
ção continuada.
IV - Elaborar propostas orçamentárias para compor o orçamento da
Seguridade Social.
V- Gerir os recursos orçamentários próprios.
VI - Transferir recursos financeiros devidos a Estados, Distrito Federal
e Municípios, obedecendo a critérios que considerem, dentre outros indica-
dores, o tamanho da população, a receita per capita da localidade e o esforço
orçamentáno próprio, segundo os valores estabelecidos na Lei Orçamentária
Anual.
VII - Articular a nível intra· e intergovernamental e inter-setorial a
formulação de programas e normas compatíveis de atuação.
VIII - Coordenar e manter um sistema de informações e estatística na
área de assistência social, em articulação com os níveis estadual, regional
e municipal, divulgando os resultados.
IX - Promover e apoiar o deseilvolvimento de recursos hu1nanos e subsí-
dios e estudos a pesquisas.
X - Formular e implementar a política nacional de desenvolvimento e
administração de recursos humanos para a assistência social, em articulação
com os governos estaduais, municipais e demais órgãos que atuam na área.
XI-Coordenar e financiar programas e projetos de interesse nacional,
supra-estadual e de caráter emergencial.
XII - Prestar apoio técnico e assessoria a órgãos estaduais e municipais.
Do Financiamento da Assistência Social
A Assistência Social pública é financiada nos termos dos artigos 195
e 204 da Constituição Federal, com recursos do Orçameno da Seguridade
Social crescidos de recursos tributários dos Orçamentos da União, dos Esta-
dos, do Distrito Federal e dos Municípios, bem como de percentuais das
fontes de recursos abaixo relacionadas:
- Prêmios de seguro.
- Taxas portuárias e aeroportuárias.
-Artigos considerados supérfluos.
- Bens apreendidos e leiloados pela Receita Federal.
- Concursos de prognóstico.
-Impostos sobre grandes fortunas (seção III, artigo 153, inciso VII).
-Impostos da União.
- Doações de pessoas físicas e jurídicas às entidades assistenciais serão
deduzidas, no seu valor total, do Imposto de Renda.

227
Os recursos financeiros da assistência social serão administrados pelos
fundos nacional, estaduais e municipais da área.
O Fundo Nacional de Assistência Social administrado pelo Ministério
da Seguridade Social é formado por recursos provenientes do Orçamento
da Seguridade Social, outros recursos do Orçamento da União, além de outras
fontes.
Os recursos arrecadados pela Secretaria da Receita Federal e destinados
ao Ministério da Seguridade Social são transferidos diretamente pela Secretaria
do Tesouro ao Fundo Nacional de Assistência Social.
Os recursos do Fundo Nacional de Assistência Social serão transferidos
aos fundos estaduais e municipais de assistência social, de for1na regular,
automática e segun.do critérios técnico-administrativos, de acordo com valores
e cronograma propostos pelos conselhos nacional, estaduais, municipais e
do Distrito Federal, aprovados na lei orçamentária.
Para o estabelecimento de valores a serem transferidos a Estados, Distrito
Federal e Municípios, será utilizada a combinação dos seguintes critérios,
segundo análise técnica de programas c projetos:
1 - O perfil demográfico e o diagnóstico sócio-econômico da região defi-
nirão automaticamente 50o/o dos recursos a seren1 transferidos para os respec-
tivos fundos.
I I - Características quantitativas e qualitativas da área de assistência
social.
III - Previsão de plano qüinqüenal de investimentos na área de assistên-
cia social.
IV -Avaliação do desempenho técnico, econômico e financeiro do perío-
do anterior.
V - Avaliação dos níveis de participação de recursos destinados à área
de assistência social nos Orçamentos dos Estados, Municípios e Distrito Fe-
deral.
O Fundo Nacional de Assistência Social terá uma reserva de recursos
para transferência a Estados, Municípios e Distrito Federal para casos de
calamidade pública.
A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios não poderão
reduzir os valores reais alocados para a assistência social em relação à 1nédia
dos últimos cinco anos.
As transferências de recursos intra c intergo,vernamentais dispensam a
formulação de convênios ou outros instru1nentos jurídicos.
As transferências de recursos a· entidades privadas de Assistência Social
serão formalizadas através de instrumentos jurídicos.
O processo de planejamento e orçamento, no âmbito do Ministério da
Seguridade Social, será ascendente, com origem no nível local, até o nível
federal, compatibilizando necessidades, definições políticas e disponibilidades
de recursos, com base em instrumento homogêne9 de programação.

228
Serão garantidos recursos ordinários do Tesouro Nacional para despesas
de pessoal e administração geral do Ministério da Seguridade Social, compreen-
dendo suas diversas esferas: federal, estadual, municipal e Distrito Federal.
Competência dos Estados e Municípios
I - Formular políticas estaduais e municipais de assistência social em
articulação com a política nacional.
II - Estabelecer regulamentação sobre matéria política, financeira e pro-
gramática para assistência social, respeitada a diretriz nacional, princípios
e peculiaridades regionais.
III -Planejar, executar e avaliar os programas assistenciais, etn seus
respectivos níveis, em articulação com as demais esferas de governo, e efetiva
participação dos organismos municipais.
IV -Coordenar, fiscalizar e controlar a execução da política de assistên-
cia social, no âmbito do Estado e Município.
V- Gerir os recursos orçamentários, próprios, bem como aqueles recur-
sos repassados por outra esfera de governo, respeitados os dispositivos legais
vigentes.
VI - Instituir e manter mecanismos de participação popular represen-
tativa e instância de recurso.
VII - Registrar e autorizar a instalação e funcionamento de entidades
assistenciais não governamentais, através de órgãos competentes.
VIII -Administrar os fundos de assistência social nas esferas estadual,
municipal e do Distrito Federal.
IX - Efetuar transferências financeiras nos respectivos níveis, de acordo
com os critérios já definidos anteriormente.

229
Esta equipe colaborou direta ou indiretamente com envio de documentos e/ou
na redação:
-ASSELBA Bahia (documento)
-ASSELBA Espírito Santo (redação)
-ASSELBA Maranhão (redação)
-ASSELBA Ceará (participação na discussão)
-ASSELBA Amazonas (redação)
-ASSELBA Brasília (documento e redação)
-ASSELBA Acre (documento)
-ASSELBA São Paulo (documento e redação)
-ASSELBA Goiás (redação)
-ASSELBA Alagoas (redação)
-ASSELBA Mato Grosso (redação)
-ASSELBA Mato Grosso do Sul (Participação na discussão)
-ASSELBA Rio Grande do Sul (documento e redação)
-ASSELBA Pará (participação na discussão)

Telefone ASSELBA Distrito Federal: 321-38-88 - ramal 236

231
ANEXO III

Sugestões do Ministério da Previdência


e Assistência Social (MPAS)
1-DA DEFINIÇÃO

Art. 1\' A assistência social integra a política social como instrumento


de promoção da população marginalizada da sociedade, facilitando seu acesso
ao trabalho, à renda e aos equipamentos sociais-educação, saúde, moradia,
transporte, segurança e lazer - e provendo serviços e benefícios a quem
deles necessitar.
Art. 2' Tem direito à assistência social todo cidadão brasileiro em situa-
ção de vulnerabilidade e risco social, tais como os permanentemente incapa-
citados para a vida social ou produtiva e os impedidos temporariamente por
razões sociais, pessoais ou de calamidade pública, de assegurar o acesso aos
serviços sociais e à renda mínima para si e sua família.
Art. 3' As ações de assistência social serão dirigidas ao cumprimento
dos objetivos definidos no artigo 203 da Constituição da República Federativa
do Brasil, quais sejam:
I - a proteção à família, à maternidade, à infância, à adolescência e
à velhice;
II - o amparo às crianças e adolescentes carentes;
III - a promoção de integração ao mercado de trabalho;
IV - a habilitação e reabilitação das pessoas portadoras de deficiência
e a promoção de sua integração à vida comunitária;
V - a garantia de um salário mínimo de benefício mensal à pessoa porta-
dora de deficiência e ao idoso que comprovem não possuir meios de prover
à própria manutenção ou tê-la provida por sua família, conforme dispuser
a lei.
II -DOS PRINCÍPIOS E DIRETRIZES

Art. 4•' A assistência social rege-se pelos seguintes princípios:


I -Atenção às necessidades sociais, como um critério que privilegia
a dignidade do cidadão, a sua autonomia e o seu direito a benefícios e serviços
de qualidade, bem como à convivência familiar e comunitária.
II - Promoção e emancipação do assistido visando seu acesso a bens
e serviços sociais básicos, sua auto-sustentação e autodeterminação.
III - Universalização dos direitos sociais no sentido de tornar os assistidos
alcançáveis pelas demais políticas sociais, além do âmbito da seguridade social
definido na Constituição.
235
IV - Igualdade de atendimento, vedando-se a preferência, pretenção
ou exclusão dos benefícios e serviços de assistência social por motivo de
raça, sexo, cor, religião, costume, posição e opiniões políticas.
V - Gratuidade da atenção, entendida como ausência de contribuição
pecuniária do assistido.
Art. 5" A assistência social tem como diretrizes:
I -Responsabilidade dos poderes públicos, enquanto dever do Estado,
de prestar assistência a quem dela necessitar, independentemente de contri·
buição social.
II - Participação dos usuários, diretamente e através de entidades e orga-
nizações representativas da sociedade civil, na formulação de políticas e no
controle das ações governamentais em seus diferentes níveis.
III - Respeito e transparência no estabelecimento de critérios de elegibi-
lidade do usuário da assistência social, incluindo-se a participação popular
na escolha dos critérios, a sua publicação oficial e ampla divulgação.
IV - Descentralização político-administrativa para os Estados, Distrito
Federal e Municípios, respeitando-se a diversidade das necessidades sociais
e das formas de atendê-las e a conveniência de não se superpor e duplicar
benefícios e serviços sociais.
V - Comando político-administrativo único das ações da assistência so-
cial, apoiado numa estrutura organizacional simples e útil para acompanhar
as transformações sociais e evitar duplicidade de atendimento.

III-DA ORGANIZAÇÃO E GESTÃO DA ASSISTÊNCIA SOCIAL

Art. 6" A assistência social se processa através de uma rede integrada


de prestação de benefícios e serviços, que inclui:
I - Todas as instituições públicas de normalização e coordenação a
nível estadual e II!unicipal.
II -As entidades não-governamentais de assistência social que recebem,
direta ou indiretamente, recursos públicos.
III -As entidades não-governamentais de assistência social que não se
beneficiem de recursos públicos, a qualquer título.
§ l •' A rede formada pelos órgãos dos incisos I e II constituem a rede
pública de prestação de benefícios e serviços de assistência social.
§ 2" A rede descrita no inciso III constitui a rede privada autônoma,
subordinada aos princípios e diretrizes gerais da assistência social e à fiscali·
zação do poder público e da população.
Art. 79 A coordenação da assistência social é única em cada esfera
de governo, de forma a impedir superposições de responsabilidades.
Art. 89 Na esfera federal, a coordenação da assistência social será exer-
cida por um órgão próprio a ser definido.

236
Art. 9" Na esfera das Unidades Federativas a coordenação da assistência
social é exercida pelo Governo estadual.
Art. 10. Na esfera municipal a coordenação da assistência social é exercida
pelo Governo municipal através de ·órgão próprio definido em lei municipal.
Art. 11. A esfera federal, os Estados e os Municípios devem prever
na organiZação da assistência social, em seus respectivos âmbitos de compe-
tência, a participação da população, na formulção das políticas e no controle
das ações, por meio de organizações representativas.

IV -DAS ENTIDADES PRIVADAS DE ASSISTÊNCIA SOCIAL

Art. 12. As entidades beneficentes de assistência social são aquelas


que não têm fim lucrativo e observam os princípios e diretrizes da área estabele-
cidos pelo poder público.
Art. 13. O registro para instalação e funcionamento de qualquer serviço
assistencial é fornecido por órgão estadual e municipal competente no âmbito
respectivo.
Art. 14. Para efeito de subvenção pública, as entidades não governa-
mentais de assistência social devem atender aos seguintes requisitos:
a) integração dos serviços à política de assistência social;
b) garantia da qualidade dos serv;ços;
c) subordinação dos serviços ao controle e supervisão do poder público;
d) prestação de contas para fins de rrnoyação da subvenção;
e) representatividade dos usuários em Conselho Deliberativo atuante;
f) certificado de entidade beneficente de assistência social.
Art. 15. O certificado de entidade beneficente de assistência social,
para isenção de contribuição patronal, será expedido por órgão estadual e
municipal competente, no âmbito respectivo, de acordo com regulamentação
e normalização da matéria, expedida pela Secretaria de Assistência Social
doMPAS.
Art. 16. As entidades beneficentes de assistência social são isentas da
contribuição para a seguridade desde que atendam aos seguintes requisitos:
a) tenham personalidade jurídica e sede no país;
b) tenham sido constituídas há mais de dois anos;
c) tenham reconhecimento de utilidade pública federal;
d) publiquem anualmente seu Demonstrativo de Resultados e Balanço
Patrimonial;
e) tenham urna Comissão Fiscal, eleita em assembléia de representantes
da comunidade através do voto secreto, sendo os suplentes indicados por
ordem da maioria dos votos;
f) não remunerem sob qualquer forma os cargos de deliberação e direção;
g) prevejam, em seus estatutos que não se faça, sob qualquer pretexto,
a distribuição de lucros ou de dividendos aos sócios e, em caso de extinção,

237
seja o patrimônio obrigatoriamente transferido a outra instituiçáo beneficente
de assistência social reconhecida de utilidade pública.
h) apresentar certificado de entidade beneficente de assistência social.
Art. 17. Perdem a isenção a que se refere o artigo anterior as entidades
que deixarem de recolher reguíarmente a contribuição à seguridade social,
deduzida de seus empregados, ou que venham a contratar parentes, em até
2" grau, de qualquer dos integrantes da direção.

V-DAS COMPETÊNCIAS GERAIS DAS ESFERAS DE GOVERNO


Art. 18. São competência da Uniáo:
I - Formular a política nacional de assistência social, bem corno nonnas,
diretrizes e planos, em articulação com os Estados, Distrito Federal e Muni-
cípios e com os diversos órgãos da área social.
II - Coordenar, em âmbito nacional, a execução da política de assistência
social.
III - Estabelecer normas gerais para concessão de benefícios de prestação
continuada.
IV - Elaborar proposta orçamentária para compor o orçamento da Segu-
ridade Social.
V - Gerir os recursos financeiros da União destinados à área.
VI-Coordenar a manutenção de um sistema de informações e estatística
na área de assistência social, em articulação com as demais esferas de governo.
VII - Promover e apoiar o desenvolvimento de estudos e pesquisas.
VIII - Promover o desenvolvimento dos recursos da área.
IX -Coordenar o financiamento de projetos de interesse nacional e
emergencial.
X - Estabelecer intercooperação com órgáos estaduais e municipais para
o desenvolvimento da assistência social.
Art. 19. Aos Estados, Distrito Federal e Municipios compete:
I - Estabelecer regulamentação sobre matéria política, financeira e pro-
gramática para a assistência social, respeitadas as diretrizes e princípios estabe·
lecidos pelo órgão de coordenação nacional.
II - Planejar, executar e avaliar os serviços e benefícios assistenciais
em seus respectivos níveis, em articulação-com as demais esferas de governo.
III - Gerir os recursos orçamentários destinados à área, bem como os
demais recursos repassados por outras esferas de governo, respeitados os
dispositvos legais vigentes.
IV -Manter mecanismos de participação popular representantiva e ins-
tância de recursos.
VI -DO FINANCIAMENTO DA ASSISTÊNCIA SOCIAL

Art. 20. A assistência social pública é financiada nos termos dos artigos
195 e 204 da Constituição, com recursos do orçamento da Seguridade Social

238
acrescidos de recursos de outros orçamentos da União, dos Estados, do Distrito
Federal e Municípios.
Art. 21. Os recursos da Seguridade Social serão definidos nas diretrizes
orçamentárias plurianuais entre a previdência social, saúde e assistência social,
nos âmbitos federal, estadual e municipal.
Art. 22. A distribuição de recursos entre os Estados e entre os Muni-
cípios obedecerá critérios estabelecidos em regulamento, que considerem,
dentre outros, o tamanho da população e a receita per capita da localidade.

VII - DOS BENEFÍCIOS


Art. 23. Os benefícios da assistência social compreendem benefícios
de prestação continuada e auxHios eventuais.
§ l" Os benefícios de prestação continuada são aqueles que asseguram
acesso à renda mínima a determinados grupos populacionais, e são: a renda
mínima para idosos, a renda mínima para as pessoas portadoras de deficiências
e inválidos.
§ 2' Os auxílios eventuais são aqueles destinados ao atendimento em
situações de emergência, vulnerabilidade temporária e morte.
Art. 24. A renda mínima nunca inferior a um salário mínimo é conce-
dida a pessoa portadora de deficiência, a pessoa idosa, com idade igual ou
superior a 65 (sessenta e cinco) anos, e a pessoa inválida, de qualquer idade,
que não possuam renda igual ou superior ao salário mínimo e cujas famílias
não possam prover a sua manutenção.
§ l' As pessoas portadoras de deficiência e inválidas, para efeito deste
benefício, são aquelas incapacitadas para a vida independente ou produtiva.
§ 2" Quando o idoso, a pessoa portadora de deficiência e a inválida
tiverem renda inferior ao salário mínimo e seus familiares não puderem prover
sua manutenção, o benefício será complementar até atingir o valor definido
no caput deste artigo.
§ 3° Para efeito de concessão destes benefícios entende-se família sem
condições de manutenção do idoso, de pessoa portadora de deficiência e
do inválido, aquela cuja renda mensal familiar per capita seja inferior a 1/2
salário mínimo mensal.
§ 4' A condição de enfermo ou asilado não prejudica o direito ao bene-
fício.
§ 5' A renda mínima será solicitada pelo interessado ao órgão municipal,
ou equivalente, para tanto designado.
§ 6° Os critérios para concessão ou suspensão do benefício, bem como
para sua operacionalização (caso de curatela ou tutela), serão estabelecidos
em regulamento específico.
Art. 25. Os benefícios de prestação continuada terão caráter comple-
mentar e subsidiário, cessando no momento em que forem superadas as condi-
ções que lhes deram origem, e não se incorporarão ao salário do trabalhador.

239
VIII -DAS DISPOSIÇÕES TRANSITÓRIAS

Art. 26. Os benefícios de prestação continuada substituem a renda men-


sal vitalícia, devendo ser estabelecidos de imediato os meios necessários a
sua operacionalização de forma a que não sofram solução de continuidade.
Art. 27. Esta Lei Básica de Assistência Social passa a integrar o Regime
Geral de Previdência Social.

240
ANEXO IV

Sugestões da Associação dos Movimentos de


Entidades Sociais Conveniadas (AMESC/SP)
PROPOSTA DE ADEQUAÇÃO DA LEI ORGÃNICA DO MUNICÍPIO
E CONSTITUIÇÃO ESTADUAL AO NOVO TEXTO CONSTITUCIONAL,
NO QUE SE REFERE À ASSISTÊNCIA SOCIAL

A Associação dos Movimentos de Entidades Sociais Conveniadas


(AMESC) surgiu como síntese dos diversos movimentos que atuavam em
São Paulo. Fundada em abril de 1985, e constituída juridicamente em dezembro
de 1986, a AMESC tem por objetivos:
- promover, manter, expandir e defender os interesses das entidades
conveniadas, preservando a sua autonomia;
- acolher, estudar e oferecer soluçóes a quaisquer questóes de interesse
dl!s entidades, coligir e distribuir dados e informaçóes concernentes
às atividades desenvolvidas pelas entidades sociais;
- representar, perante as autoridades governamentais, os interesses ge-
rais das entidades sociais;
- realizar cursos, congressos e seminários para dirigentes e funcionários
das entidades conveniadas, visando a desenvolver as atividades e o
despertar da consciência crítica da realidade social.
O novo texto constitucional contém grandes avanços no campo do bem-
estar social, nas questóes da família, criança, adolescente, idoso e deficiente,
avanços esses contidos no Capítulo IV, Seção IV, art. 204, e Capítulo VI.
Para -a sua concretização,- requer-se uma descentralização político-adminis-
trativa que exige o concurso dos governos federal, estadual, municipal, entida-
des de assistência social e da população, por meio de organizaçóes represen-
tativas, na formulação das políticas e no controle das açóes em todos os
níveis. Assim sendo, as entidades assistenciais (sociais, filantrópicas, benefi-
centes, de educação etc.) que atuam nesse campo, prestando relevantes servi-
ços às comunidades carentes, nas mais diversas áreas de atendimento, vêm,
através do presente documento, oferecer os seus préstimos no sentido de
colaborar de forma mais ampla com o poder público, para a viabilização
da proposta constitucional, abrindo-lhes espaço para as seguinte atuaçóes:
I - avaliar de forma crítica os diversos programas desenvolvidos em con-
vênio ou repasse com entidades sociais de São Paulo, programas esses postos
em andamento com recursos federais, estaduais e municipais, beneficiando
a família, a criança, a adolescência, o idoso e os deficientes, setores esses

243
marginalizados e carentes. Nesse aspecto, como é do conhecimento de V.
Ex', existem atualmente destinações de verbas para uma mesma finalidade,
oriundas dos Três Poderes, sendo que, com exceção dos programas da Prefeitura
do Município de São Paulo, nenhum dos recursos destinados resolve satisfato-
riamente o problema em questão, apesar, da superposição de verbas para um
mesmo atendimento. Como exemplo, citamos: LBA, FUNABEM, SEAC,
SEE-PROFIC, SEPS-PAM e CEAS, SEM, SEAS, SEBES. Adicione-se a
essa série de siglas os recursos destinados por deputados federais e estaduais
e ainda os doados pelos Conselhos Municipais de Auxílios e Subvenções.
Desta maneira, os recursos destinados, em princípio, para uma finalidade
específica (a população de baixa renda e carente), são consumidos pela máqui-
na administrativa. Os recursos são pulverizados de forma inadequada e criam-
se condições para a irresponsabilidade com que pretensamente se julgam
equacionados os problemas desta população marginalizada.
Essa pulverização de recursos leva as entidades à imobilização em seu
atendimento, buscando recursos em quaisquer fontes, por não se sentirem
seguros com verbas suficientes para a solução efetiva dos problemas sociais
que se propõem a atender. A~s.im sendo, a conjugação de esforços de diversos
setores e secretarias é altamente positiva, devendo, porém, a destinação final
dos recursos efetivar-se através de um úmco órgao perante o qual as entidades
beneficiárias serão responsáveis pela aplicação dos recursos recebidos. Esta
medida daria às entidades a certeza de receber os recursos necessários, de
um lado, e, de outro, reduziria os custos dos serviços com a simplificação
da máquina administrativa. Esta descentralização dos serviços de assistência
social é executada em países desenvolvidos co_m pleno sucesso, mediante a
participação da iniciativa privada, enquanto entre nós é prestada de forma
precária pelo Estado. O exemplo dos programas da Prefeitura do Município
de São Paulo é suficiente para mostrar o acerto desse procedimento.
É necessário esclarecer que citamos os programas da Prefeitura do Muni-
fOÍpio de São Paulo (SEBES), como exemplo, visto que, nos anos anteriores
(até 1985)~ o aludido órgão possuía uma máquü,a eficiente, centralizando
recursos municipais, estaduais e da União, priorizando as necessidades das
re~es direta e privada e agilizando processos com equipes técnicas responsáveis
pelos diversos programas.
A gestão que ora finda tinha outras prioridades, como bem demonstrou,
extinguindo de imediato a Secretaria da Família e Bem-Estar Social e criando
a Polícia Metropolitana. Este desvio de prioridades se reforçou ainda mais
quando, no final da gestão, não ampliou a rede conveniada em mais ou
menos quatro mil crianças e adolescentes de diversas entidades, embora estes
já possuíam parecer favovável e recursos previstos c1n orçamento municipal.
Demonstra-o ainda a construção de trinta e oito creches em três anos, enquan-
to nas duas administrações anteriores foram construídas trezentas creches
em cinco anos·.

244
Ressaltamos, ainda, que o referido órgão foi citado como exemplo de
funcionamento e eficiência da prestação desses serviços mediante a integração
do poder público com a iniciativa privada, no desenvolvimento de programa
de atendimento à clientela caxe11Je.
Felizmente a máquina administrativa de SEBES não foi totalmente des-
montada, podendo recuperar o tempo perdido nos próximos anos.
Em resumo, é necrs<o::':rio: diminuir os órgãos públicos, levantar priori-
dades e ter seriedade r: vontade de enfrentá-las; centrali~ar nos municípios
as verbas da União e do Estado, para que os órgãos e entidades de educação
e bem-estar social realizem com maior eficiência, agilidade e conhecimento
de causa os serviços neeess:í; 10s para melhor qualidade de vida da população
carente.
II - ter espaço para reivindicar mais serviços e recursos que possibilitem
a expansão da rede de convênios e melhorar a sua qualidade nos diversos
aspectos de cada atendimento. E~aa necessidade mostra-se óbvia, uma vez
que as entidades mantêm relações constantes com a população carente e
registram a demanda dos diversos tipos de atendimentos, o que facilmente
permite o levantamento de dados e detecção das prioridades de atendimentos.
III - acabar com o repasse de verba para as entidades através de depu-
tados estaduais e federais, pois é notória a falta de critérios e de prioridades,
visto que, segundo depoimentos dos citados, escolhem as entidades "a dedo,
fechando os olhos", num cadastro da SEPS datado de 1982. É importante
citar que tal prática é um verdadeiro casuísmo.
IV - quanto as subvenções muniCipais e estaduais, é necessáÍio que não
ocorram em vésperas de eleições. É fundamental que para tal auxílio a entidade
beneficiada apresente projeto e custos para a expansão de seu prédio (sede),
ou compra de equipamentos para melhor prestar seus serviços.
Caberá aos técnicos dos órgãos específicos, 1nais uma vez, julgar com
desprendimento as prioridades e metas a serem atingidas e atendidas.
Desta maneira, a AMESC e as entidades que assinam este documento
pretendem estar colaborando para que o texto constitucional não seja letra
morta, e que possamos, sem ranços de casuímos do passado, criar uma socie-
dade justa, digna e fraterna.
Colocando-nos à disposição para colaborar no que necessário for, firma-
mo-nos
Atenciosamente
Oscar Ferie
Presidente do Conselho Deliberativo
Marisa de Souza
Presidente da Diretoria em Exercício

245
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ANEXO V
Sugestões para anteprojeto de Lei Básica
da Pessoa Deficiente
Vereadora Célia Camargo Leão Edelmuth
SUGESTÕES PARA ANTEPROJETO DE
LEI BÁSICA DA PESSOA DEFICIENTE

1 - "Pessoa Deficiente é o indivíduo que apresenta em certo grau uma


insuficiência mental, motriz ou sensorial, com caráter habitual de cronicidade
e persistência da alteração da vida."
2 - A pessoa deficiente tem direito a tratamento médico, psicológico
e funcional, incluindo-se aparelhos protéticos e ortóticos, à reabilitação física
e social, educação, orientação vocacional, treinamento profissional, assistên-
cia, aconselhamento, serviços de colocação de mão-de-obra e outros, que
acelerem o processo de sua integração social e possibilitem o pleno desenvol-
vimento de suas potencialidades.
2.1 - A União, através do Ministério da Educação, promoverá e apoiará
a educação para pessoas deficientes, nos diversos níveis de escolaridade -
inclusive nos cursos profissionalizantes -permitidos os convênios com institui-
ções públicas ou privadas;
2.2 - A União, através do Ministério da Previdência e Assistência Social
e em convênio com instituições públicas e privadas, promoverá e apoiará
a reabilitação de deficientes, com vistas ao desempenho de atividades produ-
tivas;
2.3 - A União, através do Mil)istério do Trabalho, promoverá e apoiará
a capacita'ção técnico-profissional e\a orientação vocacional de deficientes,
com vistas à obtenção de emprego, criando, naquele Ministério, um órgão
especial de assessoria e colocação de pessoas deficientes no trabalho, permi-
tidos os convênios com instituições públicas e privadas;
2.4 - Será incluído na Consolidação das Leis do Trabalho um capítulo
especial, tratando do trabalho da pessoa deficiente.
3 -Será facilitada, por todos os meios possíveis, a importação de apare-
lhos protéticos e ortóticos sem similar nacional.
4 - Serão estabelecidos incentivos fiscais para a admissão de pessoas
deficientes em empresas privadas e nas públicas ou de economia mista, nos
diversos níveis de Governo, especialmente:

253
a) pela isenção da contribuição previdenciária do empregador, em relação
ao empregado deficiente:
b) por descontos no Imposto sobre a Renda de pessoa jurídica.
5 - Será obrigatória a admissão de determinado percentual mínimo de
pessoas deficientes em empresas com número de empregados acima de deter-
minado liinite.
6 - Os transportes públicos coletivos (ônibus, metrô, trem, transporte
hidroviário e aeroviário), bem como o acesso aos mesmos, serão adaptados
para uso por pessoas deficientes, de maneira tal que ~ejam atendidas as
diversas áreas geográficas e em horários periódicos; quando os veículos de
transporte coletivo adaptados não atenderem a determinadas áreas, poderá
ser estudada a criação de linhas de ônibus especiais, para suprir a demanda
existente.
6.1 - Aos deficientes que adquiram, para seu próprio uso, automóveis
de fabricação nacional, será concedida isenção tributária (a exemplo do que
já existe em relação às representações diplomáticas) e outras facilidades, tais
como:
6.1.a -prazo maior de financiamento;
6.1.b -placa diferente, que identifique o carro do deficiente, constando
a observação no Certificado de Propriedade;
7 - Serão incluídas, nos Códigos de Obras, normas técnicas que propor-
cionem condições de acesso e circulação a pessoas deficientes, a logradouros
públicos, edifícios em geral, assim como às áreas de lazer e recreação.
7 .1 - As normas técnicas deverão incluir a construção de rampas, eleva-
dores, corredores, portas e banheiros adequados, corrimões e a eliminação
de obstáculos à circulação de deficientes;
7.2 - Os sinais e mensagens visuais colocados em edifícios, logradouros
e transportes públicos dcve1n ser, não só visívefs, mas igualmente audíveis.
8 - As pessoas deficientes poderão ser admitidas ou nomeadas para
cargos ou funções no serviço público, sendo que os critérios de avaliação
para admissão serão estritamente funcionais, inclusive os exames médicos,
que serão realizados por especialistas no tipo de deficiência do candidato,
a posteriori das provas de admissão ou concurso, devendo, aqueles exames,
ser orientados no sentido da função a ser exercida pelo deficiente.
9 - Será reduzida a idade limite e o tempo de serviço para aposentadoria
de deficientes; a aposentadoria por invalidez será, quando comprovada, não
compulsória e sim opcional do deficiente.
10 - A comunidade em geral, as pessoas deficientes, as suas famílias
e associações, deverão ser plenamente informadas por todos os meios apro-
priados de divulgação, dos direitos contidos na legislação, sobre pessoas defi-
cientes.

254
11 - O Poder Executivo, por intermédio da Secretaria de Comunicação
Social, programará, promoverá e divulgará todas as informações possíveis
para a conscientização da comunidade acerca dos direitos das pessoas defi-
cientes.

Célia Leão - Vereadora


Câmara Municipal de Campinas
Av. Anchieta, 200 - Centro
Fones: (0192) 28-436 - direto
328-233 R/44 -

255
ANEXO VI
Proposta Substitutiva ao Projeto de Lei n• 1.506, de 1989,
que dispõe sobre o Estatuto da Criança e do Adolescente
e dá outras providências.
PROPOSTA SUBSTITUTIVA AO PROJETO DE LEI.
N• I.506, DE 1989
Dispõe sobre o Estatuto da Criança e do Adolescente, e dá outras
providências.

LIVRO I
Parte Geral
Título I - Das Disposições Preliminares (1• a 6°)
Título II - Dos Direitos Fundamentais
Capítulo 1 - Do Direito à Vida e à Saúde (7' a 12) .
Capítulo II - Do Direito à Liberdade, ao Respeito e à Dignidide (13
a 16) · . ·. ·
Capítulo III - Do Direito à Família e à Convivênéia Comunitária ·'
Seção I - Disposições Gerais (l 7 a 24) ··
Seção II - Da Família Natural (25 a 27) '· ' ·
Seção III - Da Família Substituta
Subseção I - Disposições Gerais (28 a 32)
Subseção II - Da Guarda (33 a 34)
Subseção III - Da Tutela (35 a 37r
Subseção IV - Da Adoção (38 a 50) ·
Capítulo IV - Do Direito à Educação, à Cultura e ao Lazer (51 a 58)
Capítulo V - Do. Direito à Profissionalização e à Proteção 'no Trabalho
(59 a 64)
Título III - Da Prevenção
Capítulo I -Disposições' Gerais ( 65 a 68)
Capítulo II - Da Prevenção Especial
Seção I - Da Informação, Cultura, Lazer, Esportes, Diversões e Espetá-
culos (69 a 76) ·
Seção II - Dos Produtos e Serviços (77 a 78)
Seção III - Da Autorizaçãó para Viajar (79 a 81)
LIVRO II
Parte Especial
Título I - Da Situação de Risco e das Medidas de Proteção
Capítulo I - Da Situação de Risco (82) · · · ''
Capítulo II - Das Medidas de Proteção (83 a 85)

259
Título II - Da Prática de Ato Infracional.
Capítulo I - Disposições Gerais (86 a 88}
Capítulo II - Dos Direitos Individuais (89 a 92)
Capítulo III - Das Garantias Processuais (93 a 94)
Capítulo IV - Das Medidas Sócio-Educativas
Seção I - Disposições Gerais (95 a 97)
Seção II - Da Advertência (98)
Seção III - Da Multa (99)
Seção IV - Da Obrigação de Reparar o Dano (100)
Seção V -Da Prestai;ão de Serviços à Comunidade (101 a 102)
Seção VI - Da Liberdade Assistida (103 a 104)
Seção VII - Da Colocação em Casa de Semiliberdade (105)
Seção VIII - Da Internação (106 a 111)
Capítulo V - Da Remissão (112 a 114)
Título III - Das Medidas Pertinentes aos Pais ou Responsável (115
a 116)
Título IV - Do Conselho Tutelar
Capítulo I - Disposições Gerais (117 a 121)
Capítulo II - Das Atribuições do Conselho (122)
Capítulo III - Da Competência (123)
Capítulo IV - Da Escolha dos Conselheiros (124 a 128)
Capítulo V - Das Impedimentos (129 a 130)
Capítulo VI- Dos Vencimentos (131)
Capítulo VII - Do Funcionamento do Conselho (132 a 137)
Título V - Do Acesso à Justiça
Capítulo I - Disposições Gerais (138 a 141)
Capítulo II - Da Justiça da Infância e da Juventude
Seção I - Disposições Gerais (142;
Seção II - Do Juiz (143 a 144)
Seção III - Dos Serviços Auxiliares (145)
Subseção I - Da Equipe Interprofissional (146 a 147)
Subseção II - Dos Agentes de Proteção da Infância e da Juventude
(148)
Capítulo III - Do Ministério Público (149 a 154)
Capítulo IV - Do Advogado (155 a 156)
Capítulo V - Do processo na Justiça da Infância e da Juventude
Seção I - Disposições Gerais (157)
;:: Seção II - Da Competência (158 a 160)
·!::
Seção III -Dos Procedimentos (f61)
Seção IV - Dos Recursos (162 a 163)
Capítulo VI - Da Proteção Judicial dos Interesses Individuais, Difusos
e Coletivos (164 a 180)
Título VI - Da Política de Atendimento
Capítulo 1 - Disposições Gerais (181 a 183)

260
r1
Capítulo U - Do Instituto Nacional da Infância e da Adolescência (184
a 191)
Capítulo IU - Da Polícia Estadua.l e Municipal de Atendimento dos Di-
reitos da Criança e do Adolescente (192)
Capítulo IV - Das Doações Subsidiadas (193 a 194)
CapítuTo V - Das Entidades de Atendimento
Seção I - DisposiÇões Gerais (195 a 199)
Seção II - Da Fiscalização das Entidades (200 a 201)
Seção III - Da Intervenção Judicial
Subseção I - Das Medidas Aplicáveis (202)
Subseção II - Do Procedimento (203 a 205)
Título VII - Das Infrações contra a Proteção à Criança e ao Adolescente
Disposições Finais e Transitórias

261
PROPOSTA SUBSTIT\JTIVA AO
PROJETO DE LEI N• 1.506, DE 1989

Dispõe sobre o Estatuto da Criança e do Adolescente e dá outras


providências.

O Congresso Nacional decreta:


LIVRO!
Parte Geral
TÍTULO 1
Das Disposições Preliminares
Art. 1" Esta lei dispõe sobre a proteção especial à criança e ao adoles-
cente.
Art. 2' Considera-se criança, para efeitos desta lei, a pessoa até 12
(doze) anos de idade incompletos, e adolescente aquela entre 12 (doze) e
18 (dezoito) anos de idade.
Parágrafo único. Nos casos expressos em lei, aplica-se exc~pcionalmente
este estatuto às pessoas entre 18 (dezoito) e 21 (vinte e um) anos de idade.
Art. 3• A criança e o adolescente gozam de proteção especial e ser-lhes-
ão proporcionadas oportunidades e facilidades, por lei ou por outros meios,
a fim de lhes facultar o desenvolvimento físico, mental, moral, esp~ritual
e social, em condições de liberdade e dignidade.
Art. 4' É dever da família,. da comunidade, da sociedade em geral e
do Estado assegurar, com absoluta prioridade, a efetivação dos direitos refe-
rentes à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização,
à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e
comunitária.
Parágrafo único. A garantia de prioridade compreende:
I - a primazia de receber proteção e socorro em quaisquer circunstâncias;
II - a precedência no atendimento por órgão público de qualquer poder;
JII ___,...a preferência na formulação e na execução das políticas sociais
públicas;

263
IV - o aquinhoamento privilegiado de recursos públicos nas áreas relacio-
nadas com a proteção à infância e à juventude.
Art. 5' Nenhuma criança ou adolescente será objeto de qualquer forma
de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão,
punido na forma da lei qualquer atentado, por ação ou omissão, aos seus
direitos fundamentais.
Art. 6• Na interpretação desta lei levar-se-ão em conta os fins sociais
a que ela se dirige, as exigências do bem comum, os direitos e deveres indivi-
duais e coletivos e a condição peculiar da criança e do adolescente como
pessoas em desenvolvimento.

TÍTULO II
Dos Direitos Fundamentais
CAPÍTULO!
Do Direito à Vida e à Saúde
Art. 7' A criança e o adolescente têm direito a proteção à vida e à
saúde, mediante a efetivação de políticas sociais públicas que permitam o
nascimento e o desenvolvimento sadio e harmonioso, em condições dignas
de existência.
Art. 89 É assegurado à gestante, através do sistema único e descentra-
lizado de saúde, o atendimento pré e perinatal.
§ 1° A gestante será encaminhada aos diferentes níveis de atendimento,
segundo critérios médicos específicos, obedecendo-se os princípios de regiona-
lização e hierarquização do sistema ..
§ 29 A parturiente será atendida preferencialmente pelo mesmo médico
que a acompanhou na fase pré-natal.
§ 39Incumbe ao Estado propiciar apoio alimentar à gestante e a nutriz
que dele necessitem.
Art. 9• O poder público e as demais instituições propiciarão as condições
adequadas ao aleitamento materno, inclusive aos filhos de mães submetidas
a medida privativa de liberdade.
Art. 10. Os hospitais e demais estabelecimentos de atenção à saúde
u
de gestantes, públicos e particulares, são obrigados a:
'i! 1 - manter registro das atividades desenvolvidas, através de prontuários
individuais, pelo prazo mínimo de 10 (dez) anos;
II -identificar os partos, mediante a obtenção de impressões plantar
do recém-nascido e digital da mãe, sem prejuízo de outras formas normatizadas
pela autoridade administrativa competente;

264
III - proceder a exames, visando a diagnóstico, terapêutica e aconsellia-
mento das doenças devidas a erros inatos ao metabolismo do recém-nascido,
bem como a orientar os pais sobre possíveis malformações congênitas e outros
problemas genéticos;
IV ----:-fornecer à parturiente ou a seu responsável, por ocasião da alta
médica, declaração de nascimento onde constem necessariamente as ititercor-
rências do parto e do desenvolvimento do neonato;
V - manter alojamento conjunto, possibilitando ao ,neonato a perma-
nência junto à mãe.
Art. 11. É assegurado atendimento médico à criança e ao adolescente,
através do sistema único e descentralizado, garantido o acesso universal e
igualitário às ações e serviços para promoção, proteção e recuperação da
saúde.
§ 1' A criança e o adolescente portadores de deficiência física, sepsorial
ou mental receberão atendimento especializado.
§ 2' Incumbe ao Estado fornecer gratuitamente, àqueles que necessi-
tarem, os medicamentos, próteses e outros recursos relativos ao tratamento
ou reabilitação.
Art. 12. O serviço único e descentralizado de saúde promoverá progra-
mas de assistência médica e odontológica para a prevenção das enfermidades
que ordinariamente afetam a população infantil, assim como campanhas de
educação sanitária para pais, mestres e alunos.
Parágrafo único. É obrigatória a vacinação das crianças contra as enfer-
midades endêmicas nos casos recomendados pelas autoridades sanitárias.

CAPÍTULO II
Do Direito à Liberdade, ao Respeito e à Dignidade

Art. 13. A criança e o adolescente têm direito à liberdade, ao respeito


e à dignidade como pessoa humana em processo de desenvolvimento físico,
psíquico e social, e como sujeitos de direitos civis, humanos e sociais garantidos
na Constituição e nas leis.
Art. 14. O direito à liberdade compreende, dentre outros, os seguintes
aspectos:
I - liberdade de ir, vir e estar nos logradouros públicos e espaços comuni-
tários, ressalvadas as restrições legais;
II - liberdade de opinião e de expressão;
III - liberdade de crença e culto religiosos;
IV -liberdade de brincar, praticar esportes e divertir-se sadiamente,
segundo as necessidades e características de sua idade;
V - liberdade de participar da vida familiar e comunitária, sem discrimi-
nações;

265
VI - liberdade de participar da vida política, na forma da lei;
VII-,- liberdade de buscar refúgio, auxílio e orientação quando vitimi-
zado;
VIII -liberdade de recorrer à autoridade competente em caso de colidên-
cia de interesses com os pais ou responsáveis.
Art. 15. O direito ao respeito consiste na inviolabilidade da integridade
física, psíquica e moral da criança e do adolescente, abrangendo a preservação_
da imagem, da identidade, da autonomia, dos valores, idéias e crenças, dos
espaços e objetos pessoais.
Art. 16. É dever de todos velar pela dignidade da criança ou adoles-
cente, pondo-os a salvo de qualquer tratamento desumano, violento, aterrori-
zante, vexatório ou constrangedor.

CAPÍTULO III
Do Direito à Família e à Convivência Comunitária
SEÇÃO I
Disposições Gerais
Art. 17. Toda criança ou adolescente tem direito a ser criado e educado
1:.·1
no seio da família natural e, excepcionalmente, em família substituta.
Art. 18. Toda criança ou adolescente tem direito à convivência com
os membros da sua f3.mília e com as pessoas de sua comunidade, como forma
de participação na sociedade.
Art. 19. Os filhos, havidos ou não da relação do casamento, ou por
adoção, terão os mesmos direitos e qualificações, proibidas quaisquer designa-
ções discriminatórias relativas à filiação.
Art. 20. Fica expressamente vedada qualquer distinção entre filiação
legítima e ilegítima, natural e civil, para efeito de reconhecimento de direito
ou privilégio legal.
Art. 21. O pátrio poder será exercido em igualdade de condições, pelo
pai, mãe, ou por ambos, na forma do que dispuser a legislação civil, assegurado
a qualquer deles o direito de, em caso de discordância, recorrer à autoridade
judiciária competente para a solução da divergência.
Art. 22. Aos pais incumbe o dever de sustento, guarda e educação
i
dos filhos menores, cabendo-lhes, ainda, a obrigação de cumprir e fazer cum-
1lf prir as determinações judiciais impostas no interesse dos mesmos.
::.1/
1:.:: Art. 23. A falta ou a carência de recursos materiais não constitui motivo
'1 suficiente para a perda ou a suspensão do pátrio poder. Inexistindo outro
motivo, que por si sõ autorize a decretação da medida, a criança ouadolescente
será mantido em sua família de origem, a qual deverá obrigatoriamente ser
incluída em programas oficiais de auxílio.

266
Art. 24. A perda e a suspensão do pátrio poder serão decretadas judi-
cialmente, em procedimento contraditório, nos casos previstos na legislação
civil.
§ 1' Havendo moti".o grave, poderá a autoridade judiciária, ouvido o
Ministério Público, decretar a suspensão do pátrio poder, liminar ou incidental-
mente, até o julgamento definitivo da causa, ficando a criança ou adolescente
confiado a pessoa idônea, mediante termo de responsabilidade.
§ 2° A perda e a suspensão do pátrio poder serão averbados à margem
do registro de nascimento.

SEÇÃO II
Da Família Natural
Art. 25. Entende-se por família natural a comunidade formada pelos
pais, ou qualquer deles, e seus descendentes.
Art. 26. Os filhos havidos fora do casamento poderão ser reconhecidos
pelos pais, conjunta ou separadamente, no próprio termo de nascimento,
por testamento, mediante escritura ou outro documento público, qualquer
que seja a origem da filiação.
Parágrafo único. O reconhecimento pode. preceder o nascimento do
filho ou suceder-lhe ao falecimento, se deixar descendentes.
Art. 27. O reconhecimento do estado de filiação é direito persona-
líssimo, indisponível e imprescritível, podendo ser exercitado contra os pais,
ou seus herdeiros, em qualquer tempo, observado o segredo de justiça.

SEÇÃO III
Da Família Substituta

SUBSEÇÃOI
Disposições gerais

Art. 28. A colocação em lar substituto far-se-á mediante guarda, tutela


ou adoção, independentemente da situação jurídica da criança ou adolescente,
nos termos desta lei.
§ 1\-' Sempre que possível a criança ou adolescente deverá ser previa-
m~nte ouvido, e a sua opinião devidamente considerada.
§ 2' Na apreciação do pedido levar-se-á em conta o grau de parentesco,
a relação de afinidade, ou de afetividade, a fim de evitar ou minorar as
conseqüências emocio,nais e psicológicas decorrentes da medida.
Art. 29. Não se deferirá colocação em lar substituto a pessoa que revele,
por qualquer modo, incompatibilidade com.a natureza da medida, ou não
ofereça ambiente familiar adequado.

267
Art. 30. A colocação em lar substituto não admitirá transferência da
criança ou adolescente a terceiros ou a entidades públicas ou particulares,
sem autorização judicial.
Art. 31. A colocação em lar substituto estrangeiro constitui medida
excepcional, somente admissível na modalidade de adoção, salvo a tutela
para efeito de estágio de convivência, nos termos do § 29 do art. 45, e desde
que esgotadas previamente as possibilidades de manutenção da criança na
própria família ou em novo lar no País.
Art. 32. Ao assumir a guarda ou tutela, o responsável prestará compro-
misso de bem e fielmente desempenhar o encargo, mediante termo nos autos.

SUBSEÇÃO II
Da Guarda
Art. 33. A guarda obriga à prestação de assistência material, moral
e educacional à criança ou adolescente, conferindo a seu detentor o direito
de opor-se a terceiros, inclusive pais.
§ 1° A guarda destina-se a regularizar a detenção de fato, podendo
ser deferida liminar ou incidentalmente nos procedimentos de tutela e adoção.
§ 2' Excepcionalmente, deferir-se-á guarda, fora dos casos de tutela
e adoção, para atender a casos urgentes, ou suprir a falta eventual dos pais
:: ,1 ou responsável, podendo ser deferido o direito de representação, para a prática
·., de atos determinados.
§ 3' A guarda confere à criança ou adolescente a condição de depen-
dente, para todos os fins e efeitos de direito.
Art. 34. A guarda poderá ser revogada a qualquer tempo, mediante
ato judicial fundamentado, havendo motivo razoável, ouvido o Ministério
Público.

SUBSEÇ_ÃO III
Da Tutela
Art. 35. A tutela será deferida nos termos da lei civil.
Parágrafo único. O deferimento da tutela pressupõe a prévia decretação
da perda ou suspensão do pátrio poder.
Art. 36. Será dispensada a especialização de hipoteca legal sempre que
o tutelado não possuir bens ou rendimentos ou por qualquer outro motivo
relevante.
Parágrafo único. A especialização de hipoteca legal será também dispen-
sada se os bens, porventura existentes em nome do tutelado, constarem de
instrumento público, devidamente registrado no Registro de Imóves, e se
os rendimentos forem suficientes apenás para a mantença de tutelado, não
havendo sobra significativa ou provável.

268

,1
Art. 37. Aplica-se à suspensão e à destituição da tutela o disposto no
art. 24.

SUBSEÇÃO IV
Da Adoção
Art. 38. A adoção reger-se-á segundo o disposto nesta lei.
Art. 39. O adotando deve contar com no máximo 18 (dezoito) anos
à data do pedido, salvo se já 'estivesse sob a guarda ou tutela dos adotantes
anteriormente àquela idade.
Art. 40. A adoção atribui a condição de filho ao adotado, com os mes-
mos direitos e deveres, inclusive sucessórios, desligando-o de qualquer vínculo
com pais e parentes, salvo os impedimentos matrimonais.
§ 1' Se um dos cônjuges ou concubinas adota o filho do outro, man-
têm-se os vínculos de filiação entre o adotado e o cônjuge ou concubino
do adotante e os respectivos parentes.
§ 2' É recíproco o direito sucessório entre o adotado, seus descendentes,
o adotante, seus ascendentes, descendentes e colaterais até o 49 grau, observada
a ordem de vocação hereditária.
Art. 41. Só os maiores de 21 (vinte e um) anos podem adotar.
§ 1' Não podem adotar os. acendentes e os irmãos do adotando.
§ 29 A adoção por ambos os cônjuges ou concubinas poderá ser forma-
lizada desde que um deles tenha completado 21 (vinte e um) anos de idade,
comprovada a estabilidade conjugal ou concubinária.
§ 3° O adotante há de ser, pelo menos, 16 (dezesseis) anos mais velho
que o adotado.
§ 4° Os divorciados e os judicialmente separados poderão adotar con-
juntamente, contanto que acordem sobre a guarda e o regime de visitas.
§ 5° A adoção poderá ser deferida ao adotante que, após inequívoca
manifestação de vontade, vier a falecer no curso do procedimento, antes
de prolatada a sentença.
Art. 42. A adoção apenas será deferida quando apresente reais vanta-
gens para o adotando, se funde em motivos legítimos e seja razoável supor
que entre o adotante e o adotado se estabelecerá um vínculo semelhante
ao da filiação.
Art. 43. Enquanto não der conta de sua administração, e saldar o seu
alcance, não pode o tutor, ou curador, adotar o pupilo, ou curatelado.
Art. 44. A adoção depende do consentimento dos pais, ou do represen-
tante legal do adotando.
§ l 9 O consentimento será dispensado em relação à criança ou adoles-
cente cujos pais sejam desconhecidos ou tenham sido destituídos do pátrio
poder.

269
§ 2° Em se tratando de adotando maior de 12 (doze) anos de idade,
será também necessário o seu consentimento pessoal.
Ait. 45. A adoção será precedida de estágio de convivência com a
criança ou adolescente, pelo prazo que a autoridade judiciária fixar, observadas
as pecull!tridades do caso.
§ 1' O estágio de convivência poderá ser dispensado se o adotando
não tiver mais de um ano de idade, ou se, qualquer que seja a sua idade,
já estiver na campanhia do adotante durante tempo suficiente para se poder
avaliar da conveniência da constituição do vínculo.
§ 29 Cumprindo-se o estágio de convivência no exterior, a sindicância
será substituída por informação prestada pela autoridade judiciária do domí-
cilio dos adotantes, que poderá valer-se da colaboração de agência especia-
lizada.
Art. 46. O vínculo da adoção constitui-se por sentença judicial, que
será inscrita no Registro Civil mediante mandado, do qual não se fornecerá
certidão.
§ 1• A inscrição consignará o nome dos adotantes como pais, bem como
o nome de seus ascendentes.
§ 2° Q$ vínculos de filiação e parentesco anteriores cessam com o trân-
sito em julgado da setença, salvo os impedimentos matrimoniais.
§ 3' O registro original do adotado será cancelado por mandado, o
qual será arquivado.
§ 4• Nas certidões do registro nenhuma observação poderá constar sobre
a origem do ato.
,:i
§ 5° A critério da autoridade judiciária, poderá ser fornecida certidão
para a salvaguarda de direitos.
§ 6'' A sentença conferirá ao adotado o nome do adotante e, a pedido
deste, poderá determinar a modificação do prenome.
§ 7• A adoção produz seus efeitos a partir do trânsito em julgado da
sentença, exceto na hipótese prevista no art. 41, § 5•, caso em que terá força
retroativa à data do óbito.
Art. 47. A adoção é irrevogável.
Art. 48. A morte dos adotantes não restabelece o pátrio poder dos
pais naturais.
Art. 49. A autoridade judiciária manterá, em cada comarca ou foro
regional, um registro de crianças e adolescentes, e outro de interessados consi-
derados aptos à adoção, devendo, sempre que possível e conveniente aos
interesses da criança ou adolescente, ser obedecida a ordem de inscrição.
§ l 9 O deferimento da inscrição dar-se-á após prévia consult.:;i aos 9rgãos
técnicos do juizado, ouvido o Ministério Público.
i:' § 29 Não será deferida a inscrição se o interessado não satisfizer o_s
1

requisitos legais, ou em qualquer das hipóteses previstas no art. 29.

270
Art. 50. Cuidando-se de pedido de adoção formulado por estrangeiro
residente ou domiciliado fora do País, observar-se-á o disposto no art. 31.
§ 11' O candidato deverá comprovar, mediante documento expedido
pela autoridade competente do respectivo domicílio, estar devidamente habili-
tado à ad.oção, consoante as leis do seu país, bem como· apresentar estudo
psicossocial elaborado por agência especializada, de idoneidade reconheéida
por organismo internacional e credenciada no país de origem.
§ 2' O Juiz, de ofício ou a requerimento do Ministério Público, determi-
nará a apresentação do texto pertinente à legislação estrangeira, acompanhado
de prova da respectiva vigência.
§ 39 Os documentos em língua estrangeira serão juntados aos autos,
devidamente autenticados pela autoridade consular e acompanhados da respec-
tiva tradução, por tradutor público juramentado.
§ 4' O estágio de convivência, em qualquer hipótese, será de, no mínimo
um ano, cumprindo-se os 15 (quinze) primeiros dias em território nacional,
observado o disposto no art. 45 e seu § 2'

CAPÍTlTLO IV
Do Direito à Educaçao, à Cultura e ao Lazer

Art. 51. A criança e o adolescente têm direito à educação, visando


pleno desenvolvimento de sua pessoa, preparo para o exercício da cidadania
e qualificação para o trabalho, assegurando-se-lhes:
1 - igualdade de condições para o acesso e permanência na escola;
II - direito de ser respeitado por seus mestres e professores;
III -direito de contestar critérios avaliativos, podendo recorrer às instân-
cias escolares superiores;
IV - direito de organização e participação em entidades estudantis;
V - acesso a programas de bolsas de estudo;
VI - opção pela escola mais próxima à sua moradia.
Parágrafo único. É direito do educando e de seus pais ou responsável
ter ciência do processo pedagógico, bem como participar da definição das
propostas educacionais.
Art. 52. É dever do Estado assegurar à criança e ao adolescente:
1 - ensino fundamental~ obrigatório e gratuito, inclusive para os que
a ele não tiveram acesso na idade própria;
II - progressiva extensão da obrigatoriedade e gratuidade ao ensino mé-
dio;
III'- atendimento educacional especializado aos portadores de deficiên-
cia, preferencialmente na rede regular de ensino;

271
IV - atendimento em creche e pré-escola às crianças de O (zero) a 6
(seis) anos de idade;
V - acesso aos níveis mais elevados do ensino, da pesquisa e da criação
artística, segundo a capacidade de cada um;
VI - oferta de ensino noturno regular, adequado às condições do adoles-
cente trabalhador;
VII - atendimento ao educando, no ensino fundamental, através de pro-
gramas suplementares de material didático-escolar, transporte, alimentação
e assistência à saúde.
§ 1' O acesso ao ensino obrigatório e gratuito é direito público subjetivo.
§ 2' O não-oferecimento do ensino obrigatório pelo Poder Público, ou
sua oferta irregular, importa responsabilidade da autoridade competente.
§ 3' Compete ao Poder Público recensear os educandos no ensino funda-
mental, fazer-lhes a chamada e zelar, junto aos pais ou responsáveis, pela
freqüência à escola.
§ 4° São responsáveis solidários pela criação e manutenção das creches
e pré-escolas o Poder Público e os empregadores em relação aos filhos e
dependentes de seus empregados.
Art. 53. Os pais ou responsável têm a obrigação de matricular seus
filhos ou pupilos nas escolas públicas ou privadas.
Art. 54. Os dirigentes de estabelecimentos de ensino fundamental co-
municarão à autoridade competente os casos de:
1 ~maus-tratos envolvendo seus alunos;
II - reiteração de faltas injustificadas e de evasão escolar, esgotados
os recursos escolares;
III - elevados níveis de repetência.
Art. 55. Os direitos e deveres individuais e coletivos, a educação sexual,
o planejamento familiar, a ecologia e a preservação do meio ambiente deverão
obrigatqriamente constar dos ensinamentos a serem ministrados nas escolas
de primeiro e segundo graus.
Art. 56. O Estado estimulará pesquisas, experiências-piloto e novas
propostas relativas a calendário, currículo, metodologia, didática e avaliação,
com vistas à reinserção de crianças e adolescentes excluídos do ensino funda-
mental obrigatório .
.:,·e'
Art. 57. No processo educacional, formal e informal, respeitar-se-ão
os valores culturais, artísticos e históricos próprios do contexto social da criança
e do adolescente, garantindo-se o acesso às fontes de cultura e a Liberdade
. de criação.
Art. 58. Os Municípios, com apoio dos Estados e da UniãO, estimularão
e facilitarão a destinação de recursos e espaços para programações culturais,
esportivas e de lazer voltadas à infância e à juventude.

272
ii
CAPÍTULO V
Do Direito à Profissionalização e à Proteção
no Trabalho
Art. 59. A proteção ao trabalho do adolescente é regulada por legisla-
ção especial, sem prejuízo do disposto nesta lei.
Art. 60. É proibido qualquer trabalho a menores de 14 (catorze) anos
de idade.
Parágrafo único. Na condição de aprendiz somente poderão ser admi-
tidos adolescentes a partir de 12 (doze) anos de idade.
Art. 61. Na condição de trabalhador ou de aprendiz, é conferido ao
adolescente:
1 - garantia de direitos previdenciários e trabalhistas;
II - garantia de acesso e freqüência à escola em turno e épocas compa-
tíveis com seus interesses, atendidas as peculiaridades locais;
III - horário especial de trabalho;
IV - participação sindical.
§ 1' Considera-se aprendizagem a formação profissional metódica, que
corresponda a um processo educacional com desdobramento de ofício em
operações ordenadas em conformidade com um programa, sob orientação
de um responsável e em ambiente adequado.
§ 2' Os limites máximos de tempo necessários à aprendizagem metódica
serão fixados por atos do Ministério do Trabalho, ouvida a categoria profis-
sional a que corresponda o ofício.
Art. 62 Ao adolescente empregado, aprendiz, em regime familiar de
trabalho, aluno de escolas técnicas, assistido em entidades públicas ou privadas,
é vedado o trabalho:
I - noturno, realizado entre às 22 (vinte e duas) horas de um dia e
às 5 (cinco) horas do dia seguinte;
II -perigoso, insalubre e penoso;
III - realizado em locais prejudiciais à sua formação e ao seu desenvol-
vimento físico, psíquico, moral e social;
IV - realizado em horários e locais que não permitam a freqüência à
escola.
Art. 63. Os programas sociais que tenham por base o trabalho educa-
tivo, sob responsabilidade de entidade pública ou privada sem fins lucrativos,
deverão assegurar aos adolescentes que dele participem condições de capaci-
tação para o exercício de atividade regular e remunerada.
§ 1' Entende-se por trabalho educativo a atividade laboral em que as
exigências pedagógicas relativas ao desenvolvimento pessoal e social do edu-
cando prevalecem sobre o aspecto produtivo.
§ 2' A remuneração que o adolescente recebe pelo trabalho efetuado,
ou a participação na venda dos produtos de seu trabalho não desfigura o
caráter educativo.

273
Art. 64. O adolescente tem direito à profissionalização e à proteção
no trabalho, abrangendo, entre outros, os seguintes aspectos:
1 - respeito à condição peculiar de pessoa e1n desenvolvimento;
II - capacitação profissional adequada ao mercado de trabalho.
TÍTULO III
Da Prevenção
CAPÍTULO 1
Disposições Gerais
Art. 65. É dever de todos prevenir a ocorrência de situação de risco
pessoal ou social à criança e ao adolescente.
Art. 66. A criança e o adolescente têm direito à informação, cultura,
lazer, esporte, diversões, espetáculos, produtos e serviços que respeitem sua
condição peculiar de pessoa em desenvolvimento.
Art. 67. As obrigações previstas nesta lei não excluem da prevenção
especial outras decorrentes dos princípios por ela adotados.
Art. 68. A inobservância às normas de prevenção importará em respon-
sabilidade da pessoa física ou jurídica, nos termos desta lei.

CAPÍTULO II
:

Da Prevenção Especial
SEÇÃOI
Da Informação, Cultura, Lazer, Esporte
Diversões e Espetáculos
Art. 69. O Poder Público, através do órgão competente, regulará as
diversões e espetáculos públicos, informando sobre a natureza deles, as faixas
etárias a que não se recomendem, locais e horários em que sua apresentação
se mostre inadequada.
Parágrafo único. Os responsáveis pelas diversões e espetáculos públicos
deverão afixar, em lugar visível e de fácil acesso, a entrada do local de exibição,
informação destacada sobre a natureza do espetáculo e a faixa etária especi-
ficada no certificado de classificação.
!i: Art. 70. Toda criança ou adolescente terá acesso às diversões e espetá-
culos públicos classificados como adequados para sua faixa etária.
,.
1
Parágrafo único. As crianças menores de 10 (dez) anos somente poderão
ingressar e permancer nos locais de apresentação quando aco~panhadas dos
pais ou responsável.
Art. 71. As emissoras de rádio e televisão deverão levar em conta as
peculiaridades do público infanto-juvenil, preferindo programações com finali-

274
dades educativas, artísticas, culturais e informativas adequadas à faixa etária
recomendada pelo órgão competente.
Parágrafo único. Nenhum espetáculo será apresentado ou anunciado
sem aviso de sua classificação, antes de sua transmissão, apresentação ou
exibição.
Art. 72. É vedada a apresentação, em rádio e televisão, de espetáculos
não recomendados pelo órgão competente para menores de:
I - dez anos, até às vinte horas;
II - quatorze anos, até às vinte e duas horas;
III - dezesseis anos, até às vinte e três horas;
IV -dezoito anos, até às vinte e quatro horas.
§ 1° Os espetáculos considerados pelo órgão competente como inade-
quados a veiculação em rádio e televisão não poderão ser apresentados, em
qualquer horário.
§ 29 A transmissão de trailers, anúncios e chamadas de divulgação obe-
decerá aos mesmos critérios fixados neste artigo.
Art. 73. Os proprietários, diretores, gerentes e funcionários de empre-
sas que explorem a venda ou aluguel de fitas de programação em vídeo cuidarão
para que não haja venda ou locação êm desacordo com a classificação atribuída
pelo órgão competente.
Parágrafo único. As fitas a que alude este artigo deverão conter infor-
mação sobre a natureza da obra e a faixa etária a que se destinam.
Art. 74. As revistas e publicações, contendo material impróprio ou ina-
dequado a crianças e adolescentes deverão ser comercializadas em embalagem
lacrada, com a advertência de seu conteúdo.
Parágrafo único. As editoras cuidarão para que as capas que contenham
mensagens pornográficas ou obscenas sejam protegidas com embalagem opaca.
Art. 75. As revistas e publicações destinadas ao público infanto-juvenil
não poderão conter ilustrações, fotografias, legendas, crônicas ou anúncios
de bebidas alcoólicas, tabaco, armas e munições.
Art. 76. Os responsáveis por estabelecimentos que explorem comercial-
mente bilhar, sinuca ou congênere, e casas de jogos, assim entendidas as
que realizem apostas, ainda que eventualmente, cuidarão para que não seja
permitida a entrada e a permanência de crianças e adolescentes no local,
afixando aviso para orientação do público.
SEÇÃO II
Dos Produtos e Serviços
Art. 77. É proibida a venda, à criança ou adolescente, de:
I - armas, munições e explosivos;
II - bebidas alcoólicas;
Ili -produtos cujos componentes possam causar dependência física ou
psíquica, ainda que por utilização indevida;

275
IV -fogos de estampido e de artifício, exceto aqueles que pelo seu
reduzido potencial sejam incapazes de provocar qualquer dano físico em caso
de utilização indevida.
Art. 78. É proibida a hospedagem de criança ou adolescente, em notei,
motel, pensão ou estabelecimento congênere, salvo se autorizado ou acompa-
nhado pelos pais ou responsável.

SEÇÃO III
Da autorização para viajar
Art. 79. Nenhuma criança poderá viajar para fora da comarca onde
reside, desacompanhada dos pais ou responsável, sem expressa autorização
judicial.
§ 1' A autorização não será exigida quando:
I -tratar-se de comarca contígua à de sua residência, se na mesma unida-
de da Federação, ou incluída na mesma região metropolitana;
II - acompanhada de ascendente ou colateral maior, até o terceiro grau,
comprovado documentalmente o parentesco;
III - acompanhada de pessoa maior, expressamente autorizada pelo pai,
mãe ou responsável, mediante declaração escrita, dispensado o reconheci-
mento de firma.
§ 2' A autoridade judiciária poderá, a pedido dos pais ou responsável,
conceder autorização válida por 2 (dois) anos.
Art. 80. Quando se tratar de viagem ao exterior, a autorização é dispen-
sável, se a criança ou adolescente:
1 - estiver acompanhado de ambos os pais ou responsável;
II -viajar na companhia de um dos pais, autorizado expressamente pelo
outro através de documento com firma reconhecida.
Art. 81. Nenhuma criança ou adolescente, nascido em território nacio-
nal, poderá sair do País em companhia de estrangeiro residente ou domiciliado
Oo exterior, sem prévia e expressa autorização judicial.

LIVRO II
Parte Especial
TÍTULO I
Da situação de risco e das medidas de proteção
CAPÍTULO I
Da situação de risco
Art. 82. Considera-se em situação de risco pessoal e social a criança
ou o adolescente:

276
I - que não tenha habitação certa nem meios de subsistência, em virtude
de falta, ação ou omissão dos pais ou responsável;
II -quando não receba ou se lhe impeça receber o ensino fundamental
obrigatório correspondente à sua idade, por ação ou omissão dos pais ou
responsável;
III - ·envolvido direta ou indiretamente com a prostituição ou utilizado
em espetáculos obscenos;
IV - que freqüente habitualmente ou resida em ambiente prejudicial
à sua formação moral;
V -vítima de maus-tratos, opressão, exploração ou abuso sexual impos-
tos pelos pais ou responsável;
VI - dependente de bebidas alcóolicas, substâncias entorpecentes, medi-
camentosas, tóxicas, ou outras potencialmente prejudiciais à saúde;
VII - com grave inadaptação familiar ou comunitária em virtude de ação
ou omissão dos pais ou responsável.

CAPÍTULO II
Das medidas de proteção
Art. 83. As medidas previstas neste Capítulo poderão ser aplicadas
isolada ou cumulatiVamente, bem como substituídas a qualquer tempo.
Art. 84. Na aplicação das medidas terão preferência as de caráter peda-
gógico, e aquelas que visem ao fortalecimento dos vínculos familiares e comu-
nitários.
Art. 85. Verificada qualquer das hipóteses previstas no Capítulo I, deste
Título, a autoridade competente poderá determinar, dentre outras, as seguintes
medidas:
I - encaminhamento a programa comunitário ou oficial de auxílio à famí-
lia, à criança e ao adolescente;
II - matrícula e freqüência obrigatórias em estabelecimento oficial de
ensino fundamental;
III - orientação, apoio e acompanhamento temporário.
IV - encaminhamento a tratamento médico, psicológico ou psiquiátrico,
em regime hospitalar ou ambulatória!;
V - proibição de praticar determinados atos ou freqüentar locais perigo-
sos ou prejudiciais à vida, à saúde ou à formação moral;
VI - encaminhamento a programa .oficial ou comunitário de auxílio,
orientação e tratamento a alcoólatras e toxicómanos;
VII - acolhimento em entidade assistencial, centro de orientação infanto-
juvenil ou outro estabelecimento adequado;
VIII - colocação em lar substituto.
Parágrafo único. O acolhimento é medida destinada exclusivamente a
crianças e adolescentes em situação de risco, de caráter provisório e excep-

277
cional, somente utilizável em casos extremos ou como forma de transição
à colocação em lar substituto ou outra medida adequada.
TÍTULO II
Da Prática de Ato Infracional
CAPÍTULO I
Disposições Gerais
Art. 86. Considera-se ato infracional a prática de crime ou contravenção
penal, assim definidos e1n lei.
Art. 87. São penalmente inimputáveis os menores de 18 (dezoito) anos,
sujeitos às medidas previstas nesta lei.
Art. 88. A prática de ato infracional por criança será tratada corno
situação de risco.
CAPÍTULO II
Dos Direitos Individuais
Art. 89. Nenhum adolescente será privado de sua liberdade senão em
flagrante delito ou por ordem eScrita e fundamentada da autoridade judiciária
competente.
Parágrafo único. O adolescente tem direito à identificação dos respon-
sáveis pela sua apreensão, devendo ser informado acerca de seus direitos.
Art. 90. A apreensão de qualquer adolescente e o local onde se encontra
recolhido serão incontinenternente comunicados à autoridade judiciária com-
petente e à família do apreendido, ou à pessoa por ele indicada.
Parágrafo único. Examinar-se-á, desde logo, e sob pena de responsa-
bilidade, a possibilidade de liberação imediata.
Art. 91. A custódia provisória somente poderá ser determinada naque-
les casos em que for admitida a internação, como último recurso e pelo menor
prazo possível, não podendo exceder a 60 (sessenta) dias.
Parágrafo único. A decisão deverá ser fundamentada, e basear-se-á em
prova da existência da infração e indícios suficientes de autoria, demonstrada
a necessidade imperiosa da medida.
Art. 92. O adolescente civilmente identificado não será submetido à
identificação compulsória pelos órgãos policiais, de proteção e judiciais, salvo
para efeito de confrontação, havendo dúvida fundada.
CAPÍTULO III
Das Garantias Processuais
Art. 93. Nenhum adolescente será privado de sua liberdade sem o devi-
do processo legal.
Art. 94. As normas procedimentais para a apuração de ato infracional,
atribuído a adolescente, obedecerão os seguintes princípios:

278
I -- garantia de pleno e formal conhecimento da atribuição de ato infracio-
nal, mediante citação ou meio equivalente, na pessoa do adolescente e de
seus pais ou responsável;
II -igualdade na relaçáo processual, podendo confrontar-se com vítimas
e testemunhas e produzir todas as provas necessárias à sua defesa;
III -·defesa técnica por advogado ou estagiário regularmente inscrito
nos quadros da Ordem dos Advogados do Brasil, sempre que possa resultar
a aplicação de medida restritiva ou privativa da liberdade;
IV - assistência judiciária gratuita e integral aos necessitados, na forma
da lei;
V - direito de não responder às perguntas que lhe forem dirigidas;
VI -direito de solicitar a presença de seus pais ou responsável em qualM
quer fase do procedimento;
VII-presunção de inocência, até a sentença final;
VIII -direito de recurso à Superior Instância.
§ 1' O prazo máximo para a conclusão do procedimento será de 60
(sessenta) dias.
§ 2' O inquérito policial poderá ser substituído por relatório circuns-
tanciado da ocorrência, ou auto de apreensão em flagrante.

CAPÍTULO IV
Das Medidas Sócio-Educativas
SEÇÃO!
Disposições Gerais

Art. 95. Verificada a prática de ato infracional, a autoridade compe-


tente poderá aplicar ao adolescente, as seguintes medidas:
1 - advertência;
II-multa;
III - obrigação de reparar o dano;
IV -prestação de serviços à comunidade;
V - liberdade assistida;
VI - colocação em cas~ de semiliberdade;
VII-internação em estabelecimento educacional, hospitalar, psiquiá-
trico ou outro adequado;
VIII - qualquer das medidas previstas no art. 85, incisos I a VI.
§ 1° A medida aplicada ao adolescente será sempre proporcional às
suas necessidades e às circunstâncias e à gravidade da infração.
§ 2' Em hipótese alguma e sob nenhum pretexto será admitida a presta-
ção de serviços forçados.
Art. 96. Aplica-se a este Capítulo o disposto nos arts. 83 e 84.

279
Art. 97. A imposição das medidas previstas nos incisos II a VII, do
art. 95, pressupõe a existência de provas suficientes da autoria e da materia-
lidade da infração, ressalvada a hipótese de remissão, nos termos do art.
112, parágrafo único.
Parágrafo único. A advertência poderá ser aplicada sempre que houver
prova da materialidade e indícios suficientes da autoria.

SEÇÃO II
Da Advertência
Art. 98. A advertência consistirá de admoestação verbal, que será redu-
zida a termo e assinada.

SEÇÃO III
Da Multa
Art. 99. O valor da multa será fixado até o máximo de 10 (dez) salários
de referência, e recolhido ao Fundo Municipal de Proteção à Criança e ao
Adolescente.
Parágrafo único. Na fixação do valor da multa a autoridade levará em
conta a situação financeira do adolescente e de sua família, bem como a
natureza e a gravidade da infração.

SEÇÃO IV
Da obrigação de reparar o dano
Art. 100. Em se tratando de ato infracional com reflexos patrimonais,
a autoridade poderá determinar, conforme o caso, que o adolescente restitua
a coisa, promova o ressarcimento do dano, indenize ou por outra forma
compense o prejuízo da vítima.
§ 1° Havendo manifesta impossibilidade, a medida poderá ser substi-
tuída por multa, ou outra medida adequada.
§ 2' Não será admitida a prestação de serviços à vítima, exceto em
se tratando de entidade estatal ou concessionária de serviço público, caso
em que observar-se-á o disposto nos arts. 101 e 102.
SEÇÃO V
Da prestação de serviços à comunidade
Art. 101. A prestação de serviços comunitários consiste na realização
de tarefas gratuitas de interesse geral, por período não excedente a seis 6
(seis) meses, junto a entidades assistenciais, hospitais, escolas e outros estabe-
lecimentos congêneres, bem como em programas comunitários ou governa-
mentais.

280
Parágrafo único. As tarefas serão atribuídas conforme as aptidões do
adolescente, devendo ser cumpridas durante jornada máxima de 8 (oito) horas
semanais, aos sábados, domingos e feriados ou em dias úteis, de modo a
não prejudicar a freqüência à·escolá ou a jornada normal de trabalho.
Art. 102. A aplicação da medida depende de prévia e expressa anuência
do adolescente e de seus pais ou responsável.
Parágrafo único. A falta ou impossibilidade de se obter o consentimento
dos pais ou responsável não impede a aplicação da medida.

SEÇÃO VI
Da Liberdade Assistida
Art. 103. A liberdade assistida será adotada sempre que se afigurar
a medida mais adequada para o fim de acompanhar, auxiliar e orientar o
adolescente.
§ 1° A autoridade designará pessoa capacitada para acompanhar o caso,
a qual poderá ser recomendada por entidade ou programa de atendimento.
§ 2' A liberdade assistida será fixada pelo prazo mínimo de 1 (um)
ano, podendo a qualquer tempo ser prorrogada, revogada ou substituída por
outra medida, ouvido o orientador, o Ministério Público e o Defensor.
Art. 104. Incumbe ao orientador da medida, com o apoio e a supervisão
da autoridade competente, a realização dos seguintes encargos, entre outros:
!-promover, socialmente, o adolescente e sua família, fornecendo-lhes
orientação e inserindo-os, se necessário, em programa oficial ou comunitário
de auxílio e assistência social;
II - supervisionar a freqüência e o aproveitamento escolar do adoles-
cente, promovendo, inclusive, sua matrícula;
III - diligenciar no sentido da profissionalização e da inserção do adoles-
cente no mercado de trabalho;
IV - apresentar relatório do caso, escrito ou verbalmente.

SEÇÃO VII
Da Colocação em Casa de Semiliberdade
Art. 105. A colocação em casa de semiliberdade pode ser determinada
desde o início ou como forma de transição para o meio aberto, devendo
a medida ser cumprida em estabelecimento apropriado, possibilitada a realiza-
ção de atividades externas, independentemente de autorização judicial.
§ 1' É obrigatória a escolarização e a profissionalização, devendo, sem-
pre-que possível, serem utilizados os recursos existentes na comunidade.
§ 2' A medida não comporta prazo determinado aplicando-se, no que
couber, as disposições relativas à internação.

281
SEÇÃO VIII
Da Internação
Art. 106. A internação constitui medida privativa da liberdade, sujeita
aos princípios de brevidade, excepcionalidade e respeito à condição peculiar
de pessoa em desenvolvimento.
§ 19 Será permitida a realização de atividades externas, a critério da
equipe técnica da entidade, salvo expressa determinação judicial em contrário.
§ 29 A medida não comporta prazo determinado, devendo sua manu-
tenção ser reavaliada no máximo a cada 6 (seis) meses.
§ 39 Em nenhuma hipótese o período máximo de internação excederá
a 3 (três) anos.
§ 4' Atingido o limite estabelecido no parágrafo anterior, o adolescente
deverá ser liberado, colocado em casa de semiliberdade ou em regime de
liberdade assistida.
§ 5' A liberação será compulsória aos 21 (vinte e um) anos de idade
cumpridos.
§ 69 Em qualquer hipótese a desinternação será precedida de autori-
zação judicial.
Art. 107. Não poderá ser aplicada a medida de internação, exceto quan-
do:
I - tratar-se de crime cometido mediante grave ameaça ou violência
a pessoa;
II - por reiteração no cometimento de outras infrações graves;
III - por descumprimento injustificável à medida anteriormente imposta.
§ 1' O prazo de internação na hipótese do inciso III deste artigo não
poderá ser superior a 3 (três) meses.
§ 29 Em nenhuma hipótese será aplicada a internação, havendo outra
medida adequada.
Art. 108. A internação deverá ser cumprida em estabelecimento apro-
priado, em local distinto daquele destinado ao acolhimento de criança ou
adolescente em situação de risco, obedecida rigorosa separação por critérios
de idade, compleição física e gravidade da infração.
§ 1' Excepcionalmente, inexistindo entidade adequada, admitir-se-á a
internação em seção de estabelecimento destinado a maiores, desde que isolada
destes e com instalações apropriadas, de modo a garantir absoluta incomunica-
bilidade, não podendo ultrapassar o prazo máximo de 10 (dez) dias.
§ 2' Durante o período de internação, inclusive provisória, serão obriga-
tórias atividades pedagógicas.
Art. 109. São direitos do adolescente privado de liberdade, entre ou-
tros, os seguintes:
I - entrevistar-se pessoalmente com o Curador e o Juiz da Infância e
da Juventude;

282
II -peticionar diretamente a qualquer autoridade;
III - avistar-se reservadatnente com seu Defensor;
IV - ser informado de sua situação processual, sempre que solicitado;
V - ser tratado com respeito e dignidade;
VI -permanecer internado na mesma localidade ou naquela mais próxi-
ma ao domicílio de seus pais ou responsável;
VII - receber visitas, ao menos semanalmente;
VIII - corresponder-se livremente com seus familiares e amigos;
IX - ter acesso aos objetos necessários à higiene e asseio pessoal;
X - habitar alojamento em condições adequadas de higiene e salubri-
dade;
XI - receber escolarização e profissionalização adequadas e compatíveis
às suas necessidades;
XII - realizar atividades culturais, esportivas e de lazer;
XIII -ter acesso aos meios de comunicação social;
XIV - receber assistência religiosa, segundo a sua crença;
XV - manter a posse de seus objetos pessoais e dispor de local seguro
para guardá-los, recebendo comprovante daqueles porventura depositados
em poder da entidade;
XVIII - receber, quando de sua desinternação, os documentos pessoais
indispensáveis à vida em sociedade.
§ 1' Em nenhum caso haverá incomunicabilidade.
§ 2° A autoridade judiciária poderá suspender temporariamente a visita
dos pais ou responsável, se existirem motivos sérios e fundados de sua prejudi-
cialidade aos interesses do adolescente.
Art. 110. Os adolescentes portadores de doença ou deficiência mental
receberão tratamento individual e especializado, em local adequado às suas
condições.
Art. 111. É dever do Estado zelar pela integridade física e mental dos
internos, cabendo-lhe adotar as medidas adequadas de contenção e segurança.

CAPÍTULO V
Da Remissão
Art. 112. Antes de iniciado o procedimento judicial para apuração de
ato infracional, o representante do Ministério Público poderá conceder a
remissão, como forma de exclusão do processo, atendendo às circunstâncias
e conseqüências do fato, ao contexto social, bem como à personalidade do
adolescente e sua maior ou menor participação no ato infracional.
Parágrafo único. Iniciado o procedimento, a concessão da remissão,
pela autoridade judiciária, importará na suspensão ou extinção do processo.
Art. 113. A remissão não implica necessariamente no reconhecimento
ou comprovação da responsabilidade, e nem prevalece para efeito de antece-
dentes, podendo incluir eventualmente a aplicação de qualquer das medidas

283
previstas em lei, exceto a colocação em casa de semiliberdade e a internação.
Art. 114. A medida aplicada por força da remissão poderá ser revista
judicialmente, a qualquer tempo, mediante pedido expresso do adolescente
ou de seu representante legal.

TÍTULO III
Das Medidas Pertinentes aos Pais ou Responsável
Art. 115. São medidas aplicáveis aos pais ou responsável:
1 - encaminhamento a programa oficial ou comunitário de promoção
à família;
II -inclusão em programa oficial ou comunitário de auxílio, orientação
e tratamento a alcoólatras e toxicômanos;
III - obrigação de submeter-se a tratamento psicológico ou psiquiátrico;
IV - obrigação de freqüentar cursos ou programas de orientação;
V - obrigação de matricular e acompanhar a freqüência e o aproveita-
mento escolar do filho ou pupilo;
VI - obrigação de submeter a criança ou adolescente a tratamento em
clínica, centro de orientação infanta-juvenil, ou outro estabelecimento especia-
lizado;
VII - advertência;
VIII - multa, obedecido o critério estabelecido no parágrafo único do
art. 99;
IX - perda de guarda;
X - suspensão ou destituição da tutela;
XI - suspensão ou destituição do pátrio poder.
Parágrafo único. As medidas previstas nos incisos X e XI, deste artigo,
somente poderão ser aplicadas nas hipóteses autorizadas na lei civil.
Art. 116. Verificada a hipótese do art. 82, inciso V, desta lei, a autori-
dade judiciária poderá determinar, como medida cautelar, liminar ou inciden-
talmente, o afastamento do agressor da moradia comum, fixando desde logo
o valor da pensão alimentícia.

TÍTULO IV
Do Conselho Tutelar

·li
CAPÍTULO!
Disposições Gerais
Art. 117. O Conselho Tutelar é órgão administrativo, permanente e
autónomo, tendo por finalidade o atendimento dos direitos da criança e do
adolescente.
Art. 118. Em cada Comarca, Foro Regional ou Distrital, haverá no
mínimo um Conselho Tutelar, composto de 5 (cinco) membros, escolhidos

284
e nomeados pelo Conselho Municipal de Defesa da Criança e do Adolescente,
para mandato de 2 (dois) anos, admitida a recondução, obedecidos os seguintes
critérios:
I - 3 (três) membros escolhidos prioritariamente dentre pessoas com
formação universitária nas áreas de educação, saúde, psicologia e serviço
social;
II -1 (um) membro indicado pelas entidades não governamentais de
defesa dos direitos e intere~ses de que cuida esta lei;
III - 1 (um) membro indicado pelas entidades de atendimento a crianças
e adolescentes.
§ 1' Na falta de pessoal qualificado, nos termos deste artigo, a escolha
poderá recair em educadores da rede pública ou particular de ensino, com
experiência mínima de 2 (dois) anos.
§ 2' As entidades a que se referem os incisos II e III deverão estar
em funcionamento há mais de 1 (um) ano.
§ 3' Haverá um suplente para cada conselheiro.
Art. 119. Para o exercício da função de conselheiro são exigidos os
seguintes requisitos:
I - ter reconhecida idoneidade moral;
II - contar com mais de 21 (vinte e um) anos de idade;
III - contar mais de 2 (dois) anos de efetivo exercício na profissão ou
atividade;
IV - residir no município da respectiva lotação.
Art. 120. O local, dia e horário de funcionamento do Conselho Tutelar
serão estabelecidos pelo Conselho Municipal de Defesa da Criança e do Ado-
lescente, comunicadas às autoridades locais.
§ 1' Os Conselhos poderão funcionar em unidades educacionais ou em
outros estabelecimentos adequados, preferencialmente nos bairros e centros
de maior concentração populacional.
§ 2' É obrigatória a realização de plantão em comarca, Foro Regional
ou Distrital com mais de 200.000 (duzentos) mil habitantes.
Art. 121. O exercício efetivo da função de conselheiro constituirá servi-
ço público relevante, estabelecerá presunção de idoneidade moral e assegurará
prisão especial, em caso de crime comum, até julgamento definitivo.

CAPÍTULO II
Das Atribuições do Conselho

Art. 122. São atribuições do Conselho Tutelar:


1 - atender às crianças e adolescentes em situação de risco, aplicando
as medidas previstas no art. 85, incisos Ia VII;
II - atender e aconselhar os pais ou responsável, aplicando as medil:tas
previstas e o art. 115, incisos I a VIII;

285 -
III - promover a execução de suas decisões e resolver os respectivos
incidentes, podendo para tanto:
a) requisitar os serviços públicos responsáveis nas áreas de saúde, educa-
ção, serviço social, previdência, trabalho, registro civil e segurança;
b )ft' representar à autoridade judiciária os casos de descumprimento injusti-
ficado de suas deliberações;
IV -inspecionar delegacias de polícia, presídios, entidades de internação
e acolhimento, e demais estabelecimentos públicos ou privados em que possam
se encontrar crianças e adolescentes;
V - encaminhar ao Ministério Público notícia de fato que constitua infra-
ção administrativa ou penal contra os direitos da criança ou adolescentes;
VI - encaminhar à autoridade judiciária os casos de sua competência;
VII -providenciar a medida de proteção que entender adequada, dentre
as previstas no art. 85, incisos Ia VII, aos adolescentes autores de ato infra-
cional encaminhadas pela autoridade judiciária ou pelo Ministério Público;
VIII - substituir a medida originalmente aplicada por outra que julgar
mais adequada;
IX - expedir notificações.

CAPÍTULO III
Da Competência
Art. 123. Aplica-se ao Conselho Tutelar a regra de competência cons-
tante do artigo 159.

CAPÍTULO IV
Da Escolha dos Conselheiros
Art. 124. O Conselho Municipal de Defesa da Criança e do Adolescente
determinará a abertura de inscrições para a composição do Conselho Tutelar,
publicando edital com o prazo de 30 (trinta) dias, por duas vezes, na imprensa
local, sem prejuízo da expedição de ofícios às entidades a que aludem os
incisos II e III do artigo 118.
§ 1' É obrigatória a abertura de inscrição 3 (três) meses antes do término
do mandato, e sempre que ocorrer a vacância do cargo.
§ 2' O edital deverá especificar as atribuições e a forma de composição
do Conselho Titular, a remuneração de seus membros, os requisitos gerais
e específicos, bem como o prazo de inscrição.
Art. 125. Findo o prazo para inscrições, será designada audiência para
entrevista pessoal, apresentação dos documentos comprobatórios dos requi-
sitos objetivos e análise dos currículos.
Parágrafo único. Inexistindo candidatos em número suficiente, será pu-
blicado novo edital, como observância do § 1' do artigo 118.

286
Art. 126. Concluída a fase de seleção, o Conselho Municipal de Defesa
da Criança e do Adolescente fará a nomeação dos candidatos escolhidos
e respectivos suplentes, dando publicidade do ato pela imprensa local.
Art. 127. Entre o término do prazo para inscrições e a nomeação dos
conselheiros não poderá medear tempo superior a 30 (trinta) dias.
Art. · 128. Se a nomeação recair em funcionário públiCo o presidente
do Conselho Municipal de Defesa da Criança e do Adolescente fará requisição,
que será obrigatoriamente atendida.

CAPÍTULO V
Dos Impedimentos
Art. 129. São impedidos de servir no mesmo Conselho marido e mulher,
ascendentes e descendentes, sogro e genro ou nora, irmãos, cunhados, durante
o cunhadio, tio e sobrinho, padastro ou madrasta e enteado.
Parágrafo único. Estende-se o impedimento do conselheiro, na forma
deste artigo, em relação à autoridade judiciária e ao representante do Minis-
tério Público com atuação na Justiça da Infância e da Juventude, em exercício
na Comarca, Foro Regional ou Distrital.
Art. 130. No exercício da função de conselheiro observar-se-á disposto
no Código de Processo Civil quanto aos motivos de impedimento e de suspeição
pertinentes.ao juiz.

CAPÍTULO VI
Dos Vencimentos
Art. 131. O Conselho Estadual de Defesa da Criança e do Adolescente
poderá fixar remunerações ou gratificações aos membros do Conselho Tutelar,
atendidos os critérios de conveniência e oportunidade e tendo por base o
tempo dedicado à função e as peculiaridades locais.
§ 1' Recaindo a nomeação em funcionário público poderá este optar
pelos vencimentos e vant_agens de seu cargo.
§ 2' Os suplentes quando em efetivo exercício da função de conselheiro
poderão perceber remuneração ou gratificação, proporcional aos dias traba-
lhados.
§ 3' O Conselho Estadual repassará aos Conselhos Municipais de Defe-
sa da Criança e do Adolescente da sede da Comarca, Foro Regional ou
Distrital, mensalmente, até o primeiro dia útil do mês seguinte ao vencido,
as verbas necessárias à remuneração ou gratificação dos membros do Conselho
Tutelar.
CAPÍTULO VII
Do Funcionamento do Conselho
Art. 132. O presidente do Conselho Tutelar será escolhido pelos seus
pares, na primeira sessão anua], cabendo-lhe a presidência das sessões.

287
Parágrafo único. Na falta ou impedimento do presidente assumirá a
presidência, sucessivamente, o conselheiro mais antigo ou mais idoso.
Art. 133. As sessões serão instaladas com o mínimo de 3 (três) conse-
lheiros.
Art. 134. Havendo impossibilidade de comparecimento a qualquer das
sessões, o conselheiro fará prévia e oportuna comunicação ao respectivo su-
plente.
Art. 135. Será destituído de suas funções o conselheiro que se ausentar
injustificadamente a 3 (três) sessões consecutivas ou a 5 (cinco) alternadas.
Ar!. 136 O Conselho atenderá informalmente as partes, mantendo re-
gistro dos casos e das providências adotadas, consignando em ata apenas
o essencial.
Parágrafo único. As decisões serão tomadas por maioria de votos, caben-
do ao presidente o voto de desempate.
Ar!. 137. As decisões do Conselho Tutelar poderão ser revistas pela
autoridade judiciária, a pedido de quem tenha legítimo interesse.

TÍTULO V
Do Acesso à Justiça
CAPÍTULO I
Disposições Gerais
Art. 138. É garantido o acesso de toda criança ou adolescente ao Minis-
tério Público e ao Poder Judiciário, por qualquer de seus órgãos.
§ 1' As ações judiciais que versarem sobre direitos afetos à infância
e à juventude são isentas de custas e emolumentos respectivos, ressalvada
a hipótese de litigância de má-fé.
§ 21> Será devida assistência judiciária gratuita e integral, através de
Defensor Público ou Advogado nomeado, aos que dela necessitarem.
Ar!. 139. Os menores de 16 (dezesseis) anos serão representados e
os maiores de 16 (dezesseis) e menores de 21 (vinte e um) anos assistidos
por seus pais, tutores ou curadores, na forma da legislação civil ou processual.
Parágrafo único. A autoridade judiciária dará curador especial à criança
ou adole~cente sempre que os interesses deste colidirem com os de seus pais
ou responsável, ou quando carecer de representação ou assistência legal,
ainda que eventual.
Art. 140. É vedada a divulgação de atos judiciais, policiais e adminis-
trativos que digam respeito a crianças e adolescentes.
§ l 9 A referência à criança ou adolescente nos editais de citação far-se-á
exclusivamente pelas iniciais de seu nome.

288
!

1
1
§ 2° A notícia que se publique a respeito de criança ou adolescente
a que se atribua a prática de ato infracional não o poderá identificar, vedando-se
fotografia, referência a nome, apelido, filiação, parentesco e residência.
Art. 141. A expedição de cópia ou certidão de atos a que se refere
o artigo anterior somente será deferida pela autoridade judiciária competente
se desmonstrado o interesse.e justificada a finalidade.

CAPÍTULO II
Da Justiça da Infância e da Juventude
SEÇÃO!
Disposições Gerais
Art. 142. Os Estados e o Distrito Federal, considerando a atenção prio-
ritária à infância e à juventude, criarão Juízos Especializados e Exclusivas
para atendimento à criança e ao adolescente, em proporção nunca inferior
a um Juízo para cada 300.000 (trezentos mil) habitantes, cabendo ao Poder
Judiciário dotá-los de toda a infra-estrutura necessária e, inclusive, dos serviços
auxiliares de que trata este Capítulo.
Parágrafo único. Os Juízos a que se refere este artigo deverão ser insta-
lados no prazo máximo de 1 (um) ano, contado de sua criação.

SEÇÃO II
Do Juiz
Art. 143. A autoridade judiciária a que se refere esta lei será o Juiz
de Infância e da Juventude, ou o Juiz que exerça essa função, na forma
das Leis de Organização Judiciária, cabendo o exercício da jurisdição, em
segundo grau, a Câmara Especializada do Tribunal de Justiça.
§ 1' É obrigatória a especialização em comarcas cujo número de habi-
tantes for igual ou superior ao estipulado no art. 142. ·
§ 2' Somente poderá concorrer a vaga em cargo de titular em Vara
Especializada juiz que comprove freqüência e aproveitamento em curso de
especialização, oficiais ou reconhecidos.
Art. 144. O Poder Judiciário promoverá cursos de especialização para
juízes e servidores, versando, dentre outras matérias, sobre direito, crimino-
logia, sociologia, psicologia, pedagogia, bem como sobre a estrutura e funcio-
namento das políticas sociais relativas à criança e ao adolescente.

SEÇÃO III
Dos Serviços Auxiliares
Art. 145. As Varas Especializadas da Infância e da Juventude, além
dos auxiliares da Justiça a que se referem os Códigos de Processo Civil e

289
Penal e as normas de organização judiciária, deverão contar com equipe
interprofissional e agentes de proteção da infância e da juventude.

SUBSEÇÃO I
Da Equipe lnterprofissional
Art. 146. A equipe interprofissional será composta basicamente por
assistente social e psicólogo, podendo, sempre que possível, ser integrada
por profissionais das áreas de psiquiatria e pedagogia, entre outros.
Art. 147. Compete à equipe interprofissional, dentre outras atribuições
que lhe forem reservadas pela legislação local, fornecer subsídios por escrito,
mediante laudos, ou verbalmente, na audiência, e bem assim desenvolver
trabalhos de aconselhamento, orientação, encaminhamento, prevenção e ou-
tros, tudo sob a imediata subordinação à autoridade judiciária, assegurada
a livre manifestação do ponto de vista técnico.

SUBSEÇÃO II
Dos Agentes de Proteção da Infância e da Juventude
Art. 148. Aos agentes de proteção da infância e da juventude incumbirá
exercer as atividades que lhes forem atribuídas pela autoridade judiciária,
podendo compor quadro próprio da Administração ou corpo de voluntários
nomeados pela autoridade judiciária, a título gratuito, dentre pessoas idôneas,
de ilibada conduta moral e social, ouvido o Ministério Público, nos termos
do que dispuser a legislação local.
§ 1' A escolha dos agentes recairá preferencialmente em educadores,
trabalhadores sociais e pessoas ligadas a entidades de proteção e defesa dos
direitos da criança e do adolescente.
§ 2' É vedado ao agente de proteção:
I -portar arma no exercício de suas funções, ainda que detentor de
porte individual;
II - usar brasões ou insígnias.

CAPÍTULO III
Do Ministério Público
':! Art. 149. As funções do Ministério Público, previstas nesta lei, serão
exercidas pelo Promotor de Justiça Curador da Infância e da Juventude,
ou quem suas vezes fizer, ressalvadas as atribuições dos órgãos superiores,
nos termos da respectiva Lei Orgânica.
Parágrafo único. Aplicam-se ao Ministério Público, no que couber, as
disposições constantes da Seção II, do Capítulo II, deste Título.
Att. 150. São atribuições do Ministério Público:

290
I - conceder a remissão como forma de exclusão do processo;
II - promover e acompanhar os procedimentos relativos às infrações
atribuídas a adolescentes;
III - promover e acompanhar as ações de alimentos e os procedimentos
de suspensão e destituição do pátrio poder, nomeação e retnoção de tutores,
curadores e guardiães, bem como oficiar em todos os demais procedimentos
da competência da Justiça da Infância e da Juventude.
IV -promover, de ofício ou por solicitação dos interessados, a especia-
lização e a inscrição de hipoteca legal e a prestação de contas ·dos tutores,
curadores e quaisquer administradores de bens de crianças e adolescentes
em situação de risco;
V - promover o inquérito civil e a ação civil pública para a proteção
dos interesses individuais, difusos e coletivos relativos à infância e à adoles-
cência;
VI - instaurar procedimentos administrativos e, para instruí-los:
a) expedir notificações para colher depoimentos ou esclarecimentos e,
em caso de não comparecimento injustificado, requisitar condução coercitiva,
inclusive pela Polícia Civil ou Militar;
b) requisitar informações, exames, perícias e documentos de autoridades
municipais, estaduais e federais, da administração direta ou indireta, bem
como promover inspeções e diligências investigatórias;
e) requisitar informações e documentos a particulares e instituições priva-
das;
VII - instaurar sindicâncias, requisitar diligências investigatórias e deter-
minar a instauração de inquérito policial, para apuração de ilícitos ou infrações
às normas de proteção à infância e à juventude;
VIII - zelar pelo efetivo respeito aos direitos e garantias legais assegu-
rados às crianças e adolescentes, promovendo as medidas judiciais e extraju-
diciais cabíveis;
IX - impetrar mandado de segurança, de injunção e habeas corpus, em
qualquer Juízo, Instância ou Tribunal, na defesa dos interesses sociais e indivi-
duais indisponíveis afetos à criança e ao adolescente;
X - representar ao Juízo visando à aplicação de penalidade por infrações
cometidas contras as normas de proteção à infância e à juventude, sem prejuízo
da promoção da responsabilidade civil e penal do infrator, quando cabível;
XI - inspecionar as entidades públicas e particulares e os programas
de atendimento de que trata esta lei, adotando de pronto as medidas adminis-
trativas ou judiciais necessárias à remoção de irregularidades porventura verifi ..
cadas;
XII - requisitar força policial, bem como a colaboração dos serviços
médicos, hospitalares, educacionais e de assistência social, públicos ou priva-
dos, para o desempenho de suas atribuições.

291
§ l •' A legitimação do Ministério Público para as ações civis previstas
neste artigo não impede a de terceiros, nas mesmas hipóteses, segundo dispu-
serem a Constituição e esta Lei.
§ 2• A enumeração constante deste artigo não exclui a atribuição de
outras funções, desde que compatíveis com a finalidade do Ministério Público.
§ 3• O representante do Ministério Público, no exercício de suas fim-
ções, terá livre acesso a todo local onde se encontre criança ou adolescente.
§ 4• O representante do Ministério Público será responsável pelo uso
indevido das informações e documentos que requisitar, nas hipóteses legais
de sigilo.
§ 5• Para o exercício da atribuição de que trata o inciso VIII, deste
artigo, poderá o representante do Ministério Público:
1 - reduzir a termo as declarações do reclamante, instaurando o compe-
tente procedimento, sob sua presidência;
II - entender-se diretamente com a pessoa ou autoridade reclamada,
em dia, local e horário previamente notificados ou acertados;
III - efetuar recomendações visando à melhoria dos serviços públicos
e de relevância pública afetos à criança e ao adolescente, fixando prazo razoável
para sua perfeita adequação.
Art. 151. Nos processos e procedimentos em que não for parte, atuará
obrigatoriamente o Ministério Público na defesa dos direitos e interesses de
que cuida esta lei, hipótese em que terá vista dos autos depois das partes,
podendo juntar documentos e requerer diligências, usando dos recursos cabí-
veis.
Art. 152. A intimação do Ministério Público, em qualquer caso, será
feita pessoalmente.
Art. 153. A falta de intervenção do Ministério Público acarreta a nulida-
de do feito, que será declarada de ofício pelo juiz ou a requerimento de
qualquer interessado.
Art. 154. As manifestações processuais do representante do Ministério
Público deverão ser fundamentadas.
Parágrafo único. Em se tratando de remissão, o representante do Minis-
tério Público poderá valer-se de breve resumo.
CAPÍTULO IV
Do Advogado
Art. 155. A criança ou o adolescente, seus pais ou responsável, e qual-
quer pessoa que tenha legítimo interesse na solução da lide, poderão intervir
nos procedimentos de que trata esta lei, através de advogado, o qual será
intimado para todos os atos, pessoalmente ou por publicação oficial, respeitado
o segredo de Justiça.
Parágrafo único. Aqueles que comprovarem insuficiência de recursos,
será prestada assistência judiciária integral e gratuita.

292
Art. 156. Nenhum adolescente a quem se atribua a prática de ato infra-
cional, ainda que ausente ou foragido, será processado sem defensor, obser-
vado o disposto no art. 94, inciso III.
§ 1' Se o adolescente não o tiver, ser-lhe-á nomeado defensor pelo
juiz, ressalvado o direito de, a todo tempo, constituir outro de sua confiança.
§ 2' A ausência do defensor não determinará o adiamento de nenhum
ato do processo, devendo o juiz nomear substituto, ainda que provisoriamente
ou para o só efeito do ato.
§ 3, Será dispensada a outorga de mandato quando se tratar de defensor
nomeado ou, sendo constituído, tiver sido indicado por ocasião de ato formal
com a presença da autoridade judiciária.

CAPÍTULO V
Do Processo na Justiça da Infância e da Juventude
SEÇÃO I
Disposições Gerais
Art. 157. Aplicam-se subsidiariamente as normas gerais previstas na
legislação processual pertinente aos procedimentos a que alude esta lei.

SEÇÃO II
Da Competência

Art. 158. A competência será determinada:


I - pelo domicílio dos pais ou responsável;
II - pelo lugar onde se encontre a criança ou adolescente, à falta dos
pais ou responsável.
§ 1° Nos casos de ato infracional será competente a autoridade do lugar
da ação ou omissão, observadas as regras de conexão, continência e prevenção.
§ 2° A execução das medidas poderá ser delegada à autoridade compe-
tente da residência dos pais ou responsável, ou do local onde sediar-se a
entidade que abrigar a criança ou adolescente.
Art. 159. A Justiça da Infância e da Juventude é competente para:
I - conhecer de representações promovidas pelo Ministério Público, para
apuração de ato infracional atribuído a adolescente, aplicando as medidas
cabíveis;
II - conceder a remissão, como forma de suspensão ou extinção do pro-
cesso;
III - conhecer de pedidos de adoção e seus incidentes;
IV - conhecer de ações civis fundadas em interesses individuais, difusos
ou coletivos afetos à criança e ao adolescente, observado o disposto no art.
161;

293
V - conhecer de ações decorrentes da responsabilidade civil dos dirigen-
tes de entidades e programas;
VI - conhecer de casos de situação de risco encaminhados pelo Conselho
Tutelar ,,,aplicando as medidas cabíveis;
VII-rever as decisões do Conselho Tutelar, quando provocado por
quem tenha legítimo interesse.
Parágrafo único. Quando se tratar de criança ou adolescente em situação
de risco, é também competente a Justiça da Infância e da Juventude para
o fim de:
I - conhecer de pedidos de guarda e tutela;
II - conhecer de ações de destituição do pátrio poder, perda ou modifi-
cação da tutela ou guarda;
III - suprir a capacidade ou o consentimento para o casamento;
IV - conhecer de pedidos baseados em discordância, paterna ou materna,
em relação ao exercício do pátrio poder;
V - conceder a emancipação, nos termos da Lei Civil, quando faltarem
os pais;
VI - designar curador especial em casos de apresentação de queixa ou
representaç.ão, ou de outros proceditnentos judiciais ou extrajudiciais em que
haja interesses de criança ou adolescente;
VII - conhecer de ações de alimentos.
Art. 160. Compete à autoridade judiciária disciplinar, através de porta-
ria, ou autorizar, mediante alvará:
1 - a entrada e a permanência de criança ou adolescente, desacompa-
nhado dos pais ou responsável, em:
a) estádio, ginásio e campo desportivo;
b) bailes ou promoções dançantes;
e) boate, salão de bilhar, sinuca, boliche, bocha ou congêneres;
d) casa que explore comercialmente diversões eletrônicas;
e) estúdios cinematográficos de teatro, rádio e televisão;
II - a participação de criança e adolescente em:
a) espetáculos públicos e seus ensaios;
b) certames de beleza;
e) jogos e competições esportivas;
d) festividades públicas.
§ 1' Para os fins do disposto neste artigo, a autoridade judiciária levará
em conta, dentre outros fatores:
,1
a) os princípios desta Lei;
;·j,, b) as peculiaridades locais;
!f e) a existência de instalações adequadas;
d) o tipo de freqüência habitual ao local;
e) a localização em lugar apropriado, observando-se quanto às diversões
distância nunca inferior a 500 (quinhentos) metros de estabelecimentos de
ensino;

294
f) a adequação do ambiente a eventual participação ou freqüência de
crianças e adolescentes;
g) a natureza do espetáculo.
§ 2•' As medidas adotadas na conformidade deste artigo deverão ser
fundamentadas, caso a caso, vedadas as determinações de caráter geral. ·

SEÇÃO III
Dos Procedimentos

Art. 161. As leis dos Estados e do Distrito Federal estabelecerão os


procedimentos necessários à execução desta lei, observadas as peculiaridades
locais e os princípios de celeridade, oralidade, contraditório e ampla defesa.

SEÇÃO IV
Dos Recursos
Art. 162. Nos procedimentos afetos à Justiça da Infância e da Juventude
fica adotado o sistema recursai do Código de Processo Civil, aprovado pela
Lei n' 5'.869, de 11 de janeiro de 1973, e suas alterações posteriores, ressalvadas
as exceções previstas nesta lei.
Art. 163. Caberá recurso administrativo sem efeito suspensivo, dos atos
e decisões expedidas com base no artigo 157, no prazo de 10 (dez) dias,
contados da publicação da portaria ou da intimação da decisão.
§ 1"' As razões serão oferecidas com o recurso, ouvindo-se a· parte recor-
rida no prazo de 5 (cinco) dias.
§ 2' Colhida a manifestação do Ministério Público, em 5 (cinco) dias,
a autoridade judiciária manterá ou reformará a decisão recorrida, em igual
prazo, mediante despacho fundamentado.
§ 3~ Mantida a deCisão, a autoridade judiciária retnetcrá os autos à
jurisdição superior no prazo de 24 (vinte e quatro) horas. Se a reformar,
as partes e o Ministério Público poderão requerer, em igual prazo, o segui-
mento do recurso.

CAPÍTULO VI

Da Proteção Judicial dos Interesses Individuais


Difusos e Coletivos
Art. 164. Regem-se pelas disposições desta lei as ações de responsa-
bilidade por ofensa aos direitos assegurados à criança e ao adolescente refe-
rentes ao não oferecimento ou sua oferta irregular:
I - do ensino obrigatõrio;

295
II -de atendimento educacional especializado aos portadores de defi-
ciência;
III - de atendimento em creche e pré-escola às crianças de zero a seis
anos de idade;
IV -de ensino noturno regular, adequado às condições do educando;
V - de programas suplementares de material didático-escolar, transporte
e assistência à saúde do educando do ensino fundamental;
VI - de serviço de aSsistência social visando a proteção à famflia, à
inaternidade, à infância e à adolescência, bem como o amparo às crianças
e adolescentes que dele necessitem;
VII - de acesso às ações e serviços de saúde;
VIII - de escolaridade e profissionalização adequadas e compatíveis às
necessidades dos adolescentes privados de liberdade.
Parágrafo único. As hipóteses previstas neste artigo não excluem da prote-
ção judicial outros interesses individuais, difusos e coletivos próprios da infân-
cia e da juventude, protegidos na Constituição e nas leis.
Art. 165. As ações previstas nesta Capítulo serão propostas no foro
do local onde ocorreu ou deva ocorrer a ação ou omissão, cujo juízo terá
competência absoluta para processar a causa, ressalvadas a competência da
Justiça Federal e a competência originária dos Tribunais Superiores.
Art. 166. Para as ações civis fundadas em interesses coletivos ou difusos,
consideram-se legitimados concorrentemente:
I - o Ministério Público;
II - a União, os Estados, os Municípios, o Distrito Federal e os Terri-
tórios;
III - as associações legalmente constituídas há pelo menos 1 (um) ano
e que incluam entre seus fins institucionais a defesa dos interesses e direitos
protegidos por esta lei, dispensada a autorização assemblear, se houver prévia
autorização estatutária.
§ l 9. Admitir-se-á 1itisconsórcio facultativo entre os Ministérios Públicos
da União e dos Estados na defesa dos interesses e direitos de que cuida
esta lei.
§ 2'Em caso de desistência ou abandono da ação por associação legiti-
mada, o Ministério Público ou outro legitimado poderá assumir a titularidade
ativa.
Art. 167. Os órgãos públicos legitimados poderão tomar dos interes-
sados conipromisso de ajustamento de sua conduta às exigências legais, me-
diante cominações que terão eficácia de título executivo extrajudicial.
Art. 168. Para a defesa dos direitos e interesses protegidos por esta
lei são admissíveis todas as espécies de ações pertinentes.
§ 1' Aplicam-se às ações previstas neste Capítulo as normas do Código
de Processo Civil.

296
§ 2' Contra atos ilegais ou abusivos de autoridade pública ou agente
de pessoa jurídica no exercício de atribuições do Poder Público, que lesem
direito líquido e certo previsto nesta lei, caberá ação mandamental, que reger-
se-á pelas normas da lei do mandado de segurança.
Art. 169. Na ação que t~nha por objeto o cumprimento de obrigação
de fazer ou não fazer, o juiz concederá a tutela específica da obrigação ou
determinará providências que assegurem o resultado prático equivalente ao
do adimplemento. ,
§ 1° Sendo relevante o fundamento da demanda e havendo justificado
receio de ineficácia do provimento final, é lícito ao juiz conceder a tutela
liminarmente ou após justificação prévia, citando o réu.
§ 2° O juiz poderá, na hipótese do parágrafo anterior ou na sentença,
impor multa diária ao réu, independentemente de pedido do autor, se for
suficiente ou compatível com a obrigação, fixando prazo razoável para o
cumprimento do preceito.
§ 3' A multa só será exigível do réu após o trânsito em julgado da
decisão favorável ao autor, mas será devida desde o dia em que se houver
configurado o descumprimento.
Art. 170. Os valores das multas reverterão ao fundo gerido pelo Conse-
lho de Defesa da Criança e do Adolescente do respectivo município.
Parágrafo único. Enquanto o fundo não for regulamentado, o dinheiro
ficará depositado em estabelecimento oficial de crédito, em conta com correção
monetária.
Art. 171. O juiz poderá conferir efeito suspensivo aos recursos, para
evitar dano irreparável à parte.
Art. 172. Transitada em julgado a sentença que impuser condenação
ao Poder Público, o juiz determinará remessa de peças à autoridade compe-
tente, para apuração da responsabilidade civil e administrativa do agente
a que se atribua a ação ou omissão.
Art. 173. Decorridos 60 (sessenta) dias de trânsito em julgado da sen-
tença condenatória, sem que a associação autora lhe promova a execução,
deverá fazê-lo o Ministério Público facultada igual iniciativa aos demais legiti-
mados.
Art. 174. O juiz condenará a associação autora a pagar ao réu os.honorá-
rios advocatícios arbitrados na conformidade do § 4' do artigo 20 da Lei
n' 5.869, de 11 de janeiro de 1973, Código de Processo Civil, quando reconhecer
que a pretensão é manifestamente infundada.
Parágrafo único. Em caso de litigância de má-fé a associação autora
e os diretores responsáveis pela propositura da ação serão solidariamente
condenados ao décuplo das custas, sem prejuízo de responsabilidade por perdas
e danos.
Art. 175. Nas ações de que trata este Capítulo não haverá adiantamento
de custas, emolumentos, honorários periciais e quaisquer outras despesas.

297
1:111

'li,
Art. 176. Qualquer pessoa poderá e o servidor público deverá provocar
a iniciativa do Ministério Público, 1ninistrando-lhe informações sobre fatos
111:',1.
que constituam objeto da ação civil e indicando-lhe os elementos de convicção.
Art. 177. Se, no exercício çie suas funções, os juízes e tribunais tiveram
j:I conhecimento de fatos que possam ensejar a propositura de ação civil, reme-
1
terão peças ao Ministério Público para as providências cabíveis.
Art. 178. Para instruir a inicial o interessado poderá requerer às autori-
dades cotnpetentes as certidões e informações que julgar necessárias, a serem
fornecidas no prazo de 15 (quinze) dias.
Art. 179. O Ministério Público poderá instaurar, sob sua presidência,
inquérito civil, ou requisitar, de qualquer pessoa, organismo público ou particu-
lar, certidões, informações, exames ou perícias, no prazo que assinalar, o
qual poderá ser inferior a 10 (dez) dias úteis.
§ 1' Se o órgão do Ministério Público, esgotadas todas as diligências,
se convencer da inexistência de fundamento para a propositura da ação civil,
promoverá o arquivamento dos autos do inquérito civil ou das peças informa-
tivas, fazendo-o fundamentadamente.
§ 2" Os autos do inquérito civil ou das peças de informação arquivadas
serão remetidos, sob pena de se incorrer em falta grave, no prazo de 3 (três)
dias, ao Conselho Superior do Ministério Público.
§ 3' Até que, em sessão do Conselho Superior do Ministério Público,
seja homologada ou rejeitada a promoção de arquivamento, poderão as asso-
i· !
ciações legitimadas apresentar razões escritas ou documentos, que serão junta-
dos aos autos do inquérito ou anexados. às peças de informação.
§ 4' A promoção de arquivamento será submetida a exame e deliberação
,!I do Conselho Superior do Ministério Público conforme dispuser o seu Regi-
11, mento.
§ 5'' Deixando o Conselho Superior de homologar a promoção de arqui-
;1,
vamento, designará, desde logo, outro órgão do Ministério Público para o
ajuizamento da ação.
Art. 180. Aplicam-se subsidiariamente, no que couber, as disposições
da Lei n' 7.347, de 24 de julho de 1985.

., TÍTULO VI
1'·,
Da Política de Atendimento
·:1
CAPÍTULO I
Disposições Gerais
Art. 181. A política de atendimento dos direitos da criança e do adoles-
cente far-se-á através de um conjunto de medidas governamentais e não gover-
namentais, a nível da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos· Municípios.
Art. 182. As necessidades da criança e do adolescente deverão ser asse-
guradas através de:

298
I - políticas sociais básicas;
II -políticas e programas de assistência social, em caráter supletivo,
para aqueles que deles necessitem;
III - serviços especiais de prevenção e atendimento médico e psico-social
às vítimas de negligência, maus-tratos, exploração, abuso, crueldade e opres-
são;
IV - proteção jurídico-social por entidades da sociedade civil de defesa
dos direitos das crianças e adolescentes.
Parágrafo único. Entende-se por políticas sociais básicas educação, saú-
de e outras que são direitos de todos e dever do Estado.
Art. 183. A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios
contarão cada qual com uma fundação de direito privado, regida pelo Código
Civil e observadas as normas de organização previstas nesta lei, para proteção
e defesa da criança e do adolescente, assegurada a participação da comunidade,
na forma do artigo 204, inciso II, da Constituição Federal.
Parágrafo único. As fundações manterão um fundo e uma coordenação
executiva, subordinadas aos conselhos curadores, denominados Conselhos Na-
cional, Estadual e Municipal de Defesa da Criança e do Adolescente.

CAPÍTULO II
Do Instituto Nacional da Infância
e da Adolescência (INAIA)
Art. 184. Fica criada, na esfera federal, a Fundação Instituto Nacional
de Infância e da Adolescência - INAIA, nos termos do art. 184, com autono-
mia política, administrativa, técnica e financeira, que constará de um fundo
e de uma coordenação executiva, subordinados ao Conselho Nacional de
Defesa da Criança e do Adolescente.
Art. 185. São objetivos do INAIA:
I- promover e apoiar estudos, pesquisas e estatísticas;
II - promover e apoiar o planejamento e a produção de material educa-
tivo para programas de proteção e defesa de direitos;
III - propiciar a formação, treinamento e aperfeiçoamento de pessoal
dirigente, técnico e auxiliar dos programas de atendimento;
IV - opinar na elaboração de leis e na formulação de programas espe-
cíficos;
V - conscientizar e mobilizar a opinião pública no sentido da indispen-
sável participação dos diversos segmentos da sociedade nessa proteção;
VI - propiciar assistência técnica aos órgãos governamentais estaduais
e municipais, bem como aos não-governamentais de atuação nacional e esta-
dual;
VII - gerir o fundo nacional para a infância e adolescência, captando
recursos, ad1ninistrando-os e promovendo sua aplicação.

299
Ili
Art. 186. O Conselho Nacional é de 16 (dezesseis) membros, assim
,,il
distribuídos:
I-1 (um) representante do Ministério da Educação;
II -1 (um) representante do Ministério da Saúde;
III-1 (um) representante do Ministério do Trabalho;
IV -1 (um) representante do Ministério da Previdência Social;
V -1 (um) representante do Ministério da Justiça;
VI - 1 (um) representante do Ministério da Fazenda;
VII -1 (um) representante da Secretaria do Planejamento;
VIII -1 (um) representante do Instituto Brasileiro de Geografia e Esta-
tística - IBGE;
IX -4 (quatro) pessoas de atuação expressiva no campo da defesa dos
direitos da criança e do adolescente, escolhidas e nomeadas pelo próprio
Conselho;
X-3 (três) pessoas de entidades não-governamentais de defesa da crian-
ça e do adolescente, de âmbito nacional, escolhidas e nomeadas pelo próprio
Conselho;
XI -1 (uma) pessoa de entidade privada de atendimento à criança e
ao adolescente, de âmbito nacional, escolhida e nomeada pelo próprio Con-
selho.
§ 1' A nomeação dos membros do Conselho compreenderá a dos respec-
tivos suplentes.
§ 2\l Os membros do Conselho e os respectivos suplentes exercerão
mandato de 2 (dois) e 3 (três) anos, na forma dos estatutos da fundação,
admitindo-se a renovação apenas por uma vez e por igual período.
§ 30 Os membros do Conselho e, quando convocados seus suplentes,
farão jus a gratificação por sessão a que comparecerem, acrescida, para os
que residirem fora do Distrito Federal, de quantia correspondente a diária
e despesa de transporte, na forma estabelecida e1n seu regimento interno.
§ 4•' Nos casos de extinção de entidade representada e de desistência
ou perda de seu direito de representação, caberá ao Conselho indicar por
maioria absoluta de seus membros, outra que a substitua.
§ 59 Ocorrendo vacância no cargo de conselheiro e respectivo suplente,
será procedida nova escolha, na forma prevista nesta Lei, para cumprimento
do período restante do mandato.
§ 6° Os membros do Conselho exercerão suas funções em caráter pessoal
e sob sua inteira responsabilidade, consideradas essas funções de interesse
público relevante.
§ 7? Os conselheiros representantes dos ministérios serão indicados para
designação pelo Conselho, em lista triplice, pelos respectivos Ministros, no
prazo de 10 (dez) dias contados da solicitação, sob pena de responsabilidade.
Art. 187. São atribuições do Conselho Nacional:
1 !

'1 300
I - formular a política de defesa e proteção da criança e adolescente,
nos termos deste Estatuto, fundada nos preceitos expressos no artigo 227,
assim como nos artigos 203 e 204, da Constituição Federal;
II - elaborar seu regimento interno;
III - escolher e nomear os conselheiros e respectivos suplentes;
IV__: fixar os critérios gerais e específicos para em exercício financeiro
para captação, administração e aplicação de recursos do fundo nacional;
V - aprovar os planos de trabalho apresentados pela coordenação nacio-
nal, zelar pela sua execução, e acompanhar a avaliação dos resultados;
VI - aprovar repasses de recursos;
VII - compor o quadro de pessoal da fundaçáo, bem como nomear
o coordenador executivo e o gestor do fundo.
Art. 188. O patrimônio da fundação será constituído de:
I -doações dos contribuintes do imposto de renda, na forma do artigo
193;
II - dotação consignada anualmente no orçamento da União, assegurado
3% (três por cento) dos 18% (dezoito por cento) atribuídos à educação,
na forma do art. 212 da Constituição Federal;
III - bens e direitos que lhe sejam doados por entidades interessadas
em seus objetivos;
IV - doações, auxílios e contribuições e legados que lhe venham a ser
feitas;
V - bens que vier a adquirir a qualquer título;
VI - rendas eventuais, inclusive as resultantes de depósitos e aplicações
de capitais, bem assim a de prestação de serviços.
Art. 189. Ao coordenador executivo competirá subsidiar o Conselho
Nacional e, com autorização deste:
I - promover estudos, levantamento e pesquisas que possibilitem a ade-
quada promoção da criança e do adolescente em território nacional;
II -identificar, registrar e difundir programas bem sucedidos de atendi-
mento;
III - desenvolver a capacitação de pessoal técnico e administrativo, me-
diante treinamento e aperfeiçoamento;
IV - estudar e emitir parecer sobre os pedidos de verbas;
V - prestar assistência técnic3;
VI -desenvolver mobilização nacional destinada a motivar a sociedade
no sentido de sua indispensável participação na promoção da criança e do
adolescente.
Art. 190. O regime jurídico do pessoal da Fundação, inclusive coorde-
nador executivo e gestor do fundo, será o da legislação trabalhista, ficando-lhes
vedada a aplicação dos preceitos de leis que concedem complementação,
pela União, ~as aposentadorias, pensões e quaisquer outras vantagens.

301
Art. 191. Poderão ser postos à disposição da Fundação, por solicitação
do Conselho, servidores da Administração direta e indireta, que exercerão
opção em relação ao sistema de remuneração e vautagens.
Parágrafo único. Os servidores postos à disposição da Fundação, nos
termos deste artigo, para nele exercerem funções sob o regime da legislação
trabalhista, terão tempo de serviço contado para fins de aposentadoria e
disponibilidade.

CAPÍTULO III
Da Política Estadual e Municipal de Ateudimento
Dos Direitos da Criança e do Adolescente
Art. 192. São diretrizes da política de atendimento, através de seus
órgãos:
I - no âmbito estadual:
a) coordenar a adequação deste Estatuto ao contexto da unidade fede-
rada;
b) estabelecer as prioridades com base em estudos, pesquisas e estatísticas
especializadas;
e) propiciar a formação de pessoal dirigente, técnico e auxiliar para os
órgãos regionais e municipais, bem como para as entidades não-governa-
mentais;
d) desenvolver a cooperação técnica e financeira com os municípios;
e) suprir o município ou conjunto de municípios a pedido dos mesmos
com programas especiais de atendimento em caráter supletivo;
f) fazer a gestão do fundo estadual, captando recursos, administrando-os
e promovendo sua aplicação, segundo critérios fundados nas alíneas a e b;
II~ no âmbito 1nunicipal:
a) traçar e implementar a política municipal de defesa e proteção com
base em estudos, pesquisas e estatísticas especializadas;
b) apoiar técnica e financeiramente as entidades governamentais e não-
governamentais de atendimento aos direitos da criança e do adolescente;
e) sensibilizar, conscientizar e mobilizar a comunidade municipal acerca
da promoção e defesa dos direitos da criança e do adolescente;
d) previnir situações que coloquem em risco os direitos protegidos por
este Estatuto.

CAPÍTULO IV
Das Doações Subsidiadas
Art. 193. Os contribuintes do Imposto de Renda poderão abater da
renda bruta 100% (cem por cento) do valor de doações feitas às Fundações
Nacional, Estadual ou Municipal da Infância e da Adolescência, observado
o seguinte:
I - limite de 10% (dez por cento) da renda bruta para pessoa física;

302
II-limite de 5% (cinco por cento) da renda bruta para pessoa jurídica.
Parágrafo único. As deduções a que se refere este artigo não estão
sujeitas a outros limites estabelecidos na legislação do Imposto de Renda,
nem excluem ou reduzem outros benefícios ou abatimentos e deduções em
vigor, de maneira especial as doações de utilidade pública.
Art. 194. Os fundos donatários fixarão critérios de utilização das doa-
ções subsidiadas, aplicando necessariamente percentual para incentivo ao aco-
lhimento, sob a forma de guarda, de criança ou adolescente órfão ou abando-
nado, na forma do disposto no artigo 227, § 3•, inciso VI, da Constituição
Federal.

CAPÍTULO V
Das Entidades de Atendimento

SEÇÃO I
Disposições Gerais

Art. 195. As entidades de atendimento são responsáveis pela manu-


tenção de unidades, estruturação e execução de programas protetivos e sócio-e-
ducativos destinados a crianças e adolescentes, em regime de:
I __..__Orientação e apoio sócio-familiar;
II - apoio sócio-educativo em meio aberto;
III - colocação familiar;
IV - acolhimento;
V - liberdade assistida;
VI- semiliberdade;
VII - internação.
Parágrafo único. As entidades governamentais e não governamentais
deverão proceder a inscrição de seus programas, especificando os regimes
de atendimento, na forma definida neste artigo, junto ao Conselho Municipal
de Defesa da Criança e do Adolescente, o qual manterá registro de inscrições
e de suas alterações, comunicando ao Conselho Tutelar e à autoridade judi-
ciária.
Art. 196. As entidades não governamentais somente poderão funcionar
depois de registradas no Conselho Municipal de Defesa da Criança e do
Adolescente, o qual comunicará o registro ao Conselho Tutelar e à autoridade
judiciária da respectiva localidade.
Parágrafo único. Será negado registro à entidade que:
I - não ofereça instalações físicas em condições adequadas de habitabi-
lidade, higiene, salubridade e segurança;
II - não apresente plano de trabalho compatível com os princípios deste
Estatuto;
III - esteja irregularmente constituída;
IV - tenha em seus quadros pessoas inidõneas.

303
Art. 197. As entidades que desenvolvam programas de acolhimento
deverão incorporar os seguintes princípios:
I - preservação dos vínculos familiares;
II - integração em família substituta, quando esgotados os recursos de
manutenção na própria família de origem;
III - atendimento personalizado e em pequenos grupos;
IV - desenvolvimento de atividades em regime de co-educação;
V - não desmembramento de grupos de irmãos;
VI - evitar, sempre ql}e possível, a transferência para outras entidades
de crianças e adolescentes acolhidos;
VII -participação na vida da comunidade local;
VIII-preparação gradativa para o desligamento;
IX-participação de pessoas da comunidade no processo educativo;
X - consideração dos educandos como sujeitos e agentes de seu próprio
processo educativo.
Parágrafo único. O dirigente de entidade de acolhimento é equiparado
ao guárdião, para todos os efeitos de direito.
Art. 198. As entidades governamentais e não governamentais, de aco-
lhimento e de internação, têm as seguintes obrigações, entre outras:
I - observar os direitos e garantias de que são titulares as crianças e
adolescentes;
II - não restringir nenhum direito que não tenha sido objeto de restrição
na decisão de acolhimento ou internação;
III - providenciar os documentos necessários ao exercício da cidadania
àqueles que não os tiverem;
IV - preservar a identidade e oferecer ambiente de respeito e dignidade
à criança ou adolescente;
V - diligenciar no sentido do restabelecimento e da preservação dos
vínculos familiares;
VI - comunicar à autoridade judiciária, periodicamente, os casos em
que se moStre invjável ou impossível o reatamento dos vínculos familiares;
VII - oferecer instalações físicas em condições adequadas de habitali-
dade, higiene, salubridade e segurança;
VIII - oferecer vestuário e alimentação suficientes e adequados à faixa
etária das crianças e adolescentes atendidos;
IX -fornecer os objetos necessários à higiene e asseio pessoal;
X-: oferecer cuidados médicos, psicólogicos, odontólogicos e far1nacêu-
ticos;
XI - propiciar escolarização e profissionalização, preferencialmente utili-
zando os recursos da comunidade;
XII - propiciar atividades culturais, esportivas e de lazer;
XIII-propiciar assistência religiosa àqueles que desejarem e de acordo
com suas crenças;

304
XIV ~proceder a estudo social e pessoal do caso;
XV-reavaliar periodicamente o caso, com intervalo máximo de 6 (seis)
meses, informando prontamente à autoridade competente;
XVI -informar periodicamente· o adolescente internado de sua situação
processual;
XVII"- comunicar às autoridades competentes todos os casos de crianças
ou adolescentes portadores de moléstias infecto-contagiosas;
XVIII - manter arquivo de anotações onde conste data e circunstâncias
do atendimento, nome da criança ou do adolescente, de seus pais ou respon-
sável, parentes, endereços, sexo, idade, acompanhamento de sua formação,
relação de seus pertences e demais dados que possibilitem sua identificação
e a individualização do atendimento;
XIX - fornecer comprovante de depósito dos pertences das crianças e
adolescentes;
XX - somente proceder à internação ou acolhimento mediante prévia
autorização da autoridade competente, ressalvado o disposto no parágrafo
único.
Parágrafo único. As entidades que mantenhan1 programas de acolhi-
mento poderão, em caráter excepcional e de urgência, abrigar crianças e
adolescentes sem prévia determinação da autoridade competente, fazendo
comunicação do fato no prazo improrrogável de 24 (vinte e quatro) horas.
Art. 199. Constitui, também·, obrigação dàs entidades que rp_antenham
programas de acolhimento e de internação observar rigorosa separação entre
educandos acolhidos e internados, sob pena de responsabilidade.

SEÇÃO II
Da Fiscalização das Entidades

Art. 200. As entidades governamentais e não governamentais serão fis-


calizadas pelo Judiciário, Legislativo, Ministério Público, Conselhos Tutelares
e por associaçóes comunitárias legalmente constituídas há mais de 2 (dois)
anos e que tenham como objetivo institucional protnover a defesa dos direitos
da criança e do adolescente.
§ 19 As 3:ssociações a que se refere este artigo deverão registrar-se pe-
rante o juízo do local onde se encontre situada a entidade objeto de fiscalização,
comprovando atender os requisitos legais e indicando seus representantes.
§ 29 Os representantes das associações comunitárias, observado o limite.
de 2 (dois) representantes por associação, receberão autorização judicial escri-
ta, nominal e intransferível, válida pelo período de 1 (um) ano.
§ 39 Os Conselhos Estaduais e Municipais de Defesa da Criança e do
Adolescente, no que se refere às entidades não governamentais, exercerão
poder de polícia administrativo.

305
Art. 201. Os órgãos legitimados a exercer fiscalização, bem como os
representantes autorizados das associações comunitárias, no exercício de suas
funções, terão livre acesso a toda e qualquer entidade de atendimento a
crianças e adolescentes, em qualquer dia e horário, respondendo por abuso
de poder.

SEÇÃO III
Da Intervenção Judicial
SUBSEÇÃO I
Das Medidas Aplicáveis
Art. 202. São medidas aplicáveis às entidades de atendimento quedes-
cumprirem obrigação constante do art. 149 desta Lei, sem prejuízo da responsa-
bilidade civil e criminal de seus dirigentes.
1- advertência;
II - multa de até 50 (cinqüenta) valores de referência;
III - afastamento provisório de seus dirigentes;
IV - afastamento definitivo de seus dirigentes;
V - fechamento da unidade ou interdição do programa;
VI - suspensão das atividades ou dissolução da sociedade.
§ J e Em se tratando de afastamento provisório ou definitivo de dirigente
de entidade governamental, a autoridade judiciária oficiará à autoridade admi-
nistrativa imediatamente superior ao do ·afastado, ma.reando prazo para a
substituição.
§ 2" Em se tratando de afastamento provisório de dirigente de entidade
não governamental, a autoridade judiciária designará pessoa de sua confiança
para responder pela entidade durante o prazo de intervenção. Sendo definitivo
o afastamento, a autoridade judiciária notificará os associados para que proce-
dam à eleição de novo dirigente.
§ 39 Antes de aplicar qualquer das medidas, a autoridade judiciária
poderá fixar prazo para a remoção das irregularidades verificadas. Satisfeitas
as exigências, o processo será extinto, sem julgamento de mérito.
§ 4' A .multa e a advertência serão impostas ao dirigente da entidade
ou programa de atendimento.

SUBSEÇÃO II
Do Procedimento

Art. 203. O procedimento de apuração de irregularidades em entidades


governamentais e não governamentais terá início mediante portária da autori-
dade, judiciária ou representação dos demais legitimados a exercer fiscalização,
onde conste, necessariamente, resumo das irregularidades verificadas.

306
Parágrafo úQico. Havendo motivo grave, poderá a autoridade judiciária,
ouvido o Ministério Público, decretar liminarmente o afastamento provisório
do dirigente da entidade, mediante decisão fundamentada.
Art. 204. O dirigente da entidade será citado para, no prazp de 10
(dez) dias.,. oferecer resposta escrita, podendo juntar docu1nentos e. indicar
as provas a produzir.
Art. 205. Apresentada ou não a resposta, e sendo necessário, a autori-
dade judiciária designará audiência de instrução e julgamento, intimando as
partes.
§ 1' Salvo manifestação em audiência, as partes e o Ministério Público
terão 5 (cinco) dias para oferecer alegações finais, decidindo a autoridade
judiciária em igual prazo.
§ z, Aplica-se a esta seção o disposto no art. 127.

TÍTULO VII
Das Infrações contra a proteção à Criança e ao Adolescente

DISPOSIÇÕES FINAIS E TRANSITÓRIAS

307
r

ANEXO VII
A Assistência Social como garantia de direitos
(Crítica aos equívocos conceituais e políticos)
Potyara Amazoneida P. Pereira
1

Subsídio para regulamentação da Seguridade Social:


Assistência Social

A ASSISTÊNCIA SOCIAL COMO GARANTIA DE DIREITOS

(Crítica aos equívocos concentuais e políticos)

Potyara A. P. Pereira
O principal problema que se coloca a tentativa de compreensão da assis-
tência social capitalista, é o da sua imprecisão conceituai.
Quase não existem contribuições teóricas que ajudem a melhor demarcar
o seu espaço gnoseológico e a identificar as suas propriedades essenciais.

Mesmo nos países ricos e prósperos do Ocidente, berço do padrão pós-li-


beral de desenvolvimento capitalista, que produziu o chamado social welfare
state, estas contribuições são débeis. A maioria das noções correntes pautam-se
por um nominalismo abstrato, preso ·à imagem aparente do fenômeno assisten-
cial e não por um esforço de apreensão de seus nexos internos, que estão
na base de sua real explicação. Assim, é comum restringir a assistência social
(como de resto a própria política social) à órbita do planejamento, ou da
execução de medidas técnico-administrativas reguladoras das desigualdades
sociais.
Isso indica que a tradição conceituai da assistência social prioriza a tendên-
cia de apreendê-la não pelo seu conteúdo ou substância, com base na dinâmica
da realidade em que ela se constitui e se processa, mas pela função que
desempenha (ou conseqüências que produz) ou pelo locus de sua elaboração,
o que revela dois grandes equívocos conceituais.
O primeiro, é que ao concebê-la pela sua função incorre-se no vício
metodológico de conceituá-la pelos seus efeitos e não pelas suas determinações
fundamentais.Neste caso, a assistência passa a ser prisioneira de um raciocínio
circular e teológico, que nlinca diz a que ela é, mas o que ela se propõe
a ser. Exemplo disso, é a sua definição a partir de sua função compensatória
da desigualdade social, a saber: "a assistência social é aquele conjunto de
medidas que visa a diminuir as desigualdades sociais". O caráter tautológico
dessa definição, além de ingênuo, em nada ãvança teoricamente.

311
Efetivamente, é preciso considerar que a assistência social pode ter várias
e diferentes funções. Assim, pelo fato de ela ser uma tentativa ubíqua, que
se encontra ao mesmo tempo no capitalismo, no socialis1no, nas sociedades
de livre,,, empresa e nas de economia mais centralizada, ela pode, por isso
mesmo; funcionar diferenciadamente e, até, em sentido perverso ..
Portanto, apesar de ser necessário o estabelecimento e a explicitação
das funções da assistência social, não é com base nessas funções que ela
deverá ser conceituada, embora estas constituam o ponto de partida de concei-
tuação.
O outro equívoco, por sinal bastante comum na literatura de políticas
públicas, é o que concebe a assistência pelo seu lugar de elaboração. Assim,
con10 é no aparelho do· estado que ela é sistematizada, orçada, formalizada
e avaliada, deduz-se automaticamente que é aí que ela se origina. Ne.ste
sentido, ela é considerada urna iniciativa exclusiva_ do Estado, e portanto,
uma atividade pública ou estatal já que é o público o estatal são sinônimos
nessa concepção.
Destarte, enquanto no pritneiro equívoco a assistência social é conceituada
pela sua função, neste último ela o é pelo caráter legal e institucional que
a sua vinculação cotn o Estado sugere.
Os limites desses dois equívocos conceituais são evidentes. O principal,
é o total desprezo pelo que é central no esforço de conceituação de qualquer
política: a consideração de seu caráter contraditório. Ou seja, a assistência
social, enquanto um processo que resulta da relação entre interesses contrários
(o do capital e o do trabalho), tanto pode servir a um como a outro interesse,
dependendo de quem, historicamente, estiver melhor situado na correlação
de forças.
Além disso, ambos os equívocos, afora os vícios metodológicos de confun-
dir, respectivamente, causa e efeito e a dimensão formal com a real, incorrem
na visão essencialista do Estado em detrimento do reconhecimento da autono-
mia relativa da Sociedade. É que tais concepções veiculam a falsa idéia da
existência absoluta de um Estado árbitro (que pode ser paternal ou maquia-
vélico), na promoção do bem-estar social, e de urna sociedade, geralmente
anô1nica, que para fazer jus aos benefícios estatais precisa ser organizada
burocraticamente segundo especificações de demandas previamente estabele-
cidas pela razão governamental.
Entretanto, a dinâ1nica real da for1nação da política social e, em particular
da assistência, revela peculiaridades que extrapolam os parâmetros funcionais,
legais e institucionais. Na verdade, no processo de sua co11stituição existem
decisões da sociedade que tem influencia.do, e muito, as políticas denominadas
públicas. Por isso, a conceituação da assistência social pela sua função ou
pelo seu lugar de elaboração, torna-se inconsistente por não fazer menção

312
as contradições internas ao fenômeno e nem as ações privadas que se entrecru-
zam com as medidas estatais no seu processo de formação(1).

II
Descartados os dois equívocos concentuais e partindo-se do princípio
de que a assistência social capitalista está inserida numa estrutura de relações
que envolvem interesses contrários, torna-se óbvio que na sua conceituação
deverão ser primordialmente levadas em conta as leis de movimento que
lhe dão sentido e razão de ser.
Por conseguinte, para que a assistência não se identifique apenas com
a sua manifestação fenomênica de atenção complementar aos pobres, é impor-
tante que ela seja analisada a partir de uma contradição fundamental, qual
seja: a coexistência da afluência com a pobreza e, portanto, do princípio
da rentabilidade econômica com o princípio da atenção às necessidades sociais
em um mesmo modo de produção.
Em se tratando do modo de produção capitalista, o princípio da rentabi-
lidade econômica afigura-se como a afirmação ou o elemento justificador
da lógica da acumulação; mas, esta afirmação cria, contraditariam.ente, as
condições para o aparecimento de sua negação - o princípio da atenção
às necessida4es sociais, que tem na justiça social a sua justificação.
Rentabilidade econômica e .atenção às necessidades sociais são, pois,
dois princípios distintos, contrários, baseados em justificações diferentes, mas
que nem por isso se excluem. Pelo contrário, estão indissoluvelmente ligados
por laços de antagonismo e de reciprocidade: ao mesmo tempo em que se
repelem, confrontam-se e reciclam-se nessa relação.
Assim, enquanto o princípio da rentabilidade guia-se pelos critérios da
competição e da exploração, o princípio da atenção às necessidades guia-se
pelos critérios da cooperação e da solidariedade substantiva.
É o confronto sistemático e continuado entre esses dois princípios, com
seus critérios e valores diferentes, que faz com que um imponha limites a
outro, levando-os a reavaliações constantes. Portanto, embora o princípio
da rentabilidade seja o elemento central do modo de produção capitalista,
ele não está totalmente livre de restrições impostas pelo princípio que lhe
é contrário. E ··como se, atravessando a lógica da acumulação, demandas
equalizantes problematizassem a sua tendência anti-social e lhe impusessem
reorientações possíveis em sentido inverso.
Neste embate, os dois princípios não se reduzem um ao outro, mas estabe-
lecem uma unidade de contrários, que os submete aos desígnios da contradição
que os alimenta e os anima. Os ganhos de um nem sempre resultam em

(1) Este raciocínio toma de empréstimo o utilizado pela autora quanto à política social, em
sua tese de doutoramento Crftica Marxista da Teoria e da Prática da Política Social Capitalista
- Peculiaridades da Experiência Brasileira. Universidade de Brasília, 1987.

313
perdas para o outro. Dessa forma, a oposição de critérios equalizantes ao
princípio da rentabilidade, no sentido de torná-lo menos concentrador, pode
agir, tambétn, no sentido de ajudar a legitimar a ordem capitalista, que se
assenta na desigualdade administrada. Por outro lado, a apropriação pela
lógica da acumulação de um discurso ou de uma prática menos concentradora
de renda e de poder, com vista à legitimação, pode ajudar o fortalecimen''.l
das demandas e das estratégica pautadas· por critérios equalizantes.
Daí a constante tensão entre interesses opostos no interior das políticas
de bem-estar, o que pode ser explicado pelo confronto permanente, no âmbito
dessas políticas, entre os imperativos calcados nos princípios da rentabilidade
e da atenção às necessidades sociais.
A história da assistência social é a história dessa tensão contraditória,
pois a proteção aos desiguais nada mais é do que o esforço de realização
do princípio da atenção às necessidades sociais, contraposto e imbricado ao
princípio da rentabilidade econômica.
Assim, quando o Estado capitalista assumiu feição social e se autodeno-
minou de welfare state ou Estado Providência, ou mesmo Estado Social, foi
porque ele passou a encarar as questões sociais como área de ação pública
e, nesta ação, precisou exercitar o seu ladó assistencial.
Da mesma forma, as chamadas políticas de bem-estar só tornaram-se,
de fato, sociais no momento em que passaram a desenvolver ações assistenciais.
Donde se conclui que a assistência social é a via privilegiada, através
da qual o princípio da atenção às necessidades sociais se manifesta e se impõe
como um chamamento legítimo à promoção da justiça.
Sendo assim, a assistência social não pode ser interpretada como um
ato episódico de boa vontade, nem como mera cobrança ética de dívidas
sociais. Que1n pensa dessa forma é porque a identifica com as suas funções
programáticas - estipuladas pela lógica da acumulação - ou com a razão
burocrática. que a administra, cometendo sérios equívocos analíticos.
Na verdade, a assistência social como sinônimo de proteção universal,
segurança (não seguro) ou seguridade social, é aquele componente estrutural
do modo de produção capitalista que problematiza por dentro a compulsão
deste modo de produção para a desigualdade e a injustiça.
Além disso, ela é o principal termo de referência da eficácia ou da inefi-
cácia das políticas de bem-estar capitalistas, já que a sua presença ou ausência
no bojo dessas políticas pode respectivamente indicar consideração ou descon-
sideração pela justiça. É nesse sentido que W. G. dos Santos defende o
'1
princípio da justiça como finalidade primeira de qualquer governo, ressaltando
que "um governo pode ser eficiente, eficaz e inteligente quanto à fixação
de políticas de acumulação de riquezas e, não obstante, ser injusto( ... ) Como
súmula da opção pela justiça com anterioridade a qualquer outro valor (enten-

314
de) que é inconstitucional toda política de governo que tra!lMfü\)
base· para o topo da pirâmide sociill" <2 >.

III
Acontece, porém, que dada a relação contraditória da assistência
o imperativo da acumulação inerente _ao princípio da rentabilidade econômica,
ela pode ser capturada por esse imperativo e submetida aos seus objetivos.
Eis por que os imperativos da eqüidade, que têm na assistêhcia social a sua
forma de realização, imprescindem da participação das forças sociais compro-
metidas com o princípio da atenção às necessidades.
Na falta disso, mais outros fatores de ordem estrutural, a assistência
social tende a ser confundida com a sua manifestação fenomênica, ou· aparên-
cia, identificando-se com as suas próprias limitações.
Daí por que é possível vislumbrar duas modalidades de assistência social
no modo de produção capitalista, embora uma seja o reverso da outra:
1) uma, strictu sensu, capturada e fortemente manipulada pelo princípio
da rentabilidade econômica e, por iss0, esvaziada da sua identificação com
a justiça. Tal assistência é uma restrição dos valores defendidos pelo princípio
da atenção às necessidades sociais, já que não impõe barreiras ao domínio
crescente do capital sobre o trabalho. E o que muitos chamam de assisten-
Cialismo;
2) outra, lato sensu, que constitui a feição social das políticas de bem-estar
capitalistas por impor limites à compulsão dessas políticas à elitização e à
injustiça. ·
Assim, enquanto a primeira age por fora e nos limites das políticas de
bem-estar, reparando as suas ineficiências e legitimando o seu pendor para
a elitização, a última instala-se no interior dessas políticas, abalando o seu
elitismo com a sua proposta .de universalização.
É, pois, a assistência social lactu sensu que impede a automatização da
rentabilidade econômica no interior das políticas de bem-estar, por ser:
a) vocacionada para as necessidades sociais, 'ou seja, para aquelas exigên-
cias indíspensáveis à subsistência do indivíduo, que não se confundem com
um mínimo biológico.
Diferentes, pois, das necessidades animais, que são naturais e constantes,
as necessidades sociais "são produto da evolução histórica e dependem em
grande parte do grau de civilização da sociedade"< 3J.

(2) SANTOS, W. G, -Princípios do Estatuto da Cidadania". Rev. Presença, n~ 9, fev/87.

(3) BARAN, P. & SWEEZY, P'. - Capitalismo Monopolista, RJ, Zahar Editores. 1974, p.
288.

315
b) um meio e não um fim em si mesmo, pois a sua função básica é
a de estender direitos sociais, que tendem a ficar concentrados no âmbito
dos que já possuem recursos materiais e de poder;
e) redistributiva, porque se pauta por um jogo de soma zero na alocação
do produto social. Por conseguinte, reivindica a criação de medidas que trans-
firam renda do topo da pirâmide social para a sua base;
d) dependente da participaÇão da sociedade no seu desenvolvimento,
pois sendo a negação da lógica da acumulação constitui uma arena real de
conflitos de interesses, que não podem ser resolvidos por decreto.
Tais atributos contrapõem-se ao perfil assumido pela assistência social
stricto sensu, que, dadas as suas limitações, apresenta as seguintes caracte-
rísticas:
a) é vocacionada para o problema individual do pobre, ou seja, daquela
pessoa cujo mínimo vital se vê ameaçado ou já atingiu níveis profundos de
deterioração. Trata-se, pois, de atenção à pessoa destituída das credenciais
mínimas para ter direito· ao acesso a bens e serviços existentes na sociedade;
b) tem um fim em si mesmo, já que a sua função básica é manter a
sobrevida de vítimas terminais da supremacia do princípio da rentabilidade
econômica sobre o da atenção às necessidades sociais.
Neste caso, a sua principal tarefa é reparar contingencialmente os danos
causados pela injustiça social, agindo à margem das políticas de bem-estar.
e) é genérica na atenção e específica na clientela, ao contrário das políticas
de bem-estar que se propõem genéricas na clientela (universalizantes) e especí-
ficas (especializadas) na proteção. Assim, diferente das políticas sociais seto-
riais (saúde, educação, habitação, previdência etc.) a assistência social stricto
sensu faz, amadoristicamente, de tudo um pouco junto aos excluídos da atenção
especializada das demais políticas que_ são tidas como universais;
d) é contingencial, isto é, eventual e incerta e, por conseqüência, profun-
damente dependente dos azares da acumulação. Aos primeiros sinais de reces-
são econômica, ela é imediatamente sacrificada;
e) é distributiva (e não redistributiva) pois seus gastos com os pobres
não implicam um jogo de soma zero (tirar de quem tem para dar a quem
não tem) mas oneram os assalariados que, sistematicamente, é quem arcam
com o maior ônus das políticas de bem-estar.
Sendo assim, ela é extremamente funcional ao fortalecimento do chamado
capitalismo "selvagem" porque não se constitui em arena real de conflito
entre interesses contrários, e nem impõe limites ao princípio da rentabilidade
econômica, que acaba transformando as· políticas de bem-estar em pseudos
direitos sociais.
IV
A negação desse perfil de assistência social terá que passar necessaria-
mente pela defesa da assistência social lactu sensu que, para além das motiva-

316
ções éticas, recria a dialética entre o econom1co e o político, recolocando
a questão assistencial corno questão de direito no marco da reflexão científica
sobre as suas determinações fundamentais.
Com efeito, a assistência social capitalista é um fenômeno que está intima-
mente ligado à seguinte determinação: a inserção dos trabalhadores e das
classes populares na lógica de produção e de do1ninação capitalista, nem
que seja sob a forma de pequenos contribuintes ou de consumidores de recursos
mínimos, ou, ainda, de receptíveis clientes da ação assistencial do Estado.
Tal determinação, contudo, não é um processo linear; é movido pela tensão
permanente entre o interesse do capital em reconstruir e manter a:s condições
materiais e de poder que lhe dão suporte, e o do trabalho em conquistar
maiores fatias de recursos materiais e de poder, concentrados na esfera do
capital.
A mediação do Estado nesse confronto é fundamental, pois quando não
introduz precariamente o pobre no mercado de trabalho, passa, diante da
saturação desse mercado, a definir e a institucionalizar medidas alternativas
de controle social. Assim, a introdução e a ampliação do sistema escolar
obrigatório e universal, o alargamento do período necessário para a formação
profissional, a ampliação da previdência social, a diminuição do limite de
idade para a aposentadoria, a reintegração das mulheres no papel de donas-
de-casa etc., são formas de organização da vida dos segmentos populacionais
"redundantes", com vista a impedir que estes se considerem excluídos do
sistema e caiam nos chamados estados de "desorientação" e de "ilegalidade",
nocivos ao capitalismo(4).
Entretanto, estas são medidas que podem mover o caráter contraditório
da assistência social em favor do trabalho. Já que elas não resultam da beneme-
rência do Estado, mas da tensão contraditória entre capital e trabalho, o
trabalho pode utilizá-las na ampliação de suas conquistas materiais e de poder.
É por esta via que a participação política da sociedade pode reverter o conven-
cional processo assistencial: controlar o Estado.
A referência à luta da sociedade pela maior distribuição de bens materiais
e de poder significa que a assistência social não está vinculada apenas à arena
econômica (tendo em vista a diminuição da desigualdade social), mas também
à arena política (tendo em vista a participação da sociedade no controle das
decisões, das informações e da gestão das políticas que lhe dizem respeito).
Assim, apesar de a assistência social não estar visivelmente ligada à luta
pelo poder, esta é a grande responsável pela sua expansão. É fato empírico
que a assistência social é mais expressiva e conseqüente naqueles países onde

( 4) Sobre isto ver OFFE, Claus - Capitalismo Avançado e o Welfare State,


in CARDOSO, F. H. & MARTINS, C. E. Política & Sociedade, SP,
Companhia Editora Nacional (s.d.).

317
a classe trabalhadora é mais combativa e, em contrapartida, essa combatividade
tem-se alimentado, sobremaneira, da conquista de direitos no campo assis-
tencial.
É fato empírico, também, que nos regimes de força, quando a sociedade
se mobiliza em torno de liberdades democráticas, o Estado amplia a distri-
buição de políticas assistenciais para não distribuir o poder.
Disso se conclui que a assistência social capitalista é o resultado contra-
ditório de históricas correlações de forças. Embora gerada, em última instância,
no processo de produção, onde existe de fato uma desigualdade inconciliável
entre capital e trabalho, ela se expressa formal e ideologicamente como medida
controladora dessa desigualdade. Assim, ao mesmo tempo em que ela resulta
da tensão permanente entre capital e trabalho, em torno de uma desigualdade
estrutural, ela é a condição para a administração dessa tensão, com a mediação
do Estado.
Em outros termos, no processo de conceituação da assistência social
dois níveis de reflexão devem ser considerados, para efeitos analíticos:
1) o local oculto da produção, que não se confunde com o mercado
(econômico e político) e onde imperam a desigualdade sem retoques e o
critério do lucro e da rentabilidade privada;
2) o local visível do intercâmbio de mercadorias, de bens, serviços e
favores, onde preponderam os arranjos político-administrativos, apoiados na
ideologia da colaboração entre desiguais.
A tradição conceituai da assistência social atem-se, apenas, ao último
nível por ser ele, de fato, o lugar onde ela realiza as suas estritas funções
compensatórias, distributivas, contingenciais e reprodutoras do status quo.
Mas, ao assim proceder, descola o fenômeno de suas determinações funda-
mentais, convertendo-o, na prática, em mecanismo de legitimação da supre-
macia do princípio da rentabilidade econômica sobre o da atenção às necessi-
dades sociais. Isso significa que compreender a assistência social apenas como
um processo de colaboração entre desiguais jamais colocará a desigualdade
estrutural (econômica e de poder) em questão, pois esta é refratária aos
arranjos de solidariedade formal que são intentados nos âmbitos da moral
e do mercado.
Por conseguinte, para se colocar a assistência social a serviço do trabalho
e da extensão da cidadania - apelando-se para o seu caráter contraditório
- é preciso antes de tudo ter consciência da importância do primeiro nível
e fazer do último a via de acesso para conquistas econômicas e de poder,
o que implica participação política da sociedade no sentido de:
a) democratizar o Estado em sua organização e funcionamento, especial-
mente no que concerne à sua relação com a maioria da populaçãoC5);

(5) Cf. O. DONNELL, G. - "Transição Democrática e Políticas Sociais".


Rev. de Administração Pública, n' 4, out/dez, 1987.

318

;
:il
b) combater o primarismo político no campo assistencial, responsável
pela concentração do poder no Estado e pela prevalência de mecanismos
arcaicos na sua atenção como: o clientelismo, o paternalismo, o prebendalismo
etc. C6);
e) criar canais institucionais de participação da maioria da população,
que lhes permitam o controle das políticas sociais e o acesso a informaç,ões
fidedignas;
d) ter sempre em vista que a assistência social como direito tem que
ser encarada como um processo a1nplo que perpasse as demais políticas sociais
e cumpra o papel fundamental de.deselitizá-las e democratizá-las. A assistência
social strictu sensu, co1no socorro contingencial aos pobres, é um imperativo
que, embora plausível numa situação de profunda necessidade, não deve
ser legitimado de forma permanente, por representar um anacronismo social,
ético e político.
Só assim a assistência social deixará de ser um instrumento de socialização
de carências e de recursos mínimos e se transformará em processo de sociali·
zação da política, por meio do qual os seus benefícios e impactos, além da
ajuda mater\al, possam contribuir para a ampliação da cidadania.

(6) Cf. PEREIRA, Potyara - "Transição Democrática e Política Social no


Brasil''. Cadernos do CEAM, n' 1, 1988.

319
ANEXO VIII
Participação comunitária e Constituição -
avanços e ambigüidades ·
Pedro Demo
PARTICIPAÇÃO COMUNITÁRIA E CONSTITUIÇÃO
- avanços e ambigüidades -
Pedro Demo
lplan/CEC, Brasília, maio/89

Entre as novidades da Constituição está o reclamo de participação comuni-


tária, sobretudo no que diz respeito à ordem social e ao município. Já o
art. 1' indica esta inovação quando declara que "todo poder emana do povo,
que o exerce por meio de representantes ou diretamente". Este exercício
direto vem depois enquadrado em casos específicos, com alcarice defjnido,
· em particular na esfera municipal, mas significa certamente o aceno expresso
de quê o "poder representativo" não esgota a margem de ação dos repre-
sentados ..
Tal postura dá ensejo a discussão interminável sobre definição e papel
do poder público, sobre alcance e limites da representação política, sobre
tendência histórica c;ie afastamento dos representantes frente à base, mas
consagra a importância do componente democrático do controle popular. Não
buscamos aqui enfrentar todas estas questões. Restringimo-nos a introduzir
um tipo de questionamento sobre o reclamo de participação comunitária,
naquilo que tem de avanço e de ambigüidade.
De um lado, faz parte desta Constituição a distribuição um tanto descui-
dada de direitos, com prolixidade marcante. De outro, sua operacionalização
é apenas incipiente, com exceção de alguns casos, em particular do direito
(e da obrigatoriedade) ao ensino fundamental (1' grau): este direito possui
fonte expressa de recursos (a_rt. 212), reserva específica pelo prazo de 10
anos (Disposições Transitórias, art. 60), e atribuição preferencial ao município
(art. 211). Pode-se dizer que este direito social é tomado muito a sério, o
que não sucede aos outros.

1-LUGARDO ESTADO

A Constituição evidencia naturalmente o compromisso de forças contradi-


tórias, dentro de uma sociedade extremamente contraditória. Em termos efeti-
vos, sua marca é liberal capitalista também na ordem social. Basta lembrar
que "a assistência à saúde é livre à iniciativa privada" (art. 199), bem como
"o ensino é livre à iniciativa privada" (sob condição de cumprimento das

323
normas gerais e da autorização e avaliação de qualidade pelo poder públicoY
(art. 209). Quer dizer: na hora H, em que pese a indigitação generosa de
direitos sociais no começo do texto constitucional, acaba prevalecendo o acesso
marcado pela posse econômica (Marques, 1986; 1987).
Talvez valha a pena relembrar a polêmica em torno da "função social
da propriedade", assumida abertamente no texto inicial (art. 5', XXII!), bem
como na introdução do capítulo sobre "ordem econômica e financeira" ( art.
170, III). Todavia, no momento de definir a reforma agrária, as limitações
impostas à função social da propriedade foram típicas. O art. 185 é taxativo
ao declarar que "são insuscetíveis de desapropriação para fins de reforma
agrária: I - a pequena e média propriedade, assim definida em lei, desde
que seu proprietário não possua outra; II - a propriedade produtiva''. No
parágrafo único a seguir, dizwse ainda: "A lei garantirá tratamento especial
à propriedade produtiva e fixará normas para o cumprimeuto dos requisitos
relativos a sua função social". Parece evidente que o "social" é submetido
ao "produtivo", o que transparece também no próximo artigo (art. 186),
quando se especifica a função social, constando como primeiro requisito o
"aproveitamento racional e adequado", como segundo a "utilização adequada
dos recursos naturais ~isponíveis e a preservação do meio ambiente", aparew
cendo somente em terceiro e quarto lugares a questão propriamente social
das relações de trabalho e do bem-estar dos interessados.
Isto contrasta com a prodigalidade de direitos no início, a exemplo do
art. 6"': "São direitos sociais a educação, a saúde, o trabalho, o lazer, a segu-
rança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência
aos desamparados, na forma desta Constituição". Falando, mais tarde dos
direitos da criança, adolescentes e idosos, o tom é ainda mais retuÍnbante:
"É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança e ao
adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação,
à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura,_à dignidade, ao respeito,
à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo
de tod~ forma de negligência, discriminação, violência, crueldade e opressão"
(art.227). · ·
Este último texto é menos superficial, porque indica possível fonte de
recursos (aplicação de percentual dos recursos públicos destinados à saúde
na assistência materno-infantil - art. 227, § J<:i, I), mas é alegre em demasia,
porque acaba insinuando sua própria banalização: não faz mal definir "tudo"
como direito, desde que não se fixem recursos ... O vazio fica do tamanho
da prolixidade.
Neste contexto começa a transparecer a importância de delimitar o lugar
do Estado. Se "tudo" é direito, significa, pelo avesso, "nada", principalmente
em sociedade pobre. Sem pretender hierarquizar direitos, pois todas as necessi-
dades sociais são básicas, é mister.perceber necessidades mais e menos imedia-
tas. Não cabe dizer que, por exemplo, a necessidade de comer é "mais impor-

324
tante" que a necessidade de cultura, pois a concepção de ser social completo
e global não dispensaria a satisfação de qualquer necessidade. Mas cabe ver
que é possível, por vezes inevitável, tomar uma como mais imediata que
outra. Nesse sentido, arr<J.lar o ·direito ao lazer na mes1na fila do direito
à vida tende a ser banalização inconseqüente.
Mes111"." que a Constituição se permitisse debulhar um rosário teórico
de direitos, para constar, o que interessa de fato é a ope1acionalização concreta
daquele que é necessário e possível garantir. Combinar o necessário com
o possível, para que seja viável, é algo que a Constituição faz apenas em
alguns casos, a exemplo do ensino fundamental.
O Estado não pode ser levado a assumir a realização de todos os direitos
possíveis, por muitas razões, sendo a principal o fato histórico de que direitos
precisam ser conquistados, no decurso da eleboração da cidadania popular.
Não podem ser outorgados ou concedidos. Cada sociedade demarca, no pro-
cesso de formação da cidadania, o que o Estado é obr.igado a cumprir, de
acordo também com o estágio de desenvolvimento econômico e social (Bobbio)
1986, 1987). Na prática, não há direito financeiramente gratuito, porque nada
na sociedade é gratuito. Direito tomado a sério precisa ser financeiramente
operacionalizado, para dizer o mínimo. Este é o caso do direito ao ensino
fundamental, mas será difícil falar, na mesma proporção, dos outros direitos.
Isto não leva a assumir que todo o direito deva ser totalmente gratuito
(não pagar uma segunda vez). O Estado, também porque detém monopólio,
deve oferecer infra-estrutura urbana de saneamento a todos, mas os serviços
são pagos. De novo, cabe a cada sociedade delimitar os acessos e possíveis
isenções e subsídios.
A Constituição, neste âmbito, conserva o trajeto histórico típico de nossa
sociedade, por mais que possa transparecer certa modernidade social, porque
mantém a expectativa de um Estado como garantia da cidadania. Tal postura
é bem visível na questão dos direitos do consumidor, cuja defesa é asumida
pelo Estado: "O Estado promoverá, na forma da lei, a defesa do consumidor"
(ar(. 5', XXXII). Nas Disposições Transitórias (art. 48), se diz que o "Con-
gresso Nacional, dentro de cento e vinte dias da promulgação da Constituição,
elaborará Código de Defesa do Consumidor".
A pergunta que se coloca é: até que ponto vai o papel do Estado na
defesa do consumidor? É possível pensar qtie o Estado a concebe e executa,
como transparece na Constituição. Mas é possível pensar que o lugar do
Estado é instrumentar esta defesa, a serviço do consumidor, sem substituir
o movimento emancipatório do próprio consumidor. Neste caso, o Estado
assume lugar de instância delegada de serviço público, domo parece ser a
concepção do art. 175, parágrafo único, II, no qual se diz que a lei disporá
sobre "os direitos dos usuários", ou da concepção do art. 170, V, que alude,
como princípio da ordem econômica, a defesa do consumidor, ou da concepção

325
do art. 24, VIII, que manda a União, os Estados e o Distrito Federal legislar,
sobre responsabilidade por dano ao consumidor. Seria típica a postura do
art. 150, § 59: "A lei determinará medidas para que os consumidores sejam
esclarecidos acerca dos imposto~ que incidam sobre mercadorias e serviços".
O papel do Estado· é: legislar, informar, instrumentar, equalizar, não promo-
ver, fazer substituir (Hirschman, 1983. Demo, 1988a).
Se assim pensássemos, a defesa do consumidor é problema próprio da
cidadania do consumidor, que o Estado jamais poderia substituir, mas deveria
instrumentar. São instrumentações essenciais: acesso à informação adequada;
legislação pertinente e atualizada; manutenção dos respectivos tribunais etc.
Na prática, a Constituição sugere uma forma tutelada de cidadania do consu-
midor, que se pode encontrar muito caracteristicamente com certos Cànselhos
de defesa de direitos, quando concebidos como órgão público (estatal), como
é o Conselho Nacional dos Direitos da Mulher, ligado ao Ministério da Justiça.
A função do Ministério da Justiça não é manter este Conselho, que nisto
já se apequena e se compromete em ter1nos de cidadania, mas garantir instru-
mentações públicas de sua realização (informação, tribunais, delegacias, legis-
lação etc.) ·
Esta discussão volta-se para o reconhecimento histórico de que cidadania
forte não se deriva do Estado, mas é prévia a ele, no sentido de fundante.
É a cidadania que. define o Estado, não o contrário. O Estado deve ser
serviço público (res pública); como decorrência da conquista cidadã popular,
que assim o define, assim o mantém e assim o controla. Não se busca no
Estado tutela, mas instrumentação pública. Este é seu lugar, e neste sentido
insubstituível (Demo, 1988b).
Não é o Estado que emancipa a comunidade. É a comunidade que,
emancipando-se, faz do Estado instrumento de sua emancipação.
É fundamental adiantar logo que, discutir o lugar do Estado, não significa
somente delimitar, mas igualmente defender seu espaço. A questão sindical
pode exemplificar. De um lado, não cabe colocar os sindicatos como órgãos
do Estado. A Constituição é clara neste ponto, chegando a expressar que
não se pode exigir "autorização" do Estado (art. 8', !), o que vale também
para as associaçóes (art 5', XVIII). Por outra, é função do Estado manter
a justiça do trabalho, promover política de saúde e profissionalização do
trabalhador, legislar sobre o direito ao trabalho, fomentar o pleno emprego
etc. Em termos claros: não é o Estado que defende o trabalhador. É este
que, organizando-se com autonomia, Se defende, usando o Estado como illstru-
mentação necessária. Neste sentido, a atual Constituição, em que pesem avan-
ços sobretudo verbais evidentes, ainda esconde alguma saudade da tutela
estatal (Pietrocolla, 1987).
Alguns avanços podem ser notáveis, como a garantia de participação
dos trabalhadores e empregadores nos colegiados dos órgãos públicos em
que seus interesses profissionais e previdenciários sejam objeto de discussão

326
e deliberação (art. 10), ou à eleição de um representante dos empregados
nas empresas de mais de duzentos empregados, para promover o entendimento
direto com os empregadores (art. 11), sem prejuízo da função sindical. Mas
permanece o tom "concessivo" em termos de direitos, sobretudo na perspectiva
de um Estado como garante, quando o sentido mais correto seria de "instru-
mentadoi-" necessário e subsidiário. Isto não secundariza o lugar do Estado,
apenas delimita seu espaço no contexto da cidadania de base, que é sempre
sua melhor defesa (Offe, 1984).

II -PÚBLICO & ESTATAL


A marca mais fundamental do Estado não é sua máquina, mas a cidadania
popular que o fundamenta, que com ele não se confunde e o deve controlar.
Certamente, não pode haver distinção estanque entre Estado e Sociedade
Civil, porque a imisção é inevitável e necessária. Entretanto, existe, entre as
duas instâncias relação dialética, no sentido ·específico de um confronto de inte-
resses e lógicas históricas (Bobbio, 1982). Para começar, o Estado é criatura
da sociedade, não o contrário, com vistas ao serviço público, que é a razão
de ser da coisa pública. Por ser concentração expressiva de poder, o Estado
tende a escapar da sociedade e aninhar-se em esfera própria, no sentido
pejorativo, voltando-se facilmente contra a Sociedade. Passa à tutela, e a
partir daí, a instância de manipulação e exploração. Facilmente o Estado
abandona a posição de res publica, e passa à condição de apropriação privada
por parte de grupos dominantes. Muitas vezes, nada é mais privado que
esta "coisa pública"(Raichels, 1988. Covre, 1983. Caldeira, 1984).
Em seguida, vale igualmente afirmar que o instrumento mais fundamental
de instrumentação dos direitos sociais é o Estado, por ser (deveria ser) coisa
pública. Faz parte da noção de direito o acesso incondicional. O lugar que
colocaria menos condições de acesso, por ser público, é o Estado. Neste
sentido, é algo sumamente estratégico como instância de equalização de oportu-
nidades. Toda cidadania madura defende isto com clareza, porque precisa
do Estado para se efetivar instrumentalmente. A cidadania que se "entrega"
ao Estado, esconde a tutela, mas não há como se realizar serr:i instrumentação
adequada. A mais adequada, de modo geral e típico, é o Estado.
Assim colocad!:J.s as coisas, não se trata de "privatizar" o Estado (deixaria
de serres publica), nem de "publicizar" a sociedade, mas de discutir relaciona-
mento dialético compatível. Há limites para a atuação do Estado, de várias
ordens: ·
a) nunca há todos os recursos para garantir todos os direitos;
b) direitos devem ser instrumentados, não tutelados pelo Estado;
c) o Estado deve ser controlado pela cidadania civil organizada, que
o funda e o mantém.

327
O "tamanho" do Estado não é prévio, porque deve ser decisão da socie-
dade·. O que interessa, em concreto, é a quem serve e como serve. Estado
sem controle democrático já é corrupto, pois poder corrupto é aquele que
escapa ao controle dos delegantes. Por maiores que possam ser as atribuições
do Estado conferidas pela respectiva sociedade, não pode açambarcar a socie-
dade, porque, de instrumento delegado de serviço público, passa a tutelJ.
Isto leva a constatar que os extremos não são desejáveis, até porque a história
concreta os contradita: o capitalismo liberal não serve, porque "privatiza"
o Estado condiciona o acesso a direitos à posse econômica; o socialismo
"real" não serve, porque "estatiza" a sociedade, coibindo seu movimento
de cidadania conquistada (Bahro, 1980).
A relação dialética Estado/Sociedade descreveria um difícil meio termo,
que ao mesmo tempo delimita e defende o Estado, mas sempre em nome
da cidadania popular, que é ponto de partida e de chegada, mantendo o
Estado como instrumentação necessária e estratégica.
Esta posição leva igualmente a problematizar o conceito de público. Con-
sidera-se público, quase que exclusivamente, aquilo que é estatal, ou relativo
àquilo que se diz poder público. A Constituição usa os termos Estado e
Poder Público, mas visivelmente prefere a segunda designação. Há congruência
para tanto, se tomarmos em vista a origem etimológica: res publica. Todavia,
o exclusivismo estatal é apenas o extremo oposto do privatismo, ou seja,
o erro contrário.
Público, em si, define-se pelo acesso incondicional de todos, irrestrito
por parte de todos. São duas as idéias mais fundamentais do conceito:
- aberto a todos;
- sem condição prévia de acesso.
De si, a res publica seria o lugar mais apto para realizar esta marca
social. Neste sentido, é preciso logo adiantar que a instrumentação pública
mais à mão, mais funcional, mais evidente é o Estado. Assim, escola pública
será propriamente escola do Estado.
No entanto, tomando-se a definição acima e olhando-se o Estado com
olhos históricos críticos, é facilmente constatável que o Estado pode sofrer
apropriação privada. Em muitos casos, ainda vale a máxima: "L État c'est
moi", ho sentido de que é propriedade de alguém, de uma família~ de um
grupo restrito, de uma oligarquia, ou pelo menos do assim dito grupo domi-
nante. No capitalismo liberal, esta apropriação é feita via subjugação da função
social da propriedade ao capital, encoberto sempre pelo rótulo da produÇão.
No socialismo real a apropriação é feita pela via do partido único e da buro-
cracia estatal.
É possível haver algo público sob administração privada: uma peniten-
ciária pública, administrada por grupo privado. É possível oferta pública de
origem privada: uma creche dos espíritas, à disposição do bairro. Embora

328
"filantropia" possa servir às apropriações mais escusas, sobretudo em termõs
de usufruto de recursos ditos públicos, é um espaço público possível de origem
civil, se o acesso for para todos e incondicional.
Esta discussão existia já no tempo da Comuna de Paris, por mais que
isto possa surpreender. Falando do problema da escola, Marx colocava algumas
exigências típicas da concepção pública na acepção aqui delineada (Demo,
1988c, 108 ss):
a) a escola deveria ser libertada do monopólio dos padres - a Igreja -
era vista como comparsa do grupo dorninánte e como fator de elitização
da produção e do acesso ao conhecimento;
b) a escola não pode ser do Estado, porque o Estado seria apenas repre-
sentante da classe capitalista (em conseqüência, o Estado deve "morrer");
e) até mesmo o professor deveria ser "eleito", com vistas a preservar
o controle democrático sobre a escola e a preservar acesso aberto.
Tal postura pode espantar e precisa ser compreendida no devido contexto.
O que interessa é ressaltar que a visão do "público" não se esgota na exclusi-
vidade estatiil, como querem "marxistas" de hoje, que lêem Marx apenas
através de intérpretes da corrente leninista e congêneres, para quem o Estado
é hipostasiado - em evidente hegelianismo pelo avesso - como representação
fidedigna da Sociedade, substituindo-a. Alguns pontos de Marx são certamente
discutíveis e a história superou, corno a eleição do professor, porque exacerba
o lado político, sem dar o devido lugar à competência técnica, Entretanto,
a idéia da eleição servia precisamente para conservar "pública" a escola,
em todos os sentidos:
- a escola precisa estar sob controle da comunidade interessada: pode
destituir professores, deve avaliá-los, exigir padrões de qualidade etc;
- o grupo de professores não pode evoluir para uma casta, ou corporação
fechada; o acesso passa pela decisão aberta popular;
- a escola é "pública" porque está aí para todos, incondicionalmente,
e deve ser lugar de equalização de oportunidades.
Por todas estas razões, M3rx achava que a escola d~ve estar nas ~ps
dos trabalhadores organizados,-e com isto indica-que -a preservação da "marca
pública" está melhor garantida através do controle democrático da maioria
que trabalha e produz, do que através da alocação estatal e principalmente
do que através da apropriação por grupos específicos das oligarquias. Por
outra, é evidente que a concepção de Estado expressa na Comuna é rígida
em excesso, qllatido o reduz a mera expressão servil-dos interesses Capitalistas.
Hoje é impraticável mante'r tal posição.
Nos tempos atuais, aprendendo da história capitalista e socialista, é possí-
vel desenhar melhor o termo médio que marcaria a res publica.
Da Comuna é recomendável aprender que o público só é público sob
pressão do controle democrático. O que faz do Estado instância pública,
serviço público, lugar estratégico de equalização de oportunidades, não é

329
sua tessitura estatal, mas a pressão democrática organizada de baixo para
cima. Assim, o que imprime qualidade à escola, é menos a localização estatal,
do que a ambiência democrática que a cerca. Sem controle democrático,
tudo no "Estado se torna impune, também a escola, ou deriva para o atendi-
mento elitário. Assim, uma escola estatal fora do controle democrático tende
a ser oferta pobre para o pobre, ou lugar de corporativismos particulares,
·ou se for boa, chance exclusivizada par~ a elite.
Do capitalismo liberal é recomendável aprender que, sob a capa atraente
da liberdade, da livre iniciativa, do Estado pequeno apenas normatizador,
pode esconder-se a apropriação da própria liberdade, quando condicionada
à posse econômica. O "público" do Estado torna-se estratégia de acesso
irrestrito por parte da iniciativa privada, que não pode sofrer qualquer restrição
e não se subjuga a funções sociais. É comum que, comparando-se "assistencia-
lismos" destinados a populações pobres, com "subsídios" escusos para a classe
capitalista, estes sobrepassem de longe em volume de recursos apropri~dos
pela via dita pública. O assistencialismo que mais assusta, não é da pobreza,
mas do capital.
Do socialismo real é recomendável aprender que o "estatal" exclusivo está
longe de garantir o acesso irrestrito, porque desarma a Sociedade Civil. Estado
à revelia, por cima ou longe da cidadania popular organizada não consegue
ser "serviço público". A par da ineficiência clássica~ torna-se instrumento
de produção de privilégios oligárquicos, pois, sem controle democrático, não
há democracia· em lugar, nenhum.
Todavia, tudo isto não coloca o Estado como exclusivo vilão da história.
Ao contrário, leva, ao mesmo tempo, à crítica e à defesa de seu lugar. Num
primeiro momento, é o lugar mais conveniente da localização pública, porque
para tanto é constituído: o que "tem", tem por delegação e sua função é
"serviço público". Num segundo momento, mais que combater o Estado
pura e simplesmente, é mister vislumbrar seu lugar devido e discutir condições
históricas de seu controle. Porquanto a única coisa que realmente interessa
na discussão sobre o papel do Estado é a quem serve, como serve e quem
o controla (Silva, 1988) ..

III -APELOS COMUNITÁRIOS


A participação comunitária é reclamada na Constituição sobretudo em dois
contextos mais precisos: no plano municipal, e na ordem social.
Quando -toca a questão municipal, aparecem propostas inovadoras:
a) "cooperação das associações representativas no planejamento munici-
pal" (art. 29, X);
b) "iniciativa popular de projetos de lei de interesse específico do Muni-
cípio, da cidade ou de bairros, através da manifestação de, pelo 1nenos, cinco
por cento do eleitorado" (ib., XI).

330
Tal postura significa, ademais, a realização concreta do art. 1°, que acena
com o exercício direto do poder, e que reaparece mais tarde com respeito
ao nível nacional: "a iniciativa popular pode ser exercida pela apresentação
à Câmara dos Deputados de projeto de lei subscrito por, no mínimo, um
por cento do eleitorado nacional, distribuído pelo menos por cinco Estados,
com não· menos de três décimos por cento dos eleitores de cada um deles"
(art. 61, § 2°).
Também na esfera judiciária aparece tar oportunidade, destacando-se os
seguintes textos:
"O mandado de segurança coletivo pode ser impetrado por:
b) organização sindical, entidade de classe ou associação legalmente consti-
tuída e .em funcionamento há pelo menos um ano, em defesa dos interesses
de seus membros ou associados" (art. 5°, LXX).
"C.onceder-se-á mandado de injunção sempre que a falta de norma regula-
mentadora torne inviável o exercício ·ctos direitos e liberdades constitucionais
e das prerrogativas inerentes ,à nacionalidade, à soberania e à cidadania"
(ib. , LXXI).
"Qualquer cidadão é parte legítima para propor ação popular que vise
a anulí'r ato lesivo ao patrimônio público ou de entidade de que o Estado
participe, à moralidade administrativa, ao meio ambiente e ao patrimônio
histórico e cultural, ficando o autor, salvo comprovada má-fé, isento de custas
judiciais e do ônus da sucumbência" (ib., LXXIII).
Esta visível modernidade contém ambigüidades, que apontaremos a seguir,
mas é avanço inconteste, sobretudo no que diz respeito ao Município. É
congruente tal àtitude, porque ninguém "mora" na União, ou no Estado.
Todo cidadão realiza seu dia-a-dia em algum Município, que deveria ser -
na visão federativa - a origem da Federação. Estamos longe disso, porque
nossa história é invertida, mas a Constituição coloca pontos cürretos de partida.
Na ordem social, o apelo comunitário retorna com força expressa, destacan-
do-se' propostas de gestão no Campo da seguridade social, da saúde, da assistên-
cia e da educação.
Quando se toca a função do Poder Público de organizar a seguridade social,
define-se como um dos objetivos;. "caráter democrático e descentralizado da
gestão administrativa, com a participação da comunidade, em especial dos
trabalhadores, empresários e aposentados" (art. 194, parágrafo único, VII).
No tópico sobre saúde, volta a expressão "participação da comunidade" (art.
198, III), bem como no tópico da assistência social: "participação da população,
por meio de organizações representativas, na formulação das políticas e no
controle das ações em todos os nfreis" (art. 204, II). No caso da educação,
o texto é lacônico, mas volta a rej>~sar a "gestão democrática do ensino público,
na forma da lei" (art. 206, VI).
Embora não seja o caso exigir do texto constitucional estringência sociológica
insistente, é_visível que a terminologia é um tanto solta, além de conter
ambigüidades. Entendemos por ambigüidadess aqui a característica de pro-

331
postas que, mesmo contendo boas ·intenções, ou linhas úteis, inovadoras e
mesmo essenciais de ação, correm o risco de recair no oposto ou de se anular.
"Participação comunitária" é essencial para a construção e funcionamento
da ordem municipal· e social - restringindo-nos apenas a estes dois tópicos
constitucionais. Depende, no entanto, do que se entende por participação
comunitária. A Constituição coloca, algumas vezes, a exigêncÍa de ,-,representa-
tividade" ou de "condição legal" para associações, por exemplo, mas não se
define com precisão, como é precisa a regra de jogo· para a "iniciativa popular"
no Município e frente à Câmara dàs Deputados. Quanto ao planejamento
municipal e à administração democrática da ordein social, a imprecisão é
extrema: no caso da saúde e da educação, fala-se tão-somente de "participação
da comunidade", ou de "gestão democrática", em ambiente lacónico, deno-
tando que a Constituição "queria" algo mais, mas não foi possível adiantar,
devido a pressões de interesses contrariados.
e
Vale repetir: preterível propor "menos", mas garantir sua operacio-
nalização histórica, a acenar com inovações muito atraentes, que correm o
risco de se tornarem apenas enfeite, ou apenas jogada política de legitimação.
O problema já começa no necessário reconhecimento de que a "coisa comuni-
tária" tende a ser compreendida comp proposta voltada para a pobreza. É
difícil imaginar uma creche "comunitária" para a classe média. Esta, ou busca
oferta privada, se for significativamente melhor, ou pressiona o Estado para
que a creche "pública" corresponda a um mínimo de qualidade. Esta creche
pública dificilmente seria denominada de "comunitária", até para não se con-
fundir com a "própria", lá dos bairros perifé'ricos.
Colocando à questão em termos outros, podemos dizer: participação comu- _
nitária tende a ser, não apenas oferta para a pobreza, mas pobreza como
tal: oferta pobre, para o pobre, para que permaneça pobre. A Constituição,
infelizmente, não desfaz esta ambiência. Ao contrário, pode dar azo a estig-
mação crescente.
Isto não deve levar a denegrir os lados positivos, porque há avanços
notáveis. Bastaria chamar a atenção para a relativa insistência no necessário
cóntrole democrático sobre os poderes, via exercício direto do poder, algo
consagrado já na abertura do texto. É fundamental o realce sobre a autonomia
associativa, sobretudo sindical, num reconhecimento inovador de que o enfren-
tamento das desigualdades sociais necessita ser comandado pelos próprios
desiguais. O Estado não pode cercear processos emancipatórios civis, pois
sua função é instrumentá-los. No art. 174, § 2°, diz-se expressamente: "A
lei apoiará e ~stimulará o cooperativismo e outras formas de associativismo".

IV - DISCUTINDO AMBIGÜIDADES
Para contextuar a discussão, é conveniente cercar um pouco o conceito
de participação comunitária, sem pretensões de exaustividade (Demo, 1988c.
Bordenave, 1985. Dallari, 1984).

332
O fenômeno participativo é composto de inúmeras complexidades e não
se esgota na esfera política apenas. Uma das faces essenciais dele é a perspectiva
emancipatória. Participar significa ter consciência da condição social ilnposta
de discriminação, e, a partir daí, construir caminho próprio de superação
possível. Tomando-se em mente a idéia de planejaménto participativo, pode-
mos talvez desenhar melhor esta perspectiva em seus três momentos mais
marcantes:
a) elaboração da consciência crítica, através da q1ial a comunidade chega
a compreender sua condição histórica, usando todas as fonnas de conheci-
mento, mas transformando-se em conhecimento próprio; un1 dos lances mais
fundamentais é .atingir a consciência de que pobreza não é sina, descuido,
azar, culpa, mas produto históriCo, repressão, injustiça; é possível mudar,
a começar pela superação da condição de objeto. buscando a posição de
sujeito histórico consciente;
b) construção coletiva de proposta emancipatória prática, apelando para
estratégias várias, inclusive apoios externos, mas sempre dentro do co1nando
do próprio grupo, no contexto de-sua realidade histórica, inclusive limitações;
desenho de prioridades, de estratégias preferenciais, de apoios necessários
etc;
c) organização política associativa competente, como estratégia primeira
de teoria e de prática histórica, sobretudo no sentido da construção do sujeito
histórico-social (Sader, 1987; 1988).
Tal postura, se tomada a sério, indica exigências centrais do processo
de participação comunitária, principalmente em termos de qualidade política.
De um lado, o processo não se basta no plano quantitativo ou no plano
da mobilização intermitente. Trata-se de cidadania estruturada e estrutural,
cotidiana (Reymão, 1986). De outro, ·o processo é marado por critérios exigen-
tes de qualidade política, tais como:
a) representatividade dos dirigentes comunitários, obtidos por eleição
aberta, democrática, de preferência com chapas concorrentes, em ambiente
de rodízio no poder;
b) legitimidade da associação consagrada nos estatutos que demarcam
as .regras de jogo da democracia comunitária, em "estado de direito" (direitos
e deveres);
c) participação da base, como critério· mais essencial, porque realiza o
"controle democrático" e define a cúpula como "serviço público"; o centro
nada "tem", que não tenha sido delegado pela base;
d) au!o-sustentação, como demonstração prática da capacidade de se au-
togerir.
Não é o caso de discutirmos aqui cada tópico c1n profundidade, mas
trata-se somente de delinear o contexto mínimo de processos participativos
comunitários com qualidade política. Sobretudo, é importante acentuar que
. o processo emancipatório, proposto aqui como parte fundamental da noção

333
participativa, se constitui de dois horizontes insubstituíveis: o econõm1co e
o político. Um não é maior ou menor, nem vem antes ou depois. Cac\a
qual possui sua lógica própria, e no fundo são a mesma coisa.
De um lado, não há emancipação consistente sem produção/trabalho,
por conta da relevância das condições materiais de existência. Quem não
produz/trabalha, para sobreviver depende de outrem, dificultando ou tolhendo
a capacidade de emancipação. De outro, não há emancipação sem organização
política competente, que retire a comunidade da situação de objeto de manipu-
lação, de cuidados, de assistência, para fazê-la sujeito de seu próprio destino.
Podemos simplificar, a nível da população, como necessidade de trabalhar
e de participar (produção e cidadania) (Dei Roio, 1986. Sposati, 1988).
Na verdade, esta concepção de participação comunitária desemboca natu-
ralmente em visão do Estado. corno instrumentação necessária, não como
tutela da emancipação - algo já totalmente contraditório. Não é o cidadão
que está a serviço do Estado. É o Estado que dever servir ao cidadão. Esta
exigência, no entanto, somente se realiza com alguma adequação, se houver
cidadania emancipada· atuante, traduzida sob o nome de controle democrático.
A qualidade do Estado está na qualidade democrática da sociedade. Não
é possível imaginar um Estado "melhor" que a cidadania popular que o sus-
tenta.
Ao mesmo tempo, esta postura não relega o Estado, nem como mero
representante da classe capitalista, nem como "bagulho burocrático" irrecupe-
rável. É não só inevitável, mas sobretudo necessário, ·como serviço público
e como lugar estratégico de equalização de oportunidades. Assim, o termo
buscado se caracteriza por delinear lugar próprio do Estado, mas sempre
a serviço da cidadania, porque é esta qtle o define e funda. O _Estado ~erá
tão útil, eficiente -e eficaz, quanto for qualitativa a cidadania organizada que
o sustenta.
Neste sentido, nunca é o caso de substituir o lugar do Estado. Os serviços
públicos que a cidadania atribui ao Estado devem ser realizados pelo Estado.
A par disso, acresce a argumentação de que serviços públicos ficam mais.
adequadamente sob administração estatal, em nome do compromisso de equa-
lização de oportunidades. Nada deveria ser tão público, quanto o Estado
(Bobbio & Bovero, 1987).
É fundamental, aí, destinguir entre o Estado e Governo. Este representa
o grupo partidário que no momento ocupa o poder do Estado, e muitas
veze_s desenvolve_ a_ tendência de se apropriar do Estado _._colocando-o a serviço
de iÕtereSses- "'Pãiticulares". o Estado, pt>r sua- vez, --é -mstfi:uíÇão permanente
de serviço _público, e é neste sentido que os "servidores públicos" se ligam
ao Estado, não ao governo, porque sobrevivem às vTcissitudes aos governo~
que se sucedem. A escola pública, por exemplo, não "é" do governo, embora
este possa abusar dela para fins clientelísticos e escusos, mas faz parte do
patrimônio público sob administração estatal.

3:W
Tomando esta discussão como pano de fundo e referência de análise,
algumas ambigüidades da Constituição seriam:
1 -Além de conservaf possível insinuação de que "coisas comunitárias"
são para periferias pobres ou para migrantes expulsos sem rumo, pode levar
a interpretação de que a comunidade deveria subStituir compromissos do
Estado. São particularmente "perversas" as alusões que passam pela "falta
de recursos" ou pelo "barateamento dos serviços", ou pela exploração de
mão-de-obra barata ou gratuita da comunidade.
De fato, não é difícil constatar a inépcia do Estado. Diante disso, há
comunidades que resolvem assumir iniciativas próprias, levantando, por exe1n-
plo, um posto de saúde, uma creche, uma escola e.te.· De um .lado, existe
mérito comunitário, no que toca a capacidade de solução própria e na crítica
prática ao Poder Público incapaz. De outro, é sempre um traço de espoliação
da comunidade, que passa a substituir uma função que seria do Estado. Surge,
então, a "creche comunitária", por exemplo, com as marcas típicas de nossa
sociedade discriminatória:
-é sempre coisa de pobre;
- a comunidade responde por ela em última instância, sobretudo pelas
· precariedades;
-passa pelo voluntariado e pela boa vontade, às vezes pelo heroismo
de alguns;
-instâncias públicas, quando se associam ao empree~dimento, repassam
o mínimo possível, numa visível divisão desigual de trabalho;
- o resultado é: creche comunitária acaba sendo a pior possível (pior
que as ditas públicas), em meio ao sarcasmo da exploração da boa
vontade.
2 - Participação comunitária neste caso não seria liberar o Estado do
que deve à população, mas organizar-se de tal modo competente, que se
possa impor ao Estado o devido controle democrático, no sentido de cumprir
cóm suas obrigações.
Aceitando-se que o Estado não consegue resolver tudo, mesmo que não
existisse qualquer corrupção, ainda assim permanece o dever do Estado de
instrumentar o acesso aos direitos sociais consagrados. Em termos claros,
uma creche comunitária, desde que pública no sentido acima descrito, tem
todo direito a recursos públicos, e no fundo, ou se trata de oferta pública
sob administração privada, ou se trata de compra de serviços prestados por
parte do Estado .. Em qualquer hipótese não se coloca o mascaramento da
coisa comunitária como a busca de algo mais barato, ou a exploração da
comunidade, ou a liberação do Estado de suas obrigações sociais.
Algo semelhante deve-se colocar no caso da gestão e do planejamento,
em que também é incongruente substituir obrigações do Estado. Se a comuni-
dade assumir a gestão de qualquer serviço público, deve ser ressarcida condig-

335
namente. Em nome da equalização de oportunidades, não faz sentido aceitar
para as classes mais privilegiadas acessos preferenciais, enquanto que para
a pobreza sobram migalhas, ironicamente adereçadas de "comunitárias" (Am-
mann, 1980. Rezende, 1986. Boff, 1986).
Esta problemática é visivelmente aguçada pela prolixidade de direitos
sociais alegados, acrescentando outra forma de ambigüidade: muita promessa,
diante de condições mínimas de realização concreta.
3 ~Uma ambigi.j_idade arriscada é a que aparece em propostas que levam
a confundir as lógicas políticas de cada lado,como se entre Estado e Sociedade
houvesse funcionalidade paritária. Esta problemática é muito sensível e tem
significado relevante no contexto atual, principahnente em vista de iniciativas
ditas comunitárias por parte de governos.
Um exemplo desta confusão útil são os ditos "conse.lhos paritários",
formados de membros dos dois lados em número igual. Embora exista aí
idéia muito aproveitável, seja no sentido de cultivar transparência decisória
e de uso de recursos, seja no sentido de se ouvirem as partes interessadas,
geralmente consuma-se uma farsa fatal, observável em tópicos tais como:
a) não há paridade natural entre Estado e Sociedade por mais que o
número seja paritário; concretamente, o Estado detém muito maior poder
de fogo em todos os sentidos;
b) dificilmente o Estado coloca o processo decisório em plano paritário
- no máximo ouve as partes, mas decide sozinho, o que reduz o conselho
a estratégia esperta de convalidação;
e) é muito difícil garantir representatividade dos membros que represen-
tariam a comunidade, se esta não manifestar já contorno de organização
clara; o Estado, por sua vez, aproveita-se desta precariedade natural para
ele mesmo "indicar" os comunitários representantes.
A farsa é evidente. De um lado, o Estado se convalida e sobretudo
.divide seus fracassos. De outro, a comunidade entra como "gaiata", principal-
mente no sentido de que, em vez de um processo emancipatório, assume
\Jm golpe esperto de desmobilização.
É essencial respeitar as lógicas, por mais que não exista dicotomia, mas
relação de confronto dialético. Neste sentido, a idéia do conselho paritário
pode ser aproveitada, se não desbordar de sua realidade histórica. Na prática
nã'O vai além de tornar o processo decisório menos fechado, mas isto já é
fundamental. Não há interesse para a comunidade de se confundir com o
Estado, porque seu papel será de urgir o Estado a que cumpra seus deveres
para com a comunidade.
4 - Outra ambigüidade está em esconder divergências possíveis entre
os ditos representantes do povo via voto, e as manifestações de exercício
direto de poder. Do ponto de vista dos partidos, talvez se pudesse falar

336
de "direito partidário", no sentido de que, tendo-se legitimado nas urnas·,
já não carece de ulterior validação.
Com efeito, todo partido razoavelmente organizado apresenta-se com
programa mais ou menos completo de governo. Pelo menos em tese, "sabe"
o que deve· fazer em educação, em finanças, em transporte, em urbanização,
em cultura etc., e sobretudo submeteu isto no processo eleitoral ao veredicto
popular. Se conseguir maioria, a questão já é executar, e não ainda inventar
idéias, canelando a comunidade para que colabore .
Ao mesmo tempo, o partido vencedor não aprecia a idéia de que a
comunidade possa "usurpar" o direito de indicar titulares de cargos, ·como,
por exemplo, diretor de colégio, de hospital, de fundações etc. O partido
diria, sem mais, que se trata de usurpação, porque os que reinvindicam eleger
tais diretores não têm mandato, enquanto o partido precisamente o conquistou.
Neste sentido, a proposta constitucional de participação popular no plane-
jamento municipal é muito ambígua, a começar pela insinuação de que o
prefeito chega ao poder destituído de planos. Papel da comunidade não é
"fazer o plano" que o prefeito não fez, mas exigir dele o cumprimento do
plano que pregou na campanha. Outra coisa seria sugerir que a prefeitura
se mantenha semyre em contato direto com os movimentos populares, o
que permitiria rever planos, fazer outros, corrigir rotas e sustentar crivo crítico
constante.
Na prática, a farsa pode ser _fácil, seja porque é possível vender como
participativo um plano "palpitado" por algumas pessoas apenas, seja-porque
é impraticável discussão com platéias imensas e indistintas, seja porque encobre
a pobreza de idéias do governo, seja porque se busca somente convalidação
legitimadora. No fundo, estaríamos de.novo confundindo as lógicas, empur-
rando para a comunidade algo que o governo deve fazer ou deveria ter feito.
Ademais, resta sempre a pergunta sobre o papel dos vereadores, pelo
menos em tese representantes legítimos do povo. Do ponto vista da lógica
do Estado, o governo deve produzir seu- plano e submetê-lo ao escrutínio
da Câmara dos Vereadores. Do ponto de vista da lógica da comunidade,
cabe pressionar democraticamente para que isto ocorra, no sentido de que
o plano reflita as necessidades da base. Para tanto, não se trata de fazer
o qu~ o governo deveria fazer, mas de "fazer" o governo fazer.
Entretanto, isto não colide com participações comunitárias para além
desta lógica desde que coerentes com o processo emancipatório cja cidadania
popular. A pressão popular organizada pode mudar, refazer, rejeitar planos,
dentro da lógica de seu espaço, bem como assumir ações diretas, por exemplo,
a urbanização de um bairro, contanto que não se apele para estratégias de
exploração comunitária. Uma destas estratégias mais conhecida é o "mutirão",
que, embora podendo expressar capacidade comunitária competente e mesmo

337
comovente, de modo geral, mascara formas de exploração de boa vontade
do povo humilde. Mutirão, de novo, é coisa ·de pobre, para pobre. "Gente
de bem" não faz 1nutirão, netn o Estado se atreveria a pedir isto dela.
Sob pressão concreta da pobreza, o mutirão é muitas vezes uma saída
criati•a e eficiente, e até mes1no uma expressão de possível processo emanci-
patório. Mas, no fundo, faz parte das políticas sociais compensatórias, estigma-
tizadas pelas sobras de um siste~a pervers? em termos produtivos e políticos.
5 - Outra ambigüidade pode ser encontrada em "intermediários" .que
o Estado apresenta às comunidades, sob o título de apoio comunitário. Recen-
temente, .surgiram tnuitas expressões desta postura, condensadas em Secre-
tarias de Ação Comunitária e congêneres, que supostamente fazem "articu-
lação", "coordenação", "apoio" etc.
De um lado, pode haver "boa vontade" de técnicos e governantes, que,
movidos pelo reconhecimento de que o desenvolvimento da cidadania popular
é algo essencial para o processei democrático, gostariam de se colocar a serviço
desta causa. De· outro, como política não vive de boa vontade, mas de estraté-
gias de poder, o efeito acaba sendo a desmobilização funcional dos movimentos
populares.
Frente aos movimentos populares, a primeira função do Estado é certa-
mente_ de não estorvar, não boicotar, não cooptar. A. Constituição avançou
nisto, colocando claramente que cidadania não precisa de autorização do
Estado, porque é ela que autoriza o Estado. Assim, se o Estado sabe que
sua função é subsidiária e instrumental, não convém inventar atribuições de
intefrriediários, co.rno se a cidadania precisasse de "despachante". A pressão
que as comunidades exercem sobre o Estado deve ser direta, e não filtrada
por "articulad.Óre'sn estatais.
A maneira mais congruente de o Estado "ajudar", será tomando a sério
seu papel de instrumentação, à medida que souber informar, manter escolas
condignas, legislar adequadamente, sustentar acesso público à justiça etc.
No fundo, porém, o Estado teme a cidadania crítica, porque isto é apenas
da lógica do poder. Assim, antes que as comunidades façam pressão, o Est~do
se adianta como "iritermediário" desta pressão, obtendo como resultado o
efeito desmobilizador.
Na prática, política social do Estado tende a ser isto caracteristicamente:
através da distribuição de migalhas assistencialistas e de serviços públicos
residuais, desmobilizar o potencial de mudança histórica-contido nos movi-
mentos populares (Faleiros, 1986).
V - LUGAR DA COMUNIDADE
A comunidade não pode ser colocada como muleta de um Estado capen-
ga; Se fosse o caso de muleta, a relação seria inversa, se aceitarmos que
o papel do Estado é de instrumentação necessária (Carvalho, 1983. Guilherm
&, 1976).

'l38
A Constituição propõe algo avançado, quando reclama a participação
comunitária no planejamento tnunicipal e na condução da ordem social, desde
que se delineie a contento o que se compreende por participação comunitária,
para se marcar o lugar próprio da comunidade. Se esta discussão fizer sentido,
indica que se deveria compreender por participação comunitária, não o soçorro
que a comunidade pode prestar a Estados e governos esfarrapados e por
vezes agonizantes, mas o controle democrático de baixo para cima. Assim,
para falar claro, participação comunitária chama-se em p.rimeiro lugar controle
democrático sobre o Estado e sobre os governos.
É possíve;I admitir que ~ comunidade assuma tarefas, dependendo de
como se relaciona com o Estado. Em primeiro lugar, não faz sentido o Estado
devolver para a comunidade tarefas que esta lhe atirbuiu. Em segundo lugar,
é um disparate discriminatório envolver participações da comunidade na pe-
numbra de políticas sociais residuais, compensatórias, pobres, porque reser-
vadas para o pobre. Em terceiro lugar, se a comunidade assume tarefas,
precisa ser ressarcida por serviços prestados, para não se recair na exploração
da boa vontade popular.
Função da comunidade não é perder-se e .afogar-se nos meandros da
burocracia estatal, para, já fazendo parte dela, submergir no mesmo fracasso
histórÍco ou completar a cumplicidade da mesma inutilidade pública. Seu
papel, é, ·em nome da emacipação cidadã, promover, cultivar, manter o
controle democrático sobre o Estado, para que sejam possíveis serviços públi-
cos de qualidade e equalizados.
A Constituição é mais coerente, quando preserva caminhos de exercício
direto de poder e marca a autonomia associativa diante do Estado, do que
quando acena com compadrios gerenciais, que facilmente levam a colocar
a comunidade como instrumento do Estado e dos governos. Todo mundo
sabe que o posto de saúde da última periferia dificilmente há de funcionar,
até porque será algo "naturalmente" mal feito. Mas a solução não estaria
em conclamar a comunidade que o assuma por si mesma, liberando o Estado
deste dever. O "assumir" da comunidade deve ir em outra direção: a comuni~
dade deve assumir o controle democrático sobre o Estado, para que est.e ·
seja levado, sob pressão popular organizada, a cumprir com os deveres sociais
nas periferias.
Assim, se não colocarmos a contento o lugar do Estado e o lugar da
comunidade, torna-se facilitada a usurpação por parte do mais forte. Tal
usurpação pode ser vista, por exemplo, na previdência social e nos fundos
de origem laboral. O Estado os administra de maneira autônoma, dando,
ademais a entender que 0 acesso é "concedido". Olhando bem as·-Coisas,
ocorre aquiincrível usurpação. A previdência é gerada por desconto em folha,,
'por parte do empregado e do empregador, constituindo, na verdade, um
fundo de propriedade do empregado. Toma-se como natural que seja gerido
, pelo Estado. Ora, seria muito mais congruente que fosse gerido pelos interes-

339
sados diretos, desde que tivessem organização suficiente. A administração
do Estado se justificaria nos casos em que o trabalhador não conseguiria
construir sua própria ad1ninistração. _Entretanto, tratando-se de sindicatos
fortes, seria perfeitamente pensável que a previdência fosse gerida por eles
mesmos, inclusive no que concerne às pensões e aposentadorias. Ao Estado
caberia legislar sobre a matéria, mantendo critérios de equaiização, bem como
instrumentar processos de arrecadação.

O Estado realiza sobre os recursos previdenciários manobras homéricas,


que significam possíveis 1naneiras de depredar os direitos previdenciários.
Não quer ouvir esta conversa, porque levaria a restrição drástica sobre o
raio de manipulação financeira. Ao mesmo tempo, poderíamos assim enfrentar
uma realidade insofismável: a previdência só tem o que arrecada e aplica,
não podendo gastar mais que isto. Melhorar as aposentadorias é direito de
todos, desde que se compatibilize esta con.tabilidade objetiva. Como está
hoje, o ônus é rnuito desigual, com benefícios totalmente desiguais.

Algo semelhante se poderia dizer do Fundo de Garantia do Tempo de


Serviço (FGTS), que é gerido à vontac;le pelo Estado com acesso privilegiado
por parte dos empresários. Nenhuma cidadania razoável aceitaria esta situação.
Neste caso, o papel da Sociedade seria tomar de volta o que é seu. Em
si, o Estado poderia ser lugar adequado de gestão de recursos do trabalhador,
desde que houvesse suficiente controle democrático. Assim, o mínimo que
se deveria exigir é uma forma de gestão, na qual o Estado seja parceiro
instrumental, stricto sensu.

Sem- insistir sobre este exemplo, porque é apenas exemplo, ·serve para
ilustrar o lugar da comunidade diante do Estado. De certa forma, as classes
privilegiadas fazem sua previdência. particular, o que, de novo, estigmatiza
a previdência social comum como coisa de pobre.

Ao mesmo tempo,· esta discussão pode levar a discernir que não vale
a pena supor que o Estado garante. todos os direitos imagináveis, porque
é pura fantasia. É preferível atribuir menos direitos, mas tratar que cada
um tenha começo, meio e fiin, sobretudo em termos orçamentários. Mesmo
que não tivéssemos corrupção, nosso Estado é muito limitado, porque os
recursos públicos são provenientes da produção e do trabalho, e tudo isto
representa ainda processo em desenvolvimento ou subdesenvolvido. Se nunca
é possível ilnaginar recursos suficientes, nem no Japão, muito menos aqui,
embora nosso problema maior não seja falta, mas mau uso de recursos.
De certa forma, reconhecendo a pequenez do Estado, a Constituição
recorre ao socorro comunitário, sobretudo diante de uma prodigalidade incon-
tida de direitos sociais. É uma posição ambígua, porque a comunidade pode
ficar apenas no "socorro", de lá e de cá.

140
VI - BIBLIOGRAFIA
AMMANN, S.B. Ideologia do desenvolvimento de comunidade no Brasil. S. Paulo, Cortez,
1980.
BAHRO, R. A Alternativa - Para uma crftica do socialismo real. Rio de Janeiro, Paz e Terra,
. 1980.
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Paz e Terra, 1987.
- - - - . O futuro da democracia - Uma defesa das regras de jogo. Rio de Janeiro, Paz
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- - - - . O conceito de sociedade civil. Rio de Janeiro, Graal, 1982.
- - - - & BOVERO, M. Sociedade e Estado na filosofia polftica moderna. S. Paulo, Brasi-
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BORDENAVE, J.E.D. O que é participação. S. Paulo, Brasiliense, 1985.
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CALDEIRA, T.P.R. A poUtica dos outros - O cotidiano dos moradores da periferia e o que
pensam do poder e dos poderosos. S. Paulo, Brasiliense, 1984.
COVRE, M.L.M. A fala ~os homens- Análise do pensamento tecnocfático. S. Paulo, Bra~iliense,
1983.
DALLARI, D.A. O que é participação política. S. Paulo, Brasiliense, 1984.
DEL ROIO, J.L. Movimentos populares no Brasil. S. Paulo, Global, 1986.
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. "Estado inevitável e necessário". ln: Transição democrática e política social do
Brasil, L.D.C. Paiva (org.), Universidade de Brasília/NEPPOS, Brasília, 1988b.
- - - - . Participação é conquista - Noções de política social participativa. S. Paulo, Cortez,
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GUILLERM, A. & BOURDET, Y. Autogestão: uma mudança radical. Rio de Janeiro, Zahar,
1976.
HIRSCHMAN, A.O. De consumidor·a cidadão - Atividade privada e participação na vida
pública. S. Paulo, Brasiliense, 1983.
MARQUES, J.B.A. Democracia, violência e direitos humanos. S. Paulo, Cortez, 1987.
- - - - . Direito e democracia - O papel do Ministério Público. S. Paulo, Cortez, 1986.
OFFE, C. Mudanças estruturais do Estado capitalista. Rio ~e Janeiro, Tempo Brasileiro, 1984.
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REZENDE, J. Como se faz a luta de bairros. Petrópolis Vozes, 1986.
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Alfa-Ómega, 1988. ·
SPOSATI, A. Vida urbana e gestão da pobreza. S. Paulo, Cortez, 1988.

341
ANEXO IX
O problema carcerário no Brasil

Sebastião Bortone
O PROBLEMA CARCERÁRIO NO BRASIL

Sebastião Bortone
Jornalista e escritor
Uma das funções da Imprensa é destampar o baú de tabus e expor para
a opinião pública tudo que estiver encarcerado como "vergonha nacional".
O problema carcerário é um deles. E não é o maior. Basta colocá-lo do
lado de fora dos muros penitenciários. Todos devem sentir-se parte do proble-
ma, já que é quase impossível a desvinculação porque os reflexos agridem
de forma chocante.
Internamente, as penitenciárias brasileiras já ultrapassaram os limites
da razão. Nem o Conde de Monte Cristo suportaria! O que se vê pela imprensa
é mais um crime vingativo da sociedade que propriamente uma punição judicial
desta mesma sociédade sobre quem desrespeitou seu código. Nenhum ser
humano, por mais animalizado que seja, deve ser tratado com tanto sadismo.
A recuperação de um ser humano decaído, por isso mesmo separado da
sociedade por violar os seus direitos, precisa ser reestudada para evitar o
choque de retorno.
De nada adianta a sociedade condenar sem se preparar para o retomo
do detento ao seu convívio. De nada adianta a detenção, que deve servir
de oportunidade para reflexão e auto-aperfeiçoamento do infrator, se, mu-
dando de ambiente, o condenado é violentado em outros direitos individuais.
Violentador aquifora, violentado li dentro, invalida-se a punição. É preciso
encontrar um equilíbrio entre a "sociedade" interna e a sociedade externa
do problema carcerário.
Como encontrar esse equilíbrio? Muitas tentativas já foram feitas, o pro-
blema continua ... e aumenta! Mais uma tentativa? Sim! Precisamos tentar
mais um vez, duas vezes ... mil vezes! Pior crime é virar as costas ao problema
e metê-lo no baú dos tabus da humanidade.
Pergunta-se: quem melhor poderia conviver com o problema· sem ser
por ele afetado? Quem poderia encontrar soluções razoáveis? Quem, numa
comunidade democrática vive e convive com os problemas comunitários?
Quem é obrigado, e o faz também por dever de ofício, a ouvir, minuto
a minuto, as lamentações que não entram nos gabinetes acarpetados das

345
\
capitais? Quem usa seu poder para ver a comunidade i a num ideal
comum? Quem?
O Vereador!
Esse herói que se levanta pela madrugada para atender o pranto de
um eleitor necessitado t apoio imediato; esse herói que reclama por soluções
até impossíveis parn vet c.ua sociedade crescer; esse herói que pode escrever
a História Social de s11a cidade e um romance sobre a vida de cada munícipe;
esse herói que muitas vezes paga, e caro, para ajudar o próximo.
Pois é justamente desse herói que a sociedade precisa para 11menizar
o problema carcerário. É preciso. fiscalizar duramente convívio social dentro
das penitenciárias, para evitar que a degradação humana chegue ao último
degrau da decência. É preciso que a "sociedade de fora" mergulhe no drama
da "sociedade de dentro" das penitenciárias pelos olhos dos vereadores.
Precisamos de um elemento de ligação, que conheça o detento lá dentro
e sua família cá fora. Sem esse cordão umbilical jamais encontraremos o
denominador comum que nos remeterá à solução do problema. A visão do
vereador, constantemente preocupado com o bem-estar da comunidade, en-
contrará fórmulas sérias e definitivas para evitar o embrutecimento e a degra-
dação sem retorno do recluso.
Mas, como transmitir ao vereador mais esse encargo?
Eis a questão. Já sobrecarregado de problemas pessoais por ter de cuidar
de sua vida e da dos munícipes nesse país problemático, aceitará ele mais
esse encargo? Seria válido um plebiscito nacional? Ou uma simples pesquisa
entre todos os vereadores? Creio que não.
Há um convite irrecusável: O VOTO!
Concedam aos detentos o direito de voto municipal.
Não seria dar a ele, o detento, apartado do convívio social, nenhum
privilégio. A motivação maior é convidar o vereador a fiscalizar diariamente
a vida na "sociedade interna" e trazê-la para o conhecimento claro da "socie-
dade externa". Pois, onde há um voto, lá estará o político. Assim, mesmo
pagando seu erro, o recluso não se sentirá total e irremediavelmente excluído
do espírito da comunidade, que terá de aceitá-lo de volta, quer quera, quer
não.
E nenhum ex-detento pretende voltar para a "sociedade interna" ...

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