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2. POLIFONIA
No ambiente profano, desenvolveu-se a chamada música de caça (chace), ou cânone, onde
vozes cantando uma mesma melodia entram sucessivamente, separadas por um ou mais
compassos, como se cada voz "caçasse", perseguisse a que começou a cantar antes.
Provavelmente dessas músicas surgem as primeiras ídéias para uma nova organização
musical, estilo polifônico, ou seja, vozes cantando melodias diferentes ao mesmo tempo.
Num primeiro instante (séc. IX), foi acrescentado à voz principal (vox principalis), que era
um cantochão, uma segunda voz, a voz organal (vox organalis), que consistia numa
duplicação da voz principal uma quarta ou quinta abaixo, o que dá a essa música a
sonoridade característica da época medieval.
Mas era necessário evitar o trítono (diabulus in musica), que é o intervalo de quarta
aumentada ou seu enarmônico quinta diminuta, como, por exemplo, o intervalo entre as
notas fá e si, considerado dissonante pela teoria musical da época. Visando esse objetivo,
começaram a ser permitidos outros intervalos e, outros movimentos, além do paralelo (onde
as duas vozes se movimentavam paralelamente, isto é, utilizando os mesmos intervalos),
foram adotados. O primeiro foi o movimento contrário, no qual uma voz sobe a escala
enquanto outra desce, e vice-versa. Depois vieram o movimento oblíquo, no qual uma voz
permanece na mesma nota enquanto a outra se eleva ou abaixa, e o movimento direto, em
que as duas vozes se movem na mesma direção mas não pelos mesmos intervalos. Com isso,
a voz organal se liberta cada vez mais da voz principal, terminando por ser escrita acima
desta, se estabelecendo como voz mais aguda (séc. XI). A esse organum deu-se a
denominação de organum livre. Posteriormente, o ritmo da voz organal se torna
independente também, ao executar várias notas contra apenas uma sustentada pela voz
principal (organum melismático, séc. XII).
A melodia cantada pela voz principal, baseada normalmente no repertório cantochão, tem o
nome de cantus firmus e a voz principal passa a se chamar tenor (do latim tenere, sustentar),
posto que ele sustenta agora longas notas. Nessa etapa de sua evolução, o nome organum era
aplicado exclusivamente a este desenho de uma nota no tenor para várias na voz organal.
Para o estilo nota contra nota (punctus contra punctum, ou simplesmente contraponto) foi
dado o nome de descante.
É importante perceber que as comparações entre músicas de diferentes culturas
proporcionam perspectivas esclarecedoras; o que aconteceu, também, com a música
ocidental na época das Cruzadas foi fundamental. Não foi nada menos do que a criação da
polifonia, música para mais de uma parte ou voz, que levaria inexoravelmente à criação da
harmonia e intensificaria a necessidade de um sistema de notação adequado. Talvez essa
evolução esteja ligada à necessidade de se fazer ouvir individualmente e não como uma
massa, ou à descoberta de que os interiores de pedra das igrejas amplificavam a voz e lhe
davam mais ressonância (VIENNA, 2006). A mudança começou imperceptivelmente, de
início, com as vozes em uníssono na oitava, acomodando diferentes faixas de baixo e tenor,
de contralto e soprano. Depois, era acrescentada uma terceira voz, cantando no intervalo de
uma quinta acima da voz mais grave. Isto era mais do que mera conveniência. A harmonia
aberta simples tinha uma clareza austera, penetrante, como os harmônicos ressonantes dos
monges tibetanos (VIENNA, 2006). Não foi tão grande o salto dessa harmonia simples para
a idéia de começar em uníssono, separando-se da quarta ou quinta, e voltando a se juntar. E
ainda assim o processo levou cerca de duzentos anos.
A prática era conhecida como Organum, um termo extraído do latim, significando todo o
corpo de recursos para fazer música - instrumentos e vozes. Parece provável que algumas
dessas idéias tenham sido extraídas da música popular. De início, o Organum foi uma prática
improvisada e o Cantochão ainda era ensinado como uma única linha. Foi precisamente por
essa época que houve o cisma da Igreja Católica: a Ortodoxa Oriental, com base em
Constantinopla, e a Católica Romana, em Roma. A tendência para a divisão há muito tempo
se fazia clara, e quando a separação realmente ocorreu, em 1054, a Igreja Ortodoxa Oriental
manteve a prática do Cantochão uníssono.
Houve, também, dentro do Coral Gregoriano, o germe de uma evolução: a contradição entre
a obrigação de acompanhar fielmente o texto litúrgico, à maneira de recitativo, e, por outro
lado, a presença de tão rica matéria melódica, os melismas que se estendem longamente
quase como coloraturas, sem consideração do valor métrico da palavra. Essa contradição
levaria à divisão das vozes: uma, recitando o texto; outra, ornando-o melodicamente. São
essas as origens das primeiras tentativas de música polifônica, do Organum e do Discantus.
A polifonia parece ter sido uma arte norte-européia e na mais antiga coletânea de obras de
Compostela, o Codex Calixtinus, que é um volume de aparência muito moderna para o
século XII, utilizando uma notação do cantochão em quatro linhas antes do seu uso
universal; mas a maioria das obras que ele contém consiste em cantochão, e a mais famosa
das obras polifônicas dele, o Congaudeant catholici, é atribuída a Mestre Alberto de Paris.
Manuscritos ingleses da época contêm obras importadas da França que serviam como
modelos para os compositores ingleses, mas a música polifônica só apareceu mais tarde na
Itália e na Alemanha.
Inevitavelmente, o tipo de música ouvido fora da Igreja começou a influir na música ouvida
dentro dela. A introdução de instrumentos no culto levou o compositor religioso às técnicas,
ritmos e estilos melódicos empregados na música secular. É certo que a música secular dos
séculos XII e XIII, com seus ritmos dançáveis e os idiomas melódicos dos compositores de
Limoges e Notre Dame, introduziram tanto falas como os instrumentos do mundo secular na
Igreja; mas é impossível acreditar que o novo estilo tivesse saltado já plenamente
desenvolvido para a liturgia.
Possivelmente Sumer is icumen in projete alguma luz sobre a questão das influências
populares nos primeiros dias da polifonia religiosa. A complexidade contrapontual de um
cânon a quatro vozes sobre um baixo de apoio contínuo não era simplesmente a música de
uma canção ligeira, mas hino cristão, o Perspice christicola, cantado na Abadia. Orientações
em latim, anexas ao texto religioso, explicam como a semibreve deve ser cantada, sugerindo
que os cantores do Convento de Reading não estavam familiarizados com um contraponto
tão altamente desenvolvido. Mas o contraponto naquele grau de aperfeiçoamento não podia
surgir plenamente evoluído sem ter um lugar de origem; perece que fora do Convento de
Reading essas proezas técnicas não eram incomuns e que algumas pessoas tinham acesso a
elas, e o ágil ritmo 12 por 8 da canção não está tão longe das vivazes partes superiores
escritas em São Marcial e Notre Dame.
Embora o trabalho dos compositores fosse extralitúrgico, expunham-se aos invariáveis
argumentos sobre o uso de música excessivamente complicada no culto. Quando o canto da
Missa e dos Ofícios, relativamente cedo em sua história, ficou tão complicado que só
cantores treinados podiam executá-los bem, as autoridades mais severas protestaram,
alegando que a magnificência da música desviava a atenção das palavras do ritual, e
observavam também que os movimentos, gestos e expressões faciais dos cantores ao
cantarem música difícil eram, por sua vez, pouco edificantes e perturbadores da atenção.
Em 1526, o superior da Ordem na Inglaterra insistia em que a abadia em Thame parasse de
cantar música polifônica. Nenhum edito do tipo mais tarde em vigor controlou a música
cantada durante a liturgia; não, talvez, que as autoridades estivessem dispostas a tolerar
qualquer coisa, mas porque a gama e variedade de práticas em uso nunca foram de todo
apreciadas por quem pudesse achar necessário o controle. Portanto, enquanto vários fatos
ocorriam, Aeldred, que era abade de Rivaulx em meados do século XII, protestou contra a
música religiosa requintada em termos que encantaram o puritano William Prynne, que 500
anos depois os traduziu em vigoroso, robusto e admirável inglês de panfletista puritano:
Para que tem a igreja tantos órgãos e instrumentos musicais? Para que fim, pergunto, esse
terrível soprador de foles, exprimindo mais os estrondos do trovão que a suavidade da voz?
Para que servem a contração e inflecção da voz (...).
Enquanto isso, o povo conivente, tremendo e espantado, admira o som do órgão, o ruído dos
címbalos e instrumentos musicais, a harmonia de gaitas e trombetas. (DAVEY, 1921)
É bom salientar que um conceito já inteiramente abstrato de música orientava a invenção
dos mestres franco-flamengos, que foram os pioneiros do estilo renascentista. Chegavam a
compor para 36 vozes paralelas, num verdadeiro malabarismo contrapontístico. A
virtuosidade era praticamente uma norma seguida por essa escola na qual se destacaram
Guillaume Dufay (1400-1474) e Johannes Ockeghem (1430-1496). E a virtuosidade foi
levada a um ponto muito alto por Josquin des Prés (1445-1521), o mais brilhante de todos os
flamengos.
No clima da Renascença, a polifonia católica passava das igrejas para os salões da
aristocracia. Os reformistas protestantes faziam o oposto, indo buscar entre o povo os seus
temas musicais. Enquanto isso, os flamengos percorriam a Europa propagando o seu estilo,
que fez nascer vários gêneros de canção (chanson, song e lied). Na França, Clément
Janequin (1480-1558) não foi o único a sofrer a influência flamenga. Na Inglaterra, também,
a escola dos virtuoses conquistou seguidores como William Byrd (1543-1623). O
compositor Orlando de Lassus (1531-1594) viveu em vários países, de modo que é difícil
saber onde conheceu a música dos flamengos. Mas não há dúvida de que ela transparece em
suas obras, cuja expressividade sugere a crise espiritual do seu tempo.
Possivelmente por seu sabor popular, o canto protestante passava à frente da liturgia católica
e a inquietação da Igreja ante esse fato se mostrou no Concílio de Trento (1563), quando os
jesuítas esboçaram uma tentativa de revitalizar a sua música. No entanto, esbarraram com
um obstáculo sério: as normas canônicas interditavam o acesso ao estilo flamengo, alegando
que este confundia o texto religioso. O impasse permaneceu até que Giovanni da Palestrina
(1525-1594) encontrou uma solução hábil: Se o texto era o dilema, restava o recurso de dar
mais destaque às palavras para ressaltar na música as emoções sugeridas por ele. Assim,
eliminou o acompanhamento instrumental, criando composições "a capela", isto é,
dedicadas exclusivamente à voz humana.
3 A REFORMA PROTESTANTE
A Reforma Protestante foi um movimento religioso iniciado no século XVI por Martinho
Lutero, que através da publicação de 95 teses, protestou contra diversos pontos da doutrina
da Igreja Católica, propondo uma reforma do catolicismo. Os princípios fundamentais da
Reforma Protestante são conhecidos como os Cinco solas.
Lutero foi apoiado por vários religiosos e governantes europeus provocando uma revolução
religiosa, iniciada na Alemanha, e estendendo-se pela Suiça, França, Países Baixos, Reino
Unido, Escandinávia e algumas partes do Leste europeu, principalmente os Países Bálticos e
a Hungria. A resposta da Igreja Católica Romana foi o movimento conhecido como Contra-
Reforma ou Reforma Católica, iniciada no Concílio de Trento.
O resultado da Reforma Protestante foi a divisão da chamada Igreja do Ocidente entre os
católicos romanos e os reformados ou protestantes, originando o Protestantismo.
3.1 - A Pré-Reforma
A Pré-Reforma foi o período anterior à Reforma Protestante no qual se iniciaram as bases
ideológicas que posteriormente resultaram na reforma iniciada por Martinho Lutero.
A Pré-Reforma tem suas origens em uma denominação cristã do século XII conhecida como
Valdenses, que era formada pelos seguidores de Pedro Valdo, um comerciante de Lyon que
se converteu ao Cristianismo por volta de 1174. Ele decidiu encomendar uma tradução da
Bíblia para a linguagem popular e começou a pregá-la ao povo sem ser sacerdote. Ao
mesmo tempo, renunciou à sua atividade e aos bens, que repartiu entre os pobres. Desde o
início, os valdenses afirmavam o direito de cada fiel de ter a Bíblia em sua própria língua,
considerando ser a fonte de toda autoridade eclesiástica. Eles reuniam-se em casas de
famílias ou mesmo em grutas, clandestinamente, devido à perseguição da Igreja Católica, já
que negavam a supremacia de Roma e rejeitavam o culto às imagens, que consideravam
como sendo idolatria.
2.
John Wycliffe
Martinho Lutero
3. João Calvino
4. A CONTRA-REFORMA
O impacto causado pela Reforma levou a Igreja Católica a repensar sua estrutura e
organização. Para reagir ela promoveu um movimento Contra-Reforma protestante e as
novas Igrejas criadas.
A Contra-Reforma brotou principalmente na Itália e Espanha, lugares em que os esforços de
renovação litúrgica não haviam sido interrompidos pelo cisma da Reforma Protestante e
onde já havia sido germinada, antes de o protestantismo irromper, a idéia de uma reforma na
Igreja Católica Romana.
O início da empreitada deveu-se a Paulo III, que removeu os obstáculos postos pela cúria
romana, à convocação do Concílio de Trento, formado justamente para a renovação da
igreja, e ao apoio encontrado nas inúmeras Irmandades, entre as quais destacou-se a
Sociedade de Jesus.
O principal acontecimento da contra-reforma foi a Massacre da noite de São Bartolomeu. As
matanças, organizadas pela casa real francesa, começaram em 24 de agosto de 1572 e
duraram vários meses, inicialmente em Paris e depois em outras cidades francesas,
vitimando entre 70.000 e 100.000 protestantes franceses (chamados huguenotes).
4.1 – Igreja Católica x Protestantismo
Durante o avanço protestante, a reação inicial da Igreja Católica foi punir os principais
rebeldes.Com isso esperava-se que as idéias dos reformadores fossem sufocadas e o mundo
cristão recuperasse a unidade perdida. A tática não deu bons resultados.
4.2 – Principais medidas da contra-reforma
– CRIAÇÃO DOS JESUITAS:
No ano de 1540, o Papa Paulo III aprovou a criação da Ordem dos Jesuitas ou Companhia
de Jesus fundada pelo militar espanhol Inácio de Loyola, em 1534.
Inspirando-se na estrutura militar, os Jesuitas consideravam-se os soldados da Igreja, cuja
missão era combater a expansão do protestantismo.
– A VOLTA DA INQUISIÇÃO:
No ano de 1231, a Igreja Católica havia criado os tribunais da inquisição, que com o tempo,
reduziram suas atividades em diversos países. Entretanto, com o avanço do protestantismo, a
Igreja decidiu reativar, em meados do séc. XVI, o funcionamento da inquisição. Ela se
encarregou, por exemplo, de organizar uma lista de livros proibidos aos católicos, o “Index
librorun prohibitorun” uma das primeiras relações de livros proibidos foi publicado em
1564.
– A REALIZAÇÃO DO CONCÍLIO DE TRENTO:
No ano 1545, o Papa Paulo III convocou um concílio, cujas primeiras reuniões foram
realizadas na cidade de Trento, na Itália.
Reagindo à idéias protestantes o concílio de Trento reafirmou diversos pontos da doutrina
Católica.
4.3 – O Concílio de Trento
Após muitas manobras políticas, a igreja em Roma instalou o concílio em 13 de dezembro
de 1545. Discutiram sobre questões de fé, questões eclesiásticas internas e problemas da
Reforma. Embora não obtivesse a unidade religiosa confessional que buscava, o Concílio
conseguiu firmar muitas doutrinas católicas e fortaleceu a constituição eclesiástica. Na sua
quarta sessão, ficou prescrito que a base da doutrina cristã estaria firmada não somente nas
Sagradas Escrituras, mas sobretudo na tradição oral, entendida como sendo a tradição
apostólica. Além disso, repudiou a doutrina da graça, a sola gratia da Reforma para a
salvação pessoal, entendendo que o esforço humano é um fator necessário que coopera no
processo: a graça de Deus precisa do consentimento por parte do homem e da mulher.
Contrariamente às doutrinas protestantes, declarou ainda que a tradução latina da Bíblia, a
"Vulgata", era suficiente em questões dogmáticas, que a tradição tinha a mesma autoridade
das Escrituras, que os sacramentos eram sete, que a missa era um sacrifício que podia ser
oferecido em favor dos que já haviam morrido e ainda que não havia necessidade de todas as
pessoas receberem os elementos da Eucaristia durante a missa.
O Concílio elaborou ainda um programa para a renovação religiosa e moral do clero, uma
vez que havia atingido um nível degradante. Também quis abolir as superstições populares.
Preocupou-se em preservar a tradição eclesiástica, colocando um ponto final na questão da
subjetivização da liturgia. Esse é o motivo pelo qual optou por preservar o latim, língua que
fazia parte da tradição. O Concílio de Trento trouxe uniformidade e estabilidade à liturgia. A
tarefa foi concluída em 26 de janeiro de 1564, no papado de Pio IV, após inúmeras
interrupções.
6.4 – O Texto
Nas obras de Palestrina, cada frase do texto tem o seu motivo musical, e o desenvolvimento
contrapontístico de cada motivo entrelaça-se com o do seguinte através de uma cadência em
que as vozes se sobrepõem, detendo-se umas enquanto as outras continuam. Mas a ligação
de motivos não se faz por uma mera sucessão, a unidade é obtida através de uma escolha
atenta dos graus do modo para as cadências principais e através da repetição sistemática.
No texto do Agnus Dei, um novo desafio é apresentado. Ele possui algumas palavras que
devem ser alongadas para produzir o peso necessário para que esse movimento feche a
Missa. O trecho “Qui tollis peccata mundi” é tratado com imitações mais próximas (mais
tarde chamadas de stretto).
Nota-se que uma voz é guardada para começar um novo ciclo de repetições.
Ex. 4 – Entradas Imitativas Próximas
No cantochão o Agnus é cantado trez vezes, na última vez a frase “dona nobis pacem”
substitui “miserere nobis”.
Agnus Dei, qui tollis peccata mundi, miserere nobis.
Agnus Dei, qui tollis peccata mundi, miserere nobis.
Agnus Dei, qui tollis peccata mundi, dona nobis pacem.
Cordeiro de Deus, que tirai o pecado do mundo, tende piedade de nós.
Cordeiro de Deus, que tirai o pecado do mundo, tende piedade de nós.
Cordeiro de Deus, que tirai o pecado do mundo, dai-nos a paz.
Na Missa de Palestrina, as duas primeiras estrofes são combinadas no Agnus Dei I; a terceira
no Agnus Dei II, escrito para sete vozes.
6.5 – O contraponto
A prática contrapontística do compositor está de acordo com a que era ensinada na escola de
Willaert. Verticalmente, as linhas independentes devem encontrar-se no tempo de apoio e no
tempo leve do compasso, de modo que se obtenha sempre uma terça e uma quinta ou uma
terça e uma sexta em relação ao baixo.
Palestrina raramente utiliza determinado registro ou determinado distanciamento das vozes
por motivos dramáticos. Os seus efeitos situam-se unicamente no reino da sonoridade, como
se pretendesse demonstrar de quantas formas diferentes podem combinar-se intervalos
simples consonantes.
Essas consonancias muitas vezes resultam nos atuais acordes na posição fundamental ou na
primeira inversão. No entanto, a idéia de acorde ainda não era utilizada. Toda a técnica de
composição era contrapontística, buscando apenas a consonancia intervalar entre o baixo e
as vozes superiores.
Ex. 5 – Consonancias entre o Baixo e as Vozes Superiores
6.6 – As Dissonâncias
As convenções contrapontísticas usadas por Palestrina, são quebradas no caso de retardos,
onde uma determinada voz é consonante com outras no tempo de apoio e prolongadas. Pelo
fato de se prolongar para o tempo leve seguinte, uma ou mais das restantes vozes criam uma
dissonância em relação a ela.
Assim a voz que faz o retardo desce um grau para fazer uma consonância com as outras
vozes. Palestrina toma bastante cuidado em preparar e resolver a nota na mesma linha vocal.
Esta alternância de tensão e relaxe, dissonância forte no tempo de apoio e conssonância
suave no tempo leve, confere a esta música uma pulsação pendular.
Palestrina pratica também uma exceção que mais tarde veio a ser conhecida como Cambiata;
uma voz salta uma terceira descendente para formar uma consonância, em vez de a atingir
por grau conjunto.
REFERÊNCIAS
COTRIM,Gilberto. História e Reflexão: feudalismo, modernidade européia e Brasil colônia.
Volume 2: 1°grau, 5ª ed. São Paulo, Saraiva, 1996.
DAVEY, H. History of English Music. 1921 2ª ed.
EDUARDO. Palestrina. Disponível em: Acesso em 02 nov
Postado por Rafaela Fonseca às 16:26 0 comentários
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O termo Gótico foi utilizado pelos italianos renascentistas, que consideravam a Idade Média como a
idade das trevas, época de bárbaros, e como para eles os godos eram o povo bárbaro mais
conhecido, utilizaram a expressão gótica para designar o que até então chamava-se "Arte Francesa
".
A arquitetura foi a principal expressão da Arte Gótica e propagou-se por diversas regiões da Europa,
principalmente com as construções de imponentes igrejas. Apoiava-se nos princípios de um forte
simbolismo teológico, fruto do mais puro pensamento escolástico: as paredes eram a base espiritual
da Igreja, os pilares representavam os santos, e os arcos e os nervos eram o caminho para Deus.
Além disso, nos vitrais pintados e decorados se ensinava ao povo, por meio da mágica luminosidade
de suas cores, as histórias e relatos contidos nas Sagradas Escrituras. (BRASILESCOLA, 2006).
Do ponto de vista material, a construção gótica, de modo geral, se diferenciou pela elevação e
desmaterialização das paredes, assim como pela especial distribuição da luz no espaço. Tudo isso
foi possível graças a duas das inovações arquitetônicas mais importantes desse período: o arco em
ponta, responsável pela elevação vertical do edifício, e a abóbada cruzada, que veio permitir a
cobertura de espaços quadrados, curvos ou irregulares. No entanto, ainda considera-se o arco de
ogiva como a característica marcante deste estilo.
A primeira das catedrais construídas em estilo gótico puro foi a de Saint-Denis (veja ilustração
abaixo), em Paris, e a partir desta, dezenas de construções com as mesmas características serão
erguidas em toda a França. A construção de uma Catedral passou a representar a grandeza da
cidade, onde os recursos eram obtidos das mais variadas formas, normalmente fruto das
contribuições dos fiéis, tanto membros da burguesia com das camadas populares; normalmente as
obras duravam algumas décadas, algumas mais de século.
Vale lembrar que em meados do século XIII, a sutileza da organização musical era de tal ordem que
exigia um novo e mais preciso método de notação para traduzir a duração extra de cada nota, bem
como as pausas intervenientes. Linhas e compassos estavam ainda por ser inventados, mas a métrica
musical encontrava-se já dividida em perfeito, três tempos (ligados à Santíssima Trindade e, por
isso, mais adequados à música de igreja), representado por um círculo, e imperfeito, dois tempos,
representado por um semicírculo como um "C". A igreja discordou do "C" e recomendou o "O". Em
termos modernos, as valsas vienenses estavam na moda e as marchas, não. As danças populares
sempre preferiam "O", mas os hinos anglicanos e os coros luteranos estão mais próximos do "C".
Há sem dúvida exceções e combinações - por exemplo, a jiga no compasso de 6/8 (a melodia
Lilliburlero é um exemplo conhecido). A moderna notação em claves aguda e grave ficou definida
somente em 1600 e, desde então, tem-se desenvolvido nitidamente - até os tempos modernos.
É importante saber que essa arte desenvolve-se entre 1240 e 1325, e suas formas musicais perduram
até o fim da Idade Média: o conductus, o moteto, o hoqueto e o rondeau. O moteto é composto a
partir de textos gregorianos que recebem um segundo texto, independente e silábico, cada vogal
corresponde a uma nota, seja esta repetição ou não da antecedente. Essa necessidade de cantar cada
vogal num novo som impulsiona a notação rítmica. Os motetos que mais se destacam são realizados
com textos profanos sobre organuns católicos.
Percebamos que esse nome foi dado pelos compositores da então chamada ars nova e que a ars
antiqua tem como principal forma musical o organum, e como maiores representantes os
compositores da Escola de Notre Dame (Schola Cantorum), em Paris. A ars antiqua representa o
início da polifonia na música ocidental.
2.2.4 Ars nova
No início do século XIV, sob a influência da arte poética e musical (Ars Nova) da França, num
momento em que a poesia e a literatura italianas voltavam a desabrochar, apareceram o madrigal, a
balada e a caça.
Tal é o caso da música polifônica medieval européia que, ao inaugurar a noção de tempo métrico na
civilização ocidental, foi gradativamente desestruturando a ordem religiosa-eclesiástica dos séculos
XIII e XIV, prosseguindo até o advento da criação do método científico moderno, no qual a
mensuração temporal desempenha um papel de fundamental importância.
Muito significativamente, o século XIV é palco de intensas e profundas transformações tanto
sociais quanto políticas, período de crises que repercutirão nos séculos seguintes; e, no âmbito
cultural e artístico, momento no qual intelectuais e artistas procuram a diversificação de idéias,
novos procedimentos e novas propostas estéticas que marcarão profundamente a mentalidade
européia medieval.
O movimento artístico denominado Ars Nova, responsável pela estruturação relativamente concisa
de um novo método de notação musical, estabelece definitivamente uma nova ordem estética que
simultaneamente se identifica com a ideologia eclesiástica predominante e inaugura a polifonia
medieval. Ou seja, subjacente ao desenvolvimento simultâneo de várias melodias que
aparentemente serviam de forma exclusiva ao poder religioso vigente, encontra-se presente aquele
elemento estético e artístico que paulatinamente iria desestabilizá-lo: a noção de tempo métrico
aplicado à composição musical que expressa e representa, assim como a ideologia religiosa da
Igreja Católica, a ideologia da classe burguesa em ascendência.
É justamente no século XIV que uma das mais significativas obras do repertório polifônico será
composta: trata-se da peça Messe de Nostre-Dame, composta por cinco partes: Kyrie, Gloria,
Credo, Sanctus e Agnus Dei , do compositor francês Guillaume de Machaut (1300-1377) (poeta da
côrte francesa de Carlos V, criador de cantigas e baladas profanas), considerada uma das
composições mais representativas da Ars Nova.
2.2.5 A novidade da ars nova
Quando nasceu, na França, a polifonia erudita consistia numa forma bastante simples de tirar efeito
de um som contra outro. Mas esse jogo de "punctus contra punctus" - o contraponto - facilitou a
criação de novas formas vocais, como o Motete (trata de amor, política e questões sociais), o
Conducto e o Rondó.
O grande teórico da Ars Nova foi o Bispo Filipe de Vitry. Entretanto muitos outros também
cuidaram de dar precisão matemática às regras do canto coral, tornando já conscientes certas
combinações harmônicas.
Sem poder competir com as inovações da música profana, o canto católico se encerrou nas igrejas.
Esse recolhimento não o prejudicou: ao contrário, foi a partir de então que ele se desenvolveu numa
forma de expressão litúrgica, a Missa. Graças a ela, ganharam evidência os organistas e mestres de
capela. Contudo, o verdadeiro espírito da Ars Nova do século XIV se revela é na fusão da música
erudita com a popular. (VIOLAO, 2000)
2.3 NOTRE DAME DE PARIS
2.3.1 Construção
É uma das mais antigas catedrais francesas em estilo gótico. Iniciada sua construção no ano de
1163, é dedicada a Maria, Mãe de Jesus Cristo (por isso o nome Notre-Dame – Nossa Senhora),
situa-se na praça Parvis, na pequena ilha Ile de la Cité em Paris, França, rodeada pelas águas do rio
Sena.
A catedral surge intimamente ligada à ideia de gótico no seu esplendor, ao efeito claro das
necessidades e aspirações da sociedade da altura, a uma nova abordagem da catedral como edifício
de contato e ascensão espiritual.
A arquitetura gótica é um instrumento poderoso no seio de uma sociedade que vê, no início do
século XI, a vida urbana transformar-se a um ritmo acelerado. A cidade ressurge com uma extrema
importância no campo político, no campo econômico (espelho das crescentes relações comerciais),
ascendendo também, por seu lado, a burguesia endinheirada e a influência do clero urbano. O
resultado disto é uma substituição também das necessidades de construção religiosa fora das
cidades, nas comunidades monárquicas rurais, pelo novo símbolo da prosperidade citadina, a
catedral gótica. E como reposta à procura de uma nova dignidade crescente no seio de França, surge
a Catedral de Notre-Dame de Paris.
O local da catedral contava já, antes da construção do edifício, com um sólido historial relativo ao
culto religioso. Os celtas teriam aqui celebrado as suas cerimônias onde, mais tarde, os romanos
erigiriam um templo de devoção ao deus Júpiter. Também neste local existiria a primeira igreja do
cristianismo de Paris, a Basílica de Saint-Etienne, projetada por Childeberto por volta de 528 d.C..
Em substituição desta obra surge uma igreja românica que permanecerá até 1163, quando se dá o
impulso na construção da catedral.
Já em 1160, e em resultado da ascensão centralizadora de Paris, o Bispo Maurice de Sully considera
a presente igreja pouco digna dos novos valores e manda-a demolir. O gótico inicial, com as suas
inovações técnicas que permitem formas até então impossíveis, é a resposta à demanda de um novo
conceito de prestígio no domínio citadino. Durante o reinado de Luís VII, e sob o seu apoio (visto o
monarca central ter também no século XII um poder crescente), este projeto é abençoado
financeiramente por todas as classes sociais com interesse na criação do símbolo do seu novo poder.
Assim, e tendo em conta a grandeza do projeto, o programa seguiu velozmente e sem interrupções
que pudessem ocorrer por falta de meios econômicos.
A construção inicia-se em 1163 refletindo alguns traços condutores da Catedral de Saint Denis,
subsistindo ainda dúvidas quando à identidade de quem terá "colocado" a primeira pedra, o Bispo
Maurice de Sully ou o Papa Alexandre III. Ao longo do processo (a construção, incluindo
modificações, durou até sensivelmente meados do século XIV) foram vários os arquitetos que
participaram no projeto, esclarecendo este fator as diferenças estilísticas presentes no edifício.
Em 1182 presta já o coro serviços religiosos e, na transição entre os séculos, está a nave terminada.
No início do século XIII arrancam as obras da fachada oeste com as suas duas torres estendendo-se
a meados do mesmo século. Os braços do transepto (de orientação norte-sul) são trabalhados de
1250 a 1267 com supervisão de Jean de Chelles e Pierre de Montreuil. Simultaneamente levantam-
se outras catedrais ao seu redor num estilo mais avançado do gótico; a Catedral de Chartres, a
Catedral de Reims e a Catedral de Amiens.
Notre Dame, portanto, não era um tesouro antigo; era a estrutura mais nova e mais alta de Paris, e
suas duas torres podiam ser vistas por toda parte. Dentro da catedral não havia fileiras bem
arrumadas de genuflexórios, mas palha e estrume de animais de passo lento, levados para dentro
durante o frio do inverno por seus proprietários. Com o mal tempo, o mercado na praça em frente à
igreja se esvaziava: compradores e vendedores procuravam abrigo e calor sob o teto do templo.
Machaut também escreveu sete viralais polifônicos a duas vozes e uma a três vozes.
Foi exatamente nos seus viralais, rondeis e baladas polifônicas (as chamadas formas fixas) que
Machaut ilustrou mais claramente as suas tendências da ars nova. Neles Machaut explorou as
possibilidades da nova divisão binária, substituindo um ritmo triplo lento ou organizando o ritmo
com base na divisão binária.
Uma das mais importantes realizações de Machaut foi o desenvolvimento do estilo da balada ou
cantilena. Este estilo é exemplificado nos seus rondéis e viralais polifônicos. As baladas de
Machaut, cuja forma é em parte uma herança dos troveiros, compunham-se normalmente de três ou
quatro estrofes, todas elas cantadas com a mesma música e seguidas de um refrão.
Nos rondéis de Machaut, o conteúdo musical apresenta-se extremamente sofisticado, sendo um
deles frequentemente citado como exemplo de maestria, quando o tenor canta “O meu fim é o meu
princípio e o meu princípio é o meu fim”.
4. A MISSA DE NOTRE-DAME
4.1 Características do texto musical
A Messe de Nostre Dame, de Gillaume de Machaut, escrita em 1367 para a coroação do Rei Charles
V da França, apresenta-se como uma obra de vulto e importância excepcionais. (ARTNET, 1997)
É de comum acordo entre os autores de história da música que Machaut parece ter sido o primeiro
compositor a estabelecer "movimentos" distintos e interdependentes para uma composição: no caso
da obra em questão, Kyrie, Gloria, Credo, Sanctus (com Benedictus) e Agnus Dei , todos em forma
de moteto, criando, assim, um modelo e uma forma musical que servirá de padrão a todos os
compositores que sucederão.
Essa obra vem a ser a composição que mais caracteriza a Ars nova, sendo que nela são empregadas
complexas regras contrapontísticas, que trazem em si uma das características decisivas para todo o
desenvolvimento da música dos séculos seguintes: a notação relativamente precisa das vozes e a
mensuração do tempo; ou seja, o desenvolvimento da escrita musical.
Gillaume de Machaut escreve os motetos da Messe de Nostre Dame, fazendo-os "adquirir
fisionomia temática, lógica de desenvolvimentos, evidência plástica e profundidade expressiva."
(MAGNANI, 1989). Com essas características a forma musical da missa "ganha uma unidade que é
garantida pela circulação periódica de algumas células rítmicas e de um motivo melódico."
(MAGNANI, 1989).
As cinco partes da Messe de Nostre Dame são marcadas por uma poderosa superposição de vozes
melódicas que se desenvolvem contrapontisticamente: tomando-se como base o canto gregoriano,
com texto litúrgico em latim, sobrepõem-se-lhe uma segunda e uma terceira voz (moteto e triplum,
respectivamente, ou chamadas de superius e contratenor altus), chegando-se em alguns momentos à
superposição de até quatro vozes.
Os vocábulos do texto são executados nas vozes superiores, sendo que a melodia apresenta-se mais
dinâmica em sua rítmica do que o canto gregoriano que a sustenta. O jogo polifônico caracteriza-se,
assim, por uma sofisticada forma de manipulação do material sonoro e uma complicada notação
musical para os padrões da época: evidencia-se uma mistura altamente elaborada de ritmos, vozes,
melodias e índices sociais, na qual se procura experimentar livremente possibilidades inéditas de
superposição e paralelismo musical.
O novo estilo polifônico presente nesta peça encontra-se diretamente vinculado ao desenvolvimento
urbano, associado às contribuições dos moradores dos burgos - os "burgueses" - e aos senhores
feudais (que agora despontam como detentores do poder, ultrapassando as limitações artísticas e
ideológicas da Igreja Católica).
Sendo a obra musical que mais significativamente representa esse período histórico, a trama
polifônica da Messe de Nostre Dame "[...] desenvolve-se [...] no interior da formação econômico-
social do feudalismo, conjugada com a cidade medieval, ponto de emergência da produção artesanal
autônoma. [...] Essa autonomia do trabalho artesanal urbano, que tornará possível a formação da
categoria do trabalho livre, tem relação [...] com o desenvolvimento do trabalho de composição
polifônica escrito, autoral, dando ênfase à autonomia da linguagem musical." (WISNICK, 1989)
A estrutura polifônica da obra em questão deixa patente essa aproximação entre o momento
histórico no qual foi produzida e a sua autonomia estética que procura expressar o momento de
humanidade que lhe é inerente. As vozes dos motetos que compõem os seus cinco movimentos
apresentam-se entrelaçadas e defasadas, misturando-se em um conjunto de partes não simétricas
que são, por sua vez, associadas dinamicamente umas às outras. Desta forma, essas vozes opõem-se
ao agora fragmentado canto gregoriano que os sustenta.
É bom reforçar que essa complexificação do jogo polifônico, que de certa forma "encobre" o texto
do canto gregoriano, obscurecendo-o - além de solicitar uma notação musical mais exata e precisa -,
expressa esteticamente as novas e várias perspectivas que se descortinam para a sociedade da época,
além, é claro, de preocupações estéticas e composicionais relativamente inéditas.
Assim, a fragmentação melódica e dos tenores (do canto gregoriano, portanto), o "espalhamento"
das linhas melódicas em pequenos módulos rítmicos e as modificações dos modos gregorianos
tradicionais, representam e expressam esteticamente a desestabilização político-teológica da Igreja
Católica. Esses elementos "desorientam" o modelo musical eclesiástico, fundamentado na
"harmonia das esferas".
Em função das inovações estruturais presentes na Messe de Nostre Dame, o antigo modelo musical
do clero - homofônico e unitário - pode ser considerado não mais como sendo apenas de caráter
cosmológico musical, mas sim como portador de aspectos sobretudo ideológicos que procuravam
perpetuar a hegemonia e o poder da Igreja, agora abalados pela ascenção da classe burguesa (classe
social esta que iniciava a sua trajetória em direção à tomada do poder).
Necessária e obviamente, as preocupações de Machaut ao compor a Messe foram
predominantemente musicais e composicionais. No entanto, como toda grande e autêntica obra de
arte, ela expressa e ao mesmo tempo ultrapassa o seu momento histórico, dando continuidade ao
projeto existencial da humanidade como um todo.
Posto isto, pode-se identificar nesta obra três características fundamentais que se apresentam em
simultaneidade:
1) a síntese e a confluência, em termos estéticos, do momento histórico em que foi produzida,
representada aqui pelo canto gregoriano como linha melódica de base, embora fragmentada (poder
eclesiástico), e pela diversificação rítmico-melódica das várias vozes (transformações sócio-
político-econômicas e rompimento desestabilizador da ordem clerical);
2) a representação do rompimento da classe feudal como o poder religioso unitário vigente e novos
direcionamentos políticos, sociais e econômicos (diversas vozes desenvolvendo-se paralela e
simultaneamente);
3) o ultrapassamento de seu momento histórico, pela antecipação (estética) do método científico em
bases empíricas, e os fundamentos do que viria a ser o sistema tonal (desenvolvimento da notação
musical expresso na fixação das alturas e na mensuração temporal).
4.2 A análise do texto musical
Passando-se agora a alguns detalhes analíticos da partitura propriamente dita, percebe-se que toda a
peça sustenta-se sobre a linha melódica do tenor, remanescente do canto gregoriano. As demais
vozes são intercaladas entre as suas notas, desenvolvendo-se um jogo polifônico ágil e dinâmico,
com um alto grau de complexidade rítmica (que se contrapõe à linearidade do canto gregoriano).
A Messe de Nostre Dame foi inteiramente composta sobre um cantoçhão, como era costume da
época. Esse cantochão, porém, foi utilizado como tenor ou cantus firmus.
A tessitura polifônica se nos apresenta como se insurgisse do padrão do canto gregoriano que,
concomitantemente, participa contrapontisticamente da trama polifônica das vozes superiores,
muito embora durante toda a peça essas características apareçam de forma contundente.
Essa trama polifônica se caracteriza por um traçado rítmico que se desenvolve ciclicamente, mas
retornando com periodicidade. Cria-se, desta forma, um ritmo padronizado ou isorritmo; cada
delineamento rítmico, por sua vez, recebe o nome de talea. As demais vozes se entrelaçam abaixo e
acima do cantus firmus. Essa característica da peça apresenta-se, no contexto da hipótese aqui
apresentada, como sendo extremamente significativa, se se levar em conta que, analogamente, o
poder eclesiástico - aqui simbolizado pelo canto gregoriano - se encontrava sutilmente envolto pelas
perspectivas sócio-político-econômicas da burguesia em formação, o que veio a ser o principal
motivo de sua desestabilização.
Um outro composicional utilizado pelo compositor é a fragmentação melódica, ou hoqueto - que se
relaciona, do ponto de vista sócio-ideológico, com a fragmentação do poder eclesiástico e a
diversificação de idéias no século XIV - propiciando a estruturação de segmentos melódicos
extremamente reduzidos que, separados por pausas, delegam a obra uma singular pulsação rítmica.
O hoqueto, sendo associado às duas vozes do pentagrama superior, caracteriza-se por um discurso
melódico em forma de síncope contrapontística.
4.3 A análise da partitura
As observações foram feitas na partitura do Agnus Dei, editada no FINALI 2006.
O Agnus Dei da missa é da forma ABA, e na cadência final, observado juntamente com seu âmbito
temos que o mesmo está no modo LÍDIO. Observamos as extensões de cada parte sendo: Dó2 até
Mi3 no Contratenor Bassus, Dó2 até Fá3 no Tenor, La2 até Dó4 no Contratenor Altus e por fim Dó3
até Dó4 no Superius.
O Color no superius vai do primeiro até o terceiro compasso. A estrutura isorítimica começa no qui
tolis - quer dizer, depois da entonação de cada agnus (Agnus III repete o Agnus I). Como a seção do
canto do qui tollis é idêntico em Agnus I e II, as duas declarações disto constituem o dois colors. O
primeiro color (Agnus I) tem duas taleas sendo cada uma com doze notas e, o segundo color (Agnus
II) seis taleas sendo cada uma com quatro notas (NAWM, 19?? ).
Além do tenor, o contratetnor de triplum são também completamente ou em parte isorítmicos. As
duas partes superiores estimulam o ritmo com síncopa quase constante. Um motivo característico
que esboça um trítono é ouvido várias vezes (compassos 2, 5, e 25, e na forma ornamentada em 19),
também em outro movimentos da missa.
Observa-se que o estilo do canto é MELISMÁTICO (várias notas entoadas para uma sílaba).
A ocasião para a qual o trabalho foi escrito deveria ter sido um de solenidade incomum e
magnificência, como já mencionado.
5. CONCLUSÃO
Toda produção artística, embora impregnada pelas características de seu momento
histórico específico - e, eventualmente, pela ideologia da classe dominante de
determinado período -, é, não obstante, portadora de uma autonomia em relação a
esses fatores, que a qualificam como uma produção humana repleta de significações
estéticas e existenciais que proporcionam o ultrapassamento do momento histórico no
qual foi engendrada.
No caso da peça analisada no presente trabalho, as relações sociais do período
medieval ontegram simbolicamente a sua estrutura composicional, sobretudo pela
presença do canto gregoriano (homofônico, linear e centralizador, atuando como base
para a polifonia) e do texto litúrgico, além da dinâmica rítmica e da diversidade
melódica (expressando a nova ordem social urbano-burguesa).
Contudo, essas relações sociais não condicionam necessariamente a estrutura
significante subjacente à peça; ou seja, o momento de humanidade que está além de
qualquer disputa entre classes ou grupos sociais: as significações inerentes à esfera
existencial e da experiência de vida que ultrapassam qualquer momento histórico
específico.
[...] Através de sua forma estética, a arte é amplamente autônoma diante de determinadas relações
sociais. Na sua autonomia, a arte tanto contesta quanto transcende essas relações. Assim, a arte
subverte a consciência dominante, a experiência comum. A universalidade da arte não pode ser
baseada no fato de representar a concepção de vida de determinada classe, porque a arte focaliza
uma humanidade universal, que nenhuma classe em si pode incorporar, nem mesmo o proletariado,
a "classe universal" de Marx. A interpretação de alegria e tristeza nas vivências, de celebração e
desespero, Eros e Thanatos, não pode ser dissolvida em problema de luta de classes."
(OSTROWER, 1990)
A Messe de Nostre Dame, a obra de maior envergadura da polifonia européia medieval, sintetiza a
noção de tempo métrico que, subjacente à ideologia clerical dominante, expressou os anseios e
expectativas de grande parte da população européia da Idade Média, ou seja, a instauração de uma
nova ordem sócio-político-econômica que possibilitasse a realização desses anseios - subverta,
assim, a "consciência dominante" da época.
A instauração dessa nova ordem se deu apenas quatrocentos anos depois da criação do sistema
polifônico, sendo que o método científico moderno foi um dos principais instrumentos de
dominação da classe burguesa. A burguesia começa a ascender já no século XIV, e a plicação
teórico-prática da mensuração temporal do jogo contrapontístico da música polifônica irá se
impregnando lenta e gradativamente na mentalidade de homens e mulheres da Idade Média. A
influência dessa música extrapola os seus atributos estéticos:
A motivação dos músicos medievais não era nem científica nem filosófica [muito menos social ou
ideológica]. Eles apenas queriam aprender que espécie de música podia ser criada combinando-se
várias linhas melódicas, e que leis governam essas relações. Mas essa música gerou um impacto
muito além da esfera artística. Registros contemporâneos não o refletem, uma vez que ninguém
estava consciente dele. A mudança foi em percepção, não em conceitos [sem grifo no original]. No
entanto, na teoria da polifonia é que os problemas da medição do tempo real foram estudados em
primeiro lugar, e as soluções aplicadas, e foi em sua prática que uma civilização emergente se
educou para perceber o fluxo do tempo como um processo que não era derivado do Sol ou da Lua
ou do movimento de corpos ou de qualquer outra causa primária, e que podia ser tratado da mesma
forma que uma dimensão espacial. E, já que essa percepção era indispensável à evolução da ciência
moderna, a música polifônica pode reinvidicar ser um de seus pais."
Mesmo estando a produção musical polifônica vinculada ao poder sócio-político-econômico da
Igreja, a polifonia de Messe de Nostre Dame deixa transparecer a ideologia inerente à sua estrutura
composicional. A sua força e o potencial transformador e revolucionário, contudo, apenas se
consumarão séculos mais tarde, com o acvento da ciência moderna e seu método empírico.
Para aqueles que julgam ser a arte da música apenas uma mera diversão ou um mero passatempo -
ou, ainda, um empreendimento humano carente de significações transformadoras da realidade - têm,
no exemplo da obra analisada, a mais expressiva demonstração de que a música está
significativamente qualificada a operar profundas transformações, não apenas a nível estético e/ou
artístico, mas em áreas do conhecimento que aparentemente não possuem relação direta com seus
procedimentos específicos.
Vale reforçar que o presente trabalho, fruto de várias leituras e várias pesquisas na internet, com
visitas a inúmeros sites, é de fundamental importância no que concerne a novas percepções não
apenas na estética musical mas no contexto histórico subtendido e analisado por pesquisadores de
outras áreas de conhecimento, que contribuiu para ampliação de nossos conhecimentos, validando
que é sendo sempre proveitoso este tipo de avaliação que proporciona não apenas as trocas de
experiências em grupo, como também, aumento da leitura, crescimento de informação, comparação
das informações e por fim, com a aprendizagem que é o nosso objetivo.
REFERÊNCIAS