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Núcleo de Pesquisa e Estudos Sociolinguísticos, Dialetológicos e Discursivos
• NUPESDD-UEMS
Mestrado em Letras • UEMS / Campo Grande
ISSN: 2178-1486 • Volume 6 • Número 16 • Julho 2015
RESUMO: Este artigo traz um estudo sociolinguístico da variação das regências dos verbos namorar e
assistir no português falado em Belo Horizonte. Desse modo, as variantes a serem analisadas são,
respectivamente, [namorar] e [namorar com] e [assistir] e [assistir a/ao]. Os objetivos deste trabalho são
averiguar se as duas variáveis correspondem a um mesmo fenômeno linguístico, caracterizado pela queda
da preposição na regência dos verbos e também se, em cada caso, temos um quadro de variação estável
ou mudança em progresso. Para tanto, analisamos a fala de 20 informantes da cidade de Belo Horizonte
através dos arcabouços teórico-metodológicos da Sociolingüística Variacionista. Ao final, concluímos
que as duas variáveis em questão não constituem um mesmo fenômeno linguístico e que ambos os casos
caracterizam uma situação de variação estável entre as variantes de cada variável.
ABSTRACT: This article brings a sociolinguistic study about the verbal government variation of
namorar and assistir in the Portuguese spoken in Belo Horizonte. Thus, the variants to be analyzed are,
respectively, [namorar] and [namorar com] and [assistir] and [assistir a/ ao]. Our objectives are to
ascertain if the two variables correspond to the same linguistic phenomenon, characterized by the
preposition drop in verbal government and whether we have a stable variation or change in progress in
each case. Therefore, we analyzed the speech of 20 informants from Belo Horizonte city through the
Variationist Sociolinguistics theoretical and methodological frameworks. At the end, we conclude that the
two variables in question are not the same linguistic phenomenon and that both cases characterize a
situation of stable variation.
1. Introdução
A Sociolinguística Variacionista, originada em Labov (1972), parte do princípio
de que a variação e a mudança são inerentes às línguas, como um fenômeno motivado
por fatores linguísticos e extralinguísticos. Assim, essa linha de pesquisa tem por objeto
de estudo os padrões de comportamento linguístico observáveis dentro de uma
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Mestranda em Estudos Linguísticos FALE / UFMG
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Orientadora de Mestrado de Letícia Lucinda Meirelles (FALE - UFMG/CNPQ)
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estaria sendo mais usada, a forma direta se assistir se sobreporia à sua forma indireta, de
modo que as duas variáveis estariam em processo mudança, porém em direções opostas.
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Uma análise em tempo aparente, por sua vez, consiste na observação do tempo
de acordo com a faixa etária dos informantes, baseando-se no fato de que as diferenças
entre as faixas etárias refletem os diferentes estágios do desenvolvimento histórico da
língua. Assim, a fala das pessoas de 40 anos hoje, por exemplo, reflete diretamente a
fala das pessoas de 20 anos a vinte anos atrás, o que faz com que possa ser comparada
com a fala das pessoas que possuem 20 anos hoje.
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Neste trabalho adotamos uma análise em tempo aparente, feita através de testes
com informantes de duas faixas etárias distintas. Nossa metodologia de pesquisa será
mais bem explicada nas seções seguintes.
Para Cunha (1972), preposições são palavras invariáveis que relacionam dois
termos da oração, de tal modo que o sentido do primeiro (antecedente) é explicado ou
completado pelo sentido do segundo (consequente). Afirma ainda que pode ocorrer um
esvaecimento do conteúdo significativo em favor da função relacional pura.Costuma-se,
nesse caso, considerá-la um simples elo sintático, vazio de conteúdo nocional. A sua
carga semântica é maior ou menor dependendo do tipo de relação sintática que
estabelece. Essa relação pode ser fixa, necessária ou livre.
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Mioto et al (2007) propõe que tantos verbos transitivos diretos quanto transitivos
indiretos possuem um argumento interno que vai se diferenciar pela presença ou
ausência da preposição. Verbos transitivos diretos têm como argumento interno um
sintagma nominal, enquanto verbos transitivos indiretos possuem um sintagma
preposicionado como argumento interno. Assim, existe uma diferença entre preposição
lexical e preposição funcional, de modo que a primeira corresponde àquelas preposições
atribuidoras de papéis temáticos e que encabeçam adjuntos, como em Maria desmaiou
na mesa ou Maria desmaiou na quinta feira; já as preposições funcionais são aquelas
que não atribuem papel temático, sendo, portanto, complementos dos verbos, como em
João gosta de Maria e Maria pôs o pé na mesa. Podemos perceber assim, que o que
Mioto et al (2007) chama de preposições funcionais corresponde àquilo que Cunha
(1972) chama de preposições que estabelecem relações necessárias com o verbo.
4. O verbo namorar
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É importante notar que a regência do verbo namorar mostra como uma diferença
de sentido pode ser marcada na estrutura da língua. Como vimos, o verbo em questão
tem pelo menos dois sentidos: quando namorar significa ter um relacionamento
amoroso, o verbo aceita, no uso real, duas regências: namorar o/a e namorar com o/a.
Todavia, quando significa cobiçar, a regência é sempre e apenas a direta. Essa diferença
marca-se na sintaxe: em um deles a regência é fixa (namorar o/a), no outro caso, ela
flutua, varia. Desse modo, levaremos em conta neste trabalho apenas o uso do verbo
namorar com o sentido de ter um relacionamento amoroso, pois é nessa acepção que
sua regência varia. Trata-se, portanto, de uma variação sintática.
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(BORBA, 1991)
Ainda no corpus do português, fizemos uma busca para tentar descobrir qual das
variantes de <namorar> seria a mais conservadora. O que encontramos foi que
[namorar] é a variante mais antiga, apresentando ocorrências desde o século XIX. Já
[namorar com] apresentou poucas ocorrências e apenas no século XX.4
3
http://www.corpusdoportugues.org/
4
Lembrando que analisamos apenas a acepção de namorar que diz respeito a ter um relacionamento
amoroso com alguém.
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Em português, (6a) pode variar entre uma forma transitiva direta e indireta,
como mostramos em (4a,b). A ocorrência de (6b), em ambas as línguas, se explica pelo
fato de namorar ser um verbo recíproco, ou seja, é um verbo que permite duas formas
possíveis de realização de seus argumentos: a forma simples, onde temos um sintagma
nominal composto ou coletivo como sujeito, e a forma descontínua, na qual os
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É a forma contínua do verbo que tomamos como objeto de estudo neste trabalho.
Tendo feito uma série de considerações a cerca da semântica e sintaxe de do verbo
namorar, passemos agora para a análise da variação entre as suas duas variantes
[namorar] e [namorar com].
Belo Horizonte foi a cidade escolhida para a realização dessa pesquisa, uma vez
que, residindo na mesma, percebemos, através de observações assistemáticas, que os
falantes apresentam comportamento variável em relação às regências dos verbos
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namorar e assistir, o que nos despertou interesse e nos fez levantar as hipóteses que
foram apresentadas na seção 1.
O autor ainda sugere que sejam escolhidos cinco informantes para cada célula, o
que resultaria, no caso da distribuição no diagrama arbóreo na figura 1 a seguir, em 20
pessoas a serem entrevistadas e, ao final, teríamos uma amostra representativa do
fenômeno pesquisado.
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(8)
Luana Viajar Londres
(9)
Menino quebrar copo
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d. João queria namorar Ana, mas ela era apaixonada por outro
5
Tivemos que descartar duas ocorrências, pois dois dos informantes masculinos realizaram a forma
simples/ contínua do verbo: “quando eu apresentei a Ana pro João, eu sabia que os dois iam querer
namorar”/ “João e Ana namoram desde a juventude”.
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A partir daí, construímos uma tabela apenas com a variável independente faixa
etária com o intuito de averiguarmos se o fenômeno variável caracteriza uma situação de
mudança em progresso ou variação estável.
A tabela 4 nos mostra que a variação entre [namorar] e [namorar com] não está
passando por um processo de mudança, caracterizando assim um fenômeno linguístico
que está em processo de variação estável.
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5. O verbo assistir
(17) Uma parteira assistiu minha mãe no seu primeiro parto. → significa prestar
auxílio, dar assistência. (BORBA, 1991)
(18) Uma família americana veio assistir no Brasil. → significa residir. (BORBA,
(1991)
(19) Maria assistia a vários filmes durante a semana. → significa ver, observar.
(BORBA, 1991)
Cegalla (2008) e Rocha Lima (2003) afirmam que a regência correta de assistir
com sentido de ver, presenciar, é assistir a/ao, enquanto a forma padrão de assistir com
sentido de prestar assistência é apenas assistir, sem a preposição. Assim, a nossa variável
em questão (assistir com sentido de ver) seria um verbo transitivo indireto na sua forma
padrão: Maria assistia a vários filmes durante a semana e não Maria assistia vários
filmes durante a semana.
No entanto, apesar de uma longa tradição gramatical ensinar que esse verbo é
transitivo indireto com o sentido de ver, notamos, através de observações assistemáticas,
que na linguagem coloquial brasileira, o verbo constrói-se, em tal acepção,
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preferencialmente com objeto direto e até mesmo escritores modernos, como Clarice
Lispector, têm dado acolhida à regência gramatical condenada:
De acordo com Luft (1976), o verbo assistir é transitivo indireto e, assim como
carecer, depender, entre outros, é obrigatoriamente regido de preposição, não admitindo o
pronome lhe, mas sim o pronome reto ele precedido de preposição, e não aceitando
passivização. De fato, esse verbo parece não aceitar que seu objeto indireto seja
6
Texto extraído do livro “Laços de Família”, Editora Rocco — Rio de Janeiro, 1998, pág. 30.
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substituído pelo pronome oblíquo lhe, porém, ele aceita a forma passiva (22e) quando
usado como verbo transitivo direto, diferentemente do que aponta Luft (1976).
c. *Maria assistiu-lhe.
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É sabido na literatura que apenas verbos transitivos diretos realizam a construção passiva.
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Segundo Rice (1987 a, b), quanto mais uma construção passiva se aproxima
conceptualmente do protótipo do evento transitivo, mais aceitável ela é.
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Ciríaco (2011) utiliza o termo eventualidade para incluir verbos que designam um estado de experiência
no grupo dos verbos que designam um evento propriamente dito, como uma ação, causação ou processo.
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Observando o verbo assistir, acreditamos que ele faça parte dos verbos de estado
de experiência, no sentido de que assistir algo desencadeia uma experiência mental no
indivíduo, assim como ver, aprender, olhar, entre outros. Essa experiência seria
unidirecionada do experienciador (aquele que assiste) para o objeto da experiência (aquilo
que é assistido). Na construção passiva, a direção dessa experiência seria invertida, de
modo que teríamos aquilo que é assistido como fonte da experiência e quem assisti como
alvo. No entanto, essa relação não deixa de ser unidirecional em cada sentença.
(fonte) (alvo)
(direção da eventualidade)
(fonte) (alvo)
(direção da eventualidade)
(fonte) (alvo)
(alvo) (fonte)
(eventualidade bidirecional)
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Esses verbos são classificados como recíprocos por Godoy (2008).
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A partir daí, construímos uma tabela apenas com a variável independente faixa
etária com o intuito de averiguarmos se o fenômeno variável caracteriza uma situação de
mudança em progresso ou variação estável.
6. Considerações finais
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No entanto, com a realização do teste do q², verificamos que não há indício de mudança
em nenhuma das duas variáveis, de modo que elas se encontram em variação estável.
Além disso, pudemos perceber que, ao contrário do que havíamos pensado, a variação de
[namorar] e [namorar com] e [assistir] e [assistir a/ao] não consiste em um mesmo
fenômeno variável, de modo que o primeiro se caracteriza pela inserção da preposição
com (já que a forma mais antiga é namorar) e o segundo, pela queda da preposição a/ao,
uma vez que a forma mais antiga é assistir a/ao.
Referências
CUNHA, Celso Ferreira da. Gramática da Língua Portuguesa. Rio de Janeiro, 1972.
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LUFT, Celso Pedro. Moderna gramática brasileira. Rio de Janeiro: Globo, 1976.
__________. Transitivity and the Lexicon. Center for Research in Language, vol 2, n. 2,
ROCHA LIMA, Carlos Henrique da. Gramática normativa da língua portuguesa. Rio
de Janeiro: José Olympio, 2003.
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