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PATTO, M. H. S. Psicologia e Ideologia: uma introdução à psicologia escolar. São Paulo: T.A.
Queiroz, 1984.
Existem duas concepções opostas quanto a essa relação (Escola x Estrutura) que
predominam no âmbito acadêmico: 1. Escola como meio de ascenção social, tendo como
principal expoente na sociologia Durkheim: “[...] os resultados do processo educacional,
especialmente os cognitivos (valores e atitudes), são humanamente positivos e politicamente
neutros [...]”; 2. Escola como aparelho ideológico das classes dominantes, tendo como principal
referência Karl Marx: para esta vertente “a escola cumpre um papel ideologizante [...]” (p. 16)
Cabe agora, detalhar um pouco mais cada uma dessas noções, além de alguns de seus
desdobramentos.
2. Solidariedade orgânica entre as partes: características das sociedades ditas complexas, aqui
a sociedade funciona como um todo complexo, em que “órgãos ou conjuntos especializados
de células” dividem funções de modo a relacionarem-se entre si garantindo o bom
funcionamento do sistema como um todo. O termo aqui utilizado é solidariedade orgânica
exatamente porque o princípio norteador da sociedade, por conta da complexa divisão social
do trabalho, das diferentes aptidões e funções de cada indivíduo e grupo social gerando uma
necessidade mútua entre os envolvidos, intrínseca e implicitamente, é agora o da
solidariedade orgânica (p. 18)
O que mais caracteriza a diferenças entre essas duas formas de integração social é o
nível de desenvolvimento das forças produtivas e, consequentemente, da divisão social do
trabalho. Para Durkheim, a origem dessa divisão social de trabalho mais complexa é fruto de
uma maior densidade material e moral em algumas localidades. Com isso, o autor que dizer: 1.
Aumento da densidade demográfica; 2. Aumento da frequência da relação entre indivíduos
que compõe determinada sociedade.
Para o autor o ser humano é movido pelo egoísmo, assim há um problema para que a
solidariedade orgânica ou mecânica se desenvolva. Deste modo, passa a ser necessário um
organismo que regule as ações de todos os indivíduos.
A teoria Durkheimiana é colocada em questão por seu autor em seu choque com a
realidade. A sociedade complexa com a qual lida, a sociedades industrializadas do séc. XIX é
tida por ele, pelo seu alto grau de desigualdade social, enquanto uma sociedade doente. (p.
21) Os conceitos de normalidade e patologia social em Durkheim surgem exatamente a partir
do estudo da sociedade capitalista do fim do séc. XIX e começo do séc. XX.
Quanto maior o progresso de uma sociedade complexa, diz Durkheim, maior sua
desintegração moral (aumento de suicídios e crimes de qualquer natureza). A raiz do
problema, segundo ele, é a ausência de um controle institucional da sociedade que não
acompanha a complexificação atingida pela sociedade. Suas instituições não estão executando
suas funções corretamente, não estão legislando e fazendo cumprir as leis que criam de modo
efetivo. Esse estado de falência jurídica de uma sociedade é denominado por Durkheim de
anomia.
Essa anomia se expressa, para o autor, tanto na débil capacidade estatal de conter
crimes, quanto na ausência de regulação efetiva para a exploração da força de trabalho. Para
tratar disso, o autor entende que não basta o uso da força para regular a sociedade: “As
paixões humanas não cessam senão diante de uma potência moral que respeitem” (p. 4 apud
pp. 22)
2. Liberalismo e ensino
Patto começa essa seção explicando alguns aspectos centrais da doutrina liberal: 1.
Valorização do individualismo enquanto sinônimo de liberdade; 2. Crença na possibilidade de
criação de uma sociedade de classes onde a liberdade e o desenvolvimento individual estejam
garantidos a todos.
Cabe ainda dizer que para Dewey a educação deve ser incumbência do Estado e,
diferentemente de Durkheim, entende que “regulação” moral da sociedade seja tarefa
essencial da instituição escola.
[...] novas técnicas sociais estão favorecendo a concentração de poder nas mãos de um minoria;
há indícios claros de que os pequenos grupos auto-reguladores estão em decadência, bem como
os controles grupais tradicionais, o que resulta em fracasso na coordenação social em larga escala
e na desintegração dos controles cooperativos; o antagonismo entre as classes sociais tem
efeitos nitidamente desintegradores; com isto, assiste-se a uma desintegração a nível da
personalidade, do consenso e dos laços religiosos. (p. 29)
Por técnicas sociais Mannheim quer dizer técnicas desenvolvidas dentro dos
organismos sociais com o objetivo de promover a integração social, a partir da influência do
comportamento humano. Aí estão inclusas desde técnicas voltada às necessidade sociais mais
básicas (alimentação, higiene, transporte), até técnicas de cunho político, propagandísticas
etc. Para Mannheim, a educação é uma dessas técnicas sociais. Com o aumento populacional,
ocorre a superação da economia de livre mercado pelo capitalismo monopolista. As técnicas
sociais, assim, foram e são instrumentos para que uma minoria, detentora dos monopólios, se
mantenha no poder.
Quanto ao “antagonismo de classe”, cabe ressaltar que, para Mannheim, este só mais
um dos fatores que determinam a desintegração social, tendo o mesmo peso da perda dos
costumes, por exemplo.
Como solução terapêutica ao atual estado de coisas da sociedade capitalistas o autor
propõe a “planificação democrática”. O autor considera vazia a contradição capitalismo x
socialismo, burgueses x proletários, a “luta de classes” em geral. Assim, parte da utilização da
escola (medula dorsal de sua teoria) como meio de combater a anomia do atual sistema. O
autor, claramente não visa a superação das desigualdades sociais em absoluto, ou mesmo a
superação de uma sociedade baseada no capital, somente defende uma sociedade em que
essas desigualdades e interesses dos capitalistas não atinjam níveis que coloquem em risco a
“saúde” da sociedade como um todo.
Para entendermos a noção de escola como aparelho ideológico do Estado (AIE) Patto
começa explicando alguns pressupostos básicos do materialismo dialético. Ela descreve com
bastante cuidado a teoria marxista, a desvencilhando do rótulo banal de teoria
“economiscista”.
A principal distinção entre AIE e ARE é a forma como operam, sendo o primeiro
sempre mais sutil que o segundo, visto que o ARE é mais facilmente caracterizado pelo uso da
coerção física, enquanto o AIE por sutis, mas extremamente eficazes métodos de inculcação e
dominação ideológica.
As principais instituições elencadas por Althusser como AIE são: Escola, Igreja, Família,
Comunicação Sociais e Instituições culturais. Contudo, para ele o AIE dominante é a Escola
unido à família, daí o duo Escola-Família como principais AIE. A razão principal para essa
categorização de Althusser é que essas Instituições atuam “diariamente sobre os indivíduos,
numa idade em que estão mais ‘vulneráveis’ às influências formadoras externas.” (p. 40)
Outro aspecto salientado por Patto no trabalho desses autores é a análise do conteúdo
em que se evidencia como o mesmo esconde a ideologia proletária. Um exemplo disso é que,
nos livros de história a expressão “classe operária” é substituída por povo. Algo sutil, mas
bastante eficiente em termos de dissimular a realidade e promover uma barreira contra o
acesso à ideologia proletária.
Em sua análise, Bourdieu passa pelos “três porquinhos” da sociologia, por mais
contraditório que isso possa parecer: Marx, Weber e Durkheim.
1. Arbitrário cultural: para Bourdieu o fato social, um sistema simbólico de relações entre
indivíduos de um contexto, é visto como um arbitrário. Este arbitrário não é uma
escolha gratuita, se desenvolve a partir das necessidades geradas das relações sociais
concretas. Todos os contingentes sociais de uma sociedade complexa são arbitrários
culturais, porém, em uma sociedade de classes, o arbitrário cultural colocado como
dominante é o da classe dominante desta sociedade. (p. 48-49)
4. Autoridade pedagógica: é aquela que detém o poder da ação pedagógica. Essa última
pressupõe a primeira. E quanto mais sutil, mais desconhecida esta for dos indivíduos
simbolicamente subjugados mais eficiente ela será. (p. 50-51)
Por fim, de acordo com Patto, embora possamos promover uma série de
crítica à abordagem de Bourdieu, é inegável sua contribuição para o entendimento da
“microfísica do poder na instituição escolar.” (p. 53)
Patto explica que após uma explosão de manifestações e movimento das chamadas
minorias políticas nos EUA na década de 60, programas educacionais de pesquisa de
financiamento público são ampliados em esfera nacional. De modo a encobrir os aspectos
sócioeconômicos que embasam a explicação dessa questão, todo um campo dentro da
psicologia foi desenvolvido de modo a tentar “explicar” as razões centrais da exclusão
social dessas minorias políticas. Esse campo é chamado de Teoria da carência cultural.
2) para que esta inserção seja possível é preciso que atingjam um mínimo de
escolaridade. Ora, o nível de escolaridade e de sucesso escolar entre os membros desses é
baixo: levantamentos estatísticos imediatamente o evidenciam;
Quanto às razões que explicam o fracasso escolar dos jovens das classes subalternas,
Patto aponta cinco explicações predominantes nos trabalhos sobre a teoria da carência
cultural aponta:
Foi necessário citar essa longa passagem, pois aqui Patto torna transparente vários
princípios norteadores da teoria da carência cultural, quer sejam conscientes ou não por parte
daqueles que desenvolvem esse campo de estudo.
Um dos mais proeminentes foi o Projeto Head Start. Este projeto necessitou o maior
orçamento não-bélico da história americana. (p. 1118) De acordo com Patto o projeto
pretendia “num espaço de oito semanas, preparar as crianças marginalizadas para que
iniciassem a escolarização primária com uma possibilidade maior de sucesso do que
acontecia até então.” (p. 118) Quanto aos conteúdos e abordagen pedagógicas
desenvolvidas por este projeto, a autora salienta os seguinte objetivos: “leva-las a adquirir
atitudes, valores, habilidades perceptivo-motoras, estruturas intelectuais, hábitos de
pensamento.” (p. 118)
A ideia camuflada por detrás dos idealizadores desse projeto, de acordo com Patto é
que “a única possibilidade que uma pessoa pobre tem de deixar de pertencer às camadas
pauperizadas da população é a substituição, devidamente monitorada por psicólogos e
educadores, de sua visão de mundo e de sua ação pela visão de mundo e pela ação típicas
da chamada classe média.” (p. 118) O problema não está na escola, ou na sistema político-
econômico vigente, mas na criança, não está no contexto, e sim no indivíduo.
No Brasil esse tipo de programa, comprovadamente fracassado nos EUA, tem sido
implementado em especial na educação pré-escolar. Contudo, em nosso país ele
apresenta pelo menos mais dois resultados em termos de difusão ideológica:
Além disso, Patto explica como é, dentro dessa perspectiva teórica (cita Cardoso e Faletto,
1970), a relação de dependência entre os países e como isso influi na produção da
marginalização:
[...] a situação de dependência dos países capitalistas periféricos em relação aos países
capitalistas centrais não se resume à mera repetição, pelo país satelitizado, das
condições de existência social e cultural vigentes no país dominante; ao contrário, a
situação da dependência gera um estado de coisas econômico, social e político
específico no interior de cada país dependente, estado esse que abrange o fenômeno
da marginalidade. (p. 122)
Patto, de modo bastante preciso, após a análise até aqui desenvolvida, deixa
transparente os limites da teoria da marginalização cultural e de outras relacionadas ou dela
derivadas e da necessidade de superar essas estreitas perspectivas a partir de uma abordagem
que nos possibilite ir além das aparências:
Quando pensamos a situação “marginal” no marco dos processos históricos do capitalismo periférico,
a fragilidade das demais abordagens torna-se evidente; o referencial teórico materialista histórico
nos permite ir além das aparências e entender que a marginalidade, no sentido de exclusão do
sistema social que este termo assume em determinados contextos teóricos, não passa de um mito;
que identificar classe média com classe dominante constitui um grosseiro engano; que deter a análise
das causas do processo de marginalização de mão-de-obra a nível de questões étnicas ou raciais deixa
intacto o cerne econômico do problema; que as propostas de possibilitar a todos oportunidades
iguais de ascensão social, através do acesso a melhores empregos, viabilizado pela aquisição de um
maior nível de escolaridade, implica um profundo desconhecimento da dinâmica do sistema social.
(p. 124)
Por fim, Patto termina o texto dissertando sobre o termo que utilizará quanto às
chamadas “classes baixas”. Ela entende que esse termo ajuda a camuflar as relações sócio-
econômicas existentes de dominação. Assim, deixa claro que utilizará a partir de então os
termos “classes subalternas” ou “classes oprimidas” para deixar clara desde o início a relação
de dominação e exploração da sociedade de classes. (p. 124)
Patto aqui demonstra como as deficiências de linguagem das classes subalternas tem sido
estudadas a partir da perspectiva da teoria da carência cultural.
A título de ilustração, Patto cita dois programas brasileiros. que podem ser
enquadrados dentro dessa perspectiva: 1. Programa básico para creches da cidade de São
Paulo; 2. Trabalho de Witter sobre modificação do comportamento verbal. (p. 132). Em linhas
gerais, Patto afirma que esses exemplos apresenta boa parte do que foi até aqui exposto
quanto às concepções liberais da função da educação e das crianças oriunda de uma classe
subalterna como falante de um dialeto distinto (p. 134), sendo o papel da escola ensinar a
“segunda-língua”, o português formal as mesmas.
5. Mordaças Sonoras
O que estamos tentando dizer é que as instituições de que estamos tratando neste trabalho – a escola
e a psicologia – têm participado cada vez mais ativamente do processo de cassação da palavra do
oprimido. Os programas educacionais, de um lado, e os serviços psicológicos, de outro, acabam, de
alguma forma, agindo no sentido de amordaçá-lo, de impingir-lhe uma forma de falar, de pensar e
de agir que dificulta a voz afinada com a vivência da degradação e da opressão e o torna porta-voz
de um discurso que não é o seu. (p. 135-36)
A autora entende que, para identificar de modo mais claro como esses processos de
amordaçamento ocorrem não basta uma análise superestrutural, dos AIE. Neste sentido, a
busca do entendimento de como a reprodução ideológico ocorre no contexto micro social, o
que a autora chama de “microfísica do poder no sistemade ensino”, por parte de autores
como Bourdieu & Passerón, Nidelcoff dentre outros tem apresentado uma importante linha de
pesquisa na atualidade. (p. 136) A busca pelo entendimento da “dimensão interpessoal ou
intersubjetiva” pode promover resposta muito importante com respeito às formas como a
reprodução ideológica ocorre.
Esses autores têm demonstrado em vários contextos, seja Bourdieu quanto à França, ou
Nicodelff sobre a Argentina, como essa reprodução ocorre. Em termos de currículo, p. ex., tem
ficado cada vez mais clara a função deste de encobrir a real relação das coisas na atual
sociedade e de desenvolver um ponto de vista naturalizante sobre o atual estado de coisas. (p.
137)
Em termos de “sucesso escolar”, a escola parece ser desenvolvida para fazer fracassar os
representantes das classes subalternas. A imposição de uma linguagem dominante sobre
todos os contingentes culturais que compõe a sociedade promove, inevitavelmente, a exclusão
social sistêmica da população oriunda das classes subalternas, como explica Patto:
Na medida em que o habitus que o trabalho pedagógico desenvolvido no âmbito escolar está mais
próximo do habitus inculcado pelas famílias burguesas, a maior possibilidade de o trabalho
pedagógico ser mais produtivo junto a esta classe é inquestionável. (p. 137)
Assim, neste contexto, só restam duas possibilidades para as crianças de acordo com a
autora: 1. Aceitar a aculturação e conquistar o sucesso escolar, o que significa aceitar a
mordaça sobre sua cultura; 2. Abandonar o sistema de ensino, por inadequação aos valores
dominantes expressa por repetidas reprovações, o que aparecerá como incompetência
individual. (p. 138-39)
Como forma de tentar superar essas contradição entre cultura dominante e cultura
dominada, pesquisadores tem tentado desenvolver metodologias de ensino que conseguiam
melhor dialogar com a cultura dominada. Porém, ainda com o objetivo de melhor integrá-la na
dominante. Na visão da autora isso se trata de deturpações da abordagem Freiriana. Do
caráter de partir da cultura do oprimido e construir o conhecimento e cidadão crítico, passa a
uma ferramenta mais aprimorada de aculturação, como bem expressam as propostas
pedagógicas do MOBRAL e a Cartilha Amazônica. (p. 140)
Patto promove ainda uma reflexão sobre o papel do psicólogo neste contexto. Dentro
da escola, na atual sociedade de classes, ele poderia no geral, somente reproduzir a ideologia
dominante da área e contribuir não no processo de ajuda, mas no processo de ideologização e
mesmo repressão por vias não pedagógicas dentro da escola.
Nesta seção Patto utiliza o trabalho de Susan Houston, que coloca em questão alguns
dos resultados da teoria da carência cultural. Houston, a partir do conceito de “registro”, em
que entende as formas de expressão de estudantes enquanto “escolar” e “não-escolar”,
promove critica arrasadora contra a teoria da carência cultural. Seu primeiro questionamento
]é de ordem epistemologica. Na perspectiva da autora, não é razoavel aceitar que as amostras
dos pesquisadores da teoria da carencia cultural se restrinjam a momentos nos quais a criança
só expressa o registro “escolar”, coletado quando a criaança se encontra perante algum tipo
de autoridade. De acordo com Houston, as criançaas, quando observadas em contexto
informal, possibilitam o registro não escolar, que se mostra muito mais fluente e vívido. (144-
45)
Outro ponto que Houston questiona é quanto ao pensamento abstrato e concreto das
crianças carenciadas. Como já demonstrado, os pesquisadores da teoria da carência cultural
trabalham na perspectiva de que os problemas linguísticos da criança influem em sua
capacidade de raciocínio e no desenvolvimento geral do pensamento abstrato. Houston
demonstra que, embora uma assertiva definitiva ou mesmo razoável sobre a questão ainda
esteja distante dos atuais avanços nesse campo, está suficientemente claro que não é possível
conectar aprendizado da língua formal, dita culta, com desenvolvimento do raciocinio logico-
matematico e do pensamento abstrato em geral. (146-47)
Outro ponto questionado não só por Houston, mas tambem por Eclea Bosi, é quanto à
suposta predominância do uso de linguagem não verbal nas classes subalternas. Para Bosi, o
que existe é outra forma de expressao, de comunicação. Ainda de acordo com essa autora,
tentar inculcar a linguagem erudita trata-se de amordaçar a forma de comunicação das classes
subalternas a partir da premissa de que as mesmas são menos desenvolvidas.
7.2. O perfil psicologico do oprimido: notas sobre duas tentativas de superar o empirismo
Uma das autoras que Patto apresenta como tentativa de superação do empirismo é
Arakcy. Essa pesquisadora desenvolve pesquisa com 20 operários paulistanos, analisando
tanto sua anterior vida rural como a posterior urbana. A autora apresenta resultados que Patto
entende levar às perspectivas da teoria da carência cultura, como a conclusão de que a cultura
rural proporciona estruturas cognitivas vazias, inócua, não complexas. Por estrutura cognitiva
a autora se refere às estruturação da capacidade cognitiva de modo a proporcionar uma maior
adaptabilidade do indivíduo, o que é adquirido a partir das vivências de cada um. Por outro
lado, há um grau maior de complexidade na estrutura cognitiva dos mesmos indivíduos
quando operários e em contexto urbano. Apesar disso, Arakcy conclui que, por conta das
condições débeis de vida dos operários, em ambiente brutalizador, sempre em dificuldades
financeiras e mais frágeis a quaisquer problemas acidentais da vida, o desenvolvimento das
estruturas cognitivas dos mesmos são ainda limitados. Ela é consciente das críticas que pode
receber, contudo, questiona se devemos ocultar os problemas do desenvolvimento cognitivo
gerados pela exploração do sistema capitalista, ressaltando somente os aspectos positivos da
cultura popular. Patto, apesar da ressalva da própria autora, discorda de sua caracterização da
cultura rural, de modo a entender que, apesar do importante esforço da autora, Arakcy deixa-
se cair dentro dos marcos da teoria da carência cultural.
Outro pesquisador abordado por Patto é Roberto Harari. Ele concorda com as
conclusões de Arakcy, quanto ao ambiente precarizado das classes subalternas promover sua
ddegenração cognitiva, porém, caminha mais pela linha da psicanálise, ou seja,nas relações de
cunho familial a partirdo contexto de pobreza. Patto também não está convencida com essa
perspectiva. Em primeiro lugar porque utilizar categorias euro-ocidentais para analisar o que
seria uma família bem estruturada apresenta em si problemas. Além disso, a observação de
caráter mais etnográfico, ou seja, do indivíduo estudado no contexto de sua atuação, não em
um laboratório, p. ex., tende a negar algumas hipóteses quanto à degeneração cognitiva das
classes subalternas.
Ainda de acordo com a leitura de Patto de Paoli, não é possível falar em uma cultura da
pobreza se partirmos do fato de que as classes subalternas reproduzem em grande parte a
ideologia da classe dominante (a constituição familiar p. ex.), porém em um contexto
concretamente mais hostil de exploração de sua força de trabalho em níveis alarmantes.
Assim, a questão não é buscar a “cultura do pobre”, pois isso leva a buscar resolver o
problema como se o mesmo fosse uma doença da sociedade, quando é sua consequência
necessária.