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Como dizia a canção de Dorival Caymmi, a lagoa cercada de areia branca tinha

um encanto. Para os índios, as águas escuras nasceram do choro de Iracema que se


apaixonou pelo jovem Abaeté. Tempos depois, quando a aldeia já era uma vila de
pescadores, os nativos, descendentes de escravos, diziam que naquelas águas nasciam
redemoinhos que engoliam os curiosos, principalmente crianças desobedientes, que nela
ousavam mergulhar. E há quem diga que a noite se ouve som de batuques saindo da
lagoa.
Sem dúvida, há uma magia no Abaeté... Eu mesma fui atingida por ela. Estava,
em São Paulo, participando de um bate-papo sobre narrativas de histórias de vidas e o
poder profético das memórias, na Casa das Rosas, quando chegou, por um acaso, a
escritora Eliana Mara. Como mensageira de um feitiço, ela falou das ex-lavadeiras do
Abaeté que perpetuavam suas tradicões por meio de cantigas de roda.
Uma visão de senhoras negras, com vestidos de chita rodados, me tirou por alguns
segundos daquele lugar. Em minha mente, elas entoavam cânticos sobre suas dores e
alegrias, ao remelexo do ensaboar e torcer de roupas à beira de uma lagoa. Seriam elas
reais? Não teve jeito: tive que ir lá conhecê-las e mergulhar na magia do Abaeté.
Encontro com o índio
O sol em Itapuã ardia em 35 graus. Naquela tarde, meus olhos buscavam dunas e
areia branca, mas só via ruas asfaltadas, casas e comércios. Em poucos minutos cheguei
ao Parque Metropolitano do Abaeté. À esquerda, lá estava a Casa da Música rodeada de
verde. Dunas alvíssimas ao fundo se confundiam com o branco das nuvens. À beira da
lagoa, cavalos descansavam sem pressa e crianças corriam na areia. Da varanda da Casa
da Música se avistava um belo e silencioso espetáculo: como teclas negras de um piano,
a água escura lambia suave a areia branca.
Um “rapaz” de meia idade, com jeito de índio e um sereno sorriso baiano, veio me dar
as boa vindas. Era Amadeu Alves, coordenador da Casa da Música, um nativo que
cresceu nas areias de Itapuã, correndo livre com outros filhos de pescadores. O gosto
por andar no mato, ver a lua na beira da lagoa ele não perdeu. Até hoje faz “programa
de índio”, no bom sentido, promovendo uma caminhada por trilhas de Itapuã a
Arembepe.
Durante a infância e juventude, Amadeu viu a antiga vila de pescador se
transformar. Condomínios, comércio, casas e mais casas. No fim dos anos 1970, o
primeiro grande mercado da região se instalou bem ao lado da sua casa.
Três décadas de invasões, urbanização desenfreada, poluição das águas, destruição da
vegetação nativa e das dunas. A lagoa, que no imaginário popular engolia homens, aos
poucos era engolida. O Véu de Noiva (duna que se cobria de água entre abril e julho)
não existe mais. Sete, das doze lagoas da região desapareceram, entre elas a famosa
Dois Dois.
Nessa época, Amadeu percorria a Amazônia, num trabalho de resgate cultural de tribos
indígenas. Aos 19 anos, voltou a Itapuã para ver o filho recém-nascido, Marcus
Vinícius, e de lá nao saiu mais. Engajou-se na proteção ambiental e organizou a Agenda
21 da localidade.
A Lagoa e as Dunas tornaram-se Área de Proteção Ambiental em 1992 e, no ano
seguinte, foi inaugurado Parque Metropolitano do Abaeté, como espaço cultural e de
preservação da natureza.
Amadeu percebeu que outro bem, tão valioso quanto os recursos naturais, estava sendo
ameaçado: as tradições e memórias do povoado. Seduzido pela melodiosa labuta e
sabedoria das lavadeiras e pescadores da vila, o músico teve a ideia de criar um coral de
pescadores e lavadeiras do Abaeté, para resgatar as tradicões daquela gente.
O primeiro passo foi saber a opinião dos antigos moradores sobre as transformacões
ocorridas na região. Uma das senhoras ouvidas foi dona Nicinha, que compôs “Passado
e presente”, música em que narra sua forte ligação com o bairro:

Desde o tempo de criança... Eu veraneava em Itapuã


Hoje moro nessa terra... Entrego a Deus o amanhã...

Templo do Samba
Era noite de Santo Rei, quando assisti pela primeira vez a uma apresentação das Ganhadeiras de Itapuã.
O local do ensaio era o Senzala do Samba, ao lado Praca Dorival Caymmi, espaço cedido por um
morador do bairro, Toinho, que também forneceu microfones e outros equipamentos.
A antiga casa de frente para o mar é hoje separada da praia pela avenida da Orla e as janelas em arcos
voltadas para a praça Dorival Caymmi estão cobertas de grades, por questão de segurança. Mas, nem
sempre foi assim. Como tantas outras, ela é mais uma casa de veraneio do bairro, construída pelo pai de
Ana Maria, presidente das Ganhadeiras de Itapuã, em um tempo em que óleo de baleia fazia parte da
argamassa das construções. Até a década de 1930, antes de ser proibida caça, toda a vila participava da
extração e armazenamento do óleo nos galpões chamados mercados. Boa parte das casas era de taipa
coberta de palha e chao de areia.
– Depois foram colocando telha, tijolos e aí foi melhorando – explica Ana Maria, gesticulando uns dos
braços enquanto o outro segurava com forca a saia rodada e florida.
Dentro da casa tudo era bem simples: cadeiras de plásticos compunham a platéia; o pequeno palco no
fundo, ladeado por duas caixas de som colocadas sobre caixas de cerveja; no teto, um globo de discoteca
destoava das enormes folhas de palha trançada, que ornavam a parede. Uma fina camada de areia
cobria o chão de ladrilhos de minúsculos losangos vermelho e branco.
O cheiro de abandono se dissipou assim que entraram as cantoras e os músicos. Ao simples toque de
pandeiros, o ambiente ganhou vida. Senhoras, com idade média de 70 anos, se posicionam no palco,
mas coube à nova geracao de Ganhadeiras, crianças entre nove e dez anos de idade, o primeiro show:

Papai era pescador, mamae lavadeira


eu ganhava meus trocados vendendo beijú na feira
Assim que papai dizia amanhã nao vou pescar
Pois é 2 de fevereiro... Vai haver festa no mar
Vou levar os meus presentes.
Bem cedinho quero chegar
Para ser um dos primeiros a saudar Iemanjá
Papai era pescador, mamae lavadeira...
A música, que fala da infância de “seu” Reginaldo, antigo morador de Itapuã é a história de muitos
meninos e meninas que cresceram em bairro.

Encontro com a Mestra


A estatura pequena não engana. O olhar festeiro, a fala rápida e uma leve inclinação nos quadris
enquanto fala e gesticula, denota seu espírito de lideranca. Ana Maria tem a elegancia de uma rainha e a
sapiência de uma professora. O turbante simples, que esconde os seus 68 anos, emoldura o rosto
reluzente. A pele negra e realça os olhos vivos de meina e o belo sorriso.
Ela é quem detém boa parte do histórico do povoado. Seu conhecimento, nao é apenas dos inúmeros
livros que leu sobre as ganhadeiras e a escravatura, mas permeia a memória de sua infância e o orgulho
de ter sido uma lavadeira do Abaeté, como sua mãe, dona Petú, e outras companheiras do grupo.
– Aqui as pessoas nao sabiam o que é ganhadeira, pensavam que era mulher prostituta... Aí eu estudei e
aprendi o que era o sistema do ganho, né? Era o trabalho das mulheres negras, as escravas e as libertas,
que trabalhavam para o ganho.
Didaticamente, Ana Maria me dava uma aula de história, com firmeza e convicção:
– Tem a Ganhadeira Mercandeja, que mercava com tabuleiro na cabeça, cantando e vendendo; tinha as
Ganhadeiras Lavadeiras, que lavava roupa de ganho, entendeu? E tem a Aguadeira, que carregava água
para os veranistas. Eu carreguei muita água para os veranistas. Era o trabalho nosso que tinha aqui.
A maioria das mulheres do bairro lavava a roupa nas várias fontes da região: Penedo, Olhos d’água,
Fonte Grande, Comunidade da Telha, Cacimba, Fontinha, Fonte do Dendé. Mas, o Abaeté era “a
maezona”, como diz Ana Maria:
– A gente lavava roupa para as casas de veraneio. Eles traziam aquelas trouxas, tinha roupa para
engomar, para lavar. E a gente passava com aquele ferro de carvão. Vinha aquelas trouxas enormes,
aquelas roupas gomadas de linho. Vixi Maria, a gente tinha que usar bico do ferro para abrir aquelas
costuras.
O trabalho era pesado e braçal, mas quem dava o preço do servico era o cliente. Ana Maria conta que,
um dia, pegou pra lavar uma colcha de chenile. Era tão grande que teve que pedir ajuda para outras
lavadeiras para tirar “aquele peso danado” da água.
O dia a dia das mulheres era na Lagoa. Saiam logo cedo, às vezes com filhos pequenos no colo e a
trouxa de roupa na cabeça. Lá passavam o dia lavando, carregando água, cantando, comendo,
brincando, contando as novidades do marido. Voltavam pra casa no fim da tarde com a roupa toda limpa
e dobrada.
E assim eram criadam as meninas. Com uma voz afinada e escondendo a timidez e o sorriso, Ana Maria
canta uma de suas composições:
Me criei na areia, me criei na areia.
Eu brinquei na areia, areia de Itapuã
Eu lavando a minha roupa na Lagoa do Abaeté.
Eu lavando a minha roupa no Abaeté.
E vou indo com muita fé.

As crianças da vila ajudavam os pais no sustento da família. Era na beira da Lagoa, enquanto a roupa
secava, que Ana Maria, muitas vezes, fazia o dever do colégio. Assim, concluiu o curso técnico de
veterinária e depois foi trabalhar na Universidade Federal da Bahia (UFBA), onde se aposentou.
Hoje, ela e outras integrantes do Ganhadeiras de Itapuã são convidadas a passar sua experiencia de vida
aos alunos de escolas públicas e até universidades. Nesses encontros elas contam sobre suas
experiências. Tinham, por exemplo, o hábito de se reunir na casa de um dos moradores e encenar como
eram feitas as coisas no passado. Também tinha a Mestre e o Mestre, alguém mais velho que ensinava
as criancas algum ofício, como costurar, marcenaria, etc.
– Pra agradar a Mestre a gente busca as coisas pra ela. Mas não era pagamento... Aqui ninguém pagava
mesmo, era só um agrado. Eu sempre aprendi com meus pais que favor não se paga.
Certa vez um diretor da UFBA pediu para Ana Maria um favor: arrumar o laboratório nas horas vagas. No
final do dia ele foi entregar um envelope com dinheiro, mas Ana Maria não aceitou.
– Eu disse a ele que favor não se paga. Ele ficou me olhando incrédulo rodando a cadeira giratória. Pois
é, ele quis me comprar e ninguém me compra. E quando é pra pagar, que me paga.

Encontro com Petú


Chegar a casa de dona Petú foi fácil. “Atrás da Igreja, depois da amendoeira, número 12”, simples e
certeira era a indicação de Ana Maria. A casa era grande e arejada. Enquanto eu aguardava na sala, Ana
Maria cuidava da mãe no quarto. Logo chegou as cantoras Raimunda e Nicinha e fomos cumprimentar
dona Petú.
No quarto, a rainha-mãe estava aninhada na cama. O rosto pequeno e ressequido fazia parecer frágil e
pequena. Os olhos cegos tinham a mesma vivacidade e brilho dos da filha. Moradora de Itapuã há quase
70 anos, dona Petú foi lavadeira, mercandeja, cuidou de onze filhos seus e muitos dos outros, todos com
muita força e alegria. Hoje, aos 92 anos, ela nao dança mais e só vê a bela paisagem de Itapuã em seus
lampejos de memórias.
Com uma voz rouca, que preencheu todo o quarto, Petú cantou pra mim uma canção de despedida,
daquelas que dá vontade de ficar mais perto:

Até breve eu respondi


Quase sem poder falar
E depois de até breve
Onde o tempo já passou
Até breve... Até breve
Voce nunca mais...
Lavando no Abaeté

– Hoje estou com a voz horrííível – interrompe pigarreando


... você nunca mais voltou ao nosso lar
Deixando a saudade em seu lugar
Meu amor, nosso amor, já tinha raiz
E sem você eu nunca mais serei feliz!

– Mãe! Mãe! Acho que ela quer que a senhora canta: “ele é moreninho! Ele é moreninho assim!” – pede
Ana Maria
– Ah! Engraçado né?
– Aquela que eu gosto, mãe!
– A minha voz hoje está horrível!
– Ta nada! – retruca a amiga Raimunda que está sentada na ponta da cama.
– Aquela que a senhora canta pra Doutor Orlando – insiste Ana Maria.
Música é o remédio para Petú. Cantando, sua fisionomia se altera, e ela se transporta para os tempos de
sua juventude, quando morava em Portão e recebia as visitas de Manoel Victório, seu namorado, vindo
de Itapuã a cavalo. Quando se casou, aos 24 anos, Petú veio morar em Itapuã, onde criou toda a sua
família
– Eu tive muito fio, moça! Onze nasceram vivos. E ainda estão vivos! Dois natimorto e dois aborto!
Manoel Victório era pedreiro e tinha um barquinho pra pescar. Para ajudar no sustento da família, Petú
lavava roupa no Abaeté e em outras fontes da região. E ainda vendia cocada, mungunzá, pamonha,
amendoim torrado, moqueca de folha, peixe frito e azeite de dendê.
– Trabalhei muitcho, mia fia.
– Era uma união pra trabalhar! – completa Ana Maria – Aliás, as mulheres daqui de Itapuã trabalhavam
muitcho!
– Carregava lata d’água na cabeça, lembra? E as maes de família conversando nos caminhos, dando
risada, agarrando fruta – participa Raimunda.
– Voce lembra que ia um bocado de mulheres fazer licor de Cambuí pra Sao Joao, né? – relembra Ana
Maria – Criança, cachorro, ninguém bulia com ninguém. A gente via as cobras e elas entrava pro lado e
atravessava pra gente passar, né? Ninguém bulia, né? Até as cobras mesmo nao faziam mal a gente.
O perigo hoje é outro, indaga Ana Maria:
– Com a violência quem mais vai pra lagoa tomar banho? Quem vai mais lá? Nao é? Hoje em dia o que é
que tá acontecendo com os jovens, né? Tem muito problema de drogas! E são muitos assaltos!

Lavadeiras do Abaeté, Jener Augusto

Encontro com as estrelas


Eram como o sol e a lua. Nicinha, 73 anos, magra e elegante, andava lento, falava baixo e serenamente.
Já Raimunda, 78 anos, era serelepe e animada. Andava saltitando e rebolando, depois parava
reclamando uma “dorzinha nas cadeiras”. Na companhia delas fui conhecendo o labirinto de ruas estreitas
de Itapuã. Em algumas vielas não se via calçada: o asfalto ia de uma casa a outra.
O percurso da casa de dona Petú a de Ana Maria era curto. Mas, a caminhada era interrompida pra
esperar Nicinha, que vinha a passos curtos logo atrás, e Raimunda, que cumprimentava todos vizinhos
como se fossem da família. Eu olhava ao redor e me perguntava: “Como era possível que essas ruas um
dia já foram areia? Era o caminho que as mulheres do bairro percorriam para buscar água ou lavar roupas
no Abaeté. O amontoado de casas já foi, um dia, um extenso pomar nativo”.
– Tudo aqui era mato, tinha muita fruta. A gente ia buscar coco verde pra fazer brasa e cesta, a folha para
enrolar peixe... Fruta que a gente pegava, coco, mangaba. A gente entrava pelo Abaeté e saía lá na Praia
do Flamengo andando, só catando essas coisas – diz Nicinha.
Na sala de Ana Maria, Raimunda estava calada e um pouco triste ao lembrar do passado.
– Era uma das lavadeiras mais animadas, viu? Alegre a semana toda, parava de lavar e ia merendar –
comenta Ana Maria.
– Ói ela ficou emocionada. Nao vai chorar, hein? – pede Nicinha.
Raimunda ri, espantando a tristeza diz:
– Não, não. E a gente levava essas roupas todas numa trouxa, ou na bacia, ou num cesto. E ainda levava
comida pra comer. Quando terminava de lavar estendia na areia para quarar e depois estendia na areia
pra enxugar e enxaguava no Abaeté. E ainda ia passar a roupa e depois entregar aos outros.
– Segunda a tarde tava com a roupa toda enxuta né? Dobradinha na bacia. E cheirosa. A gente botava
patchuli para ficar cheirando – completa Ana Maria.
Hoje, ninguém mais lava roupa no Abaeté. Desde 1991 a prática foi proibida na Lagoa. No Parque do
Abaeté foi criada a Casa das Lavadeiras, uma espécie de lavanderia com vários tanques de cimento.
Nicinha, Ana Maria e Raimunda não vao lá. Preferem lavar em casa.
O trabalho atual delas é passar tudo o que aprenderam, ao longo de suas vidas, para as futuras
geracões, tanto nas escolas públicas, como nas apresentacões musicais do grupo Ganhadeiras de
Itapuã. O figurino das artistas é confeccionado por elas mesmas: saia de chita, batinha branca e
sapatilha.
– Tem o pano da Costa, sabe como é? – Ana Maria vai ao quarto e colocando o tecido sobre o ombro
explica – Para as africanas esse pano servia pra se agasalhar, né? Servia pra botar no chão pra sentar
também! Pra se enrolar, cobrir quando tava com frio. As crianças vestem a mesma roupa dos adultos. Os
turbantes e colares feitos com as sementes.
A partir desse ano, as cantoras principais do grupo são Nicinha, Raimunda, Jaci, Maria Tendó, Maria
Lucia e Raquel. As demais dançam e fazem o acompanhamento. O grupo das crianças, por enquanto, é
composto de quatro meninas e um menino. No total, com os músicos, o grupo perfaz um total de 40
pessoas.
Ulisses, marido de Ana Maria, que já teve carreira internacional como percussionista, quer trazer sua
experiência artística para o grupo. Ele explica que, até março deste ano, as Ganhadeiras farão ensaios de
porta fechada, sem cobrar entrada. Mas depois vão ensaiar e fazer show e cobrando portaria:
– Hoje, todas as entidades fazem isso. Ganhadeiras é uma entidade e tem que ganhar dinheiro
– É. Porque é difícil manter a roupa, né? Principalmente das crianças. Eu, muitas vezes, acabei
comprando do meu bolso, minha irmã também – explica Ana Maria.
O repertório das Ganhadeiras é invejável e extenso. São canções que elas compuseram ao longo da vida,
relembrando as belezas naturais, sua infância e a batalha diária.
– Essas mulheres cantam uma quantidade de samba de roda que “elas faz” tres horas de show sem
precisar de música de ninguém, só delas – comenta Ulisses.
Alguns músicos que acompanharam o grupo, segundo Ulisses, não entediam o propósito do trabalho e
nem que eles eram “empregados delas”:
– A gente pode até orientar em alguma coisa, mas só quem sabe o passado das Ganhadeiras e os
sofrimentos “das mulher é elas”! Eu já falei: sou escravo delas.
Ao me despedir das Ganhadeiras, decidi tirar uma foto. Elas pegaram as saias, os turbantes, os colares,
os panos da Costa e se vestiram. Cada uma pegou sua gamela feita de madeira, com cocos e peixes
feitos de papel machê e as flores secas. Posicionadas para as fotos, não se contentaram em apenas
pousar ou sorrir. Começaram a balangar os quadris e a cantar mais uma canção.
Foi nesse momento que eu compreendi que a magia de Itapuã e do Abaeté tem um ritmo e um som.
Talvez seja o som da “ponta da pedra” (Itapuã, em tupu-guarani) que, pelo que dizem, ronca... Para mim,
as Ganhadeiras de Itapuã traduzem o choro da sereia. Elas não apenas cantam o passado, mas
contagiam quem as ouve com seu otimismo teimoso. Com elas, aprendi que não basta apenas a água
mole bater em pedra dura. Tem que ecoar um som que guiará os que vem depois de nós.
Quem sabe Caymmi, Caetano e Vinicius também tenham entendido ou bebido desse mistério?

* Dulce Moraes - jornalista e pós-graduanda em Jornalismo Literário pela Academia Brasileira de


Jornalismo Literário (www.abjl.org.br), turma São Paulo 2009.

FONTE: www.textovivo.com.br/detalhe.php?conteudo=fl20100521181708&category=reportagem&lang=

Autor(a): Dulce Moraes

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