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Transdisciplinaridade: o que é isto?

05/10/2005 - Maria Schuler

Houve um momento, no desenvolvimento da humanidade, em que o conhecimento era pequeno, restrito e


holístico, ou seja, considerado num todo, sem divisões fortes entre disciplinas ou formas de abordagem. O
científico e a tradição sagrada (religião) se confundiam, sendo as tradições o veículo de apreensão,
compreensão e disseminação do conhecimento de um determinado grupo humano (Nicolescu, 2003) .

Com o crescimento do volume de informações e de questões a serem estudadas, lá pelos Séculos XII e XIII,
os pensadores mais ativos imaginaram uma forma de vencer a barreira de suas limitações perceptivas. O
volume de conhecimentos estava ficando grande de mais para a largura do campo de consciência de uma
pessoa. Foi gerada então a crença de que se poderia conhecer a realidade separando-a em pedaços e,
estudando cada pedaço como uma totalidade em si mesma, tendo assim acesso à realidade total.

Primeiro, na antiga Grécia, eram 7 as disciplinas (3 humanas e 4 exatas) que tentavam gerar esses
segmentos do conhecimento total da realidade. Pouco a pouco o chamado big-bang disciplinar nos conduziu
às cerca de 8.000 disciplinas que temos hoje no mundo acadêmico. O aumento exponencial do volume de
informações dentro da cada disciplina, somado à especialização cada vez mais vertical dos pesquisadores,
gerou o que se pode chamar de Nova Torre de Babel: 8.000 realidades diferentes, cada uma com sua própria
linguagem hermética, seus próprios pressupostos de base, suas próprias atitudes ante o saber e sua
produção. O efeito Torre de Babel se dá na dificuldade de comunicação entre as diferentes culturas
disciplinares, fazendo que cientistas de duas disciplinas diferentes sejam forçados a todo um esforço de
conhecimento um da cultura do outro (se houver disposição para isso), para trocarem idéias sobre um
mesmo Fenômeno Natural, que se passa na Realidade Total, que ignora nossas subdivisões em disciplinas, e
teima em se apresentar inteira, multidimensional, complexa. Na vida cotidiana, considerando que para se
tomar decisões é necessário informação, para decidir eficientemente ante um Fenômeno Natural
(multidimensional e complexo) se teria que conhecer todas as 8.000 disciplinas. Buscando aprimorar a forma
de abordagem da realidade, reconhecendo a limitação do campo de consciência humano, que impede que
uma só pessoa possa ser especialista em todas as atuais 8.000 disciplinas, surge a Abordagem
Transdisciplinar.

A Abordagem Transdisciplinar é a tendência de reunir as disciplinas numa totalidade, ante os Fenômenos


Naturais. É a tendência de criar pontes entre as disciplinas, um terreno comum de troca, diálogo e
integração, onde os Fenômenos Naturais possam ser encarados de diversas perspectivas diferentes ao
mesmo tempo, gerando uma compreensão holística desse Fenômeno, compreensão essa que não se
enquadra mais dentro de nenhuma disciplina, ao final.

A palavra Transdisciplinaridade foi utilizada pela primeira vez por Jean Piaget, filósofo e psicólogo suíço, em
1970. Ela quer dizer aquilo que se encontra entre, através e além das disciplinas, ou seja, nós, os seres, que
não podemos ser partidos nem compreendidos aos pedaços.

É baseado nesse raciocínio que um dos primeiros princípios da Abordagem Transdisciplinar é trabalhar o
conhecimento in vivo, ao invés de in vitro.

Para compreender esse princípio, é necessário declarar a compreensão de Realidade que está por trás dele.
Em primeiro lugar, a Realidade É por si própria, resistindo às nossas experiências, representações,
descrições, imagens. A Realidade é complexa, multidimensional e multi-referencial, formada de vários níveis
descontínuos, ou seja, as referências, medidas e leis de um nível não servem para abordar os outros níveis.
Também, "nenhum nível constitui um lugar privilegiado de onde possamos compreender todos os outros
níveis de realidade" (Nicolescu, 2001, pg.61). No entanto, cada nível é o que É porque todos os outros
existem e atuam juntos, para que a Realidade Seja como É. Podemos acessar diversos níveis da Realidade,
graças à possibilidade de diversos níveis de Percepção. Há um nível de percepção para cada nível de
realidade. Quando níveis diferentes de percepção se integram coerentemente, no Sujeito que percebe, há um
aumento de sua Consciência. Quanto mais níveis de percepção vão se integrando, aumentando a consciência
do Sujeito, mais acesso ele tem à compreensão da Realidade, podendo perceber e dar sentido integrado ao
fluxo de informação que atravessa coerentemente os seus diversos níveis. Quando observamos a Realidade
desde o ponto de um só de seus níveis, é o mesmo que observar um segmento seu, in vitro, ou seja, isolado
de todo o complexo multi-nível que, na Realidade, atua para que aquele segmento seja o que é. Podemos
proceder assim, mas é necessário aceitar que o conhecimento gerado desta forma é também apenas um
segmento do conhecimento do Real. Quando observamos a Realidade admitindo sua complexidade, surge a
atitude transdisciplinar da abordagem in vivo, onde somos conscientes de que em cada ínfima partícula dessa
Realidade há sempre o conhecido, o desconhecido e o incognoscível.

A abordagem in vivo nos traz uma nova atitude transdisciplinar. É a atitude que substitui o poder e a posse
do conhecimento pelos eternos espanto, questionamento e compartilhamento, ante a aprendizagem da
Realidade. O Sujeito se torna consciente de que não possui o conhecimento e de que não se apropria do
objeto do conhecimento. Há um retorno a uma atitude jovem, cheia de frescor e encantamento, onde somos
consciência, capaz de aprender e aprender sempre mais, sobre tudo e sobre nós mesmos, sem nunca
esgotarmos a fonte. Questões instigantes é o que produzimos, em vez de respostas fechadas. Curiosidade
agilizadora é o que sentimos, em vez de certezas cristalizadoras. E o conhecimento passa a servir ao
movimento e à evolução, em vez de ao enrijecimento e à reação.

O abandono das ilusões de poder e posse do conhecimento nos tornam mais aptos a compartilhar e a viver
juntos. Como podemos conhecer sós? Quanto mais avança a produção de conhecimento mais entendemos a
necessidade de estarmos juntos e em paz. O isolamento leva à ignorância. A necessidade de uma
comunicação eficaz entre os estudiosos das várias disciplinas se torna nitidamente configurada. As pontes, o
espaço comum de diálogo, a linguagem comum amplamente compreendida se tornam exigência para
continuar.
Na convivência madura dos exploradores da Realidade, as questões de valor não podem então mais calar.
Quando o avanço do conhecimento pode voltar-se contra o ser humano e destruir em segundos todo o
planeta e toda a humanidade, as discussões sobre ética precisam se fazer presentes. A atitude
Transdisciplinar apresenta uma clara opção humanista, uma opção pela vida e pela felicidade; pela evolução
e pela paz.

A paz e o eterno espanto estão presentes na lógica do terceiro incluído, que a transdisciplinaridade adota em
evolução da pura lógica linear binária.

A lógica clássica baseia-se em três axiomas:

1. O axioma da identidade: A é A;
2. O axioma da não contradição: A não é não-A.
3. O axioma do terceiro excluído: não existe um terceiro termo T (T de terceiro incluído) que é ao mesmo
tempo A e não-A.

Seguindo-se essa lógica, os pares de contraditórios de um nível de realidade (ex.: noite e dia; preto e
branco; masculino e feminino; vida e morte; certo e errado) são mutuamente exclusivos, pois não se pode
afirmar a validade de uma asserção e de seu oposto ao mesmo tempo. Essa forma de ler a realidade
determinou, até nossos dias, o que é aceito como verdade, a visão de mundo por trás de cada ato, a
regulamentação social (NICOLESCU, 2002).

A constituição definitiva da mecânica quântica, por volta dos anos 30, inicia o questionamento sobre uma
nova lógica, a chamada "quântica" que resolvesse os paradoxos gerados pela mecânica quântica e gerasse
uma potência preditiva mais forte do que a permitida pela lógica clássica. A lógica quântica modificou o
segundo axioma da lógica clássica, introduzindo a não contradição com vários valores de verdade no lugar do
par binário A não-A (NICOLESCU, 2000). Mas foi Lupasco quem mostrou que a lógica do terceiro incluído é
uma verdadeira lógica, formalizável e formalizada, multivalente, com três valores, A, não-A e T (de terceiro
incluído), e não contraditória. Existe um terceiro termo T que é ao mesmo tempo A e não-A.
"Para se chegar a uma imagem clara do sentido do terceiro incluído representemos os três termos da nova
lógica - A, não-A e T - e seus dinamismos associados por um triângulo onde um dos ângulos situa-se a um
nível de Realidade e os dois outros a um outro nível de Realidade. Se permanecemos num único nível de
Realidade, toda a manifestação aparece como uma luta entre dois elementos contraditórios (ex.: onda A e
corpúsculo não-A). O terceiro dinamismo, o estado T, exerce-se num outro nível de Realidade onde aquilo
que parece desunido (onda ou corpúsculo) está de fato unido (quantum), e aquilo que parece contraditório é
percebido como não-contraditório (NICOLESCU, 2000. p 27)."
A diferença da tríade do terceiro incluído com a tríade hegeliana é que, na primeira, os três termos coexistem
ao mesmo tempo. Os opostos são antes contraditórios: a tensão entre os contraditórios promove uma
unidade que inclui e vai além dos dois termos. A lógica do terceiro incluído é não-contraditória, no sentido de
que o axioma da não contradição é perfeitamente respeitado, com a condição da que as noções de
"verdadeiro" e "falso" sejam alargadas, de tal modo que as regras de implicação lógica digam respeito não
mais a dois termos, mas a três coexistindo no mesmo momento do tempo.

Podemos construir exemplos dessa forma de percepção dos eventos para cada um dos níveis da existência
humana. Apenas um deles, é a dualidade vida X morte, tão forte, importante e constituindo extremos tão
irreconciliáveis quando observamos o plano biológico individual da existência, e tão perfeitamente integrados
numa dança harmônica na dinâmica universal, quando encarados desde o plano da causalidade cósmica.
Biologicamente, o que é vivo (A) não está morto (não-A) e vice-versa, constituindo um par contraditório
perfeito. No plano cósmico, entretanto, vida e morte são tão perfeitamente a mesma coisa, que tudo que vive
morre, e o movimento universal se dá na perfeição do ajuste e acoplamento desses momentos dos
indivíduos. Nesse plano a contradição se esvai, e vida é morte (T) e vice-versa, uma não podendo ser
concebida sem a outra, nem sequer divididas artificialmente. Dessa forma é que o triângulo A, não-A e T(A e
não-A) se forma, preservando perfeitamente a contradição no nível biológico, enquanto vislumbra claramente
a não contradição no nível cósmico. Isso é sair de uma visão limitada, maniqueísta e monolítica, para
ingressar no mundo da complexidade, em que cada simples traço da realidade é muitas coisas ao mesmo
tempo.

Sendo assim, pode-se resumir no quadro abaixo as principais diferenças entre o conhecimento disciplinar e o
conhecimento transdisciplinar:
Multi, Inter e Transdisciplinaridade

A transdisciplinaridade é complementar à disciplinaridade, assim como à multi e à interdisciplinaridade. Ela


não se contrapõe à visão disciplinar, mas cria um espaço onde as disciplinas se encontram e transcendem
suas barreiras imaginárias. Ela funciona como uma ligação entre todas as disciplinas, ocupando-se com o que
está ao mesmo tempo entre , através e além das disciplinas.

Durante os Séculos IXX e XX houve um verdadeiro big bang disciplinar, rumo a uma especialização cada vez
maior, criando áreas de estudo cada vez mais fechadas em si mesmas. Pela metade do Século XX a
necessidade de pontes entre as disciplinas começou a se fazer notar mais fortemente. Ganharam força os
trabalhos multidisciplinares, que estudam um mesmo objeto do ponto de vista de várias disciplinas. É,
conforme o exemplo do Prof. Basarab, estudar a obra do Aleijadinho desde a história da arte, da religião, da
medicina, da psicanálise e da história do Brasil ao mesmo tempo. Os resultados dessa múltipla análise
enriquecem o conhecimento da obra desse artista, mas ainda ficam circunscritos em sua disciplina base, a
história da arte.

Também frutificaram as abordagens interdisciplinares que, diferentemente da visão multi, trata da


transferência de métodos de uma disciplina a outra. Nota-se três graus de interdisciplinaridade: a) um grau
de aplicação quando, por exemplo, os métodos da física nuclear são transferidos para a medicina conduzindo
à criação de novos métodos para o tratamento do câncer; b) um grau epistemológico quando, por exemplo, a
transferência de métodos da lógica formal para o direito gera análises interessantes na epistemologia do
direito; c) um grau de articulação de novas disciplinas quando, por exemplo, a transferência de métodos da
física de partículas para a astrofísica gera a cosmologia quântica. Os resultados dessa operação restam ainda
circunscritos ao quadro disciplinar, contribuindo mesmo para o big bang disciplinar.

A metodologia transdisciplinar se apóia em três pilares: a) a existência de vários níveis de realidade (a


realidade é multidimensional e multireferencial); b) a lógica do terceiro incluído (o rompimento da
empobrecida lógica binária); c) a complexidade (a realidade é complexa, vamos então encará-la como tal).

A Educação Transdisciplinar

A Educação Transdisciplinar acompanha o surgimento do Paradigma Holístico que caracterizará o início do


Século XXI. O chamamento é forte, pois a evolução pela qual a humanidade passa nesse momento nos leva a
uma nova capacidade de encararmos a realidade a partir desse ponto mais acima.

Inúmeros colóquios, relatórios e estudos, nesse início de século, estão revelando a consciência de que temos
em mãos um sistema de educação defasado diante das mutações do mundo moderno. Recentemente, a
"Comissão internacional sobre a educação para o Século XXI", ligada a UNESCO e presidida por Jacques
Delors, produziu um relatório enfatizando claramente os quatro pilares de um novo tipo de educação:

1. Aprender a Conhecer - o papel do espírito científico é questionar tudo, principalmente nossas próprias
convicções; é saber construir pontes entre as diferentes disciplinas, entre o Conhecimento e o Ser.
2. Aprender a Fazer - a aprendizagem da criatividade é inata, uma necessidade durante toda a vida. Uma
aprendizagem transdisciplinar pode levar o indivíduo a uma nova flexibilidade no mundo do desemprego,
uma vez que lhe permite um núcleo flexível que rapidamente pode dar-lhe acesso a outras profissões.
3. Aprender a Conviver - o desenvolvimento da tolerância e aceitação do outro, com suas diferenças,
vendo-se a si mesmo no rosto do outro. Isso não é um sentimento, mas sim uma atitude que se aprende,
durante toda a vida.
4. Aprender a Ser - uma aprendizagem que proporcione um questionamento mais profundo sobre quem
somos, quais nossos condicionamentos, como harmonizar vida social e individual. Uma educação que se
interesse pelo mundo exterior, mas também pelo mundo interior, pela evolução de cada um em termos
humanos.

Nesse contexto, a abordagem transdisciplinar contribui fortemente com esse novo tipo de educação. Basarab
acrescenta um quinto ponto aos pilares do Relatório Delors. Diz que é consistente com a visão
transdisciplinar que é necessária uma educação integral do homem, em todos os momento de sua vida. Uma
educação que se dirija à totalidade do ser humano e não somente a uma de suas componentes. A educação
atual privilegia a inteligência em detrimento da sensibilidade e do corpo. Uma nova educação deverá estar
fundamentada em experiências mais ricas e variadas, envolvendo todos os sentidos, as dimensões emotivas,
lúdicas e ligadas ao prazer e à alegria.

Transdisciplinaride e Gestão do Ensino

A adoção de princípios transdisciplinares no ensino universitário requer uma mudança grande nas atitudes e
comportamentos dos indivíduos, acompanhadas por uma nova concepção de estrutura organizacional
acadêmica. A organização da gestão do ensino em departamentos disciplinares estanques que privilegiam o
fechamento das disciplinas em si dificultam qualquer iniciativa transdisciplinar, em princípio. A geração de
uma atitude transdisciplinar, mais evoluída e madura que a atitude acadêmica atual, requer amplo debate
que inclua essas questões estruturais, na geração de uma nova mentalidade, acompanhada de nova práxis.

A Atitude Transdisciplinar

Nesse momento, a Transdisciplinaridade é mais importante pela atitude que ela nos ensina. Seguindo seus
princípios, mais do que sabermos sobre Transdisciplinaridade, temos que aprender a manter uma atitude
coerente com esses princípios. Se não formos capazes de evoluir até essa nova forma de comportamento, até
ela ser espontânea nos atos todos de cada dia, a Transdisciplinaridade não passará de mais uma modinha
inócua entre acadêmicos pedantes. No entanto, se formos capazes de nos auto-desenvolver até a aptidão de
manter a postura transdisciplinar, numa orientação coerente em qualquer situação e, mais do que isso,
compartilhar essa nova compreensão do mundo, teremos gerado as condições de paz no mundo. Sustentar
essa atitude não é fácil nem simples, pois uma atitude antiga e desgastada está muito fortemente enraizada
entre todos nós. Mas a coerência entre discurso e ação pode sinalizar a diferença entre os que adotam a
Transdisciplinaridade e os que apenas querem integrá-la à visão antiga como mais um objeto de exploração.

A visão transdisciplinar não implica em homogeneização quer seja social, política, cultural, filosófica ou
religiosa. Isso significaria reduzir a Realidade e a Percepção a um só nível. O enfoque transdisciplinar
pressupõe tanto pluralidade complexa quanto unidade aberta das culturas, das religiões e dos povos de nossa
Terra. A vida é refratária a todo dogma e a todo totalitarismo. Portanto, a atitude transdisciplinar pressupõe
tanto o pensamento como a experiência interior, tanto ciência quanto a consciência, tanto a efetividade
quanto a afetividade. Assim, todos as coisas e todos os seres poderiam encontrar seu próprio lugar. Não se
trata porém de reunir todos os diferentes "num só", mas sim de criar pontes entre os diferentes, linguagens
que propiciem o diálogo, o entendimento e a ampliação da consciência coletiva. É a transformação de nossa
vida individual e social num ato tanto estético quanto ético, num ato de revelação da dimensão poética da
existência.
Rigor, abertura e tolerância são traços fundamentais da atitude transdisciplinar.
"O rigor é antes de mais nada o rigor da linguagem na argumentação baseada no conhecimento vivo, ao
mesmo tempo interior e exterior, da transdisciplinaridade (NICOLESCU, 2001. p 129)."

"Se encontro o lugar certo dentro de mim mesmo, no momento em que me dirijo ao Outro, o Outro poderá
encontrar o lugar certo em si mesmo e assim poderemos nos comunicar . Porque a comunicação é antes de
qualquer coisa a correspondência dos lugares justos em mim mesmo e no Outro, que é o fundamento da
verdadeira comunhão além de toda mentira ou de todo desejo de manipulação do Outro. Portanto, o rigor é
também a procura do lugar certo em mim mesmo e no Outro, no momento da comunicação."
O rigor da transdisciplinaridade é da mesma natureza do rigor científico, mas aprofunda-o ainda mais, na
medida em que leva em conta todos os dados presentes numa dada situação, não apenas as coisas, mas
também os seres e sua relação com outros seres e coisas.

"A abertura comporta a aceitação do desconhecido, do inesperado e do imprevisível (NICOLESCU, 2001. p


130)."

"A abertura da transdisciplinaridade implica, por sua própria natureza, na recusa de todo dogma, de toda
ideologia, de todo sistema fechado de pensamento. Essa abertura é o sinal do nascimento de um novo tipo
de pensamento voltado tanto para as respostas quanto para as perguntas.....A recusa do questionamento, a
certeza absoluta, são a marca de uma atitude que não está inscrita no campo da transdisciplinaridade. A
cultura transdisciplinar é a cultura do eterno questionamento acompanhando respostas aceitas como
temporárias."

A tolerância, enfim, é a constatação e a aceitação de que existem idéias e verdades contrárias aos princípios
fundamentais da transdisciplinaridade.

Obstáculos ao Pensamento Transdisciplinar

Há várias confusões que perturbam o bom entendimento da transdisciplinaridade. As mais comuns são:
- o esquecimento da descontinuidade dos níveis de Realidade e de Percepção, achatando-os todos em um só
nível;
- a redução arbitrária dos níveis de Percepção a um só, ainda reconhecendo a existência de vários níveis de
Realidade - conduziria a um novo cientificismo, proclamando que só a ciência pode conduzir à verdade; ou à
absorção da transdisciplinaridade por ideologias extremistas de qualquer opinião, levando a uma falsa
aparência de liberdade dada aos outros e a uma falsa aparência de espiritualidade, justificando todas as
manipulações imagináveis;
- a redução arbitrária dos níveis de Realidade a um só, ainda reconhecendo a existência de vários níveis de
Percepção - conduziria à anexação da transdisciplinaridade ao irracionalismo hermético, esvaziando-a de toda
a vida, reduzindo-a a um puro fenômeno de linguagem para "iniciados", que diria tudo a respeito de nada;
- o reconhecimento dos níveis de Percepção e dos níveis de Realidade sem, no entanto, reconhecer sua
rigorosa correlação - que conduziria à assimilação do impulso da transdisciplinaridade pela Nova Era, sem
rigor ou discernimento.
- o desvio mercantilista - apossar-se da cultura transdisciplinar, naquilo que ela tem de maior valor, para
continuar se submetendo ao deus único da eficácia pela eficácia, de uma maneira mais refinada que outrora.

Para concluir, apresenta-se a Carta da Transdisciplinaridade elaborada por Lima de Freitas, Edgar Morin e
Basarab Nicolescu no Convento da Arrábida, dia 6 de novembro de 1994.

Carta da Transdisciplinaridade

Preâmbulo
Considerando que a proliferação atual das disciplinas acadêmicas e não acadêmicas leva a um crescimento
exponencial do saber, o que torna impossível qualquer visão global do ser humano,

Considerando que somente uma inteligência capaz de abarcar a dimensão planetária dos conflitos atuais
poderá enfrentar a complexidade de nosso mundo e o desafio contemporâneo da autodestruição material e
espiritual de nossa espécie,

Considerando que a vida está fortemente ameaçada por uma tecnociência triunfante, que obedece apenas à
lógica assustadora da eficácia pela eficácia,

Considerando que a ruptura contemporânea entre um saber cada vez mais acumulativo e um ser interior
cada vez mais empobrecido leva a uma ascensão de um novo obscurantismo, cujas conseqüências no plano
individual e social são incalculáveis,

Considerando que o crescimento dos saberes, sem precedentes na história, aumenta a desigualdade entre
aqueles que os possuem e aqueles que deles são desprovidos, gerando assim desigualdades crescentes no
seio dos povos e entre as nações de nosso planeta,

Considerando ao mesmo tempo que todos os desafios enunciados têm sua contrapartida de esperança e que
o crescimento extraordinário dos saberes pode levar, a longo prazo, a uma mutação comparável à passagem
dos hominídeos à espécie humana,

Considerando que precede, os participantes do Primeiro Congresso Mundial de Transdisciplinaridade


(Convento de Arrábida, Portugal, 2-7 de novembro de 1994) adotaram a presente Carta, que contém um
conjunto de princípios fundamentais da comunidade dos espíritos transdisciplinares, constituindo um contrato
moral que todo signatário desta Carta faz consigo mesmo, sem qualquer pressão jurídica e institucional.

Artigo 1: Qualquer tentativa de reduzir o ser humano a uma definição e de dissolvê-lo em estruturas formais,
quaisquer que sejam, é incompatível com a visão transdisciplinar.

Artigo 2: O reconhecimento da existência de diferentes níveis de Realidade, regidos por lógicas diferentes, é
inerente à atitude transdisciplinar. Toda tentativa de reduzir a Realidade a um único nível, regido por uma
única lógica, não se situa no campo da transdisciplinaridade.

Artigo 3: A transdisciplinaridade é complementar à abordagem disciplinar; ela faz emergir do confronto das
disciplinas novos dados que as articulam entre si; e ela nos oferece uma nova visão da Natureza e da
Realidade. A transdisciplinaridade não busca o domínio de várias disciplinas, mas a abertura de todas elas
àquilo que as atravessa e as ultrapassa.

Artigo 4: O ponto de sustentação da transdisciplinaridade reside na unificação semântica e operativa das


acepções através e além das disciplinas. Ela pressupõe uma racionalidade aberta, mediante um novo olhar
sobre a relatividade das noções de 'definição' e de 'objetividade'. O formalismo excessivo, a rigidez das
definições e o exagero da objetividade, incluindo a exclusão do sujeito, levam ao empobrecimento.

Artigo 5: A visão transdisciplinar é resolutamente aberta na medida que ultrapassa o campo das ciências
exatas devido ao seu diálogo e sua reconciliação, não apenas com as ciências humanas, mas também com a
arte, a literatura, a poesia e a experiência interior.

Artigo 6: Com relação à interdisciplinaridade e à multidisciplinaridade, a transdisciplinaridade é


multireferencial e multidimensional. Embora levando em conta os conceitos de tempo e de História, a
transdisciplinaridade não exclui a existência de um horizonte transhistórico.

Artigo 7: A transdisciplinaridade não constitui nem uma nova religião, nem uma nova filosofia, nem uma
nova metafísica, nem uma ciência das ciências.

Artigo 8: A dignidade do ser humano é também de ordem cósmica e planetária. O aparecimento do ser
humano sobre a Terra é uma das etapas da história do Universo. O reconhecimento da Terra como pátria é
um dos imperativos da transdisciplinaridade. Todo ser humano tem direito a uma nacionalidade, mas, a título
de habitante da Terra, ele é ao mesmo tempo um ser transnacional. O reconhecimento pelo direito
internacional da dupla cidadania - referente a uma nação e a Terra - constitui um dos objetivos da pesquisa
transdisciplinar.

Artigo 9: A transdisciplinaridade conduz a uma atitude aberta em relação aos mitos e religiões e àqueles que
os respeitam num espírito transdisciplinar.

Artigo 10: Não existe um lugar cultural privilegiado de onde se possa julgar as outras culturas. A abordagem
transdisciplinar é ela própria transcultural.

Artigo 11: Uma educação autêntica não pode privilegiar a abstração no conhecimento. Ela deve ensinar a
contextualizar, concretizar e globalizar. A educação transdisciplinar reavalia o papel da intuição, do
imaginário, da sensibilidade e do corpo na transmissão dos conhecimentos.

Artigo 12: A elaboração de uma economia transdisciplinar está baseada no postulado de que a economia
deve estar a serviço de ser humano e não inverso.

Artigo 13: A ética transdisciplinar recusa toda atitude que se negue ao diálogo e à discussão, qualquer que
seja sua origem - de ordem ideológica, cientificista, religiosa, econômica, política, filosófica. O saber
compartilhado deveria levar a uma compreensão compartilhada, baseada no respeito absoluto das alteridades
unidas pela vida comum numa única e mesma Terra.

Artigo 14: Rigor, abertura e tolerância são as características fundamentais da atitude e da visão
transdisciplinares. O rigor na argumentação que leva em conta todos os dados é a melhor barreira em
relação aos possíveis desvios. A abertura comporta a aceitação do desconhecido, do inesperado e
imprevisível. A tolerância é o reconhecimento do direito às idéias e verdades contrárias às nossas.

Artigo final: A presente Carta da Transdisciplinaridade foi adotada pelos participantes do Primeiro Congresso
Mundial de Transdisciplinaridade e não reivindica nenhuma outra autoridade além de sua obra e sua
atividade.
Segundo os procedimentos que serão definidos de acordo com as mentes transdisciplinares de todos os
países, esta Carta está aberta à assinatura de qualquer ser humano interessado em promover nacional,
internacional e transnacionalmente as medidas progressivas para a aplicação destes artigos na vida cotidiana.

Convento da Arrábida, 6 de novembro de 1994


Comitê de Redação:
Lima de Freitas, Edgar Morin e Basarab Nicolescu

Bibliografia:
NICOLESCU, Basarab. O Manifesto da Transdisciplinaridade. São Paulo, Trion. 2001. 163p.
NICOLESCU, Basarab. Fundamentos Metodológicos para o Estudo Transcultural e Transreligioso. Educação e
Transdisciplinaridade, II, pp.45-70. São Paulo, TRIOM, 2002.
NICOLESCU, Basarab. Um novo tipo de conhecimento - Transdisciplinaridade. Educação e
Transdisciplinaridade, I, pp.13-29. Brasília, UNESCO, 2000.

Sobre Maria Schuler:


Formação:
Doutora em Administração de Sistemas de Informação (1993), pela École Supérieure des Affaires
(ESA) de Grenoble, França; Mestre em Administração de Marketing (1989), pelo PPGA da UFRGS,
Bacharel em Comunicação Social - Opções Publicidade, Propaganda e Relações Públicas.

Histórico:
Maria Schuler Dr., Professora Adjunta do Programa de Pós-Graduação em Administração (PPGA)
da Escola de Administração (EA) da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS);
Coordenadora do Núcleo para a Excelência Humana (NEH) da EA; Consultora em Administração
da Comunicação Organizacional.

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