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Conforme é habitual nos estudos das religiões, vamos aqui

tratar do Candomblé através dos ângulos das crenças,


do ritual e da organização. Comecemos por um
esclarecimento. Nosso objetivo neste texto, entendendo
Candomblé em sentido estrito, são acima de tudo as
formas mais arcaicas1 e mais tradicionais das religiões
afro-brasileiras, representadas precisamente pelo
Candomblé da Bahia2 e pelo Xangô de Pernambuco 3 e,
com certas modificações, pelo Batuque de Porto Alegre 4
e pelo Tambor de Mina de São Luís do Maranhão 5. Mas
quem diz arcaico ou tradicional não diz superado ou
desaparecido. Tais formas de religião afrobrasileiras
ainda são intensamente praticadas em seus redutos
originários. E mais do que apenas isso, tal é o prestígio
da tradição que, embora sujeitas a reinterpretações
1
O termo “arcaico” e derivados, derivados da raiz grega “arkh”, com o sentido geral de princípio ou
fundamentação, são usados neste texto para significar a mais profunda raiz, o fundamento último de um
determinado fenômeno. É já neste sentido que, criticando “a visão positivista do futuro, que tem alimentado
a idéia ocidental de progresso [e que] costuma ser antiterritorial ou antiecológica, por deixar-se reger
inteiramente pela lógica da quantidade”, Muniz Sodré (1988:2) destaca que, para Platão, “um princípio é
também um deus [que], instalado entre os homens, salva tudo, caso receba de cada um o empenho
apropriado; esse princípio diz-se em, grego, ‘arkhé’ e não significa início dos tempos, começo histórico,
mas eterno impulso inaugural da força de continuidade do grupo. A ‘arkhé’ está no passado e no futuro, é
tanto origem como destino [...] é esperança, o terreno onde se plantam as fundações. ‘Arkhé’ traduz-se
também por tradição, por transmissão da matriz simbólica do grupo” (ibid.: 3-4).
2
Conforme se depreende dos relatos de João do Rio (1904), com certeza já existiam, no Rio de Janeiro de
fins do século XIX, centros de culto afro-brasileiro bem próximos do que hoje em dia denominaríamos
“terreiros de Candomblé”. Até hoje, porém, não ficou suficientemente elucidado em que medida os tais
terreiros corresponderiam a desenvolvimentos essencialmente locais ou se resultariam principalmente de
extensões dos terreiros da Bahia.
3
O Xangô de Alagoas, nunca objeto, até o dia de hoje, de um estudo monográfico global, comparável aos
muitos que têm sido escritos sobre Bahia e Pernambuco é, em essência, idêntico ao deste último Estado,
com o qual tem mantido íntimas relações de intercâmbio. De maneira mais abrangente, notemos que, não
obstante certas diferenças de terminologia e ênfase, o Xangô do Nordeste oriental, isto é, de Sergipe ao Rio
Grande do Norte, é o mesmo Candomblé da Bahia e do Rio de Janeiro. Os estudos “clássicos” --e apesar de
às vezes relativamente antigos ainda não realmente superados-- sobre o Candomblé e o Xangô estão
representados pelos trabalhos de Nina Rodrigues (1935, reed. 2006); Arthur Ramos (1940, reed. 2001);
Edison Carneiro (1948, reed. 1977); Vivaldo da Costa Lima (1971, reed. 2003). Sobre o Xangô de
Pernambuco e estados vizinhos consultem-se Ribeiro 1978 (or. 1952, reed. 1978); Motta 2002, 2003, 2006
(dentre seus trabalhos mais recentes, publicados no Brasil).
4
Sobre esta variedade, consultem-se, entre outros, Bastide, 2007; Correia, 1992; Herskovits, 1966; Oro
1994.
5
Sobre as religiões afromaranhenses, consultem-se, entre outros, Eduardo 1948, Pereira 1979 e Ferretti
1996.
operando muitas vezes de maneira inconsciente, as
formas tradicionais –o que é eminentemente o caso do
Candomblé da Bahia—exercem uma forte influência
normativa sobre todo o domínio afrobrasileiro (ou
mesmo afroamericano), sem exceção da Umbanda e de
praticamente quaisquer outras variedades de religião
que reivindiquem influência africana no país e no
continente.
O Átomo da Crença
O átomo da devoção afrobrasileira se prende a uma intuição muito simples, que é
a da dependência fundamental em que o indivíduo se encontra com relação ao
sobrenatural, ou, se preferirmos, com relação ao Santo, à Santidade, o Transcendente.
Embora a idéia da criação a partir do nada, tal como afirmada pela teologia cristã, seja
estranha aos fiéis do Candomblé e do Xangô (que raramente ou nunca se preocupam com
idéias abstratas), concebe-se que o desenrolar concreto da vida da pessoa dependa
fundamentalmente da intervenção do Sobrenatural. Este intuição equivale também ao
átomo de uma teodicéia. O destino do individuo, com o bem ou o mal que lhe possa
acontecer, é explicado pela intervenção da força ou das forças sobrenaturais.
Na verdade esse átomo de religiosidade pode-se entender que, de uma maneira ou
de outra, aplique-se ao fenômeno religioso, em toda a sua extensão e não apenas
afrobrasileiro. Passemos agora à apresentação dos traços específicos da religião
afrobrasileira. Notaremos então, em primeiro lugar que o Santo se apresenta sob a forma
dos santos ou, de acordo com o termo de origem africana (iorubá), dos orixás. Essas
entidades, das quais listaremos imediatamente as de maior importância, são, de acordo
com a ordem com que recebem homenagem na nação nagô de Pernambuco, Exu, Ogum,
Odé (também chamado Oxóssi), Obaluaê (também chamado Omulu e Xapanan), Nanã,
Oxum, Iemanjá, Xangô, Iansã e Oxalá. Para todos os efeitos práticos estamos diante de
uma religião politeísta, muito embora se questionados a este respeito os fiéis admitam a
existência de uma divindade suprema, correspondente ao Deus do Cristianismo e
denominada Olorum, à qual nenhum culto, nenhum sacrifício é diretamente dirigido, não
existindo tampouco razão suficiente para que os orixás sejam vistos como simples
intermediários entre os homens e o Deus supremo.
Os santos são senhores, pais e protetores das pessoas.6 São sobretudo proprietários
das cabeças das pessoas (nagô ori, termo que os devotos normalmente associado a orixá,
interpretado como “dono da cabeça”). O rumo e os acontecimentos da vida individual
entende-se que dependam da benevolência ou, ao contrário, do desfavor dos santos. Da
mesma maneira, essas divindades (no entanto jamais designadas como deuses pelos seus
devotos), efetiva ou potencialmente instaladas na cabeça das pessoas, isto é, no ponto
mais íntimo e decisivo de suas personalidades, conferem-lhes sua identidade
fundamental. Toda a vida do devoto tende a ser uma imitação do modelo divino e já a
presença no individuo de determinados rasgos de caráter ou de comportamento é
interpretada como sinal de eleição ou de predestinação.
O Rito Fundamental
Correspondendo à intuição fundadora da dependência do indivíduo com relação
aos santos, encontra-se o átomo de todo o ritual afrobrasileiro, que outro não é senão o
oferecimento de sacrifícios de sangue através da imolação de animais, galináceos,
caprinos, ovinos, às vezes suínos e outras espécies. Todas as outras atividades rituais do
Candomblé e do Xangô provêm dessa forma de sacrifício, a ela conduzem ou a ela
equivalem. Notemos que, em si mesmas, todas as religiões, do mesmo modo que partem
da apreensão fundadora da dependência com relação às forças ou à Força sobrenatural,
todas as religiões possuem caráter essencialmente sacrificial. Em todas elas há alguma
coisa que o homem deve dar7 ao Superior, para marcar sua submissão e sua adoração,
nem que seja (e este não é o menor dos sacrifícios) sua própria atitude interior e
consciente de submissão e adoração. O sacrifício, como bem percebeu Sigmund Freud
(1938) pertence à íntima essência da religião, assumindo porém diferentes formas de
acordo com as formas concretas assumidas pela religião em diferentes contextos.8
Em última análise o que é fundamentalmente oferecido no sacrifício, quer assuma
a forma do sacrifício do animal, da observância de um código de leis, de uma ética ou de
uma atitude interior, é o próprio sacrificante. No Xangô e no Candomblé o animal é a
máscara do homem. Note-se ainda que o sacrifício de animal, tal como praticado entre os
afrobrasileiros, encontra-se muito longe de representar uma raridade etnográfica ou

6
Salvo quando se tornam seus inimigos devido à ausência dos sacrifícios que devem normalmente receber.
7
Ou eventualmente recusar...
8
Sobre a onipresença do sacrifício, veja-se ainda Neusch 1994.
histórica. As religiões dos Gregos e dos Romanos baseavam-se igualmente nesta prática e
o Judaísmo conservou tal prática até a destruição do Segundo Templo, no ano 70 da era
cristã. Porém no mundo cristão os sacrifícios de sangue foram terminantemente por um
decreto do Imperador Teodósio assinado em 8 de novembro de 392, tendo caído desuso
desde então em relativo desuso nos países europeus ou de cultura européia, até sua virtual
ressurreição no Brasil e noutras áreas das Américas, apesar da predominância oficial da
tradição católica.
Os Prolongamentos do Sacrifício
O sacrifício sangrento dos afrobrasileiros é, em regra geral, uma cerimônia
praticada na intimidade dos terreiros. A ele só estão presentes os sacrificantes, o
sacrificador –em princípio o pai-de-santo do devoto--, alguns ajudantes, de ambos os
sexos, encarregados do manuseio da faca e da panela e mais algumas pessoas da estrita
intimidade do devoto que oferece o sacrifício (o “dono do ebó” 9) e mais algumas pessoas
da hierarquia do terreiro. O sacrifício é o dever, a obrigação, a dívida fundamental que
incumbe ao devoto. Enquanto o termo sacrifício, ainda que esteja longe de ser
desconhecido, é raramente utilizado, dar obrigação, ou dar um ebó, são expressões
muito correntemente utilizadas em ambientes afrobrasileiros.
E esse ritual equivale à demonstração prática da equação da tríplice identidade.
Isto é, a identidade do fiel vai confundir-se com a personalidade do santo, através da
vítima animal que é o termo médio entre os dois extremos desta equação. E aqui
chegamos a outro conceito fundamental da religião afrobrasileira. É o transe, que ocorre
quando o fiel está de tal modo imbuído, penetrado e saturado pela irradiação do deus que
suas faculdades ordinárias de percepção e expressão já não são podem funcionar capazes
de processar esse virtual excesso de maneira normal, só lhe restando, por assim dizer, cair
num arroubamento que não permite o uso do discurso articulado. Ora, o momento do
sacrifício sendo o momento da suprema identificação entre o homem e sua divindade, é
também o supremo momento do transe, que, segundo o costume, representa um
acompanhamento ordinário do sacrifício.
O fenômeno do transe –no caso do transe que assume a feição de um êxtase, de
um estar fora de si que paradoxalmente corresponde a uma caída vertiginosa dentro da
9
“Ebó”, com o significado literal de “comida” em língua nagô, é um termo freqüentemente usado pelos
devotos como sinônimo de sacrifício.
própria profundidade do devoto, associado normalmente ao Candomblé e ao Xangô e
visto como uma de suas características fundamentais, tem também muitos
correspondentes noutras variedades de experiência religiosa, inclusive nas formas mais
refinadas de cristianismo. O Ocidente porém se distingue de outras áreas de cultura pela
ascensão vertiginosa da racionalidade, ligado já à civilização helênica, à expansão do
cristianismo (neste aspecto exacerbada pela Reforma), ao cientificismo, ao capitalismo,
etc. De modo que uma dos grandes atrativos da religião afrobrasileira naquilo que veio a
configurar o mercado concorrencial das religiões, muito especialmente no Brasil, é
justamente ter conservado aquilo que se perdeu noutras religiões , isto é, possibilidade
que oferece de desdobramento e expansão da personalidade do devoto através da nova
identidade ou das novas identidades que lhe são oferecidas pela experiência ritual.
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