Beruflich Dokumente
Kultur Dokumente
imprimir
voltar
Dorcas Vieira Damasceno (Graduanda, UFRJ)
felizes são intercalados com situações de perigo e de profunda tristeza para o protagonista, que
se vê impotente frente à impossibilidade de seu pai de se estabelecer em algum lugar em definitivo.
“En aquel pueblo de los niños asesinos de pájaros, donde nos sitiaron de hambre, mi padre
salía al corredor (...), acariciaba su reloj, lo hacía brillar al sol y esa luz lo
fortalecia” (ARGUEDAS, 1985, p. 19).
A peregrinação de Ernesto chega ao fim em Abancay, onde seu pai o deixa em um colégio
interno, administrado por padres. Ali ele viverá em conflito permanente com relação a sua própria
identidade. Ele é mestiço, mas pensa como um índio. O drama de sua vida nasce com a
autoconsciência de estar entre dois mundos sem pertencer totalmente a nenhum.
“Yo iba a las chicherías a oír cantar y a buscar a los índios de hacienda. Deseaba hablar
con ellos y no perdía la esperanza. Pero nunca los encontré (ARGUEDAS, 1985, p. 48).
A última etapa da viagem de Ernesto constitui a solução proposta por Arguedas para o conflito
do personagem. Ao contrário do que ocorre no romance indigenista tradicional, produto do
pensamento integracionista, a saída para o impasse é o caminho de volta aos valores e princípios
indígenas. Ernesto somente é capaz de ser feliz vivendo com e como os índios.
“Quizá en el camino encontraría la fiebre (...) Vendría disfrazada de vieja (...) Yo ya lo
sabía” (ARGUEDAS, 1985, p. 244). “El río la llevaría a la Gran Selva, país de los
muertos” (ARGUEDAS, 1985, p. 254)
A obra Los Ríos Profundos traz um enfoque do indígena em sua realidade simbólica cultural e
psicológica, com o objetivo de recriá-lo em formas artísticas capazes de reproduzir íntima e
verdadeiramente a cultura indígena. É um processo transculturador, que constitui poderosa arma para
a defesa da identidade e da cultura indígena.
No entanto, a narrativa neo-indigenista, tal qual a sua precursora indigenista, também não
constitui o modelo mais apropriado para representar o índio, porque sua ideologia parte de duas forças
opostas, o ocidentalismo e o indianismo, e a tensão gerada pelo choque entre estas duas forças
procurou-se desfazer privilegiando o fator ocidental em detrimento do fator indígena. E nisto reside o
caráter aculturador do movimento.
Em contraposição ao indigenismo, representantes das etnias indígenas, apoiados por
pensadores e instituições que se identificam com a questão do índio, idealizaram um movimento
político-social, o indianismo, que designa a ideologia reivindicativa dos índios e sua luta contra o
colonialismo interno. Já não se trata de mitificar a imagem do índio, tampouco de promover a sua
integração social, mas de favorecer a sua atuação como sujeito de sua própria história. Seria o
verdadeiro reconhecimento do outro.
Neste contexto, renasce o interesse dos intelectuais pelos testemunhos, modalidade literária
que tem sua origem ainda na época da Conquista, com os relatos dos vencidos. Aparentemente, a
literatura-testemunho estaria de acordo com os ideais do indianismo moderno, podendo ser apontada
como um exemplo de auto-representação da alteridade indígena.
Entretanto, analisando o testemunho de Rigoberta Menchú, constatamos a forte interferência
do discurso ocidental na construção do discurso indígena, o que se explica em função das barreiras
lingüísticas, econômicas e sociais que enfrentam os povos indígenas nas sociedades hispano-
americanas, onde continuam sendo o principal alvo de preconceitos e exclusão social. Por outro lado,
adeptos do indianismo sustentam que a solução para a questão do índio só é possível com a sua
autodeterminação e a sua auto-representação. Deparamo-nos, assim, com uma contradição, que
entendemos constituir uma reprodução literária das contradições sociais da Hispano-américa.
A obra Me llamo Rigoberta Menchú y así me nació la conciencia (1987) estrutura-se pela
transcrição de cerca de 25 horas de gravação dos relatos de Rigoberta sobre suas experiências e as dos
membros de sua comunidade. São relatos contados do ponto de vista do vencido. A voz de Rigoberta
Menchú é a voz coletiva que fala por todos os indígenas e mestiços oprimidos da Guatemala, país
onde a população é majoritariamente indígena, mas que, apesar disto, é governado por uma minoria
mestiça e branca dominante.
“Minha situação pessoal engloba toda a realidade de um povo” (MENCHÚ, 1993, p. 32).
A obra, ao mesmo tempo em que constitui um forte instrumento de denúncia da discriminação
e do extermínio do índio na Guatemala, busca afirmar a identidade indígena resgatando, através da
memória individual e coletiva, não apenas o passado longínquo pré-colombiano, mas, principalmente,
o passado recente das etnias que lutam para preservar sua identidade cultural; é a busca pelo
Dados do autor:
Dorcas Vieira Damasceno é aluna do 8º período do curso de graduação em Letras português/espanhol
da Universidade Federal do Rio de Janeiro. É pesquisadora de Iniciação Científica sob a orientação da
Profa. Dra. Cláudia Luna, do Departamento de Letras Neolatinas da UFRJ. O presente trabalho está
vinculado ao projeto “Representações da Alteridade e Formação dos Imaginários Nacionais Hispano-
americanos”, cuja linha de pesquisa é Literatura, História e Sociedade.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS