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Introdução
É actualmente comum a afirmação de que a gravidez não é um estado patológico e,
como tal, não deve ser olhada sob o prisma da debilidade ou da doença. É,
contudo, uma fase em que a mulher está sob stress, quer psicológico, quer
fisiológico e anatómico (Sternfeld, 1997). O exercício físico associado à gravidez
constitui um stress duplo, levando as futuras mães a questionar, seriamente, o
envolvimento em actividades físicas ou a continuidade do trabalho até aí efectuado.
Diz a ancestral tradição que a grávida deve descansar muito (Mullinax e Dale,
1986) e comer bem. O exercício parece ser considerado, por muitas mulheres das
mais variadas idades, com muitas reticências, uma vez que os seus efeitos
benéficos ou malefícios ainda não são plenamente conhecidos, e se há estudos
científicos favoráveis à sua prática (Clapp e Little, 1995; Márquez-Sterling et al.,
2000), também os há desfavoráveis (Webb et al., 1994). Por outro lado, o
conhecimento é resultante, muitas vezes, decorrente da leitura de revistas de caríz
não científico (Mullinax e Dale, 1986).
Apesar da nossa herança cultural indiciar que a melhor cultura física durante a
gravidez é o sedentarismo, actualmente, a possibilidade de ocorrerem, no pós-
parto, aumentos marcantes do peso corporal e do volume de determinadas regiões,
como as ancas e a barriga, aterroriza a maioria das mulheres e impele-as para a
prática de actividade física, acreditando que o exercício realizado durante o período
de gravidez minimiza o natural decréscimo de forma observado após o nascimento
da criança. Este facto ainda não foi, contudo, comprovado pela ciência (South-Paul
et al., 1992).
A opinião da obstetrícia em relação à manutenção de um estilo de vida fisicamente
activo durante a gravidez ainda é algo pouco definido. Alguns obstetras parecem
ter, ainda, posições um pouco radicais em relação ao exercício, desaconselhando-o
durante este período, enquanto outros são completamente liberais, deixando a
decisão a cargo da mulher. Tal facto prende-se com o parco conhecimento
existente relativo aos mecanismos de protecção do feto durante a prática de
actividade física (Sternfeld, 1997).
Pretendemos, com este estudo, conhecer as opiniões de diferentes grupos de
indivíduos no que respeita à prática de actividade física durante a gravidez,
nomeadamente: i) distinguir as opiniões de grupos de médicos com e sem
especialidade em obstetrícia; ii) distinguir as opiniões de grupos de médicos
obstetras, grávidas e profissionais de fitness; iii) distinguir as opiniões de mulheres
e homens pertencentes à mesma geração; iv) distinguir as opiniões de sujeitos,
homens e mulheres, pertencentes a gerações diferentes.
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Metodologia
A amostra do nosso estudo foi constituída por um total de 80 indivíduos, divididos
equitativamente em oito grupos distintos: médicos não obstetras (MNO), médicos
obstetras (MO), profissionais de fitness (PF), grávidas (G), mulheres com menos de
40 anos (M-40), mulheres com mais de 40 anos (M+40), homens com menos de 40
anos (H-40) e homens com mais de 40 anos (H+40).
Cada indivíduo respondeu a um questionário constituído por três questões abertas
(manifestação contra ou a favor da prática de actividade física durante a gravidez,
relação de cuidados a ter com a prática de actividade física durante a gravidez e
outras opiniões relativas ao tema) e uma questão fechada, com sete itens de opção
de resposta relativos à concordância com a prática de actividade física durante a
gravidez. Dois dos itens desta questão, quando assinalados, solicitavam duas novas
respostas abertas (exemplos de factores de risco inibidores da prática de actividade
física durante a gravidez e exemplos de actividades físicas cuja prática é
aconselhada e desaconselhada durante a gravidez).
A partir da análise do conteúdo das respostas abertas foram constituídas várias
categorias de resposta e assinaladas as respectivas frequências absolutas, para
cada um dos oito grupos de indivíduos. As frequências absolutas foram também
assinaladas, para cada grupo, para a questão fechada.
Foram realizadas comparações entre grupos de médicos não obstetras e médicos
obstetras, médicos obstetras, grávidas e profissionais de fitness, mulheres e
homens por categoria de idade (menos e mais de 40 anos) e indivíduos
pertencentes a gerações diferentes (com menos e com mais de 40 anos).
Resultados
O gráfico da Fig. 1 expressa a concordância de cada grupo de sujeitos estudado
com a prática de actividade física durante a gravidez. Do total dos 80 indivíduos
questionados, apenas 1, com mais de 40 anos de idade, manifestou uma opinião
distinta e não totalmente favorável.
Figura 1 – Frequências absolutas, por grupo de indivíduos, das respostas relativas à questão “O que
pensa da prática de actividade física durante a gravidez?”.
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Favor Contra Favor em alguns casos
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era total e incondicional, ou se estaria dependente de factores relacionados, quer
com o estado de gravidez, quer com o tipo de prática física a realizar pela grávida.
Figura 2 – Frequências absolutas, por grupo de indivíduos, das respostas relativas à questão “Concorda
com a prática de actividade física durante a gravidez?”.
Enquadrament o da opinião
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0
a b c d e f g
Legenda: a – Sim incondicionalmente; b - Sim, se não existirem factores de risco associados à gravidez;
c - Sim, se a grávida já for praticante regular de actividade física; d - Não, se a grávida quiser iniciar um
programa de exercício depois de saber que está grávida; e - Sim, mas depende da actividade que quer
praticar; f - Sim, mas só se for uma actividade aquática (hidroginástica ou natação); g - Não,
incondicionalmente.
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elevada diversidade de factores apontados, o que revela falta de homogeneidade
nas respostas dos diferentes grupos.
Figura 3 – Frequências absolutas, por grupo de indivíduos, das respostas relativas à questão “Refira
exemplos de factores de risco inibidores da prática de actividade física.”
Fact or es de r i sco
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Figura 4 – Frequências absolutas, por grupo de indivíduos, das respostas relativas à questão “Refira
exemplos de modalidades aconselhadas e desaconselhadas.”
a) Modald
i ades aconselhadas
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b) M odald
i ades desacon selhads
a b c d e f
M NO MO PF G M-40 H- 4 0 M +4 0 H+4 0
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violência ou exigência física. As grávidas revelaram índices muito baixos de
resposta, quer para as modalidades aconselhadas, quer para as desaconselhadas.
H-40, M-40, H+40 e M+40 revelaram frequências de resposta a esta questão
praticamente irrelevantes, excepção feita apenas pelo notório aconselhamento da
natação e da hidroginástica pelo grupo das M+40. Salvo nesta questão, não se
notou qualquer diferença de opinião entre as duas gerações dos sujeitos da nossa
amostra.
A Fig. 5 mostra as diferentes categorias de cuidados que foram apontadas pelos
diferentes grupos constituintes da amostra em estudo. Mais uma vez se notou
elevada heterogeneidade nas respostas dos diferentes sujeitos questionados. O
factor de maior cuidado apontado foi a escolha de actividades de baixo impacto,
moderadas e sem muito esforço, evitando fadiga excessiva ou exaustão.
Figura 5 – Frequências absolutas, por grupo de indivíduos, das respostas relativas à questão “Há algum
tipo de cuidado que deva rodear a prática de actividade física durante a gravidez?”
Cui dados
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a b c d e f g h i j l m n
MNO apontaram como cuidado também a ter, a escolha de exercícios que não
comportem risco de traumatismo abdominal ou quedas, sobrecargas da região
lombar e barriga e movimentos rápidos e inversões.
As respostas mais diferenciadas entre MO, G e PF referiram-se aos cuidados que os
PF revelaram que se deve ter com exercícios comportem risco de traumatismo
abdominal ou quedas, sobrecargas da região lombar e barriga e movimentos
rápidos e inversões e mostraram também interesse por cuidados respeitantes ao
planeamento do exercício, como o controlo da intensidade a monitorização das
frequências cardíaca e respiratória e a limitação da amplitude do exercício.
Homens e mulheres com menos de 40 anos não divergiram muito nas suas
opiniões, salvo na maior preocupação das M-40 com a necessidade de orientação
da actividade ser feita por um profissional licenciado em Ciências do Desporto.
H+40 anos e M+40 anos apontaram um menor número de cuidados relativamente
à prática de actividade física durante a gravidez. Salientou-se a baixa preocupação
dos H+40 anos com exercícios moderados, não condutores a estados de exaustão,
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e a sua maior preocupação com a orientação da actividade por um profissional
licenciado em Ciências do Desporto.
As respostas apontadas pelas duas gerações de sujeitos estudados, relativamente
aos cuidados que devem rodear a prática de actividade física durante a gravidez,
não revelaram diferenças notórias. Salvaguarde-se, apenas a menor preocupação
que os mais velhos mostraram com actividades que requerem menor esforço,
comparativamente com o grupo de sujeitos com menos de 40 anos.
A Fig. 6 mostra as categorias de resposta referentes a outras opiniões que os
questionados manifestaram. As opiniões de que a prática de actividade física ajuda
na preparação para o parto, no momento do parto e no pós-parto e que tem
influência positiva no bem-estar da mãe e da criança foram as mais referidas,
considerando a totalidade dos indivíduos questionados.
Figura 6 – Frequências absolutas, por grupo de indivíduos, das respostas relativas à questão “Tem
qualquer outra opinião relativa ao tema em questão?”
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a b c d e f g h i j l m n o p
Legenda: a - Bom para preparar o parto ou no momento do parto e ajuda na recuperação pós-parto; b -
Falta de informação do pessoal de saúdes, grávidas e profissionais de Ciências do Desporto; c -
Necessidade de obstetras e profissionais de Ciências do Desporto estarem bem informados; d - Falta de
programas próprios; e - "Uns passeios chegam e sobram"; f - Praticar durante os 8 primeiros meses; g -
Bom para a saúde da mãe e da criança e para o bem estar físico e/ou psíquico da grávida; h – A
actividade física previne diabetes e/ou obesidade e ajuda a controlar/suportar o aumento de peso; i -
Devia existir ginástica nos hospitais, toda a grávida devia estar sensibilizada e a prática deve ser cada
vez mais incentivada e proporcionada; j - Há maior risco por alteração da posição do centro de
gravidade e laxidez articular; l - Útil para manter a qualidade de vida, a forma física e desempenho nas
actividades do dia-a-dia; m - Deve ser aliada a uma boa alimentação; n - Quem for praticante deve
continuar; o – A actividade física só necessária para grávidas que não trabalham; p - Ajuda a nível
respiratório e previne dores nas costas.
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caso das Ciências do Desporto, demonstra incapacidade de aplicação de exercício
adequado.
Foi particularmente interessante notar que a classe médica foi mais concreta no
aconselhamento de modalidades a praticar e a não praticar durante a gravidez,
comparativamente com os profissionais de Ciências do desporto, dado que
esperaríamos exactamente o contrário.
O aconselhamento da prática da natação e da hidroginástica durante a gravidez,
por muitos dos questionados, já não foi tão surpreendente, porque parece ser ainda
tradição, pelo menos em Portugal, considerar a natação como o “desporto mais
completo”. Se a geração mais velha ainda aponta muito exclusivamente neste
sentido, os restantes grupos parecem considerar uma oferta de actividades mais
diversificada, o que é particularmente importante porque a natação só é uma opção
para grávidas que sabem nadar, que têm uma boa capacidade de nado, e que
gostam de nadar. Ao nível das modalidades desaconselhadas, surgiram, com lógica,
aquelas em que a probabilidade da ocorrência de acidentes é maior. A referência a
algumas ginásticas de academia foi também notória e é preocupante, uma vez que
as academias de ginástica são a opção mais viável para o indivíduo comum. O
termo ginástica apareceu associado às academias como apenas ginástica, ginástica
aeróbica e ginástica de manutenção, o que revela algum desconhecimento em
relação ao trabalho físico que está subjacente a cada uma destas designações.
Qualquer ginástica pode ser realizada por uma grávida, desde que contemplados os
princípios de trabalho existentes para este tipo de população.
A grande diversidade de respostas observadas quando se fala de factores de risco
revela, uma vez mais, a inexistência de um corpo de conhecimentos comum entre
os diferentes grupos de questionados. A própria medicina aponta factores
diferentes, quando comparados médicos com e sem especialidade obstétrica.
Alguns dos profissionais de fitness questionados revelaram uma ignorância
preocupante em relação a este assunto. Uns mostraram preocupação irrelevante
com quadros de pré-eclâmpsia ou eclâmpsia, porque grávidas com este tipo de
patologia jamais se envolverão em actividades físicas. Outros apontam factores
muito indiferenciados, reunidos sob a designação de mau estar físico ou psíquico da
grávida, onde se enquadram enjôos e indisposições, por exemplo. Alguma literatura
já revela items específicos relacionados com a saúde e o bem-estar (Márquez-
Sterling et al., 2000), mas parece ainda não ter chegado ao domínio público.
Relativamente aos cuidados a ter com a prática de actividade física durante a
gravidez, a diversidade de respostas foi ainda maior do que a observada para os
factores de risco. Tal diversidade não ajuda nada na decisão da própria grávida pela
prática ou pelo sedentarismo. Pelo elevado número de referências à necessidade de
poupar a grávida a esforços exagerados e à fadiga pudemos observar como é ainda
notória a tendência ancestral de considerar o estado de gravidez com um estado de
estrema fragilidade, o que também não abona a favor da actividade física, na hora
da decisão. Foi interessante notar, a este nível, a diferença entre a geração mais
jovem e mais velha, esta última ainda mais conservadora relativamente a este
cuidado em particular. Alguns médicos e profissionais de fitness parecem, também
ao nível dos cuidados, estar preocupados com a região abdominal da grávida.
Sabemos que alguns profissionais, de ambas as áreas, não permitem o trabalho do
músculo abdominal, com receio do aumento da pressão intra-abdominal, o que é
particularmente estranho, dado que este é um músculo que poderá ter, em caso de
parto normal, uma função primordial. Aliás, esta preocupação parece não ter
fundamento se pensarmos que a carga tensional provocada pelo vómito ou pela
defecação é muito maior do que a desencadeada por uma contração controlada do
músculo abdominal. Foi também curioso notar o aparecimento de registos
referentes à inibição do uso de piscinas pelo perigo da contracção de infecções,
particularmente quando as actividades aquáticas foram as mais aconselhadas. Isto
denota o desconhecimento relativo à possibilidade de uso de fármacos protectores.
Quando analisamos os resultados referentes a outras opiniões manifestadas pelos
questionados em relação à realização de actividade física durante a gravidez
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pudemos notar algumas afirmações particularmente interessantes. A referência de
que a prática é favorável ao decurso e término da gravidez e no pós-parto e que é
favorável à saúde e bem estar da mãe e da criança foi particularmente evidente,
mostrando, inclusivamente, alguma incoerência nas respostas, quando
consideradas as referências aos cuidados a ter com esta mesma prática.
Observamos, também, referências à falta de informação de médicos, profissionais
de ciências do desporto e das próprias grávidas, o que vai um pouco de encontro
aos nossos resultados, na medida em que encontramos uma elevada diversidade de
opiniões entre a totalidade dos questionados e algumas opiniões reveladoras desse
mesmo desconhecimento. Citamos, a título de exemplo, as opiniões de um médico,
que refere que para uma grávida “uns passeios chegam e sobram”, a de um
indivíduo com mais de 40 anos, que afirma que “a actividade física só é necessária
para grávidas sedentárias [que não trabalham]“e a de um profissional de fitness,
que afirma que “há falta de programas próprios”.
Conclusões
Não observamos discordância com a prática de actividade física durante a gravidez,
manifestada pela totalidade dos questionados;
Parece faltar de um corpo de conhecimentos comum, partilhado por médicos,
particularmente os da especialidade, e por profissionais das Ciências do desporto.
As actividades aquáticas parecem ser, de entre outras opções, aquelas cuja prática
é mais aconselhada durante a gravidez. Parece existir desconhecimento relativo ao
tipo de trabalho que está associado à actividade ginástica.
O número de factores de risco associados à prática de actividade física durante a
gravidez, apontado por cada grupo questionado, foi muito elevado e diversificado.
As manifestações de cuidados a ter com a prática de actividade física durante a
gravidez foram numerosas. Foram particularmente notórias as referências aos
cuidados com a carga de esforço, o que parece reforçar a crença ancestral de que a
grávida deve descansar muito, e aos cuidados com a zona abdominal, o que parece
revelar o receio de mexer com a zona onde o bebé se encontra implantado.
A comparação das respostas de homens e mulheres e de gerações distintas, não
revelou, salvo escassas excepções, grandes diferenças entre os grupos.
A análise de outras opiniões referentes a este assunto permitiu consubstanciar os
resultados no tocante à provável falta de informação partilhada pelos diferentes
grupos de indivíduos questionados.
Bibliografia
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