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THAÍS COSTA DE ANDRADE

RELATIVIZAÇÃO DA COISA JULGADA

Ijuí (RS)
2013

0
THAÍS COSTA DE ANDRADE

RELATIVIZAÇÃO DA COISA JULGADA

Trabalho de Conclusão do Curso de


Graduação em Direito objetivando a
aprovação no componente curricular
Trabalho de Curso.
UNIJUÍ - Universidade Regional do
Noroeste do Estado do Rio Grande do
Sul.
DCJS - Departamento de Ciências
Jurídicas e Sociais.

Orientador: MSc. Joaquim Henrique Gatto

Ijuí (RS)
2013

1
Dedico este trabalho aos meus pais, pois
sem eles eu nada seria.

2
AGRADECIMENTOS

A minha família e meus amigos, por


estarem sempre ao meu lado.

Aos meus pais Silvio e Maria Ivonete,


pelo amor, dedicação e valores a mim
transmitidos.

Ao professor e orientador Joaquim


Henrique Gatto, pela confiança e bondade
em compartilhar comigo seu
conhecimento.

3
“Não há melhor maneira de exercitar a
imaginação do que estudar direito.
Nenhum poeta jamais interpretou a
natureza com tanta liberdade quanto um
jurista interpreta a verdade.”

Jean Giraudoux

4
RESUMO

Esta pesquisa monográfica almeja a compreensão do instituto da coisa julgada, sua


ligação com o princípio da segurança jurídica, basilar dentro do Estado Democrático
de Direito, e a consequente importância em garantir estabilidade nas decisões
judiciais. Ainda que se trate de sólido instituto jurídico, não pode ser tratado de
maneira absoluta, pois em determinadas situações poderá ser revisada a coisa
julgada. Analisa, de maneira doutrinária e jurisprudencial, os meios legalmente
previstos para que seja afastada a coisa julgada. São eles: a ação rescisória, a
querela nullitatis, a coisa julgada formada em relações jurídicas continuativas, a
relativização da coisa julgada que afronta direitos fundamentais, tal como a coisa
julgada na ação de investigação de paternidade e a coisa julgada inconstitucional.

Palavras-Chave: Direito Processual Civil. Coisa Julgada. Segurança Jurídica.


Revisão da Coisa Julgada.

5
ABSTRACT

This research aims at understanding the monographic Institute of res judicata, its
connection with the principle of legal certainty, essential within the democratic state,
and the consequent importance in ensuring stability in judicial decisions. Although it
is solid legal institution, can not be treated as absolute, because in certain situations
may be reviewed res judicata. Analyzes, so doctrine and jurisprudence, the means
provided by law to be rejected res judicata. They are: a rescission action, the
complaint nullitatis, res judicata continuativas formed in legal relations, the
relativization of res judicata affront to fundamental rights, such as res judicata in the
action research paternity and res judicata unconstitutional.

Keywords: Civil Litigation. Res judicata. Legal Security. Review of res judicata.

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO............................................................................................................ 8

1 COISA JULGADA...................................................................................................11
1.1 Coisa julgada e o princípio da segurança jurídica..........................................12
1.2 Espécies de coisa julgada.................................................................................14
1.2.1 Coisa julgada formal.......................................................................................15
1.2.2 Coisa julgada material....................................................................................16
1.3 Limites objetivos da coisa julgada...................................................................18
1.3.1 Eficácia preclusiva da coisa julgada.............................................................19
1.4 Limites subjetivos da coisa julgada.................................................................20
1.4.1 Coisa julgada inter partes...............................................................................20
1.4.2 Coisa julgada ultra partes...............................................................................21
1.4.3 Coisa julgada erga omnes..............................................................................22
1.5 Modo de produção da coisa julgada................................................................23
1.5.1 Coisa julgada pro et contra............................................................................23
1.5.2 Coisa julgada secundum eventum litis.........................................................24
1.5.3 Coisa julgada secundum eventum probationis............................................25

2 REVISÃO DA COISA JULGADA...........................................................................27


2.1 Mecanismos de afastamento da coisa julgada................................................27
2.1.1 Ação rescisória................................................................................................28
2.1.1.1 Natureza jurídica............................................................................................28
2.1.1.2 Pressupostos..................................................................................................29
2.1.1.3 Competência, legitimidade e prazo................................................................34
2.1.1.4 Procedimento e processamento.....................................................................35
2.1.2 Querela nullitatis.............................................................................................37
2.1.3 Coisa julgada nas relações jurídicas continuativas....................................39
2.1.4 Relativização da coisa julgada que afronta direitos fundamentais...........41
2.1.4.1 Coisa julgada na ação de investigação de paternidade.................................43
2.1.4.2 Coisa julgada inconstitucional........................................................................44

CONCLUSÃO............................................................................................................46

REFERÊNCIAS..........................................................................................................49

7
INTRODUÇÃO

O presente trabalho monográfico tem como finalidade analisar o instituto da


coisa julgada, as formas como se manifesta, bem como suas características e
importância no ordenamento jurídico. Objetiva analisar e compreender os institutos
legais previstos pelos quais a coisa julgada pode ser afastada, sem que reste
comprometida sua importância para a manutenção da segurança jurídica, princípio
basilar do Estado Democrático de Direito.

A coisa julgada é instituto fundamental para a manutenção da segurança


jurídica. É a garantia aos interessados que levam sua pretensão a juízo de que o
Poder Judiciário lhes dará uma solução e em algum momento essa resposta deverá
ser imutável e indiscutível. O legislador, sabendo ser plenamente possível o
cometimento de erros de procedimento ou de valor, garante a rediscussão da
decisão dentro do mesmo processo, por meio dos recursos.

Com o término das possibilidades para interposição de recursos ou após se


esgotar os prazos para tal, a decisão transita em julgado. É com o trânsito em
julgado, que é garantida à decisão sua definitividade, opera nela a coisa julgada. A
coisa julgada pode se manifestar em sua modalidade formal ou material. Enquanto a
primeira surte efeitos de sua indiscutibilidade apenas dentro do processo em que
ocorreu, a segunda projeta seus efeitos para além do processo extinto, ou seja, a
mesma questão não poderá ser rediscutida em novo processo.

Apesar de ser garantia fundamental da segurança jurídica, o legislador


também se preocupou com a possibilidade de mesmo com a aplicação dos efeitos

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da coisa julgada, a decisão contivesse e prosseguisse com algum vício. Assim,
estão disponíveis mecanismos para que a decisão seja novamente analisada, ainda
que sob o manto da coisa julgada. Para isso estão previstos meios como a Ação
Rescisória e a querela nullitatis. A própria lei, também prevê a revisão das decisões
decorrentes de relações jurídicas continuativas, aquelas em que elementos se
modificam com o tempo.

Não há dúvida da importância do solidificado instituto da coisa julgada. O


mesmo encontra proteção na Constituição Federal, o qual não pode ser prejudicado
por lei, demonstrando assim, tratar de direito com caráter constitucional. O que vem
se discutindo entre doutrina e jurisprudência é a solução adequada para um possível
conflito entre a coisa julgada e outro preceito de hierarquia constitucional.

Difícil é encontrar consenso com discussão que envolve conflito de questões


fundamentais, pois passa por um juízo de valor subjetivo, onde cada corrente busca
elementos suficientemente fortes para manter sua análise e consequente solução do
problema. E analisando os dois lados busca-se compreender o que cada um oferece
para o debate e juntamente com as correntes doutrinárias, busca-se o entendimento
jurisprudencial dos tribunais.

Sabe-se que não se trata de instituto absoluto, em vista de a própria lei


prever situações em que se admite a nova análise de decisões acobertadas pela
coisa julgada. Com isso comunga uma corrente que defende a reanálise das
decisões em que estão em conflito a coisa julgada e outro princípio fundamental,
porém, tais situações não estariam previstas na legislação como passiveis de
revisão ou se previstas, mas depois de esgotado o tempo para rescisão. Para eles
não parece aceitável sobrepor a manutenção da segurança jurídica em detrimento
de outro princípio fundamental.

Por outro lado, a outra corrente não acredita que deixar a segurança jurídica
em risco, em razão de análises feitas com critérios subjetivos é o melhor para o
ordenamento. A busca por novos julgamentos poderia não ter fim, levando a mesma

9
discussão a se arrastar ao longo do tempo. Aos interessados não chegaria uma
resposta definitiva e se instalaria no ordenamento jurídico um verdadeiro caos.

Por certo, o assunto ainda será muito debatido. Enquanto isso, o estudo do
tema deve levar em conta o que as correntes têm a ensinar e como é o
entendimento pelos tribunais. Em um Estado Democrático de Direito se faz
importante ter compreensão do valor da coisa julgada e da segurança jurídica, mas
também entender que devem estar horizontalmente colocados e resguardados com
os outros princípios fundamentais.

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1 COISA JULGADA

Algumas são as definições dadas ao instituto da coisa julgada. Alguns


doutrinadores entendem ser a coisa julgada um efeito da decisão, outros a
denominam como uma qualidade dos efeitos das decisões e há também quem
acredite ser uma situação do conteúdo da decisão.

A corrente doutrinária a qual fazem parte Pontes de Miranda, Araken de


Assis, Ovídio Batista, entre outros, sustentam ser a coisa julgada um efeito da
decisão que atribui o manto da imutabilidade apenas ao efeito declaratório. Efeito
decorrente de sentença que atribui certeza a uma dúvida quanto à determinada
situação jurídica (DIDIER JUNIOR; BRAGA; OLIVEIRA, 2011).

Para outra parcela da doutrina, o instituto é uma qualidade de todos os


efeitos presentes na decisão. Desse modo, para Enrico Túlio Liebman, Cândido
Dinamarco, Ada Pellegrini, entre outros doutrinadores, “A coisa julgada não é um
efeito (declaratório) da sentença, mas, sim, o modo como se produzem, como se
manifestam os seus efeitos em geral (não só o declaratório, como todos os outros).”
(DIDIER JUNIOR; BRAGA; OLVEIRA, 2011, p. 423).

E por fim, a terceira corrente que discorda da coisa julgada ligada aos seus
efeitos e sim a situação jurídica presente na decisão. Para Didier Junior, Braga,
Oliveira (2011, p. 425) parece ser mais coerente essa corrente, que conta também
com o apoio de Machado Guimarães e Barbosa Moreira, então a coisa julgada:

Consistiria na imutabilidade do conteúdo da decisão, do seu comando


(dispositivo), que é composto pela norma jurídica concreta. Não há que falar
em imutabilidade dos seus efeitos, vez que estes podem ser, como já
exposto e exemplificado, disponíveis e, pois, alteráveis.

O Código de Processo Civil em seu artigo 467 conceitua: “Denomina-se


coisa julgada material a eficácia, que torna imutável e indiscutível a sentença, não
mais sujeita a recurso ordinário ou extraordinário.”

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Para Donizetti (2012), o conceito previsto no CPC não é completo. Nele se
refere apenas à coisa julgada material, mas tanto essa quanto a formal garante
imutabilidade e indiscutibilidade à decisão. O que realmente as diferencia,
respectivamente, é a modificação que ocorre na relação de direito material originária
e a finitude da discussão apenas dentro do processo.

O instituto encontra proteção constitucional, dirigida ao legislador ordinário,


em vista de que não pode a coisa julgada ser prejudicada por lei posterior (ARAÚJO,
2007). A Constituição Federal em seu artigo 5º, inciso XXXVI, dispõe:

Art. 5º: Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza,
garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a
inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à
propriedade, nos termos seguintes:
XXXVI - a lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a
coisa julgada.

Já, na seara infraconstitucional a coisa julgada é protegida de nova análise


por parte do Poder Judiciário. Conforme artigo 471, caput, do CPC: “Nenhum juiz
decidirá novamente as questões já decididas, relativas à mesma lide [...]”

Ainda que alguns doutrinadores discordem quanto ao objeto alcançado pela


coisa julgada, há que entender que sua manifestação ao conferir imutabilidade e
indiscutibilidade àquilo que foi decidido na sentença traz estabilidade ao que o
Estado decidiu. A coisa julgada impede a perpetuação do questionamento da
mesma demanda. É assim, a manifestação da segurança jurídica que o Estado
Democrático de Direito deve proporcionar ao cidadão que confia ao Estado o poder
da decisão de seus conflitos, e que espera que esses sejam analisados, e em algum
momento, definitivamente solucionados.

1.1 Coisa julgada e o princípio da segurança jurídica

O princípio da segurança jurídica encontra respaldo em nosso ordenamento


jurídico de modo a garantir a estabilidade das decisões proferidas pelo órgão
jurisdicional. A coisa julgada é legalmente prevista e protegida tanto
constitucionalmente como infraconstitucionalmente. O Estado garante ao cidadão

12
que as demandas a ele submetidas serão decididas e com o término da
possibilidade para interposição de recursos, seja pelo transcurso do tempo ou pelo
não cabimento de mais nenhum recurso, a sentença estará sob o manto da coisa
julgada, ou seja, tornar-se-á indiscutível e imutável.

Segundo Marinoni (2010), a segurança jurídica se manifesta em duas


dimensões. Em uma dimensão objetiva, ela atribui aos atos estatais irretratabilidade.
Diante da previsão constitucional, o ato jurídico perfeito, o direito adquirido e a coisa
julgada estão protegidos de nova lei que venha a ser prejudicial.

Já sob um viés subjetivo, estaria a segurança jurídica entrelaçada ao


princípio da proteção da confiança, pois para o cidadão com a resolução do conflito,
nenhuma alteração poderia ser feita. É a concretização da confiança depositada
pelo cidadão ao Estado, para que por ele sejam resolvidos, por meio dos processos
judiciais, seus problemas.

Assim,

Essa garantia decorre da necessidade de que as decisões judiciais não


possam mais ser alteradas, a partir de um determinado ponto. Do contrário,
a segurança jurídica sofreria grave ameaça. É função do Poder Judiciário
solucionar os conflitos de interesse, buscando a pacificação social. Ora, se
a solução pudesse ser eternamente questionada e revisada, a paz ficaria
definitivamente prejudicada. (GONÇALVES, 2012, p. 435).

Não se trata de atribuir caráter absoluto a coisa julgada, já que a própria lei
prevê mecanismos para revisá-la em determinadas situações. Entretanto, novas
situações têm surgido e deixando em risco a supremacia da segurança jurídica. São
situações excepcionais, sem previsão legal, mas que precisam ser solucionadas, o
que a doutrina tem chamado de relativização da coisa julgada. Trata-se de situações
não elencadas nos mecanismos previstos legalmente, mas que precisariam ser
reexaminadas, pois presentes situações de conflito entre direitos fundamentais do
cidadão.

Por se tratar de conceito tão subjetivo do que é a justiça, não há como se


esperar que as decisões sejam sempre justas. Assim, doutrinadores asseveram que

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a coisa julgada é meio de garantir a segurança e não há como aguardar
dependência entre os julgados e a busca por uma decisão justa.

Sobre o assunto, Didier Junior, Braga, Oliveira (2011, p. 418) acredita que:
“A coisa julgada não é instrumento de justiça, frise-se. Não assegura a justiça das
decisões. É, isso sim, garantia da segurança, ao impor a definitividade da solução
judicial acerca da situação jurídica que lhe foi submetida.”

Em que pese tratar de princípio fundamental do cidadão e basilar para o


Estado Democrático de Direito, a segurança jurídica para que seja mantida não pode
repudiar outros princípios tão fundamentais quanto.

Deste modo,

Há de se ter como certo que a segurança jurídica deve ser imposta.


Contudo, essa segurança jurídica cede quando princípios de maior
hierarquia postos no ordenamento jurídico são violados pela sentença, por,
acima de todo esse aparato de estabilidade jurídica, ser necessário
prevalecer o sentimento do justo e da confiabilidade nas instituições.
(DELGADO, 2004, p. 46).

Por um lado, é a coisa julgada um meio fundamental de garantir a segurança


jurídica, sendo assim, tal característica deve ser preservada e assegurada, tamanha
é sua importância para o Estado e para a sociedade. Sob outra visão, sem
desmerecer a necessidade da existência da segurança jurídica, acredita-se que os
outros direitos fundamentais também devem ser preservados, levando em conta
critérios como o da proporcionalidade e da razoabilidade.

1.2 Espécies de coisa julgada

A coisa julgada pode se manifestar de duas formas: com seus efeitos


vinculados somente dentro do processo e com seus efeitos projetados para além do
processo. São as chamadas: coisa julgada formal e coisa julgada material,
respectivamente.

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1.2.1 Coisa julgada formal

Coisa julgada formal é aquela limitada a produção de efeitos apenas dentro


do processo em que ocorre. Manifesta-se em sentenças terminativas e definitivas.
Nas decisões terminativas há somente a manifestação de coisa julgada formal. Já
nas sentenças definitivas, em que é analisado o mérito, a existência da coisa julgada
formal é um dos pressupostos para a formação da coisa julgada material.

A ocorrência da espécie formal acarreta na impossibilidade de interpor


recurso da decisão, se assemelhando muito à preclusão, instituto que impede a
alteração de decisões em que não caibam mais recursos. Segundo Didier Junior,
Braga, Oliveira (2011) seria a coisa julgada formal a preclusão máxima dentro do
processo.

Ainda que semelhante à preclusão, para Gonçalves (2012, p. 436), “A


diferença é que a coisa julgada pressupõe o encerramento do processo. Nenhuma
outra modificação poderá ser feita, e o que ficou decidido não será mais discutido
naquele processo, que já se encerrou.”

Deste modo, Alexandre Câmara (2009, p. 462), nos traz:

A coisa julgada formal, porém só é capaz de pôr termo ao módulo


processual, impedindo que se reabra a discussão acerca do objeto do
processo no mesmo feito. A mera existência de coisa julgada formal é
incapaz de impedir que tal discussão ressurja em outro processo.

Ainda sobre o assunto, reforça Donizetti (2012, p. 610),

Diz-se que há coisa julgada formal quando a sentença terminativa transita


em julgado. Nesse caso, em razão da extinção da relação processual, nada
mais pode ser discutido naquele processo. Entretanto, como não houve
qualquer alteração qualitativa nem repercussão alguma na relação
(intrínseca) de direito material, nada impede que o autor ajuíze outra ação,
instaurando-se novo processo, a fim de que o juiz regule o caso concreto.

Como se percebe, atua a coisa julgada formal semelhantemente a


preclusão, operando apenas dentro do processo em que se manifestou e sem
abranger o mérito. Difere da coisa julgada material que opera posteriormente à
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manifestação da espécie formal e impede também a rediscussão da mesma relação
jurídica em outro processo.

1.2.2 Coisa julgada material

A coisa julgada material projeta seus efeitos da indiscutibilidade e


imutabilidade para fora do processo. Esse efeito extraprocessual serve de barreira
para propositura de nova ação igual àquela em que se operou a coisa julgada, ou
seja, evita uma nova ação com as mesmas partes, mesma causa de pedir e mesmo
pedido.

Assim,

A coisa julgada material, de sua vez, é aquela mesma característica de


imutabilidade, analisada de fora do processo, isto é, enquanto característica
da imutabilidade da sentença do ponto de vista exterior, não podendo a
mesma ser atacada por qualquer meio, inclusive extraprocessual.
(SCARPINELLA BUENO, 2011, p. 426, grifo do autor).

De modo geral, ao se referir apenas à coisa julgada, se está diante da coisa


julgada de efetividade material, porquanto é a espécie em sua manifestação mais
importante. É quando se torna impossível a discutibilidade da sentença e a
impossibilidade de ajuizar novamente a mesma ação.

Para tanto, a existência dessa espécie de coisa julgada depende da


presença de alguns pressupostos. Conforme a doutrina são eles: deve incidir sobre
uma decisão jurisdicional; deve se tratar da decisão de sentença definitiva; o mérito
deve ter sido analisado e alcançado por meio de cognição exauriente e por fim, que
já tenha ocorrido a coisa julgada formal (DIDIER JUNIOR; BRAGA; OLIVEIRA,
2011).

Há que se esclarecer que a coisa julgada material reveste sentenças e


acórdãos. Porém, para que ocorra é necessário que se julgue o mérito, ou seja, só
pode revestir as decisões definitivas. Para chegar à sentença definitiva é
fundamental que o mérito tenha sido analisado de maneira exauriente, ou seja, com

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o uso de todas as provas possíveis, de modo que a decisão reflita um embasamento
seguro quanto àquilo que foi demonstrado no processo.

Deste modo, “Daí pode afirmar-se que a cognição exauriente é a cognição


das decisões definitivas. É por isso que uma decisão que antecipa a tutela, fundada
em cognição sumária, não fica imune com a coisa julgada material.” (DIDIER
JUNIOR; BRAGA; OLIVEIRA, 2011, p. 421).

É também, exclusividade do processo de conhecimento, não existindo coisa


julgada material nos processos de execução e cautelares. O processo de execução
por não analisar o mérito e o cautelar por ser baseado em cognição sumária,
fundamentada apenas em algumas provas, servindo apenas para resguardar a
pretensão de forma provisória (GONÇALVES, 2012).

Segundo Didier Junior, Braga, Oliveira (2011), a coisa julgada formal é o


degrau para se chegar à coisa julgada material. É o último requisito para a existência
da coisa julgada material.

Segundo Donizetti (2012, p. 611),

A coisa julgada material pressupõe a coisa julgada formal, mas a recíproca


não é verdadeira. A coisa julgada formal veda apenas a discussão do direito
material no processo extinto pela sentença. A ocorrência da coisa julgada
material, por sua vez, veda não só a reabertura da relação processual,
como qualquer discussão em torno do direito material.

Em suma, quando se alude à coisa julgada, entende-se como referência à


coisa julgada material, por tratar da sua espécie mais importante, já que é ela que
incide sobre as decisões definitivas e garantem a segurança jurídica. Ela não
termina a discussão somente dentro do processo extinto, mas também, garante a
imutabilidade do que foi decidido e a indiscutibilidade de outra ação com identidade
entre as partes, a causa de pedir e o pedido.

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1.3 Limites objetivos da coisa julgada

O artigo 468 do Código de Processo Civil em seu texto estabelece os limites


da coisa julgada material. Diz ele: “A sentença, que julgar total ou parcialmente a
lide, tem força de lei nos limites da lide e das questões decididas.”

Quanto ao referido artigo, sentença com força de lei significa dizer que ela
deve ser respeitada por todos. Já as questões decididas são os fundamentos de fato
ou de direito que serviram de embasamento ao pedido e estas se encontram
protegidas pela coisa julgada (DONIZETTI, 2012, grifo nosso).

Em se tratando de limites objetivos, a coisa julgada recai sobre o dispositivo


da sentença, porque é nessa parte que contém o julgamento proferido pelo juiz. E tal
julgamento deve estar dentro daquilo que foi pedido na demanda. Não estão
acobertados pela coisa julgada os motivos, verdade dos fatos e questões incidentes.
É o que demonstra o artigo 469 e incisos I, II e III do Código de Processo Civil:

Art. 469. Não fazem coisa julgada:


I - os motivos, ainda que importantes para determinar o alcance da parte
dispositiva da sentença;
Il - a verdade dos fatos, estabelecida como fundamento da sentença;
III - a apreciação da questão prejudicial, decidida incidentemente no
processo.

No entanto, quanto às questões prejudiciais, está prevista exceção no artigo


470 do CPC: “Faz, todavia, coisa julgada a resolução da questão prejudicial, se a
parte o requerer (arts. 5o e 325), o juiz for competente em razão da matéria e
constituir pressuposto necessário para o julgamento da lide.” Então, quando acolhido
o pedido incidental de declaração este também faz coisa julgada. Para Gonçalves
(2012, p. 440), “Essa ação tem o condão não de aumentar a extensão das matérias
que o juiz irá apreciar, mas o que ele decidirá em caráter definitivo, transformando a
questão incidente em questão de mérito.”

Apenas com a ação declaratória incidental e o amparo de seu pedido, a


questão prejudicial que seria resolvida de maneira incidental passa a ser resolvida
em caráter definitivo (GONÇALVES, 2012). Portanto, a própria legislação prevê

18
exceção à regra de que a coisa julgada se manifesta apenas na parte dispositiva da
decisão.

1.3.1 Eficácia preclusiva da coisa julgada

Ainda no âmbito dos limites objetivos da coisa julgada, opera-se a chamada


eficácia preclusiva da coisa julgada, também conhecida por princípio do deduzível e
do dedutível. É a maneira em que se estende o efeito da coisa julgada daquilo que
foi decidido para o que também poderia e devia ter sido argumentado na ação e não
foi. Esses argumentos que deveriam ter chegado ao processo e não foram também
são acobertados pela impossibilidade de rediscussão (SCARPINELLA BUENO,
2011).

Conforme o artigo 474 do Código de Processo Civil, “Passada em julgado a


sentença de mérito, reputar-se-ão deduzidas e repelidas todas as alegações e
defesas, que a parte poderia opor assim ao acolhimento como à rejeição do pedido.”

Tornam-se indiscutíveis os argumentos que poderiam ter sido utilizados em


relação ao pedido e não foram. Segundo Marinoni (2010, p. 75-76),

Isto não quer dizer que os motivos da sentença transitam em julgado, mas
sim que, uma vez julgado o pedido, todo o material que foi utilizado e que
poderia ter sido utilizado para discutir a demanda torna-se irrelevante e
superado, mesmo que, sobre ele, não tenha o juiz se manifestado de forma
expressa ou completa.

Ainda, segundo Gonçalves (2012, p. 440),

Os fatos que o réu apresentar para fundamentar o seu pedido de que a


pretensão inicial seja desacolhida não constituem um dos elementos da
ação. São elementos identificadores da ação os fatos em que se baseia a
pretensão do autor, mas não aqueles em que a defesa está fundada. Por
isso, caso acolhida a pretensão do autor, reputam-se repelidas todas as
defesas que o réu apresentou, como as que ele poderia ter deduzido e não
o fez.

Cabe ressaltar ainda, segundo Theodoro Jr, citado por Wagner Junior
(2010), que não se deve confundir com as questões implicitamente resolvidas. Tanto

19
os pedidos não formulados pelas partes como aqueles que não tenham sido
apreciados pelo juiz, sobre esses não incide a autoridade da coisa julgada.

Sendo assim, cabe ao réu alegar toda sua matéria de defesa no próprio
processo existente. Com a procedência da pretensão do autor, o réu fica impedido
de futuramente ajuizar nova ação com o que deveria ter sido alegado como defesa
no processo já julgado, opera a eficácia preclusiva daquilo que foi e também do que
poderia ter sido levado ao processo como defesa.

1.4 Limites subjetivos da coisa julgada

A coisa julgada também se submete a limites subjetivos, ou seja, é a


definição de que pessoas se sujeitam ao instituto, a quem seus efeitos da
indiscutibilidade e imodificabilidade alcançam. A regra está prevista no artigo 472 do
Código de Processo Civil que diz:

Art. 472. A sentença faz coisa julgada às partes entre as quais é dada, não
beneficiando, nem prejudicando terceiros. Nas causas relativas ao estado
de pessoa, se houverem sido citados no processo, em litisconsórcio
necessário, todos os interessados, a sentença produz coisa julgada em
relação a terceiros.

Na primeira parte do citado artigo o mesmo faz alusão à regra geral de que
os efeitos da coisa julgada atingem somente as partes envolvidas na demanda. Já
na segunda parte esta excepciona a abrangência dos efeitos também para os
terceiros interessados.

Em decorrência do alcance subjetivo dos efeitos da coisa julgada, esta pode


operar de três maneiras distintas: inter partes, ultra partes e erga omnes. Em nosso
ordenamento jurídico prevalece como regra a coisa julgada inter partes.

1.4.1 Coisa julgada inter partes

Coisa julgada inter partes é aquela que manifestados seus efeitos, os


mesmos só afetam as pessoas que figuram como parte no processo. Figura como
regra geral em nosso ordenamento jurídico e está prevista na primeira parte do já
20
citado artigo 472 do CPC, que diz: “A sentença faz coisa julgada às partes entre as
quais é dada, não beneficiando, nem prejudicando terceiros.”

Segundo Gonçalves (2012, p. 441),

A regra fundamental é que a coisa julgada alcança as partes, mas não


terceiros. São várias as razões: ela impede a repropositura da mesma
demanda, e isso só ocorrerá se as partes forem as mesmas, pois elas são
elementos identificadores da ação; [...]

Ainda, segundo a doutrina, tal regra decorre de que o alcance somente às


partes envolvidas no processo é decorrente de algumas garantias constitucionais.
Segundo Didier Junior, Braga, Oliveira (2011, p. 429),

Isso porque, segundo o espírito do sistema processual brasileiro, ninguém


poderá ser atingido pelos efeitos de uma decisão jurisdicional transitada em
julgado, sem que lhe tenha sido garantido o acesso à justiça, com um
processo devido, onde se oportunize a participação em contraditório.

Portanto, a regra é a formação da coisa julgada inter partes. Entende-se que


ela atua deste modo para corroborar princípios constitucionais, tais como o do
devido processo legal, do contraditório e da ampla defesa. Porém, diante de
algumas situações distintas, o próprio texto legal prevê exceções onde a coisa
julgada atinge também alguns terceiros.

1.4.2 Coisa julgada ultra partes

Ademais, nosso ordenamento além da regra da coisa julgada inter partes,


admite também a formação da coisa julgada ultra partes. Coisa julgada ultra partes é
aquela que além das partes que compõem a demanda, são atingidos também
alguns terceiros. Segundo a doutrina (DIDIER JUNIOR; BRAGA; OLIVEIRA, 2011),
são os casos da substituição processual, da legitimação concorrente, das decisões
que favorecem a credor solidário e também em ações coletivas que abordem direitos
coletivos.

Quanto à substituição processual prevê o artigo 42 caput e § 3º do CPC: “A


alienação da coisa ou do direito litigioso, a título particular, por ato entre vivos, não
21
altera a legitimidade das partes. § 3o A sentença, proferida entre as partes
originárias, estende os seus efeitos ao adquirente ou ao cessionário.”

Nos casos de legitimidade concorrente, afirma Didier Junior, Braga, Oliveira


(2011, p.430-431),

O sujeito co-legitimado para ingressar com uma ação (detentor de


legitimação concorrente), que poderia ter sido parte no processo, na
qualidade de litisconsorte unitário facultativo ativo, mas não foi, ficará
vinculado aos efeitos da coisa julgada produzida pela decisão proferida na
causa [...]

Já em relação aos credores solidários, dispõe o artigo 274 do Código Civil:


“O julgamento contrário a um dos credores solidários não atinge os demais; o
julgamento favorável aproveita-lhes, a menos que se funde em exceção pessoal ao
credor que o obteve.”

E por fim, nas ações coletivas sobre direitos coletivos em sentido estrito,

A coisa julgada formada nestas ações não se limita a tingir as partes


originárias do processo, alcançando também, todos os membros da
categoria, classe ou grupo, que são ligados entre si ou com a parte adversa
por uma relação jurídica base. (DIDIER JUNIOR; BRAGA; OLIVEIRA, 2011,
p. 431).

É o que se respalda com a leitura do artigo 103, inciso II do Código de


Defesa do Consumidor onde está prevista a coisa julgada ultra partes, que estende
os efeitos do julgamento da ação coletiva a determinado grupo, categoria ou classe.

1.4.3 Coisa julgada erga omnes

Por fim, a coisa julgada erga omnes é aquela em que seus efeitos estariam
vinculados a todos, independentemente de terem participação no processo.
Exemplifica, Didier Junior, Braga, Oliveira (2011, p. 431),

É o que ocorre, por exemplo, com a coisa julgada produzida na ação de


usucapião de imóveis, nas ações coletivas que versem sobre direitos
difusos ou individuais homogêneos (art. 103, I e III do CDC) e nas ações de
controle concentrado de constitucionalidade.

22
Em suma, o artigo 103 do Código de Defesa do Consumidor em seus incisos
I e III prescreve,

Art. 103. Nas ações coletivas de que trata este código, a sentença fará
coisa julgada:
I - erga omnes, exceto se o pedido for julgado improcedente por
insuficiência de provas, hipótese em que qualquer legitimado poderá
intentar outra ação, com idêntico fundamento valendo-se de nova prova, na
hipótese do inciso I do parágrafo único do art. 81;
III - erga omnes, apenas no caso de procedência do pedido, para beneficiar
todas as vítimas e seus sucessores, na hipótese do inciso III do parágrafo
único do art. 81.

Apesar de tais distinções, há doutrinadores que acreditam que essa


manifestação não difere da coisa julgada ultra partes, tendo em vista que vai
abranger àqueles que tenham alguma relação com a causa da decisão e não
indistintamente a todos e em qualquer lugar (DIDIER JUNIOR; BRAGA; OLIVEIRA,
2011).

O que se percebe de tal entendimento é que a coisa julgada erga omnes


guarda estreita semelhança com a coisa julgada ultra partes. Ainda, que a
impressão seja de que todos, sem qualquer distinção, seriam afetados pela decisão,
a melhor compreensão é de que a coisa julgada atinge somente àqueles que
guardam algum vínculo com a relação jurídica e a sua decisão.

1.5 Modo de produção da coisa julgada

A coisa julgada também pode se apresentar de três formas conforme o


modo de sua produção. Ela pode ser pro et contra, secundum eventum litis e
secundum eventum probationis.

1.5.1 Coisa julgada pro et contra

A coisa julgada pro et contra é a regra no Código de Processo Civil. É


aquela que não guarda dependência com o resultado a ser proferido na sentença.
Seja a decisão procedente ou improcedente, a coisa julgada será formada.

23
Seja o julgamento decorrente de processo com esgotamento da produção de
provas ou baseado em insuficiência de provas, formar-se-á a coisa julgada.
Diferente da coisa julgada secundum eventum probationis que necessita tenham
sido apresentadas todas as provas possíveis de serem produzidas.

1.5.2 Coisa julgada secundum eventum litis

Já a coisa julgada secundum eventum litis para se formar depende de qual


será o resultado da demanda. É o que se passa no direito processual penal, é
possível a tentativa de modificação da sentença se para favorecer o réu (DIDIER
JUNIOR; BRAGA; OLIVEIRA, 2011). Caberá revisão criminal para reverter a
sentença condenatória e não para revisão de sentença absolutória, eis que
envolvida pela coisa julgada.

Ainda, para Didier Junior, Braga, Oliveira (2011, p. 432, grifo do autor), “Este
regime não é bem visto pela doutrina, pois trata as partes de forma desigual,
colocando uma delas em posição de flagrante desvantagem, já que a coisa julgada
dependerá do resultado.”

É também adotada pelo Código de Defesa do Consumidor no plano


individual dependendo do resultado das ações coletivas. Conforme a previsão dos
incisos e § 1º do artigo 103 do CDC:

Art. 103. Nas ações coletivas de que trata este código, a sentença fará
coisa julgada:
I - erga omnes, exceto se o pedido for julgado improcedente por
insuficiência de provas, hipótese em que qualquer legitimado poderá
intentar outra ação, com idêntico fundamento valendo-se de nova prova, na
hipótese do inciso I do parágrafo único do art. 81;
II - ultra partes, mas limitadamente ao grupo, categoria ou classe, salvo
improcedência por insuficiência de provas, nos termos do inciso anterior,
quando se tratar da hipótese prevista no inciso II do parágrafo único do art.
81;
III - erga omnes, apenas no caso de procedência do pedido, para beneficiar
todas as vítimas e seus sucessores, na hipótese do inciso III do parágrafo
único do art. 81.
§ 1° Os efeitos da coisa julgada previstos nos incisos I e II não prejudicarão
interesses e direitos individuais dos integrantes da coletividade, do grupo,
categoria ou classe.

24
Por fim, tal forma de manifestação é encontrada nas relações de consumo e
no direito processual penal. A princípio, não são conhecidos exemplos dessa
formação da coisa julgada no direito processual civil.

1.5.3 Coisa julgada secundum eventum probationis

Finalmente, a coisa julgada pode se manifestar secundum eventum


probationis. É a coisa julgada relacionada com o caminho usado para chegar à
decisão, dependendo se foram esgotados todos os meios de produção de prova ou
não. Se chegada à procedência ou improcedência com o uso de todas as provas
possíveis, opera a coisa julgada. Porém, se a decisão de improcedência for baseada
em insuficiência de provas, por exemplo, não se manifesta a coisa julgada.

Diferente do que acontece com a manifestação pro et contra, nas palavras


de Didier Junior, Braga, Oliveira (2011, p. 432), “No regime geral (pro et contra), a
improcedência por falta de provas torna-se indiscutível pela coisa julgada.”

Conforme Didier Junior, Braga, Oliveira (2011), são exemplos de coisa


julgada secundum eventum probationis as decisões decorrentes de ações coletivas
que julgam direitos coletivos em sentido estrito, as que decorrem de ação popular e
de mandando de segurança, seja ele individual ou coletivo.

Em relação às ações coletivas, prevê o artigo 103 e seus incisos I e II do


CDC:

Art. 103. Nas ações coletivas de que trata este código, a sentença fará
coisa julgada:
I - erga omnes, exceto se o pedido for julgado improcedente por
insuficiência de provas, hipótese em que qualquer legitimado poderá
intentar outra ação, com idêntico fundamento valendo-se de nova prova, na
hipótese do inciso I do parágrafo único do art. 81;
II - ultra partes, mas limitadamente ao grupo, categoria ou classe, salvo
improcedência por insuficiência de provas, nos termos do inciso anterior,
quando se tratar da hipótese prevista no inciso II do parágrafo único do art.
81;

Quanto à ação popular, dispõe o artigo 18 da Lei Federal nº 4.717 de 1965:

25
Art. 18. A sentença terá eficácia de coisa julgada oponível "erga omnes",
exceto no caso de haver sido a ação julgada improcedente por deficiência
de prova; neste caso, qualquer cidadão poderá intentar outra ação com
idêntico fundamento, valendo-se de nova prova.

E por fim, dispõe o artigo 19 da Lei Federal nº 12.016 de 2009: “A sentença


ou o acórdão que denegar mandado de segurança, sem decidir o mérito, não
impedirá que o requerente, por ação própria, pleiteie os seus direitos e os
respectivos efeitos patrimoniais.”

Das três espécies de produção da coisa julgada, a que se origina secundum


eventum probationis, estaria ligada a uma decisão em que se esgotaram os meios
de provas e não guarda qualquer relação com o resultado. Diferentemente da pro et
contra e da secundum eventum litis, onde a sua manifestação pode se dar,
respectivamente, também em decorrência da inexistência de provas suficientes no
processo, seja a decisão procedente ou improcedente, ou ainda, de guardar ligação
direta e condicionada ao resultado de uma das partes.

26
2 REVISÃO DA COISA JULGADA

A coisa julgada garante segurança jurídica às decisões jurisdicionais. É o


instituto que confere à solução judicial uma definitividade, impossibilitando que sua
discussão se perpetue durante o tempo. Conforme Scarpinella Bueno (2011, p. 440),

[...] uma vez julgados os recursos interpostos ou não cabível mais qualquer
forma de impugnação da decisão, e formada a coisa julgada, o que foi
decidido torna-se imutável e imune a qualquer discussão.

A própria lei prevê as possíveis situações de revisão da decisão já transitada


em julgado e os mecanismos legais a serem utilizados. No caso de decisões que
ferem preceitos constitucionais, independentemente da previsão legal e de prazo,
em que pese a legislação não conseguir abranger todas as hipóteses possíveis de
revisão, doutrinadores como José Augusto Delgado e Humberto Theodoro Júnior,
defendem a relativização da coisa julgada.

2.1 Mecanismos de afastamento da coisa julgada

A coisa julgada é atrelada à manifestação da segurança jurídica,


fundamental princípio do Estado Democrático de Direito, o qual garante aos
indivíduos que as discussões levadas ao juízo serão, em algum momento, definitivas
e imodificáveis. Porém, estão inseridos no ordenamento jurídico, mecanismos
adequados às situações em que a decisão, ainda que acobertada pelo manto da
coisa julgada, pode ser revista.

Aos interessados, nos processos judiciais em curso estão disponíveis


recursos para a devida revisão das decisões. Esgotadas tais possibilidades, para a
sentença transitada em julgado, outros mecanismos são oferecidos para que as
decisões defeituosas, constantes de vícios ou nulidades, sejam revistas. São
mecanismos previstos legalmente: a ação rescisória e a querela nullitatis, bem como
a coisa julgada nas relações jurídicas continuativas e a possibilidade de relativização
quando afronta direitos fundamentais.

27
2.1.1 Ação Rescisória

Esgotada a fase de interposição de recursos, a sentença que transita em


julgado não poderia mais ser modificada, em razão da necessidade de que a
discussão posta em juízo seja definitivamente decidida. Nas sentenças terminativas,
em que ocorre apenas a manifestação da coisa julgada formal, seus efeitos
impedem nova discussão do direito controvertido no processo em que foi extinto,
mas não que seja proposta outra ação. Nas sentenças definitivas, onde a decisão é
acobertada pela coisa julgada formal e material, os efeitos impedem a retomada da
discussão no processo extinto e também são projetados além do processo,
impossibilitando que as partes discutam novamente o que foi decidido.

É um meio de levantar nulidades absolutas que viciam o processo e a


sentença dele originada. Segundo Gonçalves (2012, p. 444), “Quando o vício é
daqueles que desaparecem quando o processo se encerra, não cabe ação
rescisória. Ela exige que a nulidade seja absoluta, que se prolongue para além do
processo.”

As decisões terminativas transitadas em julgado são imutáveis. Para as


sentenças definitivas maculadas por vícios que se projetam para além do processo
já extinto, ainda que após o trânsito em julgado, encontra-se disponível a Ação
Rescisória, prevista para desconstituição do julgado viciado.

2.1.1.1 Natureza jurídica

A Ação Rescisória assim como os recursos é meio que provoca a


impugnação da decisão judicial e como consequência o seu reexame (DONIZETTI,
2012). Porém, trata-se de ação autônoma de impugnação de uma sentença de
mérito transitada em julgado que tornou a decisão definitiva.

Para Didier Junior, Cunha (2012, p. 379),

A ação rescisória não é recurso, por não atender a regra da taxatividade, ou


seja, por não estar prevista em lei como recurso. Ademais os recursos não

28
formam novo processo, nem inauguram uma nova relação jurídica
processual, ao passo que as ações autônomas de impugnação assim se
caracterizam por gerarem a formação de nova relação jurídica processual,
instaurando-se um processo novo.

Assim, diferentemente dos recursos, na Ação Rescisória em que se


desconstitui a coisa julgada material, se pressupõe que a relação processual foi
extinta e uma nova foi proposta, sendo instaurado novo processo, enquanto nos
recursos as impugnações se desenvolvem na mesma relação processual antes do
trânsito em julgado da decisão.

2.1.1.2 Pressupostos

Para que seja proposta a Ação Rescisória, o autor deve preencher um


pressuposto genérico, ou seja, aquele previsto no art. 485, caput do CPC. Se a ação
visa desconstituir a coisa julgada material, a mesma só é cabível de sentença
definitiva, de mérito e que já tenha transitado em julgado.

Conforme Donizetti (2012), o termo sentença empregado no referido artigo,


é entendido em seu sentido lato, qual seja, decisão que analise o mérito. Cabível
então, não somente de sentenças, mas de acórdãos, decisões monocráticas e
decisões interlocutórias.

Nesse sentido é o entendimento do Superior Tribunal de Justiça,

PROCESSUAL CIVIL. ADMINISTRATIVO. SERVIDOR PÚBLICO.


REAJUSTE DE 26,05%. AÇÃO RESCISÓRIA. PROPOSITURA CONTRA
RECURSO ESPECIAL INTERPOSTO DE DECISÃO DE NATUREZA
INTERLOCUTÓRIA. CABIMENTO. EXCEÇÃO. ART. 485, CAPUT, DO
CPC. PEDIDO JULGADO PROCEDENTE.
[...] 2. Segundo o art. 485, caput, do CPC, cabe ação rescisória de sentença
de mérito transitada em julgado. Por conseguinte, em regra, não se presta
para desconstituir acórdão proferido em recurso especial que julga, em
última análise, decisão de natureza interlocutória. 3. Hipótese em que se
apresenta aplicável a exceção à regra. O acórdão rescindendo, proferido
pela Sexta Turma nos autos do REsp 230.694/SE, ao julgar incabível a
concessão do reajuste de 26,05%, reformou decisão interlocutória que, em
execução, determinara a citação da União e o cumprimento da obrigação de
fazer, consistente em implantar nos proventos do autor o reajuste em tela.
4. Por conseguinte, além de examinar o próprio mérito, acabou por impedir
a percepção do reajuste pelo autor da ação rescisória, já assegurado em
sentença transitada em julgado. Assim, incorreu em julgamento extra petita

29
e contrariou a coisa julgada, violando, de forma literal, os arts. 128 e 460 do
Código de Processo Civil. 5. Pedido julgado procedente.
(BRASIL, 2007)

Já nos incisos do art. 485 do CPC, encontram-se os pressupostos


específicos da Ação Rescisória. São as situações que ensejam a procedência do
pedido para que seja rescindida a sentença. Passamos à análise de cada uma das
nove situações.

Pode se dar quando a sentença é dada por prevaricação, concussão ou


corrupção do juiz, quando constatado algum dos tipos penais previstos,
respectivamente, nos seguintes artigos do Código Penal:

Art. 316 - Exigir, para si ou para outrem, direta ou indiretamente, ainda que
fora da função ou antes de assumi-la, mas em razão dela, vantagem
indevida.
Art. 317 - Solicitar ou receber, para si ou para outrem, direta ou
indiretamente, ainda que fora da função ou antes de assumi-la, mas em
razão dela, vantagem indevida, ou aceitar promessa de tal vantagem.
Art. 319 - Retardar ou deixar de praticar, indevidamente, ato de ofício, ou
praticá-lo contra disposição expressa de lei, para satisfazer interesse ou
sentimento pessoal.

A existência de algum dos delitos pode ser comprovada no curso da Ação


Rescisória, sem a necessidade de que exista instauração da ação penal contra o
magistrado no momento do ajuizamento da ação. Segundo Souza e Silva (2009), se
sobrevir sentença condenatória ou absolutória, essa influenciará a ação de
impugnação, salvo se a absolvição se fundar na falta de provas. Ainda, no caso de
rescisão de acórdão, é fundamental que o vício macule o voto vencedor, faltando
interesse processual se estiver viciado o voto vencido.

Ainda, quando a sentença é proferida por juiz impedido ou absolutamente


incompetente, nas hipóteses do artigo 134 do CPC:

É defeso ao juiz exercer as suas funções no processo contencioso ou


voluntário: I - de que for parte; II - em que interveio como mandatário da
parte, oficiou como perito, funcionou como órgão do Ministério Público, ou
prestou depoimento como testemunha; III - que conheceu em primeiro grau
de jurisdição, tendo-lhe proferido sentença ou decisão; IV - quando nele
estiver postulando, como advogado da parte, o seu cônjuge ou qualquer
parente seu, consangüíneo ou afim, em linha reta; ou na linha colateral até
o segundo grau; V - quando cônjuge, parente, consangüíneo ou afim, de

30
alguma das partes, em linha reta ou, na colateral, até o terceiro grau; VI -
quando for órgão de direção ou de administração de pessoa jurídica, parte
na causa.

Além das causas de impedimento, cabe a Ação Rescisória quando o juiz


atua em desrespeito aos critérios da matéria, da pessoa e do critério funcional, ou
seja, fora dos limites da sua jurisdição. Conforme Donizetti (2012, p. 837) exemplo
disso é: “[...] o juiz da justiça estadual é absolutamente incompetente para julgar
causas em que a União figure num dos polos.”

Ressalta-se que tanto a suspeição como a incompetência relativa devem ser


arguidas por meio de exceção própria. Não ensejam assim, possibilidade para
rescindir a decisão.

Cabe também, da sentença que resultar de dolo da parte vencedora em


detrimento da parte vencida ou de colusão entre as partes, a fim de fraudar a lei.
Ensina Souza e Silva (2009, p. 427): “há dolo toda vez que a parte vencedora,
faltando a seu dever de lealdade e boa-fé, dificulta a atuação processual do vencido
ou influencia a formação do convencimento do juiz, afastando-o da verdade.” Por
colusão entre as partes, entende-se o dolo bilateral, o qual ambas as partes
praticaram a fim de fraudar a lei (DONIZETTI, 2012).

No caso em que a sentença ofende a coisa julgada, poderá ser rescindida a


nova decisão que reforma o que foi decidido em julgado anterior. Há controvérsia de
entendimento quando não existir a rescisão da segunda decisão. Segundo
Gonçalves (2012), a solução almejada por Vicente Greco Filho seria de que a
segunda decisão deve ser executada sem que o juiz evite sua eficácia, pois o
trânsito em julgado impede a discussão da sua validade. Porém, para o autor, no
caso da existência de coisas julgadas antagônicas, entende que deve prevalecer a
primeira, em decorrência de que a segunda foi prolatada quando já existente
decisão definitiva a respeito.

Quando a decisão viola literal disposição de lei cabe a sua rescisão.


Segundo Gonçalves (2012, p.454), “É indispensável que haja afronta direta e
induvidosa à lei.”
31
Para Donizetti (2012), súmulas vinculantes editadas pelo Supremo Tribunal
Federal devem ser tratadas como lei, pois possuem eficácia erga omnes e vinculam
os demais órgãos do Poder Judiciário e da Administração Pública Direta e Indireta. E
ainda que a Súmula 343 do STF disponha que: “Não cabe ação rescisória por
ofensa a literal disposição de Lei, quando a decisão rescindenda se tiver baseado
em texto legal de interpretação controvertida nos tribunais.” O próprio Supremo tem
admitido a ação rescisória fundada em violação à interpretação definitiva de matéria
constitucional pelo STF, ainda que posterior à ação rescindenda, desde que na
época já existisse a controvérsia sobre a temática.

Ademais, a decisão pode confrontar com a lei material ou processual. Para a


Ação Rescisória com base em violação da lei processual, é necessário que o vício
seja pressuposto de validade da sentença e não posterior a ela. Em conformidade
com isso, tem-se a ementa do Acórdão do Tribunal de Justiça do Estado de Minas
Gerais:

AÇÃO RESCISÓRIA - CAUSAS DE RESCINDIBILIDADE PREVISTAS NO


ART. 485 DO CPC - NÃO-CONFIGURAÇÃO - VÍCIO POSTERIOR À
DECISÃO - NÃO-CABIMENTO DA AÇÃO RESCISÓRIA - FALTA DE
INTERESSE PROCESSUAL - PETIÇÃO INICIAL - INDEFERIMENTO.
(MINAS GERAIS, 2007)

Cabe ainda, a impugnação da decisão que se funda em prova cuja falsidade


tenha sido apurada em processo criminal ou provada na própria Ação Rescisória.
Não importa se trata de falsidade material ou ideológica, ou seja, respectivamente,
se a falsidade incide sobre a integridade do papel ou se versa sobre o conteúdo
intelectual do documento. É fundamental que essa prova tenha sido decisiva no
resultado do julgamento. Conforme Gonçalves (2012, p. 455),

É indispensável que a prova falsa tenha sido determinante do resultado, que


este não possa subsistir sem ela. Se o julgamento está fundado em vários
elementos ou provas variadas, e a falsidade de uma delas não seja decisiva
para o resultado, não haverá razão para a rescisória.

É possível, também, ser rescindida, se depois da sentença, o autor obtiver


documento novo, cuja existência ignorava ou de que não pode fazer uso e que seja

32
capaz por si só, de lhe assegurar pronunciamento favorável. Refere-se tal dispositivo
ao autor da rescisória, podendo ter figurado na ação originária como autor ou réu.
Esclarece Gonçalves (2012, p. 456),

O documento novo não é aquele cuja constituição operou-se após a decisão


transitada em julgado, mas cuja existência, embora anterior, era ignorada
pelo autor da ação rescisória, ou de que ele não pôde fazer uso, por
circunstâncias alheias à sua vontade.

Quando houver fundamento para invalidar confissão, desistência ou


transação em que se baseou a sentença. Conforme Donizetti (2012) há um equívoco
na disposição ao se referir à desistência, vez que essa constitui causa de extinção
do processo sem resolução do mérito. Deve ser entendida como renúncia ao direito
sobre que se funda a ação ou ao reconhecimento da procedência do pedido.

Portanto é pressuposto quando a confissão, a transação, a renúncia ao


direito sobre o qual se funda a ação ou o reconhecimento da procedência do pedido
conter algum dos defeitos previstos no art. 171 do Código Civil, são eles: a
incapacidade relativa do agente, erro, dolo, coação, estado de perigo e lesão ou
fraude contra credores. Porém, há entendimento pacífico na jurisprudência de que
das sentenças homologatórias de transação cabe ação anulatória, estendendo aos
casos de homologação da renúncia sobre o direito que se funda a ação ou ao
reconhecimento da procedência do pedido.

Conforme Donizetti (2012, p. 843), “É importante frisar que a ação anulatória


se dirige contra o negócio jurídico em si, sendo eficaz para invalidá-lo antes do
trânsito em julgado da sentença.” Após o trânsito em julgado, só a rescisão é eficaz
para desconstituir a coisa julgada, depois de rescindida a sentença é possível o
julgamento da lide, diferente da anulação, em que o conflito restaria sem solução
(DONIZETTI, 2012).

A última previsão do artigo em acompanhamento é a hipótese de rescisão


da sentença fundada em erro de fato, resultante de atos ou de documentos da
causa. Ocorre erro quando a sentença admite fato inexistente ou quando considera
inexistente fato que efetivamente ocorreu. É indispensável que o erro esteja

33
comprovado de plano, pois não se admite que sejam produzidas novas provas do
erro na Ação Rescisória, e que a existência ou inexistência não tenha sido
expressamente apreciada na sentença (GONÇALVES, 2012).

Ainda que se trate de rol taxativo, segundo Didier Junior, Cunha (2012), é
cabível a ação rescisória nos casos de sentença que julga a partilha, conforme
dispõe o art. 1030 e incisos do CPC: “É rescindível a partilha julgada por sentença:
nos casos mencionados no artigo antecedente; se feita com preterição de
formalidades legais; se preteriu herdeiro ou incluiu quem não o seja.” A primeira
hipótese se refere ao art. 1029, caput do referido Código, que dispõe o seguinte: “A
partilha amigável, lavrada em instrumento público, reduzida a termo nos autos do
inventário ou constante de escrito particular homologado pelo juiz, pode ser anulada,
por dolo, coação, erro essencial ou intervenção de incapaz.”

2.1.1.3 Competência, legitimidade e prazo

Não compete aos juízes de primeiro grau rescindir sentença. É competência


dos tribunais de segundo grau a Ação Rescisória de sentença de primeiro grau e
das próprias decisões proferidas em demandas de competência originária ou
quando tiver conhecido recurso e operado o efeito substitutivo.

Ainda, supondo que o STJ aprecie questão infraconstitucional e o STF


questão constitucional de uma mesma decisão, se tratar de capítulos autônomos e
existir competência diversa, cabe quantas ações rescisórias quanto forem os
pedidos, preservadas as competências diferentes, porém, se os capítulos guardarem
dependência lógica, é permitida a prorrogação da competência ao tribunal de mais
alta hierarquia dentre os revelados competentes. E quando mais de um órgão
jurisdicionado participar do julgamento, compete ao que for mais amplo (DONIZETTI,
2012).

Possuem legitimidade ativa: aquele que for parte no processo ou seu


sucessor a título universal ou singular, o terceiro juridicamente interessado e o
Ministério Público.

34
Segundo Donizetti (2012), a legitimidade é da parte que foi vencida total ou
parcialmente e engloba também, a parte que tenha sido revel na ação originária. O
sucessor da parte prejudicada pela sentença transitada em julgado também possui
legitimidade ativa. A sucessão pode ser inter vivos ou causa mortis. Trata-se da
legitimidade sucessiva. Ressalva-se que a Ação Rescisória fundada em confissão
viciada, só pode ser proposta pelo confitente e só é transferida aos herdeiros se o
falecimento ocorre após a propositura da ação. É legitimado ativo o terceiro
juridicamente interessado, aquele que mantém uma relação com o vencido e suporta
efeitos indiretos da decisão. O interesse deve ser jurídico e não apenas de fato, é
aquele que tinha legitimidade para intervir como assistente ou recorrer como terceiro
prejudicado. Já o Ministério Público é parte legitimada ativamente quando não for
ouvido em processo que lhe compete intervir e quando o interesse público for
evidente ou quando a sentença é o efeito da colusão das partes, a fim de fraudar a
lei. Cabe como polo ativo ainda, em face das decisões proferidas em ações que
tenha atuado como autor.

A ação deve ser ajuizada no prazo de dois anos a contar da data do trânsito
em julgado, sob pena de decadência do direito. Passados os dois anos se opera a
coisa soberanamente julgada e ainda que presente algum dos supramencionados
vícios ela se torna absolutamente imutável.

2.1.1.4 Procedimento e processamento

A petição inicial da Ação Rescisória deve seguir os requisitos básicos


presentes nos arts. 282 e 283 do CPC. Ainda, deve cumular com o pedido de
rescisão o de novo julgamento, se for o caso e também, o depósito de 5% sobre o
valor da causa. Para Gonçalves (2012), o pedido rescisório está implicitamente
ligado ao pedido do juízo rescindente quando esse for julgado procedente. Se há a
intenção de desconstituir a decisão, por conseguinte busca-se um novo julgamento.
Já o depósito atua como condição de admissibilidade e é transformado em multa a
favor do réu, se a ação for extinta sem resolução do mérito ou julgada improcedente
por unanimidade de votos, conforme arts. 488, II e 494 do Código Processualista

35
Civil. Frisa-se que as autarquias e fundações públicas, e ainda os beneficiários da
assistência judiciária gratuita são isentos do depósito prévio (DONIZETTI, 2012).

Quanto ao valor da causa é o entendimento do STJ:

O valor da causa, na ação rescisória, deve corresponder à importância a ser


obtida pela procedência total dos pedidos formulados. Entendimento
majoritário da doutrina e posicionamento atual da Primeira Seção desta
Corte, assentado no julgamento dos EREsp 383.817/RS, relator Ministro
Teori Albino Zavascki (DJ 12.09.2005).
(BRASIL, 2007)

É indeferida a inicial nos casos previstos no art. 295 do CPC ou quando não
for efetuado o depósito prévio. Segundo Gonçalves (2012), do indeferimento do
relator cabe agravo interno ou regimental para o órgão competente para julgar a
ação. Não cabe apelação do indeferimento da inicial, pois não se trata de sentença e
sim acórdão, de ação de competência originária do tribunal.

Sobre a possibilidade da concessão de medidas de urgência o próprio CPC


prevê no art. 489 que:

O ajuizamento da ação rescisória não impede o cumprimento da sentença


ou acórdão rescindendo, ressalvada a concessão, caso imprescindíveis e
sob os pressupostos previstos em lei, de medidas de natureza cautelar ou
antecipatória de tutela.

Após o recebimento da petição inicial, o réu é citado para responder a ação


em no mínimo 15 e no máximo 30 dias. Para Donizetti (2012), uma vez que o prazo
depende da análise do juiz, a Fazenda Pública e o Ministério Público não possuem o
prazo quádruplo previsto no art. 188 do CPC, contudo não se trata de questão
pacífica e há entendimento doutrinário e jurisprudencial no sentido contrário, onde
também se entende que deve ser computado o prazo em dobro para os
litisconsortes com procuradores diferentes, em conformidade com o art. 191 do CPC.

Sobre a necessidade de intervenção por parte do Ministério Público: “Não


obstante o silêncio do CPC, a ação rescisória é hipótese de intervenção obrigatória
do Ministério Público, tendo em vista o interesse público evidenciado pela “natureza

36
da lide”, a menos que ele próprio seja o autor da ação rescisória.” (DIDIER JUNIOR;
CUNHA, 2012, p. 466)

Superada a fase procedimental da ação, cabe ao tribunal, no caso de


procedência, rescindir a sentença e se for o caso, promover novo julgamento.
Compete ao órgão que fez o juízo rescindente proferir também o juízo rescisório,
independente de se tratar de sentença ou acórdão (GONÇALVES, 2012).

Ressalta-se, segundo Gonçalves (2012), que do acórdão que julga a ação


rescisória cabe embargos de declaração, embargos infringentes ou ainda recurso
extraordinário e ordinário. Ademais, se for julgada pelo mérito a ação e encontrar
presente algum dos pressupostos do art. 485 do CPC, é possível ajuizar outra ação
rescisória.

2.1.2 Querela nullitatis

Além dos recursos e da Ação Rescisória, a coisa julgada pode ser afastada
da decisão por meio da querela nullitatis. Conforme Donizetti (2012, p. 865): “De
origem latina, a expressão significa, basicamente, nulidade do litígio e indica a ação
criada e utilizada na Idade Média para impugnar a sentença, independentemente de
recurso.”

É a ação de nulidade da sentença. Visa impugnar a decisão que contenha


vícios transrescisórios. Cabe salientar que vício transrescisório é aquele tão
gravoso, que persiste além do prazo previsto para propositura da Ação Rescisória.

É ação que veicula a natureza negativa, na qual almeja a declaração da


inexistência de relação jurídica processual, quando ausentes pressupostos
relacionados à existência do processo. São eles: investidura do juiz, demanda e
citação. Por serem vícios que decorrem da falta desses pressupostos e tornam
inexistente a relação jurídica processual, são chamados de vícios transrescisórios,
ou seja, que vão além da rescisão, pois inexistindo a relação jurídica, não há o que
ser rescindido ou desconstituído (DONIZETTI, 2012).

37
Diferentemente da ação rescisória que impugna a sentença contaminada
com vícios no plano da validade, a querela nullitatis visa desconstituir a sentença de
um processo contaminado em sua existência e não possui qualquer prazo, seja
decadencial ou prescricional. Compete aos tribunais a rescisão da sentença. Já para
a declaração de inexistência de relação jurídica processual é competente o juízo que
prolatou a decisão a ser impugnada.

A querela nullitatis pode ser arguida, em nosso ordenamento, via


impugnação ao cumprimento de sentença e como embargos à execução contra a
Fazenda Pública. Hipóteses em que a sentença desfavorável ao réu decorre de
processo que prosseguiu a sua revelia seja por não ter sido citado ou se
irregularmente efetivada a citação, conforme o art. 475-L, I, e o art. 741, I, com base
no que diz o art. 4º, I, todos do CPC.

Para que seja cabível a ação de nulidade da sentença, diante da


irregularidade da citação, a sentença deve ser desfavorável ao réu. Ainda, diante do
comparecimento do réu, mesmo que não, ou irregularmente citado, o vício
automaticamente é suprido, em conformidade com o disposto no art. 214, §1 º do
CPC (DIDIER JUNIOR; CUNHA, 2012).

Conforme entendimento do STJ, não cabe rescisão da sentença maculada


por vício transrescisório:

PROCESSUAL CIVIL. MANDADO DE SEGURANÇA. RECURSO


ORDINÁRIO. ACÓRDÃO DO STJ QUE CONCEDEU O WRIT. NULIDADE
DO PROCESSO POR ALEGADA FALTA DE CITAÇÃO. AÇÃO
RESCISÓRIA. TEMPESTIVIDADE. IMPROPRIEDADE DA VIA ELEITA.
SENTENÇA DE MÉRITO INEXISTENTE.
I. Tempestividade da ação, considerada a existência de litisconsórcio a
duplicar o prazo recursal, nos termos do art. 191 do CPC.
II. Descabimento da rescisória calcada em nulidade do mandado de
segurança por vício na citação, à míngua de sentença de mérito a habilitar
esta via em substituição à própria, qual seja, a de querella nulitatis.
III. Ação extinta, nos termos do art. 267, VI, do CPC.
(BRASIL, 2006)

38
Porém, há divergência jurisprudencial e doutrinária quanto à fungibilidade
entre a propositura da Ação Rescisória nos casos em que caberia a querela
nullitatis. Entende o doutrinador Donizetti (2012) que deve-se admitir a rescisão para
que seja discutido vício transrescisório.

2.1.3 Coisa julgada nas relações jurídicas continuativas

Em regra, as decisões decididas e acobertadas pela coisa julgada não


podem ser revistas, porém algumas situações jurídicas ganham tratamento distinto
em decorrência da modificação dos elementos fáticos que determinam a decisão.
Prevê o Código de Processo Civil:

Art. 471. Nenhum juiz decidirá novamente as questões já decididas,


relativas à mesma lide, salvo:
I - se, tratando-se de relação jurídica continuativa, sobreveio modificação no
estado de fato ou de direito; caso em que poderá a parte pedir a revisão do
que foi estatuído na sentença;

Tal exceção se refere às chamadas relações jurídicas continuativas. São


situações em que ocorre a decisão judicial, porém possuem a peculiaridade de que
com o passar do tempo modificarem alguns dos elementos que anteriormente
serviram para embasar a decisão. Ainda, segundo Didier Junior, Braga, Oliveira
(2011) são chamadas também de sentenças determinativas ou dispositivas, ou seja,
versam sobre relação jurídica, que geralmente envolvem prestações periódicas e
assim se projetam ao longo do tempo.

Deste modo,

Relação jurídica continuativa é aquela que se projeta no tempo com


característica de continuidade. É justamente o que ocorre na ação de
alimentos, cuja prestação alimentícia é fixada tendo-se em conta a
necessidade do alimentado e a possibilidade de pagamento do alimentante
no momento da decisão. Também a regulamentação de guarda de filhos
pode sempre ser revisada, porquanto fixada tendo em vista as
circunstâncias do momento. (DONIZETTI, 2012, p. 619).

Nas ações de alimentos a decisão guarda relação direta com a situação


financeira dos interessados, tendo em vista sua natureza essencialmente
continuativa, diante disso o legislador se preocupou para que nos casos em que
39
ocorra a mudança financeira, a decisão não transite em julgado e possa, assim, ser
alterada. Conforme a Lei 5.478/68, em seu art. 15: “A decisão judicial sobre
alimentos não transita em julgado e pode a qualquer tempo ser revista, em face da
modificação da situação financeira dos interessados.” Ainda, o art. 1.699 do Código
Civil dispõe: “Se, fixados os alimentos, sobrevier mudança na situação financeira de
quem os supre, ou na de quem os recebe, poderá o interessado reclamar ao juiz,
conforme as circunstâncias, exoneração, redução ou majoração do encargo.”

Dessas decisões cabe a ação de revisão. Sob esta ótica a decisão referente
às relações jurídicas continuativas não formaria coisa julgada material, e sim coisa
julgada formal. Nesse sentido Didier Junior, Braga, Oliveira (2011, p. 443): “A
possibilidade de modificação a qualquer tempo de tais sentenças não se poderia
compatibilizar com a ideia da imutabilidade ínsita no conceito de coisa julgada.”

Porém, é posicionamento majoritário na doutrina que nas relações jurídicas


continuativas as decisões são acobertadas pelo manto da coisa julgada material. E
estaria errado o uso da revisão da sentença tendo a ideia de que essa serviria
apenas para revisão daquilo que foi decidido. O que de fato acontece é que ela
decide uma nova ação, baseada em elementos diferentes daqueles analisados na
outra situação.

Nesse sentido,

ao deparar-se com a ação de revisão, o juiz estará julgando uma demanda


diferente, pautada em nova causa de pedir (composta por fatos/direitos
novos) e em novo pedido. Com isso, gerará uma nova decisão e uma nova
coisa julgada, sobre esta nova situação, que não desrespeitará, em nada, a
coisa julgada formada para a situação anterior. (DIDIER JUNIOR; BRAGA;
OLIVEIRA, 2011, p. 443, grifo do autor).

Ainda, conforme Donizetti (2012) são exemplos de relações jurídicas


continuativas, a revisão da pensão alimentícia fixada em decorrência de ato ilícito ou
de relação de parentesco, com mudança superveniente das condições econômicas
do alimentado ou do alimentante que podem ser revisadas. E, ainda, o entendimento
do Supremo Tribunal Federal, conforme a súmula 239, que da decisão que declara
indevida a cobrança, em determinado exercício, de tributo, não faz coisa julgada aos

40
posteriores, em vista da natureza continuativa da relação entre os contribuintes e o
Estado.

2.1.4 Relativização da coisa julgada que afronta direitos fundamentais

Passados os dois anos do trânsito em julgado da sentença, salvo a


possibilidade de declaração de inexistência da relação jurídica processual, não
existiriam mais meios de afastar a coisa julgada. Porém, recentemente, tem-se a
possibilidade de relativizar, excepcionalmente, o instituto garantidor da segurança
jurídica, em situações em que a sentença evidentemente venha a ferir direitos
fundamentais.

Conforme Souza e Silva (2009, p. 361),

A sedimentada concepção de imutabilidade (relacionada ao direito


pressuposto à segurança jurídica), agora, em hipóteses excepcionais, cede
espaço à prevalência da moralidade dos atos jurisdicionais. A essa
tendência a doutrina deu o nome de “relativização da coisa julgada”.

A tese conhecida por relativização da coisa julgada foi capitaneada no Brasil,


por José Augusto Delgado. Diante de suas experiências analisando cada caso
concreto, defende que diante da coisa julgada que fere princípios como o da
moralidade, legalidade, razoabilidade ou discorde da realidade dos fatos, é
necessária a sua revisão (DIDIER JUNIOR; BRAGA; OLIVEIRA, 2011).

Não há unanimidade no posicionamento dos doutrinadores quanto à


possibilidade da relativização da coisa julgada. Parece arriscado deixar a coisa
julgada a depender de critérios desconhecidos, pondo em risco, assim, a segurança
jurídica. Sob outro viés, existe também a preocupação doutrinária de que a decisão
seja garantidora dos supracitados direitos fundamentais.

Para Nelson Nery Junior, Ovídio Baptista, entre outros, acreditam que a
coisa julgada não pode ficar sujeita à revisões com critérios atípicos, como é o caso
da relativização, eis tratar de instituto bem consolidado no ordenamento jurídico, que
reflete a segurança que a sociedade espera. Preferem então, uma readequação dos

41
já existentes meios de afastamento da coisa julgada (DIDIER JUNIOR; BRAGA;
OLIVEIRA, 2011).

Em contraponto, é entendimento já fixado pelo Supremo Tribunal Federal, de


que é possível ser relativizada a coisa julgada em situações de excepcionalidade,
conforme demonstra a ementa:

Agravo regimental no agravo de instrumento. Processual Civil. Ação civil


pública. Coisa julgada. Limites objetivos. Ofensa reflexa. Relativização da
coisa julgada. Possibilidade. Precedentes.
1. É pacífica a orientação desta Corte no sentido de que não se presta
o recurso extraordinário à verificação dos limites objetivos da coisa julgada,
haja vista tratar-se de discussão de índole infraconstitucional.
2. Este Supremo Tribunal Federal fixou entendimento no sentido de admitir,
em determinadas hipóteses excepcionais, a relativização da coisa
julgada.
3. Agravo regimental não provido.
(BRASIL, 2012)

Para o doutrinador Leonardo Greco, a maneira de afastar a coisa julgada é a


Ação Rescisória, incabível assim a relativização, em vista da segurança jurídica
como direito fundamental. Enquanto Sergio Gilberto Porto (apud CÂMARA, 2004,
p.190), contrário a corrente da relativização, propõe o que seria uma maneira de
solucionar as situações excepcionais,

Assim, em tempos de reformas processuais, parece oportuno a revisão das


hipóteses de cabimento de AR e, quiçá, até mesmo, o exame da vigência
do prazo decadencial existente, observando, por derradeiro, que no plano
criminal a revisão [...] não goza desta limitação, em face da natureza
relevante direito posto em causa e, ao que consta, tal circunstância não
gera uma crise intolerável.

Por tratar de questão controvertida, improvável é se chegar a um consenso.


Não é a finalidade de qualquer que seja das correntes negar a importância do
instituto da coisa julgada no ordenamento jurídico e sim ponderar quando este
conflita com o que se espera que as decisões estejam conformes com os demais
princípios fundamentais.

42
2.1.4.1 Coisa julgada na ação de investigação de paternidade

Compreendidas as hipóteses em que a coisa julgada pode ser revista por


meio de mecanismos legalmente previstos, a lei não conseguiria prever todas as
situações decididas em juízo. Por conseguinte, ainda que não exista consenso entre
toda a doutrina e jurisprudência, existem casos em que se faz necessária a
relativização da coisa julgada, situações em que princípios fundamentais conflitam
entre si. Questão que merece atenção é a coisa julgada formada na ação de
investigação de paternidade à época em que não havia o teste de DNA.

A ação de investigação de paternidade decidida como improcedente por falta


de provas, em época que não se tinha acesso ao exame de DNA, já transitada em
julgado, a coisa julgada pode ser revista? É possível a propositura de nova ação
diante de confirmação quando feito o exame?

Para Donizetti (2012), o exame de DNA se equipararia ao documento novo


previsto nas hipóteses de pressupostos da Ação Rescisória. Assim, dentro do prazo
dos dois anos para propor a rescisão, o exame de DNA não disponível ao tempo da
primeira ação, serviria para a desconstituição da coisa julgada formada. O
questionamento é se o exame de DNA é obtido após o transcurso de tal prazo, qual
medida seria coerente?

É inegável a existência do entendimento jurisprudencial de que diante da


busca por direito indisponível, tal como é o direito da pessoa saber sua filiação, esse
deve se sobrepor aos efeitos da coisa julgada, é o que diz a ementa da decisão
monocrática do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul,

INVESTIGAÇÃO DE PATERNIDADE. APELAÇÃO CÍVEL. COISA


JULGADA AFASTADA. POSSIBILIDADE DE RENOVAÇÃO DA DEMANDA.
Possível a renovação de demanda investigatória de paternidade quando a
ação anterior foi julgada improcedente por não ter sido realizado o exame
de DNA. Os preceitos constitucionais e da legislação de proteção ao menor
se sobrepõem ao instituto da coisa julgada, pois não há como negar a
busca da origem biológica.
APELO PROVIDO.
(RIO GRANDE DO SUL, 2007)

43
No mesmo sentido, há também jurisprudência do STF, que diz:

[...] 2. Deve ser relativizada a coisa julgada estabelecida em ações de


investigação de paternidade em que não foi possível determinar-se a efetiva
existência de vínculo genético a unir as partes, em decorrência da não
realização do exame de DNA, meio de prova que pode fornecer segurança
quase absoluta quanto à existência de tal vínculo.
3. Não devem ser impostos óbices de natureza processual ao exercício do
direito fundamental à busca da identidade genética, como natural emanação
do direito de personalidade de um ser, de forma a tornar-se igualmente
efetivo o direito à igualdade entre os filhos, inclusive de qualificações, bem
assim o princípio da paternidade responsável.
4. Hipótese em que não há disputa de paternidade de cunho biológico, em
confronto com outra, de cunho afetivo. Busca-se o reconhecimento de
paternidade com relação a pessoa identificada.
5. Recursos extraordinários conhecidos e providos.
(BRASIL, 2011)

Ensina Donizetti (2012, p. 634), “É importante salientar que não se está a


defender a completa desvalorização ou desrespeito à coisa julgada, mas apenas
que, no conflito entre tal garantia e a dignidade da pessoa humana, esta prevalece.”

Cabe salientar que o posicionamento é de que para relativizar a coisa


julgada na ação de investigação de paternidade, o processo deve ter sido julgado
improcedente pela insuficiência de provas e ausência do exame de DNA. Restando
impossível a relativização quando em processo anterior a pretensão já tenha sido
afastada mediante exame de DNA.

2.1.4.2 Coisa julgada inconstitucional

Coisa julgada inconstitucional é aquela que não respeita a Constituição


Federal. Segundo Dinamarco, citado por Donizetti (2012), a decisão que viola algum
preceito constitucional, não pode se impor sobre normas e princípios superiores. De
modo que a sentença que viola preceito constitucional sequer seria acobertada pela
coisa julgada material.

A coisa julgada inconstitucional, da sentença em desconformidade com a


Carta Magna, por conseguinte prejudica valores garantidos, tão ou igualmente
importantes quanto à segurança jurídica. E assim, surge a necessidade da
relativização da coisa julgada em tais excepcionalidades.
44
Ainda, defendem Humberto Theodoro e Juliana Cordeiro, citados por
Donizetti (2012), que a inalterabilidade da coisa julgada se trata de noção processual
e não constitucional, pois a proteção constitucional dada à coisa julgada por meio do
art. 5º, XXXVI, se direciona ao legislador ordinário, de modo a deixar a salvo a coisa
julgada de lei que possa prejudicar decisões definitivas. Por isso, existindo a
desconformidade constitucional seria possível a desconstituição da coisa julgada,
ainda que findo o prazo da ação rescisória.

Embora seja essencial garantir a segurança jurídica no ordenamento legal,


quando a decisão conflita diretamente com preceitos constitucionais, não há como
ignorar preceitos constitucionais a fim de garantir a manutenção da coisa julgada,
pois como já foi mencionado, não se trata de instituto de caráter absoluto.

Estando a previsão constitucional resguardando a coisa julgada da lei e não


da revisão por parte do Poder Judiciário, para Brandão (2005, p. 87),

[...] esse entendimento não fere a ideia da segurança jurídica, muito pelo
contrário, somente a reforça, uma vez que o surgimento de decisões
inconstitucionais irreversíveis e imutáveis, ocasionaria incerteza ao próprio
sistema jurídico como um todo, principalmente quanto ao papel da
constituição que é dar suporte a todo o complexo conjunto de normas
infraconstitucionais.

Nas palavras de Donizetti: “Destarte, num Estado Democrático de Direito,


provável “injustiça” no caso concreto é menos grave do que a insegurança geral que
se instauraria com a desconsideração pura e simples da coisa julgada.” (2012, p.
632). O referido doutrinador (2012) acredita que o texto constitucional ao proteger a
coisa julgada da lei, se refere em sentido amplo, tratando além de protegê-la do
legislador, mas também dos magistrados.

O que se pretende com a proteção da coisa julgada é evitar que os litígios se


perpetuem no tempo e para isso é preciso que em algum momento a decisão seja
definitiva.

45
CONCLUSÃO

Não há consenso doutrinário no que diz respeito à definição de coisa


julgada. Pode ser compreendida como um efeito da decisão ou como uma qualidade
dos efeitos da decisão. Ademais, há corrente que acredita que a coisa julgada não
está ligada aos efeitos e sim a situação jurídica presente na decisão, deste modo a
coisa julgada consistiria na imutabilidade da decisão. O instituto encontra proteção
constitucional, de maneira que não pode ser prejudicado pelo legislador ordinário e
proteção infraconstitucional, pois o Poder Judiciário não pode analisar as questões
já decididas, não deve ser tratado como absoluto.

Superada a fase recursal, seja pelo não cabimento de recurso ou pelo


transcurso do prazo para tanto, restam esgotadas as possibilidades de nova
discussão sobre a decisão no mesmo processo. Assim, a coisa julgada torna
imutável e indiscutível o que foi proferido na decisão, impede que a análise sobre o
direito posto em juízo seja discutido eternamente. De tal modo, é garantido ao
interessado que em algum momento, a pretensão jurídica almejada por ele seja
definitivamente resolvida.

O próprio ordenamento jurídico, por meio do Código de Processo Civil


recepciona as situações em que pode ser afastada a coisa julgada da decisão
acometida de vício. O principal mecanismo para afastar a coisa julgada, após o
trânsito em julgado, é a Ação Rescisória e trata-se de ação autônoma de
impugnação. As situações que embasam a propositura, o processamento,
procedimento e prazo da ação estão previstos nos arts. 485 a 495 do CPC. O prazo

46
é decadencial, passados dois anos do trânsito em julgado, a parte perde seu direito
de propor a ação.

Há também a previsão de arguição da querela nullitatis. Com essa ação


busca-se impugnar a decisão maculada por vício transrescisório, onde é declarada a
nulidade da sentença. Por vício transrecisório entende-se o vício tão gravoso que se
perpetua além dos dois anos previstos para propositura da rescisão da decisão. No
ordenamento pátrio, a querela nullitatis é recepcionada nas hipóteses de
impugnação ao cumprimento de sentença e como embargos à execução contra a
Fazenda Pública, da sentença desfavorável ao réu e que correu a sua revelia.

Nas relações jurídicas continuativas, elementos fáticos se modificam com o


tempo em decorrência da natureza da própria relação. Por isso, o CPC prevê que
nessas situações, a decisão pode ser revisada quando ocorrer alguma modificação
fática ou de direito. Diverge a doutrina quanto à possibilidade do alcance da coisa
julgada material nessas situações. Parte dela argumenta que o uso da revisão é
incompatível com a imutabilidade gerada pelo manto da coisa julgada material. Por
outro lado, se defende que com a modificação de algum elemento, decide-se nova
ação com base em novos elementos e em situação diversa, ao que parece também,
equivocado o uso do termo revisão.

Ainda, forte, porém não absoluto, é o movimento doutrinário que defende a


relativização da coisa julgada quando essa afronta direitos fundamentais. Trata-se
de situações em que a decisão ofende algum direito fundamental e surge a dúvida:
deve ser resguardada a segurança jurídica ou priorizada decisões em conformidade
com preceitos constitucionais?

Já é comum, jurisprudencialmente, nos casos de investigação de


paternidade, a revisão da decisão improcedente baseada em insuficiência de provas
e sem a prova feita por meio do exame de DNA. Com o resultado de exame DNA
posterior à decisão, onde resultado assegurasse a paternidade antes negada, ficaria
evidente o conflito entre a coisa julgada que tenha operado na sentença anterior e o

47
direito fundamental da dignidade da pessoa humana, em que a busca da sua
realidade biológica se faz mais importante que a manutenção da segurança jurídica.

O que a corrente dos relativizadores almeja é que seja afastada a ideia de


que o instituto da coisa julgada é absoluto, de modo que não se sobreponha a
princípios fundamentais que se resultarem ofendidos trarão prejuízos tão grandes ou
maiores ao ordenamento jurídico. De maneira alguma se pretende diminuir ou retirar
a importância da coisa julgada para a manutenção da segurança jurídica e ordem no
ordenamento jurídico.

Enquanto para a corrente contrária, há receio em deixar a segurança jurídica


na dependência de análises subjetivas. Para as situações não previstas legalmente,
a solução passaria por uma revisão dos mecanismos de afastamento da coisa
julgada já existentes. Faz-se a ligação com a revisão criminal, no âmbito do
processo penal, onde não há prazo para seu requerimento.

Finaliza-se que o debate estará sempre a depender de novos estudos e


ensinamentos, pois delicado seria afirmar com certeza qual a medida mais
apropriada. O que se verifica com a doutrina e jurisprudências é que há uma
preocupação na hora de relativizar as decisões constantes de situações
excepcionais, para que isso não prejudique o princípio da segurança jurídica. Vale a
reflexão, pois deixar sob critérios atípicos as análises das decisões e consequente
afastamento da coisa jugada, poderia instaurar no ordenamento uma desordem e
constante insatisfação nos interessados, que aguardam um resultado definitivo.

Ademais, os casos concretos devem ser analisados com cautela, pois ilógico
é perpetuar decisões em desconformidade com outras garantias fundamentais. As
decisões, independentemente de representar justiça às partes (sem adentrar no
complexo e subjetivo conceito de justiça), devem respeitar os ensinamentos
constitucionais, assim, existindo conflito entre a segurança jurídica e outro princípio
fundamental, deve o caso concreto ser minuciosamente analisado e sopesada a
importância de cada princípio no ordenamento jurídico, de modo a refletir o
julgamento mais coerente que a sociedade almeja.

48
REFERÊNCIAS

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flexibilização e procedimentos para impugnação. Rio de Janeiro: Editora Lumen
Juris, 2007.

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Publicado no Diário Oficial da União em 31 de dezembro de 1940.

______. Lei nº 4.717, de 29 de junho de 1965. Regula a ação popular. Publicada no


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49
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