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Salvo quando se tornam seus inimigos devido à ausência dos sacrifícios que devem normalmente receber.
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Ou eventualmente recusar...
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Sobre a onipresença do sacrifício, veja-se ainda Neusch 1994.
histórica. As religiões dos Gregos e dos Romanos baseavam-se igualmente nesta prática e
o Judaísmo conservou tal prática até a destruição do Segundo Templo, no ano 70 da era
cristã. Porém no mundo cristão os sacrifícios de sangue foram terminantemente por um
decreto do Imperador Teodósio assinado em 8 de novembro de 392, tendo caído desuso
desde então em relativo desuso nos países europeus ou de cultura européia, até sua virtual
ressurreição no Brasil e noutras áreas das Américas, apesar da predominância oficial da
tradição católica.
Os Prolongamentos do Sacrifício
O sacrifício sangrento dos afrobrasileiros é, em regra geral, uma cerimônia
praticada na intimidade dos terreiros. A ele só estão presentes os sacrificantes, o
sacrificador –em princípio o pai-de-santo do devoto--, alguns ajudantes, de ambos os
sexos, encarregados do manuseio da faca e da panela e mais algumas pessoas da estrita
intimidade do devoto que oferece o sacrifício (o “dono do ebó” 9) e mais algumas pessoas
da hierarquia do terreiro. O sacrifício é o dever, a obrigação, a dívida fundamental que
incumbe ao devoto. Enquanto o termo sacrifício, ainda que esteja longe de ser
desconhecido, é raramente utilizado, dar obrigação, ou dar um ebó, são expressões
muito correntemente utilizadas em ambientes afrobrasileiros.
E esse ritual equivale à demonstração prática da equação da tríplice identidade.
Isto é, a identidade do fiel vai confundir-se com a personalidade do santo, através da
vítima animal que é o termo médio entre os dois extremos desta equação. E aqui
chegamos a outro conceito fundamental da religião afrobrasileira. É o transe, que ocorre
quando o fiel está de tal modo imbuído, penetrado e saturado pela irradiação do deus que
suas faculdades ordinárias de percepção e expressão já não são podem funcionar capazes
de processar esse virtual excesso de maneira normal, só lhe restando, por assim dizer, cair
num arroubamento que não permite o uso do discurso articulado. Ora, o momento do
sacrifício sendo o momento da suprema identificação entre o homem e sua divindade, é
também o supremo momento do transe, que, segundo o costume, representa um
acompanhamento ordinário do sacrifício.
O fenômeno do transe –no caso do transe que assume a feição de um êxtase, de
um estar fora de si que paradoxalmente corresponde a uma caída vertiginosa dentro da
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“Ebó”, com o significado literal de “comida” em língua nagô, é um termo freqüentemente usado pelos
devotos como sinônimo de sacrifício.
própria profundidade do devoto, associado normalmente ao Candomblé e ao Xangô e
visto como uma de suas características fundamentais, tem também muitos
correspondentes noutras variedades de experiência religiosa, inclusive nas formas mais
refinadas de cristianismo. O Ocidente porém se distingue de outras áreas de cultura pela
ascensão vertiginosa da racionalidade, ligado já à civilização helênica, à expansão do
cristianismo (neste aspecto exacerbada pela Reforma), ao cientificismo, ao capitalismo,
etc. De modo que uma dos grandes atrativos da religião afrobrasileira naquilo que veio a
configurar o mercado concorrencial das religiões, muito especialmente no Brasil, é
justamente ter conservado aquilo que se perdeu noutras religiões , isto é, possibilidade
que oferece de desdobramento e expansão da personalidade do devoto através da nova
identidade ou das novas identidades que lhe são oferecidas pela experiência ritual.
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