Sie sind auf Seite 1von 111
MARIO FERREIRA DOS SANTOS CURSO DE INTEGRACAO PESSOAL 6 EDICAO Livraria & Epitéra LOGOS Lrpa. Rua 15 de Novembro, 137 — 8 andar — Telefone: 35-6080 SAO PAULO 10 MARIO FERREIRA DOS SANTOS 41) Temética e Problemftica da Criteriologia 42) Origem dos Grandes Erros Filoséficos I vol. 43) Origem dos Grandes Erros Filoséficos II vol. 44) Filosofia e Romantismo 45) Grandeza e Miséria dos Logisticos 46) Dialéctica Concreta Os volumes subseqiientes serio oportunamente anunciados. OUTRAS OBRAS DO MESMO AUTOR: ~ — (Temas nietzscheanos) — 38 ed. — «Assim Falava Zaratustras — Texto de Nietzsche, com andlise simbélica — 3. ed. — - «Vida no é Argumento> “A Casa das Paredes Geladas 4A Arte © a Vida> A Luta dos Contrérioss — 2. ed. — 3. ed. «Discursos e Conferéncias> , de Nietzsche — ¢Auroray, de Nietzsche — iério tntimo>, de Amiel — Os hébitos, que sio adquiridos, séo verdadeiros esque- mas. E do mesmo modo que obtemos bons habitos, tam- ‘bém obtemos maus. Que fazer para fortalecer os bons esquemas e desinte- grar os maus, a fim de nos libertarmos da sua tirania? Os esquemas consistem em verdadeiras normas dentro de nossa alma, Sdo 0 que os escoldsticos chamam de habi- tus. Esse térmo vem do verbo habere, haver, ter. Ha- bitus 6 tudo quanto nfo faz parte da esséncia, mas que é adquirido. E podemos, psicologicamente, adquirir bons habitos ou maus, como também podemos libertarnos dos maus. Ora, se sfio éles aquisigées, e nao formam a nossa esséncia, po- demos dispensé-los, embora isso nos custe, as vézes, muito trabalho e boa vontade. Mas, quem vai dispensé-los? # a nossa alma, em sua pureza, FE a nossa tensdo psiquica forte, que é a nossa ar- ma de desintegragio dos maus esquemas. Portanto, para que ela seja capaz de uma tarefa t40 importante, é preciso, em primeiro lugar, que ela seja muito forte, poderosa, coesa. O caminho esta em fortalecé-la. % o primeiro lango da Jornada. Podemos, depois, aleangar outros estagios impor- tantes. ‘Vamos, portanto, seguir os primeiros passos, que nos Jevam ao fortalecimento de nosso espirito. O POUCO QUE PECO DE TI Vamos juntos percorrer ésse lanco, e depois examinare- mos outros. Quem vai fazer uma viagem, toma diversas providéncias, e uma das mais importantes é preparar tudo quanto pre. cisa para ela. E, assim como arrumamos em nossas malas Os apetrechos, objetos de que iremos necessitar, precisamos, também, arrumar tudo quanto vamos precisar para essa viagem. E como todo viajor deseja que a viagem seja a mais agradavel possivel, que menos dissabores apresente, nao julgues que eu va exigir de ti, de inicio, muitas coisas. Vou Pedir, 20 contrério, bem pouco; tio pouco que ndo me ne. gards, pois sé exigirei de fi & proporedo que sejas capaz de me dar o que te peca. Muitos se queixam de que nao tém confianga em si mes- mos. Seria tudo muito facil se disséssemos apenas: tem confianga em ti, e a confianga surgisse sitbitamente. ~> A confianca em si é @ maior virtude que se pode dese- jar para um homem. Quem tem contianca em si realiza o que pareceria im- Possivel. Mas, muitos se queixam que nao a tém, e nfo sa- bem como adquiri-la. A confianga em si no se adquire directamente, mas di- recta e também indirectamente. 160 MARIO FERREIRA DOS SANTOS Nao basta dizer que se tem confianca em si, pois ela nao nasce apenas pela palavra. Nem adianta desesperar-se. Na verdade, tu tens confianga em ti. Nao acreditas no que digo? Mas, pensa um pouco. Quando te levantas pe- la manh, duvidas acaso que sejas capaz de vestirte? Nao 6s capaz de ir até & mesa e tomar a tua primeira refeicdo? Nao és capaz de fazer tantas pequeninas coisas? Se és capaz de fazer tantas coisas, és capaz, pelo menos. Rememora, por favor, tantas coisas que fazes, tens feito e que és capaz de fazer. Mas, logo poderias me retrucar, que hé muitas que nao podes fazer, pois nfo és capaz de fazé-las. Nao ha dtivida. Mas, pensa mais um pouco; quando crianga, quantas coisas no podias fazer, e que hoje fazes. © atleta que vé um haltere tio pesado, julga que nao poderd erguélo. E nas suas primeiras aulas de halterofi- lismo, naturalmente, nfo pode fazer 0 que outros fazem. Nao pode, porém, deixar de reconhecer que 0 que outros fazem nio 0 faziam antes. Portanto, tu és capaz de muitas coisas, Assim como hoje és capaz de fazer o que anteriormente néo o podias, serés capaz de fazer amanha o que hoje parece dificil. Se és capaz até de viver, és sempre capaz, Portanto, reconhece uma verdade: és capaz. Assim, j4 alcancamos alguma coisa, a0 chegarmos aqui. Tu me acompanhaste até aqui, J4 temos um importante ponto de partida, pois 4 temos alguma confianca em nés. Pois ndo fazemos j4 0 que nao faziamos? Nao fomos ca- pazes de um progresso? Se fomos, por que néo o seriamos de mais? ‘Vamos fazer uma experiéncia, Deixa teus bragos pou- sados sobre esta mesa, junto a éste livro. Nao 0 movas. Conta até vinte, sem os moveres. CURSO DE INTEGRACAO PESSOAL 161 Conta: um, dois, trés, quatro . vinte. Nao conseguiste? Vamos, outra vez, contemos até cin- qtienta. Nao te movas totalmente: Um, dois, trés, quatro, cinco ............ cingtienta! Viste como podes ficar quieto? Experimentemos um pouco mais: Olha aquéle objecto ali. Fixa o olhar sébre éle. Nao te movas, ndo olhas para outra coisa, s6 para éle. E conta até vinte. Um, dois, trés, quatro ............ vinte. © ¥ que tal? Vamos contar até cingtienta. Um, dois, trés, quatro, cinco ............ cinqtienta. Magnifico! Coloca-te agora na cadeira em que estés. Afasta tuas costas do encésto. Vira para cima a palma da mio direita. Coloca sobre ela a mo esquerda, Deixaas pousadas agora sobre as per- nas. Toma uma posigéo firme. Nao te movas, Olha pa- ra um objecto & tua frente. E conta até vinte. Repete até cinqtienta. Toma a mesma posicio. Fecha os olhos. Respira Ien- tamente, ritmadamente pelo tempo que puderes. Nao te Preocupes com os pensamentos que surjam. O que nos in- teressa agora 6 que realizes ésse exercicio de respiracéo. Respira profundamente. Enche mais que puderes os pulmées. Olhos fechados, mas procura “olhar” bem no cen- tro da raiz do nariz. Inspira profundamente. Guarda bem o ar nos pulmées até contares dez. Deixa-o sair lentamente, enquanto contas até cinco, 162 MARIO FERREIRA DOS SANTOS Suspende um pouco a respiragéo. Os pulmoes esvazia- dos. Enche-os de novo, lentamente; guarda o ar, esvazia, descanga, prossegue. Espléndido! Tudo jd esté correndo muito bem. ‘Vamos repetir outra vez. Agora procura respirar déste modo. Enche os pulmées bem de vagar. Guarda o ar. Expira vagarosamente. Tao vagarosa- mente que nem sequer ougas o rufdo da respiragéio. Tor- na-a bem fluidica. Pouco @ pouco, continuando nesse exercicio, consegui- rds alcangar um ritmo bem teu, natural. E faze éste exercicio, disriamente, tantas vézes quantas Puderes. Podes abusar déle, pois quanto mais fizeres, me- thor para ti, Pelo menos, deves fazé-lo uma vez pela manhé e cutra & noite. E vais fazé-lo sempre, daqui por diante, durante toda a vida. Seria muito complexo tentar explicar quanto vale éste exercicio. Mas basta dizer algumas palavras: éle vai regu- Jarizar, aos poucos, @ tua respiragdo, a alimentacao do oxi- génio de que precisa o teu sangue; vai regularizar todo o teu corpo e também ajudar a fortalecer o teu espirito. Pois ® atengso que puseres, olhando para a raiz do teu nariz, vai ajudar a concentrar a tua tensio psiquica. EXERCICIOS RESPIRATORIOS O mesmo exerefcio que se realiza sentado, também se pode realizar quando deitado. Deita-se de costas, estiram- -se as pernas. Colocam-se duas méos bem juntas ao corpo, de cada lado. E respirase da mesma forma, olhos fecha- dos, o olhar convergente. Se acaso surgir algum mal-estar, por estar o olhar con- vergido para a raiz do nariz, deve-se convergi-lo, como se se dirigisse para um objecto distante. E respira-se da maneira indicada. fisse exercicio acalma. Se se adormecer ao fazé-lo me- Thor ainda. Mas se acaso houver estremecimento e cimbras nao hé motivo para preocupagées. Nosso corpo nao é muito aces- sfvel & disciplina, e se rebela um pouco. Séo pequenas reac- gées que nao fazem mal. Continuem-se os exercicios, que afinal @sses estremecimentos desaparecerio, e sentir-seé 0 praticante cada vez mais calmo. Daremos agora uma série de regras para exercicios res- piratérios. Respiragio ritmica — O ritmo é individual. No entan- to, antes de alcangé-lo, o praticante pode seguir esta norma: 3 segundos para a inspiragéo; 164 MARIO FERREIRA DOS SANTOS 2 de retengao de ar nos pulmées; 5 para a expiracao; 2 de descango, e, em seguida retérno a inspiracao. Observages: No inicio, 6 quase impossivel conseguir a regularidade. Contudo, nao ha motivo para preocupagio. Prossegue- “se no exercicio pelo prazo de uns 5 minutos. Obtida certa regularidade, nos dias sucessivos, aumenta-se para 10, até 15 minutos. A pouco e pouco alcanga o praticante o seu ritmo indi- vidual, mas sempre conservando as quatro fases inspiragao- -retengao-expiragao-descango, até alcancar a fluidez da res- piracéio, que se fara quase em siléncio. Modalidades: ste exercicio pode e deve ser realizado: a) estaticamente; b) dinamicamente. No caso a, deve o praticante permanecer sentado, na postura ja indicada. No caso b, deve colocar-se em pé, pernas abertas. Cru- zar as méos na nuca, Inspirar profundamente, conservar © ar nos pulmées, expiré-lo com a flexio de busto sobre os foelhos até esvaziar totalmente os pulmdes. Permanecer 0s 2 segundos neste estado e inspirar levantando o busto até @ posicdo normal. Tempo: Adquirido o ritmo natural individual, na postura estd- tica, éste exercicio deve ser prosseguido quotidianamente. CURSO DE INTEGRAGAO PESSOAL 165 O exercicio dinamico pode variar, ¢ deve ser feito da seguinte maneira: Inspiragdo — 3 segs.; retengao — 10 segs.; expiragéo — 5 a 6 segundos; descango — 2 segundos no mfnimo. Alcangar éste tempo ¢ jé extraordindrio, e abre campo para profundas modificagées interiores. Duragio dos exercicios: Um dos nossos graves defeitos consiste na pressa, Nao gostamos de empregar dias, meses e até anos na realizacio de uma tarefa que néo nos ofereca imediatos resultados. Por isso, tais exercicios, como outros, sempre tteis e enéficos para o bom funcionamento, nao sé fisico como quimico, sio abandonados em meio do caminho, por aqué- Jes que nao percebem, desde logo, imediatos beneficios. Mas, num sector como éste, 0 do nosso pleno dominic, todo esférgo, toda confianea, toda decisio, toda calma, t0- da a perfeigdo, que se aleancem, embora parcialmente, ser- vem para nosso bem, Podemos nao perceber os beneficios maiores, porém éles se processam lenta e silenciosamente, ¢ terao, afinal, que dar os seus frutos, que bem valem 0 es- forgo dispendido. EXERCICIOS MENTAIS Pode-se ficar na mesma posigéo do exercicio respiraté- rio, ou em outra que for mais comoda. Escolhe-se um assunto qualquer; por exemplo, esta fra- se de Virgilio: “Podemos, porque pensamos poder”. Pensar que podemos é¢ ter confianga em nosso proprio oder, e ter confianga néle, é fortalecer 0 poder que hd em nés.., e assim sucessivamente. 166 MARIO FERREIRA DOS SANTOS Medita-se sObre tudo isso, sem se mover. Apenas o pensamento actua e 0 corpo deve permanecer imovel. © possivel que sejamos interrompidos por pensamentos dife- rentes, e também levados para muito longe do que estdva- mos meditando. # natural que pensamentos errantes inva- dam 0 nosso cérebro e nos desviem do ponto onde estava- mos. O que se deve fazer, é voltar novamente ac assunto 2 meditar sObre éle, sempre com alegria, sem se preocupar com 0 que aconteceu. E tantas vézes, quantas puder. Es- se exercicio pode durar uns 5 minutos, o que j4 é um pro- gresso extraordinério. Nao se deve forcar o pensamento a fixar-se s6 sdbre o tema, Nao se deve lutar nunca contra as idéias intrusas. Quanto mais sé lutar contra elas, mais fortes elas sero. Devese deixé-las de lado, e prosseguir no exercicio, que de- ve ser realizado dizriamente. A proporcio que as idéias intrusas ameagam perturbar a meditacdo, recomega-se outra vez, sem se preocupar com a interrup¢ao. Regra importante: Escolher sempre, como tema de meditagéo, assuntos positives. Nao pensar em coisas ruins, males, infamias, doengas, fraquezas. Os pensamentos devem exercitar-se s6- bre aspectos positivos e benéficos. Aproveitar como tema grandes pensamentos positivos de grandes autores. REGRAS IMPORTANTES SOBRE A MEDITACAO Depois dos conselhos que demos sébre a meditag4o, de- sejamos, agora, chamar a atengdo do leitor para os pontos seguintes, de grande importancia para o bom éxito das mes- mas: a) Na meditacdo, nenhuma tensio é necesséria. Ao contrario, é até prejudicial. Iniciada com tranqiiilidade, nao exige nenhum excesso de esforco. ‘A meditacao deve orientar-se com a maior naturalidade. b) A duragdo deve ser aumentada, & proporgao que 0 bom éxito f6r sendo conquistado. Para iniciar, basta meio caminho até & base dtima de meiachora. ©) A direcgao do olhar deve ser para a frente. d) Se, no inicio, houver estremecimentos, lembrar-se que so éles naturais. Podem dar-se em todo o corpo, ow apenas nas pernas, bragos, etc. Tais estremecimentos, comuns a principio, terminariio por desaparecer totalmente. ) Ao iniciar a meditagao, que deve ser feita em lugar yeservade e ausente de estranhos, pensar primeiramente que se esté s6, entregue ao seu proprio bem, que, por sua vez, es- ta imerso no Ber Supremo. Este 0 cerca, éste o sustenta, e éste o ampararé, 168 MARIO FERREIRA DOS SANTOS 1) Se a meditagio fOr sObre uma tnica idéia, por sO- bre ela a maxima tensio psiquica. Se for através de idea- goes (por encadeamento de idéias), nfo se preocupar se pensamentos errantes e estranhos a perturbarem. Quando sentirmos que nos perdemos em pensamentos estranhos, ndo nos perturbemos por isso, pois é natural. Voltemos ao pensamento fundamental da meditacio, pros- seguindo com confianga. g) Se se manifestarem dificuldades muito grandes pa- ra nos fixarmos s6bre varios pensamentos, a solugéio é pen- sar em poucos, e sObre éstes fazer a meditacao. h) Procurar estar sempre alegre; um leve sorriso deve pairar no rosto. Nao abrigar qualquer sentimento de hos- tilidade. Viver um momento de pleno amor. i) Permanecer em siléncio, e se discorrermos, os pen- samentos devem ser pronunciados apenas intimamente. 4) Os pensamentos errantes ou perturbadores devem ser recebidos com trangiiilidade e calma, e sobretudo com paciéncia. les acabaréo por nao mais surgir, e obter-se-40 a paz interior e a forga mental desejada. Os pensamentos estranhos, se merecerem a nossa aten- gd, criaréo raizes e férga. Deve-se recebé-los com indife- renga, e prosseguir na meditagSo. les acabarao por nao mais nos preocupar. kk) Esses exercicios devem ser prosseguidos de 3 a 6 meses e sd devem ser substitufdos por outros mais comple- x0s, sobre temas mais amplos, depois de obtida a sua plena realizaco. 1) Nao se deve lutar contra o mental, Conservar-se sempre calmo. m) Se a concentragéo dos olhos causar qualquer mal- estar, pode-se abandoné-la e dirigila para o exterior ou olhar normalmente com os olhos fechados. CURSO DE INTEGRACAO PESSOAL 169 n) Nunca abandonar a prdtica da meditacgaéo, embora parega dificil a principio. Deve-se sempre fazé-la, porque s6 ela nos dard a solidez da tens&o psiquica e sua forca interior e mental. Ela contribui para a formagio, nao sé de um espirito forte, mas também de um corpo sao. A alegria, que se obterd, depois de uma longa pratica, e a satisfagio que se conhecerd, serdo tao grandes, que com- pensario todos os esforgos despendidos. ©) Lembremo-nos que a dor aumenta segundo a aten- do que a ela Ihe dermos. Também os pensamentos erran- tes ou contrérios aumentarao de forga, quanto mais aten- ao Ihes dermos. p) Lembremo-nos que o subconsciente trabalha en- quanto dormimos, e também quando estamos despertos, em vigilia, e entregues a0 consciente. Para problemas, cuja solugdo nao encontrévamos, vemo-la surgir quando menos esperdivamos. & que o subconsciente trabalhou para solu- cioné-los. Lembremonos que o subconsciente pode actuar quase sempre a nosso favor. Muitos sdbios, fildsofos, cientistas, estudiosos de toda espécie, confiam ao seu subconsciente a solugdo de grandes problemas. E conseguem obtéla, gragas & confianca que néle depositam. q) Lembremo-nos que o mental é a maior forca que existe. Confiemos no seu poder, e trabalhemos para desen- volvé-lo, sempre com confianga nas meditagdes que fizer- mos. s) Lembremonos que um mental é tanto mais forte quanto maiores forem a alegria e a serenidade. Cultivemos a alegria com pensamentos alegres, e a serenidade pelo amor a0 bem. 170 MARIO FERREIRA DOS SANTOS A SERENIDADE Para que a mente conhega a serenidade, 6 preciso que © corpo a pratique constantemente. Um bom exercicio 6 a respiragSo ritmica. Mas, para conseguir melhor efeito, convém praticar pequenos exerci- cios de serenidade, durante o dia. Vamos a exemplos: Deve-se permanecer em siléncio, pelo menos um certo tempo. Os exercicios de andlise de um grande pensamento, fei- tos com calma, sem precipitagées, separando as idéias que estéio entrosadas, para examind-las, cada uma de per si, pa- ta depois concrecionélas num conjunto de pensamentos, sao de grande utilidade. Se alguém, ao ter que resolver um assunto, examiné-lo Ponto por ponto, com calma e ponderagao, sem deixar ar- Tastar-se por impulsos afectivos, faré outro exercicio facil, que ajuda a dar ao mental a serenidade de que necesita. Um mental agitado nao permite progressos, e 6 présa facil de preocupagées fantasistas, Quem domina o mental é um verdadeiro homem. Ha um grande fundamento no famoso ditado: “Aquéle que é se- nhor do seu mental é senhor do universo.” A vitoria sobre o mental é a realizagéio plena da liber- dade. Que cuidados devemos tomar? Um sintoma do mental agitado esté na busca desenfrea- da da novidade, da diversidade. Tudo desagrada, Dai o te- mor & monotonia, que leva tantos ao exagéro de considerar monétono tudo quanto se repete. CURSO DE INTEGRACAO PESSOAL 171 Para evitar ésse defeito, temos 0 exercicio da medita- 40, que, levando o mental a fixar-se sobre idéias, félo ir vir de uma idéia para outra, repetindo pensamentos, permi- tindo vitdrias, e facilitando um prazer na repeticio. ‘Nao devemos desanimar, se hé certa monotcnia na vida. Somos hoje tao solicitados para a diversidade, que toda repetigéo nos parece roubar uma possibilidade de novidade. No entanto, a propria novidade acaba por nos cansar, por- que temos uma capacidade limitada para o sempre-novo. Precisamos, por isso, saber alternar a diversidade com @ repetigao, e saber ver, naquela, a primeira, 0 que se re pete e, na segunda, 0 que oferece de novo. Por acaso podemos ver uma coisa sob todos os aspec- tos? Pode alguém dizer que conhece tudo de qualquer coisa? Todas as coisas oferecem novidades, embora sejam re- petidas. Saber perdurar entre ambas é a melhor ligdo que nos oferece a vida, pois os excessos, neste como em muitos ca- 808, 86 nos podem levar a aborrecimentos. Quem teima em ver (actualizar) apenas os aspectos re- petiveis, acaba por aborrecer-se. Mas, é preciso ver que @ vida é sempre nova, e nds, de certo mode, outros, cada dia que passa, Nao prestemos tanta atencio ao que se repete. Procuremos 0 novo no que se repete, e o encontraremos. Mas s6 seremos capazes de conquistar éste estado ideal se soubermos dominar 0 nosso mental, depois de havermos conquistado a serenidade. Que precisamos, entéo, fazer? Ser sempre pontuais em nossos exercicios e, se possi- vel, fazé-los sempre &s mesmas horas. 172 MARIO FERREIRA DOS SANTOS Nunca esquecer a ordem do exercicio de meditagao: 1) um sorriso nos Idbios, erguendo os miisculos zigo- miticos; 2) exercicio de respiragdo ritmica; 3) exercicio de meditagao sObre temas positivos. E, sobretudo: alimentar os sentimentos positivos! Quando sentirmos simpatia por alguém, um sentimen- to de bondade, procuremos alimenté-lo. Nao busquemos razOes para justificar 0 nosso abandono, tais como: “nin- guém merece nossa estima”, “os séres humanos sao todos ™maus”, ou afirmagoes semelhantes. Tédas essas expressdes 86 servem para enfraquecer nossa poténcia Positiva. Nes- ‘ses instantes, deixemos que nossa ternura se desborde. Como querem sentirse bem aquéles que tudo fazem Para aumentar a sua tristeza e, o pior, a sua miséria? Para se ser feliz, é preciso exercitar-se na felicidade. A felicidade exige um treino, um longo treino. Todos os que falam contra a felicidade, jé meditaram bem, ja procuraram em si mesmos delinear o que fizeram para exercitar-se na felicidade? O mundo tem muita luz, Por que, entao, pensar s6 nas sombras? # uma sabedoria, e a mais feliz das sabedorias, aquela que nos ensina a por éculos de otimismo. Quem procura © mal, e s6 vé 0 mal, como pode alcangar o bem? Embora pensamentes bons estejam em nossa mente, muitas vézes, ao termos que resolver alguma coisa, fazemos tudo ao contrério do que seria razoavel fazer. E por qué? Porque, dizemos, nossos sentimentos nos levaram ao érro. Por isso se vé que nao basta apenas o pensamento para nos levar & acgéio. O sentimento actua com tal férga que somos desviados sem considerar o que é o melhor. CURSO DE INTEGRACAO PESSOAL 173 No basta a educacéo do mental, quando nao hé educa- go dos sentimentos. Se deixamos que os sentimentos ne- gativos nos dominem, seremos sempre fracos. Alimentar sentimentos positivos, eis, portanto, a grande regra que se impée para 0 nosso bem. “Mas, 6 dificil, as vézes, alimenté-los”! Hé quem faga essa afirmativa. Certa vez, um famoso sébio, teve estas palavras para ‘um discipulo: “Se colocas uma tébua estreita no chao e caminhas a0 longo da mesma, se imaginas que vais cair dela, dela cairds. Se, ao contrdrio, tens £6 em ti mesmo, atravessé-lads com perfeito equilibrio. E por que, se ela estivesse no alto, cai- rias, quando, com ela no chio, no caiste? Porque tua ima- ginagio te leva a pensar que cais, e cairds.” Cuida, pois, da imaginagio. A imaginagio 6 nossa ami- ga ou nossa inimiga. Se ela trabalha com imagens negati- vas, eis que trabalha contra nds. Se trabalha com imagens positivas, eila a nosso favor. ‘A imaginagéo depende muito de nés. Quando imagi- namos positividades, no sentido puro do térmo, alimentamo- las. Quando imaginamos negatividades, procuremos des- viar-nos delas. FORTALECE-TE O fortalecimento do nosso espfrito exige, portanto, uma triplice actividade, pois deve dar-se combinada e contempo- raneamente com o fortalecimento das nossas trés funcées psiquicas. Para o fortalecimento do sensério-motriz (sensibilida- de), temos os exercicios respiratérios, a gindstica, etc. Para o fortalecimento da intelectualidade, temos a pré- tica da meditacgao e as praticas afins. 174 MARIO FERREIRA DOS SANTOS Para o fortalecimento da afectividade, os sentimentos Positivos. Caracteriza-se 0 nosso método pela pritica da positivi dade, em qualquer setor. Jé que abordamos, em suas linhas gerais, os diversos aspectos e as priticas correspondentes, cabe-nos agora acrescentar, para cada sector, novas observagées e priticas que nos oferecerao meios mais seguros e mais eficazes de alcangar 0 que desejamos. A PRATICA DO JUBILO Chamavam os antigos de jubilen a indulgéncia plendria, solene e geral, concedida pelos papas aos catélicos, para re- missio de tédas as dividas e pecados. Havia, assim, jubi- lo geral, alegria geral, porque os homens tiravam de suas costas 0 péso do temor do pecado, que acarretava, conse- qiientemente, os castigos prometidos. & verdade que o tér- mo tomou depois outros sentidos; mas mantém e conserva © contetido conceitual de satisfagao plena, 0 que nos indica uma grande e profunda alegria. Praticar 0 jubilo é praticar a alegria, Em todo momea- to de alegria, sentimo-nos mais fortes. A alegria 6 sempre excitante e criadora de f6rcas. Com alegria, sentimo-nos mais capazes de fazer qualquer coisa, enquanto todos sabem que, sob 0 péso de uma tristeza, as nossas fOrcas se ames- quinham, e a capacidade de acco se torna menor ou desor denada e frégil. Nao hd, portanto, quem nao reconhega o poder da ale- gria. Mas, se todos a desejam, nem todos a vivem em sua alma, e muitas fisionomias sio de uma triste eloqiiéncia, pois nos revelam evidente abatimento moral. Sabem muitos que é dificil a alegria quando o espetd- culo do mundo nos oferece tanta mégoa. CURSO DE INTEGRAGAO PESSOAL 175 Nao basta dizer-se que & parte de tanta tristeza, ha mui- ta luz e muita alegria no mundo, pois quem esté imerso nas trevas néo pode contemplar a beleza das coisas, que sé a luz da alegria pode iluminar. No entanto, a pratica da alegria nao ¢ dificil. Pode ter alegria quem alimenta sentimentos negativos? Pode ter alegria quem nao domina seu mental? Pode ter alegria quem nao alimenta a sensibilidade com bons exercicios? Nao se trata de uma alegria qualquer, como certas ale- grias passageiras, que deixam atrés de si uma marca som- bria e, as vézes, até um rasto de tristeza. Trata-se agora do jabilo. E 0 jubilo é predominantemente da intelectualidade e da afectividade. © jubilo, em sua maior profundidade, implica um gézo mais profundo de tédas as coisas, Cada instante da vida nos oferece muitos motivos para cultivar 0 nosso jtibilo. Cada uma das nossas pequenas vi- torias, e somos vitoriosos quando superamos qualquer difi- culdade, nos oferece um motivo de jubilo, se soubermos capté-lo. Vejamos: cada vez que fazemos um exercicio, porque no procurarmos 0 jtibilo que éle nos oferece? Nao é mais um degrau para a nossa libertacio? Nao basta, portanto, convencermo-nos apenas de que cumprimos uma obrigacao, € preciso gozar o juibilo que éle oferece. Pois, nfo vence- mos? Nao marchamos no caminho das nossas vitdrias? ‘N&o nos aproximamos cada vez mais do fim desejado? Re: fubilemonos. Ergamos nossos olhos, inflemos nosso peito, um sorriso nos labios, deixemos que nossos olhos brilhem mais, e gozaremos 0 instante de jtbilo. 176 MARIO FERREIRA DOS SANTOS Se dissermos: felizmente jd fiz 0 meu exercicio hoje. Nao hé nessa frase a expresséo de quem se libertou de uma obrigagdo penosa? Nao estamos tomando uma atitude ne- gativa? E, no entanto, se dissermos: “muito bem, fiz 0 meu exer- cicio. Mas, felizmente, em outras ocasiées, farei outros, e assim sem fim, até o fim da minha vida.” Nao estamos, en- tao, criando um jubilo? E olhemos agora para os factos quotidianos. Procuremos, em cada uma das nossas actividades, 0 ju- bilo que elas nos oferecem, fle é a luz que ilumina cada um dos nossos instantes. fle dissipa as trevas que obscure- cem a beleza do mundo. Sé com 0 jiibilo daremos maior positividade a cada um dos nossos instantes. E a nossa vida ndo 6 feita de muitos instantes? Pois Iutemos para darthes luz, dissipando as trevas que 0s obscurecem, e a nossa vida seré luminosa, pela clareza da grande e potente alegria, que € 0 jtibilo. E quando compreendermos bem isto, rejubilemonos, Conhegamos 0 jtibile do nosso jtibilo, e assim marcharemos para a posse da alegria, que é sempre positiva. Pois nao é verdade que sempre desejamos que a tristeza passe, que ela se desvaneca? Pois, entdo, guardemos esta verdade: a positividade de nossa alma esté na proporgao das nossas alegrias. O jubi- lo € alimento da alma. NOVOS EXERCICIOS MENTAIS § imprescindivel, para nosso bem, éste ponto de parti- da: o homem 6 um composto de corpo ¢ alma. E essa alma 6 © que o liga mais profundamente ao que escapa ao conhe- cimento dos nossos sentidos, que é apenas do corpéreo. Néo vemos e nfo sentimos o que nao tem corporeidade para nos, mas sabemos hoje, gragas aos conhecimentos cientificos, que existem poderes para os quais os nossos sentidos sio surdos e cegos. ‘Vemos nossos pensamentos sem os vermos. Podem nossos olhos estar pousados sobre os factos do mundo exte- rior e, no entanto, por nossa mente esto passando pensa- mentos, que vemos sem vélos, intencdes que surgem sem que as representemos, idéias que nfo tém dimensdes nem formas espaciais, mas que compreendemos, aceitamos ou re- pelimos. E, no entanto, vemo-las sem as ver. Portanto, somos capazes de ver muito mais do que vemos, porque, com os olhos do espirito podemos ver 0 que os olhos do corpo nao véem. Essas visdes nc sio corpo, pois niio se dio no espago, pois nao esto localizadas, nem tém tamanho, formas quan- titativas do espago, e, como idéias, no tém idade, nem, por- tanto, tempo, embora as captemos dentro do nosso tempo. Essas visdes no sto as mesmas que temos déste livro, des- ta mesa, daquele quadro. Pois éstes séres, nds os vemos ali, aqui, acolé, num lugar, com um tamanho, Mas essas vis6es, de que falamos, nao as vemos materialmente! 178 MARIO FERREIRA DOS SANTOS Quando meditamos sObre nés mesmos, quando nos exa- minamos, ou interrogamos conscientemente a nossa cons- ciéncia, contemplamos nossas idéias, ou oramos a uma di- ‘vindade, quer com palavras pronunciadas ou ndo, nés reali- zamos exercicios que tomam o nome genérico de exercicios espirituais. Passear, caminhar, correr so exercicios corporais. E assim como podemos realizar uma gindstica para 0 corpo, @ fim de corrigir certas deficiéncias nossas, podemos realizar uma gindstica para o espirito, que nos auxilie a re- solver nossos problemas e nos permita alcangar a pontos mais elevados, que nos dardo uma fruigéo maior dos bens que a vida oferece. Quem deseja realizar tais exercicios espirituais, deve dis- por-se para éles de um modo todo especial, e realizar, pré- viamente, as seguintes providéncias, sem as quais é preferi- vel nada fazer: 1+ providéncia: Afirmar para si mesmo a maior verdade césmica: o ser € 0 Bem, e eu, enquanto ser, sou o Bem, e estou no Bem. E com convicgao, com fé, com dignidade e respeito, di zer para si mesmo: “O Bem me cerca, estou imerso no Bem e confio-me a éle.” 2." providénci Com a maior reveréncia ao Bem Supremo, fonte, origem e fim de tédas as coisas, realizar 0 exercicio respiratério, ritmico, por alguns minutos, procurando pensar apenas no Bem, no proprio bem e no Bem universal. CURSO ‘DE INTEGRAGAO PESSOAL 179 providéncia: Apés 0 exercicio respiratério, realizar o exercicio espiri- tual, segundo as normas que indicaremos. CONSIDERACOES IMPORTANTES Nunca esquegamos que todos os nossos esforcos em nosso bem encontram uma resisténcia, oposta pelo nosso “adversdrio”, 0 nosso obstdculo, o “deménio”, de que falam as religiées. Nao faltam vozes que tentam desmoralizarnos, Néo faltam sugestdes de pessoas conhecidas, e até dentro de nés mesmos, que constantemente afirmem a inutilidade de nos- sos esforcos. ‘Toda voz de desdnimo, todo impulso de fraqueza, de covardia ante os exercfcios, sfio de origem do que é contr rio a nés em nés. E devemos, desde logo, denunciar aos nossos préprios olhos tais fraquezas. E desprezando-as, cumprir 0 nosso dever com juibilo. Repelir a desmoralizagdo do maligno. Opor-lhe a nossa resolugio, e com dignidade e confianca em nés mesmos, prosseguirmos. OS EXERCICIOS ESPIRITUAIS Sem necessidade de examinar aqui um tema de Nooio- gia (ciéncia que estuda o funcionamento do nosso espirito), © que nos levaria a longinquas andlises, desejamos apenas lembrar uma velha experiéncia, que, através de milénios, sempre trouxe grandes beneficios para o homem, e 6 0 fun- damento de muitas das oragées que aconselham as religides. A noite, antes de dormir, naquele instante de modorra, que precede\ao sono, 0 nosso subconsciente esté em pleno 180 MARIO FERREIRA DOS SANTOS contacto com o consciente e de tal modo que tudo que, com confianga, a éle solicitarmos, serd obtido. Nesse instante, dirigindonos como amigos ao subcons- ciente, como j4 vimos, devemos pedir tudo quanto é possi- vel obter de nés mesmos, e certamente 0 conseguiremos. Se pedirmos para ser calmos, confiantes, trangiiilos, ter bas- tante capacidade de acc&o, boa ldgica, raciocinio rapido e bem concatenado, coragem, fora interior, etc., muito con- seguiremos. Podemos pedir tudo quanto dependa de nds, tudo quanto desejévamos constituisse patriménio do nosso ser. fsse exercicio deve ser repetido diariamente ao deitar e ao acordar. Acompanhando os outros exercicios, que indicaremos a seguir, éste deve processar-se da forma que exporemos. Ao acordar, nosso primeiro empenho deve ser o de afir- mar para nés mesmos @ posse do que desejamos ter. AS- sim, pode afirmar-se: “sou forte, domino minhas fraquezas” (precisar quais fraquezas); “sou senhor dos meus desejos e vengo-os” (precisar quais); “cada dia (e precisar o sector), sou mais senhor, ou cada dia sou mais senher disto ou daquilo.” ‘sse instante, importantissimo, deve ser aproveitado pa- ra afirmarmos a nds mesmos, 0 que mais desejamos de ime- Giato de nds. Obtido o valor desejado, prossegue-se, pe- dindo 0 seu progresse e conservacdo, ou para afirmar ou tros, ¢ assim sucessivamente. ste exercicio corresponde ao que se faz ao dormir, 20 subconsciente, que ja estudamos. CURSO DE INTEGRACGAO PESSOAL 181 QUE FAZER QUANDO ERRAMOS? Quando fizermos alguma coisa errada, quando um mau pensamento nos assaltar, quando um desejo indevido nos impulsionar, quando praticarmos um acto que foi injusto ou mal feito, nfio nos enchamos de aborrecimento. Levemos a mo ao peito, sintamos sinceramente o érro, e digamos a nés mesmos: “Rvitarei que se repita. No faz mal. Evitarei que se repita”. EXERCiCIO ELEMENTAR QUOTIDIANO Agradecer ao Bem todo beneficio alcangado. E nunca esquecer que sio muitos. Quanto aos males sucedidos, nunca os atribuir ac Bem, mas apenas as relagdes do que acontece. Quanto as nossas faltas, realizadas durante o dia, firmar- mo-nos no propésito de nfo repetilas! Confiar que o Bem nos hé de ajudar para o nosso bem. Esta répida meditagdo deve ser feita diariamente, antes de deitar. Segue-se, depois, 0 pedido ao sub-consciente. fsse pe- dido deve ser sempre positivo. COLOQUIOS INTERIORES Precisamos desdobrar-nos como um amigo com quem conversamos. E no mesmo tom amigo, confidencial e bon: doso, devemos examinar nossos erros, nossos desejos, nossos sonhos, esperangas, etc. E quando tomamos um tema para meditacdo, podemos interrogar-nos, para saber que pensamos sébre isto ou aquilo. Discordar, desafiar pa- 182 MARIO FERREIRA DOS SANTOS ra andlises, fazer perguntas, se no esquecemos alguma coi- sa, se no estamos examinando o assunto superficialmente, etc. ‘Todas essas providéncias, num amplo didlogo intericr, tem um efeito extraordinério. CONTEMPLACAO ESPIRITUAL Tomando um tema espiritual, a visio do Bem, pode- mos fazer um grande exercicio, de efvitos incalculaveis. © bem desta coisa pode ser éste ou aquéle. Tal ser de- seja alcancar tal fim, que seré o seu bem. Desta forma, 0 ‘bem de cada coisa esté aqui e ali, mas o Bem, o sentido do Bem, esté em tédas e em t6das é igual. Pensemos no Bem enquanto tal, ndo no disto ou daquilo, nem nisto ou naquilo, ‘mas no Bem em si mesmo. Contemplemolo. Sentir-nosemos logo avassalados pe- Jo bem que nos cerca, & medida que néle penetrarmos. Nos- ‘sos sentidos devem perespiritualizar-se no exercicio, & pro- porcaio que o formos fazendo diariamente: 1) tentemos ver o Bem com os olhos do espirito, es- piritualmente, em si, em téda a sua beleza; 2) tentemos ouvir a melodia harmoniosa que éle é; 3) © perfume que déle se evola, 0 sabor que sentimos do Bem, e, finalmente, 4) tacteemolo com os nessos sentidos. Devemos colocar-nos nesta disposicao: “O Bem é a minha felicidade.” Rejubilemo-nos; sinta- mos a alegria, um sorriso nos labios, um sorrise suave € meigo, uma respiragdo fluidica, e entreguemo-nos, depois, a essa contemplacio espiritual do Bem, que terminaremos por alcangar, sem 0 menor vestigio material, sem qualquer representagéo material, até conquistar um estado de beati- tude interior, de grande satisfacdo interna. CURSO DE INTEGRACAO PESSOAL 183 ‘Nao se atinge logo nos primeiros dias a ésse estado su perior, mas ésse exercicio dispde nossas forgas de mode a se tornarem cada vez mais poderosas. fsse exercicio implica, antes de tudo, a méxima con- fianga em si mesmo, através da qual se h4 de alcancar o es- tado de plenitude do bem. POSITIVIDADE SEMPRE! Todos os temas de meditagiio, que variario segundo as posigées dos praticantes, conforme suas crengas e idéias, de- vem sempre ser positivos e nunca negativos. Desejar, tra: tar, meditar sObre o que se pode dizer sim e nunca sobre ‘© que se quer dizer no. Meditar sempre sObre 0 que nos 6 benéfico e bom, e nunca sdbre o que nos é maléfico e pre- judicial. As idéias devem ser claras e nunca confusas. Para evi- tar a confusao, faga-se a andlise légica, dialéctica das idéias. Examine-se e medite-se sObre a propria meditagao, na andli- se das idéias que se associam, verificando se 0 sao por con- tigilidade, semelhanga ou contradigao. Ver se as idéias em contradicaéo nio tém uma origem no “obstaculizador” SILENCIO! Busca-o sempre que 0 possas. E ante éle, pensa em teu bem. Cré firmemente em teu progresso e afirma sempre para ti mesmo que, cada instante que passa, conheces um estado melhor. IDISCUSSOES_ Evita as longas discussées, sobretudo com pessoas dis- persds, que juntam argumentos s6bre argumentos, sem or- dem e sem disciplina, misturando juizos apenas de gosto com algumas pseudo-idéias mal-formadas e mal-assimiladas. 184 MARIO FERREIRA DOS SANTOS Evita essas discussdes, que ndo sio em nada benéficas. Se no for possivel conduzir 0 coléquio com alguém em boa ordem, segundo bea ldgica, cuidadosa e bem organizada, é preferivel que te cales. Sempre sé disciplinado no traba- Tho mental. Essa é a regra importante, e nunca ceder as fo- gosidades do pensamento em conversas dilufdas, dispersas, em que se fala de tudo e nao se fala de nada. Para ajudar a disciplina mental, faze a disciplina fisica em tudo quanto empregares a tua actividade. Lembra-te de que nao serds capaz de segurar uma bola se tua atengaéo nao estiver voltada para ela. Se teus olhos estiverem dispersos, perdidos, nao segurards a bola que te atirarem. Igualmente com a meditagao. O bem que desejas deve sempre ser o principal tema de tua atengiio, e os teus olhos espirituais devem estar voltados para éle. Lembra-te que confiar em ti mesmo é confiar em teu bem. E confiar em teu bem é confiar no Bem. Ter confianga néle 6 adquirir sempre e sempre maior forga, Nenhum mal pode ser absoluto. Se o mal fésse absoluto, 0 universo ja teria desaparecido, porque éle é des trutivo, e se tivesse um poder absoluto tudo jé teria side destruido. © Bem, portanto, 6 absoluto, porque nao pode ser des- truido. Confia néle, e a éle entrega-te com confianca e se- rés invencivel. Quem poderia amanhi, te derretar, quando tens em ti, certamente, 0 Supremo Poder do Universo? Medita s6bre a relatividade do mal e a realidade concre- ta do Bem. Pensa sempre no poder absoluto do Bem. OBSERVACOES SOBRE REGRAS DA MEDITACAO Os exercicios respiratérios e a meditagéo séo as priti- cas mais importantes que se podem oférecer. Nao sio no- vidades, sem diivida, sao velhos e esquecidos caminhos que levaram muitos, a alcangar os pontos mais elevados que 0 homem jamais atingiu. De todos os exercicios e métodos conhecides até hoje, Ho aquéles dois os que mdiores e mais seguros beneficios ofereceram, pois nunca falharam em suas finalidades. Po- dem os psicdlogos inventar muitos métodos, mas nenhum teré o poder daquele que alimenta o corpo, fonte de nossa vida, que é uma respiragdo regular e bem ordenada, e aqué- le que fortalece 0 nosso espirito, que 6 a meditacao, e que nos dé a maior inteireza ao espirito, a maior coesdo A nossa tens&o psiquica e, conseqtientemente, a maior fOrca para re- sistir & dispersio e nos afastar de tudo quanto pode actuar para 0 nosso mal. Por isso, a recomendagdo désses velhos caminhos deve sempre ser lembrada, e muitos aspectos importantes nunca devem ser esquecidos. * Um homem sem vida interior nfio é capaz de conhecer- -se. A meditaciio facilita a interiorizagéo, a concentracado das férgas psiquicas, e por seu aspecto dinAmico, racional e dialéctico, evita a fixagiio em idéias contempladas, que sio um campo aberto as manias, tao perigosas. Para conhecermos os nossos erros, defeitos, e as nossas Possibilidades, nada melhor que a meditagio. Todo ho- 186 MARIO FERREIRA DOS SANTOS mem, capaz de manter uma vida interiorizada muito forte, 6 muito mais poderoso e enfrenta melhor as situagdes di- ficeis do que qualquer outro. Quando maus pensamentos penetrarem em tuas medita- bes, ndo te preocupes. Deixa que sobrevenham, realizem a sua actividade, no thes resistas, nem fagas nenhum es- fOrco de vontade para afast4-los; pois, do contrério, além de te fatigares, dar-Ihes-és mais fOrcas por oposi¢ao. Coloca-te apenas como espectador um tanto indiferente, e toma uma atitude de desprézo. Se tomares outra actividade, deveré consistir em pensar positivamente em temas opostos aos dos maus pensamentos, sem te preocupares se aquéles retorna- ram. A proporgéo que fixares 0 pensamento nos bons, e desprezares os maus, sem a éles resistir, tirarlhes-s toda a forca, e éles acabaréo por néo mais surgir. Permanece sempre calmo, e compreende que é natural que tais pensa- mentos sobrevenham. eae Nao deixes passar um dia sem fazer exercicics de medi- tagdo. Nunca é demais recordar éste ponto. Comega sempre pelas meditagées mais faceis. Nao te preocupes, no principio, em alcangar os pontos mais eleva- dos. © importante 6 comegar. eae Se és um extrovertido, um dilatado, terds, no infcio, cer- ta dificuldade, menor que as que teré um retraido, um in- trovertido. Ndo te preocupes, porque alcangards, com 0 tempo, 0 pleno dominio. Por pouco que seja o tempo de tua meditagao, cada minuto ganho 6 uma positividade a mais. Conseguirés, com o tempo, manter uma meditacao, sem perturbagées, por horas a fio. see + Se ao iniciares a meditago, o teu espirito estiver mui- to dispersivo, nao te irrites, nem fiques nervoso. Deixa-o CURSO DE INTEGRAGAO PESSOAL 187 errar & vontade. fle acabaré por cansar-se. Quando sen- tires que podes fixar a atencio sdbre uma imagem que me- morizas ou sObre uma idéia (reflexAo), inicia 0 exercicio, sem te aborreceres pelo tempo perdido. Nunca perderds tempo se ndo te deixares preocupar. eae Nao esperes resultados imediatos da meditagao. les, as vézes, custam muito a se manifestas. Séo um desafio & tua diligéncia. Aceita o desafio, e prossegue com alegria e com confianga no progresso, que acabards por conseguir. fle vird fatalmente. Tem fé em ti mesmo. a8 Se meditares sébre um tema, sentirés subito desejo de meditar em outro, nfo te preocupes. Medita sObre o ncvo tema. Depois, noutra ocasiao, retorna ao tema primitivo. Lembra-te que vencerés por persisténcia e ndo por oposi Go ac mental. Faze o que tens de fazer, e nao te preocupes com 0 que suceda em contrario. Lembra-te que 0 que vale so as positividades ganhas e ndo as negatividades vencidas. eee Sempre sé pontual em tuas meditagées. N&o as aban- .dones nunca. Cada dia que deixas de fazer uma meditagao, ‘perdes dois. Aproveita todos os instantes para por o mé- ximo de atengéo no que fazes. Ajudards, assim, a atengdo as idéias. Para ajudar a tua meditagéo noturna, evita os alimen- tos fortes ao jantar. * Faze uma refeic&éo frugal, se possivel, ou pele menos a mais leve que puderes. 188 MARIO FERREIRA DOS SANTOS Nao percas tempo em discussées iniiteis, sobretudo com faniticos. O esf6rgo, que malgastas nessas discussées, apro- veita-o para estudar, para meditar, para analisar bons te- mas. Se fizeres tua meditacdo na presenga de outros, con- yém que sejam pessoas que néo perturbam a tua actividade interior. £ preferivel porém, que as facas sempre sozinho. seo Procura sempre julgar os outros com justica. Nao exi jas de ninguém o que esta além de suas possibilidades. ao examinar os erros que outros pratiquem, procura colo- carte na situagéo em que éles se encontravam. Nao te es- quegas nunca que, quando pensas nessas situagdes, tu niio estés nelas. Portanto, dé mais férca as circunsténcias, ¢ procura compreender os outros para ajudi-los. eee Todo o bem que facas, vird para teu bem. Podes du- vidar desta milenar verdade, contudo é mais verdadeira que tOdas as falsas filosofias que homens desesperados quise- ram construir, para estender a todos o mal que éles con- tém dentro de si mesmos. Reconhece que cometes erros, e medita sObre éles. Aprenderés a compreender os erros dos outros e a nao exi- gir dos outros o impossivel. Se podes fazer uma coisa que outros nao podem, néo sejas demasiadamente exigente pa- ra com éles, Medita sObre isto, muitas vézes. A IMAGINACGAO Concentra o mental, sempre que possas, a0 ler um li- yro, a0 ler um jornal, ao assistir um filme, ac escrever uma carta. Imobiliza-te, e concentra téda a mente sébre o que fazes. Lembra-te que o mental nunca descanga, nem quando dormes. Quando 0 sono se apossa de teu corpo, em que tua consciéncia também adormece, éle continua trabalhan- do, activo sempre. ~ Os exercicios diérios de meditacéo dio ao mental uma forga e uma direccfio exclusiva em teu favor. Devemos meditar sObre uma idéia sem importancia, ou apenas sObre grandes idéias? A resposta a esta pergunta é muito simples: 6 preferi- vel, sempre que fagamos nossos exercicios mentais, sejam © éles dirigidos para grandes pensamentos positivos. No en- tanto, tal nio impede que, em certas ocasides, quando nos encontramos em face de pensamentos pouco agradaveis, nao possamos meditar sObre éles. No inicio, quando © que segue nosso curso, ainda se en- contra dominado por preocupagées contrérias, aconselha- mos fazer os exercicios como até agora expusemos. Tal nic impediré que, num futuro préximo, quando tenha fortaleci- do devidamente o mental, 0 corpo e 0 espirito, nao analise tais pensamentos que outrora o preocupavam. Ver, entéo, quéo fracos eram éles, e que a sua férca estava apenas na nossa fraqueza. Ao chegarmos a ésse ponto, nossa férca jd teré atingi- do a um grau bem alto. Por isso, no inicio, nosso censelho 190 MARIO FERREIRA DOS SANTOS 6; meditago sObre temas elevados e positives. S6 poste- riormente sObre quaisquer outros temas. © que se pode fazer aqui é 0 seguinte: quando tenhamos que fazer algum trabalho desagrad4vel por natureza, nao de- vemos recuar. Nao esquecamos a férga do jubilo, essa gran- de alimentadora de nossa alma e de nossa imaginagéo. Por que 6 desagradavel o servigo que temos que fazer? Porque a nossa imaginagao Ihe empresta as mais sombrias c6res. Lembremo-nos dos estudantes de medicina que, nos primeiros anos, quando se véem obrigados a trabalhar, no necrotério, com cadaveres, sentem, de inicio, uma repugnén- cia que parece invencivel. H4 muitos que abandonam a carreira. No entanto, cs que a seguem, realizam, depois, uma obra de grande valor. E aquela repugnancia desapare- ce e cuidam éles de nossas chagas e de nossas misérias, to- talmente libertados das céres sombrias e desagradaveis que Thes emprestava a imaginagao. Cuidemos, pois, quando empreendemos algo que nos parece desagradavel, em ver genuinamente a nossa tarefa’ Ora, todas as coisas tém valores e desvaléres. Nao estare- mos apenas vendo os maus e escondendo aos nossos olhos os bons? E além disso, nfo estaremos aumentando 0 as- pecto desagradavel, por valorizarmos os maus val6res, pro- ‘vocando com a nossa imaginacao aspectos desagradaveis nao tao evidentes? ‘Lembro-me de uma pessoa a quem um dia Ihe oferece- ram uma cenoura crua para que comesse. Ao levé-la & bo- ca, achou a coisa mais horrivel e desagradavel do mundo. Um caldo de cenoura seria um verdadeiro veneno. Tinha a impresséo que morreria se tomasse tal coisa. . ‘Mas um dia, sentiu que os olhos jé néo viam tao bem. Para ler um jornal, precisava éculos. Consultando um mé- dico, éste aconselhou-o que comesse cenouras cruas. — Cenouras cruas, doutor?! Mas isso 6 horrivel. — Coma cenouras cruas... CURSO: DE INTEGRACAO PESSOAL 191 — Mas, eu no sou lebre, doutor... — Pois seja lebre, e coma cenouras cruas como lebre. E depois leré jornais. — Mas € tao desagradavel. — Procure 0 agradavel e acabaré encontrando-o, Lem- bre-se que a cenoura tem tais vitaminas, etc. O nosso amigo comegou a comer cenouras cruas. Jé estava convencido.que eram titeis. O gosto esquisito aca- bou por tornar-se agradével. Hoje, na sua casa, pode até fal- tar manteiga, mas cenouras raladas née faltam. E o melhor € que 1é jornais sem éculos. Muitas das coisas desagradéveis so como as cenouras cruas. Depois de comidas, acompanhadas da convicgiio de que sao titeis e necessdrias, nossa imaginagdo comega a des- cobrir nelas os bons valores. Pode-se ainda duvidar do valor da imaginagéo? Mas se nos perguntassem: podemos dirigir a nossa ima- ginagio? S6 uma resposta cabe aqui: podemos. E como é éste um tema de tal importancia para a integragéo de uma perso- nalidade e para 0 dominio do mental, merece éle estudos especiais. Podemos fazer exercicios para dominar a nossa imagi- nagéo? Sim, podemos, E so éles de uma importancia tal que sem 0 bom dominio déles, nio seremos senhores do nosso mental. Comecemos, portanto, por parte, degrau a degrau. Se um trabalho desagradvel ou uma idéia sem interés- se recebe de nds a atengdo do nosso mental, 80s poucos ve- Tificaremos que a forga do mesmo tende a aumentar, e di- minuem as nossas fraquezas mentais. Sabemos que a forca de um estimulo exterior est4 na proporcéio da atengéo que Ihe prestamos. Se atendemos para algo, captamos melhor e mais nitidamente o que nos era confuso. 192 MARIO FERREIRA DOS SANTOS Uma imaginagao quimérica, fantasista, desorientada, sé pode dar-se num mental fraco, nunca num mental forte. Portanto, 0 caminho do dominio da imaginagao sé po- de ser aquéle que comega pelo dominio do mental. ‘Vamos oferecer um pequeno exercicio de grande valor. Quando sentirmos uma pequena dor numa parte do cor- po ou mesmo um prurido qualquer, nao os atendamos. Pro- curemos desviar nossa atencdo para outras coisas. Perce- beremos que a dor ou o prurido diminuirio. Mas, ao mes- mo instante, porque estamos pensando sobre éles, tendem a aumentar. Facamos outra vez a mesma experiéncia, dirigindo a ateng&io para outra coisa, e observemos se diminuem. Cer- tamente diminuiréo. Chegados a éste ponto, procuremos nao senti-los mais, pela desatengdo que Ihes daremos. eee ¥ a imaginagdo um dos temas mais importantes da Psi cologia, e os estudos que tem provocado sao dos mais nu- merosos. A palavra imagem vem de imago, em latim, que indica © que é interior. ‘Ao intuirmos um facto do mundo exterior, déle forma- mos uma imagem, Assim, temos imagens que so repre- sentadas (apresentadas de novo) pela memorizagio. Mas eis que o poder criador do espirito humano revela-se aqui. Nos nao reproduzimos apenas as imagens que obtiver mos dos factos do mundo exterior. Nés também as com- binamos. Assim a imagem do ouro, que guardamos em nos- sa meméria, e a imagem de monte, podem levar-nos a cons- truir a representagao de um montede-ouro, sem que désse monte tivéssemos tido uma experiéncia. Fécil 6 compreender agora o papel criador da nossa imaginagao. — CURSO DE INTEGRACAO PESSOAL 193 Contudo, é preciso considerar um ponto importante. ‘Todas as imagens, que pedemos representar, sio fundadas na nossa experiéncia. Nao é possivel construir uma unida- de composta de imagens diversas, que nao as tenhamos ex- perimentado isoladamente. Assim, se imaginarmos 0 Centauro, parte homem, parte cavalo, uma cabega humana num corpo de cavalo, temos as imagens j4 experimentadas por nés, pois, separadamente, J as conhecemos. O que nao intuimos do mundo exterior foi a combinagio dessas duas partes, formando um novo ser, 0 Centauro. Este 6, portanto, o produto da imaginago, que é a acti vidade do nosso espirito em construir novas unidades com partes que so imagens jé por nds experimentadas. Desta forma, o artista pode, com pineéis e tintas, cons- truir, imaginativamente, e reproduzindo imaginagéo na te- Ja, novas unidades, compostas de imagens diversas. A imaginagéo tem um poder criador: 0 de criar novas imagens pela combinagdo delas. Contudo, a imaginacao nao pode dar vida a essas novas imagens compostas. Pode um arquiteto imaginar uma cons- trugdo, e depois juntar os materiais necessérios e dar-lhe a realidade. Estamos, aqui, em face de uma realizacio material do que féra anteriormente pura imaginagio. O que o constru- tor faz é reunir, obedecendo as leis da mecAnica, materiais sob uma forma para a qual éles esto naturalmente forma- dos. Uma pedra pode ser assentada sobre outra pedra. Uma Parede pode ser erguida, desde que se obedegam as leis da estabilidade mecanica. Podemos, também, ao imaginar um monte-de-ouro, sa- ber que éle pode ser realizado, mas jé uma montanha de ouro se torna praticamente impossivel, e muito menos uma cadeia de montanhas de ouro. 194 MARIO FERREIRA DOS SANTOS ‘Um centauro, que pode ser imaginado, jé nao pode rea- lizar-se em vida, porque contraria as leis da ciéncia. Que vemos, entéio? Que ha combinagdes que podem encontrar uma resposta na realidade, resposta de reproducao fiel, e outras que nao © podem. Um Centauro pode ser reproduzido com tintas numa tela; ndo o pode na natureza. Hi pessoas que séo muito imaginativas, como os poetas, artistas, sonhadores que, despertos, vivem um mundo de imagens maravilhosas. Outros 0 so menos. Hé acaso alguém desprovide to- talmente de imaginacéo? A resposta que se impée 6 que néo hé, Se encontramos graus diversos na capacidade de imaginagao, hé em todos sempre imaginagio. A imaginagdo pode ser regrada ou desregrada. Cha- mam de imaginacio regrada aquela em que alguém que a vive, néo a vive como realidade, mas como ficgio. ‘A imaginagdio comega a desregrar-se, quando as imagens combinadas passam da categoria de pura ficcdo para a de realidade, isto €, quando, quem as cria, juntando. imagens, fundadas na experiéncia, julga que @ nova unidade forma, também, uma realidade. Assim procederia um desregrado na imaginacgfio que, fundando-se na realidade do busto hu- ‘mano e na realidade do corpo de cavalo, acreditasse na rea- lidade da combinagio Centauro. Agora, surge, nitidamente, a grande significagio que tem a educagio da imaginagao. Educar a imaginacio ndo é secéla, nao é destrufla. Que seria a Humanidade se o ser humano, sem imaginacao, fOsse a norma? Onde estariam os grandes inventos, as gran- des melhorias humanas? Onde, enfim, o progresso, se do- minasse no homem uma falta de imaginagéo? — CURSO DE INTEGRAGAO PESSOAL 195 Todos os grandes inventores, todos os grandes criado- res, foram pessoas imaginativas. Educd-la 6 conduzi-la para fins benéficos. Ha muitas providéncias a serem tomadas neste sector, sobretudo porque j4 sabemos muito bem quanto ela influi sObre nés. E influi, porque, se considerarmos a imaginagio como realidade, poderemos errar. No caso do arquiteto, como vimos hé pouco, pode ela tornar-se realidade. Mas poderia o arquiteto imaginar, também, uma construgio téo desmedida que niio tivesse ne- nhuma correspondéncia com a realidade. Bastaria que éle desprezasse as leis da estabilidade ou as condigGes da técnica. Um ser vivo imagindrio nao pode tornar-se vivo na rea- lidade, como o exemplo do Centauro. Portanto, vernos que a imaginagfio pode ser medida, re- grada ou desmedida, desregrada. Saber separar o que é mera ficgfio do que é realidade 6 importantissimo, e implica exercicios que comegam onde comega 0 dominic do mental. A imaginagao criadora tem ainda outro papel importan- te: o de criar realidaties dentro de nds. Notese bem: se nfo podemos criar realidade fora de nés, podemos, no entanto, crid-las dentro de nés. E eis onde a imaginagao pode actuar positiva ou oposi- tivamente. ‘Vamos a exemplos esclarecedores: certo escritou criou uma personagem, numa de suas novelas, que era um louco moral. O escritor, em téda a sua vida, havia sido um ho- ™mem plenamente normal. Mas viveu com tal intensidade o tipo que criara, que, tempos depois de haver escrito o livro, 196 MARIO FERREIRA DOS SANTOS comecou a sentir os sintomas da loucura da personagem, em si mesmo. ‘Terrivel foi o seu espante. Perplexo ante os aconteci- mentos, viu que, dia apés dia, aumentavam os sintomas, e ja nio sentia fOrcas suficientes para dominar-se. Apavora- do com a situacdo, e sentindo-se fraco para dominar-se, pre- feriu o suicidio a realizar, em vida, a triste figura do ser que havia criado em sua novela. Duas perguntas podem colocar-se aqui: 1) Ou o autor criou pela imaginag&o um ser tao vivo em si mesmo que passou a vivé-lo com tal intensidade, que @le dominou plenamente a personalidade do autor, substi- tuindo-a aos poucos pela da personagem; ou 2) autor jé tinha em si, em estado de laténcia, a per- sonagem, que jé formava uma personalidade potencial, que, aproveitando-se da porta escancarada da imaginacao artisti- ca, surgiu & tona para vencer as resisténcias do autor. No primeiro caso, 8 personagem é uma mera criagéo do autor; no segundo, a personagem tinha uma autonomia, que permitiu vencer as resisténcias. ste facto, pela sua importancia, merece que sObre éle meditemos e procuremos, em face dos conhecimentos de que actualmente dispomos, resolver entre tais possibilidades. © homem 6 um feixe de possibilidades. Em nés, temos, em estado de poténcia, tudo quanto 0 ser humano pode ser e criar, tanto para o bem como para o mal. Nossa activi- dade psiquica tem o papel de actualizar (tornar eficiente, realizar) ou de virtualizar (colocar no estado de laténcia) tudo quanto podemos ser. F f4cil agora compreender 0 que 6 sugestdo, ésse gerar sub, ésse ordenar de modo a tornar em acto 0 que contemos em poténcia. Por isso, se a activi: dade do nosso espirito tomar um sentido positivo e benéfico CURSO DE INTEGRACAO PESSOAL 197 para nés, pode actualizar o que nos é positive e benéfico, como, se tomar um sentido negativo, actualizaré o que te- mos de negativo, de destrutivo, em nés, Podemos desper- tar as f6rcas do bem como as forcas do mal, de que tanto falavam as religides e que a psicologia moderna nos auxilia a compreender em térmos cientificos, Os estudos, que fizemos até aqui, sobre a educacio da imaginagao, levam-nos a compreender quo necessario 6 cui- dar do dominio do mental. Ora, a imaginagao é mental, dése no nosso psiquismo, e déle depende. Dominar, dirigir, educar a imaginaco implica necess’- riamente 0 dominio, a direcgdo, a educagio do mental. Portanto, além dos exercicios que jé tivemos ocasifio de estudar e descrever, impdese agora obedecer a um conjunto de regras que séo de magna importancia. dirigir a nossa atengio para factos do mundo exte- rior é um exercicio importantissimo. Ao vermos um facto, digamos, um inseto que se move por entre varios objetos, que devemos fazer? Deixar que passe sem nos interessar? Nao; aproveitemos o instante para um exercicio de atengéo externa. Olhemos, observe- mos, acompanhemos os movimentos do inseto, como pode- mos acompanhar, observar o movimento de um avifio em pleno ar, ou de um passaro nas alturas. Fis uma méquina que funciona com téda a sua comple- xidade. Devemos aproveitar o instante para apreciar o seu movimento, dando-lhe téda a atengdo. Concentrar nossa atengdo sébre os factos do mundo exterior, eis uma grande regra para o dominio das fércas psiquicas. Aquéles que ante os factos sao dispersos, olham ora pa- ra cd, ora para 1d, interessam-se por isto, ora por aquilo, enfraquecem cada vez mais o seu mental. 198 MARIO FERREIRA DOS SANTOS Deve-se exercitar a atengéo pela concentragio em tudo quanto se faz. & uma carta que se 1é: maxima atencio & uma carta que se bate & méquina: maxima atencao! £ al- guém que nos fala: maxima atengéo! ‘Transformemos cada um dos nossos momentos da vida exterior num exercicio atencional, e estaremos construindo © poder extraordinario da mente. Mas, nesses momentos em que observamos as coisas, surgem imagens, devaneios, idéias errantes que procuram afastar-nos do trabalho que empreendemos. Como proceder, entéo? Lembremo-nos dos conselhos ja dados quanto & meditacio e as idéias errantes, Nao lute- mos contra o mental! Retornemos & observagao. A prinefpio, essas idéias e devaneios procuraréo impe- dir 0 exercicio atencional. Mas, finalmente, elas se cansa- ro, e nds as venceremos. Entdo, podemos sintetizar agora: a atengéo exterior 6 a observagao; a atengio interior é a meditacao. Completemos uma com a outra, e uma fortaleceré a outra. ¥ nao nos esquegamos nunca destas regras: Nao lutar contra 0 mental! ‘Nao repelir violentamente as idéias intrusas! Aproveitar cada instante para realizar um exereicio aten- cional exterior! Aproveitar cada instante para os exercicios atencionais interiores (meditacao). © trabalho feito com concentragéo nos dard ganho de tempo. Se hoje levarmos tal tempo para fazer um servi- CURSO DE INTEGRACAO PESSOAL 199 ¢0, acostumando-nos a realizé-lo sempre com concentragao, acabaremos diminuindo espantosamente o tempo gasto. Os grandes homens da indiistria néo poderiam dirigir seus imimeros negécios se nao fossem capazes de uma gran- de concentracéo. Nem o poderiam os sdbios, os cientistas, os grandes inventores, os generais, etc. ‘Vé-se, assim, claramente que 0 dominio da imaginacaéo comega no preciso ponto onde comega o dominio do mental. Os exercicios mentais io exercicios prévios de dominio da imaginagio. Examinemos agora éstes problemas: de onde vém as nossas preocupagdes? Do mundo exte- rior, ou de nés? Se vém de nés, quando nelas actua a imaginagao? Pois, ‘ou se fundam em imagens combinadas com um sentido e um significado préprio, que nos oferecem perigos, suspei- tas, diividas, ou se fundam em factos sucedidos, cujas pos- sibilidades procuramos descobrir, e construimos imagens sobre imagens dos acontecimentos futuros possiveis, que possam ainda pér em risco algum bem que prezamos. Concluso: nossa vida interior, por mais séca que seja, esté sempre povoada, cercada, acompanhada, estimulada ou Teduzids, pela imaginagio. © seu modo de proceder consiste em marcar a direcgéo das nossas atitudes ou influir em nossas valorizagdes. Examinemos alguns pontos que nos favorecerio com- preender tudo claramente. Aquela montanha, que vejo daqui da janela do meu quarto, é uma massa cinzenta homogénea. Sei que ali ha ‘drvores, arbustos, veios d4gua, passaros das mais variadas formas e cores. Mas daqui, de onde estou, ela é apenas uma, massa cinzenta. Quem estiver mais préximo dela, veré muito 200 MARIO FERREIRA DOS SANTOS mais que uma simples massa cinzenta, e quem a percorrer encontraré uma variedade tao grande de factos e aspectos, que no teria fim se desejasse descrevé-los. Vése, assim, que os factos sfio sempre 0 que sdo. Aque- la montanha é o que ela é. & a sua propria verdade. Mas, a montanha para mim é diferente do que ela é na verdade. Assim, os factos variam para nés, embora ndo sejam em si seniio 0 que éles sio. E por que variam para nds? Assim, & montanha é diversa para os olhos dos seus espectadores, mas apenas nesses olhos, e néo em si mesma; e assim os factos so diferentes aos nossos olhos, sem que em si mes- mos sejam éles outra coisa do que éles mesmos. Vejamos mais: estou aqui. Nunca vi aquela montanha sendo & distancia. Nao sei como ela 6 em si mesma. Sei que tem drvores, vegetaciio, animais diversos, caminhos pa- Ta percorré-la, algumas cabanas de camponeses. Posso cons- truir com a imaginagao até paisagens, manchas de um tre- cho ou de outro, posso imaginar até a visio que, olhando dali, teremos desta cidade. Muitas coisas posso imaginar. Mas t6das as que acaso imagine serdo, naturalmente, muito distintas do que 6 a montanha na sua realidade. A imaginagéo tende a completar o que os olhos nao véem! E eis 0 seu importante papel que pode ser benéfico ou maléfico. Se conhego a montanha como ela é, nao poderei tao fa- cilmente criar tantas imagens. Jé saberei como ela é. Ora, a nossa imaginagio néo pede licenca para trabalhar. Ela esté sempre actuando. Mesmo quando dormimos, ela actua e, muitas vézes, vislumbramos a sua actividade nos sonhos povoados de tantos ilogismos e de tanta criacdo exdtica. Cercados por ela, como sempre estamos, podemos dizer que vivemos num mundo de realidade povoado pela imagi- nacao. CURSO DE INTEGRACAO PESSOAL 201 Onde termina a realidade e onde comega a ficgio? Se © soubermos, poderemos ser senhores da realidade e da imaginacao! Que maravilhoso é possuir um critério seguro, como um guia fiel e competente que nos leve através de caminhos des conhecidos 20 ponto almejado! Que podemos fazer para alcancar éste ponto? Duas propostas costumam ser feitas: 1) destruir a imaginagdo, secd-la; 2) dirigila, analisé-la, dominé-la. A primeira estd prejudicada pelas razées que tivemos ocasido de acima descrever. Resta a segunda, portanto. Vamos empreender juntos éste longo caminho. Serei © teu guia e tu o confiante viajor. A tua fé e a tua confianga, corresponderao a minha confianca e a minha fé. Conhego © caminho, e tu confias no meu conhecimento, Pois bem, entre olhares amigos e confiantes, prossiga- mos a nossa jornada. Quem segue uma viagem, a primeira coisa que faz, é munir-se de tudo quanto é necessdrio para ela. E essa via- gem, que nos levaré a achar as fronteiras entre a imagina- Gao ea Tealidade, que nos daré meios de impedir que aquela nos prejudique em vez de nos auxiliar, exige uma prepara- cio prévia. Entéo devemos: 1) continuar firme e confiantemente os exercicios aconselhados; 2) desenvolver a férca de concentragéo. Exercicios atencionais exteriores e interiores. E agora, o 3.° ponto importante: Es um homem extrovertido, como poderias ser um in- trovertido. Onde estds, tu te extrovertes. Se tens ao teu 202 MARIO FERREIRA DOS SANTOS lado uma s6 pessoa, com quem conversas, procederés de um modo. Se tens duas ou mais, procederds diferentemen- te. Se és extrovertido, ante uma pessoa, és mais comedido; ante mais de duas, jé te excitas, falards com mais énfase, manifestarés um entusiasme tao excessivo que podes perder até 0 contréle. Se és um introvertido, ante uma tnica pessoa, conser- vas a tua naturalidade. Mas, eis que sobrevém duas, trés, outras, e comecas cada vez a fechar-te mais, a calar-te, a sobrares, como diz o povo. Nao é assim? Por que mudaste de atitude? & que nés, em geral, nun- ca somos os mesmos ante factos diferentes. E por que? Porque os factos nos provocam imagens novas, nos estimu- Jam nos movimentos de extroversio ou de introversao. Cuidemos, agora, de um estudo importante: as nossas atitudes ante os outros, e procuremos analisar nelas a in- fluéncia que exerce a nossa imaginagao. Depois, entéo, nos exercitaremos para evitar os defeitos. Aqui comeca o no- vo caminho, aqui jé palmilhamos a trilha da vitéria! Seguindo as pegadas do que dissemos, devemos, agora, salientar o importante papel das atitudes. Nossas preocupagies surgem: 1) de nés mesmos; 2) do mundo exterior. Tem elas suas origens em nés mesmos, em nosso psi- quismo, ou provém de quando nos encontramos, no mundo exterior, em face dos outros. Essa distingiio apenas salienta a fonte. Se podemos dis- tinguir quanto & origem da precipitagéo, da preocupacio, nao podemos deixar de reconhecer que ela sempre depende de nés. Reconhecer éste ponto é de capital importancia. Pois, na verdade, se os outros nos provocam preocupagées, segun- CURSO DE INTEGRAGAO PESSOAL 203 Go as suas atitudes, devemos reconhecer que precisamos estar predispostos a nos preocupar para que tal aconteca. Se ante outros nos surgem preocupagdes, deveremos sempre considerar: Quanto nos cabe na estructura da preocupagdo. Que fi- xemnos para criar um ambiente favordvel para que ela sur- gisse em nds? Se observarmos bem, verificaremos qué nossas atitudes provocam certas reacgdes dos outros que nem sempre per- cebemos nitidamente, mas que influem terrivelmente sobre nés. Se somos introvertidos, num ambiente de extrovertidos, estamos sujeitos a criar situagdes desagradaveis, tanto para n6s como para os outros. Ante a expansio geral, nds nos retraimos, E quanto mais os outros se expandem, mais nos retraimos. Provocamos nos outros 0 aspecto de quem 6 “do contra”. Parecemos, desde logo, egoistas, antipaticos. Nao rimos nem conversamos com a mesma exuberancia que éles. Se somos extrovertidos, numa roda de introvertidos, lo- go nos sentimos como se estivéssemos num velério. A tris- teza parece dominar o ambiente. Sentimo-nes mal, e a nos sa expansio e alegria causam, por sua vez, mal-estar na roda. Quer dizer que devemos procurar apenas os nossos pa- res? Poder-se-ia proceder assim, mas a vida n&o nos per- mite, e nés nos vemos cbrigados a “dancar segundo a mt- sica que tocam”. Portanto, paciéncia. Temos que nos adaptar ao ambiente em que estamos. E como fazer? Ora, 0 conhecimento é um meio de libertagio. Se sabe- mos que somos introvertidos ou extrovertidos, ji sabemos que, nas rodas, que nos séo antagénicas, devemos conter nossos impulsos naturais e procurar compreender com sim- patia os outros. Dessa forma, evitamos abcrrecimentos aos outros e a nés mesmos. Digamos agora, que, sendo nés extrovertidos, estamos numa roda de extrovertidos, na qual se dé a presenga de 204 MARIO FERREIRA DSS SA um introvertide. fste exerceré sObre nés uma verdadeira provocacao, que nem. sempre suspeitamos. Temos vontade de falar mais alto, de ser mais exuberan- tes, de extroverter-nos mais, porque outros (os introverti- dos) parecem reagir contra nds. Queremos, entéc, impor- -nos. E perdemos a nogo dos limites. Resultado: dizemos mais do que deviamos dizer. E depois ficamos preocupados que as nossas palavras tenham sido compreendidas assim ou de outro modo, a serem impressées que néo desejaria- mos provocar nos outros. Sentimonos, entdo, supinamente aborrecides. “Para que disse isso? Sei que pensam que eu...” E uma du- vida nos espicaca a consciéncia. E nesse dia, por mais que fagamos, e & proporgio que mais Jutamos contra o mental, as preocupagées crescem, e 0 nosso “inimigo”, sempre a postos para nos exprobrar os erros, ri-se 8 nossa custa e au- menta ainda as preocupagées, memorizando até factos pas- sados, j4 esquecidos, mas que voltam & memoria para au- mentar ainda mais 0 nosso mal-estar psiquico. Portanto, hé uma regra util: conter-se. E conter-se até quando tendemos a introvertermo-nos. Procurar sempre a posicéio equilibrada entre introversio e extroversio, é o me- thor meio... No infcio, como em tudo, hé dificuldades, mas € possivel obter-se ésse domfnio. O ponto de partida é co- megar a dominar-se e, a pouco e pouco, a vitdria se aproxi- ma, de tal forma, que a conquistaremos, afinal. Mas tédas as preocupagées, que surgem das nossas ati- tudes para com os outros ou dos outros para conosco, de- pendem do nosso estado psiquico. Téda a vex que tais preocupagdes surgem, podemos es- tar certos que algo de defeituoso temos em nés. Salvo, na- turalmente, naqueles exemplos de desajustamento, de falta de delicadeza, de erros graves em nosso modo de proceder, que provocam nos outros uma reaccio, ou que os ferimos, sem que 0 desejdssemos, mas apenas por falta de cuidado. CURSO DE INTEGRACAO PESSOAL 205 fstes casos sao facilmente resoliveis, peis basta que cuide- amos em nao repeti-los, e a preocupacdo se desvanece. Devotam-se os psicdlogos ao estudo das relagées intimas enire a realidade e a imaginagao. E nao é um tema apenas de psicologia, mas de filosofia também, Onde termina a realidade ¢ comeca a imaginagio? Tragar nitidas frontei- ras 6 dificil. Além disso, 0 homem é um ser supinamente imaginativo, e poderiamos dizer, sem exagéro, que nunca o ser humano pode viver a realidade pura e simples, sem a presenca da imaginagio. Portanto, o problema s6 se pode resolver pelo contréie desta. Aconselham os psicdlogos, como melhor método para distinguir a realidade da imaginagao, observar quanto ha de correspondéncia sObre 0 que pensamos com a sucessio dos factos. Muitos imaginam que isto ou aquilo pode ser ou dar- -se, mas os factos o desmentem. Portanto, os factos do acontecer universal podem servirnos de guia para que ana- Jisemos 0s nossos pensamentos e as nossas opinides. ‘Se procedermes assim, j4 teremos um bom meio de ver até onde vamos no terreno do imaginativo, bastando que re- cordemos 0 que pensamos sobre os factos futuros, que nos confirmaram ou nos negaram o que a imaginac&o havia cons- ‘truido. Tem ela, assim, um grande papel, além do de conseguir novas estructuras com velhas imagens; é o de valorizar os valéres. O que valoramos pode receber de nés uma nova carga valorativa, e darmos mais valor ao que tem menos, e ‘menos ao que tem mais. A medida dos valéres é realmente dificil, A propria Economia néo resolve facilmente éste problema, e a Filo- sofia também nao. Portanto, precisames estudar os valores para que sai- bamos guiar-nos ante as circunstancias e sabermos quando nos excedemos em nossas valoragées e valorizagées. 206 MARIO FERREIRA DOS SANTOS Valoragéo é a accao de captar um valor; valorizagao, a actividade que consiste em dar um suprimento de valor a um valor, j4 valorado. Assim, h4 objectos que podem ser valorados como va- Jendo tal. Mas nés, por diversos factéres, podemos dar-lhes mais valor. Esta caneta vale tanto, por exemplo. Mas, como ela foi de meu pai, vale muito mais. Tem para mim, um valor a mais que Ihe dou. Eu valorizo-a muito mais que outros a avaliaram. ‘Um facto que sucede pode provocar reacgées diferentes em diferentes pessoas. Num, pode passar indiferentemen- te, mas noutros provocaré uma gama de preocupagdes, que yao desde 0 desgésto mais leve até o mais profundo pesar. Ora, 0 facto é 0 mesmo. Em si mesmo, tem 0 seu valor. Mas, para os outros, apresenta valéres diversos. S6 nos preocupa aquilo a que damos um valor além da medida. Analisemos as nossas valorizagées e vejamos o papel que nossa imaginagao exerce nessa actividade, e estaremos em condigées de trabalhar a nosso favor e evitar muitos dos motives que nos tém servido para transformar nossa. vida numa existéncia intercalada de preocupagées totalmente imiteis. Sao essas preocupagées totalmente imiiteis que de- vemos afastar de n6s, para que nos libertemos. E 0 em: penho para conseguilo nao € dificil. Para obter o desejado, comecemos pelo principio. Exa- minemos primeiramente os valores, que emprestamos as coisas e aos factos, ¢ depois @ sua inter-relacio com a ima- ginagiio e, finalmente, nosso papel para libertarmo-nos. Temos, aqui, um novo veio, cuja exploragio nos ofere- cera novas possibilidades de vitéria, e facilitard a nossa ple- na integragio pessoal. CURSO DE INTEGRACAO PESSOAL 207 Antes de estudarmos os métodes de dominio da imagi- nag&o, cujo contréle 6 fundamental para uma completa in- tegracaéo pessoal, convém préviamente estudé-la sob varios aspectos: ti criadora Positiva {Srovaaora imaginagio. negativa {dstegrada patoldgica Com éste esquema, temos os diversos aspectos que S40 importantes para nds. ‘Uma imaginagio positiva criadora, e uma inovadora, sio titeis, benéficas e devem ser alimentadas. £ criadora a ima- ginacéo quando ela trabalha na estructuragsio de velhas imagens para construir uma nova imagem sintética, como a realiza 0 artista. & inovadora, quando, ao perceber as pos- sibilidades de alguma realidade, dé-se a estas uma nova or- dem que permite inovar algo totalmente no conhecido, co- mo procede, por exemplo, um industrial talentoso, que pode, com velhos materiais, com velhas técnicas, criar uma nova modalidade de produgio. Estas duas imaginagées devem ser estirhuladas. Mas, como hé sempre 0 perigo de desdobramento, uma imagina- ¢40 positiva, quando se desmesura, pode tornarse desre- grada. Como se podem dar tais desmesuramentos? A imaginagao distingue-se da realidade. Enquanto esta se dé em acto, existe em si, independentemente de nds, 0 imaginativo, enquanto tal, existe apenas em nés. Portanto fundamental. Mas onde termina o primeiro e comega 0 se- gundo? Dificil estabelecer uma fronteira, porque, em ca- da caso particular, a imaginagao e a realidade se combinam. de modos diversos. 208 MARIO FERREIRA DOS SANTOS © tinico critério que temos é 0 de considerar como rea- lidade 0 que de facto, fora da nossa mente, ji se dé. E como imaginag&o, as possibilidades maiores ou menores, ow a consideragao de factos que julgamos terem-se dado ou em accdie de dar-se, mas dos quais no temos a evidéncia segura de seu acontecer real. Como ja vimos, a imaginacao nfo se afasta do homem, que com ela vive. Por isso, vivemos cons- tantemente num mundo imaginativo e num mundo real. Mas, 0 critério que temos para capté-lo em muito nos au- xilia, Convém, no entanto, ainda distinguir: Numa imagina- fo desregrada, o sujeito, que a experimenta, pode saber que a vive, e 6 0 caso normal de imaginagao descontrolada, ow niio pode saber que ela é imaginagao e a toma como reali- dade, que jé & um caso patoldgico. Assim temos: @) imaginamos, mas sabemos que imaginamos; b) imaginamos e pensamos que é realidade. ‘Quando alguém toma a imaginagdo por realidade ¢ jé a evidenciagSo de um caso patoldgico? Na verdade, convém ainda distinguir. Se é esporadicamente, nio o 6. Mas, aquéles que tomam como realidade, constantemente, 0 que imaginam, revelam que o seu desregramento jé atingiu a um ponto téo agudo, que acusa o doentio, o mérbido, o patolé- gico. ‘Vamos a exemplos esclarecedores: Estamos em face de um facto real. Comegamos a con- siderar as suas possibilidades. Quais possibilidades estamos considerando: as benéficas ou as maléficas? Alguém nos olha de soslaio. Ficamos desconfiados. Nossa imaginaco pée-se a trabalhar. “fisse individuo nio gosta de mim, tem alguma mé vontade que nfo revela. Cer- tamente suas intengdes nao séo boas. (A imaginacio estd CURSO DE INTEGRAGAO PESSOAL 209 trabalhando com negatividade, portanto, para nés, maléfica. Ela se agita e prossegue). Jé observei varios gestos inamis- tosos. Ah!, nao ha diivida, ésse individuo planeja alguma coisa contra mim.” E nesse diapasao trabalha a imaginacic. Tudo se tor- na para nés evidente. ‘Tinhamos um facto real: um olhar de soslaio, O resto pertence as nossas ficgdes. Temos aqui um exemplo das fronteiras entre a realidade e a imaginacao. O primeiro, 0 olhar, pertence & realidade; o restante, & imaginacio. Que devemos fazer em tais casos? Examinar com cui- dado o que a imaginacéo amontoa de provas contra o indivi- duo? Examinemos 0 que hd de real contra nés? Nada, ou algum facto j4 praticado? Examinemos 0 facte e 0 despo- jemos do que é imaginativo. Tiremos déle todos os valores pesitivos e opositivos e consideremos c que ha de existen- cial no facto, Se procedermos assim, muitas das nossas consideragées imaginativas perderdio sua fOrea e a realidade acabara por esplender com téda clareza. Lembremo-nos do seguinte: 0 cientista, quando estuda um facto do mundo, como proce- de 0 boténico ao analisar uma planta, nfo se guia nem se deve guiar por valores, mas descrever a planta existencial mente come a planta acontece. O cientista nio pode fazer julgamentos de valor, sob pena de afastar-se da Ciéncia e fa- zer Filosofia, 0 que cabe a outro sector do conhecimento. Enquanto a Ciéncia trabalha com julgamentos (juizos) de existéncia, a Filosofia trabalha também com juizos de va- Jor. A Filosofia pode julgar 0 homem como o ser mais va- lioso da terra. Mas, 0 cientista o estuda, nas ciéncias corres- pondentes, com a mesma naturalidade e realidade que estuda os séres mais infimos. Tédas as vézes que julgamos alguém ou um facto, faca- mos éste exercicio: quais so os meus juizos de valor e quats 210 ‘MARIO FERREIRA DOS SANTOS 0s juizos de existéncia? Coloquemos de um lado os de exis- téncia, e, de outro, os de valor. Cuidemos de considerar que, nos primeiros, haja realmente apenas existéncia, e nenhum juizo de valor, mesmo oculto. Feito isto, analisemos nossos juizos de valor. Todo jui- zo dessa ordem vale realmente quando esté fundado em uma existéncia; do contrério, é apenas imaginacao. Se tal for feito, nfo nos escaparé nada, e evitaremos cometer in- justica ou tomar atitudes contra outros. Este trabalho de andlise pode ser empregado para qual- quer facto, e pode ser aplicado quanto aos julgamentos dos outros. Estamos, por exemplo, em face de um livro. O au- tor defende esta ou aquela posigao. Examinemos seus juf zos de existéncia e seus juizos de valor. Fagamos a anilise déstes ultimos, procurando cs fundamentos existenciais ‘Veremos, desde logo, quanto trabalha a imaginagéo nos eutros. Revertamos para nds a mesma prética, e compreen- deremos quanto em nds ela actus. OS VALORES A andlise dos juizos de valor é o ponto de partida mais importante para uma verdadeira andlise da imaginagao e do pleno dominio de nés mesmos, ‘Toda a vez que hé uma ruptura da indiferenca, hd a pre- senga de um valor para nds. E também o hé, quando po- mos, embora considerando iguais, um objecto superior ou antecedente a outro. Sempre que damos uma preferéncia a isto ou Aquilo, e preferimos aquéle a éste, estamos revelan- do que hd valores. Propriamente, téda a vida é um acto de valoragdo. Te- riamos que penetrar aqui no terreno da Filosofia se desejés- semos explicar tais aspectos; mas, basta-nos ficar no 4mbito da Psicologia. Um homem e uma mulher seguem por uma rua movi- mentada, cheia de lojas. Certamente, ante as vitrinas, que exibem vestidos femininos, a mulher seré mais facilmente atrafda que o homem, enquanto éste se dirigiré mais para ® que mostre objectos de uso masculino. ‘Uma crianga veré melhor os brinquedos que um adulto. Um fumante de cachimbo prestard atenco aos cachimbos expostos, e assim sucessivamente. Nés somos atraidos por tudo quanto Tepresenta um maior valor para nés, ou pée em risco um valor que esti mamos, H4 um velho ditado de muita sabedoria: “quem vai aos Porcos, tudo lhe ronca”. Conhecemos tédas as alucinagses do cagador, bem como as alucinagSes do sedento no deserto, 212 MARIO FERREIRA DOS SANTOS que vé sempre regides de exuberante vegetacao e dgua cris. talina e certamente fresca. Conta um filésofo hindu que, viajando certa vez por um deserto na india, num dia de intenso calor, admirava-se que, por téda parte, visse tao belas vegetagdes & distancia ¢ lagos to claros, de agua cristalina e agradavel. E punha- -se a dizer a si mesmo:-“Nao compreendo por que dizem que esta regido é desértica, Como hd belas manchas de terra, com lindas drvores e belos lagos!” Como sentisse séde, resolveu dirigir-se para um désses ofsis, E qual nao foi o seu espanto quando viu que tudo nao passava de miragem. POs-se, entao, filésofo como era, a meditar. Nés vemos muito do que desejamos. Na verdade, a séde jé se fazia sentir néle ha muito, embora néo fOsse téo exigente, porque “sabia” que poderia satisfazéla facilmente num daqueles logos. Mas, ao ter a evidéncia de que tudo nfo passava de miragem, a séde aumentou, cresceu a olhos vistos, e 0 temor nao se apossou déle totalmente porque tinha meios de afas- tar-se do deserto e obter égua em pouco tempo. Tudo isso Ihe serviu de grande ligdo. Nossa imaginagao nos dé o que desejamos,., mas nos a4 como imaginaco. Quando estamos dormindo e sentimos fome, no sonho, em imagens, recebemos lautos jantares, pra- tos maravilhosos, doces em profusdo, que comemos de tal mode, sem nos satisfazer, 0 que nos provoca enjéo e mal- -estar quando acordamos. Ora, a nossa imaginagao trabalha quando estamos vigi- lantes ¢ ela actua valorizando os factos. Sabemos que valo- rar um facto 6 captar o valor que éle tem. Valorizar é dar um valor ao valor, como desvalorizar é tirar valor de um valor, diminuir o valor de um valor. valorar é apreciar com justeza 0 valor. Valorizar é dar mais ou dar menos. Portanto, no valorizar, ja actuamos diferentemente de quando valoramos. CURSO Dé INTEGRAGAO PESSOAL 213 Na verdade, dificilmente valoramos sem valorizar ou desvalorizar. Valorar com justeza seria captar um valor através da elaboragéo de um juizo de existéncia do valor. Assim, quando digo: “Esta mesa é um mével que guar- nece @ casa” eu expresso um juize de existéncia, Mas quan- do digo: “Esta mesa é muito confortavel ou agradavel”, for- mulo um juizo de valor. Mas ésse juizo de valor pode ser existencial, isto é, o valor “esta” na mesa, pois realmente ela apresenta a qualquer pessoa uma agradabilidade ou uma confortabilidade. Neste caso, 0 juizo de valor esta justifi- cado por um facto ou por uma qualidade inerente ao facto. Ora, se nos pusermos a examinar os nossos actos e a procurar néles os juizos de valor que incluem, veremos que muitos déles se fundam no que hé na coisa valorada, mas, muitas vézes, 0 valor nao estd na coisa; nds é que nela o pomos. E ésses valores, que sao fict{cios, criagio nossa, repre- sentam mais 0 que desejamos ou 0 que nao desejamos. Por- tanto, nossa actividade valorativa tem uma importancia muito grande. * Ora, nossa imaginagao, que tem um poder criador, po- de emprestar a uma coisa um valor que a coisa nao tem. Assim como a imaginagao pode tomar duas realidades, como 0 corpo de um cavalo e o busto de um homem, e jun- té-los, para formar o centauro, que é uma ficc’o, também pode juntar um valor, que j4 captamos e conhecemos aqui, ou ali, e pé-lo como se estivesse no objecto que apreciamos. Eis como trabalha a nossa capacidade criadora. Ai esté um grande bem e um grande mal nosso, porque a imaginago enriquece a vida de belas imagens ficcionais, ™mas também nos leva a erros clamorosos, e a conseqiientes injusticas. A imaginagdo tem sua origem, psicologicamente falando, na nossa sensibilidade e na nossa afectividade. Ela surge espontanea, do fundo do nosso ser. Mas, nossa razdo po- de efectuar um grande trabalho para controlé-la, porque a 214 MARIO FERREIRA DOS SANTOS razdo, sendo fria como 6, analista e sintetizadora como é, pode nos ajudar na andlise de nossas tices, facilitando-nos © meio de encontrar um controle para as nossas criagdes. ‘Analisar todos os nossos juizos de valor e ver quanto ha néles de valoragéo e de valorizagao 6 0 primeiro passo para 0 dominio da imaginagéo. Pois, & proporgdo que descobri- mos nossos interésses; isto 6, nossa disposicao a preferir is- to aquilo, aprendemos a julgar melhor. Com o decorrer do tempo, a imaginacdo, que nao precisa ser estancada, e que pode continuar em sua maravilhosa produgao de imagens, passa pelo cadinho da andlise da razio. E esta, fria e ob- jectivamente, verificard 0 que 6 ouro de lei e 0 que nao o 6. ‘A pouco e pouco nos assenhoreamos désse método de and- lise, e em breve a nossa imaginagio, quandc entra em sua actividade, ndo impediré que saibamos, simultaneamente, 0 que 6 real e 0 que néo 6. Quando atingimos éste ponto, teremos dado um grande passo. E depois déle, tudo seré fécil conquistar, porque jé somos invenciveis, pois vencemos a nds mesmos, sem nos derrotarmos. J& que entramos na tarefa mais dificil, como, também, uma das que melhores frutos nos pode oferecer, que 6 0 do- minio da imaginagéo, impdese uma preparacdo prévia. E 0 primeiro cuidado é ter um espirito repousado, des- cansado, sem mais as agitagdes que tantos males nos cau sam. No decorrer de um dia, passamos por muitas experién- cias. Nossos sentidos estéo cansados de tantas horas de vigilia e de actividade sem fim. Nossos olhos, despertos durante tantas horas, pedem repouso. E repouso pedem os nossos ouvidos, 0 nosso tacto e 0 nosso sabor. ‘Todo © nosso organismo precisa repousar e mesmo 0 nosso velho coracao, infatigdvel trabalhador, que cuida com tanto carinho da distribuigdo do sangue que vai alimentar nossos miisculos, também quer que nao o perturbemos, mas CURSO DE INTEGRAGAO PESSOAL 215 © deixemos trabalhar descansadamente, isto é, com o ritmo que he é préprio. E durante o decorrer désse dia, ficaram gravadas em nés inumeras imagens do espetdculo do mundo, palavras que ouvimos pronunciar, e que geram agora, dentro de nds, tantas réplicas ou nos provocam a explosio de novos senti mentos ou nos precipitam em novas atitudes. E se reme- moramos 0 decorrer déste dia, se durante alguns minutos fizermos como que um balanco de tudo quanto ocorreu, po- deremos aproveitar muito das ligdes que @ nossa experiéncia quotidiana nos oferece. Quantas vézes, no decorrer déste dia, prejulgamos os acontecimentos; quantas vézes esperamos que algo sucedes- se e nfo sucedeu ou, quantas outras, o inesperado surgiu sem que tivéssemos sequer imaginado que tal pudesse su E quantas vézes procedemos com légica e em quantas outras fomos verdadeiramente irracionais, deixando-nos ar- yastar pelas primeiras impressdes, sem prestar a devida atengio aos acontecimentos? Fagamos um balango do que nos aconteceu. Examine- mos aquela ocasiic em que fomos rispidos demais, e aquela outra em que, sem o querer, magoamos alguém que, na ver- dade, n&o merecia ter sofrido tal vexame. Examinemos como se deram tais factos, ponderemos sdbre as circunstan- cians, e logo veremos, sem grande dificuldade, que poderia- mos ter evitado aquéle érro que nos magoa e aborrece agora. E aprenderemos logo como evitar tais factos. Passemos entao os olhos sobre os diversos julgamentos. Como fomos injustos ali, e como fomos ingénuos naquele outro caso. Como é possivel que nao tivéssemos visto que erramos tanto naquele momento? Ora, tais perguntas sur- giréo e muitas vézes acompanhadas de uma mégoa bem do- Jorosa, E por que, durante o dia, que é tao curto no tempo, erramos tantas vézes? 216 MARIO FERREIRA DOS SANTOS Por que em tantas ocasiées trabalhou a nossa imagina- ao com tal impeto que desvalorizou demasiadamente certos aspectos e de tal modo, que nao nos foi possivel aquilatar com equilibrio 0 que se passava? Por nfo termos descansado bem 0 nosso mental. Entdo, esté no descanso do mental o caminho que nos levard a achar o equilfbrio desejado? Responderemos que, em grande parte, sim. E essa par- te é tao importante que nao nos basta apenas saber manejar em a ldgica, se estamos cansados e somos capazes de nos deixar arrastar pela imaginag&o, cuja raiz esta sempre na nossa afectividade; isto é, deixamo-nos arrastar pelas nossas paixGes, que nos levam as desvalorizagGes ou as valorizages extremadas. Nao dizem es psicélogos que 0 nosso mental nunca des- cansa? Nao é verdade que éle sempre trabalha? Sim, 6 verdade. Mas é precis ponderar 0 seguinte: quando 0 nosso corpo esté cansado, procuramos as posicées que nos colocam a vontade para que descansemos Os nossos misculos. No entanto, os nossos pulmGes.e 0 nosso coracao continuam na sua faina. Pois, também 0 nosso espirito con- tinua o seu trabalho sem descanso. Mas o que se d4 duran- te as nossas horas de vigilia? Dd-se que nio deixamos nosso coragéo trabalhar calmamente. Nés o excitamos, nds ¢ apressamos, nés realizamos muitas coisas que 0 fazem, ora andar mais depressa, ora mais devagar. Por isso, nas nos- sas horas de vigilia, cansamos demais 0 coragiio, como can- saria um chefe de oficina que obrigasse 0 operdrio, a toda hora, a mudar de ritmo de trabalho. O coragao nfo péra, e quando para, deixamos de viver. Se nds ¢ forgamos, éle cansa além do normal. Assim como os exercicios que fazemos fortalecem 0 co- ragio, também nossos exercicios mentais fortalecem a nossa mente. E preciso dar descanso & nossa mente de vez em quando, para que se recomponha. Por acaso, quem passa CURSO DE INTEGRAGAO PESSOAL 217 as noites mal dormidas pode pensar bem? Sera capaz de ter o senso, o equilibrio para poder pensar? Muitos podem passar bem as noites e ter a mente can- sada, E por qué? £ muito simples a explicacie: imaginemos que alguém tem de correr um quilémetro. Se for um atleta, jé treina- do, correré normalmente, e mal se notard que esta cansado. Se nunca féz atletismo, logo sentird cansago, e finalmente estaré completamente abatido. Pois devemos ser atletas mentais. Um cérebro forte, treinado, 6 capaz de enfrentar melhor que qualquer outro as solicitagdes da imaginagio. Nao que a queiramos ani- quilar, mas desejamos, e apenas, controld-la a nosso favor. E quem ira controlar a imaginacao, que é espontanea, que surge com todo o irracionalismo natural de uma crianca, com impetos e desejos infantis, se no 0 nosso mental? ‘Uma imaginagao desbordada é uma imaginagéo que nao foi ‘bem conduzida para um recipiente, come os rios, quando os Jeitos ndo sao suficientes, transbordam as margens e innn- dam os campos. « Ent&o, que fazer para dominar a nossa imaginagao que consista, na verdade, em pé-la em servico util, a nosso favor e para 0 nesso bem? Em primeiro lugar, ter confianga em que é possivel al- cangar ésse dominio. Um desanimado nunca o alcangaré, e terminaré por tor- nar-se joguéte da imaginagio. Em segundo lugar, é preciso fortalecer o mental, 0 que se obtém pelos exercicios que oferecemos até aqui, e outros que iremos, a seguir, oferecer. Em terceiro lugar, meditar logicamente. Ler trechos e verificar como os pensamentos estao implicitos, contidos em outros; se hd relagéo ou nao entre um e cutro. Ao lermos um trecho, vejamos se hd bom sentido, se hd nexo entre 218 MARIO FERREIRA DOS SANTOS ‘as palavras do autor, ou se tudo estd desalinhavado no que diz. “ Em quarto lugar, ndo esquecer que ha sempre uma luta entre a nossa vontade, orientada pelo nosso eu consciente e os impulsos que vém do inconsciente. No proprio mental, ‘hé fércas que lutam pela desordem e se rebelam. Esses choques podem dar-lhes algumas vitérias, estas, porém, se- rao passageiras, e cada vez mais espacadas. ¥ preciso ter a maior atengdo nos exercicios para per- manecer sempre numa posicao estével, evitando qualquer movimento do corpo, pois ha uma grande relagdo entre o cerpo e o mental. ©. Quem domina o seu mental, domina-o até nas ruas mais movimentadas de uma cidade metropolitana; quem nio o| domina, nem no siléncio de uma gruta é capaz de fazélo. ‘Segui os vossos pensamentos durante a meditagao, sem- pre sObre temas positivos. Procurai retirar de cada idéia tudo quanto esta idéia pode conter, e tudo quanto dela pode relacionar com outras. Meditai sdbre as novas idéias asso- ciadas. Fazei as comparagées entre elas, procurai os aspec- tos contraditérios, o que deixastes de considerar, e depois medi, calculai tudo, em suma, meditai e, finalmente, termi- nareis por uma sintese do pensamento, completando-a com outra sintese das idéias provocadas por aquela, Fagamos exercicios praticos. Analisemos bem o que 6 @ associacdo. Prestemos a atenc4o aos nexos que ligam as idéias, e veremos que t6das elas tém um nexo muito seme- Ihante ao dos factos que se dio na natureza, ao qual chama- mos de realidade. Ao nexo, que liga as idéias, chamamos idealidade. Pois saibamos dominé-lo. E com ésses exercicios fortalecemos o mental, e de tal modo, que éle nfo se cansar facilmente. E descansé-lo- -emos através da respiragdo ritmica e do sono, sempre com © auxilio do nosso subconsciente, que por ser 0 nosso me- CURSO DE INTEGRAGAO PESSOAL 219 Thor amigo, h4 de velar, téda vez que lhe apelamos, pelo nosso, e sempre, pelo nosso bem. eee ‘As associagées se processam: a) por contigttidade; b) por semelhanga; ¢) por contraste. ‘Um exemplo de associacio por contigiiidade: vemos uma pessoa sempre com um charuto aos Iébios; ao ver um cha- Tuto, recordamo-nos dessa pessoa. Um exemplo de assimilacio por semelhanca: uma bebi- da verde, que bebemos, e da qual gostamos, e téda vez que vemos um liquido verde, lembramo-nos da bebida. Por contraste, temos os exemplos do branco que nos associa 0 negro, do bom que nos associa o mau, etc. Mas vimos também, que essas associagdes tém um nexo, pois no associamos tudo 0 que era contiguo, semelhante, ou contrastante. Associamos alguns factos e nfo outros. Hé influéncia da nossa afectividade, pois preferimos, incons- cientemente até, associar isto e nfo aquilo. E nessas asso- clagées, revelamos muito das nossas preferéncias, muito das nossas preocupagées. Tomando-se um conjunto de idéias chaves, podemos ‘acrescentar-Ihes as palavras que se nos associam. Partamos de um exemplo: amor. Que se associa logo a esta palavra? Uma jovem bela, uma praia coberta de sol, umas palmeiras decorando as margens, as ondas verdes, quebrando-se nas rochas, etc. As associagées variarao segundo as pessoas. ‘Ao analisarmos, depois, as nossas asscciagdes, podemos fazer uma espécie de autoandlise, e penetrar um pouco mais profundamente dentro de nés mesmos, e conhecermo-nos melhor. 220 MARIO FERREIRA DOS SANTOS Por meio dessas anélises, poderemos saber muita ccisa que estava oculta & nossa consciéncia sébre 0 nosso“prépriv intimo. Ora, 4 nossa imaginagao trabalha também por associa- g6es, Dé-s> um facto, assistimo-lo; logo a nossa imaginagac associa uma seqiiéncia de imagens que c completam. Mas essas imagens néo surgem sem uma razio. Elas nao vém a0 acaso como muitos julgam. Hé um nexo entre elas, um nexo que é preciso examinar. Temos um momento de preocupagdo. Procuramos, pri- meiramente, 0 facto chave, isto é, 0 facto que abriu a porta & imaginacao. Qual foi o acontecimento? Nem sempre é dificil perce ber. Basta que examinemos da seguinte maneira: a) Vejamos qual foi o momento em que nos preocupa mos. Um momento antes e tudo corria as mil maravilha: Mas sucedeu “aquilo”. Qual foi ésse aquilo? b) Examinese 0 facto sucedido e coordenese a se- qiiéncia das idéias que surgiram e criaram o estade afectivo de preocupacio. Faca-se uma espécie de sintese de tédas as idéias e imagens que surgiram. Se possivel, tome-se uma folha de papel e escrevam-se imediatamente tédas as idéias sobrevindas, como tambés as imagens na ordem de sua se- qiiéncia. ¢) Temos agora as mfos as idéias e as imagens. Pro curemos ver 0 nexo que hd entre elas. Veremos loge que t6das se entrosam ou por contigilidade, ou por semelhanca ou por contraste. d) Procuremos, ao examinar a distancia entre duas idéias ou imagens, o interésse afectivo que poderia ter sur- gido. £ facil fazer-se 0 exame. Digamos que alguém falou em guerra, e subitamente uma seqiiéncia de idéias ou imagens se associaram. Ca- nh6es, metralhadoras, bombardeios, avides rasgando ve- CURSO DE INTEGRACAO PESSOAL 221 lozes 0 espago, bombas destruindo cidades indefesas, mor- tos, criangas chorando, feridos, maes desesperadas. Subi- tamente, a imagem do bombardeio da cidade em que vive- mos. Estamos na guerra, somos feridos; néo, mortos, es- magados sob escombros, etc. A preocupagao nos assaltou, estamos angustiados, em mal-estar, jé nao atendemos nada, a tristeza cobre 0 nosso rosto, 0 coragéo empequenece, estamos acabrunhados. Mas, ao examinar cada uma das imagens que se asso- ciaram, podemos ver entre elas um nexo que as liga. Qual a razo por que, a0 ouvirmos a palavra guerra, a ela se asso- ciaram canhées, metralhadoras, e nao bombardeios, que vieram em terceiro lugar? Foi tudo obra do acaso? Por que nic nos vieram logo a visio as cidades bom- bardeadas, as crianeas feridas, etc.? Digamos que 0 analista de si mesmo, o autoanalista, seja um industrial. Esta ai o nexo da primeira associagio. Pri- meiramente, viu, industrialmente, a guerra, porque vive com mais intensidade a realizago industrial. $6 posteriormen- te sentiu o que seria associdvel comumente a um homem qualquer: as destruigées. Assim como se pode fazer esta anilise, podem-se fazer muitas outras, e tao ricas, que sé a constante experiéncia, © constante exercicio désses exames podem nos mostrar. Com 0 decorrer do tempo, acostuma-se a uma andlise to completa, que ela podera invadir terrenos novos. O interessante de tudo isso ¢ que, no mesmo instante, substituise uma preocupagéio de ordem afectiva por uma preocupagao de ordem intelectual. Em vez de prosseguir angustiando-se na vivéncia de uma preocupag4o, passa-se a viver outro modo de preocupar-se, que oferece um prazer, o prazer da anéllise, o prazer da pes- quisa. E, em pouco tempo, o estado de desagradabilidade que conhecera a principio, é substituido por outro, cheio de 222 MARIO FERREIRA DOS SANTOS agradabilidade, 0 que oferece a andlise intelectual, racional dos nexos e das razoes. Ora, para que nos momentos de méxima preocupagao sejamos capazes de fazer tais andlises e vencer 0 estado afectivo, 6 necessério procedermos constantemente com exercicios, nos momentos em que estamos perfeitamente calmos, para que 0 nosso espfrito se habilite, quando nos estados de preocupaco, poder levar avante, sem dificulda- de, a autoandlise tio necesséria. E ésses exercicios, no principio, sio faceis. E quando se complicarem, também sero faceis, pois, nessa ocasido, 46 estaremos bastante fortes para levé-los adiante. O exercicio, no inicio, consiste em se tomarem algumas palavras chaves e escrever-se imediatamente t6das as pala- yras que se associam. Depois désse trabalho, procura se descobrir 0 nexo que se encontra entre elas. No s6 as pa- Javras devem ser anotadas como as imagens representadas, as vis6es intelectuais e imaginativas que se formam. Escre- ver tudo com simplicidade e rapidamente. S6 depois se deve procurar o nexo. Na hora de escre- ver, devemos ter 0 mAximo cuidado em deixar as idéias e as imagens fluirem com a méxima naturalidade, sem influir, tanto quanto seja possivel, com o consciente para escolher estas ou aquelas. ‘A andlise torna-se completa com o tempo, e permitiré © melhor dominio da imaginacho, ou, pelo menos, evitar que ela influa, de tal forma, na nossa vontade, que nos desvie dos caminhos que nos so mais uiteis e convenientes, levan- do-nos a falsas apreciagées, valorizagdes desmedidas e erros, que sao sempre de funestas conseqiiéncias. Aqui, como em t6das as coisas superiores, a pressa de- ve-se evitar, porque € a mAe da imperfeigio. E s6 se com segue um perfeito dominio do mental, quando nio nos apresamos, quando ndo lutamos contra éle, quando sabe- mos, com habilidade e dogura, conduzilo a nosso favor. RECOMENDACOES IMPORTANTES As péginas, que vamos apresentar a seguir, merecem de tua parte a maior atengéio. Por outro lado, nfo deverio ser lidas uma Gnica vez. Relidas e meditadas, transformando- “as em temas para as tuas meditagdes, deves demorar-te na andlise de todos os pensamentos possiveis que elas te per- mitam captar. Ler, reler e meditar! Hé muitos métodos oferecidos nas obras dos psicdlogos em favor dos aflitos, dos angustiados, dos frustrados, dos ressentidos, dos sofredores, dos inquietos, dos insatisfeitos, dos desatentos, dos inibidos, dos fracos, dos desajustados, dos refractérios, dos calados, dos solitérios, dos penumbre- sos, e até dos abissais e dos terriveis. Um método favorece @ uns, nfo favorece a outros. Outras vézes, 0 método, be- néfico hoje, € ineficiente amanha. Quem os usa, nos casos de refluxo, conclui pela total ine- ficiéncia do método, sem prestar a devida atengao as cir- cunstancias, que o tornam ineficiente apenas naquele mo- mento, pois, em outras ocasides, éle volta a ser benéfico. § 1 — Uma regra importante para todos os que dese- jam reitegrar-se, ou integrar-se plenamente, 6 a de que devem considera apenas as positividades, e delas rejubilar-se, e no as negatividades, que sio comuns, Um exemplo nos auxilia a compreender bem o que pre- tendemos dizer. 224 MARIO FERREIRA DOS SANTOS ‘Um agricultor, que semeou seus campos, vé néle, por entre os arbustos que surgem, vingam, os que perecem ou pereceram. Acaso a sua colheita futura seré constituida dos que nao vingaram? Certamente, nac. A colheita seré feita dos que vingaram e deram frutos ou sementes. Pois 0 mesmo é conosco. Toda vez que adquirimos uma positividade (e sempre é uma pequena vitéria), ela constitui um efectivo. Podemos, amanha, conhecer um re- fluxo e cair ncvamente no mal que nos afecta, mas aquela positividade nao est4 perdida, mas em estado de laténcia, guardada, esperando a oportunidade para actualizar-se, efec- tivar-se outra vez. No decorrer do tempo, as positividades em laténcia en- contrarao, um dia, um némero que as reuniré numa nova estructura forte, e subitamente se dé a integracéc dela num todo positivo, que é um conjunto estructurado de positivida- des diversas, As pequenas vitdrias, que conquistamos cada dia, no nosso subconsciente, permanecem em laténcia, as quais po- dem passar do estado de virtualidade para c de actualidade; isto 6, se efectivarem num todo poderoso, integrando a nossa tens%o psiquica na sua mais alta coeréncia. © importante 6 obter vitdrias. & preciso crer nelas e confiar que elas fortalecerao cutras. ‘Téda a vez, portanto, que aplicares qualquer método e obtiveres uma vitéria, podes estar certo que adquiriste uma positividade que te ajudaré a conquista da vitéria final. Re- jubila-te, portanto. E téda a vez que te sentires em estado de refluxo, lem brate das vitdrias obtidas, e dize para ti mesmo, que ésse malégre provisério ndo poderé destruir o que j4 hd de po- sitivo em ti. Todas as positividades ganhas sfio esquemas-sementes para a colheita futura. CURSO DE INTEGRACAO PESSOAL 225 Um exemplo ilustrard melhor as nossas palavras. Al- guém que tenha estudado piano, tendo abandonado, depois, os estudos por muitos anos, se torna a estudar, encontra- 14 muito maior facilidade do que quando o fizera pela pri- meira vez. E que os esquemas adquiridos, durante os pri meiros anos, eram positividades em laténcia. Quem, quando jovem, estudou, embora por alto, uma lingua, e depois, quando adulto, resolve estudéla definitiva- mente, encontra uma facilidade muito maior do que quem nunca a estudara, Os esquemas-sementes permanecem no subconsciente e facilitam, depois, as novas vitdrias. Pois cada vitéria que obtenhas 6 um esquema-semente que, com positividade, estaré no fundo de ti, para assegurar novas positividades futuras. E assim como um conjunto de pedagos de ferro, arma- dos sob certa forma, constituem 0 arcabougo de um prédio, de uma méquina, assim essas positividades, que permanecem no teu subconsciente, alcancam, afinal, um numero, uma forma, que dé nascimento a um todo, uma imagem integral, que formaré a base positiva de tua futura libertagao. Confia, portanto, nas tuas vitérias, e prossegue em teus exercicios, sem desfalecimentos, com bastante £6 e confian- ga em ti, § 2 — Analisa quais os esquemas que se mostram em teus refluxos, se 0 de afliccéio, esquema da injustiga, da trai- go, da perseguigdo, do abandono, da doenga, da dificulda de financeira, da preocupagio do amanha, do médo, da so- lidéo, da angustia sem motivo aparente, da ingratidéo, do perigo, da incompreensio, da dtivida, etc. Ao tomares conhecimento de quais esquemas se mani- festam em teus momentos de refluxo, de abatimento ou de ira, estas apto a analisé-los, segundo as normas que tivemos ocasifio de oferecer nas pépinas déste livro. § 3 — S6 gozards 0 prazer de um copo dagua se nao © beberes logo que se manifeste em ti a séde. O teu prazer 226 MARIO FERREIRA DOS SANTOS seré maior se esperares um pouco. Nao ter pressa na sa- tisfagio é antegoz4la, e aumentar a sua intensidade. Desta forma, evitarés que 0 tédio se aposse de ti. E uma forma de lutar contra o tédio: a de nao dar satisfagio imediata aos desejos. Mas dai nao deves ir aos extremos, pois, do contrario, a satisfagio obtida acaba por magoar, pois parece injusta a sua demora. Hé um ponto de ouro que deves procurar em ti. § 4 — Quando te assalta um momento de refluxo, pro- cura desdobrarte e observar a ti préprio, e deixa-o fluir. Deixa que éle venha, que éle acontega plenamente. Nao resistas, despeja-te completamente, mas observa-te. Conseguirés essa duplicagio de ti mesmo como espectador e actor de teu refluxo, a pouco e pouco. fisse desdobramen- te te facilitard a purificacio, a catharsis dos gregos, e te sentirés aliviado. Mas te sentirés sobretudo forte, porque terds a consciéncia de que assistes a ti mesmo, e o teu eu espectador passaré cada vez a ser mais forte, mais coerente, e cada vez mais integral. § 5 — Téda a vez que a consciéncia plena do teu es- tado de refluxo se processar, sentirés um alivio, Quando possas dizer a ti mesmo: “bem, o que sinto agora é um re- fluxo, que demora um pcucod, depois passa. Voltarei ao meu estado normal. Nao tem importancia, cada vez seré mais fraco.” Deixa-o fluir. Se imediatamente no te sen- tires aliviado, nao importa. © alfvio ser finalmente alcan- cade, quando jé tenhas realizado, através dos exercicios aconselhados, a plena integracéo. Lembra-te sempre que uma cura psiquica é demorada e apresenta curvas ascensio- nais e descensionais. Hé momentos de fluxos, por entre os de refluxos. No inicio, éstes podem ser até mais fortes e numerosos. O mal, em ti, luta pela sua conservacio, posi- tividade que se opde a tua positividade do bem; é éle, pois, uma opositividade. Ele também luta por conservar-se. Mas CURSO DE INTEGRAGAO PESSOAL 227 © mal, por destrutivo, nao é tao forte como o bem. final, a vitoria déste é inevitavel. § 6 — Toma de um papel e deixa fluir todas as palavras que te venham & mente. Escreve sem prestar-lhes muita ateng&o. Depois de haveres escrito muitas linhas, analisa-as. Dessa tua anélise sairio coisas surpreendentes. Irds ver as- sociagdes que jamais julgar-te-ias capaz de fazer. Nessa ana- lise, j4 te estés desdobrando num espectador analista e num objeto analisado. sse exercicio nao s6 te dard alivio, como te facilitard a integrar a tua capacidade analista e um melhor conhecimento de ti mesmo. Penetrards, assim, com a cons- ciéncia e a calma necessérias, no amago de ti mesmo. Se encontrares alguma coisa de repugnante, nao te aborregas. Lembra:te que somos também o animal ao lado do anjo. Hé em nés sordidezes que ndo nos devem espantar, pois somos séres humanos (sintese de animalidade e espirito). Nao precisards destruir 0 Género (animalidade) para bene- ficiares a que te diferencia a inteligéncia. Nem tampouco precisarés sacrificar a segunda pela primeira, Hés de al- cangar a harmonia entre ambas, necessdria para o equili- brio de ti mesmo. § 7 — Se puseres tua atencdo sdbre a dor, ela aumen- tard de intensidade. Pde tua mdxima atencio sébre um ins- tante de satisfagdo, e aumentards a intensidade de tua ale- gria. Todo instante de alegria deves vivé-lo como se fésse eterno, e nunca 0 consideres como um momento que passa. Luta por ti, e nfo contra ti. § 8 — Quando alguém, a tua volta, s6 fala no mal, nas sombras da vida, no “vale de ldgrimas” da existéncia, podes estar certo que éle precisa de amparo. O pessimismo é a atitude mais fécil que existe. Os que julgam que precisam de sombras e sofrimentos para criar, s6 criaréo sombras e sofrimentos. les precisam de luz, e ajudaos. A alegria, 44 0 mostrava Nietzsche, é muito mais profunda que a tris- teza. O prazer 6 mais profundo que a dor. As eternas car- pideiras na literatura costumam chamar a atencéo dos 228 MARIO FERREIRA DOS SANTOS grandes que sofreram e criaram, Mas esquece mos gran- des que criaram, vencendo e superando o sofrimento. Todo artista que julga que precisa sofrer para ser grande, e busca © sofrimento, engana-se, pois seria maior na alegria. A obra destrutiva de tantos autores nao vale pelo destrutivo que tem, mas pelo construtivo que perdura apesar dos sofri- mentos. Se a vida é sofrimento, como dizem, por que aumenté- -lo? Nao 6, portanto, uma tarefa importante tornd-la mais bela e superior? Ademais, se prestares bem atengao, verds que os momentos de alegria e de indiferenca séo mais nu- merosos que os de sofrimento. Analisa quanto o sofrimen- to é exagerado pelas nossas atitudes. § 9 — TOda vez que aprecies alguma coisa, faze uma andlise da tua apreciagao. Observa se apenas evidenciaste ‘os aspectos positivos ou os opositivos, se actuaste como um otimista ou como um pessimista, Observa se 0 estuda- do por ti, e por ti considerado como ruim, nao faria alegria dos outros. Nao te esquecas que as coisas, em si mesmas, so 0 que elas sio. Lembrate que aquela montanha, uma mancha cinzenta para ti, que est4s neste lugar, 6 uma massa verde e bela para quem est4 mais préximo. Mas a monta- nha 6 a mesma. Toma esta posigsio ante os factos da vida © compreenderds, entiio, que as coisas sio muito do que Ihes emprestamos, 0 que depende dos nossos julgamentos, porque as coisas, em si mesmas, sio 0 que elas sio. Se te desdobrares nessa anélise, estarés auxiliando a fortalecer @ coesdo do eu, que passaré a analisar a ti mesmo, e a tor- nar-se 0 teu melhor juiz, ¢ amigo, e conselheiro. + § 10 — Tudo o que facas, procura fazer do modo mais perfeito que possas. Principia a por ordem em tuas coisas; mas devagar, nao te apresses. Cada dia poe ordem em al- guma coisa. Nao queiras transformar-te sibitamente. Procura ser perito em algum mister, por mais simples que seja. Alcanga uma perfeigio, por pequena que seja. De- CURSO DE INTEGRAGAO PESSOAL 229 pois, conquistards outras. Nao tenhas pressa, se queres andar mais rapidamente. * § 11 — Busca o méximo de delicadeza. Néo queiras impor aos outros as tuas idéias e evita aborrecé-los. Trata os outros com deferéncia e respeito, e logo sentirds satisfa- ¢4o dentro de ti. Se alguém for rispido para contigo, ccin- preende a grosseria. Que poderias esperar de um homem grosseiro? Vais imité-lo? S06 poderas, com isso, tornar-te igual a quem consideras inferior. Medita s6bre éste ponto. E quando em tua vida perde- res a calma, nao te preocupes. Continua meditando, e sem- pre com o firme propésito de no imitar o pior. Acaberds conquistando um certo dominio de ti mesmo, imensamente itil para outras vitorias. § 12 — Procura desembaragar-te. Se és timfdo, fala com delicadeza e calma, com bastante naturalidade quando estiveres ante outros. Sé apenas natural e simples. Nao tentes impor-te. Apenas expée 0 que pensas, sem rebuscar argumentos complicados. Todos te ouvirdo, se tiveres o bom-senso comum. A pouco e pouco irds obtendo o desem- barago, e finalmente te impords com argumentos mais sdli- dos. § 13 — Ouve os outros, Todos gostam de ser ouvidos, e tu também. Ouve com atencdo e respeito, e nunca desa- nimes @ ninguém. Obterds uma forca que crescerdé dentro de ti, Todos os séres humanos precisam de confidentes. Sé um confidente fiel e amigo, e sobretudo compreensivo. ‘Todos acabaro por estimar-te, e te sentirés cada vez mais tranqililo. § 14 — Teus maus pensamentos e tuas meditagées de- vem sempre dirigir-se a temas positivos. Pensa sempre no teu bem e confia que o melhor te ha de suceder. Se algu- ma coisa te acontece de mal, procura o lado benéfico. O velho ditado popular de “que ha males que vém para o bem” € verdadeiro, e muito mais do que se julga. Se confiares no bem, éle se aproximaré de ti, Lembra-te que 0 abismo 230 MARIO FERREIRA DOS SANTOS atrai o abismo; o mal atrai o mal, Se tiveres em ti o bem, © bem seré atraido, Confia no bem, que éle nao te desam- pararé, § 15 — Tudo o que fizeres, faze-o com entusiasmo. O entusiasmo é uma virtude divina. Nas pequenas coisas que tiveres de fazer, e que te parecem desagradiiveis, dé-lhes a agradabilidade. Tu podes decorar a tua vida de alegrias se © quiseres. Pde amor no que facas, e logo a agradabilida- de surgird, e tudo iré répido e facil. Faze pequenas experi- éncias, e logo verds que 0 conselhe que te dou é verdadeiro. § 16 — Que a tua oracdo didria seja esta: “Hoje fa- rei um bem a um ser humano”, faze-o. A noite, rememora © que de bem fizeste e alegra-te, para aumentar a tua e a alegria do mundo. § 17 — A maior luta que o homem teré de empreender € a luta contra e médo. Nunca cresceu éle tanto, avassa- lou tanto os séres humanos. Temer o mal é preparar-se pa- ra éle, Nao tenhas médo do amanhé; confia em ti. Examina cada um dos teus médos e procura os seus fundamentos. Verds que sao quase sempre inexistentes, ou melhor, sem nenhum contetido real, mas apenas imagind rios. Nao temas adoecer, nem temas malograr. Faze 0 que deves fazer, com confianca, § 18 — Cristo dizia que as nossas doencas nfo entram pela béca. Elas vém do que sai pela béca. Queria éle re- ferir-se 4s nossas idéias, Se nfo temos fé em nosso poder, nao temos poder. Se nao temos fé em nossa forca, somos fracos. Nossas idéias germinam nossas doencas e também @ nossa satide. Scmos muito do que pensamos que somos. Este é um grande tema para meditagdes. » § 19 — Medita sobre a dignidade humana. Olha o es- petéculo do mundo, e vé como o homem perde em valor onde ha ditaduras, onde hé opressio, onde hd a brutalidade, travestida de lei e de idéias progressistas. Vé quanto o ho- CURSO DE INTEGRACAO PESSOAL 231 mem vale pouco e os grandes muito crescem de valor. E verds que os que se intitulam os mais realistas so os que glorificam e adoram as maiores abstraccées. Medita sobre a dignidade do homem. Observa-o como éle se transforma em utensilio, em coisa, em mimero. Medita longamente s6- bre éste tema, e afirma dentro de ti o desejo e o querer construir a tua prsonalidade, » § 20 — Toda meditagdo bem ordenada, todo raciocinio bem concatenado, é um grande exercicio para a vontade e para a maior coeréncia do eu. Nunca deixes de fazer dia- riamente as tuas meditagdes, e dé-lhes melhor ordem logica e dialéctica. § 21 — Se o teu dia foi muito agitado e tiveste de an- dar muito apressadamente, aproveita a oportunidade para dar uns passos bem lentos, numa lenta e tranqilila cami- nhada. Depois, descansa, entrega-te a leitura de um livro sereno, e cheio de luz. Evita a leitura de obras mérbidas, pessimistas, porque elas apenas véem um lado da existén- cia e desvalorizam tudo quanto é grande. § 22 — Se sofres, no esquecas que todos sofrem. Mas, hé também alegrias, na vida, Endo hé dor que a nfo possamos vencer. Se ela é moral, e magoa-nos tanto quan- to lembrada, examina-a bem. Vé as causas que a geraram, as circunsténcias que a acompanharam, e procura como vencé-la por ti. . Se te cabe a culpa, procura compensd-la por actos bons correspondentes, § 23 — Sé orgulhoso da tua dignidade. Ter maus pen- samentos, pensamentos destrutivos, é muito fécil. Constréi grandes e nobres pensamentos. Aumentards a tua digni- dade, o teu valor. § 24 — A alegria dos outros nao 6 um furto & nossa alegria, A alegria é como o fogo que pode propagar-se des- de uma pequenina chama. Compreenderds, assim, que 232 MARIO FERREIRA DOS SANTOS quando os outros sio felizes, nfo o so & custa da tua feli- Cidade. Ri com éles, e agradece o bem que permite a ale- gria daquele par de namorados, daquela crianga que brinca. § 25 — Todos nés somos insatisfeitos, uns mais, ou- tros menos. ¥ uma condigdo de todo ser limitado. Sempre algo nos falta, Mas, quando tens, porque vais pensar na falta? Se estds aqui e sentes a falta de nao estar ali, nao consegues a alegria que te dé 0 momento que passa. § 26 — A construgio do esquema fundamental do eu, sdlidamente estructurado, sd Pode ser constituido de positi- vidades e nfo de negatividades, O negativo nfo compée a esséncia de qualquer coisa, como se vé na filosofia. Um co- PO no é um copo porque nao tem isto ou aquilo, mas por que 6 isto e aquilo. nosso eu sé pode constituir.se num esquema coeren- te, numa estructura solida, se actualizar em si positividades, Para com elas, embora no inicio dispersas, realizar a reu- nido que formaré a nova estructura poderosa do nosso eu. Assim, pensar negativamente é preparar-se contra si mesmo. Se alguma coisa 6 pensada negativamente, é neces- sdrio, de imediato, com ldgica e precisio, compensd-la com Pensamentos positivos, logicamente dispostos. Digamos que ouvimos falar de tal ou qual doenca, e en- contramos ou julgamos encontrar em nds algum sintoma. Se abrigarmos a idéia negativa, estaremos predispondo-nos & doenca. Mas, imediatamente, com légica, com dominio, analisa-se a idéia que surgiu. Um sintoma qualquer nao é fundamento bastante. Ademais, 6 preciso que um especia- lista verifique. E preciso nao temer. Aceitar a possibilida- de de uma doenca ja é preparar-se para ela, Convém re- sistir com seguranga e positividade. Ademais, 0 médico é competente para resolver 0 caso. Por que vou abrigar em mim essa idéia, que é negativa, pois a doenca é sempre ne- gativa, quando sei que tais idéias cooperam para destruir © no construir, pois nada se faz com negatividade? CURSO DE INTEGRAGAO PESSOAL 233 Assim como ésse exemplo, poderiamos dar muitos ou. tros, pois a vida de cada um estd cheia de exemplos. Nao aceitar a idéia negativa nfo é pér-se em discussdo com ela. Nao se deve aceitar simplesmente por estas razées: 1) porque é sem fundamento real; 2) porque é desprezivel; 3) porque 6 apenas produto das forgas adversas e nao vem do nosso proprio bem, que nao pode querer negativi- dades; 4) 6 proveniente do nosso componente masoquista, es sa tendéncia que temos, negativa sem diivida, de sofrer e de até sentir prazer no sofrimento. Essa tendéncia nao tem sua origem no nosso bem, mas no que nos adverso, por- tanto € desprezivel. A anilise da idéia negativa e seu conseqiiente reptidio no deve provocar uma espécie de discusséio entre 0 que lu- ta pela nossa positividade e o que luta, em nés, contra nés, pela nossa negatividade. © adversério torna-se forte & proporgao que Ihe damos atengao e valor. Aqui, lutar contra o que surge de negative em nossa mente, através de raz6es colocadas de parte & par- te, é fortalecer o adversério. O que é negativo, e sem fun- damento, é simplesmente repudiado, por uma argumentagio simples, positiva. Nao se deve proceder como os mérbidos, que se entregam ao seu problema, a sua negatividade, para exploréla com furor, em plena exibicéo e excitagio de seu componente masoquista, no intuito de provocar nos outros Tepetigdes do seu estado doentio. Se outros mérbidos, pos- teriormente, vo dar valor a essa obra, como superior, é porque ela corresponde & morbidez que os anima. Grande é © sofrimento de um Mozart que o guarda com dignidade e, em sua misica, salvo em rarissimos instantes, no expressa asuador. Eno deixou de ser Mozart, construtivo, fecundo e criador. MARIO FERREIRA DOS SANTOS Todos os autores destrutivos sao infecundos. Em pou- cos livros estéo esgotados. Assim h4 pintores que, com meia dtizia de obras, nfo tém mais nada a dizer, e musicos que além de uma dezena de composigées, na maioria me- diocres, néo tém mais nada que expressar. No se pense que o valor que muitos expressam est em suas negatividades, pois 0 negativo é destrutivo. fles sao grandes pelas positividades, apesar das negatividades que expressam. # um érro pensar que os grandes valéres na arte se impuseram pelo negativo. O negativo néles é um Ponto de refluxo e néo de fluxo. Ninguém realiza nada com negatividade. Quem quer realizar-se, integrar-se, precisa reunir positividades. Vejamos como se deve proceder para alcangar essa grande meta. A colheita do agricultor, j4 vimos, nfo serd feita com as plantas que pereceram, que secaram, que se estiolaram. A colheita serd feita com as plantas que positivamente vin- garam. Pois a tua colheita s6 poderd ser feita de positividades. Tua atitude mental, portanto, sé pode ser favordvel as positividades. Queres ter coragem? Procede como se tivesses cora- gem. Dé positividades aos teus gestos, as tuas atitudes. Queres ser forte? Procede como se fosses forte. Dé Positividade & tua forga. Infla teu peito, ergue o teu busto, retesa teus muscules. Realiza 0 positivo da forea, e confianga em ti. Queres ser ponderade? Toma a posicao como se fosses ponderado, l6gico. Realiza a positividade do ponderado. Queres ter atengio? Coloca-te na posicéio como se ti- vesses plena atencao. CURSO DE INTEGRACAO PESSOAL 235 Mas tudo isso 6 ficcional, exclamarao alguns. # ficcio- nal, néo hé duvida, mas em térmos. Hé, na atitude, uma realidade enquanto tal, nao hé no conteido. A atitude do que tem plena atengao é imobilidade, toda voltada para o objecto, olhos fixos, nem um miisculo se move. Mas falta © contetido animico da atengfio. B sé corpo. Enquanto corpo é real, 6 a real posigéio da atencdo. Jé temos uma positividade. Falta a outra, que completa o esquema con- creto da atengio: a interior. Mas j4 andamos meio cami- nho. E 6 facil compreender a raz&c. Se a interior se con- creciona com a atitude pata realizar o esquema préxico, is to é, 0 esquema concreto da atencdo, hé uma grande afini- dade entre 0 contetido, o interno, com 0 externo. A positi- vagéo do externo, por afinidade, provoca uma actualizagao, uma eficientizagdo do interno. A repetigéo é importante. © que queres ser, procede como se 0 fdsses. Esse’ como se (0 als ob dos ficcionalistas alemaes) se torna para nés positivo a pouco e pouco, porque jé traz alguma positi- vidade. Por isso Nietzsche, quando dizia que quem pratica actos de bondade, acaba pelo menos benevolente, compre- endia, como grande psicdlogo que era, a verdade que hoje pode servir a nds todos para amplos beneficios. A constante realizagéio dessas positividades termina por constituir um lastro dentro de nés, lastro positive. So co- mo intmeras pegas de uma maquina, que so dispostas umas aqui, outras ali, Mas a maquina, funcionalmente, ainda nao est estructurada; é preciso que o mecdnico as coloque, umas juntas &s outras, nos respectivos lugares técnicos, pa- ra que ela surja em sua integridade. Assim somos nés. Se conquistamos positividades, nfo nos preocupemos, de inicio, se elas nao se estructuram fun- cionalmente. © que importa é conseguir positividades e es- tabelecer um programa: nem um dia sem positividades. Amontoemo-las, t6das, aqui ou ali, em nés. Mais reali- zemo-las. 236 MARIO FERREIRA DOS SANTOS E assim, como um conjunto de elementos quimicos, sii- bitamente, por um simples balango, precipita.se numa com- binag&o sélida, um dia, sibitamente, essas positividades se coordenam, estructuram-se na formagao de um sélido e coe Tente esquema, 0 nosso novo eu. Lembra-te do exemplo da gota dégua que derrama o copo cheio. E quando surge essa gota dégua? Mas que vale essa gota sem que 0 copo esteja cheio? Para que aquela gota realize a sua fungdo de extravazar 6 preciso que o que enche © copo jé tenha atingido os limites déste. Pois tu precisas atingir os limites do mimero das posi- tividades, para que uma simples positividade qualquer rea- lize a transmutacio, a transfiguragéo de ti mesmo, e cons- trua, numa instante, a nova tensdo de teu eu, que serd a tua Plena integracao. Quando muitos psicdlogos nos contam a historia de pes- soas angustiadas, aflitas, preocupadas, cheias de problemas e inquietagoes, que sitbitamente ao ouvir uma frase ou ao Jer um simples amincio, ou ao tomar uma atitude, sentem que tudo se renova dentro delas, sio pessoas que procura- vam positividades e as realizavam. Quando atingiram o numero repentinamente, uma simples positividade realiza a estructuragdo da tensiio, e eilas novas, outras, libertas de tudo quanto as preocupava. Aquéle que ao ouvir alguém dizer para outra pessoa: “sé quem tem confianga em si é capaz de vitérias”, de stibito se sentiu capaz de vencer tudo quanto o oprimia; aquéle que, a0 entrar num templo, e a0 ouvir, num serméo, estas palavras: “quem domina seus pensamentos 6 mais poderoso que quem toma de assalto uma fortaleza”, e sentiu-se reno- var, ser outro; aquéle que ao ver o sinal vermelho, que in dicava parar, e 0 amarelo, que lhe indicava atengio, e o ver- de, que Ihe indicava transito livre, e pensou no maquinista que atravessa milhares de quilémetros, confiante apenas CURSO DE INTEGRACAO PESSOAL 237 nos sinais, sem maiores preocupagées, e sentiu-se senhor de si, novo, integrado — todos ésses homens jé haviam reali- zado positividades e, sbitamente, uma, uma simples, com- Pletou-lhes 0 ntimero do esquema tensional, estructurou-lhes @ nova tensao do eu. Portanto, 0 caminho é conquistar positividades. E como fazer? Cada dia, cada momento teu, procura realizar uma po- sitividade, tomar uma atitude positiva. Nho te deixes im- pressionar pelas carpideiras milendrias, nem pelos propagan- distas da miséria e do sofrimento humano. Afasta-te dos que propagam o mal. * © verdadeiro génio nfo 6 sombra. O verdadeiro génio é luz; é luz meridiana, é sol, é alegria, Portanto, mos & obra: realiza positividades, e cada uma realizada, rejubilate com ela. Fizeste hoje uma pe quenina coisa bem feita, rejubila-te. Conseguiste fazer 0 que no contavas, rejubilate. Ao tomares um copo dégua, que te mata a séde e te dé prazer, rejubila-te. Rejubila-te e agradece. E vé no mundo o que hd de bem e de bom. Pro- cura-o em cada momento de tua vida, em cada um dos teus actos. Conquista positividades. Lembra-te do agricultor que 86 poderé colhér os frutos maduros e positivos. Tua colhei- ta s6 poderd ser feita de maduras positividades. A LIBERDADE A INTEGRACAO DO EU Seguimos juntos até aqui. Longa foi a viagem, e o ca- minho entrecortado de esperangas e algumas dificuldades e estas ndo te abateram. Estds convencido de que podes, por ti mesmo, aleangar dias melhores. E se cada dia disseres ao teu subconsciente: “Eu sou o meu melhor amigo, e confio em mim mesmo", podes estar certo de que preparards 0 verdadeiro caminho que nos leva & plena integragao. E ésse velho caminho, tio esquecido dos homens de ho- je, foi o que preconizaram as antigas religides a todos os que buscavam férgas para enfrentar as grandes dificuldades, os problemas, os obstéculos de que esté cheia a vida humana. Mas como poderds tu, agora, penetrar por uma nova sen- da se nao alcancaste ainda as positividades que predicamos em todo éste curso? Que pedimos de ti, sendio positividade? Nao foi outro © nosso intuito, sendio o de que a tua colheita fOsse a mais feliz, e grandes os resultados. No podiamos, de forma alguma, tratar de que vamos fazer agora, nos capitulos anteriores. Era necessério pri- meiramente que tu tivesses realizado com bastante seguran- ¢a, com bastante assiduidade, e f6, 0s exercicios aconse- Ihados. Se tudo isto fizeste, se néio recuaste um s6 momento, se foste fiel e amigo de ti mesmo, procurando com afinco e 240 MARIO FERREIRA DOS SANTOS boa vontade, com confianga e fé, a realizacgéo de tudo quanto dissemos, podes agora penetrar neste ultimo caminho que te levaré & plenitude de ti mesmo. Traté-lo-emos por partes, cuidadosamente, pois 6 preci- so que te convengas do que iremos expor, e possas, entio, sentir a grande experiéncia da liberdade, que é a tua com- pleta plenitude, a vit6ria que tanto desejaste, e que mereces alcangar. Relé as recomendagées que no ultimo capitulo te ofere- cemos. Medita sObre as positividades que sio ali expostas © oferecidas; mas faze-o constantemente, com jtibilo e con fianga, Oo MEDO Quantas vézes éle te assaltou, e te enleiou em suas ré- des. Sentiste um estremecimento, um minguar do teu co- ragio, um frio que te percorria 0 corpo. Mas também sentiste médos que surgiam quando te preocupavas com a Possibilidade de acontecimentos futuros que temias. Mas se te lembrares bem, se rememorares ésses mo- mentos téo desagradaveis, deves ter notado que éles se pro- cessaram de duas maneiras extremas, incluindo, no entanto, diversos graus intermedidrios: a) eras totalmente dominado pelo médo que crescia até tornar-se num verdadeiro pavor; b) ou entéo, quando sibitamente te punhas a obser- var a ti mesmo, sentias que éle se desvanecia aos poucos. Como téda a tua atengao estava voltada para o médo, desejavas apenas que éle desaparecesse, e nfo percebeste bem o processo do seu desaparecimento. EX nem podias fazé-lo. Ble te avassalava totalmente. CURSO DE INTEGRACAO PESSOAL 241 ‘Mas se rememorares bem, e se agora te puseres como espectador désses momentos (e nao so poucos, bem o sa- bes), logo verds que & proporcao que for maior a tua capa- cidade de examind.los como um espectador, 0 médo dimi- nui de intensidade e desaparece. Ora, o teu médo se apresenta de maneiras variadas, mas- cara-se de muitas formas e algumas até se apresentam sem que sintas estremecer ou minguar 0 coragao, nem um frio percorrer-te 0 corpo. & uma antecedéncia que se processa. Pretendes fazer algo, mas o teu médo se mascara de racionalidade, e oferece argumentos aparentemente sélides Para que nao facas isto ou aquilo. Na verdade, o teu médo procura enganar-te, mostrando-te apenas uma precaugdo, uma prudéncia, ou aconselhando-te uma atitude que te po- nha a coberto do que temes. Nao hd diivida que o médo é também positivo e cons- troi obras grandiosas. Mas 6 preciso evité-lo, quando se torna negativo e, portanto, destrutivo. Bem sabes que éle levou os homens a realizarem gran- des obras, proverem-se de bens para o futuro, construirem ciéncias, defenderem-se de perigos possiveis, acautelaremse do imprevisto desagradivel no amanha. Tudo isso é posi- tivo. Mas o médo, quando predispée situagées contra o teu bem, 6 destrutivo e nao deves aceitélo. £ facil saber quan- do o é. Examina cada um dos teus actos, verifica cada uma de tuas atitudes, e examina, nelas, quanto hé de médo, quan- to influi éle, positiva ou negativamente. Se tal fizeres, logo ressaltardo, ses teus olhos, inimeras possibilidades novas, perspectivas incalculdveis e achards, Por ti mesmo, novos caminhos interiores para o teu bem. 242 MARIO FERREIRA DOS SANTOS O CAMINHO DA LIBERDADE Todo o homem é um infinito ainda irrealizado. Que somos nés sendo um ser finito, limitado? Onde esté, entdo, @ nossa infinitude? Observa as coisas: uma pedra 6 uma pedra, e nada mais. Mas o homem pode modelé-la, e eis um marco num caminho, uma estétua que simboliza a beleza. Uma planta é uma planta, mas eis que o homem a tor- na um ornamento. Utilizaa, e faz dela um alimento para © seu corpo. As coisas sio apenas 0 que séo. Elas realizam apenas as suas perfeigdes e nada mais. Um cio ¢ apenas um cio, @ nao conhece progressos, porque no conhece os caminhos que levam A realizagio das perfeigdes. Mas o homem avan- ¢a no seu caminho, ascende a novas situag6es, cria perfei- ges, reunindo as coisas. Uma pedra que esté na montanha é algo do mundo da natureza. Mas essa pedra, tornada em paralelepipedo, pe- Ja acco do homem, é transformada num ser do mundo da cultura. H4 dois mundos, portanto: a) mundo na natureza; b) mundo da cultura. Neste ultimo, é onde o homem cria, onde o homem mo- dela as coisas com a marca do seu espirito; 6 0 mundo da criacao. © homem é um ser da natureza, mas que constréi uma cultura. E por que pode o homem construir uma cultura, © que nao a fazem os animais? Ora, quem faz alguma coisa 6 porque podia fazé-lo. © @ prova de que podia 6 que o féz. E se féz, tinha, portanto, CURSO DE INTEGRACAO PESSOAL 243 um poder para fazéo; tinha em si algo efective, que Ihe permitia realizar 0 que outros séres no o podem. O homem, portanto, é diferente dos outros séres, pois tem um poder que os outros séres néo tém. E de onde vem ésse poder? Vem dos séres que existem no mundo da natura? Mas se éles nic o revelam? Nenhu- ma pedra construiu uma cultura, nem um animal, nem uma planta, ‘Mas 0 homem néo é uma planta, nem uma pedra, nem um animal. Ha no homem animalidade, como hd o vegeta- tivo eo mineral. Mas o homem tem algo mais que os ou tros séres nfo tém. E ésse “algo mais” os outros séres nao o tém enquanto so o que so. Portanto, o homem é déles diferentes, e pro- fundamente diferente. Mas seu corpo é carne, sua carne 6 matéria organica, e nessa matéria estéc os minerais. Nao ha diivida. & tudo isso; mas hd néle o que nao ha nos outros séres: espirito criador. E que 6 ésse espirito criador? Naturalmente, no nos caberia num curso como éste, em que apenas temos a intencao de cooperar com o bem dos outros, que nos detivéssemos a examinar um tema de Filo- sofia que muito bem cabe nos livros que se dedicam a esta tao importante disciplina. Nem, tampouco, tema de tal importancia poderia ser examinado, sem que o pensamento esteja perfeitamente disciplinado nos caminhos belos, mas &rduos, da Filosofia, e por isso nfo cabe examiné.lo apres- sadamente. Mas, do que no ha dtivida, é que, na esséncia do ho- mem, hé 0 que nfc ha nos outros séres. E chamavam os antigos fildsofos a essa esséncia de rationalitas, que deve ter um sentido bem claro: € o espirito humano em téda a sua actividade. 244 MARIO FERREIRA DOS SANTOS O ser humano, portanto, actualiza ésse poder na sua ca- pacidade ilimiteda de realizar perfeigdes. Se nao as reali- za tédas de uma vez, tem, porém, a possibilidade de reali- zélas umas apés outras, e a histéria humana nos mostra que o homem é o grande realizador de perfeigoes. Que se entende por perfeicdc. Por perfeigéo se enten- de a realizagao de uma possibilidade. Essa realizagio pode ser ainda melhor, e actualizando ésse melhor, é mais uma perfeicdo que se actualiza, que se realiza. © homem 6, portanto, um realizador de perfeig6es. E hd um limite para éle? Ha, e nao hé. Exemplifiquemos: se distinguimos bem, poderemos di- zer que o homem no é capaz de realizar a maxima e abso- luta perfeigdo, aquela actualizagdo de todas as possibilida- des, porque, imerso no tempo, e déle dependendo, tem de realizar, uma apés outra, as possibilidades. E também no alcanga a totalidade da perfeicdo; ndo se pode negar, porém, que éle pode avancar cada vez mais, realizando perfeigses sobre perfeicdes. Essa marcha ilimitada cabe ao homem. E criador, co- mo 6, alcanga a pontos cada vez mais elevados, e que Ihe podem assegurar uma marcha progressiva que todes devem compreender e desejar seguir. Portanto, o verdadeiro e grande ideal humano s6 pode ser 0 da sua perfeigao constante, o de sua marcha ascencio- nal para superar-se. Conseatientemente: 0 ideal humano verdadeiro s6 pode ser 0 da superagéo do homem por si mesmo. © homem de- ve superarse constantemente para alcangar, cada vez mais, uma super-humanidade, que seré, por sua vez, superada. Eis um ideal para os que nfo tém um ideal, propunhs Nietzsche. E o verdadeiro sentido do super-homem, é éste, CURSO DE INTEGRACAO PESSOAL 245 e nao o daquelas, em que se desenham o super-homem co- mo apenas um monstro de brutalidade ou de férca, como © fizeram alguns dos maus discfpulos e todes os adversd- rios. Mas, hé no homem o mesmo ser que estd nas coisas, di- zem. E hd, nio resta diivida, mas é mister n&o confundir. © homem, enquanto homem, nao é o que as coisas so en- quanto tais. Na forma de uma pedra, hé a pedra; na forma do ho. mem, ha algo mais: o espfrito. Portanto, o espirito, que é ser também, realiza-se no ho- mem, e no nas coisas. E aqui esta a dignidade, o valor do homem: éle tem e realiza 0 que nao tém e néo realizam as coisas do mundo fisico. © hemem diferencia-se das coisas por ser criador; as coisas do mundo fisico apenas sdo séres da natureza. O homem € natureza e € espirito. O bem nem todos sabem colhér. Uns porque ignoram como encontré-lo; outros, porque o temem. Esse fruto é a liberdade. E embora parega incrivel, hd muitos que temem a liber- dade. E pode-se dizer até que 0 mais doloroso espectdculo que se assiste hoje no mundo € c médo que provoca, médo que gera o temor das responsabilidades. Leiamos essas paginas. “Deus quando nos deu a vida, deunos a liberdade ao mesmo tempo”, dizia Jefferson. Que 6 a liberdade? Grande e profundo problema de Filosofia, tema princi- pal e capital de muitas das maiores controvérsias da huma- 246 MARIO FERREIRA DOS SANTOS nidade, as mais belas paginas para louvd-las jé foram escri- tas pelos fildésofos, pelos poetas, pelos escritores de todos os tempos. Mas, muitas das paginas mais duras e mais ter- rivelmente destrutivas foram escritas para negé-la. Ha livrearbitrio ou determinismo? Praticamos nossos actos por uma escolha, ou no? Somos apenas dirigidos pe- tos nossos impulsos interiores aos quais nfo podemos diri- gir nem orientar? ‘Néo vamos aqui relatar, nem de leve, essa imensa polé mica que levou séculos, e ainda hoje empolga o espirito de muitos. © homem é um animal racional: verdade que todos acei- tam. E ser racional é ser capaz de escolher, capaz de prefe- rir, de pesar, de comparar esta ou aquela solugio, de captar as possibilidades das possibilidades. © homem pode prever as conseqiiéncias de seus actos. Pode imaginar que se proceder assim, poderé suceder isto ou aquilo. ‘Tal acto poderé levar a tais ou quais conseqiiéncias. E porque pode julgar, pode comparar, pode medir, pode es- colher. Se 0 homem fésse apenas uma maquina, apenas um automato, que realiza os actos pela determinagéo de uma fOrga, no teria nogao do futuro. © ter nogao do futuro demonstra independéncia, capa- cidade de escolher no suceder que sobrevém. E por isso que o homem é um ser auténomo e conhece a liberdade. N&o podemos negé-lo, porque ela se verifica em cada um de nés. Temos um impulso para a pratica de um acto deter- minado. CURSO DE INTEGRACAO PESSOAL sr Queremos refletir sObre as conseqiléncias, ¢ a nossa ima- ginagio poese a trabalhar, revelandonos uma série de acontecimentos possiveis, que vamos snalisando racional- mente. Afinal, contrariando nosso impulso, vencendo nosso desejo, resolvemos néo fazer o que desejévamos. Negar ésse facto pratico que verificamos em nossa vida, seria negar praticamente também todo o poder da educa- cao. E ninguém pode negar a ago desta no proceder do homem. Até os animais, que julgamos autématos, podemos domesticé-los, modificar seus habitos, transformar seus gos- tos, darthes o poder de dominar impulsos e de nao reali- zar 0 que desejam. Estamos numa das épocas mais terriveis da histéria do homem. Apesar de téda a nossa grandeza, de todo o pro- gresso material que conquistamos, apesar de todo o desen- volvimento de nossa ciéncia, de nossa técnica, estamos, no entanto, num désses momentos cruciantes da vida humana, em que muitos homens estiio dispostos a perder a sua liber- dade. Nao so poucos, mas milhées e milhées de séres huma- nos que estao dispostos a vender a sua liberdade por um prato de lentilhas. Os problemas de ordem puramente material, a exigén- cia de satisfazer as necessidades imediatas, levam milhées de homens a se disporem a sacrificar a sua liberdade, para encher seus estémagos e vestir a sua nudez, como se o cami- nho dela fésse incompativel ao da solugio de seus proble- mas materiais. N&o s&0 poucos os que acreditam que sé podemos so- lucionar nossos magnos problemas econdmicos & custa da nossa liberdade ou, entao, nos contam a impiedosa mentira de que ela consiste apenas em ter o estOmago cheio e 0 cor- Po coberto. Nao; liberdade é muito mais. E é através da conquista da propria liberdade que podemos garantir melhor tudo is 248 MARIO FERREIRA DOS SANTOS so. O caminho da liberdade é 0 da prdtica da propria liber- dade. £ com a pratica da liberdade que formamos homens livres. Como poderds vencer se estés desde jd disposto a ceder a tua liberdade per um prato de lentilhas? Os que nao amam a liberdade nunca podem ser vitoriosos. E lembra- te: 0 caminho da vitdria é 0 caminho da liberdade, e 0 seu caminho ¢ 0 da pratica da propria liberdade. Pratica a liberdade, e respeita a dos outros, que respei- taréo a tua. Onde houver escravos, liberta-os. Onde hou- yer opressio, rebela-te. Luta pela liberdade de todos, e lutards pela tua propria. Nao podes ser livre onde h4 homens escravos. “Dai-me a liberdade ou daime a morte!” Que estas palavras de Patrick Henry sejam o teu lema na vida. A DIGNIDADE Podes perder até a tua ultima esperanga, mas nunca de- ‘ves perder a tua dignidade. Assistimos, no mundo de hoje, a um dos mais dramé- ticos instantes da vida humana. Apesar de todo 0 nosso progresso material, apesar de téda a nossa civilizagio, do grande desenvolvimento de nosso saber, de nossa industria, da técnica, 0 homem, ésse ser para quem tudo isso é feito, e que tudo isso faz, vale tanto ou menos do que valia um ca- fre na época da escravatura, do que valia um escravo na 6poca romana. ‘© homem aumentou o seu poder de deminar o mundo, mas diminuiu em seu valor, em sua dignidade. O homem no vale nada para o homem; a vida humana é de pouca CURSO DE INTEGRACAO PESSOAL 249 valia, Pée-se em jogo a vida de milhdes, como sempre se fz. Hé falsificadores hoje mais do que nunca; hé explora: dores da miséria humana mais do que nunca, e a vida de ‘um ser humano vale menos em média que a de um animal, ‘um boi, um cavalo e até de um cAo. Apesar das grandes obras realizadas, do desenvolvimen- to da higiene, da construgéo de grandes hospitais, apesar, em suma, de todo o esférgo da ciéncia, o homem continua nao valendo nada. Léem‘se as noticias de dezenas de pessoas que morre- ram num desastre com uma insensibilidade que espanta. Muitos passam os olhos pelas paginas de jornais que descre- vem os grandes acidentes em que se perdem vidas huma- nas, com enfado até. Nao é isso sintomético? Serd que tudo isso deve suceder s6 porque sucede. Seré que deve ser assim porque sucede assim? Medita sobre essa maquina imensa que consome vidas, que é a civilizagao, observa essa pavorosa desvalorizagiio do homem, a que hoje assistimos, Ninguém ird dizer que de- vamos chorar tédas as légrimas. ‘A compaixdo esta desterrada de entre os homens. Mas, se a compaixao esté desterrada 6 porque algo possui ela que no se coaduna mais com a nossa vida. Se a compaixio nao pede mais resolver ésse gravissimo problema, que 6 a desvalorizagio do homem, muito menos © resolver a nossa indiferenca. E além disso, precisamos dizer de uma vez: nao serés um vitorioso no sentido pleno da palavra, se nao compreen- deres que vales alguma coisa, que és uma vida que tem valor. © homem tem uma dignidade que deve ser apreciada, que é 0 seu bem maior, o verdadeiro bem. Repetimos: 6 a dignidade o maior bem que 0 homem possui. A dignidade é o valor, e ésse valor deve ser alimen- tade por ti, continuamente. 250 MARIO FERREIRA DOS SANTOS Deves valorar-te e valorizar-te, nao artificialmente, mas real e humanamente, seguindo as normas mais justas. Se a intensidade da vida de hoje faz passar despercebido ésse valor, todos devemos lutar por revigorélo, por torné-lo maior. Respeita a dignidade de teu semelhante para que tam- bém sejas respeitado. Nao julgues que o homem mais for- te em personalidade é o que se afasta dos outros, o que des- preza Os outros. A humanidade de hoje falta a realizagdo de uma grande cbra, Assim como ela aleangou um grau téo elevado na ciéncia, na técnica, ela deve elevar o homem em dignidade. Quando sentires isso em ti, te elevarés a ti mesmo em dignidade. A tua dignidade consiste também na dignidade de teu semelhante. Respeita-a, valoriza.a, e te sentirds, desde ésse instante, mais poderoso e mais forte. Um homem de dignidade conhece vitdrias, e para éle uma derrota é mais facilmente superdvel do que a daquele que nfo sente nem em si mesmo, nem nos cutros, o verda- deiro valor que tém. 252 MARIO FERREIRA DOS SANTOS Porque nao lutas contra elas. No precisas. A luta ainda seria serviddo. E tu, nesses instantes supremos, és liberdade. © homem pode ser espectador de si mesmo, espectador de sua limitagao, espectador de suas fraquezas. E quando atinge ésse estado supremo, sente-se livre, Vejo meu corpo sofrer, observo-c, e 0 meu sofrimento subitamente diminui. Vejo minha alma abismar-se em tristeza, examino-a, sibitamente menores s&o as trevas e um pouco de luz cres- ce dentro de mim até avassalar-me totalmente. ‘Faze essas experiéncias e ters o caminho da tua liber- dade. Nao as poderds fazer sem antes percorreres os cami- nhos que indicamos neste livro. Mas se fres fiel aos teus exercicios, se te encheres de 1 e confianga em ti mesmo, quem te impediré de seres li- vre? Construiste a tua liberdade. Criastea do nada? Nao, absolutamente nio. Ela jé estava em ti, latente, esperando apenas que desses 0 teu grande passo. E ésse passo era encontréla dentro de ti, luminosa e fiel, grande e amiga, para te servir de guia a novos cami- nhos superiores. E chegado aqui, j4 nao precisas mais de mim. Jé tens em ti mesmo a tua companhia, # amavel e bela, sublime, de radiante beleza: a tua liberdade. Ela é Deus que fala em ti. Segue-a.

Das könnte Ihnen auch gefallen