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O encontro com a criação
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“Creio no cristianismo como creio que o Sol nasce — não só porque o vejo,
mas porque, por intermédio dele, vejo tudo o mais” (C. S. Lewis). Essas
palavras nos ajudam a entender por que a fé em Deus é tão importante para
ver e compreender o mundo e também nosso lugar nele. A fé, no entanto, é
muito mais que apenas entender. Como C. S. Lewis salienta, sinto de forma
distinta uma “ideia na qual acredito” e uma ideia na qual não acredito.
Assim que a cosmovisão cristã é aceita como verdade, ela nos leva a um
“tipo especial de alegria imaginativa”. As crenças — quando compreendidas,
e quando confiamos nelas como reais e verdadeiras — têm uma qualidade
estética que nos permite apreciar, estimar e admirar a realidade divina por
intermédio de nossa imaginação.
Vemos tudo à luz de nossa visão de Deus. Crer em Deus é como
usar os óculos que nos permitem ver o mundo de uma forma especial. A
doutrina da criação é como uma lente focalizando um vasto cenário, ou
um mapa que nos ajuda a perceber as características da região que nos
circunda. O que exatamente é este mundo onde vivemos? E qual é nosso
lugar nele? Há perguntas que se formam de modo natural e apropriado
enquanto pensamos sobre o sentido da vida, sobre o que precisamos fazer, e
se devemos ser discípulos fiéis no mundo. A resposta cristã a essas perguntas
é pródiga e profundamente satisfatória, tecendo uma série de ideias a fim
de produzir uma tapeçaria fina e ricamente colorida. Uma dessas ideias é a
doutrina da criação, o tema deste livro.
No princípio, Deus criou… Essas palavras de abertura da
Bíblia tiveram grande impacto no modelar da mente da igreja. Nós as
encontramos nos credos, nas confissões e nos catecismos cristãos. O ponto
realmente importante apresentado pela doutrina da criação é que tudo deve
sua origem a Deus. Nem o mundo nem nós somos acidentes ou estamos
desprovidos de propósito. Tampouco podemos habitar a criação de Deus e
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oferece liberação para aqueles que acreditam que seu destino está sujeito às
misteriosas forças astrais sobre as quais não têm controle. Garante-nos que
não precisamos temer nenhum aspecto da criação se conhecemos o Criador
e somos conhecidos por ele.
Os escritores bíblicos enfatizam o cuidado de Deus por todo aspecto
da ordem criada, acima de toda a humanidade. Deus, por ter modelado o
mundo com carinho e amor, não o abandona, mas continua a cuidar dele.
O Deus que criou o mundo pode ser conhecido, e podemos confiar nele
e contar com ele. Este ponto é apresentado por Isaías na passagem que
assegura ao povo de Jerusalém — à época cativo na Babilônia — que seu
Deus não se esquecera deles (Is 40.27,28).
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como o arquiteto do mundo e Deus como o artista — e perguntar como
poderiam nos ajudar a entender essa crença.
A imagem de Deus como arquiteto, já implícita na Bíblia (Sl
127.1), recebeu uma nova injeção de energia durante a longa história da
reflexão cristã sobre os materiais bíblicos. A imagem ajuda-nos a visualizar
a ideia cristã fundamental de que o mundo é uma estrutura ordenada. A
sabedoria do Criador pode, por conseguinte, ser vista na organização do
mundo, da mesma forma que a genialidade de um arquiteto pode ser vista
no design de um grande prédio. A criação, portanto, trata-se dessa estrutura
ordenada e imponente posta sobre a realidade.
A natureza é decorada com a glória de Deus. É um testemunho
eloquente, ainda que silencioso, da sabedoria de Deus. A catedral de St.
Paul, em Londres, é uma das maiores obras do arquiteto Sir Christopher
Wren (1631-1723). A catedral original foi destruída durante o grande
incêndio de Londres (1666) e teve de ser reconstruída. A tarefa de
desenhar um novo prédio foi confiada a Christopher Wren. O novo e
espetacular edifício foi finalmente completado em 1710 e, ainda hoje, é
um dos mais famosos pontos de referência de Londres. Há um memorial
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crítico de arte J. T. Snow, em 1828, lhe deu esse nome. William Blake
retrata Deus como aquele que criou o mundo de uma forma ordenada —
observe o instrumento de medir que Deus segura em sua mão esquerda.
Aqui, William Blake seleciona um dos grandes temas da tradição cristã: a
criação diz respeito a impor a ordem. Deus pega algo sem forma e o modela
em algo estruturado.
A imagem de William Blake tem sua origem no livro de Jó. Essa
longa e complexa obra do Antigo Testamento se centra no caráter de Jó
— alguém que é reduzido à miséria, ao protesto e à angústia diante da
aparente ausência de sentido do mundo. Três amigos de Jó, tristes por
causa da infelicidade que se abateu sobre ele, tentam confortá-lo com vários
argumentos eruditos (e, em alguns momentos, um tanto sem brilho). Ainda
assim, não conseguem satisfazê-lo.
A narrativa, depois, dá uma comovente guinada. Deus respondeu a
Jó de um redemoinho (Jó 38.1) — uma imagem que é claramente descrita
na obra de arte de William Blake. O Senhor, no longo discurso que se
segue, oferece a Jó uma visão panorâmica de toda a ordem criada em toda
sua imensidão e grandiosidade — os mares, as montanhas e as criaturas
vivas. A mensagem desse grande discurso é clara: Eu, o Deus que fez todas
essas coisas, estou aqui e me importo com você. Embora não seja capaz de
apreender tudo que fiz, pode confiar em mim em todas as coisas.
Todavia, The Ancient of Days, de William Blake, transmite outra
mensagem, facilmente ignorada. Uma das grandes preocupações desse
artista era com a imaginação humana que poderia ser empobrecida
e atrofiada devido à dependência excessiva da razão. A ilustração de
William Blake, em parte, é uma crítica à abordagem extremamente
racional em relação a Deus como Criador, a qual ele, em especial,
associava com os escritores do século XVII, como Isaac Newton e
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imaginação e o deleite nos cristãos, em vez do mero assentimento em
relação à existência e sabedoria de Deus.
Senhor, ajude-nos a ver sua glória no mundo ao nosso redor e a conhecê-lo como
nosso Criador e Redentor.
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