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Departamento de Matemática
Prof. Celius A. Magalhães
Cálculo III
Notas da Aula 28∗
Integral da Circulação
Além do trabalho, as integrais de linha possuem outras interpretações. Uma delas é a
circulação, que é uma medida da tendência de girar de um fluido. É uma medida particular-
mente importante em dinâmica dos fluidos, onde desempenha um papel central. A circulação
será introduzida a seguir por meio de vários exemplos que ilustram o seu significado.
Circulação no Plano
Considere um canal, longo e estreito, e indique por F o campo de velocidades na superfı́cie
da água. Devido ao atrito com as laterais, a velocidade é maior no centro e diminui à medida
que se aproxima das bordas. Usando o sistema de eixos da figura, e de maneira muito
simplificada, o campo F pode ser modelado por
1
F (x, y) = 0,
|x| + 1
x
De fato, como esperado, esse campo é paralelo F y
ao eixo Oy e seu módulo diminui à medida que |x|
aumenta, isto é, à medida que se aproxima da borda.
Suponha agora que um anel flutuante e de raio 1 seja colocado no ponto de coordenadas
(2, 0). Considere uma parametrização anti-horária P (t) = (2 + cos(t), sen(t)) do anel e
indique por T (t) = P ′ (t)/kP ′ (t)k o vetor unitário tangente.
Então, como ilustra a figura abaixo, a velocidade da água é maior do lado esquerdo do
anel. Com isso, além de seguir o fluxo da água, o anel apresenta um movimento de rotação,
e rotação no sentido horário. O problema é como medir esse movimento de rotação.
F Ora! Exatamente como no caso do trabalho, o que
provoca o movimento de rotação são as componentes tangen-
FT ciais do campo, componentes que estão ilustradas na figura
ao lado com a notação FT . Assim, uma maneira de medir
o movimento de rotação é somar todas as componentes tan-
genciais, soma que é dada pela integral de linha
T
Z
F
T hF, T i ds
FT C
onde a última integral é um pouco delicada, mas pode ser calculada com a substituição
t = 2 arctan(u). Usando essa substituição e as identidades trigonométrica obtém-se
Z π Z ∞ √
1 1 2
dt = 2
du = π
−π cos(t) + 3 −∞ 2 + u 2
Finalmente, dos cálculos acima segue-se que
√
2
Z
hF, T i ds = 2π − 3 π ≈ −0, 12π
C 2
o que confirma a expectativa de que a integral é mesmo negativa.
Essa integral é dita a circulação do campo F ao longo de C, e o seu significado é exa-
tamente esse: ela mede a tendencia do fluido apresentar movimento de rotação. O módulo
da circulação é uma medida da intensidade do movimento, e o seu sinal indica o sentido da
rotação. Se negativo, a tendencia é a de girar em sentido contrário ao da parametrização.
Já se a circulação for positiva a tendência é a de girar F
P (a) = P (b)
Um caminho fechado pode ter mais do que um ponto múltiplo, como ilustra a figura do
meio. Esses pontos múltiplos extras são mais delicados de serem estudados. Por exemplo,
não se pode definir a reta tangente ao caminho nesses pontos, pois existe mais de uma direção
tangente. Considera-se então apenas os caminhos fechados simples, que são aqueles em que
o único ponto múltiplo é o ponto inicial.
Finalmente, para um caminho fechado e simples C, define-se a circulação do campo F
ao longo de C como sendo a integral
I
hF, T i ds
C
o que confirma a expectativa inicial, de que a circulação seria nula para qualquer cı́rculo.
Densidade de Circulação
A circulação tem uma propriedade curiosa, em que somar e subtrair uma mesma quan-
tidade pode causar uma grande diferença!
De fato, considere um domı́nio D ⊂ R2 com o bordo ∂D orientado no sentido anti-horário.
Considere ainda um campo contı́nuo de vetores F , cuja circulação sobre o bordo é dada por
I
hF, T i ds
∂D
Suponha agora que D seja dividido em dois domı́nios
D2 D1 D = D1 ∪ D2 , como ilustra a figura, em que os bordos
∂D1 e ∂D2 tenham ambos orientação anti-horária. Ora!
Os bordos ∂D1 e ∂D2 possuem uma parte em comum e,
nessa parte, a orientação de ∂D1 é contrária à orientação
de ∂D1 . Veja de novo a figura.
Daı́ segue-se que, ao longo dessa parte comum, as integrais têm sinais contrários e se cancelam
quando somadas, restando apenas a integral sobre o bordo inicial ∂D. Isso significa que
I I I
hF, T i ds + hF, T i ds = hF, T i ds
∂D1 ∂D2 ∂D
De outra forma, se um domı́nio for dividido em duas partes e for calculada a circulação em
cada uma dessas partes, então a soma dessa duas circulações é igual à circulação no domı́nio
original. Pois muito bem: esse mesmo raciocı́nio pode ser aplicado em cada uma das duas
partes, que podem elas próprias serem divididas em duas outras, e assim por diante...
A conclusão é que o domı́nio original pode ser dividido em um número arbitrariamente
grande de pequenos domı́nios, e a soma das circulações nesses pequenos domı́nios é igual à
circulação no domı́nio original. E o que é melhor: a circulação em pequenos domı́nios pode
ser calculada de forma aproximada, como indicado a seguir.
Para o cálculo aproximado é necessário supor que o campo F (x, y) = (L(x, y), M(x, y))
seja de classe C 1 , isto é, que as funções L e M possuem derivadas parciais contı́nuas.
Com essa hipótese, considere um ponto interior (x, y) ∈ D, e escolha ∆x e ∆y pequenos
o suficiente para que o retângulo R = [x, x + ∆x] × [y, y + ∆y] esteja contido em D. O
bordo deste retângulo é a união ∂R = ∪4i=1 Ci , onde os caminhos Ci estão ilustrados na figura
abaixo. O objetivo é calcular uma aproximação para a circulação
I X4 Z
hF, T i ds = hF, T i ds
∂R i=1 Ci
Além disso, como t∆x é pequeno, pode-se usar a aproximação L(x + t∆x, y) ≈ L(x, y).
Com essa notação segue-se que a integral sobre C1 pode ser aproximada por
Z Z 1 Z 1
′
hF, T i ds = hF (P1 (t)), P1 (t)i dt = L(x + t∆x, y)∆x dt
C1 0 0
Z 1
≈ L(x, y)∆x dt = L(x, y)∆x
0
Um argumento semelhante pode ser usado em C3 , mas tendo cuidado com a orientação.
De fato, devido à orientação, a parametrização P3 (t) = (x + t∆x, y + ∆y), com t ∈ [0, 1],
é do caminho −C3 , e não de C3 . Mas, tendo esse cuidado, pode-se continuar usando essa
parametrização, cujo vetor velocidade é P3′ (t) = (∆x, 0). Assim, como antes, tem-se que
Finalmente, como a integral sobre ∂R é a soma das integrais sobre os Ci ’s, segue-se que
lim 1
I
∆x→0 hF, T i ds = Mx (x, y) − Ly (x, y) (2)
∆y→0 ∆x∆y
∂R
Essa igualdade é mesmo interessante. O lado esquerdo, uma circulação por unidade de
área, é uma densidade de circulação. Além disso, como se está passando ao limite, é a
densidade de circulação “no ponto (x, y)”. A igualdade em (2) diz então que essa densidade
de circulação no ponto pode ser calculada muito facilmente por meio das derivadas parciais
das coordenadas L e M do campo.
Supondo que ∆x e ∆y sejam pequenos, a igualde em (2) pode ser reescrita como
I
hF, T i ds ≈ [Mx (x, y) − Ly (x, y)]∆x∆y (3)
∂R
e nessa forma pode-se estudar o sinal da circulação de maneira bem fácil. Por exemplo, é
claro de (3) que o campo constante F (x, y) = (L0 , M0 ) tem circulação nula em todos os
pontos. O próximo exemplo ilustra mais uma vez o uso de (3).
1
Exemplo 2. Estude o sinal da circulação do campo F (x, y) = 0,
|x| + 1
1
1
−x + 1 , se x < 0 (−x + 1)2 , se x < 0
M(x, y) = e portanto Mx (x, y) =
1 −1
, se x > 0
, se x > 0
x+1 (x + 1)2
Destes cálculos segue-se que, se x > 0, então Mx (x, y)−Ly (x, y) < 0, e o campo apresenta
tendência de girar no sentido horário. Analogamente, se x < 0, então Mx (x, y)−Ly (x, y) > 0,
e o campo apresenta tendência de girar no sentido anti-horário. Esses resultados são coerentes
com aqueles obtidos no inı́cio da aula.
Teorema de Green
Ótimo, já se sabe como calcular de forma aproximada a circulação em pequenos domı́nios.
Esse é o conteúdo da aproximação em (3). Mas qual a relação deste cálculo com a circulação
em todo o bordo ∂D do domı́nio D, como foi proposto no inı́cio da seção anterior?
aproximação tão melhor quanto menor forem ∆xi e ∆yj . A soma de todas essas circulações
é igual à circulação no bordo de D, isto é,
I Xn X m I n X
X m
hF, T i ds = hF, T i ds ≈ [Mx (xi−1 , yj−1) − Ly (xi−1 , yj−1)]∆xi ∆yj
∂D j=1 i=1 ∂Rij j=1 i=1
Olhando com cuidado essa igualdade descobre-se um fato incrı́vel: o lado direito é uma
soma de Riemann da função Mx − Ly . Essa igualdade é uma mistura explosiva de integrais
de linha, de derivadas parciais, de somas de Riemann e, claro, de integrais duplas! De fato,
passando ao limite com a norma da partição tendendo a zero, deve-se ter que
I ZZ
hF, T i ds = (Mx − Ly ) dxdy
∂D D
Essa igualdade é conhecida como o Teorema de Green, e é verdadeira para uma grande
variedade de campos e domı́nios. Ele será estudado com mais detalhes na próxima aula.
No momento serão feitos apenas os dois exemplos a seguir. Antes disso, porem, vale
observar que o teorema pode ser enunciado em termos apenas das coordenadas L e M do
campo. Para isso basta lembrar que a integral de linha é também indicada por
I I
hF, T i ds = L dx + M dy
∂D ∂D
Exemplo 4. Calcule a área da região limitada pelo caminho fechado simples C de parametriza-
ção P (t) = (−2 sen(t), (1 − cos(t)) cos(t)) com t ∈ [0, 2π].
Caramba! Outra bonita aplicação das integrais de linha. Via o Teorema de Green elas podem
ser usadas para calcular áreas. Muito interessante.
Finalmente, para calcular a integral de linha, basta usar que a parametrização
P (t) = (x(t), y(t)) é dada por x(t) = −2 sen(t) e y(t) = (1 − cos(t)) cos(t). Simplificando
obtém-se que −y(t)x′ (t) + x(t)y ′ (t) = 2 cos(t)3 − 4 cos(t) + 2, e portanto
y x 1 2π
I Z
área de D = − dx + dy = (−y(t)x′ (t) + x(t)y ′(t)) dt
C 2 2 2 0
1 2π
Z
= (2 cos(t)3 − 4 cos(t) + 2) dt = 2π
2 0