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CONTRABANDO

JUIZ FEDERAL: JORGE ANDRÉ DE CARVALHO MENDONÇA


AUTOR: MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL
RÉU: JOSÉ ÂNGELO DA MOTA ALVES

S E N T E N Ç A (TIPO D) n.º 0013.000/2016

PENAL. PROCESSUAL PENAL. CONTRABANDO. TIPICIDADE. ANTIJURIDICIDADE E


CULPABILIDADE COMPROVADAS DECRETO CONDENATÓRIO.
Agente que, de modo consciente e voluntário, no exercício de atividade comercial, adquire, mantém
em depósito e expõe à venda mercadoria importada proibida comete o crime de contrabando.

1. Relatório:

O MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL ofereceu denúncia de 113/114-v em desfavor


de JOSÉ ÂNGELO DA MOTA ALVES, já devidamente qualificado nos autos, em razão da prática
de conduta criminosa inicialmente tipificada no art. 334-A, § 1º, IV, do CPB. Aduziu o órgão
ministerial que o denunciado, de modo consciente e voluntário, no exercício de atividade comercial,
teria sido flagrado em posse de mercadoria proibida pela lei brasileira - 04 maços de cigarros, cujo
fabricante não fora identificado -, fato que amoldar-se-ia ao previsto no art. 334-A, § 1º, IV, do
CPB.

A denúncia foi recebida em 20/04/2015, mediante decisão de fls. 117/120. Resposta à


acusação apresentada às fls. 133/135.

Por não vislumbrar hipótese de absolvição sumária, este juízo, mediante despacho de
fls. 136/137, determinou a continuidade do feito.

A audiência de instrução e julgamento foi realizada, consoante se infere do termo de fls.


159/162, sendo o ato gravado na mídia de fls. 163. Na ocasião, foram ouvidas as testemunhas de
acusação (MARIA ALICE COELHO SILVA e GIOVANI TRAJANO SANTOS), bem como
realizado o interrogatório do acusado. Foi então oportunizado às partes requererem diligências.

Alegações finais apresentadas pela acusação às fls. 167/169-v, ocasião em que,


convencida das provas de autoria e materialidade delitiva, pugnou pela condenação.

A defesa, por sua vez, apresentou memoriais de alegações finais às fls. 172/178,
sustentando as teses de: 1) atipicidade da conduta em face da insignificância; 2) atipicidade da
conduta em virtude da irrelevância do fato penal; 3) configuração do erro de proibição; 4) fixação
da pena, no caso de condenação, abaixo do mínimo.

2. Fundamentação:

2.1. Preliminares:

Por antes, verifico a inexistência de questão preliminar, motivo pelo qual passo ao
exame do mérito.

2.2. Mérito:
2.2.1. Tipo penal denunciado:

Consoante já relatado, o órgão acusador imputou ao acusado o delito previsto no art.


334-A, § 1º, IV, do CPB.

Como se verifica da simples descrição factual contida na peça acusatória, os eventos


atribuídos ao denunciado, caso restem comprovados nestes autos, realmente se adequam ao delito
denunciado.

Enfim, não se encontra este juízo diante de caso que clame pela alteração da
capitulação inicialmente esposada, nos termos do permissivo contido no art. 383 do CPP1.

Portanto, a prova perseguida terá por norte a conduta descrita no art. 334-A, § 1º, IV, do
CPB.

2.2.2. Provas da materialidade e autoria delitivas:

A instrução probatória só veio a comprovar cabalmente a materialidade e autoria


delitivas, ou seja, que o denunciado, de fato, de modo consciente e voluntário, no exercício de
atividade comercial, tinha a posse de cigarros de origem estrangeira, cuja comercialização é
proibida no Brasil.

Nesse sentido, demonstrou o auto de prisão em flagrante de fls. 03/07; o laudo de


constatação de produtos derivados de tabaco de fls. 56/57; o auto de apresentação e apreensão de
fls. 58 e demais documentos colacionados nos autos do inquérito policial e do processo.

A prova testemunha, inclusive sob o crivo judicial (mídia de fls. 163), foi por demais
precisa ao apontar a responsabilidade do agente que, de modo consciente e voluntário, perpetrava o
contrabando nos moldes declinados, tendo sido, também, preso em flagrante por tal fato.

Nesse sentido, foi o depoimento de GIOVANI TRAJANO SANTOS, policial civil


responsável por dar voz de prisão ao acusado, que, ao ser indagado na condição de testemunha de
acusação, afirmou que:

* deu voz de prisão ao acusado em razão de ele ter seguido uma senhora;
* na ocasião, verificou que o réu portava uma sacola com cerca de dez maços de cigarros do
Paraguai;
* o denunciado comercializava cigarros no centro e em Camaragibe/PE;
* confirmou o que disse na ocasião da lavratura do flagrante.

Do mesmo modo, MARIA ALICE COELHO SILVA, ao ser questionada na condição


de testemunha de acusação, esclareceu que:

* costumava encontrar o denunciado no metrô;


* no dia do ocorrido, ambos desceram na mesma estação e o acusado entrou no mesmo ônibus que a
declarante;
* quando desceram do veículo, o acusado continuou a segui-la;
* ficou assustada e entrou numa residência pedindo ajuda;
* de lá, chamou a polícia;
* quando os policiais chegaram, o acusado estava em um bar próximo e foi preso na posse de vários
cigarros.
Enfim, como se infere, a prova testemunhal só veio a reforçar, de modo harmonioso,
preciso e preenchido de detalhes, os pormenores da empreitada ilícita.

Como se não bastassem as provas até então declinadas, o próprio réu, quanto
interrogado em juízo (mídia de fls. 163), confessou a prática, declinando todos os elementos
constitutivos do tipo, senão vejamos:

* é vendedor autônomo;
* vende queijo do reino, uísque e cigarros;
* vende como ambulante pela rua;
* tem segundo grau completo;
* é casado;
* tem dois filhos maiores de idade;
* vende cigarros, mas não sabia que "dava problema";
* estava no Mercado de São José comendo e bebendo uma cerveja;
* um cliente ligou pedindo que pegasse dois pacotes de US e dois de Meridian;
* disse a princípio que não poderia porque não tinha dinheiro;
* o cliente insistiu, dizendo que comprasse que ele pagaria;
* respondeu inicialmente que não compraria porque isso "dava problema";
* terminou comprando;
* quando entrou no metrô encontrou essa menina (MARIA ALICE COELHO SILVA) e, como
gostava dela, foi atrás;
* não sabia que o cigarro era irregular, já que todo mundo vende isso;
* disse ao cliente que "dava problema" em grande quantidade;
* comprou os cigarros no Mercado de São José;
* às vezes não encontra lá porque quando a Polícia Federal chega leva tudo;
* Meridian e US tem em todo canto, ambos são trazidos de fora do país;
* hoje só vende outras coisas e cigarros, apenas os nacionais;
* passou um ano preso no Anibal Bruno por ter seguido essa moça;
* os cigarros importados não são vendidos escondidos;
* quando foi preso, tinha quatro pacotes de cigarros importados, dois de US e dois de Meridian;
* havia comprado os maços no próprio dia em que foi preso;
* comprava e vendia cigarros, queijo do reino, dentre outras coisas;
* não sabia que esses cigarros importados eram proibidos;
* só comprou nesse dia, porque o cliente pediu e insistiu;
* disse inicialmente ao cliente que não podia comprar os cigarros porque "dava problema";
* sabia que não podia comprar, mas comprou.
Como se infere do próprio interrogatório do acusado, ele, de modo consciente e
voluntário, comprou para vender cigarros importados, cuja comercialização era proibida no Brasil,
nos exatos termos do art. 334, § 1º, IV, do CPB.

Enfim, a materialidade e autoria delitiva restaram estampadas não apenas da prova


testemunhal, mas também da documental.

2.2.3: Das Teses Defensivas:

O réu sabia, como ele mesmo declarou, que era ilícito o que fazia, tanto que, num
primeiro momento, negou-se a comprar - para o cliente que fez a "encomenda" -, mas depois
terminou cedendo e comprou, mesmo sabendo que era ilegal.

Diante da confissão, portanto, não subsiste a tese defensiva de erro de proibição, na


medida em que o próprio acusado afirmou saber que o que fazia era ilícito. Em suma, tinha pleno
conhecimento da ilicitude de sua conduta.

Quanto as demais teses - atipicidade em face da insignificância e irrelevância penal do


fato -, registro que, apesar de terem sido apenas quatro maços de cigarros, a conduta não pode ser
havia como incapaz de gerar mácula ao bem jurídico tutelado.

Ora, como se sabe, o tipo penal em questão está inserido no capítulo dos crimes
praticados por particular contra a Administração Pública em geral. Não é apenas a quantidade de
produtos ou seu valor que determina a mácula ao bem jurídico e sim o fato de o agente ter
ludibriado - prejudicado - a Administração Pública vendendo produto importado de maneira
irregular e/ou proibido pela lei brasileira, evento que, no caso dos autos, observou-se.

Dizendo de outro modo, a quantidade e valor das mercadorias - embora sejam


elementos a ser considerados quando da dosimetria - não tiveram o condão de afastar a tipicidade da
conduta que, como visto, causou mácula à Administração Pública, que é o bem jurídico diretamente
tutelado pela norma em questão.

Além disso, não considero que quatro maços de cigarro seja quantidade pouca o
suficiente para tornar ínfima a ofensa ao bem jurídico. Não foram algumas unidades, mas várias, na
verdade quarenta, com efetiva potencialidade lesiva. Embora apresente um pequeno valor
comercial, repita-se que o bem jurídico tutelado pela norma não é o patrimônio, razão pela qual não
é o ponto de vista patrimonial que deve ser levado em consideração.

3. Dispositivo:

Posto isso, julgo PROCEDENTE a acusação formulada na denúncia e CONDENO o


acusado JOSÉ ÂNGELO DA MOTA ALVES pelo cometimento do crime previsto no art. 334-A, §
1º, IV, do CPB.

Passo, assim, à dosimetria da pena a ser aplicada ao réu, obedecendo aos ditames do
art. 68 do Código Penal:

3.1.1. Da aplicação da pena privativa de liberdade: critério trifásico:

Primeira fase: análise das circunstâncias judiciais:

A - Culpabilidade:

No caso sub examine, verifica-se que o réu, de forma voluntária e consciente, na


condição de vendedor ambulante, comercializou quatro maços de cigarros importados. Todavia, a
gravidade da sua conduta - máxime levando em conta a quantidade de mercadoria ilegal - não é
superior a outros contrabandos, razão pela qual considero favorável esta circunstância.

B - Antecedentes:

Em obediência ao princípio constitucional da presunção de inocência e em anuência ao


entendimento esposado por boa parte da doutrina e reiteradamente assentado na jurisprudência,
inclusive do STF e STJ, entendo como maus antecedentes - a serem sopesados negativamente em
desfavor do réu - apenas os registros em folhas de antecedentes criminais que representem
condenação com trânsito em julgado e que, adiante, não possam ser acatadas como agravante
genérica da reincidência.
Sob este enfoque, portanto, verifico não poder o réu ter esta circunstância sopesada em
seu desfavor.

C - Conduta Social:

Quanto a esta circunstância, deve o magistrado perquirir, diante das provas coligidas e
se assim for possível, a folha de antecedentes criminais do réu, o papel assumido por ele na
sociedade, sua forma de se portar no ambiente familiar, profissional, perante seus vizinhos,
conhecidos e amigos, para que se possa concluir se ele se comporta ou não de acordo com as
normas sociais que exigem uma conduta harmônica e baseada em respeito mútuo.

Pois bem, sob este enfoque, do que pôde apreender este magistrado, não há nos autos
provas que apontam para uma má conduta social assumida pelo réu, razão pela qual também
considero favorável esta análise.

D - Personalidade:

Considerando a personalidade como sendo o conjunto de caracteres exclusivos de uma


pessoa que, muitas vezes, se tornam patentes por intermédio de seus atos, volto-me às provas
carreadas para concluir que, aos olhos deste magistrado, não se mostrou o réu como sendo pessoa
articulada, ardilosa e dissimulada. Enfim, não restaram evidentes traços de personalidade que
merecessem ponderação em seu desfavor.

E - Motivos:

Como circunstância judicial, o motivo deve ser entendido como a razão de ser, a causa,
o fundamento do crime perpetrado, sua mola propulsora.

Sob este enfoque, portanto, verifico que, no caso dos autos, os motivos do cometimento
do delito não se afastaram dos inerentes à consumação do próprio tipo penal.

F - Circunstâncias:

As circunstâncias a que se refere o art. 59 do CPP são aquelas relacionadas ao


cometimento do fato havido por delituoso, ou seja, são peculiaridades, particularidades, detalhes
e/ou nuanças observadas ao derredor da conduta, que podem ser sopesadas ou não em desfavor
daquele que age. No caso, não vislumbrei particularidade circunstancial no cometimento do ilícito.

G - Consequências:

Como se sabe, a prática de qualquer crime traz consequências já implícitas à violação


da norma, que, inclusive, podem compor o próprio tipo penal infringido. Não obstante, como
circunstâncias judiciais, não serão essas as consequências analisadas e sopesadas, mas sim aquelas
que extrapolam o cometimento padrão do ilícito em questão.

No caso dos autos, não vislumbro consequências outras além das inerentes à violação
do tipo penal em tela.

H - Comportamento da vítima:

O comportamento da vítima, no presente caso, em nenhum momento pode ser encarado


como provocador da conduta do réu. Em outras palavras, a Administração Pública não deu
contribuiu ou incentivou o delito cometido. Por isso, tal circunstância deve ser considerada contra o
acusado.

Pena-base:

O art. 334-A, § 1º, IV, do CPB prevê para quem o infringe pena de 02 (dois) a 05
(cinco) anos de reclusão. Considerando o acima fundamentado, máxime as circunstâncias judiciais
quase inteiramente favoráveis ao acusado, fixo a pena-base privativa de apenas um pouco acima do
mínimo, ou seja, em 02 (dois) anos e 06 (seis) meses de reclusão.

Segunda fase: análise das circunstâncias agravantes e atenuantes genéricas:

Não vislumbro a existência de circunstâncias agravantes. Como atenuante, verifico a


confissão, que utilizo para reduzir a pena em 06 (seis) meses.

Terceira fase: análise das causas de aumento e de diminuição de pena:

Não vislumbro nenhuma causa de aumento de pena, nem de diminuição.

Penas privativas de liberdade definitivas:

Assim sendo, considerando a pena-base aplicada, bem como as demais nuanças


correlatas, a pena privativa de liberdade definitiva é de 02 (dois) anos de reclusão, a ser cumprida
inicialmente em regime aberto (art. 33, § 2º, "c", do CPB).

3.2. Substituição da pena privativa de liberdade:

Levando em conta que a pena privativa de liberdade aplicada não supera o limite
objetivo previsto no art. 44, I, do CPB (de quatro anos), tampouco é o acusado reincidente em crime
doloso (art. 44, II, do CPB), estão preenchidos os requisitos objetivos para a substituição da pena
privativa de liberdade aplicada por penas restritivas de direitos.

Da mesma forma, os requisitos subjetivos previstos no art. 44, III, do CPB, como já foi
acima demonstrado, também são favoráveis ao acusado, recomendando a aludida substituição.

Com efeito, a substituição em comento, no caso em tela, atenderá aos princípios da


suficiência e da adequação, representando resposta efetiva do Estado frente à conduta criminosa
perpetrada.

Dessa forma, substituo a pena privativa de liberdade imposta por duas restritivas de
direitos, a serem cumpridas individualmente pelo réu (art. 44, § 2º, do CPB).

A primeira pena consiste na prestação de serviços a entidade pública (art. 43, IV, do
CPB), devendo ser cumprida à razão de uma hora por dia de condenação (art. 46, § 3º, do CPB),
consoante vier a ser fixado pelo Juízo da Execução, de modo que esta pena restritiva de direito
tenha a mesma duração da pena privativa de liberdade substituída (art. 55 do CPB).

A título de segunda pena substitutiva, de prestação pecuniária, fixo, nos termos do art.
45, § 2º, do CPB, a obrigação de o réu doar, mensalmente, durante todo o período de pena
substituído, o valor de R$ 100,00 (cem reais), nos moldes definidos quando da audiência
admonitória, podendo o Juízo das Execuções, caso a situação fática a recomende, operar a
substituição dessa segunda pena restritiva por outra mais conveniente.
3.3. Suspensão condicional da pena (sursis):

Na medida em que foi possível a substituição da pena privativa de liberdade por


restritivas de direitos, não o é a suspensão condicional daquela, por expressa disposição do art. 77,
III, do CP.

3.4. Disposições finais:

3.4.1. Das custas:


Custas pelo réu, em valor a ser indicado pela contadoria do foro.

3.4.2. Fixação do valor da reparação:

No caso em apreço, deixo de fixar o valor da reparação, nos termos determinados pelo
art. 387, IV, do CPP (com a nova redação trazida pela Lei n.º 11.719/2008), por inexistirem nos
autos elementos objetivos que permitam inferir, em termos monetários, o prejuízo ocasionado pela
conduta do acusado.

3.4.3. Registros, comunicações e intimações cabíveis:

Após o trânsito em julgado desta sentença, lance-se o nome do réu no rol de culpados,
nos termos do art. 5º, LVII, da Constituição Federal, c/c art. 393, II, do Código de Processo Penal, e
comunique-se seu teor ao IITB, ao INI, ao CNCIAI, ao INSS e ao TRE, para fins de suspensão dos
direitos políticos (art. 15, III, da Carta Magna) e demais registros e providências necessários.

Publique-se. Registre-se. Intimem-se.


Recife, 02 de março de 2016.

JORGE ANDRÉ DE CARVALHO MENDONÇA


Juiz Federal no exercício da titularidade da 13ª Vara/PE.
SERVIÇO CLANDESTINO DE COMUNICAÇÃO

PROCESSO: 0000500-82.2015.4.05.8401
CLASSE: 240 - AÇÃO PENAL
AUTOR/EXEQUENTE: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL
RÉU/EXECUTADO: EDIVAN PEREIRA DE LIMA

Sentença nº: 0008.000________/2016- Tipo D

S ENTEN ÇA

1. Relatório

Trata-se de ação penal pública proposta pelo MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL


contra EDIVAN PEREIRA DE LIMA, ao qual se imputa a suposta prática do delito tipificado no
art. 183 e 184 da Lei nº 9.472/1997 - Lei de Organização dos Serviços de Telecomunicações.

Narra a denúncia (fls. 03/05) que em 18.09.2014, na cidade de Baraúna/RN, fiscais


da ANATEL verificaram que EDIVAN PEREIRA DE LIMA fez funcionar, sem autorização legal,
emissora de rádio clandestina na faixa de frequência 100,5 MHz, com sede no imóvel localizado na
Rua Jerônimo Rosado, S/N, Centro, Baraúna/RN.

Segundo consta no "Relatório de Fiscalização" (IPL nº 0024/2015 DPF/MOSS - fls.


05/12), os agentes da ANATEL realizaram uma análise espectral na faixa destinada ao Serviço de
Radiodifusão Sonora em Freqüência Modulada (FM) no município de Baraúna/RN e detectaram
que a estação clandestina usava a referida frequência na execução do Serviço de Radiodifusão
Sonora sem a devida outorga daquela agência reguladora. Foi identificado que o transmissor da
estação de rádio clandestina operava com potência de 300W (trezentos watts) e que o sistema
irradiante estava a 06 (seis) metros do solo (fls. 08).

A denúncia foi recebida em 01/09/2015 (fls. 06/08).

Devidamente citado à fl. 12, o réu solicitou lhe fosse nomeado defensor dativo,
afirmando não ter condições de custear os honorários de um advogado (fl. 13).

A Defensoria Pública da União apresentou resposta à acusação às fls. 18/19, limitando-se


a apresentar a defesa durante a instrução processual.

Audiência de Instrução e Julgamento em 15/03/2016 - fls. 39/40, cujos atos foram


gravados em mídia digital, com depoimento do réu EDIVAN PEREIRA DE LIMA e oitiva das
testemunhas de acusação, Halysson Barbosa Mendonça e Orlando Krepke Leiros Dias.

Alegações Finais do MPF (fls. 45/46 e versos) sustentando, em síntese, que a autoria
e materialidade delitivas restaram plenamente comprovadas, requerendo, ao final, a condenação do
réu pela prática do delito previsto no art. 183 da Lei nº 9.472/97.

Em seguida, o réu apresentou suas Alegações Finais alegando, em suma, a


atipicidade da conduta em razão da aplicação do Princípio da Insignificância e, ainda, da existência
de erro de proibição, em virtude da ausência de potencial consciência da ilicitude (fls. 53/59).
2. Fundamentação

2.1. - Do crime tipificado no art. 183 e 184 da Lei nº 9.472/97 - Organização dos Serviços de
Telecomunicações

A Lei nº 9.472/97 - Lei geral das Telecomunicações, disciplina nos arts. 183 e 184 o
crime de operação clandestina de "atividade de telecomunicação", nestes termos:

Art. 183 - Desenvolver clandestinamente atividades de telecomunicação:


Pena - Detenção de dois a quatro anos, aumentada da metade se houver dano
a terceiro, e multa de R$ 10.000,00 (dez mi reais).
Parágrafo único - Incorre na mesma pena quem, direta ou indiretamente,
concorrer para o crime.
Art. 184 - São efeitos da condenação penal transitada em julgado:
I - tornar certa a obrigação de indenizar o dano causado pelo crime;
II - a perda, em favor da Agência, ressalvado o direito do lesado ou de
terceiros de boa-fé, dos bens empregados na atividade clandestina, sem
prejuízo de sua apreensão cautelar.
Parágrafo único - Considera-se clandestina a atividade clandestina
desenvolvida sem a competente concessão, permissão ou autorização de
serviço, de uso de radiofrequência e de exploração de satélite.
[grifos acrescidos]

O crime em questão é formal, permanente, de perigo abstrato e se consuma no


momento em que é gerado o risco de prejuízo às telecomunicações, não havendo necessidade de
comprovação de dano ou prejuízos efetivos, cuja extensão, aliás, não se pode aferir de forma
matemática, já que as atividades de telecomunicações não outorgadas pelo Poder Público causam
danos de maneira difusa, interferindo na regularidade de outras atividades de transmissão, tais como
as concessionárias de serviços de rádio difusão, navegação aérea e marítima e outros serviços
públicos relevantes, como comunicação entre viaturas policiais, ambulâncias, carros de bombeiros,
além de receptores domésticos (TRF3, 1ª Seção, Rel. Des. Fed. LUIZ STEFANINI, DJ: 29.11.2012,
DJe: 11.12.2012).

Quanto aos demais elementos da estrutura do crime, BALTAZAR JUNIOR1 leciona


que o bem jurídico do crime em comento é a segurança das telecomunicações, pois a radiodifusão e
o uso de aparelhos de telecomunicações de forma clandestina podem gerar interferência em serviços
regulares de rádio e televisão, bem como sobre as comunicações das autoridades policiais e na
navegação marítima ou aérea (TRF1, AC 20003500006350/GO, Mário Ribeiro, 4ª T., u., 25.9.02).

Quanto ao sujeito ativo, trata-se de crime comum, no qual o autor é quem pratica a
conduta descrita no tipo (art. 183 da Lei nº 9.472/97), é o ato de "desenvolver atividade clandestina
de telecomunicações", caracterizado por quem opera os aparelhos da rádio.

Admite-se, também, a participação. Neste caso, anote-se o exemplo: "(...) embora


inexista comprovação de que o agente tenha utilizado os transmissores em época certa, inegável que
concorreu para o crime, diretamente, ao disponibilizá-los ao correu sabendo que este não detinha
autorização para operá-los" (TRF4, AC 20007002001015-3/PR, Elcio Pinheiro de castro, 8ª T., u.,
13.08.2003).

Já o tipo objetivo caracteriza-se pela conduta prevista no art. 183, caput, da Lei nº
9.472/97 que é desenvolver clandestinamente atividade de telecomunicação.
O tipo subjetivo é o dolo, sendo desnecessária qualquer outra indagação sobre o
objetivo do agente.

2.2. - Do caso concreto dos autos: do crime tipificado no art. 183 da Lei nº 9.472/97 - Rádio Nova
Geração FM 100,5 MHz localizada em Baraúna/RN.

Trata-se de ação penal instaurada para a apuração da conduta criminosa, atribuída ao


acusado, de haver operado serviço de difusão sonora sem a correspondente autorização da
ANATEL, cuja ação caracteriza o crime capitulado no art. 183 da Lei nº 9.472/97.

O exame dos autos não deixa transparecer dúvidas no que diz respeito à
materialidade e à autoria do delito em apreço, a ensejar a responsabilidade penal do acusado.

Segundo consta no "Relatório de Fiscalização" (IPL nº 0024/2015 DPF/MOSS - fls.


05/22), os agentes da ANATEL realizaram uma análise espectral na faixa destinada à transmissão
em frequência modulada (FM) no município de Baraúna/RN e detectaram que a estação clandestina
usava a referida frequência na execução do Serviço de Radiodifusão Sonora sem a devida outorga
daquela agência reguladora. Os técnicos atestaram ainda que o transmissor usado na rádio
clandestina operava com potência de 300W (fl. 08 do IPL nº 0024/2015).

A investigação empreendida pela Polícia Federal de Mossoró/RN tem por base o


"Termo de Representação 0002RN20140041" (fls. 04/12 - IPL 0024/2015) e registros fotográficos
da estação clandestina (fls. 20/22 - IPL 0024/2015), bem como interrogatório do acusado, EDIVAN
PEREIRA DE LIMA (fls. 29/30).

Destarte, o Parquet denunciou EDIVAN PEREIRA DE LIMA na prática do crime


previsto no art. 183 da Lei nº 9.472/97.

A materialidade delitiva consubstancia-se na fiscalização engendrada por fiscais da


ANATEL no dia 18 de setembro de 2014, na cidade de Baraúna/RN, através do Termo de
Apreensão (Auto de Infração - fls. 14/18) e registros fotográficos da rádio clandestina e 'tela' do
equipamento Analisador de Espectro, mostrando o uso da frequência 100,5 MHz (fls. 20/22).

Do conjunto probatório carreado aos autos, infere-se que foi constatada a instalação
e o funcionamento de uma emissora de radiodifusão clandestina, que operava na faixa de freqüência
modulada (FM), utilizando-se do espectro de radiofrequência 100,5 MHz, sem a devida autorização
legal. A aludida estação de radiodifusão sonora exercia de maneira habitual atividade sem
autorização prévia do Poder Público, razão pela qual a conduta do acusado enquadra-se no tipo
previsto no artigo 183, da Lei nº 9.472 /97.

A defesa, por sua vez, alega a atipicidade da conduta, em razão do "Princípio da


Insignificância".

Os parâmetros para a insignificância nos delitos das Leis 4.117/62 e 9.472/97 são o
transmissor deter potência inferior a 25 Watts ERP, com altura de antena irradiante não superior a
30 metros, sendo certa a coexistência desses requisitos como autorizadores da incidência do
princípio.

Da verificação dos requisitos, podemos concluir que fundamental é a aferição de


baixa potência e alcance, sem demonstração de interferência nas telecomunicações, pois a tais
transmissões geram interferências em freqüências de diversos aparelhos, o que gera descompasso,
perturbação e riscos as atividades e serviços que se utilizam do espaço magnético.
Compulsando os autos, vê-se que o Relatório de Fiscalização da ANATEL acostado
às fls. 05/11 (IPL 0024/2015), anotou (fls. 07/08):

1) foi identificado a existência de 1 (uma) estação utilizando, sem possuir a


devida outorga, a frequência de 100 MHz (cem vírgula Mega Hertz);
(...)
4) o transmissor usado na estação clandestina operava com uma potência de
300W (trezentos Watts);
5) O sistema irradiante estava a aproximadamente 6 (seis) metros do solo,
sendo composto por uma antena modelo plano terra a qual não possui ganho
significativo.

Nesse sentido, a tese trilhada pela Suprema Corte2, tornando possível a adoção do
Princípio da Insignificância aos crimes previstos no art. 183 da Lei nº 9.472/97, tendo como base o
potencial lesivo baixo ou inexistente, a partir dos critérios objetivos de potência do transmissor e
altura da antena, em consonância com as regras dispostas no art. 1º, §1º da Lei nº 9.612/98, que
criou o Serviço de Radiodifusão Comunitária, nestes termos:

Art. 1º Denomina-se Serviço de Radiodifusão Comunitária a radiodifusão


sonora, em freqüência modulada, operada em baixa potência e cobertura
restrita, outorgada a fundações e associações comunitárias, sem fins
lucrativos, com sede na localidade de prestação do serviço.
§ 1º Entende-se por baixa potência o serviço de radiodifusão prestado a
comunidade, com potência limitada a um máximo de 25 watts ERP e altura
do sistema irradiante não superior a trinta metros. [grifos acrescidos]

Registre-se, por oportuno, a existência de firme entendimento jurisprudencial,


inclusive do Pretório Excelso, no sentido da aplicação do princípio da insignificância quando
verificada a baixa potência da rádio flagrada em funcionamento sem autorização do Poder Público.
Nos termos do art. 1º, § 1º, da Lei n.º 9.612/98, "entende-se por baixa potência o serviço de
radiodifusão prestado a comunidade, com potência limitada a um máximo de 25 watts ERP e altura
do sistema irradiante não superior a trinta metros".

No caso dos autos, restou comprovado que a rádio clandestina Rádio Nova Geração
FM 100,5 MHz operava com potência de 300 W (trezentos watts), muito acima dos parâmetros de
uma estação de rádio que opera em "baixa potência". Além disso, devem ser obedecidos pela rádio
os pressupostos legais para a escorreita operação, estando sujeita ao controle e a fiscalização do
órgão competente (ANATEL), tendo em vista a possibilidade de causar interferência nas
radiocomunicações em geral e/ou nas ondas sonoras e eventual utilização para fins delituosos, os
quais devem ser prevenidos pelo Poder Público.

Nessa esteira, o Procurador Regional da República da Terceira Região, Francisco dias


Teixeira3 em artigo publicado, assevera: "O espectro eletromagnético é um bem público, cuja
utilização, pelo Poder Público ou por particular, precisa ser disciplinada, em obediência a normas
técnico científicas, de forma a permitir seu aproveitamento racional e garantir a eficiência dos
serviços executados através das ondas eletromagnéticas. A utilização desordenada do espectro
eletromagnético poderá, inclusive, colocar em risco a segurança das pessoas, por exemplo, ao
causar interferências em aparelho de navegação aérea" [grifos acrescidos]

Ressalte-se, portanto, que as atividades clandestinas de telecomunicações feitas por rádios


comunitárias não autorizadas pelo Poder Público tem o potencial de causar danos, interferindo nas
demais atividades de transmissão (polícia, bombeiros, ambulâncias, por ex), não apenas na
navegação aérea, ainda que de difícil ou impossível mensuração do "dano" à coletividade, por
tratar-se de crime de "perigo abstrato", conforme se depreende dos recentes julgados deste Tribunal
e do C. STJ, in verbis:

PENAL. RÁDIO CLANDESTINA. DESENVOLVIMENTO


CLANDESTINO DE ATIVIDADES DE TELECOMUNICAÇÃO. CRIME
DE PERIGO ABSTRATO. INDEPENDE DA PRODUÇÃO DE
QUALQUER RESULTADO NATURALÍSTICO. ADEQUAÇÃO DA
PENA DE MULTA FIXADA NA SENTENÇA. APLICAÇÃO DA REGRA
DO CONCURSO MATERIAL DE CRIMES, TENDO EM VISTA QUE OS
APELANTES PRATICARAM O CRIME CONSTANTE DO ART. 183 DA
LEI Nº 9.472/97 POR DUAS VEZES. APELAÇÃO NÃO PROVIDA. 1.
Cuida-se de recurso de apelação criminal interposto contra sentença que
condenou os réus pela prática, por duas vezes, em concurso material, do
crime previsto no art. 183 da Lei nº 9.472/97, qual seja desenvolver
clandestinamente atividades de telecomunicação, sendo arbitradas, para
cada um deles, as seguintes reprimendas: quatro anos de detenção, multa, no
valor de R$ 20.000,00 (vinte mil reais). Substituída a pena privativa de
liberdade por prestação de serviços à comunidade ou a entidades públicas,
nas condições a serem estabelecidas pelo Juízo responsável pela execução
da pena; pena de proibição do exercício da atividade de rádio comunitária
ou qualquer outra relativa aos serviços de telecomunicações, pelo prazo de 4
(quatro) meses, sendo que, após findo esse prazo, podem os réus
providenciar a devida autorização para os mesmos fins perante o Ministério
das Comunicações. 2. A alegação dos réus de que não tinham a intenção de
prejudicar ninguém não merece ser acolhida, tendo em vista que o tipo
constante do art. 183 da Lei nº 9.472/97 prescinde do dolo de prejudicar
outrem, bastando para tanto o voluntário exercício das atividades de
telecomunicação sem a devida autorização, não importando, ainda, a
relevância do serviço prestado pela rádio. 3. Não há que se falar em erro no
cálculo da pena de multa aplicada aos réus, pois o delito em comento foi
praticado por duas vezes pelos réus, sendo aplicada foi a regra do concurso
material, razão pela qual a multa de R$ 10.000,00 (dez mil reais) foi
dobrada para o patamar de R$ 20.000,00 (vinte mil reais). 4. Negado
provimento ao recurso de apelação. (TRF-5 - ACR: 200980010008417 AL,
Relator: Desembargador Federal Lazaro Guimarães, Data de Julgamento:
09/12/2014, Quarta Turma, Data de Publicação: 18/12/2014) [grifos
acrescidos]

PENAL E PROCESSUAL PENAL. RÁDIO COMUNITÁRIA. ART. 183,


DA LEI Nº 9.472/97. BAIXA FREQUÊNCIA. AUSÊNCIA DE
AUTORIZAÇÃO LEGAL. HABITUALIDADE NA CONDUTA.
AUTORIA E MATERIALIDADE DELITIVA PROVADAS.
INABLICABILIDADE DO PRINCÍPIO DA INSIGINIFICÂNCIA.
PENA PRIVATIVA DE LIBERDADE FIXADA NO MÍNIMO LEGAL.
SUBSTITUIÇÃO POR RESTRITIVAS DE DIREITOS. PENA DE MULTA
FIXADA NO VALOR DE R$ 10.000,00. 1. Apelação do Réu em face da
sentença que o condenou à pena de 02 (dois) anos de detenção, a ser
cumprida em regime aberto, além de multa no valor de R$ 10.000,00 (dez
mil reais), pela prática do crime previsto no art. 183 da Lei n.º 9.472/97
(colocar em funcionamento rádio comunitária sem a prévia autorização do
órgão competente). 2. Instalação e funcionamento de rádio comunitária de
baixa potência de transmissão, sem a autorização do Ministério das
Comunicações. A ausência de fins lucrativos e a baixa potência não
dispensam as rádios comunitárias da autorização para funcionamento,
nos termos da Lei nº 9.612/98. Materialidade e autoria delitivas
comprovadas. 3. Inaplicabilidade do Princípio da Insignificância ao
delito previsto no art. 183 da Lei n. 9.472/97, pois o desenvolvimento
clandestino de atividades de telecomunicação constitui crime formal, de
perigo abstrato, que tem como bem jurídico tutelado a segurança dos
meios de comunicação. Precedentes do eg. STJ. 4. Manutenção da pena
privativa de liberdade, fixada no mínimo legal de 02 (dois) anos de detenção
e substituída por duas penas restritivas de direitos, consistentes na prestação
de serviços à comunidade e ao pagamento de pena pecuniária 04 (quatro)
salários mínimos a entidade assistencial a ser indicada pelo Juízo das
Execuções Penais. 5. Pena de multa aplicada no mínimo legal de R$
10.000,00 (dez mil reais), conforme disposto no art. 183, da Lei nº 9.742/97.
Impossibilidade de redução e/ou alteração de seu montante por ausência de
previsão legal. Apelação Criminal improvida.
(ACR 200881030028079, Desembargador Federal Cid Marconi, TRF5 - 3ª
Turma, DJE - Data::09/12/2015 - Página::93.) [grifos acrescidos]

PENAL E PROCESSUAL PENPENAL E PROCESSO PENAL. AGRAVO


REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. ATIVIDADE
CLANDESTINA DE RADIODIFUSÃO. BAIXA POTÊNCIA DO
EQUIPAMENTO. IRRELEVÂNCIA. CRIME FORMAL DE PERIGO
ABSTRATO. DESNECESSIDADE DE COMPROVAÇÃO DA
LESIVIDADE DA CONDUTA. INAPLICABILIDADE DO
PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. ENUNCIADO SUMULAR
83/STJ. I - A prática de serviço de radiodifusão clandestina, mesmo que de
baixa potência, como ocorreu in casu, constitui um delito formal de perigo
abstrato, o que afasta o reconhecimento da atipicidade material da conduta
pela aplicação do princípio da insignificância. Precedentes. II - Incide o
Enunciado Sumular 83 desta eg. Corte quando a decisão proferida pelo
Tributal de origem encontra-se em harmonia com a jurisprudência deste
Tribunal Superior. Agravo regimental desprovido.(STJ - AgRg no AREsp:
655208 PI 2015/0030760-5, Relator: Ministro FELIX FISCHER, Data de
Julgamento: 02/06/2015, T5 - QUINTA TURMA, Data de Publicação: DJe
11/06/2015)

Portanto, na hipótese dos autos, tendo em vista que o desenvolvimento de atividade


clandestina de telecomunicações tem a natureza de crime de perigo abstrato, não cabe a aplicação
do Princípio da Insignificância, mesmo em face da ausência de dano.

No tocante à autoria delitiva, esta resta incontroversa, tendo em vista que os agentes
da ANATEL encontram o acusado operando a rádio na ocasião da diligência de fiscalização,
restando evidente que o Sr. EDIVAN PEREIRA DE LIMA era, efetivamente, o responsável pelo
funcionamento da estação clandestina Nova Geração FM 100,5 MHz.

O acusado, imputável, alega em sua defesa a ausência de culpabilidade em virtude


do erro de proibição, com fundamento no desconhecimento da ilicitude de sua conduta.

Consoante o art. 21 do Código Penal: "O desconhecimento da lei é inescusável. O


erro sobre a ilicitude do fato, se inevitável, isenta de pena; se evitável, poderá diminuí-la de um
sexto a um terço". O critério para aferir a ocorrência e a caracterização desse instituto está contido
no parágrafo único da citada norma, que assim explica: "Considera-se evitável o erro se o agente
atua ou se omite sem a consciência da ilicitude do fato, quando lhe era possível, nas circunstâncias,
ter ou atingir essa consciência".

A doutrina especializada esclarece, logo, que a avaliação sobre o potencial


conhecimento ou não da ilicitude do fato e sua reprovabilidade deve ocorrer no âmbito judicial
em paralelo com as circunstâncias sociais em que o agente está inserido, ou seja, a partir da
"valoração paralela na esfera do profano".

Nesse sentido, assim explica Brandão (2007, p. 155 e 156)4:

A valoração paralela do autor, acerca da consciência da antijuridicidade na


esfera do profano, significa uma apreciação da mesma com relação aos
pensamentos da pessoa individual e no ambiente do autor, que marche no
mesmo sentido da valoração legal-judicial.
[...]
Portanto, é necessário que o autor saiba que faz algo proibido. Essa
consciência da proibição surge da possibilidade de valorar, de acordo com
seus pensamentos e de acordo com seu ambiente cultural, que tal conduta é
'errada', é 'injusta'. (grifos acrescidos)

Em que pese a tese defensiva de que o réu não tinha consciência da ilicitude porquanto a
rádio já estava a pleno funcionamento antes de adquiri-la, bem como não possuía conhecimento
acerca da necessidade de autorização para o seu funcionamento, conclui-se que não merece
prosperar. Isso porque, de acordo com a teoria adotada pelo nosso Código Penal acima explicada, o
acusado não precisava saber que estava praticando o delito de desenvolver clandestinamente
atividades de telecomunicação, mas apenas que tinha condições de saber que a conduta era
errada, antijurídica.

E o acusado, no contexto social em estava inserido, tinha sim condições de saber que
praticava algo errado, pois tinha pleno conhecimento de que operava ilicitamente uma estação de
rádio, utilizando, para tanto, aparelho transmissor de FM, sem a devida autorização dos órgãos
públicos competentes.

Não bastasse isso, tem-se caracterizado o dolo genérico, não sendo necessário qualquer
questionamento sobre o objetivo do agente com a utilização irregular do equipamento de
telecomunicação. Portanto, o dolo resta demonstrado pela atuação voluntária e consciente de fazer
operar uma estação de rádio sem autorização legal.

Com se observa na fase judicial (mídia à fl. 39/40), foi ouvido o fiscal da ANATEL, Sr.
Halysson Barbosa Mendonça, um dos responsáveis pela fiscalização que resultou na apreensão dos
equipamentos do acusado, oportunidade em que asseverou o seguinte: "(...) que essa rádio tava
operando na frequência 100,5, a gente localizou a residência onde se encontrava a rádio; verificou
que lá tinha equipamentos, tinha estúdio, tinha transmissor, configurando uma rádio, que a
freqüência estava no ar; que a frequência não tinha autorização" (intervalo entre 1'34" e 1'50"; Que
o Sr. EDIVAN PEREIRA DE LIMA era o responsável pelo equipamento, no momento se
apresentou como responsável (intervalo entre 2'15" e 2'20").

Indagado pelo MM juiz acerca da propriedade dos aparelhos apreendidos, o réu respondeu:
"que eu comprei a Amarildo, eu emprestei um dinheiro a ele (intervalo entre 14'51" e 14'58"); que
ele não tava pagando só nada, nem juros nem nada, quando foi feita a negociação da rádio, ele me
chamou pra ser sócio dele (intervalo entre 15'51" e 15'56"); que era apresentado programa; que
funcionava todo dia (intervalo entre 18'05" e 18'11").

Dada a palavra ao MPF, este indagou o depoente se era o único responsável pela rádio e o
único que trabalhava também, tendo este respondido afirmativamente (intervalo entre 24'11"e
24'18"). Afirmou, ainda, "que a rádio não dava lucro praticamente de nada" (intervalo 25'52" -
25'55").

Há de se evidenciar, ainda, que o funcionamento da rádio é anuído pelo réu e testemunhas


ouvidos em juízo, assim como a ausência de autorização é também reconhecida pelo acusado,
conjuntura esta que repele a incidência do erro de proibição.

Ademais, consoante se apurou no presente caso, não se mostra razoável que o acusado não
possuísse a devida consciência da antijuridicidade de sua conduta ao operar uma rádio pirata, sem a
mínima observância às normas legais, à margem da instituição responsável (ANATEL).

Ressalte-se, por fim, que se trata de crime formal, no qual não se exige o resultado
finalístico, cuja consumação se dá com a mera colocação em funcionamento da rádio clandestina.
Nesse sentido, EDIVAN PEREIRA DE LIMA praticou o delito, nos termos do art. 183, parágrafo
único da Lei nº 9.472/97.

Dessa forma, comprovadas a materialidade e a autoria do delito de operar clandestinamente


atividades de telecomunicações, sem a respectiva outorga da União, e restando igualmente
demonstrada a culpabilidade do acusado - que é imputável, com potencial conhecimento da ilicitude
dos fatos criminosos, sendo-lhe exigível conduta diversa - e inexistindo ainda quaisquer indícios de
causas que excluam sua culpabilidade ou que justifiquem seus atos, tem-se que a pretensão punitiva
conforme deduzida pelo MPF na peça acusatória deve ser acatada.

3 - Dispositivo

Diante do exposto, JULGO PROCEDENTE a pretensão deduzida pelo Ministério Público


Federal, para CONDENAR o réu EDIVAN PEREIRA DE LIMA, nas sanções previstas no art. 183
da Lei nº 9.472/97.

4 - Dosimetria

Atentando às circunstâncias judiciais referidas pelo art. 59 do Código Penal, (Sistema


Trifásico de Aplicação da Pena), passo à análise das circunstâncias judiciais, individualização e
respectiva dosimetria do réu:

1ª) Circunstâncias Judiciais:

a) tenho que a culpabilidade do réu consubstancia uma reprovabilidade social moderada, ante o
potencial conhecimento para realizar conduta diversa dentro da normalidade esperada do "homem
médio";

b) quanto aos antecedentes, o réu não revela possuir maus antecedentes;

c) não há nos autos do processo dados que permitam construir qualquer juízo de valor, positivo ou
negativo, quanto à conduta social do réu;
d) quanto à personalidade do réu, também nada digno de nota, não existem nos autos indicadores
para se aferir, razão pela qual deixo de valorá-la;

e) o motivo do crime, pelos indícios que constam nos autos, teria sido com o intuito de divulgação
de um grupo musical, não existindo provas de que o autor tenha auferido lucro com o
funcionamento da rádio, pelo que não se tem nada a valorar.

f) as circunstâncias do crime, da mesma forma, são próprias do tipo de crime em comento, não
tendo nada a valorar.

g) as consequências do crime são normais à espécie, visto que colocou em perigo abstrato o direito
difuso às telecomunicações e a regularidade desse tipo de serviço público disponível à coletividade
- atividades de telecomunicações;

h) quanto ao comportamento da vítima, nada há a se cogitar, pois, no caso, a vítima em nada


contribuiu para o cometimento do ilícito.

Diante de tais circunstâncias judiciais, desfavoráveis em parte ao réu, e visando


individualizar a sanção penal para que se revele necessária e suficiente para os fins a que se destina,
reprovação e prevenção do crime, fixo a pena-base em 02 (dois) anos e 06 (seis) meses de detenção,
pela prática do crime tipificado no art. 183 da Lei nº 9.472/97.

2ª) Uma vez que as declarações do acusado na fase inquisitorial e judicial foram
consideradas na fundamentação da condenação, é cabível a aplicação da circunstância atenuante da
confissão (art. 65, III, d), razão pela qual reduzo a pena em 03 (três) meses, em atenção ao
entendimento de que circunstâncias atenuantes não podem reduzir a pena para patamar inferior ao
mínimo legal (Súmula 231 do STJ), o que não é o caso dos autos.

3ª) Sem causas de diminuição e de aumento de pena.

5 - Da inconstitucionalidade da pena de multa em valor fixo prevista no art. 183 da Lei n. 9.472/97.

A Constituição Federal estabelece um Estado Democrático de Direito5 que não se restringe


a conferir observância formal do ordenamento jurídico, mas, sobretudo, a exigir do Poder Público e
da população a sua observância de forma a fazer valer os valores democráticos e republicanos.
Neste contexto, confere-se ao Poder Judiciário a implementação desses valores, sendo necessário
que se imprima ao exercício da atividade jurisdicional a liberdade de conformação das leis, de
acordo com as circunstâncias do caso concreto.

Com efeito, na medida em que o legislador aprioristicamente retira do juiz a possibilidade


legal de adaptar a aplicação da lei aos fins sociais e às exigências do bem comum, incorre em
manifesta inconstitucionalidade material e viola a garantia fundamental da individualização da pena
prevista no art. 5º, inciso XLVI, da Constituição Federal. Não bastasse isso, viola também o devido
processo legal em sentido material. Tanto isso é verdade que o Supremo Tribunal Federal declarou
incidentalmente a inconstitucionalidade do dispositivo que veda a progressão de regime nos casos
de crimes hediondos ou equiparados (HC 111.840-ES/2012).

Outrossim, é vedado ao legislador extirpar do juiz o exercício da atividade de ponderação


dos valores sociais em colisão diante do caso concreto, tal como se observa nos autos. A norma,
portanto, é inconstitucional, já que, em abstrato, sem qualquer observância às circunstâncias do caso
concreto, bem como às condições econômicas do réu, impôs um valor tarifado da multa, tendo
como justificativa apenas o tipo de delito e sua gravidade em abstrato.
Destarte, na medida em que se deve prestigiar a aplicação do princípio da pessoalidade da
pena (adequando a multa pecuniária às condições econômicas do réu) e em face da flagrante
contrariedade aos direitos fundamentais de isonomia e individualização da pena, dogmas
constitucionais que devem ser observados no momento da aplicação justa da lei, DECLARO a
inconstitucionalidade, incidenter tantum, da expressão "multa de R$ 10.000,00 (dez mil reais)" e,
aplicando o disposto no art. 60 do Código Penal, fixo a pena pecuniária em 10 (dez) dias-multa.

Por outro lado, não há que se falar em violação ao princípio da legalidade ou, ainda, em
atuação do Juiz como legislador positivo, função esta interdita ao exercício da jurisdição
constitucional. In casu, houve somente o acréscimo do necessário para tornar a norma impugnada
concordante com os princípios constitucionais.

Deste modo, reconhecendo não haver circunstâncias agravantes, bem como causas de
aumento ou de diminuição, torno a pena imposta concreta e definitiva, fixando-a em 02 (dois) anos
e 03 (três) mês de detenção e 10 (dez) dias-multa.

Tendo em vista a modesta situação econômica do réu, fixo o valor do dia-multa,


considerando o artigo 49, § 1º, do Código Penal, em 1/30 (um trinta avos) do salário mínimo
vigente ao tempo do fato delitivo imputado (setembro/2014), com correção monetária desde então,
segundo as tabelas da Justiça Federal, até a data do pagamento.

A teor do disposto no art. 33, §2º, "c", do CP e tendo em conta o total da pena privativa de
liberdade aplicada ao réu, determino que o regime inicial de cumprimento da pena seja o aberto, a
ser definido pelo Juízo das Execuções Penais.

No entanto, verifico que, na situação em exame, é cabível a aplicação da substituição da


pena privativa de liberdade por duas restritivas de direitos, uma vez que o réu preenche os requisitos
alinhados no art. 44 do Código Penal, sendo esta medida suficiente à repreensão dos delitos.

Assim sendo, substituo a pena privativa de liberdade por duas penas restritiva de direitos,
nos termos do art. 44, na modalidade de prestação pecuniária, cujo valor será definido na Audiência
Admonitória a ser designada (art. 43, inciso I, CP) e de prestação de serviços à comunidade ou a
entidades públicas (art. 43, inciso IV, e 46, ambos do Código Penal), pelo período de 02 (dois) anos
e 03 (três) meses, sob as condições a serem fixadas pelo Juízo da Execução, após o trânsito em
julgado desta sentença.

Concedo, ainda, ao sentenciado, o direito de recorrer em liberdade, ante a inexistência de


fundamentos para decretação da prisão preventiva. Ademais, tendo a pena privativa de liberdade
sido convertida em duas penas restritivas de direitos, a decretação da prisão preventiva implicaria
em imposição de situação mais gravosa do que a da condenação, o que não é permitido.

Em relação à reparação civil dos danos, deixo de fixar o valor mínimo a ser reparado pela
prática do delito em apreço, com fulcro no art. 387, IV, do Código de Processo Penal, tendo em
vista que não houve pedido expresso do Ministério Público Federal neste sentido, bem como não
restou comprovado qualquer prejuízo patrimonial em decorrência do crime em apreço, seja em
desfavor do Estado, seja em face de particulares.

Inaplicáveis quaisquer dos efeitos da condenação previstos no art. 92 do Código Penal.

Transitado em julgado a sentença condenatória:


a) lance-se o nome do réu no rol dos culpados (art. 393, II, CPP);
b) intime-se o réu para que, no prazo de 10 (dez) dias, efetue o pagamento da pena de multa
imposta, devidamente atualizada (arts. 49, § 2º, e 50, CP), sob pena de ser executada conforme as
dívidas ativas da Fazenda Pública (art. 50, CP);
c) comunique-se o Tribunal Regional Eleitoral do Rio Grande do Norte.
Condeno o réu ao pagamento das custas do processo.
Declaro a perda, em favor da ANATEL, do material apreendido, nos termos do art. 184, II
da Lei nº 9.472/97 (IPL 0024/2015 - fls. 17 / Termo de Lacração, Apreensão e/ou Interrupção).

Publique-se. Registre-se. Intimem-se.

Mossoró/RN, 25 de maio de 2016.

ORLAN DONATO ROCHA


Juiz Federal

1 BALTAZAR JUNIOR, José Paulo. Crimes Federais. 8ª ed. Porto Alegre. Livraria do Advogado:
2012.p.704
2 "Para que o Direito Penal não intervenha nos casos de lesão de certa gravidade, atestando a
atipicidade penal em hipóteses de delitos de lesão mínima, ensejando resultado insignificante,
devem ser observados certos requisitos, entre eles a certeza de que o serviço de radiodifusão
utilizado pela emissora não possua capacidade de causar interferência prejudicial aos demais meios
de comunicação, demonstrando que o bem jurídico tutelado pela lei permaneceu ileso, o que não se
verifica no caso em apreço em razão das conclusões do laudo de exame em aparelho eletrônico"
( STF, Segunda Turma, HC 115729/BA, Rel. Min. Ricardo Lewandowsky, j. em 18.12.12, DJ
14.02.13).

1. O exame pericial elaborado pela ANATEL, que demonstrou que a suposta operação de rádio
clandestina seria de baixa potência, não comprovou a sua efetiva interferência nos serviços de
comunicação devidamente autorizados, o que demonstra a ausência de potencialidade lesiva ao bem
jurídico tutelado pelo tipo penal incriminador.2. A constatação da fiscalização de que a programação
da rádio "era basicamente constituída de conteúdo evangélico" (fl. 9 do anexo 3) permite concluir a
ausência de periculosidade social da ação e o reduzido grau de reprovabilidade da conduta do
paciente, o que abre margem para a observância do postulado da insignificância, já que preenchidos
os seus vetores. 3. Ordem concedida. (STF, HC 122.507/ES, rel. Min. DIAS TOFFOLI, Primeira
Turma, DJe 07/10/2014). Grifos acrescidos.

3 TEIXEIRA, Francisco Dias. Crime em Telecomunicações. Revista Brasileira de Ciências


Criminais. RT nº 33:2001.p.174

4 BRANDÃO, Cláudio. Teoria jurídica do crime. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2007.

5 Para José Afonso da Silva "a configuração do Estado Democrático de Direito não significa apenas
unir formalmente os conceitos de Estado Democrático e Estado de direito. Consiste, na verdade, na
criação de um conceito novo, que leve em conta os conceitos dos elementos componentes, mas os
supere na medida em que incorpora um componente revolucionário de transformação do status
quo". SILVA, José Afonso. "O Estado Democrático de Direito". in Revista de direito administrativo,
173: 15-34, Rio de Janeiro: Jul./Set. 1988, pg. 21
TRÁFICO DE DROGAS – MODALIDADE EQUIPARADA

PROCESSO Nº 0010101-45.2015.4.05.8100
CLASSE 240 - AÇÃO PENAL
AUTOR: MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL
RÉU: ADRIANO RODRIGUES DOS SANTOS

I - RELATÓRIO

1. Trata-se de ação penal pública movida em desfavor de ADRIANO RODRIGUES


DOS SANTOS, brasileiro, união estável, metalúrgico, identidade nº 5264362 - MTPS/CE, CNH nº
464950825 CE, CPF nº 603.118.593-80, filho de José Ribmar Alves dos Santos e de Maria Eliane
Rodrigues Alves, nascido aos 22/10/1988, natural de Fortaleza/CE, identidade nº
11728889/MJ/PORT, residente na Rua I, nº 23, altos, primeiro apartamento, bairro Grilo -
Caucaia/CE, dando-o como incurso nas penas do art. 33, § 1º, I da Lei 11.343, de 23 de agosto de
2006.

2. Narra a denúncia (fls. 03/08):

"Em 29 de setembro de 2015, durante o cumprimento de Mandado de Busca e Apreensão, expedido


no bojo da "Operação Cardume" (IPL 1053/2013 - Processo nº 0003914-55.2014.4.05.8100), no
qual também foi ordenada a prisão temporária de Adriano Rodrigues dos Santos, a Polícia Federal
encontrou um frasco contendo 500 ml de clorofórmio na residência do denunciado. Ademais foram
encontrados, ainda, 14 frascos de vidro com tampa de borracha, 5 celulares, 6 chips de celular, 1
tablet e 1 cartão micro SD. (Auto Circunstanciado de Busca e Arrecadação - fl. 19/20). De início,
cumpre destacar eu o IPL nº 1053/2013 (Processo nº 0003914-55.2014.4.05.8100) apura a atividade
de associação criminosa voltada para o tráfico internacional de drogas, constituindo, em suma, na
internalização e transporte de substâncias entorpecentes para o Nordeste brasileiro, valendo-se de
rotas internacionais (Brasil/Bolívia e Brasil/Paraguai), bem como o tráfico e desvio de produtos
químicos para preparação/desdobro de cocaína. A investigação denominada "Operação Cardume",
outrossim, estende-se a lavagem de dinheiro perpetrada em decorrência dos lucros auferidos com a
traficância. Na organização criminosa, Adriano Rodrigues dos Santos atua como atravessador de
produtos químicos, os quais são utilizados para dar volume à cocaína e, consequentemente,
aumentar os lucros. O denunciado, adquire os insumos na empresa EUDES DISTRIBUIDORA DE
INSUMOS FARMACEUTICOS e os repassa para os traficantes que realizam o desdobro da
cocaína, integrando o "núcleo químico" da organização. A autoridade policial, nos autos do IPL
1053/2013, destacou que "Sem dúvida nenhuma, o núcleo por nós denominado de "químicos" é um
dos mais importantes em toda essa engrenagem criminosa. Há um conhecido jargão internacional
que indica a relevância dos insumos na sistemática do tráfico de drogas: "SEM PRODUTOS
QUÍMICOS NÃO HÁ DROGAS". Esse jargão leva em conta a existência de precursores para a
preparação de várias drogas. Porém, nesta operação cardume fica evidente que sem os produtos
químicos não haveria os elevados lucros auferidos". O Setor Técnico-Científico da Polícia Federal,
concluiu que "Todos os ensaios realizados na amostra questionada revelam a presença de produto
químico CLOROFÓRMIO", conforme o Laudo nº 817/2015 0 SETEC/SR/DPF/CE - fls. 07/11.
Acrescentaram, ainda, que "A substância Clorofórmio encontra-se relacionada na Lista I dos
produtos químicos sujeitos a controle e fiscalização a Polícia Federal (...)"."

3. Concluiu o Parquet da seguinte forma:


"A substância Clorofórmio é comumente utilizada para preparação de entorpecentes, tais como o
"lólo", muito consumido por jovens em festas, o que explica a quantidade de pequenos frascos de
vidros encontrados na residência de Adriano Rodrigues dos Santos, os quais seriam, provavelmente,
preenchidos com clorofórmio para serem vendidos a usuários de droga. No presente caso, a conduta
de guardar, sem autorização, a substância clorofórmio, se analisada isoladamente, não atrairia a
competência da Justiça Federal. No entanto, em razão da conexão concursal e probatória do fato ora
sob análise com a atuação da Organização Criminosa voltada para o tráfico internacional de
entorpecentes, da qual faz parte o denunciado, determina a competência da Justiça Federal nos
termos da Súmula 122 do STJ. (…) Ante o exposto, é oferecida a presente DENÚNCIA, requerendo
o Parquet Federal a instauração do competente processo-crime, realizando-se a regular citação do
réu para que seja processado e julgado de modo que, no final, seja imposta ao acusado Adriano
Rodrigues dos Santos a justa sanção legal prevista no art. 33, § I, 1 da Lei 11.343/2006."

4. Instruiu a denúncia o Inquérito Policial nº 1558/2015-SR/DPF/CE (0007296-


22.2015.4.05.8100).

5. Aos 05/10/2015, atendendo requerimento do Parquet, este Juízo decretou a prisão


preventiva do flagranteado (v. cópia nas fls. 42/46 do IPL).

6. A denúncia foi ofertada aos 09 de novembro de 2015 (cópia nas fls. 47/52 do IPL,
original nas fls. 03/05 dos autos da presente ação).

7. Notificado para responder a acusação (fl. 55 e 55v. do IPL), o réu, por seu defensor,
Dr. André Eugênio de Oliveira, apresentou sua resposta à acusação, tendo arrolado duas
testemunhas (cópia nas fls. 56/59 do IPL, original nas fls. 09/12).

8. A denúncia foi recebida por este Juízo no 1º dia de dezembro de 2015 (fl. 13/14 a
partir de então na própria ação penal).

9. Audiência de Instrução e Julgamento realizada aos 11 de dezembro de 2015, com


interrogatório do acusado, oitiva das testemunhas de acusação HENRIQUE TERÊNCIO CUNHA
DA SILVEIRA ARAÚJO e JOSÉ CALIXTO JÚNIOR, bem com das testemunhas de defesa LUCIA
HELENA ROCHA FREIRE, FRANCISCO JACKSON RODRIGUES MOURA e ANTÔNIO
CARLOS DO NASCIMENTO, após o que foi concluída a prova oral. Na oportunidade do art. 402
do CPP, nada requerido pelo MPF e pela defesa, tendo sido intimadas as partes para apresentação de
memoriais por escrito (fls. 28/41).

10. O Ministério Público, em sede de alegações finais (memoriais), entendendo


comprovadas autoria e materialidade, ratifica a denúncia e, rechaçando qualquer excludente de
ilicitude na conduta do réu, requer sua condenação (fls. 44/54).

11. Já a defesa, em suas alegações finais, requer a absolvição do réu por insuficiência de
provas ou desclassificação da conduta prevista na denúncia (tráfico) para a prevista no art. 28 da Lei
11.343/06 (usuário) ou, ainda, em caso de condenação, "deve ser deferida a conversão da pena
privativa de liberdade por restritiva de direitos, conforme garantida pala lei penal, e ainda, que sua
pena seja fixada no mínimo legal pelas circunstâncias já elencadas." (fls. 71/78).

12. Certidões de antecedentes criminais do réu às fls. 59/70 e 79/81.

13. É o relatório. Passo a decidir.

II- FUNDAMENTAÇÃO
14. Cuida-se de ação penal pública na qual é imputado ao réu ADRIANO RODRIGUES
DOS SANTOS a prática, em tese, do crime disposto no art. 33, § 1º, inciso I, da Lei nº 11.343/06,
cuja redação é a seguinte, in verbis:

"Art. 33. Importar, exportar, remeter, preparar, produzir, fabricar,


adquirir, vender, expor à venda, oferecer, ter em depósito, transportar, trazer
consigo, guardar, prescrever, ministrar, entregar a consumo ou fornecer
drogas, ainda que gratuitamente, sem autorização ou em desacordo com
determinação legal ou regulamentar:
Pena - reclusão de 5 (cinco) a 15 (quinze) anos e pagamento de 500
(quinhentos) a 1.500 (mil e quinhentos) dias-multa.
§ 1º Nas mesmas penas incorre quem:
I - importa, exporta, remete, produz, fabrica, adquire, vende, expõe à
venda, oferece, fornece, tem em depósito, transporta, traz consigo ou guarda,
ainda que gratuitamente, sem autorização ou em desacordo com
determinação legal ou regulamentar, matéria-prima, insumo ou produto
químico destinado à preparação de drogas;
[...]."

15. Ao que se depreende das provas colacionadas aos autos, mostra-se facilmente
perceptível que a conduta perpetrada pelo acusado encaixa-se perfeitamente no tipo penal transcrito,
mais especificamente quanto ao núcleo "guarda".

16. Revendo o histórico dos fatos, observa-se que o réu foi preso em flagrante delito no
dia 29 de setembro de 2015 quando do cumprimento da ordem de prisão temporária e busca e
apreensão expedida por este Juízo nos autos do Inquérito Policial nº 1.053/2013-SR/DPF/CE (nº
0003914-55.2014.4.05.8100) - Operação Cardume.

17. A Operação Cardume investiga Organização Criminosa composta por vários núcleos
que interagem entre si na logística do tráfico internacional de drogas (aquisição do entorpecente na
Bolívia e no Paraguai para revenda interna, principalmente no Ceará e no Rio Grande do Norte, e
para exportação para Portugal e Itália; desvio irregular de insumos químicos para desdobro da
cocaína; lavagem de dinheiro).

18. ADRIANO RODRIGUES DOS SANTOS estaria inserido dentro da Organização no


núcleo dos químicos, como atravessador de insumos, repassando os produtos aos traficantes para
desdobro de drogas, figurando também como traficante em caráter local.

19. O decreto de temporária e a busca e apreensão foram ordenados diante de firmes


indícios de que o investigado "seria atravessador de substâncias químicas repassadas por
MARLENE e IGOR EULLER. Manteria contato direto com os traficantes e também negociaria
drogas, conforme áudios interceptados. Esse investigado é criminoso habitual, já respondendo
criminalmente pelos crimes de homicídio simples (proc. 0792510-58.2014.8.06.0001 JC/CE, 5ª
Vara do Júri), homicídio qualificado (proc.0453947-73.2011.8.06.0001 JE/CE, 1ª Vara do Júri),
desacato a autoridade (proc.0000932-38.2013.8.06.0018 JE/CE, 6ª Vara Criminal) e tráfico de
drogas (proc. 0057183-30.2013.8.06.0001, 3ª Vara de Delitos de Trafico de Drogas)" (item 113.9 da
decisão que determinou prisões preventivas, temporárias, conduções coercitivas, buscas e
apreensões, indisponibilidade de bens e de contas bancárias na denominada Operação Cardume,
incidente nº 0003913-70.2014.4.05.8100).

20. Quando do cumprimento da busca e apreensão, foram encontrados, no domicílio do


imputado, cinco celulares, seis chips de celular, quatorze pequenas garrafas, tipo ampola, vazias,
com diversas tampas de borracha e um vidro escuro contendo 500 ml de clorofórmio (v. fls. 12/20
do IPL).

21. A substância química em questão, clorofórmio, além de ser utilizada para fabricação
de entorpecentes, está sujeita a controle e fiscalização pela Polícia Federal (v. fl. 11 do IPL), tendo a
prisão em flagrante do imputado ocorrido exatamente quando do cumprimento da busca e apreensão
determinada no bojo da Operação Cardume na qual sobressai o envolvimento do agente com o
desdobro de drogas.

22. Como se sabe, a plena caracterização da tipicidade penal exige irretorquível


incidência da materialidade e da autoria delitiva.

23. Na hipótese sob exame, a materialidade resta indubitavelmente comprovada, ex vi do


LAUDO DE PERÍCIA CRIMINAL FEDERAL (QUÍMICA FORENSE) acostado às fls. 07/11 do
IPL (LAUDO Nº 817/2015-SETEC/SR/DPF/CE), onde os peritos concluíram que "todos os ensaios
realizados na amostra questionada revelam a presença do produto químico CLOROFÓRMIO".
Sobre tal substância, respondendo aos quesitos da autoridade policial, os peritos assim se
pronunciaram: "A substância Clorofórmio encontra-se relacionada na Lista II dos produtos
químicos sujeitos a controle e fiscalização da Polícia Federal do Anexo I da Portaria nº 127/MJ. De
26.08.03, publicada no D.O.U. em 26.08.03, de acordo com as condições de seu adendo."

24. Pertinente à autoria, a mesma conclusão se impõe.

25. Como primeiro elemento de convicção, não há que se desprezar a situação de


flagrância, ou seja, o fato do réu ter sido preso em flagrante na sua residência, na pose de um frasco
contendo 500 ml de clorofórmio e 14 frascos de vidro com tampa de borracha, os quais seriam
utilizados para a comercialização do clorofórmio (Auto Circunstanciado de Busca e Arrecadação -
fl. 19/20), o que, por si só, perfaz a conduta de guarda. Não se pode olvidar, a propósito, a
pertinente lição de Hélio Tornaghi, no sentido de que "a flagrância é talvez a mais eloquente prova
de autoria de um crime" (Instituições de processo penal, 2ª Ed., Vol. 3, p. 259).

26. Ademais, o próprio acusado confessou, tanto em sede policial como em juízo, a
aquisição e guarda do clorofórmio encontrado na sua residência, fato confirmado neste Juízo pelas
testemunhas de acusação, os policiais federais Henrique Terêncio Cunha da Silveira Araújo e José
Calixto Júnior. Nenhuma dúvida, portanto quanto à materialidade e autoria, Passemos, portanto, às
alegações do réu (autodefesa) e do seu defensor.

27. Interrogado na polícia, o réu apresentou a seguinte versão (fls. 4/5 IPL):

"(...) QUE, há seis meses tem como fonte de renda a execução de serviços de pintura, eletricidade e
gesso em apartamentos; QUE antes trabalhava na empresa HISPANO ESTRUTURA METÁLICA,
com sede em Pacajus/CE e escritório nessa Capital, na função de montador de estrutura metálica,
onde trabalhou com carteira assinada no período de 2007 a 2013 e também em 2014; QUE pediu
para sair em acordo com a empresa para receber o seguro-desemprego, tendo retornado em 2014,
até que foi demitido em fevereiro de 2015; QUE já foi preso anteriormente pelo crime de tráfico de
drogas no ano de 2011 (crack), tendo processo judicial tramitando na Justiça Estadual do ceará, e
posse de munição em 2013; QUE indagado sobre o insumo químico encontrado em sua residência
no dia de hoje, acondicionado em uma garrafa de vidro contendo cerca de meio litro da substância,
a qual foi submetida a exame delo SETEC e identificada como clorofórmio, respondeu que era para
tirar cola de adesivo de carro; QUE recebeu faz dois meses esse produto de um rapaz que trabalha
com película e adesivo para carro, para a retirada de um adesivo grande e um fumê do seu carro;
QUE não sabe o nome do rapaz, mas que o mesmo pode ser encontrado pela feira livre do bairro
Álvaro Weyne; QUE de dois meses para cá só utilizou o insumo para retirar um adesivo e o fumê do
seu carro; QUE vive amasiado com JAMILY KELLY GONÇALVES DA SILVA, que possui uma
pequena empresa chamada Jamily Kelly cujo objeto é a confecção de roupa íntima; QUE chegou a
fazer um curso de tiro no ano de 2013 com a intenção de trabalhar como vigilante, mas seu projeto
mão foi adiante em razão dos seus antecedentes criminais em tramitação; (…)"

28. A primeira tese apresentada pelo réu, portanto, é a de haver comprado o clorofórmio
para "tirar cola de adesivo de carro", tendo utilizado-o para "retirar um adesivo e um fumê de seu
carro".

29. Em juízo (fls. 35/41), o réu apresentou outra versão para os fatos. Afirmou que
utilizava o clorofórmio encontrado em sua residência para consumo pessoal como droga e não para
venda. Com relação aos quatorze pequenos frascos encontrados junto com o clorofórmio, disse que
os usava quando ia para uma festa, para facilitar a condução e o uso, só não conseguiu explicar
porque tamanha quantidade. Enfim, mudou a versão de "uso para tirar a cola de adesivo de carro",
para "uso próprio como droga". Obviamente, o único intuito de tal versão é o de desqualificar o
tipo, já que um vidrinho seria suficiente para consumo.

30. A defesa técnica apresentou a tese de que o réu utilizava o clorofórmio como droga,
ou seja, o acusado seria apenas usuário de droga (fls. 71/77). Interessante, no entanto, a versão
sobre os quatorze frascos apreendidos com a substância química; diferentemente do acusado, que
afirmou que usava tais frascos para levar o produto para as festas a fim de facilitar a condução e o
uso, o nobre defensor afirmou que "seria proveniente de compras anteriores, já que comprava a
droga pronta para uso e ao final guardava os frascos" (fl. 72). Tal versão vai de encontro, também, à
afirmação do réu em juízo de que havia comprado "meio litro no carnaval do ano passado", sendo
que, tal produto foi encontrado na residência dentro de um só recipiente, e não em vários frascos
pequenos. Na verdade, os frascos em questão estavam prontos para acondicionar pequenas
quantidades, as quais, com certeza, seriam para venda.

31. Dessartes, o contexto probatório demonstra que as versões do réu não se sustentam,
especialmente a sua vida pregressa. As investigações da "Operação Cardume" (IPL 1053/2013)
demonstraram que o envolvimento do acusado com o tráfico de drogas remonta ao ano 2011.

32. Observa-se que a conduta perpetrada pelo acusado ADRIANO RODRIGUES DOS
SANTOS de guardar, sem autorização do órgão competente, substância química comumente
destinada à preparação do entorpecente conhecido por "loló" ou "lança perfume", por si só se
encaixa perfeitamente no tipo penal previsto no art. 33, § 1º, inciso I, da Lei nº 11.343/06, mais
especificamente quanto ao núcleo guardar.

33. Ademais, como bem salientou o nobre Procurador da República na fl. 51, o tipo em
comento "cuida-se de crime comum, de mera conduta, comissivo, permanente e doloso. Para sua
concretização basta a realização dos núcleos do tipo "sem autorização ou em desacordo com
determinação legal ou regulamentar", e que a matéria prima, insumo ou produto químico possa ser
destinado ao preparo da substância entorpecente, não sendo necessário que apresente de plano, os
efeitos ou propriedades da droga." Continuou, aduzindo que "o dolo do tipo é genérico, sendo
desnecessário que o agente queira destinar a matéria-prima à produção de entorpecentes, pois não se
exige qualquer fim específico para que se consume o crime em comento." (posição diferente do
Baltazar) Dessa forma, mesmo que o destino da substância química em questão não fosse a
fabricação de entorpecente, ainda assim, o crime estaria consumado.

34. Outrossim, as circunstâncias do fato apontam para a competência da Justiça Federal,


uma vez que o acusado faz parte da Organização Criminosa que internaliza entorpecentes da
Bolívia e do Paraguai, abastecendo o mercado local e exportando cocaína para a Europa. O réu,
usando a função que exerce em tal organização (negociar a venda dos produtos diretamente com
traficantes de drogas que atuam no Ceará e no Rio Grande do Norte), atua "por fora", guardando em
sua residência produto químico (não autorizado pelo órgão competente) destinado à preparação de
entorpecente. Tal fato demonstra a conexão concursal e probatória com a atuação do réu na
Organização Criminosa investigada na "Operação Cardume", o que determina a competência desta
Justiça Federal, conforme disposto na súmula 122 do STJ.

35. Visto isso, tenho que o conjunto probatório, associado às circunstâncias em que se
deram os fatos, mostra que os elementos incriminadores do réu ADRIANO RODRIGUES DOS
SANTOS apresentam-se seguros e harmônicos, convergindo conclusivamente para a convicção
deste Magistrado acerca da culpabilidade dela no crime tipificado no art. 33, § 1º, inciso I, da Lei nº
11.343/06.

III- DECISÃO

36. Ante o exposto, JULGO PROCEDENTE a pretensão punitiva estatal e CONDENO o


réu ADRIANO RODRIGUES DOS SANTOS, brasileiro, união estável, metalúrgico, identidade nº
5264362 - MTPS/CE, CNH nº 464950825 CE, CPF nº 603.118.593-80, filho de José Ribmar Alves
dos Santos e de Maria Eliane Rodrigues Alves, nascido aos 22/10/1988, natural de Fortaleza/CE,
identidade nº 11728889/MJ/PORT, residente na Rua I, nº 23, altos, primeiro apartamento, bairro
Grilo - Caucaia/CE, às penas do art. 33, § 1º, inciso I, da Lei nº 11.343/2006.

37. Passo, pois, à fixação da pena do condenado, adotando o procedimento trifásico.

A. Pena base

38. Determina o art. 42 da Lei nº. 11.343/2006 que "O Juiz, na fixação das penas,
considerará, com preponderância sobre o previsto no art. 59 do Código Penal, a natureza e a
quantidade da substância ou do produto, a personalidade e a conduta social do agente". O primeiro
elemento consignado no preceito - natureza da substância - é conducente, in casu, à fixação da pena
no seu mínimo legal, já que comum ao tipo.

39. Quanto aos demais elementos de aferição da pena-base - quantidade da substância,


personalidade e a conduta social do agente -, quanto aos dois primeiros, são conducentes, in casu, à
fixação da pena no mínimo legal, pois comum ao tipo.

40. Quanto aos dois últimos - personalidade e a conduta social do agente -, deve-se
registrar que a personalidade do condenado e a sua culpabilidade convergem a um juízo de
reprovabilidade mais acentuado. Com efeito, o réu é criminoso habitual, já respondendo
criminalmente por homicídio simples (proc. 0792510-58.2014.8.06.0001 JC/CE, 5ª Vara do Júri),
homicídio qualificado (proc.0453947-73.2011.8.06.0001 JE/CE, 1ª Vara do Júri), desacato a
autoridade (proc.0000932-38.2013.8.06.0018 JE/CE, 6ª Vara Criminal) e tráfico de drogas (proc.
0057183-30.2013.8.06.0001, 3ª Vara de Delitos de Trafico de Drogas). Nota-se, portanto, que se
trata de pessoa voltada para o crime, portanto, plenamente ciente da ilicitude do crime de tráfico de
entorpecentes.

41. Quanto aos vetores circunstâncias e conseqüências do crime, reputo-os como normal
ao tipo.

42. Assim, reputo como sendo necessário e suficiente para a reprovação do crime a
fixação da pena-base um pouco acima do mínimo legal para o crime previsto no 33, § 1º, inciso I,
da Lei nº 11.343/06, que ora FIXO em 06 (seis) anos de reclusão.

B. Agravantes/atenuantes

43. Inexistem agravantes e atenuantes

C. Majorantes/Minorantes - Pena definitiva

44. Inexistem majorantes e minorantes.

45. À vista disso, torno definitiva para o acusado ADRIANO RODRIGUES DOS
SANTOS a pena de 06 (seis) anos de reclusão que deverá ser cumprida em regime inicial fechado
(art. 2º, § 1º, da Lei 8.072/1990).

D. Fixação da pena de multa e condenação em custas

46. O art. 33, caput, da Lei nº 11.343/2006 prevê a imposição de pena pecuniária de 500
(quinhentos) a 1.500 (mil e quinhentos) dias-multa. Por outro lado, o art. 43 do mesmo diploma
legal estabelece que "Na fixação da multa a que se referem os arts. 33 a 39 desta Lei, o juiz,
atendendo ao que dispõe o art. 42 desta Lei, determinará o número de dias-multa, atribuindo a cada
um, segundo as condições econômicas dos acusados, valor não inferior a um trinta avos nem
superior a 5 (cinco) vezes o maior salário mínimo". Fixo, portanto, a pena de multa em 600
(seiscentos) dias-multa, correspondendo cada dia-multa a um salário mínimo vigente à época dos
fatos, devendo ser atualizado monetariamente desde a data do fato. O pagamento da pena de multa
deverá ser realizado dentro de 10 (dez) dias, contados da data do trânsito em julgado desta sentença
condenatória (art. 50, caput, do Código Penal).

E. Da apelação

47. Deixo de facultar a interposição de recurso em liberdade (art. 59, da Lei nº


11.343/2006), pois continuam presentes os pressupostos para a manutenção da custódia cautelar do
réu, conforme fundamentos constantes na decisão cuja cópia está acostada nas fls. 42/46 do IPL em
apenso, fatos que tornam necessária a prisão provisória para assegurar a aplicação da lei repressora
e a garantia da ordem pública. Ademais disso, ressalte-se que o condenado permaneceu preso desde
a lavratura do flagrante; seria, portanto, inconcebível contradição a sua libertação no momento
exato em que surge Juízo exauriente acerca de sua culpabilidade. Expeça-se, portanto, o competente
mandado de prisão (decorrente da sentença condenatória).

F. Providências finais

48. Determino, ainda, independentemente do trânsito em julgado, a expedição de ofício à


Polícia Federal, nos termos do art. 58, § 1º, da Lei nº 11.343/2006, autorizando a incineração da
droga apreendida, preservando-se a fração para eventual contraprova.

49. Determino, após o trânsito em julgado desta sentença: a) a expedição de ofício ao Eg.
Tribunal Regional Eleitoral do Estado do Ceará, para os fins do art. 15, III, da CF/88; b) a remessa
dos autos à Vara Federal competente à execução da pena aqui aplicada.

50. Custas processuais devido pelo condenado, a serem calculadas em conformidade


com o Manual de Orientações de Procedimentos para os Cálculos na Justiça Federal.
51. Sentença publicada em mãos da Diretora de Secretaria.

52. Registre-se. Intimem-se.

53. Expedientes necessários.

Fortaleza, 21 de janeiro de 2016.

DANILO FONTENELLE SAMPAIO


Juiz Federal titular da 11ª Vara/CE
CRIMES DE PREFEITOS

Processo nº: 0013832-88.2011.4.05.8100


AÇÃO PENAL - Classe: 240
AUTOR: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL
RÉU: FRANCISCO JOSÉ CUNHA DE QUEIROZ

S ENTEN ÇA

1. Relatório

Trata-se de Ação Penal na qual o MPF ofertou denúncia em desfavor de FRANCISCO JOSÉ
CUNHA DE QUEIROZ, brasileiro, casado, ex-prefeito do Município de Pacajus/CE, empresário,
portador da ID de nº 2007045026-3/SSP-CE e do CPF de nº 023.161.533-72, residente na Rua
Cícero Nogueira, 100, Pacajus/CE, imputando-lhe a prática do crime previsto no art. 1º, III, do
Decreto-lei 201/67.

Narra a denúncia que o acusado, no ano de 2006, recebeu verbas do Ministério da Educação,
através do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação, para custear despesas com o
transporte público de alunos residentes na área rural. Conforme a acusação, o réu "ultrapassou o
limite de combustível permitido a ser utilizado, conforme Resolução CD/FNDE nº 12, de 5 de abril
de 2006."

Despacho determinando a expedição de carta precatória ao juízo estadual de Pacajus/CE


para realização de audiência com a finalidade de ofertar sursis ao acusado (fl. 20).

Após várias tentativas frustradas, o acusado foi citado e intimado, consoante mandados e
certidões de fls. 27/28 e 30/31. No juízo deprecado, por diversas vezes, a audiência admonitória foi
redesignada, tendo o Oficial de Justiça certificado, quando do cumprimento de uma das diligências,
a suspeita de ocultação do réu, consoante certidão de fl. 46. Na audiência realizada no dia
22/01/2013, o acusado, acompanhado de seu advogado, recusou a proposta de suspensão
condicional do processo e requereu prazo para apresentação de sua defesa, conforme termo de
audiência de fl. 47.

Defesa apresentada às fls. 50/55 na qual o acusado alega inépcia da denúncia e atipicidade
da conduta por ausência de dolo.

Réplica às fls. 65/67.

Decisão de fls. 69 na qual o juízo da 12ª Vara, então processante, determinou o


prosseguimento da ação penal.

Autos redistribuídos a esta 32ª Vara em observância ao art. 4º da Resolução 001/2014, de


19/02/2014, do TRF da 5ª Região (fl. 74).

Expedida carta precatória ao juízo de Pacajus/CE para a realização do interrogatório e,


devidamente intimado (fls. 100/101), o acusado não compareceu na data designada, o que ensejou a
devolução da carta precatória sem o devido cumprimento.

O Ministério Público Federal requereu, à fl. 107, a decretação da revelia do acusado e o


prosseguimento do feito, consoante previsão do art. 367 do CPP.
Revelia decretada à fl. 108.

Instados a se manifestarem acerca de diligências, nos termos do art. 402 do CPP, o


Ministério Público Federal informou que nada tem a requerer e a defesa, devidamente intimada
através de publicação, não se manifestou.

Memoriais da acusação de fls. 116/120 nos quais o MPF pugnou pela condenação do
acusado na sanção cominada ao art. 1º, III, do Decreto-lei 201/67.

Certidões de antecedentes criminais às fls. 123/127.

A defesa, nos memoriais de fls. 136/159, alegou a incompetência da Justiça Federal para o
processamento do feito e a existência de nulidade processual decorrente da ausência de intimação
da defesa acerca da decisão de recebimento de denúncia e do interrogatório do acusado. Informou
que a denúncia não imputa conduta delitiva na qual o réu tenha obstado dever funcional exigido
pelo tipo penal do art. 1º, III, do Decreto-lei 201/67 e, ainda, questionou a aplicação da Resolução
nº 12, do FNDE, ao fato em apuração.

É o relatório.

2. Fundamentação

Inicialmente, a defesa aduz que o repasse efetivado pelo Ministério da Educação, através do
FNDE - Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação, inerente ao PNATE (Programa
Nacional de Apoio ao Transporte Escolar), não se constitui de verba federal, mas sim de verba
municipal, inobstante esteja sujeito à prestação de contas junto ao FNDE, fato que reclama a
competência da Justiça Estadual.

A tese da incompetência não merece prosperar.

É que a verba decorrente do PNATE (Programa Nacional de Apoio ao Transporte Escolar),


inobstante o repasse seja realizado diretamente entre o Ministério da Educação, sem necessidade de
celebração de convênio, constitui-se de verba federal vez que, além de ter sido instituída pelo
Governo Federal através da Lei nº 10.880/20041 para suplementar os recursos dos entes federados
destinados ao transporte escolar dos alunos residentes na zona rural, a prestação de contas deverá
ser submetida à autarquia federal, o FNDE - Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação.

Assim, a atuação da Justiça Federal se justifica diante do evidente interesse da União,


consoante previsão do art. 109, IV, da Constituição Federal, associado ao que dispõe o verbete da
Súmula n.º 208 do STJ: "Compete à Justiça Federal processar e julgar Prefeito Municipal por
desvio de verba sujeita a prestação de contas perante órgão federal".

Transcrevo julgado no mesmo sentido:

PROCESSUAL CIVIL. ADMINISTRATIVO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA.


IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. EX-PREFEITO. EX-TESOUREIRO
E EX-SECRETÁRIA DE EDUCAÇÃO. OMISSÃO NA PRESTAÇÃO DE
CONTAS E/OU PRESTAÇÃO DE CONTAS A DESTEMPO SEM
JUSTIFICATIVA PLAUSÍVEL. IRREGULARIDADE NA APLICAÇÃO
DE RECURSOS PÚBLICOS FEDERAIS. CONVÊNIO. FNDE E
MUNICÍPIO. FATOS COMPROVADOS. ATO DE IMPROBIDADE
CONFIGURADO. VERBA PÚBLICA FEDERAL. COMPETÊNCIA.
JUSTIÇA FEDERAL.
1. Não prospera a tese de incompetência da Justiça Federal, considerando-se
que se trata de verbas repassadas, por força da Lei 10.880/2004 (art. 2º),
decorrente do Programa Nacional de Apoio ao Transporte Escolar (PNATE),
de abril a dezembro de 2004, pelo Fundo Nacional de Desenvolvimento da
Educação (FNDE), cuja fiscalização está sujeita aos controles da
autarquia e do Tribunal de Contas da União, como órgão de controle
externo. (...). (AC 00020781720064014001 - AC - APELAÇÃO CIVEL -
00020781720064014001, TRF 1, DESEMBARGADOR FEDERAL
OLINDO MENEZES, Quarta Turma, Fonte: e-DJF1 DATA:04/08/2014,
PAGINA:83)

Portanto, não assiste razão à defesa quanto à incompetência da Justiça Federal.

O réu aponta a existência de nulidade processual em virtude da ausência de intimação da


defesa em dois momentos: quando do recebimento da denúncia e no interrogatório, ocorrido no
juízo deprecado.

Aduz que o vício decorrente da inexistência de intimação acerca da decisão de recebimento


da denúncia comprometeu o exercício da ampla defesa vez que impossibilitou o manejo de recurso
em sentido estrito visando à rejeição da denúncia.

Inicialmente, registre-se que, em que pese não haver texto expresso sobre seu recebimento, a
denúncia foi efetivamente recebida em 07/11/2011, por meio da decisão de fl. 21, quando o juízo da
12ª Vara, então processante, acolheu a promoção do MPF de suspensão condicional do processo,
bem como determinou a expedição de carta precatória a Pacajus/CE, consoante cópia de fl. 23,
sendo a citação cumprida em junho/2012 (fl. 28), momento em que o acusado tomou conhecimento
da denúncia.

Neste momento processual, quando efetivada a citação, o réu foi devidamente intimado do
recebimento da denúncia, não sendo possível a intimação do advogado vez que a defesa técnica
ainda não havia se habilitado nos autos.

Acrescente-se que o acusado, ao recusar, juntamente com seu advogado Jeferson Cavalcante
de Lucena, a proposta de sursis, consoante termo de fl. 47, apresentou resposta à acusação, fls.
50/55, sem, contudo, apontar qualquer vício atinente à intimação da decisão de recebimento da
denúncia.

O entendimento dos nossos Tribunais Superiores é no sentido de considerar válido o


recebimento implícito da denúncia quando o juiz, por exemplo, designa a data do interrogatório,
bem como quando pratica atos no sentido do prosseguimento da ação penal deflagrada.

Sobre o ponto, colaciona-se o seguinte precedente exarado pelo Superior Tribunal de Justiça:

HABEAS CORPUS. PROCESSUAL PENAL. TESE DE OCORRÊNCIA


DA PRESCRIÇÃO DA PRETENSÃO PUNITIVA. DESPACHO QUE
DESIGNA INTERROGATÓRIO E OITIVA DE TESTEMUNHAS.
VALIDADE COMO RECEBIMENTO IMPLÍCITO DA DENÚNCIA.
LAPSO TEMPORAL DE QUATRO ANOS NÃO TRANSCORRIDO.
CONSTRANGIMENTO ILEGAL NÃO DEMONSTRADO.
1. Nos termos da jurisprudência desta Corte Superior, é perfeitamente
admissível e válido o recebimento implícito da denúncia. O ato do juízo
processante que designa data para o interrogatório do réu e/ou determina a
oitiva de testemunhas equivale, tacitamente, ao recebimento da exordial
acusatória.
2. Assim sendo, não se vislumbra a ocorrência da extinção da punibilidade
pela prescrição da pena in concreto, uma vez que, ao contrário do alegado,
não se demonstrou, na espécie, o transcurso de lapso prescricional superior a
quatro anos entre os marcos interruptivos.
3. Ordem denegada.
(HC 141.988/MS, Rel. Ministra LAURITA VAZ, Quinta Turma, julgado em
22/03/2011, DJe 06/04/2011)

Ressalte-se que a inobservância de algumas normas processuais ensejam nulidades, as quais


são hábeis a atingir determinados atos do processo, refazendo-os ou saneando-os, a depender da
irregularidade, com o claro intuito de albergar os direitos das partes, quando do curso da demanda.
E a base principiológica norteadora das nulidades possui relação direta com o prejuízo ocasionado à
parte, com fulcro na máxima pas de nullité sans grief. Com efeito, é imprescindível, para o
reconhecimento de determinada nulidade, a demonstração que o ato danoso ensejou à parte um
efetivo prejuízo, nos termos do art. 563 do Código de Processo Penal (CPP).

Além disso, nos termos do art. 570, do CPP2, o comparecimento do réu, dentro do
escoamento do prazo, faz com que a nulidade seja sanada. Neste sentido, na oportunidade em que
apresentou resposta à acusação, a defesa não alegou qualquer vício em relação ao recebimento da
denúncia, o que deveria ter feito, caso vislumbrasse tal defeito, em conformidade com o princípio
da eventualidade.

Assim, verificando, in casu, que o acusado, devidamente citado à fl. 28, exerceu plenamente
seu direito de defesa, apresentando, posteriormente, em razão de sua recusa à proposta de sursis,
resposta à acusação, através de advogado constituído, ocasião, frise-se, em que a defesa não
mencionou a existência de nulidade no recebimento da denúncia, entendo ausente qualquer prejuízo
à defesa a justificar a declaração de nulidade.

Ademais, em se tratando de nulidades, vigora o sistema da instrumentalidade das formas, de


maneira que só se invalida o ato praticado em desacordo com a forma legal caso não tenha
alcançado a sua finalidade, o que não se verifica na espécie.

Da mesma forma, inexiste nulidade relacionada à intimação da defesa para comparecimento


à audiência do interrogatório do réu vez que, expedida carta precatória com esta finalidade, as
partes foram intimadas, através de publicação, consoante certidão constante à fl. 78, sendo
desnecessária nova intimação no juízo deprecado, devendo a defesa acompanhar o trâmite
processual, conforme dispõe o art. 222, caput, do Código de Processo Penal, aclarado pelo verbete
da Súmula 2733 do STJ. Tal procedimento se coaduna com o princípio da celeridade processual.

Ressalte-se que o acusado foi pessoalmente intimado para comparecer à audiência destinada
ao seu interrogatório, conforme se vê às fls. 100/101, entretanto deixou de comparecer ao ato
processual (fls. 103), tornando-se revel.

Refutadas as preliminares levantadas pela defesa, passo ao exame do mérito.

O Ministério Público Federal imputou ao acusado, na condição de ex-prefeito de


Pacajus/CE, a conduta descrita no art. 1º, III, do Decreto-lei 201/67:

Art. 1º São crimes de responsabilidade do Prefeito Municipal, sujeitos ao


julgamento do Poder Judiciário, independentemente do pronunciamento da
Câmara dos Vereadores:
(...)
III - desviar, ou aplicar indevidamente, rendas ou verbas públicas;
(...)
§ 1º Os crimes definidos neste artigo são de ação pública, punidos os dos
itens I e II, com a pena de reclusão, de dois a doze anos, e os demais, com a
pena de detenção, de três meses a três anos.

A denúncia informa que o acusado, quando exercia o cargo de Prefeito de Pacajus/CE, no


ano de 2006, aplicou indevidamente a verba pública decorrente do PNATE vez que ultrapassou, em
R$ 33.428,38 (trinta e três mil, quatrocentos e vinte e oito reais e trinta e oito centavos), o limite de
gasto com combustível, em desacordo com a determinação da Resolução do FNDE nº 12, no art. 6º,
c, nestes termos:

c) as despesas com combustível e lubrificantes não poderão exceder a R$


3.000,00 (três mil reais), quando o valor da parcela mensal for de até R$
15.000,00 (quinze mil reais) e 20% (vinte por cento) da parcela mensal
quando o seu valor for superior a R$ 15.000,00;

A materialidade do delito restou comprovada pelo FNDE - Fundo Nacional de


Desenvolvimento da Educação, através da notificação nº 39933 (fl. 11) e do Demonstrativo de
Débito (fl. 13), ambos atestando a utilização dos recursos em descompasso com a legislação.

Quanto à autoria, verifica-se que o acusado, na qualidade de Prefeito de Pacajus/CE, no ano


de 2006, recebeu a verba do PNATE, consoante cópia do ofício apresentado pela defesa à fl. 58,
datado de 11/04/2007, através do qual o réu FRANCISCO JOSÉ CUNHA DE QUEIROZ
encaminha a prestação de contas do referido programa ao FNDE (fls. 59/60), da qual se depreende
que os gastos com combustível superam os limites legais.

Quanto à alegativa sustentada pelo réu de inaplicabilidade da Resolução nº 12 do FNDE ao


caso em exame por não se constituir de lei stricto sensu e devido ao fato de só ter sido publicada
quando já se encontrava em andamento a aplicação dos recursos repassados do PNATE, não merece
acolhida. É que, conforme o art. 2º, § 2º, da Lei 10.880/04, "o Conselho Deliberativo do FNDE
divulgará, a cada exercício financeiro, a forma de cálculo, o valor a ser repassado aos Estados, ao
Distrito Federal e aos Municípios, a periodicidade dos repasses, bem como as orientações e
instruções necessárias à execução do PNATE, observado o montante de recursos disponíveis para
este fim constante da Lei Orçamentária Anual, e em suas alterações, aprovadas para o Fundo".
Frise-se que a Resolução 12 foi publicada em 5 de abril de 2006, isto é, antes do período da
execução do repasse, compreendido de 11/04/2006 a 31/07/2007, consoante se verifica na prestação
de contas de fl. 59, não comprometendo a vigência e eficácia da norma ao caso. Acrescente, ainda,
que, como gestor de verbas públicas, o acusado, obrigatoriamente, deveria ter se ajustado às regras
fundamentais à correta aplicação dos repasses financeiros.

Em conexão com o argumento precedente, a defesa arguiu ainda que a exigência legal não
pode refletir no "custo de combustível" necessário à execução do serviço de transporte,
especialmente quando incide variantes, preços não sujeitos a controle público, como, a título de
ilustração, distância do Município, vias de acesso, quantidade de transportados, que repercutem na
quantidade e preço do combustível utilizado. A Resolução 12, avessa a subjetivismos, procura
estabelecer padrões objetivos para a aferição de gastos com o dinheiro público.

Registro, ainda, que o argumento consistente da não indicação da conduta de má-fé e


na inexistência de comprovação de dano ao erário e enriquecimento próprio e de terceiro, não
devem ser considerados haja vista que o foco da acusação reside na aplicação de recursos federais
em desconformidade com as normas, no caso a Resolução nº 12 do FNDE. O tipo é de mera
conduta4. Com efeito, a simples aplicação em desconformidade com a orientação legal já é
suficiente para a consumação do crime. A norma limita-se a descrever uma conduta, sem
qualquer menção a resultados naturalísticos. O dolo encontra-se presente na vontade livre e
consciente do acusado em exceder o limite estabelecido para o gasto com combustível.

Quanto ao argumento da ausência de justa causa, o parecer favorável do Conselho de


Acompanhamento não vincula o FNDE, consoante previsão do art. 11, § 4º, b da Resolução nº 12
do FNDE:

"na hipótese de parecer desfavorável do CACS-FUNDEF, ou discordância


com a posição firmada no parecer, ou, ainda, com os dados informados no
demonstrativo, notificará o OEx para, no prazo de até 30 (trinta) dias,
contados da data do recebimento da notificação e, sob pena de bloqueio dos
repasses financeiros à conta do PNATE, apresentar recurso ao FNDE, com a
correção e novo parecer."

Portanto, compreendo que os argumentos apresentados pela defesa não são idôneos a
comprometer a materialidade e a autoria do crime previsto no art. 1º, III, do Decreto-lei 201/67,
restando evidente o dolo e inafastável a censura penal.

3. Dispositivo

Ante o exposto, julgo PROCEDENTE a pretensão punitiva estatal e, por consequência,


CONDENO o acusado FRANCISCO JOSÉ CUNHA DE QUEIROZ, já qualificado nos autos,
como incurso nas penas do art. 1º, III, do Decreto-lei 201/67, passando a dosar a pena a ser-lhe
aplicada.

- Fixação da pena base

Considerando as circunstâncias judiciais do art. 59 do Código Penal, ou seja, os


antecedentes, a conduta social, a personalidade do agente, os motivos, as circunstâncias e
consequências do crime, bem como o comportamento da vítima (FNDE), verifico que a
culpabilidade é normal à espécie. No caso, o réu poderia, nas circunstâncias, deixar de praticar o
crime, contudo, de forma livre e consciente, optou por praticá-lo ao aplicar valores acima do limite
previsto na Resolução nº 12 do FNDE, com aquisição de combustível, incorrendo, assim, sua
censura penal. Quanto aos antecedentes, não há registro nos autos. Os motivos do crime são
desconhecidos. Quanto à conduta social e a personalidade do agente, não existem informações
objetivas desfavoráveis. As circunstâncias do crime encontram-se relatadas na fundamentação e, no
caso, não favorecem nem prejudicam o acusado. Quanto às consequências do crime, nota-se que são
as inerentes ao tipo penal. O comportamento da vítima em nada contribuiu para o cometimento do
delito, razão pela qual nada se tem a valorar.

Assim, analisadas as circunstâncias subjetivas e objetivas do art. 59 do Código Penal, as


quais não se mostram desfavoráveis ao acusado, fixo a pena-base no mínimo cominado em abstrato
para o crime, ou seja, em 3 (três) meses de detenção.

- Circunstâncias atenuantes e agravantes.

Ausentes circunstâncias atenuantes e agravantes.


- Causas de diminuição e de aumento de pena.

Não foram verificadas no caso concreto quaisquer causas de diminuição e aumento de pena.

- Pena privativa de liberdade definitiva e regime de cumprimento da pena.

Destarte, tenho como definitiva a pena privativa de liberdade de 3 (três) meses de detenção,
a ser cumprida em regime aberto (Art. 33, § 2º, c, do Código Penal).

- Substituição da pena privativa de liberdade por pena restritiva de direito e/ou suspensão
condicional da pena.

Como foi aplicada ao réu pena privativa de liberdade inferior a quatro anos, o crime não foi
cometido com violência ou grave ameaça à pessoa, o réu não é reincidente em crime doloso e ainda
a culpabilidade, os antecedentes, a conduta social e a personalidade do réu, bem como os motivos e
as circunstâncias do crime indicam que a substituição seja suficiente, com fundamento nos arts. 43,
I, 44, I a III e § 2º, parte final, do Código Penal, decido substituir a pena privativa de liberdade,
inferior a um ano, por uma pena restritiva de direitos, consistente em prestação pecuniária (art. 45, §
1º, do Código Penal) no valor de 10 (dez) salários mínimos a uma entidade, pública ou privada, com
destinação social, a ser indicada pelo juízo da execução penal, observado o disposto nas Resoluções
CNJ nº 154, de 13 de julho de 2012 e CJF Nº 295 de 04/06/2014. Com isso, tenho por prejudicada a
apreciação de possível suspensão condicional da pena (art. 77, III, do Código Penal).

Em caso de descumprimento injustificado da pena restritiva de direito, ter-se-á sua


conversão na pena privativa de liberdade anteriormente determinada (art. 44, § 4º, do Código
Penal).

- Efeitos da condenação

Com esteio no art. 1º, § 2º, do Decreto-lei 201/67, determino a inabilitação do réu, pelo
prazo de cinco anos, para o exercício de cargo ou função pública, eletivo ou de nomeação, sem
prejuízo da reparação civil do dano causado ao patrimônio público ou particular.

- Reparação de dano

Observa-se que os fatos ocorreram em 2006, afastando, assim, a incidência do art. 387, IV,
do CPP, que passou a vigorar em 2008 (Lei 11.719/2008), em atenção ao princípio da
irretroatividade da lei penal mais severa (Art. 5º, XL, da CC/88).

De qualquer modo, verifico que não houve pedido formal neste sentido, seja por quem
(ofendido) suportou o prejuízo material ou moral, seja pelo Ministério Público Federal,
impossibilitando, pois, sua apreciação na sentença, diante do princípio da correlação, bem assim em
face das garantias constitucionais do contraditório e da ampla defesa. Ausente o pedido, a
condenação do réu à reparação mínima do dano importaria em julgamento extra petita. Não se cuida
aqui de efeito automático da sentença (art. 91 do CP), exigindo-se, portanto, pedido formal da parte
interessada. Nesse sentido, a doutrina de GUILHERME DE SOUZA NUCCI: "admitindo-se que o
magistrado possa fixar o valor mínimo para a reparação dos danos causados pela infração penal, é
fundamental haver, durante a instrução criminal, um pedido formal para que se apure o montante
civilmente devido. Esse pedido deve partir do ofendido, por seu advogado (assistente de acusação),
ou Ministério Público. A parte que o fizer precisa indicar valores e provas suficientes a sustentá-los.
A partir daí, deve-se proporcionar ao réu a possibilidade de se defender e produzir contraprova, de
modo a indicar valor diverso ou mesmo a apontar que inexistiu prejuízo material ou moral a ser
reparado. Se não houve formal pedido e instrução específica para apurar o valor mínimo para o
dano, é defeso ao julgador optar por qualquer cifra, pois seria nítida infringência ao princípio da
ampla defesa" (Código de Processo penal comentado, 11 ed. São Paulo: Revista dos Tribunais,
2012, p. 742). A doutrina de PAULO RANGEL é no mesmo rumo: Se não houver pedido da parte
(ofendido) habilitado como assistente, que é uma intervenção de terceiros no processo penal), não
poderá haver condenação em indenização, sob pena de se ofender o contraditório e a ampla defesa.
O réu se defende dos fatos narrados na denúncia e nesta não consta (e nem poderá constar por falta
de legitimidade do Ministério Público para postular, em nome do particular lesado, interesses
patrimoniais) pedido de indenização (Direito processual penal, 22 ed. São Paulo: Atlas, 2014, p.
600)

- Providências finais

Após o trânsito em julgado desta sentença, DETERMINO:

a) a inclusão do nome do réu no rol dos culpados;


b) a expedição de ofício ao Tribunal Regional Eleitoral do Estado do Ceará para os fins do
art. 15, III, da Constituição Federal de 1988;
c) a remessa dos autos ao juízo competente para execução da pena aqui aplicada; e
d) baixa na distribuição, remetendo-se os autos ao Setor competente para autuar o feito como
Execução.

Custas processuais devidas pelo réu condenado, a ser calculada em conformidade com o
Manual de Orientação de Procedimentos para os Cálculos na Justiça Federal (Resolução n.º 242/01
do Conselho da Justiça Federal).

Sentença publicada em mãos do Diretor de Secretaria.

Registre-se. Intimações e expedientes necessários.

Fortaleza, 3 de novembro de 2015.

FRANCISCO LUÍS RIOS ALVES


Juiz Federal da 32ª Vara criminal

1 Art. 2º Fica instituído o Programa Nacional de Apoio ao Transporte do Escolar - PNATE, no


âmbito do Ministério da Educação, a ser executado pelo Fundo Nacional de Desenvolvimento da
Educação - FNDE, com o objetivo de oferecer transporte escolar aos alunos da educação básica
pública, residentes em área rural, por meio de assistência financeira, em caráter suplementar, aos
Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios, observadas as disposições desta Lei.

2 Art. 570. A falta ou a nulidade da citação, da intimação ou notificação estará sanada, desde que o
interessado compareça, antes de o ato consumar-se, embora declare que o faz para o único fim de
argui-la. O juiz ordenará, todavia, a suspensão ou o adiamento do ato, quando reconhecer que a
irregularidade poderá prejudicar direito da parte.

3 Intimada a defesa da expedição da carta precatória, torna-se desnecessária intimação da data da


audiência no juízo deprecado.
PECULATO

S ENTEN ÇA

1. Relatório

O MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL ofereceu denúncia contra ALDIR OSMUNDO


TIBURTINO, pela prática dos delitos de peculato, por 12 (doze) vezes, e violação de
correspondência, tipificados, respectivamente, nos arts. 312, § 1º, e 151, §3º, c/c os arts. 327, §2º e
71, todos do Código Penal.

Conforme consta da peça acusatória, o denunciado, empregado da Empresa Brasileira de


Correios e Telégrafos - EBCT, no período de 23 a 26 de setembro de 2012, valendo-se da facilidade
que lhe proporcionava a função de Coordenador de Unidade Operacional/CTC/Recife, com vontade
livre e consciente, devassou indevidamente o conteúdo de correspondências fechadas, dirigidas a
outrem, subtraindo o conteúdo de alguns dos objetos postais.

Segundo o Ministério Público Federal, os fatos foram descobertos em decorrência de


investigação interna promovida pela empresa pública, que, em face do aparecimento de elevado
número de objetos com suspeita de violação e recondicionamento fora dos padrões estabelecidos
pela EBCT, e após o recebimento de reclamações de extravio de correspondências postais, instalou
câmeras extras no setor de Objetos Registrados no Centro de Tratamento de Cartas e Encomendas -
CCE/Recife, no intuito de monitorar a atuação de empregados do setor.

As imagens do circuito interno demonstraram, na visão do órgão acusador, que o réu


selecionava correspondências e as levava para sua mesa, onde as violava, retirando do interior da
embalagem o seu conteúdo, que às vezes era devolvido e às vezes era subtraído.

Consta em anexo o IPL nº 1050/2012, com um Apenso.

O denunciado foi notificado, nos termos do art. 514 do CPP, apresentando, logo em seguida,
Defesa Preliminar, por meio de Advogado constituído, argumentando, em síntese, ser inepta a
denúncia por ausência de justa causa (fls. 32/36).

A denúncia foi recebida no dia 17/12/2013, conforme decisão de fls. 38/43.

O réu, devidamente citado, apresentou resposta à acusação, às fls. 53/54, limitando-se a


afirmar que provaria, no decorrer da instrução processual, a sua inocência.

Restou indeferida a absolvição sumária, conforme decisão de fls. 55/55v, determinando-se o


prosseguimento do feito com designação de audiência de instrução e julgamento.

Termo de audiência de instrução e julgamento constante às fls. 75/93.

O Ministério Público Federal, em suas razões finais, requereu a condenação do réu nos
exatos termos da denúncia (fls. 96/111).

Em suas alegações finais, o réu busca a sua absolvição, argumentando, em síntese, que não
há provas da materialidade delitiva dos crimes que lhe são imputados. Subsidiariamente, pleiteia a
desclassificação do crime tipificado no art. 151, §3º, do CPB, para a figura típica prevista no art. 40
da Lei nº 6.538/78, bem como a aplicação da pena no mínimo legal (fls. 116/126).
A certidão de antecedentes do réu está acostada à fl. 47.

É o relatório.

2. Fundamentação

Sem preliminares.

* Mérito

Com dito no Relatório, ALDIR OSMUNDO TIBURTINO foi denunciado como incurso nas
penas do art. 312, § 1º, e 151, §3º, c/c os arts. 327, §2º e 71, todos do Código Penal, por ter, na
qualidade de empregado da Empresa Brasileira dos Correios e Telégrafos - EBCT devassado
indevidamente o conteúdo de correspondências fechadas, dirigidas a outrem, subtraindo o conteúdo
de algumas delas.

À luz dos dispositivos acima mencionados:

Peculato
Art. 312 - Apropriar-se o funcionário público de dinheiro, valor ou qualquer
outro bem móvel, público ou particular, de que tem a posse em razão do
cargo, ou desviá-lo, em proveito próprio ou alheio:
§ 1º - Aplica-se a mesma pena, se o funcionário público, embora não tendo a
posse do dinheiro, valor ou bem, o subtrai, ou concorre para que seja
subtraído, em proveito próprio ou alheio, valendo-se de facilidade que lhe
proporciona a qualidade de funcionário.
Pena - reclusão, de dois a doze anos, e multa.

Funcionário público
Art. 327 - Considera-se funcionário público, para os efeitos penais, quem,
embora transitoriamente ou sem remuneração, exerce cargo, emprego ou
função pública.
(...)
§ 2º - A pena será aumentada da terça parte quando os autores dos crimes
previstos neste Capítulo forem ocupantes de cargos em comissão ou de
função de direção ou assessoramento de órgão da administração direta,
sociedade de economia mista, empresa pública ou fundação instituída pelo
poder público.

Violação de correspondência
Art. 151 - Devassar indevidamente o conteúdo de correspondência fechada,
dirigida a outrem:
Pena - detenção, de um a seis meses, ou multa.
(...)
§ 3º - Se o agente comete o crime, com abuso de função em serviço postal,
telegráfico, radioelétrico ou telefônico:
Pena - detenção, de um a três anos.

Segundo se extrai dos autos, a EBCT, em face do aparecimento de elevado número de


objetos com suspeita de violação e recondicionamento fora dos padrões estabelecidos, bem como de
algumas reclamações de extravios por parte dos clientes, resolveu instalar câmera extra no Setor de
Objetos Registrados do Centro de Tratamento de Cartas - CCE Recife, possivelmente de onde
estavam partindo as irregularidades.

Foi feito um breve estudo no local para verificar os pontos cegos não registrados pelas
câmeras já existentes, tendo se decidido pela instalação da câmera extra em cima da mesa de
trabalho do acusado.

As imagens de segurança passaram a ser monitoradas diariamente, oportunidade em que se


verificou que o acusado, empregado da EBCT e Coordenador do Setor de Objetos Registrados do
Centro de Tratamento de Cartas - CCE Recife, no período de 22 a 26/09/2012, agiu em atitude
suspeita, demonstrando estar violando e espoliando objetos postais.

Os fatos foram relatados à diretoria da EBCT, que resolveu abrir sindicância para apurá-los.
Após a análise dos registros das câmeras de segurança, bem como da colheita de declarações e
depoimentos, concluiu-se pela responsabilidade do acusado, ao qual foi aplicada a penalidade de
despedida por justa causa (fl. 21).

Frise-se que, nos termos do Relatório Final do Procedimento Administrativo, ficou


devidamente constatado que os envelopes violados correspondiam a objetos postais, pois contavam
com o registro da correspondência, feito por fixação da etiqueta de registro nas embalagens, bem
como selos e franquias estampados nos envelopes.

Iniciada a investigação criminal no âmbito da Polícia Federal, determinou-se a realização de


perícia nas imagens do circuito fechado de TV dos Correios - CFTV. Às fls.26/57 do IPL, consta o
Laudo Pericial apresentando a análise do conteúdo dos vídeos da câmera posicionada acima do
acusado, da qual se extrai todo o modus operandi utilizado para a prática delitiva. Vejamos:

O espaço foi monitorado do dia 22 a 26/09/2012, constatando-se que o réu costumava


chegar a sua mesa de trabalho com várias correspondências nas mãos, previamente selecionadas,
colocando-as, logo em seguida, em cima da sua mesa de trabalho.

Em seguida, sentava-se à mesa e selecionava um dos envelopes que se encontravam sobre a


mesma, violando o invólucro, mediante a utilização de objetos cortantes ou das suas próprias mãos,
e devassando o seu conteúdo. Em todas as oportunidades, o acusado agiu de forma de encobrir a
conduta, ora posicionando o envelope violado sob outro envelope de maior dimensão, manuseando
discretamente o invólucro menor de forma a evitar a percepção dos colegas, ora posicionando a sua
frente o gaveteiro localizado sobre a sua mesa, de modo a dificultar a visibilidade da ação por outras
pessoas que passavam pelo setor.

Após violar a correspondência, o acusado examinava o seu conteúdo. Quando o objeto


constante no interior do invólucro despertava o seu interesse, disfarçadamente guardava-o sob a sua
custódia, colocando-o em seus bolsos, no gaveteiro da mesa, ou até mesmo nas suas meias,
apropriando-se, assim, do material.

Quando o objeto não lhe interessava, o acusado o recolocava no envelope, lacrando-o, em


seguida, com fita adesiva transparente ou cola bastão, devolvendo ao fluxo postal a correspondência
violada.

Da análise do Laudo Pericial e do Mapa de Imagens do CFTV (fls. 06/09 do IPL), é possível
observar as seguintes condutas, por meio das quais o acusado se apropriou de objetos pertencentes a
outra pessoa:
Dia 23/09/2012:
Horário: 09:31:03 - o acusado se aproxima de sua mesa de trabalho e, ao sentar-se, coloca uma
correspondência sob sua perna esquerda, e em seguida a coloca integralmente dentro de sua meia;
Horário: 10:40:15h - o acusado se aproxima da sua mesa de trabalho, escolhe uma correspondência,
dobra, e ao sentar-se, coloca sob sua perna esquerda, e em seguida a coloca integralmente dentro do
bolso traseiro de sua calça;
Horário: 10:40:30 - o acusado viola uma correspondência, escondendo-a sob um outro objeto
postal, retira o conteúdo e o coloca em sua gaveta. Em seguida, rasga o envelope, e sai de sua
posição de trabalho;

Dia 25/09/2012:
Horário: 19:34:35 - o acusado violou uma correspondência com os dedos, retirou o conteúdo da
mesma, que estava dentro de um outro envelope pequeno, despsjou na mesa e em seguida, pegou e
colocou no bolso de sua calça. Após violar o objeto e espoliar o conteúdo, pôs fita adesiva
transparente na embalagem, mas não a devolveu para o fluxo operacional, rasgou-a e jogou no lixo;
Horário: 19:41:15 - o acusado se aproxima de sua mesa de trabalho, ao sentar-se, coloca uma
correspondência sob sua perna esquerda, e, em seguida, a coloca integralmente dentro da meia;
Horário: 20:51:40 - o acusado escolhe uma correspondência, dobra, e, ao sentar-se, coloca sob sua
perna esquerda e, em seguida, a coloca integralmente dentro do bolso traseiro da sua calça;
Horário: 21:02:00 - o acusado escolhe uma correspondência, levanta-se da cadeira e, ao sentar-se,
coloca a correspondência sob sua perna esquerda, e, em seguida, coloca integralmente dentro de sua
meia;

Dia 26/09/2012
Horário: 17:56:00 - o acusado violou uma correspondência com os dedos, rasgou parte do envelope
e o jogou no lixo, retirou o conteúdo da mesma e, em seguida, o colocou dentro de sua meia;
Horário: 19:26:40 - o acusado violou uma correspondência com os dedos, retirou o conteúdo da
mesma e colocou no bolso de sua calça. Em seguida, rasgou a embalagem e jogou no lixo;
Horário: 21:02:45 - o acusado se aproxima de sua mesa de trabalho, ao sentar-se coloca uma
correspondência sob sua perna esquerda e, em seguida, a coloca integralmente dentro da meia;
Horário: 21:06:00 - o acusado se aproxima de sua mesa de trabalho, ao sentar-se, coloca uma
correspondência sob sua perna esquerda, e, em seguida, a coloca integralmente dentro do bolso
traseiro de sua calça;
Horário: 21:13:20 - o acusado violou uma correspondência, escondendo-a sob um outro objeto
postal, retirou o conteúdo da mesma que aparentemente se assemelha a cédula de dinheiro, em
seguida, colocou-o dentro do bolso de sua camisa, retirando imediatamente e colocando no bolso de
sua camisa, retirando imediatamente e colocando no bolso de sua calça comprida, destruindo
(rasgando) os restos do conteúdo e a embalagem do objeto postal.

Como se observa, o réu, funcionário público, por 12 (doze) vezes, apropriou-se de bens
materiais pertencentes a particulares, de que tinha posse em razão do cargo que desempenhava. Do
mesmo modo, estão devidamente registradas e relatadas as condutas do réu que configuram
violação de correspondência, totalizando 18 (dezoito) ações. Vejamos:

Dia 24/09/2012
Horário: 20:11:10 - o acusado corta pedaços de fita adesiva transparente e os fixa em sua mesa de
trabalho, em seguida, viola uma correspondência, retira o conteúdo da mesma e, após analisá-lo,
coloca-o novamente no envelope violado e põe fita adesiva transparente;
Horário: 20:12:20 - o acusado, utilizando uma tesoura retirada de uma das gavetas que fica sobre
sua mesa de trabalho, violou uma correspondência, retirou o conteúdo da mesma e, após analisá-lo,
coloca-o novamente no envelope violado e põe fita adesiva transparente;
Dia 25/09/2012
Horário: 17:53:35 - o acusado, utilizando um selo lacre plástico, viola uma correspondência,
escondendo-a sob um outro objeto postal, retira o conteúdo da mesma e, após analisá-lo, coloca-o
novamente no envelope violado e passa cola tipo bastão para fechar novamente o envelope;
Horário: 17:59:10 - o acusado viola uma correspondência com os dedos, retira o conteúdo da
mesma e, após analisá-lo, coloca-o novamente no envelope violado e põe fita adesiva transparente;
Horário: 19:07:10 - o acusado viola uma correspondência com os dedos, retira o conteúdo da
mesma e, após analisá-lo, coloca-o novamente no envelope violado e põe fita adesiva transparente;
Horário: 19:10:22 - o acusado viola uma correspondência a princípio com os dedos e depois
utilizando um instrumento cortante, retira o conteúdo da mesma e, após analisá-lo, coloca-o
novamente no envelope violado e põe fita adesiva transparente;
Horário: 20:45:20 - o acusado viola uma correspondência, escondendo-a sob um outro objeto
postal, retira o conteúdo da mesma, que parecia fotografias, e, após analisá-lo, coloca-o novamente
no envelope violado e passa cola tipo bastão para fechar novamente o envelope;
Horário: 20:50:00 - o acusado viola uma correspondência, escondendo-a sob um outro objeto
postal, retira o conteúdo da mesma e, após analisá-lo, coloca-o novamente no envelope violado e
passa cola tipo bastão para fechar novamente o envelope;
Horário: 20:50:43 - o acusado viola uma correspondência, escondendo-a sob um outro objeto
postal, retira o conteúdo da mesma, que parecia fotografias, e, após analisá-lo, coloca-o novamente
no envelope violado e passa cola tipo bastão para fechar novamente o envelope;

Dia 26/09/2012
Horário: 17:41:45 - o acusado viola uma correspondência com os dedos, retira o conteúdo da
mesma e, após analisá-lo, coloca-o novamente no envelope violado e põe fita adesiva transparente;
Horário: 17:43:10 - o acusado viola uma correspondência a princípio com os dedos e depois
utilizando um instrumento cortante, retira o conteúdo da mesma e, após analisá-lo, coloca-o
novamente no envelope violado e põe fita adesiva transparente;
Horário: 18:17:40 - o acusado viola uma correspondência, escondendo-a sob um outro objeto
postal, retira o conteúdo da mesma, e, após analisá-lo, coloca-o novamente no envelope violado e
passa cola tipo bastão para fechar novamente o envelope;
Horário: 18:19:10 - o acusado viola uma correspondência, retira o conteúdo da mesma e, após
analisá-lo, coloca-o novamente no envelope violado e põe fita adesiva transparente;
Horário: 19:08:40 - o acusado viola uma correspondência, retira o conteúdo da mesma e, após
analisá-lo, coloca-o novamente no envelope violado e põe fita adesiva transparente;
Horário: 19:09:55 - o acusado viola uma correspondência, retira o conteúdo da mesma e, após
analisá-lo, coloca-o novamente no envelope violado e põe fita adesiva transparente;
Horário: 19:10:40 - o acusado viola uma correspondência, retira o conteúdo da mesma e, após
analisá-lo, coloca-o novamente no envelope violado e põe fita adesiva transparente;
Horário: 19:25:50 - o acusado viola uma correspondência, retira o conteúdo da mesma e, após
analisá-lo, coloca-o novamente no envelope violado e põe fita adesiva transparente;
Horário: 20:32:50 - o acusado viola uma correspondência, escondendo-a sob um outro objeto
postal, retira o conteúdo da mesma, e, após analisá-lo, coloca-o novamente no envelope violado e
põe fita adesiva transparente;

As filmagens registradas no período compreendido entre os dias 23 e 26/09/2012,


devidamente periciadas, registram o acusado abrindo correspondência e retirando os seus
conteúdos, apoderando-se dos mesmos, em alguns casos, e devolvendo-os ao envelope, em outros.

Restou devidamente comprovada a materialidade delitiva, a partir da análise das provas já


mencionadas (Laudo Pericial de fls. 2657 do IPL e cópia do procedimento administrativo em
Apenso).

O mesmo se diga com relação à autoria delitiva, uma vez que as imagens do circuito de TV
dos Correios, devidamente periciadas, registram as condutas praticadas pelo acusado, comprovando
que o acusado foi, de fato, o responsável pela violação de correspondências e pela subtração de bens
móveis particulares de que tinha posse em razão do cargo ocupado nos Correios.

Pesam, também, contra o réu, as declarações prestadas pela testemunha Antônio Marcos
Martins no Procedimento Administrativo, e confirmadas em Juízo, no sentido de que as
investigações foram desencadeadas a partir da descoberta, na mesa do trabalho do réu, de cerca de
20 (vinte) correspondências, todas coladas com fita adesiva transparente, sem a logomarca dos
correios. Às fls. 29/31 do Apenso, constam as fotos das correspondências violadas.

Interrogado em Juízo, o réu não nega ser a pessoa que aparece nas imagens extraídas do
circuito interno de TV que flagraram a ação criminosa. Argumenta, no entanto, que não violou
correspondência alheia, mas sim desempenhou função de seu ofício, consistente em recondicionar
correspondências avariadas, e que os objetos dos quais se apropriou, em verdade, lhe pertenciam,
pois estavam contidos em correspondências direcionadas a sua pessoa.

Não obstante, as provas produzidas descaracterizam a versão apresentada pelo acusado.


Inicialmente, destaco que a função de recondicionar correspondências avariadas não era da
atribuição do acusado, como se extrai de trecho do Relatório Final da Sindicância, constante no
Apenso I:

"A unidade em que o empregado Aldir Osmundo Tiburtino está lotado, GTURN2/CTC/Recife/PE
dispõe sim de um setor específico para recondicionamento de objetos, e é do conhecimento de todos
ali lotados, o qual oferece condições necessárias para tal atividade, conforme depoimento da gerente
do CTC/Recife/PE, Maria de Fátima Canavello Moura de Araújo, às fls. 24 a 25, e fica localizado à
sala da gerência, sob a responsabilidade de Luis Guedes e Rui, não justificando assim as alegações
do defendente. Quanto à alegação de não ter havido treinamento específico para recondicionamento
de objetos, os procedimentos para tal atividade estão preconizados nas normas internas da ECT, que
estão disponíveis a todos os empregados de todos os setores, e, sendo o defendente empregado
detentor de função de confiança, há mais de 13 anos, tendo exercido inclusive função de supervisor
na área de operações, e assim, ser conhecedor dos procedimentos adequados para
recondicionamento de objetos postais, não justificam as alegações apresentadas por ele."

Em Juízo, confirmaram a informação de que existia um setor responsável pelo


recondicionamento das correspondências dilaceradas as testemunhas Gustavo Juvenal de
Albuquerque, Brivaldo Manoel dos Santos e Antonio Marcos Martins. Frise-se que a testemunha
Brivaldo Manoel dos Santos desempenhava a mesma função do acusado, e tinha conhecimento da
existência de um setor específico de recondicionamento de cartas, tendo afirmado, ainda, que os
coordenadores tinham autorização para fazer apenas pequenos reparos nas correspondências, não o
recondicionamento das mesmas.

Frise-se que as imagens coletadas registraram os exatos momentos em que o réu violou as
correspondências, utilizando-se dos próprios dedos ou de instrumento cortante, não havendo
qualquer indício de que os envelopes já se encontravam avariados quando chegavam à mesa do
acusado.

Ainda que se considerasse como verdadeira a informação do acusado, no sentido de que


estava apenas recondicionando as correspondências avariadas, o modus operandi utilizado não
condiz com o de um empregado que desempenha regularmente as suas funções.

O acusado, como já ressaltado, buscava sempre encobrir a sua conduta delituosa, o que
demonstra que a sua atitude não era a de empregado comprometido com o recondicionamento de
objetos, mas sim o de invadir a privacidade de outrem, realizando total devassa nos objetos postais,
subtraindo os conteúdos em alguns casos, e, em seguida, destruindo suas embalagens.

O mesmo fundamento há de ser utilizado para rechaçar a afirmação de que os objetos


apropriados eram, na verdade, da propriedade do acusado.

A versão apresentada, por si só, já é inverossímil, na medida em que não é de praxe que o
dono de um objeto o manuseie de forma velada, escondendo-o e interrompendo a análise do mesmo
quando da presença de alguma pessoa. Do mesmo modo, é inverossímil que o acusado tenha o
costume de abrir as suas correspondências de modo sorrateiro, e esconder o conteúdo das mesmas
em suas meias.

Ademais, o modus com que se deu a prática delitiva, com o acusado violando os envelopes e
subtraindo, por vezes, os objetos, enquanto em outras vezes os devolvia ao invólucro, demonstram
que o mesmo analisava, em verdade, o conteúdo de correspondências alheias, apoderando-se do
material quando lhe convinha.

Desse modo, não procedem as alegações do acusado, estando devidamente comprovada nos
autos a prática do crime de peculato, por 12 (doze) vezes, pois se apropriou, na qualidade de
funcionário público, de bens móveis pertencentes a particulares, de que tinha a posse em razão do
cargo, e do delito de violação de correspondência, por 18 (dezoito) vezes, pois devassou
indevidamente o conteúdo de correspondências fechadas, dirigidas a outrem.

O dolo restou configurado na medida em que o acusado, voluntária e conscientemente,


violou correspondências alheias e se apropriou do conteúdo de alguma delas.

Atente-se que o dolo, como o querer do resultado típico, pressupõe um conhecer, cuidando-
se da vontade realizadora do tipo, guiada pelo conhecimento dos elementos deste no caso concreto.
Há dolo na medida em que o agente possui a compreensão efetiva dos fatos (representação,
mediante conhecimento atual ou atualizável) e a vontade de realizar o comportamento descrito em
lei.

O que deve ser abrangido pela vontade é o aspecto objetivo do preceito legal, revelando-se
absolutamente prescindível a consciência ou o conhecimento da antijuridicidade, os quais podem se
apresentar de forma meramente potencial (a lei proibitiva é válida e vigente; logo, é possível ao
agente conhecer os seus termos).

Não se configura qualquer das hipóteses de exclusão da antijuridicidade. Também não resta
demonstrada a existência de qualquer causa de exclusão da culpabilidade. O réu é maior de idade,
imputável, tinha plena possibilidade de compreensão da antijuridicidade da conduta (capacidade
psíquica aliada ao fato de que não se encontrava em erro invencível sobre a ilicitude do fato), além
de possuir, naquele momento, âmbito irrestrito de autodeterminação (não se achava sob qualquer
tipo de coação que tornasse inexigível a prática de conduta diversa).

Assim, o réu praticou o delito de peculato, por 12 (doze) vezes, e o delito de violação de
correspondência, por 18 (dezoito) vezes.

Embora o MPF narre na denúncia todas as condutas praticadas pelo réu, mencionando,
inclusive, o relatório da Sindicância dos Correios referente às imagens capturadas pelo circuito
interno de TV, pede a condenação em continuidade delitiva apenas para os crimes de peculato.

É necessário se proceder, portanto, à emendatio libelli (art. 383 do CPP1), pois a denúncia,
conquanto descreva a prática, por 18 (dezoito) vezes, do crime de violação de correspondência,
requereu a condenação nas penas do art. 151, §3º, do CPB, sem a aplicação de quaisquer das regras
de concurso de crimes.

Na hipótese, as condutas que caracterizam os crimes de violação de correspondência estão


devidamente descritas na denúncia, pelo que não há nenhum óbice legal à emendatio libelli, pois,
como sabido, o réu se defende dos fatos e não de sua capitulação.

Considerando que as condutas foram praticadas em iguais condições de tempo, lugar e


maneira de execução, o réu faz jus à benesse da continuidade delitiva, prevista no art. 71 do Código
Penal2, para ambos os crimes.

Por fim, importa fazer a correta adequação típica das condutas praticadas pelo réu,
consistentes em violar correspondências alheias.

O Código Penal, em seu art. 151, visando a dar extensão penal à garantia constitucional da
inviolabilidade do sigilo da correspondência e das comunicações telegráficas, punindo os que a
desrespeitam, define o delito de violação de correspondência, consistente em devassar
indevidamente o conteúdo de correspondência fechada, dirigida a outrem.

Ocorre que, em 22/06/1978, foi promulgada a Lei nº 6.538, que dispõe sobre os Serviços
Postais. Dentre os temas regulamentados, definiram-se os crimes contra o serviço postal e o serviço
de telegrama, dentre os quais foi tipificado o crime de violação de correspondência, assim
ementado:

"Art. 40 - Devassar indevidamente o conteúdo de correspondência fechada dirigida a outrem:


Pena: detenção até seis meses, ou pagamento não excedente a vinte dias-multa.

Por se tratar de lei posterior e específica, revogou tacitamente o dispositivo anterior previsto
no Código Penal, passando a regular os casos que se referem a violação de sigilo de
correspondência, como o presente. Frise-se que a qualificadora prevista no art. 151, §3º, do CPB,
também passou a ser regida na Lei nº 6.538/78, mais especificamente em seu art. 43, in verbis:

"Art. 43 - Os crimes contra o serviço postal , ou serviço de telegrama, quando praticados por pessoa
prevalecendo-se do cargo, ou em abuso de função, terão pena agravada."

Note-se que, de acordo com o novo regulamento, a prática do crime com o abuso de função
passou a ser causa agravante, e não mais qualificadora como anteriormente prevista.

Desse modo, à luz das modificações legislativas operadas, procedo à readequação do crime
de violação de correspondência previsto na denúncia, enquadrando a conduta praticada pelo réu nas
penas do art. 40, c/c o art. 43, ambos da Lei nº 6.538/78.

3. Dispositivo

Postas essas considerações, julgo PROCEDENTE a denúncia para condenar o acusado


ALDIR OSMUNDO TIBURTINO às penas do art. 312, §1º, c/c o art. 327, §2º, ambos do Código
Penal, por 12 (doze) vezes, em continuidade delitiva, e às penas do art. 40, c/c o art. 43, ambos da
Lei nº 6.538/78, por dezoito vezes, também em continuidade delitiva.

Atendendo-se à garantia de individualização da pena, passa-se à dosimetria das penas,


seguindo o método trifásico previsto no art. 68 do Código Penal. Quanto à pena privativa de
liberdade, a primeira fase de fixação da pena deve observar os parâmetros do art. 59 do Código
Penal.

A culpabilidade, identificada, na reforma penal, como a reprovabilidade da conduta, assoma


como o fundamento e a medida da responsabilidade penal. Como tal, conduz o julgador a uma
análise da consciência ou do potencial conhecimento do ilícito e, em especial, da exigibilidade de
conduta diversa, essência das causas de exculpação, como parâmetros do justo grau de censura
atribuível ao autor do crime.

Assim é que, nesta oportunidade, classifica-se a culpabilidade entre intensa, média ou


reduzida. Observo que o réu, funcionário dos Correios por cerca de 30 (trinta) anos (fl. 18 do
Apenso), tendo desenvolvido a função de confiança por aproximados 13 (treze) anos, com vasta
experiência e pleno conhecimento das atividades compreendidas na função desempenhada, agiu
com bastante audácia no caso em apreço, visto que, mesmo sabendo da existência de câmeras de
segurança no local de trabalho, violou dezenas de correspondências, subtraindo o conteúdo de
algumas, sempre de forma velada e sorrateira, utilizando-se de artifícios para encobrir a prática
delitiva. Sobre a sua conduta, pois, incide reprovação social de grau mediano.

Quanto aos antecedentes, conduta social e personalidade dos agentes, não existe indicativo
de má conduta social do agente ou de cometimento de qualquer outro crime, à vista dos
antecedentes às fls. 47.

Da mesma forma os motivos, circunstâncias, consequências do crime e comportamento da


vítima. Não há nos autos quaisquer indicativos que acarretem na valoração negativa de tais
circunstâncias.

Pelo exposto, na primeira fase de aplicação da pena, fixo a pena de 02 (dois) meses de
detenção, para o crime tipificado no art. 40 da Lei nº 6.538/78, e de 05 (cinco) anos de reclusão,
para o crime tipificado no art. 312, § 1º, do CPB.

Quanto à segunda fase, reconheço, para o crime de violação de correspondência, a


circunstância agravante prevista no art. 43 da Lei nº 6.538/78, razão pela qual aumento a pena
anteriormente fixada para o referido delito em 01 (um) mês, resultando, nesta fase, em 03 (três)
meses de detenção.

Para o crime de peculato, reconheço, em desfavor do réu, a incidência da agravante prevista


no art. 61, II, g, do CPB, uma vez que violou dever inerente ao cargo, fato devidamente
comprovado na fundamentação. Desse modo, aumento a pena anteriormente fixada em 06 (seis)
meses, resultando, nesta fase, em 05 (cinco) anos e 06 (seis) meses de reclusão.

No que tange à terceira fase, não se configuram causas de aumento e diminuição de pena.

É de se aplicar, no entanto, a regra da continuidade delitiva, levando-se em consideração o


número de crimes praticados para a fixação da fração de aumento.

Considerando que o réu praticou por 12 (doze) vezes o crime de peculato, aplico a fração de
2/3 (dois terços), resultando a reprimenda, nesta fase, em 09 (nove) anos e 02 (dois) meses de
reclusão. Considerando-se que o réu praticou por 18 (dezoito) vezes o crime de violação de
correspondência, aplico, também, a fração de 2/3 (dois terços), resultando a reprimenda, nesta fase,
em 05 (cinco) meses de detenção.
Assim, ao cabo da terceira fase, torno definitiva a pena do réu em 09 (nove) anos e 02 (dois)
meses de reclusão para os crimes de peculato, e 05 (cinco) meses de detenção para os delitos de
violação de correspondência.

Quanto à pena de multa, para fins de fixação, deve-se obedecer ao sistema bifásico. Na
primeira fase guarda-se uma proporcionalidade com a sanção corporal imposta, levando-se em
conta as circunstâncias judiciais, eventuais atenuantes/agravantes e causas de aumento/diminuição
de pena incidentes, ao passo que na segunda fase deve-se considerar as possibilidades financeiras
do acusado.

Atenta a tal regramento, fixo a pena de multa em 100 (cem) dias-multa, à fração de 1/20 (um
vigésimo) do salário mínimo vigente à época do fato, tendo em vista a situação econômica do réu
indicada à fl. 84.

Relativamente ao regime de cumprimento, levando-se em conta o total das penas aplicadas,


deverá ser cumprida, inicialmente, em regime fechado, nos termos do art. 33, § 2º, a, do CP.

Levando-se em conta a pena privativa da liberdade, é incabível a substituição por pena


restritiva de direitos, nos termos do art. 44 do Código Penal.

A título de reparação do dano (art. 91, I, do CP, e art. 387, IV, do CPP), observo que o
Ministério Público Federal não fez qualquer requerimento nesse sentido, razão por que deixo de
fixar o valor mínimo.

Relativamente aos efeitos da condenação, observo ser a hipótese de se declarar a perda do


cargo/função pública do réu, nos termos do art. 92, I, a, do Código Penal. Os requisitos necessários
estão presentes no caso em exame, uma vez que a pena privativa de liberdade aplicada foi superior a
01 (um) ano e houve violação de dever funcional para com a administração, no caso, empresa
pública federal.

O acusado, empregado da EBCT, exercendo suas atividades em função de confiança -


coordenador de setor -, situação que lhe permitiu ter fácil acesso às correspondências violadas sem
levantar suspeitas, violou dever funcional quando se esperava, pela sua posição de preeminência,
maior zelo e mais afinco pelos bens da entidade de direito público. No caso, a quebra do dever de
probidade e lealdade repercutiu de forma mais aguda, justificando-se, assim, a perda do cargo
público.

Frise-se que o fato de o réu ter sido demitido por meio de procedimento administrativo não
impede a declaração da perda do cargo em sentença condenatória penal.

Diante disso, nos termos do art. 92, I, a, do CP, declaro a perda do emprego exercido pelo
acusado ALDIR OSMUNDO TIBURTINO junto à EBCT.

Em conformidade com o art. 387, parágrafo único, do CPP, não se configuram os requisitos
do art. 312 do CPP para imposição de prisão preventiva ou de outra medida cautelar, de sorte o réu
poderá apelar em liberdade.

DISPOSIÇÕES FINAIS

Custas pelo Réu.

Após o trânsito em julgado desta sentença, lance-se o nome do condenado no rol dos
culpados (CF, art. 5º, LVII, c/c CPP, art. 393, II) e promovam-se os registros e comunicações
eventualmente necessários.

Publique-se. Registre-se. Intimem-se.

Recife/PE, 04 de fevereiro de 2015.

CAROLINA SOUZA MALTA


Juíza Federal da 36ª Vara – PE
GESTÃO FRAUDULENTA

S ENTEN ÇA

1. Relatório

O MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL, por intermédio de um de seus Órgãos, ajuizou a


presente AÇÃO PENAL pública em face de MIGUEL EDUARDO BEZERRA DE PINHO, tendo
em vista a suposta prática dos delitos previstos nos arts. 4º e 19 da Lei nº 7.492/86 que define os
crimes contra o sistema financeiro nacional.
Serve a presente ação penal para apurar a suposta prática de crime envolvendo a concessão
fraudulenta de empréstimos de verbas oriundas do FNE - Fundo Nacional do Nordeste através do
PRONAF - Programa nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar, a partir de da atuação
direta do réu.
Narra a denúncia que o acusado, enquanto Gerente de Suporte de Negócios da agência do
Banco do Nordeste do Brasil em Brejo Santo/Ce, realizou, no período de 20 de novembro de 2007 a
1º de setembro de 2008, 124 (cento e vinte e quatro) operações fraudulentas de crédito com recursos
do PRONAF - Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar, movimentando R$
1.089.643,23 (um milhão, oitenta e nove mil, seiscentos e quarenta e três reais e vinte e três
centavos).
A inicial acusatória aponta que Miguel Eduardo Bezerra de Pinho, aproveitando-se da
condição de Gerente de Suporte de Negócios, procedeu à abertura irregular de duas contas
correntes, uma em nome de José Francisco de Moura e outra em nome de Zilmar Mariano de Souza,
além de ter feito uso das contas dos correntistas Cícero José de Lucena e Francisco das Chagas
Lucena para o depósito dos valores provenientes das operações de financiamento, os quais
posteriormente foram revertidos em seu favor, diretamente ou em benefício de familiares. Aponta
que tais valores ainda foram utilizados para aquisição de imóveis, automóveis e caminhões,
caracterizando a prática de crime contra o Sistema Financeiro Nacional.
O MPF requereu ainda a indisponibilidade e o sequestro dos referidos bens (um
caminhão Mercedes Benz, placas NEI-2518; automóvel Chevrolet Corsa, placa HYI-9767 e um
imóvel constante da matrícula nº 3470, R.1/3470).
Denúncia recebida em 11/10/2010 (fls. 22/26). No ato, determinou-se a indisponibilidade
e o sequestro dos bens indicado pelo Parquet.
O réu foi citado, e em sua defesa preliminar (fls. 57/104), alegou questão prejudicial,
sustentando que a ação penal fora lastreada exclusivamente em Sindicância e no processo
administrativo instaurados no âmbito do Banco do Nordeste do Brasil S/A, ambos, eivados de
nulidade e objeto de ação ordinária anulatória autônoma. Destacou a necessidade de suspensão do
feito até decisão acerca do incidente de insanidade mental instaurado. Defendeu ainda, em sede
preliminar, a inépcia da denúncia. No mérito, aduz não ter praticado o crime, por não ser
controlador ou administrador da instituição financeira, e como tal, não poderia ser responsabilizado.
Aduz ainda a nulidade da sindicância, o que caracterizaria uma prova ilícita que macularia toda a
ação penal. Anota a doença mental do denunciado como causa da sua inimputabilidade penal. Por
fim, arrola as testemunhas Maria Simone Furtado de Sousa e Alzenir Lima Cavalcanti.
O MPF requereu a suspensão do processo a fim de aguardar o deslinde do incidente de
insanidade mental suscitado pelo réu (fls. 188).
Às fls. 191/194, acostou-se cópia da decisão que rejeitou o incidente de sanidade mental
(processo nº 0000024-10.2011.4.05.81.02).
O Banco do Nordeste do Brasil S/A requereu sua habilitação nos autos como assistente
de acusação (fls. 195/196), o que foi deferido às fls. 200/203.
Determinou-se a expedição de Cartas Precatórias para a Comarca de Brejo Santo/CE e ao
Juízo Federal da Seção Judiciária do Espírito Santo e do Ceará, para o fim de oitiva das testemunhas
arroladas pelo MPF e pela defesa.
A testemunha Maria Simone Furtado, arrolada pela defesa foi ouvida, estando o seu
depoimento gravado em CD-ROM acostado à fl. 225.
Por meio de videoconferência realizada entre este Juízo e o Juízo da Seção Judiciária do
Ceará, foram ouvidas as testemunhas arroladas pelo MPF, Antão de Morais Pinho e José Sudário
Sobrinho Júnior. Houve dispensa da oitiva das demais testemunhas de acusação, o mesmo
acontecendo pela defesa em relação à testemunha Alzenir Lima Cavalcante. No ato, colheu-se ainda
o interrogatório do réu. As partes, ao serem indagadas pelo M.M Juiz, disseram não ter interesse em
diligências complementares, tendo o Ministério Público Federal já apresentado seus memoriais (fls.
260/281 e CD-ROM - fl. 282).
Às fls. 306/307 o Banco do Nordeste do Brasil S/A se manifesta esclarecendo o quantum
devolvido pela empresa ESUTA Prestação de serviços LTda., dos valores, efetivamente, desviados
pelo réu.
O réu apresentou memoriais às fls. 323/340.
Em seguida, vieram os autos conclusos para sentença
É o relatório.
Decido.

2. Fundamentação

2.1. Das Preliminares

2.1.1. Inépcia da Inicial

Sustenta o réu a inépcia da inicial por não serem os fatos ali consignados reveladores dos
crimes previstos nos arts. 4º e 19, da lei 7.492/86, destacando ainda serem tais delitos comissivos
próprios, somente praticados pelas pessoas nominadas no art. 25 da mesma lei.
Acerca de tais proposições, destacadas em sede de preliminar, ressalto, inicialmente, que
se confundem com o próprio mérito da causa e, como tal, serão abordadas nos tópicos da
fundamentação que se seguem.
De qualquer forma, para que não pairem quaisquer dúvidas acerca da idoneidade da inicial
acusatória, analisando-a, verifico que preenche, sim, todos os requisitos do art. 41 do CPP, quais
sejam, verbis:

Art. 41. A denúncia ou queixa conterá a exposição do fato criminoso, com


todas as suas circunstâncias, a qualificação do acusado ou esclarecimentos
pelos quais se possa identificá-lo, a classificação do crime e, quando
necessário, o rol das testemunhas. (Grifei)

Para que seja considerada inepta, entendo que a denúncia deve ensejar a mutilação do
direito de ampla defesa do denunciado ao expor de maneira ambígua, contraditória ou omissa as
condutas supostamente perpetradas, em evidente ofensa ao princípio da paridade de armas.
No caso dos autos, o réu vem exercendo plenamente o seu direito de defesa, de tal forma,
não há que se falar em inépcia da inicial.
A denúncia de fl. 03/19 foi suficientemente clara ao descrever os fatos que, em tese,
constituem crimes. Por outro lado, há no processo indícios de autoria e materialidade suficientes
para suscitara justa causa necessária para instauração da ação penal e, por fim, a ampla defesa e
contraditório dos denunciados não foram afrontadas de nenhuma forma.
Nesse sentido, cito o seguinte precedente:

PROCESSUAL PENAL E PENAL: RECURSO EM SENTIDO ESTRITO.


CRIME CONTRA A ORDEM TRIBUTÁRIA. ARTIGO 1º, INCISO I DA
LEI N.º 8137/90. INÉPCIA DA INICIAL ACUSATÓRIA.
INOCORRÊNCIA. OBSERVÂNCIA DOS REQUISITOS
ESTABELECIDOS NO ARTIGO 41 DO CPP. 1. A denúncia atende os
requisitos constantes no artigo 41 do Código de Processo Penal, descrevendo
de forma suficiente a conduta imputada à recorrida, de modo a permitir o
exercício pleno ao direito à ampla defesa e ao contraditório. 2. A peça
acusatória narrou as circunstâncias elementares do delito descrito no artigo
1º, inciso I, da Lei n º 8.137/90, afirmando que a recorrida suprimiu e
reduziu tributo omitindo informações, às autoridades fazendárias, referentes
a rendimentos tributáveis no ano-calendário de 1992, especificou, ainda, que
a acusada omitiu, em sua declaração de imposto de renda do exercício de
1993, a venda ocorrida em 27.03.1992 de um lote de terreno localizado em
Botucatu/SP, pelo valor de Cr$ 6.000.000,00 (seis milhões de cruzeiros),
omitiu, também, a compra de imóvel residencial na mesma cidade, com
pagamento efetuado em 23.07.1992, no valor de Cr$ 145.000.000,00 (cento
e quarenta e cinco milhões de cruzeiros 3. Houve um claro detalhamento da
conduta praticada pela recorrida, a peça inaugural especificou datas e valores
desiguais na venda e compra de imóveis realizada pela acusada no ano de
1992, informações estas que foram omitidas da autoridade fazendária, sendo
desnecessário, pois, constar da denúncia a variação patrimonial a descoberto.
4. Foi possibilitado à acusada o exercício pleno ao direito à ampla defesa e
ao contraditório, tendo apresentado defesa prévia e alegações finais e nada
alegando quanto à inépcia da peça acusatória. 5. Não se vislumbra qualquer
mácula a se considerar a denúncia inepta, eis que observados os requisitos
previstos no artigo 41 do Código de Processo Penal, devendo ser reformada
a decisão aqui impugnada, convalidando-se todos os atos processuais já
praticados, dando-se regular prosseguimento ao feito. 6. Recurso em sentido
estrito provido. (RSE 00015590620054036108, DESEMBARGADOR
FEDERAL ANTONIO CEDENHO, TRF3 - QUINTA TURMA, TRF3 CJ1
DATA:10/04/2012).

Rejeito a preliminar.

2.1.2. Da ausência de justa causa - denúncia embasada em processo administrativo nulo

Sobre a ausência de justa causa, na forma do art. 395, III do Código de Processo Penal,
tenho que as alegações dos denunciados não merecem prosperar.
Como já afirmado acima, há no processo indícios de autoria e materialidade suficientes
para suscitar a justa causa necessária para instauração da ação penal, o que requer um
pronunciamento sobre o mérito da ação e não a extinção do feito por ausência de tal pressuposto.
O argumento destacado pelo réu segundo o qual a denúncia teria sido embasada em
processo administrativo eivado de vícios e, portanto, nulo, e acerca do qual se postulou ação
anulatória, não se presta a desconstituir os indícios efetivamente desencadeados a partir da
sindicância havida no âmbito da instituição financeira lesada, em tese, a partir das condutas do réu.
Não é demais enfatizar que a persecução penal ainda foi antecedida de demais atos investigatórios,
desta feita, no âmbito do Ministério Público Federal que promoveu ainda, justificadamente e de
forma cautelar no curso da instrução, medidas assecuratórias já deferidas por este Juízo.
Os elementos colhidos ao final de todos estes atos não deixam dúvidas acerca da
necessidade de ter o feito seguido seu transcurso regular a fim de que um pronunciamento judicial
fosse efetivamente tomado acerca das imputações atribuídas ao acusado.
De mais a mais, sabe-se que a eventualidade de vícios havidos na fase
inquisitorial/administrativa, notadamente quando o resultado daí decorrente não se apresenta como
o único elemento desencadeador da persecução penal, não têm o condão de macular a ação penal
daí instaurada. Esse é o entendimento adotado pela nossa corte superior. O STF já se manifestou no
seguinte sentido:

Eventuais vícios concernentes ao inquérito policial não tem o condão de


infirmar a validade jurídica do subsequente processo penal condenatório. As
nulidades processuais concernem, tão somente, aos defeitos de ordem
jurídica que afetam os atos praticados ao longo da ação penal condenatória.
(STF. Primeira Turma. HC 73271/SP. Rel. Min. Celso de Mello. DJU
4/10/1996. p. 37100).

Por todas, hei de afastar a preliminar arguida.

2.1.3. Necessidade de suspensão do feito até decisão acerca do incidente de insanidade mental
instaurado.

Sem maiores digressões afasto também a questão prejudicial em baila, em razão de já


haver sido superada com o trânsito em julgado da sentença emanada por este Juízo e que rejeitou o
incidente de insanidade mental do denunciado.
Superadas as questões preliminares ou prejudiciais, passo ao mérito da demanda.

2.2. Do Mérito

As condutas que foram imputadas ao denunciado ora sob julgamento estão previstas nos
arts. 4º e 19, da Lei Federal n.o 7.492/86, que assim dispõe:

Art. 4º Gerir fraudulentamente instituição financeira:


Pena - Reclusão, de 3 (três) a 12 (doze) anos, e multa

Art. 19. Obter, mediante fraude, financiamento em instituição financeira:


Pena - Reclusão, de 2 (dois) a 6 (seis) anos, e multa.

O delito capitulado no art. 4º acima transcrito é crime próprio, praticado pelas pessoas
mencionadas no art. 25 do mesmo dispositivo legal que dispõe:
Art. 25 da Lei nº 7.492/86 o seguinte:

Art. 25. São penalmente responsáveis, nos termos desta lei, o controlador e
os administradores de instituição financeira, assim considerados os
diretores, gerentes (Vetado).
§ 1º Equiparam-se aos administradores de instituição financeira (Vetado) o
interventor, o liquidante ou o síndico.
§ 2º Nos crimes previstos nesta Lei, cometidos em quadrilha ou co-autoria,
o co-autor ou partícipe que através de confissão espontânea revelar à
autoridade policial ou judicial toda a trama delituosa terá a sua pena
reduzida de um a dois terços.

O elemento subjetivo do crime em testilha é o dolo, consubstanciado na vontade livre e


consciente de "agir temerariamente, gerindo de forma inescrupulosa e audaciosa a instituição
financeira, pondo-a em risco ao realizar transações perigosas."
Por tratar-se de crime formal, consuma-se no momento em que a conduta se concretiza,
isto é, no momento em que se efetiva o ato de gestão dos recursos financeiros de forma maculada.
Quanto ao crime capitulado no art. 19 destacado, trata-se de crime comum, cujo bem
jurídico protegido é constituído pelos "interesses patrimoniais das instituições integrantes do
Sistema Financeiro nacional e, por extensão, de seus investidores,acionistas, etc."2
É crime formal, sendo desnecessário o prejuízo econômico para instituição financeira
concedente. "A consumação ocorre então com a assinatura do contrato, constituído a liberação das
parcelas mero exaurimento"3
Impende ainda arrematar, por ter sido objeto específico abordado pela defesa do réu, que,
consoante ora versado, não são próprios todos os tipos penais descritos na Lei nº 7.492/86 e, então,
praticados apenas pelas pessoas insertas no art. 25 do mesmo dispositivo legal acima transcrito.
Cito, no ponto, a valiosa lição de José Paulo Baltazar Júnior sobre o tema:

É certo, porém, que o artigo em comento (art. 25) não torna especiais todos
os crimes previstos nesta Lei, até porque, nos crimes praticados no âmbito
do sistema financeiro nacional a instituição financeira pode figurar como: a)
agente do crime, por meio de seus representantes lesando terceiros,
estranhos à instituição financeira; b) vítima do crime; c) autor e vítima,
quando o crime é praticado por um agente interno à instituição lesada; d)
instrumento para a prática do crime, como se dá nos casos de lavagem de
dinheiro. (...) Já os crimes dos arts. 2º, 3º, 14, 19 e 20 são crimes em que a
instituição financeira desponta como vítima, podendo ocorrer com a
participação ou co-autoria de pessoas internas à instituição.4

Nesse sentido, ou seja, abraçando a tese de que nem todos os crimes previstos na Lei que
rege os crimes contra o Sistema Financeiro Nacional são próprios, são os seguintes excertos:

PENAL. CRIMES CONTRA O SISTEMA FINANCEIRO NACIONAL.


ARTS. 4º E 21 DA LEI N. 7492/86. SUBSIDIARIEDADE. GESTÃO
FRAUDULENTA. SUJEITO ATIVO. GERENTE DE BANCO.
POSSIBILIDADE. ABERTURA E MOVIMENTAÇÃO DE CONTA-
CORRENTE FANTASMA. INSTITUIÇÃO FINANCEIRA. CONCEITO.
AGÊNCIA BANCÁRIA. ABRANGÊNCIA. 1. Da mesma forma que o art.
4º, o art. 21 da Lei nº 7.492/86 (Atribuir-se, ou atribuir a terceiro, falsa
identidade, para realização de operação de câmbio) se consubstancia
igualmente em proibição de comportamento fraudulento, com a finalidade de
obter a realização de operação de câmbio. Destaque-se, ainda, que o art. 4º
objetiva a higidez e segurança das instituições financeiras e das atividades
daí decorrentes, incluindo-se, nesse âmbito, as operações de câmbio, que é
justamente o bem jurídico tutelado pelo art. 21. A diferença marcante entre
as condutas fraudulentas dispostas nos arts. 4º e 21 da Lei nº 7.492/86, reside
na circunstância de que o primeiro é crime próprio, somente podendo ser
executado por pessoas que tenham a condição de gerir a instituição
financeira, sendo estas indicadas pelo art. 25 do mesmo diploma, e o
segundo, crime comum, podendo ser praticado por qualquer pessoa. Nesse
sentido, se a conduta perpetrada foi levada a efeito mediante o manejo de
falsa identidade que permitiu a abertura das contas fantasmas - e revestindo-
se os acusados da especial condição de gerentes de agência bancária, a
conduta se subsume ao tipo do art. 4º da Lei nº 7.492/86. A condenação pelo
art. 21 implicaria bis in idem, porquanto a fraude seria punida como parte de
um todo (gestão fraudulenta) e como crime autônomo. 2. O gerente bancário,
que tem opções de ação administrativa possui alçada suficiente para praticar
os crimes de gestão fraudulenta. É certo que não podem os gerentes de
agência definir os rumos globais instituição, contudo, podem os mesmos
conduzir a instituição em menor proporção. Dessa forma, poderão conceder
empréstimos indevidos, autorizar a abertura de contas sem as cautelas
exigíveis, enfim, poderão gerir a instituição local (agência bancária) e assim
afetar o dinheiro de terceiros. Dessa forma, podem os gerentes de agências
bancárias realizar em tese a conduta de gestão fraudulenta. 3. Não se mostra
razoável considerar que uma agência bancária não possa ser considerada,
autonomamente, como uma instituição financeira. Na medida em que a
agência bancária direciona a sua atuação com vistas a realizar os próprios
fins da instituição financeira, pode sim ser considerada, para fins de
subsunção ao art. 4º da Lei n. 7492.86, como parcela integrante e
representativa do conceito legal desta. 4. Negado provimento ao recurso do
MPF e dado parcial provimento aos recursos dos réus JOÃO THOMÉ
VIEIRA, EDVALDO GÓES DOS REIS, JOSÉ MORAES DE
ALBUQUERQUE, ANTONIO CARLOS PREVATTI e JUANA ELVIRA
BAZOBERRI DE MORALES OROZCO, para reduzir-lhes a pena. (TRF-2 -
ACR: 3917 RJ 1995.51.01.031586-0, Relator: Desembargadora Federal
LILIANE RORIZ, Data de Julgamento: 03/03/2009, SEGUNDA TURMA
ESPECIALIZADA, Data de Publicação: DJU - Data: 18/03/2009 - Página:
171/172)

Tenho, por oportuno, que o art. 25 da Lei nº 7.492/86 não pretendeu restringir os sujeitos
ativos dos crimes nela previstos, pois se assim fosse, não teria feito inserir no corpo do texto legal
condutas impraticáveis por gerentes, controladores ou administradores das empresas, atuando nesta
condição. Senão vejamos:

PENAL. PROCESSO PENAL. APELAÇÃO. CRIME CONTRA O


SISTEMA FINANCEIRO NACIONAL. ARTS. 19 E 20, DA LEI Nº
7.492/86. SUJEITO ATIVO. CRIME PRÓPRIO. ART. 25 DA LEI Nº
7.492/1986. PRESCRIÇÃO. MATERIALIDADE E AUTORIA.
DOSIMETRIA DA PENA. REGIME ABERTO. HABEAS CORPUS DE
OFÍCIO. SUBSTITUIÇÃO DA PENA PRIVATIVA DE LIBERDADE. 1.
Não há que se cogitar na circunstância de o segundo apelante, João Alberto
Rivas Soares, não poder ser sujeito ativo do crime tipificado no art. 19, da
Lei nº 7.492/86, por se tratar, na espécie, de crime próprio, tendo em vista o
que dispõe o art. 25, da Lei nº 7.492/1986. 2. Da análise do art. 25, da Lei nº
7.492/1986, juntamente com uma interpretação sistemática da própria Lei nº
7.492/1986, em sua inteireza, pode-se concluir que o teor desse dispositivo
legal não tem como objetivo definir quais são os possíveis sujeitos ativos
dos crimes contra o Sistema Financeiro Nacional, mas apenas esclarecer que
o controlador, os administradores de instituição financeira e aqueles a estes
equiparados são responsáveis penalmente pela eventual prática dos crimes
contra o Sistema Financeiro Nacional previstos na referida lei, quando os
praticar nestas condições. Ademais, o objetivo do art. 19, da Lei nº
7.492/1986, bem como de toda essa lei, é a proteção do patrimônio das
instituições financeiras que, em princípio, podem ser lesadas tanto pelos
administradores e controladores destas, quanto eventualmente por pessoas
físicas, razão pela qual não há que se falar na circunstância de o acusado,
ora segundo apelante, não poder ser sujeito ativo do delito em questão. 3. Na
forma do que vislumbrou a v. sentença apelada (fls. 435/453),
particularmente às fls. 439/442, é de se entender ter o acusado, ora segundo
apelante, realizado o fato típico previsto no art. 19, e seu parágrafo único, da
Lei nº 7.492/1986, não se podendo, inclusive, ignorar ter o MM. Juízo
Federal a quo apontado que "Os réus se utilizaram, portanto, de meio
fraudulento (uso de 'testa-de-ferro') para angariar vantagem ilícita
(financiamento a que não tinha direito João Alberto), induzindo o agente
financeiro em erro" (fl. 441). 4. No que diz respeito à dosimetria da pena, a
sentença recorrida também não merece reparos, pois observado, no caso, em
relação ao segundo apelante, o disposto nos arts. 59 e 68, do Código Penal.
5. Quanto ao crime tipificado no art. 20, da acima referida Lei nº
7.492/1986, operou-se a prescrição da pretensão punitiva do Estado,
considerando que a pena restritiva de liberdade imposta ao acusado, ora
segundo apelante, foi de 2 (dois) anos de reclusão (fl. 448), circunstância
que faz com que, nos termos do art. 109, inciso V, do Código Penal, o prazo
prescricional, na hipótese, seja de 4 (quatro) anos. Assim, uma vez que a
denúncia foi recebida em 07/12/1999 (fl. 271) e a sentença recorrida
somente tornou-se pública em 18/02/2005 (fl. 454), verifica-se que entre a
data do recebimento da denúncia e a publicação da sentença condenatória,
transcorreu período de tempo superior a quatro anos. 6. Em face do
reconhecimento da extinção da punibilidade pela ocorrência da prescrição
quanto ao crime previsto no art. 20, da Lei nº 7.492, e subsistindo apenas a
condenação pelo crime descrito no art. 19, da Lei nº 7.492/86 - 2 anos e 8
meses de reclusão e 28 dias-multa - (fl. 448) -, verifica-se não se vislumbrar
fundamento jurídico que autorize a manutenção do afastamento da
substituição da pena privativa de liberdade por penas restritivas de direitos,
razão pela qual é de se conceder habeas corpus de ofício em proveito do
acusado, ora segundo apelante, para estabelecer que o regime inicial de
cumprimento da pena será o aberto e para substituir a pena privativa de
liberdade, do segundo, João Alberto Ribas Soares, por duas penas restritivas
de direitos, nos termos como fixado na v. sentença apelada (fls. 449/450),
para a corre, ora primeira apelante. 7. Na hipótese em comento, tem-se que
o conjunto probatório constante dos autos é suficiente a demonstrar a
materialidade e a autoria do delito inscrito no art. 19 e parágrafo único, da
Lei nº 7.492/1986, em relação à primeira apelante, Maria Regina Soares
Massia, na forma como vislumbrado pelo MM. Juízo Federal sentenciante,
às fls. 439/442, não se podendo, inclusive, ignorar ter o MM. Juízo Federal a
quo apontado que "Os réus se utilizaram, portanto, de meio fraudulento (uso
de 'testa-de-ferro') para angariar vantagem ilícita (financiamento a que não
tinha direito João Alberto), induzindo o agente financeiro em erro" (fl. 441).
8. Em relação à dosimetria da pena, quanto à primeira apelante, também não
merece reforma a v. sentença apelada, tendo em vista ter sido observado, no
caso, o disposto nos arts. 59 e 68, do Código Penal. 9. Apelação do acusado,
ora segundo apelante, parcialmente provida. Habeas corpus concedido de
ofício. 10. Apelação da acusada, ora primeira apelante, desprovida. (TRF1 -
ACR 199943000027047, DESEMBARGADOR FEDERAL ITALO
FIORAVANTI SABO MENDES, QUARTA TURMA, e-DJF1
DATA:16/10/2012 PAGINA:179.)

Fixadas tais premissas, passa-se à análise do presente caso.

2.2. Da imputação tocante as contratações de financiamentos fraudulentos (art. 19 da lei 7.492/86)

Pesa contra o denunciado, enquanto Gerente de Suporte de Negócios lotado na agência


bancária do BNB em Brejo Santo/CE, a imputação de responsabilidade por 124 (cento e vinte e
quatro) contratações fraudulentas de financiamento com recursos do FNE - Fundo Constitucional de
Financiamento do Nordeste, no valor total de R$ 1.089.643,23 (um milhão, oitenta e nove mil,
seiscentos e quarenta e três reais e vinte e três centavos).
Tanto a materialidade delitiva quanto a autoria emergem, claramente, do confronto entre o
interrogatório do denunciado, dos depoimentos colhidos em âmbito administrativo e judicial e os
documentos acostados aos autos, sobretudo, o Relatório de Sindicância realizada no âmbito do
Banco do Nordeste do Brasil - BNB (fls. 02/24 - P.A . 1.15.002.000150/2009-61 - Anexo I; do
Dossiê Integrado do Ministério da fazenda/RFB (fls. 72/86 - P.A . 1.15.002.000150/2009-61); dos
extratos de conta corrente mantida pelo denunciado (P.A . 1.15.002.000150/2009-61 - Anexo IV), e
do detalhamento das movimentações financeiras havidas nas contas investigadas (P.A.
1.15.002.000150/2009-61 - Anexo V).
O relatório de sindicância ao qual me reporto retrata, com clareza de detalhes, o modus
perandi adotado pelo denunciado, por ele mesmo revelado na seara administrativa:

"Em 10/09/2008, o funcionário Miguel Eduardo forneceu declaração formal


(Doc. 12), assumindo a autoria das irregularidades, com ênfase para os
seguintes pontos:
a) as operações relacionadas na planilha (Anexo 01) que foi apresentada a
ele (Miguel) eram todas fictícias e foram cadastradas irregularmente no
Sistema de Administração de Crédito - SIAC, por ele Miguel;
b) todas as liberações referentes às operações cadastradas irregularmente
(Anexo 01) também foram efetivadas por ele (Miguel) diretamente no SIAC;
c) as liberações eram efetuadas nas contas correntes as seguintes pessoas:
Cícero José de Lucena, José Francisco de Moura Alves e Zilmar Mariano de
Souza e, posteriormente, ele efetuava a transferência dos valores para conta
de terceiros ou sacava diretamente nos terminais de auto-atendimento da
agência de Brejo Santo;
d) as contas correntes dos terceiros envolvidos (Zilmar Mariano de Sousa e
José Francisco de Moura Alves), utilizadas para recebimento dos créditos
das transferências dos valores oriundos das operações irregulares foram
escolhidas dentre aquelas que se encontravam ativas mas sem movimentação
recente;
e) a conta corrente do Sr. Cícero José de Lucena, vendedor de gado, e
Francisco das Chagas Lucena, pai do Sr. Cícero, eram utilizadas de comum
acordo com eles (Cícero Lucena e Francisco das Chagas) mas sem o
conhecimento, por parte deles, da origem dos valores creditados em suas
contas correntes;
f) os cadastros dos clientes titulares das operações irregulares eram
realizadas com CPFs conseguidos na Internet, através de programas
geradores de CPFs e o restante das informações fictícias eram por ele
(Miguel) incluídas no sistema de cadastro (S400);
g) os projetos relativos às operações cadastradas irregularmente também
eram elaborados por ele (Miguel) e posteriormente importadas para o SIAC;
h) ele (Miguel) tinha acesso a todos os sistemas (SEAP, SINC e SIAC) com
poderes para instruir propostas, pautar reuniões do Comitê de Administração
de Crédito - COMAG no Sistema Integrado de Crédito - SINC, deferir
operações por meio de despachos favoráveis para as operações irregulares,
cadastrar operações no SIAC e, finalmente, liberar recursos das operações;
i) era de seu conhecimento (dele, Miguel) que a Unidade só imprimia as atas
das reuniões, para assinatura dos gestores participantes do Comitê, após uns
15 dias da sua realização;
j) sabia que os gestores que constavam nas atas impressas não conferiam as
operações constantes da ata da reunião com os documentos nos dossiês e
instrumentos de crédito respectivos;
k) após aprovação das operações em Comitê, ele mesmo providenciava o
cadastramento das operações irregulares no SIAC;
l) o SINC permite a instrução de propostas com possibilidade de inclusão em
pautas de reuniões que ocorram em datas posteriores à data em que foi
instruída a proposta, independentemente do prazo;
m) após o devido cadastramento das operações irregulares no SIAC, ele
(Miguel) efetuava as liberações e repassava aos destinatários: Antâo de
Morais Pinho - seu tio; Cícero José de Lucena - vendedor de gado; ESUTA -
empresa do seu tio; Francisco das Chagas Lucena - pai de Cícero Lucena;
Interfort - revenda de carros em Fortaleza; Isabel Cecília Bezerra Pinho -
ME - sua irmã; Maria Artunilda Bezerra Pinho - ME - sua irmã; Zilmar
Mariano de Souza - 'laranja'; José Francisco de Moura Alves - 'laranja" e a
ele próprio (Miguel);
n) os valores desviados eram emprestados aos destinatários citados
anteriormente sem a constituição de qualquer tipo de garantia, somente na
confiança;
o) os destinatários dos valores citados no item 'm' não tinham conhecimento
da origem ilícita dos valores creditados em suas contas correntes, apenas
recebiam os valores a título de empréstimos;
p) efetuou as irregularidades e repassou os valores a título de empréstimo
aos destinatários citados no item 'm' com o intuito de devolver todos esses
valores ao Banco do Nordeste quando do vencimento das operações, pois os
juros praticados pelo BNB são muito baixos e daria para liquidar as
operações irregulares".

Tais condutas são confirmadas pelo depoimento da testemunha de acusação José Sudário
Sobrinho Júnior que afirmou em Juízo:

QUE duas das contas são de movimentação normal de clientes e outras duas
abertas de forma indevida com o fim de servirem como contas de passagem
dos valores; (...) QUE com relação às contas dos correntistas que eram
pouco movimentadas, Cícero e Francisco, declararam que autorizaram o
trânsito dos valores por suas contas, mas não sabiam que a origem era
fraudulenta; QUE Miguel teria pedido permissão para utilizar tais contas;
(...) QUE teve contato com Sr. Antão, parente de Miguel e arrolado nos
autos como testemunha de acusação, o qual relatou que havia recebido os
valores porque era informado pelo réu de que produtores da região
emprestavam dinheiro com taxa mais barata e isso lhe seria útil porque tinha
uma empresa que necessitava de recurso; (...) QUE ao ser ouvido durante a
sindicância o acusado o fez na presença do gerente geral da agência,
Francisco Moura Teixeira; QUE o referido geral também foi inquirido pela
testemunha durante a sindicância; (...) QUE o comitê era formado por no
mínimo três participantes; QUE na referida agência pelo menos por quatro
meses as atas nem assinadas foram; QUE as atas após assinadas poderiam
ficar disponível durante algum tempo para que outras propostas fossem
incluídas; QUE tal falha foi sanada em momento posterior a apuração; QUE
não sabe explicar o porque o gerente geral embora ouvido na sindicância,
não foi afastado de suas funções; (...) QUE tem conhecimento de que o
próprio Sr. Antão procurou o banco e propões regularizar o débito que lhe
dizia respeito; QUE não necessariamente os gerentes participam de
treinamento antes de ocuparem funções; QUE após o processo
administrativo tomou conhecimento de que o acusado sofre de doença
mental; QUE não sabe dizer se quando o acusado foi inquirido em sua
residência se sentiu coagido; QUE foi opção do acusado ser ouvido dessa
forma; QUE no momento não se sabia quem seriam os envolvidos; QUE ao
chegarem na agência o réu se retirou; após diversos contatos ele propôs ser
inquirido em sua residência; QUE é opção da agência afastar ou não um
envolvido; QUE em geral permanecem no exercício de suas funções durante
a sindicância.

As pessoas acima referidas, titulares das ditas "contas meio", utilizadas pelo réu em sua
artimanha ardilosa, confirmaram durante as investigações:

CÍCERO JOSÉ LUCENA (fl. 128 - P.A. 1.15.002.000150/2009-61)

QUE lido o depoimento prestado em 11 de setembro de 2008, perante a


Auditoria do Banco do Nordeste do Brasil, confirma-o integralmente; QUE
algumas vezes o funcionário Miguel lhe telefonou para informar que iria
realizar uns depósitos em sua conta-corrente; QUE não sabia da origem
ilícita dos depósitos, e só permitiu tais operações por confinar no aludido
funcionário; QUE diversos outros depósitos foram efetuados sem que antes
Miguel tenha lhe informado; QUE transferiu aproximadamente quinze mil
reais para o Sr. Ivan Landim, e outras vezes transferiu para contas-correntes
em Fortaleza; que num só dia três transferências de R$ 12.600,00 saíram de
sua conta-corrente sem sua ingerência ou conhecimento; QUE às vezes
retirava uma certa quantia em dinheiro a pedido do próprio Miguel, já que o
dinheiro depositado era dele, não seu; [...]QUE não fez nenhum pagamento a
pedido de Miguel Eduardo, apenas realizou algumas transferências sem
saber qual a sua finalidade; QUE somente ao ser chamado para depor na
auditoria é que tomou conhecimento dos depósitos que totalizavam R$
196.505,15; que também não sabia que tais depósitos eram fruto de
empréstimos fraudulentos..."

JOSE FRANCISCO DE MOURA ALVES (fl. 129 - P.A. 1.15.002.0150/2009-61).

QUE fez um empréstimo de seis mil reais, para a compra de gado; QUE
para tanto assinou diversos papéis a pedido de funcionários daquela
instituição, bem como apresentou seus documentos pessoais, tais como CPF,
RG e comprovante de residência; QUE não sabia que tais papéis seriam
usados para a abertura de uma conta-corrente em seu nome; QUE somente
tomou conhecimento da existência desta conta quando foi chamado para
depor na auditoria do BNB; QUE não sabia que vários depósitos haviam
sido feitos em sua conta-corrente, no valor de R$ 509.904,34, pois como já
dito, nem sequer sabia da existência desta conta(...)

ANTÃO DE MORAIS PINHO, tio do acusado e beneficiário de parte dos valores


advindos do FNE/PRONAF após passagem pelas ditas "contas meio", arrolado como testemunha de
acusação esclareceu que "o réu transferiu os recursos apontados na inicial para a conta de sua
empresa, dizendo a testemunha, contudo, que o denunciado lhe teria dito que tais valores seriam
apenas decorrentes de empréstimos intermediados a juros mais baixos" (CD - ROM - fl. 282).
Após deferimento de quebra do sigilo bancário das contas mantidas pelas pessoas acima
referidas, constatou-se que se tratava de "contas meio" ou "contas de passagem", utilizadas na
fraude como destinatárias dos valores repassados pelo FNE/PRONAF e de onde, a seguir, partiam
as transferências para aplicações mantidas pelo denunciado em instituições financeiras, bem como
para contas correntes de familiares seus de parentes, além de origem de pagamento de transações
para aquisição de imóveis e veículo.
Com o término da instrução processual foi possível constatar, portanto, as seguintes
movimentações financeiras fraudulentamente engendradas pelo denunciado:
Por meio da conta corrente já existente em nome de Cícero José de Lucena (corrente nº
7853-0), passaram os valores advindos de 19 (dezenove) maculadas operações financeiras,
contabilizados em R$ 196.505,15 (cento e noventa e seis mil, quinhentos e quinze reais e quinze
centavos) (fl. 30 - P.A 1.15.002.000150/2009-61 - Anexo 01).
O mesmo ocorreu na conta corrente nº 10363-1 de titularidade de Francisco das Chagas
Lucena, para a qual foram transferidos R$ 27.000,00 (vinte e se te mil reais) oriundos do
FNE/PRONAF, mediante 03 (três) operações irregulares.
Segundo o apurado durante as investigações e ora confirmado, a ardilosa atuação do
acusado também envolveu a abertura de duas novas contas correntes em nome de Zilmar Mariano
de Souza (conta nº 11306-8) e Jose Francisco de Moura Alves (conta nº 11305-0), não obstante, à
completa revelia dos supostos correntistas.
No ponto, urge transcrever, pela riqueza de detalhes, a conduta do réu, por ele mesmo
revelada perante este Juízo, cujo teor evidencia, sem margem a qualquer dúvida, a clara intenção de
desviar valores oriundos do Programa. Eis o que asseverou o acusado em seu interrogatório (CD -
ROM - fl. 282):

QUE em relação às transações é verdade, porém em relação às contas


correntes é uma grande mentira; QUE o Cícero é patrão de Jose Francisco e
de Moura e Zilmar Mariano de Sousa; QUE não conhece tais pessoas; QUE
em relação às operações as imputações são verdadeiras, mas em relação às
aberturas de contas não; QUE Cícero foi a pessoa que abriu as contas das
referidas pessoas; QUE Cícero pediu que o acusado abrisse tais contas;
QUE não teria necessidade de abrir tais contas já que Cícero e seu Pai,
Francisco das Chagas Lucena, já tinham consentido em que utilizasse tais
contas extras; QUE confirma as operações, mas não confirma a apropriação
dos valores; QUE atribui a Cícero o destino dos valores para conta do
Zilmar e do Jose Francisco; QUE tinha ciência de que as operações não
iriam ser destinadas ao objetivo do programa; QUE era pressionado pelo
gerente à cumprir metas; QUE existia uma carência por parte da agência de
elevar o volume de recursos; QUE a intenção era cumprir a meta da agência
e devolver o dinheiro para o Banco; QUE o Banco ganharia com as
operações pois é remunerado pelo PRONAF a taxa de 6% pelos recursos do
PRONAF e mais 3% dos recursos do FNE, totalizando 9%; QUE em um ato
de infelicidade acabou caindo na tentação do Sr. Cícero, o qual dizia que já
havia feito muitas operações fraudulentas com outros bancos, por ex. como
Banco do Brasil; QUE quando a agência batia meta a equipe ficava bem
vista dentro do próprio banco; QUE portas de promoções se abrem quando
as metas vão sendo alcançadas; QUE quanto as demais operações, que não
as que envolveram Jose Francisco e Zilmar mariano, disse que tais recursos
foram desviados para empresa de Antão de Morais Pinho, QUE a compra do
caminhão e os demais valores iriam ser devolvidos; QUE o caminhão foi
comprado na intenção de Sr locado para EIT nas obras da transposição do
rio são Francisco e da transnordestina; QUE o próprio réu iria administrar o
uso do citado caminhão; QUE comprou o caminhão com recursos do
financiamento para explorar e depois pagar o recurso com os aluguéis; QUE
Cícero pediu para ele lhe auxiliasse em cinco operações de seus
funcionários, dos quais Jose Francisco e Zilmar mariano, para fazer um loby
dentro da agência porque essas operações seriam para ele; QUE as pessoas
seriam laranjas de Cícero que depois repassavam os valores para Cícero;
QUE as operações foram todas feitas de forma regular (5 operações) com
toda a documentação; QUE daí surgiu a idéia de fazer essas coisas porque
Cícero disse que as pessoas eram seus moradores; QUE como o operacional
da agência estava muito abarrotado de coisa para fazer o gerente executivo
lhe pediu ajuda e tive a infelicidade de aprender e ter acesso a programas
que não deveria ter, como o sistema de Cadastro; QUE descobriu que para
se fazer uma operação de crédito no banco bastava ter um CPF válido; QUE
passou a pegar o CPF jogava no sistema do banco e jogava dados fictícios;
QUE o Comitê é outra parte fictícia da história; QUE nenhum gerente vota;
QUE nessa época não existia trava, qualquer pessoa poderia deferir ou não a
proposta; QUE pautava reunião; QUE Izabel Cristina tinha uma empresa
que produzia Jeans e vivia muito deficitária; QUE pediu ao Cícero que
fizesse essa transferência que seriam pagas com cheque da própria empresa;
QUE tais recursos foram também oriundos de um financiamento PRONAF
após combinação entre o acusado e Cícero; QUE em relação aos laranjas
que Cícero arregimentava, não conhece Zilmar nem José Francisco; QUE as
contas não foram pegas aleatoriamente, foram contas que Cícero pediu para
abrir para que as movimentações não fossem feitas exclusivamente em sua
conta; QUE em relação aos valores que saiam da conta de Cícero para a
conta do acusado disse que eram empréstimos contraídos com Cícero; QUE
tinha a intenção de pagar direto ao banco e não a Cícero; QUE o Banco
ganharia duas vezes, por meio dos percentuais e pelo cumprimento das
metas; QUE o carro de passeio não foi com dinheiro oriundo dessas
operações, é objeto de um consórcio; QUE se desfez do consórcio e vendeu
o carro para sua irmã mas esta não tirou do nome de sua esposa; QUE com
relação ao imóvel disse que foi comprado com dinheiro do banco, Cícero
transferiu R$ 10.000,00 e ele próprio pagou os outros R$ 5.000,00 a Jose
Leite landim ao contrário do que disse Cícero; QUE acreditava que devolver
R$ 10.00,00 ao banco não seria dificuldade para ele que trabalhava e tinha
uma loja em brejo santo; QUE o toma medicamento, Carbolitil (para
estabilização do transtorno bipolar), Leponex (controlar ansiedade) e
Ritalina (Déficit de atenção).

Ao que se vê, embora tente em seu interrogatório transferir parte da responsabilidade para
a pessoa de Cícero José de Lucena, confirmou a fraude, argumentando apenas que pretendia
"devolver" todo o dinheiro ilicitamente auferido, o que, nem de longe, e diante do vasto acervo
probatório colhido, é capaz afastar a sua responsabilidade pela trama fraudulenta.
Com efeito, o cotejo de todas as declarações até então descritas com os documentos
colacionados aclaram, então, que por meio da conta irregularmente aberta pelo réu em nome de
Zilmar Mariano de Souza, foram repassados valores do PRONAF, no total de 44 (quarenta e quatro)
operações, perfazendo o montante de R$ 356.633,74 (trezentos e cinqüenta e seis reais e seiscentos
e trinta e três reais e setenta e quatro centavos) (fls. 31/32 - P.A 1.15.002.000150/2009-61 - Anexo
01).
Da mesma forma, por meio da conta corrente aberta em nome de José Francisco de Moura
Alves, foram veiculados, com o mesmo ardil, R$ 509.504,34 (quinhentos e nove mil, quinhentos e
quatro reais e trinta e quatro centavos) advindos do mesmo programa de incentivo à agricultura
familiar e mediante 58 (cinquenta e oito) operações fraudulentas (fl. 30/31 - P.A
1.15.002.000150/2009-61 - Anexo 01).
Após o repasse das verbas, com crédito nas referidas contas correntes, os valores eram
transferidos, sob comando direto do acusado, para contas correntes por este indicadas de seus
familiares ou de sua própria titularidade.
Há nos autos prova de que tais contas foram efetivamente utilizadas como meio para
facilitar a artimanha engendrada pelo acusado, sendo tal fato constatado pelas declarações já
versadas em cotejo com a análise detalhada de tais contas realizada pela Assessoria de Análise e
Pesquisa da Procuradoria-Geral da República no documento intitulado Caderno de Investigação
Bancária, elaborado a partir da quebra de sigilo bancário autorizada por esse juízo (P.A.
1.15.002.000150/2009-61 - Anexo V).
Parte desses fatos, notadamente no que se refere às vultosas movimentações havidas em
conta corrente mantida pelo acusado, são visivelmente extraídos do referido documento. A análise
de seus dados bancários evidencia que em sua conta foram depositados valores provenientes das
operações fraudulentas, estando caracterizada a incompatibilidade entre a renda declarada e os
valores movimentados (P.A 1.15.002.000150/2009 - Anexo V - fls. 51/53).
Da mesma forma, os extratos da conta nº 10.082-P, mantida pelo denunciado junto ao
Bradesco - Agência Brejo Santo, listam depósitos realizados em seu favor, inclusive, por Cícero
José de Lucena. Verifica-se que para a referida conta foram transferidos R$ 165.927,10 (cento e
sessenta e cinco mil, novecentos e vinte e sete reais e dez centavos), no período de janeiro a julho
de 2008 (P.A 1.15.002.000150/2009-61 - Anexo IV).
Assim, a única conclusão possível é a de que o acusado, valendo-se de sua condição de
gerente lotado na agência do BNB de Brejo Santo/Ce ultimou, ardilosamente, operações de crédito
fraudulentas fomentadas por recursos PRONAF - Programa Nacional de Fortalecimento da
Agricultura Familiar, se utilizando, para tanto, de quatro contas correntes mantidas junto à Agência
114 (Brejo Santo) do Banco do Nordeste do Brasil, quais sejam, c.c nº 7853-0, em nome de Cícero
José de Lucena, c.c nº 10363-1, em nome de Francisco das Chagas Lucena, c.c nº 11305-0, em
nome de José Francisco de Moura Alves, e c.c nº 11306-8, em nome de Zilmar Mariano de Souza.
Nada foi afirmado nos autos pela defesa que viesse a desqualificar o depoimento das
testemunhas arroladas pelo Ministério Público, bem assim a vasta documentação trazida aos autos.
Por sua vez, a testemunha arrolada pela defesa do demandado nada trouxe que lhe pudesse
beneficiar, já que conhecia os fatos na inicial apenas por "ouvir dizer" (CD - ROM - fl. 225)
Presentes, portanto, provas da autoria, do dolo e da materialidade delitiva, entendo que a
conduta imputada ao réu é subsumível à descrição típica do art. 19 da Lei n.º 7.492/86, por 124
vezes.

2.3. Da imputação tocante a gestão fraudulenta (art. 4º da lei 7.492/86)

A inicial acusatória também imputa ao réu a conduta de gestão fraudulenta inserta no art.
4º da lei 7.492/86.
Em relação ao tipo em análise, o réu, em sua defesa, alega apenas que por não ser
controlador ou administrador da instituição financeira, não poderia ser responsabilizado. Diz que as
contratações em torno das operações com recursos do PRONAF dependiam da aprovação do
gerente geral da agência e do gerente executivo no âmbito de reuniões do comitê.
Acerca do tema urge esclarecer, sem olvidar certa divergência no âmbito da doutrina e
jurisprudência, ser necessária a análise fática do caso concreto a fim de que se possa atribuir
responsabilidade por gestão fraudulenta a quem de fato detinha poderes para operacionalizar
contratações alheias ao real interesse da instituição.
Neste sentido, acompanho a corrente jurisprudencial que entende que o enquadramento
dos gerentes de agências ao tipo penal em análise deve ser analisado caso a caso, por meio da
perquirição da repercussão de sua atuação fraudulenta. Senão vejamos:

PENAL E PROCESSUAL PENAL. RECURSO EM SENTIDO ESTRITO.


GESTÃO TEMERÁRIA. GERENTE DE AGÊNCIA BANCÁRIA. ART. 25
DA LEI 7492/86. PERTINÊNCIA SUBJETIVA. DENÚNCIA RECEBIDA.
I - Os crimes do art. 4º e seu parágrafo único da Lei n. 7.492/86, têm como
antecedente imediato, o crime do art. 3º, IX da Lei 1.521/51. Na legislação
antecedente, a punição se dirigia a quem geria fraudulenta ou
temerariamente, bancos ou estabelecimentos bancários, bem demonstrando
que ao se dirigir à gestão fraudulenta ou temerária de estabelecimentos
bancários, além da gestão geral do próprio banco como instituição global, a
tutela jurídico-penal também focava as condutas praticadas no âmbito mais
restrito da gestão de um estabelecimento bancário isolado. II - O
estabelecimento bancário é tanto o imóvel, como os bens móveis e a
organização dos serviços que são prestados em uma determinada agência,
com vistas à finalidade da instituição financeira, que é a captação,
intermediação e aplicação de recursos. As agências são, em última análise, a
própria instituição financeira. III - A Lei n. 7.492/86 não se afastou desta
realidade, apenas porque deu nova redação quando da tipificação daquelas
condutas previstas no art. 3º, IX da Lei n. 1.521/51. Até porque a Lei de
1986 (dos crimes contra o sistema financeiro nacional), partiu de uma linha
de política criminal visando a uma maior abrangência de punição, e
alargando a tutela jurídica. Por isso, até mesmo abriu mão do prejuízo para a
caracterização dos crimes de gestão fraudulenta e gestão temerária. IV - Sob
este prisma, seria prematuro rejeitar a denúncia sem que se realize a
instrução processual penal, na qual o MPF tem direito de procurar
demonstrar que, para além de meros atos irregulares, descuidados ou
fraudulentos praticados por um gerente de agência, também se possa
constatar atos de maior repercussão, que, no caso da imputação em tela,
tenham configurado no seu todo, gestão temerária, haja vista o exercício de
uma fração do poder de comando da entidade mediante autorização de
diversas operações com ampla autonomia e independência, sem qualquer
tipo de consulta ao superior hierárquico, portanto, com pleno poder de
gestão, ainda que numa parcela da entidade. V - A possibilidade de
enquadramento dos gerentes de agências bancárias na figura da gestão
temerária deve ser examinada caso a caso, após a instrução criminal
completa, conforme entendimento que encontra robusto sustentáculo em
nossos Tribunais, não merecendo, portanto, prosperar a fundamentação da
decisão atacada, ante a pertinência subjetiva da denúncia. VI - Verificada a
materialidade e presentes suficientes indícios de autoria, merece aplicação a
Súmula n.º 709 do STF. VII - Recurso em sentido estrito provido e denúncia
recebida nesta data.
(TRF2. 1ª Turma. Rel. Desembargador Federal ABEL GOMES. RSE - -
1632. DJU 05/10/2007 – Página::1151)

In casu, restou claro que o réu, malgrado defenda a exclusão de sua responsabilidade eis
que, no seu dizer, como Gerente de Suporte de Negócios da Agência, não detinha domínio efetivo
sobre as operações de crédito fraudulentamente realizadas, tinha pleno acesso aos sistemas que
circundavam tais contratações e, sob tal condição, passou a efetivá-las com a plena consciência de
que não condiziam com as condutas ordinárias da instituição, alegando, apenas, que tinha a intenção
de devolver os valores desviados.
A testemunha de acusação Jose Sudário Sobrinho Júnior indica, com riqueza de detalhes,
que o réu, como Gerente de Suporte a Negócios da agência do BNB de Brejo Santo/CE, detinha
todo o controle e disponibilidade operacional de todas as etapas bancárias para a concretização dos
financiamentos. Veja-se, neste pertinente, o teor de trechos do citado depoimento:

QUE as contas foram abertas devido ao réu ter acesso aos diversos sistemas
do Banco como gestor e utilizado tais contas exclusivamente no trânsito dos
valores contratados irregularmente; (...) QUE para se fazer uma operação de
crédito se utiliza 5 sistemas; QUE o réu tinha acesso a todos os cinco com
poderes de gestão e isso possibilitou que cadastrasse os clientes com dados
criados e falsos, elaborasse projeto e colocasse nos sistema; elaborasse
proposta, pautasse no comitê e deferisse; e cadastrasse a operação e liberasse
os valores e, por fim, abrisse as contas correntes para obter os cartões,
liberar tais cartões e passasse a movimentar tais contas, transferindo ou
sacando diretamente tais valores; QUE Miguel embora não fosse gerente
geral tinha o controle de todas as etapas que envolviam as operações de
crédito; QUE com relação às contas de Zilmar e Jose Francisco, disse que
tais pessoas o disseram que desconheciam que fossem titulares de conta
corrente do BNB; QUE acredita que o contato das referidas pessoas seria
apenas por serem "pronafianos", clientes do banco; QUE para abrir a conta
corrente não precisa de documento do PRONAF; (...) QUE o réu exercia a
função de suporte de negócios; QUE acima dele teria o gerente de negócios
e o gerente geral da agência; QUE toda agência tinha ainda 2 (dois) gerentes
executivos; QUE o acusado era assistente do gerente de negócios; (...) QUE
embora o gerente de suporte de negócios tivesse algumas limitações de
acesso as sistemas, tais acessos eram conseguidos quando das substituições
angariadas pelo réu; QUE os recursos não são colocados a disposição de
nenhum gerente; QUE havia e ainda deve haver falhas de controle nos
sistemas; QUE após o acontecido a segurança de alguns sistemas foi revista,
especialmente os de operação de crédito; QUE não é possível concluir que o
Banco colocou a disposição do acusado meios para que as fraudes fossem
perpetradas; QUE o gerente de suporte não participava do comitê, mas nas
substituições do gerente de negócio tinha acesso ao comitê; (...) QUE foi
fundamental a falta de acompanhamento pela gerência da agência para as
fraudes.

Assim, embora seja claro que o réu não exercia sozinho a gerência da citada agência
bancária, restou induvidoso nos autos que detinha algum nível de fidúcia por parte da instituição
para a qual trabalhava, a ponto de poder ingressar livremente nos sistemas que envolviam as
contratações de crédito com recursos do PRONAF, podendo gerir a sua destinação.
Por sua vez, o cenário em que se desencadeou a fraude - agência bancária de cidades
menores - atrai ao réu, certamente, a condição de "gerente responsável por financiamentos" daquela
unidade, garantido-lhe, portanto, a confiança dos munícipes e potenciais clientes, contribuindo,
consequentemente, para o destramar da fraude como a que ora se apura.
Nesse contexto, o acusado não só obteve os financiamentos de forma fraudulenta, como
atuou diretamente na abertura de contas, cadastramento de clientes, movimentações financeiras,
influência junto ao Comitê, dentre outros atos que certamente comprometem a higidez da
Instituição Financeira, pelo menos no âmbito da agência para a qual tinha participação decisiva na
gestão.
Induvidosos a autoria e o dolo, portanto.
Quanto à materialidade, entendo ter restado minuciosamente demonstrada durante toda a
fundamentação que seguiu o tópico anterior.
Ao praticar os fatos acima expostos, realizando uma série de operações financeiras
fraudulentas na condição de Gerente de Suporte de Negócios da Agência Brejo Santo do Banco do
Nordeste do Brasil, cometeu o denunciado o crime tipificado no artigo 4º da Lei nº 7.492/86, qual
seja, "gerir fraudulentamente instituição financeira", em concurso formal com os 124 crimes
tipificados no art. 19 da mesma lei, conforme já tratado no tópico anterior.

2. Dispositivo

3.1. Da Condenação
Ante o exposto, JULGO PROCEDENTE a pretensão punitiva do Estado, deduzida na
denúncia de fls. 06/13, para CONDENAR MIGUEL EDUARDO BEZERRA DE PINHO pela
prática do crime previsto no art. 19 da Lei Federal nº 7.492/86, por 124 vezes, em concurso formal
com o art. 4º, do mesmo dispositivo legal.
Passo à dosimetria da pena em relação ao demandado acima condenado e o faço de forma
fundamentada, para atender aos ditames legais.
3.2. Da Dosimetria
3.2.1. Da conduta tipificada no art. 19 da lei 7.492/86
3.2.1.1. Da Pena Privativa de Liberdade.
1ª Fase:
A culpabilidade é normal para os crimes de mesma natureza. Por tal razão, tal
circunstância deve ser tomada como favorável ao réu. Não há notícia de antecedentes. Tal
circunstância deve ser tomada por favorável ao réu. A conduta social é adequada; razão pela qual
essa circunstância deve ser considerada como favorável ao réu. Quanto à personalidade do agente,
entende este Magistrado ser a apreciação de tal circunstância judicial inconstitucional, na medida
em que pretende julgar a pessoa pelo que é e não pelo que fez, sendo um retrocesso ao chamado
"direito penal do autor", ofensivo ao princípio da dignidade da pessoa humana. De outra sorte, a
análise da personalidade foge ao âmbito da ciência jurídica, pressupondo conhecimentos técnicos de
outros ramos da ciência, pelo que deixo de analisar esta circunstância, mas aplicando-a
favoravelmente ao réu. Os motivos do crime são os ordinários à espécie. As circunstâncias do crime
não transcenderam ao ordinário. As consequências do crime são normais. O comportamento da
vítima não se aplica ao caso.
Diante da inexistência circunstâncias judiciais desfavoráveis, fixo a pena-base no mínimo
legal, ou seja, em 02 (dois) anos de reclusão.
2ª e 3ª Fases:
Ausentes atenuantes e agravantes, bem como inexistindo causas de diminuição e de
aumento para incidirem no caso, torno a pena definitiva em 02 (dois) anos de reclusão.
Da continuidade delitiva
A pena encontrada ao fim do sistema trifásico deve ser aplicada a cada um dos 124 (cento
e vinte e quatro) crimes cometidos sendo dispensável dosimetria individualizada para cada um deles
dada a completa identidade de procedimento em todos. Fazendo uso da regra do crime continuado
prevista no art. 71, do CP, aplico ao réu a pena de um só dos crimes, aumentada de 2/3 (dois terços),
ficando a pena definitiva em 03 (três) anos e 04 (quatro) meses.
3.2.1.2 Da Pena de Multa
Condeno, ainda, o réu ao pagamento de pena de multa, que fixo em 60 (sessenta) dias-
multas, cujo valor individual será de 1/30 (um trigésimo) do salário-mínimo vigente na data do fato,
pena esta que julgo adequada às circunstâncias do caso e à capacidade financeira do condenado.
Em razão de o réu ter praticado 124 crimes em continuidade delitiva, a pena de multa
passa a ser de 7.440 (sete mil quatrocentos e quarenta) dias-multas, nos termos do art. 72 do CP.
3.2.2 Da conduta tipificada no art. 4º da lei 7.492/86
A culpabilidade é normal para os crimes de mesma natureza. Por tal razão, tal
circunstância deve ser tomada como favorável ao réu. Não há notícia de antecedentes. Tal
circunstância deve ser tomada por favorável ao réu. A conduta social é adequada; razão pela qual
essa circunstância deve ser considerada como favorável ao réu. Quanto à personalidade do agente,
entende este Magistrado ser a apreciação de tal circunstância judicial inconstitucional, na medida
em que pretende julgar a pessoa pelo que é e não pelo que fez, sendo um retrocesso ao chamado
"direito penal do autor", ofensivo ao princípio da dignidade da pessoa humana. De outra sorte, a
análise da personalidade foge ao âmbito da ciência jurídica, pressupondo conhecimentos técnicos de
outros ramos da ciência, pelo que deixo de analisar esta circunstância, mas aplicando-a
favoravelmente ao réu. Os motivos do crime são os ordinários à espécie. As circunstâncias do crime
não transcenderam ao ordinário. As consequências do crime são normais. O comportamento da
vítima não se aplica ao caso.
Diante da inexistência circunstâncias judiciais desfavoráveis, fixo a pena-base no mínimo
legal, ou seja, em 03 (três) anos de reclusão.
2ª e 3ª Fases:
Ausentes atenuantes e agravantes, bem como inexistindo causas de diminuição e de
aumento para incidirem no caso, torno a pena definitiva em 03 (três) anos de reclusão.
3.2.1.2 Da Pena de Multa
Condeno, ainda, o réu ao pagamento de pena de multa, que fixo em 60 (sessenta) dias-
multas, cujo valor individual será de 1/30 (um trigésimo) do salário-mínimo vigente na data do fato,
pena esta que julgo adequada às circunstâncias do caso e à capacidade financeira do condenado.
3.3. Do concurso formal
Conforme visto na fundamentação, o réu foi condenado pela prática de 124 crimes
tipificados no art. 19 da Lei nº 7.492/86 em continuidade delitiva, bem como pela incidência no art.
4º da mesma lei, sendo esta em concurso formal com as primeiras. Ocorre que as penas do crime
continuado devem ser consideradas autonomamente para todos os efeitos, exceto para a fixação da
continuidade. Assim, a incidência da regra do concurso formal, prevista no art. 70 do Código Penal,
deve ocorrer considerando as penas de 02 (dois) e 03 (três) anos, tomando-se por base, então, a
maior delas (03 anos). Entretanto, considerando que foram praticados 124 delitos previstos no art.
19 referido, a fração a incidir será de metade.
Destarte. aplico a regra do art. 70 do Código Penal pela qual fica a pena fixada em 4
(quatro) anos e 06 (seis) meses de reclusão.
Em relação à pena de multa fica fixada em 7.500 (sete mil e quinhentos) dias multa no
valor individual de 1/30 (um trigésimo) do salário-mínimo vigente, nos termos do art. 72 do CP.
3.3. Do Regime de Cumprimento de Pena.
O regime inicial de cumprimento de pena será o semi-aberto (art. 33, § 2o, "b", do CP).
3.4. Da Substituição das Penas Privativas de Liberdade por Restritivas de Direito
Diante do quantitativo de pena aplicado, incabível a substituição das penas.
3.5. Das Disposições Finais
Fixo o mínimo indenizatório no valor de R$ 670.806,17 (seiscentos e setenta mil,
oitocentos e seis reais e dezessete centavos), resultado do quantum apurado após a dedução sobre o
montante desviado pelo réu (R$ 1.089.643,23) da quantia efetivamente devolvida pela empresa
ESUTA Prestação de Serviços LTDA, de titularidade de Antão de Morais Pinho (R$ 418.837,06),
consoante manifestação de fls. 306/307. Ao valor a ser restituído deverá ser acrescido de correção
monetária e juros de mora, de acordo com o manual de cálculos da Federal.
Traslade-se cópia desta sentença para o processo nº 0000943-33.2010.4.05.8100, a fim de
que sejam adotadas as providências necessárias à destinação dos bens cujo seqüestro foi ali
determinado.
Após o trânsito em julgado, lance-se o nome do réu condenado no rol dos culpados,
oficie-se ao TRE/CE para fins do art. 15, III, da Constituição Federal e remetam-se os autos à fase
de execução.
Estando o réu condenado solto, o que é a regra, e não se verificando, no presente caso, os
pressupostos e requisitos do art. 312 do CPP, não há que se falar em adoção das medidas previstas
no art. 387, p. único, do CPP, com a redação dada pela Lei no 11.719/08.
Custas pelo condenado.
Com o trânsito em julgado, adotem-se as providências necessárias à execução das penas.
P. R. I.

Juazeiro do Norte (CE), 29 de novembro de 2013.

TIAGO JOSÉ BRASILEIRO FRANCO


JUIZ FEDERAL SUBSTITUTO DA 16ª VARA
USO DE DOCUMENTO FALSO

1. Trata-se de ação penal oferecida pelo Ministério Público Federal em desfavor de WSKLEY
BATISTA NÓBREGA DE SOUSA, imputando-lhe a prática do delito previsto no art. 304 do
Código Penal.
2. Dispõe a peça acusatória que o denunciado, em meados de 2010, teria supostamente feito uso de
documento público falsificado, consistente em diploma de conclusão do Curso de Qualificação
Profissional de Técnico em Química, perante o Conselho Regional de Química do Rio Grande do
Norte, visando à habilitação e inscrição para o exercício de atividade privativa do profissional
"Técnico em Química".
3. A denúncia foi recebida no dia 30 de janeiro do presente ano, por meio da decisão de fls. 15/18.
Citado, o acusado apresentou sua defesa escrita às fls. 76/80, alegando, em suma, que: a) diante da
ausência da entrega do mandado de citação ao acusado, a citação mostrar-se-ia nula; b) subsiste
visível atipicidade da conduta imputada, em razão da inexistência de dolo.
4. Instado a se manifestar, o Ministério Público Federal (fls. 119/121) divergiu dos argumentos
utilizados pela defesa, aduzindo que: a) apesar de presente a nulidade, a não entrega do mandado de
citação ao acusado não consistiu prejuízo à defesa, devendo, portanto, ser relevada tal nulidade, em
coerência com o princípio da pas de nullité sans grief e o art. 563 do Código de Processo Penal; b) o
dolo no cometimento do delito pelo acusado restou configurado no ato de obtenção do diploma
tendo somente como contraprestação o pagamento pecuniário visando ao benefício pessoal.
5. Em decisão de fls. 123/124 este Juízo rejeitou a preliminar arguida pela defesa e determinando o
prosseguimento do feito, ratificando o recebimento da ação penal.
6. Foi realizada audiência de instrução e julgamento, ocasião em que foram ouvidas as testemunhas
arroladas e o acusado foi interrogado, conforme termo de fls. 222/223 e mídias acostadas às fls.
225/226.
7. Na fase do art. 402 CPP, nada foi requerido.
8. O Ministério Público Federal apresentou alegações finais orais, que se encontram gravadas na
mídia acostada à fl. 226, nas quais afirmou terem sido comprovadas a materialidade e autoria
delitivas, de sorte que reiterou o pedido de condenação exposto na denúncia.
9. A defesa do acusado apresentou alegações finais (fls. 227/233) onde requereu sua absolvição e,
alternativamente, em caso de não acolhimento do pedido absolutório, que seja a pena aplicada no
mínimo legal.
10. É o necessário a relatar.

II - Fundamentação

11. O Ministério Público Federal imputou ao acusado a condutas que, em tese, se amolda ao tipo do
art. 304 do Código Penal, com a pena do art. 297 do Código Penal:

Art. 304 - Fazer uso de qualquer dos papéis falsificados ou alterados, a que
se referem os arts. 297 a 302.
Pena - a cominada à falsificação ou à alteração.
Art. 297 - Falsificar, no todo ou em parte, documento público, ou alterar
documento público verdadeiro:
Pena - reclusão, de dois a seis anos, e multa.

12. O delito insculpido no art. 304 do Diploma Legal em exame perfaz a conduta do uso de
documento falso, possuindo como núcleo do tipo a conjunção verbal fazer uso. Esse fazer uso, no
crime em comento, exige que a utilização seja feita como se o documento autêntico fosse, além do
que a situação envolvida deva ser juridicamente relevante. Neste caso, a amplitude do conceito de
documento depende da verificação do conteúdo dos arts. 297 a 302 do Código Penal, a saber:
documento público, documento particular, papel onde constar firma ou letra falsamente
reconchecida, atestado ou certidão pública ou, ainda, atestado médico.
13. Acrescente-se, ainda, que o sujeito ativo do crime pode ser qualquer pessoa, quanto ao sujeito
passivo, nestes casos, é o Estado e, secundariamente, a pessoa prejudicada. O dolo constitui
elemento subjetivo do tipo, não existindo a forma culposa do crime.

II.1 Da materialidade e autoria

14. A materialidade e autoria do crime se encontram demonstradas nos autos. Com efeito, a partir da
análise dos documentos constantes do Inquérito Policial nº 0843/2013-1 - Apenso, instaurado pela
Polícia Federal, juntamente com as provas produzidas durante a instrução, conclui-se que WSKLEY
BATISTA NÓBREGA DE SOUSA, no dia 24 de novembro de 2010, utilizou documento falso,
consistente em diploma de Curso Técnico em Química, junto ao Conselho Regional de Química da
15ª Região, visando obter a habilitação para o exercício da atividade privativa do profissional
"Técnico em Química".
15. Inicialmente, faz-se necessário verificar, de fato, quais as atribuições relativas ao Químico e ao
Técnico de Química.
16. Neste sentido, o DECRETO-LEI N.º 5.452, DE 1º DE MAIO DE 1943 dispõe:

Art. 334 - O exercício da profissão de químico compreende:


a) a fabricação de produtos e subprodutos químicos em seus diversos graus
de pureza;
b) a análise química, a elaboração de pareceres, atestados e projetos de
especialidade e sua execução, perícia civil ou judiciária sobre essa matéria, a
direção e a responsabilidade de laboratórios ou departamentos químicos, de
indústria e empresas comerciais;
c) o magistério nas cadeiras de química dos cursos superiores especializados
em química;
d) a engenharia química.
§ 1º - Aos químicos, químicos industriais e químicos industriais agrícolas
que estejam nas condições estabelecidas no art. 325, alíneas "a" e "b",
compete o exercício das atividades definidas nos itens "a", "b" e "c" deste
artigo, sendo privativa dos engenheiros químicos a do item "d".
§ 2º - Aos que estiverem nas condições do art. 325, alíneas "a" e "b",
compete, como aos diplomados em medicina ou farmácia, as atividades
definidas no art. 2º, alíneas "d", "e" e "f" do Decreto nº 20.377, de 8 de
setembro de 1931, cabendo aos agrônomos e engenheiros agrônomos as que
se acham especificadas no art. 6º, alínea "h", do Decreto nº 23.196, de 12 de
outubro de 1933.

17. Por outro lado, a LEI No 2.800, DE 18 DE JUNHO DE 1956, dispõe:

"Art 20. Além dos profissionais relacionados no decreto-lei n.º 5.452, de 1


de maio de 1943 - Consolidação das Leis do Trabalho - são também
profissionais da química os bacharéis em química e os técnicos químicos.
§ 1º Aos bacharéis em química, após diplomados pelas Faculdades de
Filosofia, oficiais ou oficializadas após registro de seus diplomas nos
Conselhos Regionais de Química, para que possam gozar dos direitos
decorrentes do decreto-lei n.º 1.190, de 4 de abril de 1939, fica assegurada a
competência para realizar análises e pesquisas químicas em geral.
§ 2º Aos técnicos químicos, diplomados pelos Cursos Técnicos de Química
Industrial, oficiais ou oficializados, após registro de seus diplomas nos
Conselhos Regionais de Química, fica assegurada a competência para:
a) análises químicas aplicadas à indústria;
b) aplicação de processos de tecnologia química na fabricação de produtos,
subprodutos e derivados, observada a especialização do respectivo diploma;
c) responsabilidade técnica, em virtude de necessidades locais e a critérios
do Conselho Regional de Química da jurisdição, de fábrica de pequena
capacidade que se enquadre dentro da respectiva competência e
especialização.

18. Da análise dos dispositivos legais acima mencionados é possível concluir que, aparentemente,
as atribuições do profissional técnico em química estão abarcadas pelo profissional Químico, o que
não retira a necessidade de analisar se o crime de uso de documento falso foi ou não praticado pelo
acusado.
19. Assim, analisando o conjunto probatório contido nos autos, verifica-se que o Diploma do Curso
de Qualificação Profissional de Técnico em Química supostamente emitido pelo Colégio Reensino
(fls. 26/27 do IPL), a Carteira de Identidade Profissional emitida pelo Conselho Federal de Química
(fls. 23/24 do IPL), além do Auto de Interrogatório do acusado (fls. 12/16 do IPL), comprovam a
autoria e a materialidade delitivas.
20. Isso porque ficou nitidamente demonstrado que WSKLEY BATISTA NÓBREGA DE SOUSA,
visando a habilitação para o exercício da profissão de Técnico em Química junto à empresa
Newpark, pagou a quantia de R$ 1.800,00 (um mil e oitocentos reais) às pessoas de Adauto Altino
de Lima e Willian Marques Moreira, integrantes de uma organização criminosa nacional
especializada em falsificação de diplomas, a fim de que lhe fosse outorgado diploma profissional de
Técnico em Química, sem que tenham cursado o mencionado curso profissionalizante.
21. Neste contexto, merece destaque o interrogatório prestado pelo acusado perante a autoridade
policial (fls. 12/15 do IPL), ocasião em que declarou: "QUE é graduado em Engenharia de
Materiais pela UFRN; QUE trabalha na empresa NEWPARK; QUE de acordo com o contrato
firmado com a PETROBRAS e a empresa NEWPARK, exigia o cargo mínimo de Químico ou
Técnico em Química para exercer atividade embarcado pela PETROBRAS; QUE diante desses
fatos procurou o CRQ/RN, onde obteve essa declaração firmando as atribuições inerentes a
formação de engenheiro de materiais que também pode exercer atividades no segmento de
engenharia química; QUE mesmo assim a PETROBRÁS não acatou tais argumentos afirmando que
tudo estava regido no contrato firmado entre esta e NEWPARK; (...) QUE tomou conhecimento de
que o site www.saedd.com.br oferecia curso à distância de Técnico em Química; QUE segundo
JEFFERSON, a pessoa com a quale ele havia contatado, de nome ADAUTO, sendo que ele
(JEFFERSON) e o interrogado formados em Engenharia de Materiais, a carga horária relativa a
disciplina de química já seria igual ou superior ao do curso de técnico em química, bastando,
apenas, que fosse apresentado o histórico escolar para apreciação da comissão de ética da escola,
visando aproveitamento das disciplinas; QUE o interrogado manteve contato telefônico com
ADAUTO através do nº 16-7812.9657, ocasião em que tomou conhecimento que o curso seria no
valor de mil e oitocentos reais (...); QUE após os primeiros contatos mantidos com ADAUTO, cerca
de duas ou três semanas depois, o interrogando recebeu pelo correio o diploma de técnico em
química, emitido pelo COLEGIO REENSINO; QUE ao receber o diploma, o interrogando não
verificou que a emissão constava a data de 26.02.2006 e que o curso teria sido concluído em
28.01.2005, em que pese os contatos terem sido realizados no segundo semestre de 2010; QUE de
posso do referido diploma de técnico em química e histórico escolar, o interrogado se dirigiu ao
CRQ/RN para o respectivo registro, o que efetivamente ocorreu como se vê a fl. 04 de sua carteira
de identidade profissional".
22. De igual modo, as provas colhidas no decorrer da instrução processual, em especial os
depoimentos colhidos por este Juízo e o interrogatório do acusado, evidenciaram a prática do crime
denunciado pelo Ministério Público Federal.
23. Neste sentido, a testemunha Tereza Neuma de Castro Dantas, em depoimento prestado perante
este Juízo em 11.12.2015, que se encontra gravado na mídia acostada à fl. 225. afirmou que na
época dos fatos era presidente do CRQ, que o acusado já era inscrito no CRQ como Engenheiro do
Materiais, que o acusado possuia qualificação superior do que o técnico de química, que como
presidente do Conselho fez uma carta dizendo que quem pode mais pode o menos pois um
profissional que tem atribuições superiores a do técnico em química pode exercer as atividades do
técnico de nível médio, que quem procurou à Justiça ela se dispôs a prestar informações afirmando
que que os profissionais de nível superior poderiam executar as atividades de nível médio, que
vários que fizeram concurso para Técnico na Petrobrás e tinham formação superior entraram na
Justiça e estão trabalhando na Petrobrás hoje, que existia um caminho legal para fazer isso, que foi
informado pelo CRQ da 9ª Região que o curso apresentado pelo acusado estava cadastrado e existia,
que em 2011 o Conselho Federal recebeu uma solicitação para saber se existia profissionais
formados em determinadas entidades, que identificou quatro ou cinco pessoas com diploma da
instituição questionada e informou os nomes ao Conselho Federal, que existem 23 atribuições para
os profissionais de química, que o técnico em química não tem 1/10 do conhecimento que o
bacharel tem, que a Lei 2.800 que regulamenta os profissionais de química indica faz a diferença
entre os cursos, que as atribuições do técnico são restritas enquanto as do bacharel são amplas mas
não tem atribuições práticas de manipulação.
24. Por sua vez, o acusado WSKLEY BATISTA NÓBREGA DE SOUSA, interrogado perante este
Juízo, conforme termo de audiência de fls. 222/223 e mídia acostada à fl. 225, afirmou que não fez
o curso, que fez um reaproveitamento de disciplinas, que o site SAED é de um curso à distância,
que de posse do diploma foi até o CRQ e fez a inclusão do diploma no seu registro, que a escola
SAED é de Ribeirão Preto, que a escola REENSINO é do Paraná, que não checou a data da emissão
do diploma, que na sua cabeça o ano de 2005 descrito no diploma fazia referência a qualquer turma
da escola porque seria um reaproveitamento de disciplina, que não sabia que o diploma era falso,
que foi enganado.
25. Verifica-se que a materialidade e a autoria do crime estão amplamente comprovados nos autos.
Por outro lado, embora o réu, insista em negar que houve dolo em sua conduta, as demais provas
dos autos apontam em sentido contrário.
26. Com efeito, observando o Diploma do Curso de Qualificação Profissional de Técnico em
Química supostamente emitido pelo Colégio Reensino (fls. 26/27 do IPL), verifica-se que o
documento atesta fatos inexistentes, hipoteticamente ocorridos nos anos de 2003 a 2006, dentre os
quais 1770 horas de Curso e 420 horas de Estágio supervisionado, em escola situada em
Londrina/PR.
27. Ademais, não é razoável crer que uma pessoa com instrução elevada acreditasse que poderia ser
agraciado com um diploma de Técnico em Química sem necessitar, para tanto, assistir sequer uma
aula. De igual modo, a hipótese de aproveitamento de disciplinas aventada pela defesa do acusado
não encontra nenhum respaldo nos autos, haja vista que o diploma conferido ao acusado não
menciona nada a respeito disso.
28. Assim, restam comprovadas a materialidade e a autoria do crime de uso de documento falso
denunciado pelo Ministério Público Federal.

II.2 Da análise estrutural do crime

29. In casu, no tocante ao crime de uso de documento falso, a conduta do acusado é típica, no
sentido formal, correspondendo perfeitamente ao tipo penal transcrito alhures.
30. A tipicidade material decorre da lesão ou ameaça de lesão da conduta ao bem jurídico tutelado,
no caso, a fé pública.
31. Na oportunidade, o agente se utilizou de diploma de Curso Técnico em Química falso como se
autêntico fosse em situação juridicamente relevante, qual seja, habilitação para o exercício das
atribuições do Técnico em Química junto ao Conselho Regional de Química da 15ª Região.
32. O dolo (tipicidade subjetiva) está presente, uma vez que os elementos fático-probatórios deixam
ver que o agente possuía consciência da conduta, assim como apontam que o réu tinha vontade livre
e consciente de realizar a conduta.
33. A tipicidade, uma vez constatada, carrega, já, um indício de ilicitude. Essa ilicitude (ou
antijuridicidade) deve ser entendida como a relação de contrariedade entre a conduta do agente e o
ordenamento jurídico, que se dá quando não concorrem quaisquer das causas de exclusão da
ilicitude, sejam as legais do art. 23 do CP, sejam quaisquer outras causas que a doutrina chama de
supralegais. No caso, não vislumbro a presença de qualquer dessas causas de justificação da
conduta, de modo que se impõe caracterizá-la como antijurídica, ou seja, criminosa.

II.3 Da análise do Pressuposto de Aplicação da Pena: Culpabilidade

34. A culpabilidade do réu decorre do fato de ele ser penalmente imputável à época dos fatos, de
ser-lhe exigível que adotasse conduta diversa daquela que adotou, bem como por ser ele, não só
potencialmente, mas também efetivamente consciente da ilicitude de suas condutas. Em razão disso,
incide sobre a conduta do réu um juízo de reprovabilidade que tem como conseqüência a imposição
de uma sanção, de uma pena, como resposta estatal ao desvio de conduta por ele praticado.

III - DISPOSITIVO

35. Ante o exposto, JULGO PROCEDENTE a pretensão deduzida na denúncia e CONDENO


WSKLEY BATISTA NÓBREGA DE SOUSA, nas penas do art. 304 c/c art. 297, todos do Código
Penal.
36. Passo a DOSAR A PENA, obedecendo aos ditames do art. 68 do Código Penal e analisando as
circunstâncias judiciais do art. 59 do mesmo diploma, a eventual existência de circunstâncias
agravantes e atenuantes ou causas de aumento ou diminuição de pena, bem como, ao final, a
possibilidade de substituição da pena privativa de liberdade aplicada por pena(s) restritiva(s) de
direito.
37. Considerando que o dolo verificado evidencia culpabilidade normal, nada tendo a valorar; que,
pelo que consta dos autos, o acusado goza de bons antecedentes; que não há dados nos autos sobre a
conduta social do réu; que não há como se aferir a personalidade do réu; que os motivos para o
cometimento do crime não merece valoração além do tipo; que as circunstâncias do crime estão
relatadas nos autos, nada tendo a valorar; que as conseqüências do crime do crime são normais à
espécie, nada tendo a se valorar como fator extrapenal; e que a vítima em nada contribuiu para o
cometimento do ilícito, FIXO A PENA-BASE em 02 (dois) anos de reclusão que, ante a
inexistência de agravantes e atenuantes, bem como causas de aumento e diminuição de pena,
TORNO CONCRETA E DEFINITIVA
38. CONDENO, ainda, o acusado, levando em conta as considerações já esposadas acima, a um
total de 10 (dez) DIAS-MULTA, ao passo que FIXO o valor do dia-multa em 1/30 (um trinta avos)
do salário-mínimo em vigor na data do crime1.
39. A pena privativa de liberdade deverá ser cumprida, nos termos do art. 33, § 2º, alínea "c", e § 3º,
do Código Penal, e art. 59, caput, do Código Penal, em regime inicialmente aberto e em
estabelecimento penal a ser definido pelo Juízo das Execuções Penais.

III.1 Da substituição da pena privativa de liberdade por pena restritiva de direitos

40. Tendo em conta estarem devidamente preenchidos os requisitos objetivos e subjetivos arrolados
no art. 44 do Código Penal Brasileiro, SUBSTITUO a pena privativa de liberdade fixada por duas
penas restritivas de direito, nos termos do referido art. 44, § 2º, 2ª parte, do Código Penal,
consistentes em:
a) Prestação de serviços, durante 02 (dois) anos, na razão de 05 (cinco) horas semanais, à
entidade filantrópica (art. 43, inciso IV, do Código Penal) a ser definida em audiência admonitória,
quando será fixado o horário e o tipo de serviço, além do envio ao juízo de comunicação trimestral,
até o dia 10 de cada mês, informando as suas atividades; e
b) Doação mensal de cesta básica, em valor a ser definido em audiência admonitória,
durante o período de 02 (dois) anos, à entidade a ser definida na fase da execução da presente
sentença.
41. Fica advertida este réu de que o não cumprimento injustificado das medidas ensejará conversão
em pena privativa de liberdade (art. 44, § 4º, do C.P.), com imediata expedição de mandado de
prisão.

III.2 Da fixação do valor mínimo decorrente dos prejuízos ocasionados

42. Em atenção ao art. 387, inciso IV, do Código de Processo Penal, com a redação determinada
pela Lei nº. 11.719, de 20 de junho de 2008, deve constar, da sentença condenatória, a fixação de
valor mínimo para a reparação dos danos causados pela infração, devendo o julgador levar em
consideração os prejuízos sofridos pelo(s) ofendido(s).
43. No caso sob exame, tendo em vista que o valor referente aos prejuízos financeiros causados pela
prática do crime não estão devidamente especificados nos autos, deixo de fixar o valor mínimo para
a reparação dos danos causados pela infração.

III.3 Da análise da necessidade de imposição da prisão preventiva

44. Em razão do disposto no parágrafo único do art. 387 do Código de Processo Penal, o juiz
decidirá (na sentença condenatória), fundamentadamente, sobre a manutenção ou, se for o caso, a
imposição de prisão preventiva ou de outra medida cautelar, sem prejuízo do conhecimento da
apelação que vier a ser interposta. No presente caso, faculto a ré o direito de recorrer em liberdade,
por não vislumbrar a presença dos pressupostos e fundamentos legitimadores da decretação da
prisão preventiva, nos termos do art. 312 do Código de Processo Penal.

III.4 Da Inelegibilidade

45. A Constituição Federal determina a suspensão dos direitos políticos de quem seja criminalmente
condenado por sentença irrecorrível, enquanto durarem os efeitos da condenação. Além disso, o art.
1º, inciso I, alínea "e", da Lei Complementar nº 64, de 1990 (Lei das Inelegibilidades), considera
inelegíveis por oito anos após o cumprimento da pena, os que hajam sido condenados pelos crimes
nela previstos.

46. Neste sentido, a Lei das Inelegibilidades dispõe:

Art. 1º São inelegíveis:


I - para qualquer cargo:
(...)
e) os que forem condenados, em decisão transitada em julgado ou proferida por órgão judicial
colegiado, desde a condenação até o transcurso do prazo de 8 (oito) anos após o cumprimento da
pena, pelos crimes:
1. contra a economia popular, a fé pública, a administração pública e o patrimônio público;
2. contra o patrimônio privado, o sistema financeiro, o mercado de capitais e os previstos na lei que
regula a falência;
3. contra o meio ambiente e a saúde pública;
4. eleitorais, para os quais a lei comine pena privativa de liberdade;
5. de abuso de autoridade, nos casos em que houver condenação à perda do cargo ou à inabilitação
para o exercício de função pública;
6. de lavagem ou ocultação de bens, direitos e valores;
7. de tráfico de entorpecentes e drogas afins, racismo, tortura, terrorismo e hediondos;
8. de redução à condição análoga à de escravo;
9. contra a vida e a dignidade sexual; e
10. praticados por organização criminosa, quadrilha ou bando;

47. Assim, depois do cumprimento da pena imposta em caso de condenação por algum dos crimes
previstos no art. 1º, inciso I, alínea "e", da LC 64/90, segue-se o prazo de oito anos de
inelegibilidade, não ocorrendo, todavia, quando se tratar de crimes culposos, crimes sujeitos à ação
penal privada ou em caso de infrações penais de menor potencial ofensivo.
48. No presente caso, vislumbra-se que a acusada deverá permanecer inelegível pelo período de oito
anos após o cumprimento da pena, tendo em vista que foi condenado por crime contra a fé pública
(art. 304 c/c art. 297, todos do Código Penal).

IV - Providências Finais

49. Após o trânsito em julgado:


a) lance-se o nome do réu no Rol dos Culpados;
b) comunique-se ao TRE para os efeitos do art. 15, III, da CF/88 e do art. 1º, inciso I, alínea "e", nº
1, da LC 64/90;
c) remetam-se os autos à Distribuição para que seja alterada a situação do acusado para
"condenado-solto";
d) Oficie-se ao DPF informando o teor desta sentença, para os fins de atualização da base de dados
do INFOSEG, mediante comando via SINIC;
50. O acusado ora condenado responderá pelas custas do processo, que deverão ser pagas em 10
(dez) dias, após a intimação para esse fim.
Publique-se. Registre-se. Intimem-se.
FRAUDE EM LICITAÇÃO

SENTENÇA

I - RELATÓRIO

1. O MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL - MPF - ofereceu denúncia contra


ROBERTO CARLOS NUNES, JOSÉ SERAFIM BEZERRA, HERÁCLITO DO NASCIMENTO
PINTO, EDMILSON DE PAULA, FABRÍCIO LIMA ALMEIDA e ANA MARIA MORAES
MACHADO imputando-lhes a prática da conduta tipificada no artigo 90 da Lei nº 8.666/93.
Imputou, ainda, a ANA MARIA MORAES MACHADO a prática do delito previsto no artigo 304
do Código Penal, conforme narrativa fática constante da inicial acusatória - fls. 02/05:

"Os denunciados, em unidade de desígnios, frustraram, mediante ajuste/combinação, o caráter


competitivo do CONVITE Nº 17/2008, promovido pela Prefeitura municipal de Duas Estaradas/PB,
com o intuito de obter para o vencedor do certame vantagem decorrente da adjudicação do objeto
licitado, a saber, os recursos provenientes do Contrato de Repasse nº 0200949-85/2006, firmado
entre o citado município e o Ministério do Turismo, com interveniência da Caixa Econômica
Federal.
Consta da documentação anexa que, entre 10/06/20081 a 26/06/20082, com vistas à aquisição
de materiais de construção relacionados com a obra do Contrato de Repasse nº 0200949-85/2006, a
Prefeitura de Duas Estradas promoveu o Convite nº 17/2008 para o qual foram convidadas pela
Comissão Permanente de Licitações - CPL as empresas PAULO TOMAZ CONSTRUÇÕES LTDA
(vencedora do convite), COMERCIAL DE FERRAGEM PAULO TOMAZ LTDA e FABRÍCIO
LIMA DE ALMEIDA.
Da análise da documentação também se infere que o denunciado ROBERTO CARLOS
NUNES, na qualidade de ex-Prefeito de Duas Estradas, foi o responsável pela nomeação dos
componentes da CPL, os também denunciados EDIMILSON DE PAULA (Presidente),
HERÁCLITO DO NASCIMENTO PINTO e JOSÉ SERAFIM BEZERRA (membros), assim como
pela homologação e adjudicação do Convite nº 17/2008 e assinatura do contrato administrativo.
Ocorre que a investigação havida no âmbito do Inquérito Civil Público nº
1.24.000.000677/2010-31 e do Inquérito Policial nº 0168/2011 permitiu aferir que duas das três
empresas convidadas pelo CPL pertenciam a um mesmo grupo familiar, fato este facilmente
verificável pela análise dos instrumentos de constituição das licitantes PAULO TOMAZ
CONSTRUÇÕES LTDA e COMERCIAL DE FERRAGENS PAULO TOMAZ, as quais possuíam
como sócia comum a denunciada ANA MARIA MORAES MACHADO.
Além disso, o denunciado ROBERTO CARLOS NUNES, em Termo de Declaração prestado na
Procuradoria da República no âmbito do Inquérito Civil Público nº 1.24.000.000680/2010-54,
informou que conhecia a denunciada ANA MARIA MORAES MACHADO.
Além disso, o denunciado ROBERTO CARLOS NUNES, em Termo de Declaração prestado na
Procuradoria da República no âmbito do Inquérito Civil nº 1.24.000.000680/2010-54, informou que
conhecia a denunciada ANA MARIA MORAES MACHADO há muito tempo, e que a CPL o
procurava para informar quais empresas eram convidadas para cada certame, a corroborar o pleno
envolvimento dos agentes públicos com a fraude objeto da presente denúncia.
Demais disso, da análise do procedimento licitatório em questão observou-se uma série de
coincidências que não deixam dúvidas de que as propostas de preços apresentadas pelas empresas
da denunciada ANA MARIA MORAES MACHADO foram efetivamente combinadas.
Com efeito, do cotejo das propostas de preços apresentadas por PAULO TOMAZ
CONSTRUÇÕES LTDA e COMERCIAL DE FERRAGENS PAULO TOMAZ LTDA observou-se
que, embora a Carta Convite não tenha definido nenhum modelo de proposta de preço, os
parágrafos subsequentes à planilha de preços das propostas dessas empresas são idênticos, à
exceção do valor, observando-se, inclusive, a repetição dos mesmos erros em ambas as propostas,
tais como o uso de letra maiúscula em "Licitação", quando deveria ser "licitação"; a ausência de
ponto final nos três últimos parágrafos abaixo transcritos; a utilização de letra maiúscula em 'Na
contra entrega (...), quando deveria ter sido usada letra minúscula, e erro de concordância em
"cláusulas e condições citados no convite (...)". Além disso, o número do Convite aparece com
cinco dígitos (00017/2008), algo tão incomum que não pode ser atribuído à mera coincidência,
sobretudo se considerar-se que a numeração, como foi reproduzida, diverge do padrão de dois
dígitos adotado na própria Carta Convite e nos demais documentos da licitação.
A corroborar o conluio, perícia realizada pelo setor competente da Polícia Federal concluiu que
"foi utilizado um arquivo digital como base para a obtenção das planilhas orçamentárias (...)
fornecidas, respectivamente, pelas empresas 'PAULO TOMAZ' e 'COMERCIAL DE
FERRAGENS PAULO TOMAZ'.
Também restou consignado na perícia que o comprovante de entrega da Carta Convite, relativo
à empresa FABRÍCIO LIMA ALMEIDA, com data de 13/06/2008, possuiu uma marca de sulcagem
coincidente com o aspecto formal do lançamento aposto na Declaração de Renúncia de Recurso de
Habilitação, datada de 19/06/2008, à guisa de assinatura do representante da empresa
COMERCIAL DE FERRAGENS PAULO TOMAZ. Essa constatação sinaliza que o Convite
17/2008 foi "montado", pois possui documentos pertencentes a empresas supostamente
concorrentes, dos quais constam datas distintas, mas que, provavelmente, foram assinados numa
mesma ocasião de maneira sobreposta. Tal fato faz emergir o denunciado FABRÍCIO LIMA
ALMEIDA, responsável pela empresa homônima, como colaborador do esquema fraudulento, bem
como demonstra o envolvimento dos agentes públicos de Duas Estradas (ex-gestor e componentes
da CPL) com o crime perpetrado, pois que responsáveis pelos trâmites administrativos da licitação.
De ver-se que, para além da ocorrência de improváveis e inúmeras coincidências, a licitação em
questão foi palco de conluio entre os licitantes e os agentes públicos de Duas Estradas/PB, tudo com
o fim de dirigir o resultado do certame a fim de adjudicar o objeto licitado à empresa previamente
escolhida.
Agindo dessa forma acima narrada, os denunciados praticaram o crime previsto no art. 90, da
Lei 8.666/93.
Doutra banda, restou igualmente comprovada inautenticidade do Certificado de Regularidade do
FGTS apresentado pela empresa COMERCIAL DE FERRAGENS PAULO TOMAZ LTDA no
curso do Convite 17/2008, o qual foi emitido em 20/05/2008, sob o número
2008051411500706688096, com validade até 20/06/2008.
Consulta efetivada no sistema da Caixa Econômica Federal revelou que esse documento foi
emitido, na verdade, em 14/05/2008, com validade até 12/06/2008.
Quanto ao fato, perícia da Polícia Federal concluiu que o Certificado entregue pela
COMERCIAL DE FERRAGENS PAULO TOMAZ apresenta indícios de ter sido obtido através de
imagem digitalizada de um outro certificado, cujos registros originais relativos à data foram
adulterados para se fazer constar 20/05/2008 como sendo a data de emissão.
Em função da apresentação da certidão falsa no âmbito do Convite 17/2008, a denunciada ANA
MARIA MORAES MACHADO responsável pela empresa COMERCIAL DE FERRAGENS
PAULO TOMAZ, praticou o crime previsto no art. 304, do Código Penal, na forma do art. 69 do
mesmo diploma legal.

2. A denúncia foi instruída com cópias do Inquérito Civil Público nº


1.24.000.000677/2010-31, autuado em três volumes. Não foram arroladas testemunhas

3. A denúncia foi recebida no dia 07/05/2013 (fls. 23/24).


4. Os denunciados foram devidamente citados (fls. 26/27, 28/29 e 85/86).

5. Os réus EDMILSON DE PAULA, JOSÉ SERAFIM BEZERRA, HERÁCLITO DO


NASCIMENTO PINTO e ROBERTO CARLOS NUNES apresentaram respostas à acusação às fls.
33/41, 44/50, 53/59 e 62/68, respectivamente. Não arrolaram testemunhas.

6. Às fls. 73/83, repousa a defesa da acusada ANA MARIA MORAES MACHADO,


que também não arrolou testemunhas.

7. Já o réu FABRÍCIO LIMA ALMEIDA, apresentou a sua resposta à acusação, às fls.


88/93, oportunidade em que arrolou duas testemunhas (fls. 92/93).

8. O MPF manifestou-se às fls. 101/103, reiterando os termos da denúncia.

9. Por meio da decisão de fls. 105/108, foram afastadas as preliminares e prejudiciais


suscitadas pelos réus, e, por não estarem presentes causas autorizadoras da absolvição sumária,
determinou-se o regular prosseguimento do feito.

10. Em audiência realizada no dia 30/04/2014, após o deferimento do pedido de dispensa


da oitiva das duas testemunhas arroladas pela defesa do réu Fabrício Lima Almeida, foram
interrogados todos os réus. Os interrogatórios foram gravados no DVD acondicionado no envelope
de fl. 189. Foi determinada o traslado para estes autos do DVD com a gravação dos depoimentos
colhidos no processo penal nº 0000208-77.2013.4.05.8204, o que foi cumprido, conforme se
observa de fls. 195. Finda a instrução, sem o requerimento de diligências complementares,
determinou-se a abertura de prazo para a apresentação das alegações finais por escrito (fls.
178/188).

11. Em sua manifestação derradeira, o MPF pugnou pela condenação de todos os


acusados, sustentando, para tanto, que (fls. 233/241):

a. As empresas PAULO TOMAZ CONSTRUÇÕES LTDA e COMERCIAL DE FERRAGENS


PAULO TOMAZ, que têm a acusada ANA MARIA MORAES MACHADO como sócia comum,
foram convidadas, de forma intencional, para participar da Carta Convite nº 17/2008, tendo a
primeira vencido o certame, o que afrontou os princípios da competitividade e da isonomia,
prejudicando a lisura do referido procedimento;
b. Que o fato das referidas empresas pertencerem ao mesmo grupo econômico/familiar era de fácil
percepção, em razão das coincidências em suas denominações, bem como da análise dos
respectivos contratos sociais;
c. Outro elemento a inquinar a legalidade do certame consistiu no prosseguimento do certame -
mediante o ajuste entre as duas empresas remanescentes, PAULO TOMAZ CONSTRUÇÕES
LTDA e COMERCIAL DE FERRAGENS PAULO TOMAZ - mesmo após a inabilitação da terceira
empresa (FABRÍCIO LIMA ALMEIDA), que não comprovou a regularidade perante o FGTS e o
Fisco Estadual, o que demandaria a realização de novo procedimento, haja vista a ausência de
manifestação de desinteresse desta na licitação;
d. Nas propostas de preços apresentadas por PAULO THOMAZ CONSTRUÇÕES LTDA e
COMERCIAL DE FERRAGENS PAULO TOMAZ LTDA, embora o município não tenha
disponibilizado nenhum modelo de proposta de preços, foram observados que, à exceção do valor,
os parágrafos subsequentes à planilha de preço das propostas são idênticos, havendo, inclusive
repetição de erros quanto ao uso de letras na forma maiúscula, assim como de concordância, os
quais não podem ser atribuídos ao acaso;
e. A Perícia realizada pela Polícia Federal também trouxe elementos indicativos da montagem da
licitação, haja vista ter constatado que documentos pertencentes a Pessoas Jurídicas diversas, com
datas distintas, foram provavelmente assinados em uma mesma ocasião, vez que estavam
sobrepostos;
f. A Polícia Federal atestou que, tanto o Convite nº 17/2008 como os de nº 08/2003 e 09/2007,
ambos realizados pelo Município de Duas Estradas, tiveram os seus procedimentos montados,
sendo que, em todos, a Comissão Permanente de licitação foi composta pelos acusados JOSÉ
SERAFIM BEZERRA, HERÁCLITO DO NASCIMENTO PINTO e EDMILSON DE PAULA,
variando apenas as funções que exerciam na Comissão;
g. as empresas pertencentes a ré ANA MARIA MORAES MACHADO participaram de duas das
três licitações acima referidas ( Carta convite nº 17/2008 e 09/2007), saindo a empresa PAULO
TOMAZ vencedora nos dois certames;
h. as irregularidades verificadas nas Cartas Convite nº 08/2008 e 07/2007 somente robustecem as
provas relativas à fraude perpetrada na Carta Convite nº 17/2008, sendo totalmente descabida as
alegações dos réus de que não sabiam que as duas empresas pertenciam a um mesmo grupo
econômico/familiar ou não sabiam que era vedada a participação de tais empresas na mesma
licitação;
i. As evidências demonstram que a empresa FABRÍCIO LIMA DE ALMEIDA participou da
licitação somente para compor o número mínimo de licitantes exigido, vez que outro não seria o seu
propósito ao comparecer à sessão da CPL sem ter elaborado sequer a proposta de preço e estando
ciente de que sua situação estava irregular;
j. A alegação do réu HERÁCLITO DO NASCIMENTO PINTO de que as semelhanças entre as
propostas decorreu do fato de que a Prefeitura de Duas Estradas forneceu as licitantes
disquetes/CDs contendo o modelo de proposta de preços não encontra respaldo nas provas
produzidas, tendo em vista que o edital do Convite não prevê tal fornecimento, as defesas dos réus
que compuseram a CPL esclareceram que o Município, bem como a Comissão de licitação,
desconhecem a razão das semelhanças e o réu FABRÍCIO LIMA ALMEIDA declarou que não
recebeu nenhum modelo de proposta;
k. Quanto ao acusado ROBERTO CARLOS, a época Prefeito, não há como acatar as suas
justificativas, vez que o mesmo declarou que conhecia a ré ANA MARIA MORAES MACHADO,
bem como que o fato das empresas por ela representadas possuírem similitude nas denominações,
serem empresas popularmente conhecidas nesta cidade de Guarabira/PB, inclusive porque ele como
gestor teve acesso a toda documentação referente às três empresas convidadas, podendo facilmente
verificar a composição dos seus quadros societários;
l. Sendo a conduta típica descrita no art. 90 da Lei nº 8.666/93 crime formal, a existência de dano ao
erário não é indispensável para a sua caracterização;
m. A consulta efetuada no sistema da Caixa Econômica Federal demonstrou que o Certificado de
Regularidade do FGTS apresentado pela empresa COMERCIAL DE FERRAGENS PAULO
TOMAZ, de responsabilidade da acusada ANA MARIA MORAES MACHADO, é inautêntico,
diante da disparidade entre as datas de emissão e de validade contidas no mesmo e no sistema da
Caixa Econômica Federal, devendo, ainda ser afastada a tese da acusada de que tal documento foi
apresentado por um ex-funcionário da empresa, vez que este foi utilizado para conferir um aspecto
de legalidade ao certame, quando a mesma também se fez presente na sessão da CPL representando
ao outra pessoa jurídica de sua responsabilidade.

12. O acusado ROBERTO CARLOS NUNES, à fl. 251/260, em sede de alegações finais,
alegou, em síntese, que:
a. Considerando a data da publicação do edital da licitação, já se operou a pretensão punitiva do
delito;
b. Não há nos autos provas suficientes para a sua condenação, vez que: (i) o laudo pericial de fls.
237/255 não trouxe conclusões que imputassem o cometimento do delito em tela; (ii) os demais
acusados em nenhum momento informam que o mesmo formulou ajuste voltado a fraudar a
licitação, inexistindo nos autos provas da existência de qualquer combinação ou vantagem
pecuniária por ele obtida; (iii) não teve qualquer ingerência no procedimento licitatório, até mesmo
porque a análise do cumprimento das formalidade era realizada pela CPL, consignando, ainda, que
as licitações já chegavam para ele com o Relatório de regularidade emitido pela CPL juntamente
com o Parecer de regularidade emitido pela Assessoria Jurídica; (iv) o simples fato de conhecer a ré
ANA MARIA MORAES MACHADO, pessoa bastante conhecida nesta Cidade de Guarabira, não
pode levar a presunção de que o certame foi realizado com o intuito de favorecê-la ;
c. Não houve qualquer dano ao erário público, e, diante da ausência de provas do cometimento do
delito, pugnou pela sua absolvição.
13. Em suas alegações finais, os réus FABRÍCIO LIMA ALMEIDA e ANA MARIA
MORAES MACHADO, apresentaram as suas alegações finais, às fls. 262/268 e 270/279,
respectivamente, por meio de petições autônomas, porém assemelhadas, ocasião em que alegaram,
resumidamente:
a. Ausência de dolo nas condutas, não sendo cabível a condenação de ambos pelo delito previsto no
art. 90 da Lei nº 8.666/93: (i) pois as provas carreadas aos autos demonstram que não houve conluio
entre os sócios das empresas licitantes e os agentes públicos, voltado à fraudar a licitação; (ii) o que
houve, na verdade, foi uma completa desorganização da Prefeitura e da CPL nos trâmites legais do
certame, de forma que as irregularidades ocorridas não foram ocasionadas propositalmente;
b. As condutas não acarretaram nenhum dano ao erário público, pois o objeto licitado foi
devidamente entregue, assim como foi comprovada a qualidade das obras e a compatibilidade dos
preços com os praticados no mercado;
c. As alegações do MPF não passam de meras conjecturas desprovidas do acervo probatório
necessário à condenação, pelo que deve ser aplicado o princípio do in dubio pro reo, com a
absolvição dos acusados;
d. Quanto à acusada ANA MARIA MORAES MACHADO, nas suas alegações finais, constou,
ainda, que em relação ao delito de uso de documento falso: (i) não fez qualquer alteração no
Certificado de Regularidade do FGTS da empresa; (ii) a falsificação perpetrada é grosseira,
destituída de qualquer potencialidade lesiva, de forma a caracterizar crime impossível; (iii) o
documento falsificado não é o documento que a mesma apresentou quando da licitação, não tendo o
MPF se desincumbido do ônus de comprovar que a falsificação foi por ele perpetrada.

14. Os acusados JOSÉ SERAFIM BEZERRA, EDMILSON DE PAULA e HERÁCLITO


DO NASCIMENTO PINTO, apresentaram as suas alegações finais, às fls. 292/295, 297/300 e
302/305, respectivamente, que, embora em peças diversas, trazem idênticas argumentações. Assim,
alegam, em síntese, que:
a. Não há nos autos provas que demonstrem a participação dos membros da Comissão de Licitação
em qualquer tipo de ajuste com as empresas, voltado a fraudar a licitação;
b. A participação no certame de duas empresas pertencentes ao mesmo grupo empresarial foi na
verdade uma falha da Comissão que não tinha a praxe de verificar os contratos sociais das empresas
licitantes;
c. As empresas representadas pela Sra. ANA MARIA MORAIS MACHADO atuavam de forma
independente na região e recebiam diariamente Convites encaminhados por outros Municípios,
conforme restou consignado pela mesma em seu depoimento;
d. As provas carreadas aos autos não comprovam o cometimento do ilícito em foco, mas tão
somente demonstram a ocorrência de falhas formais no certame, as quais decorreram da falta de
conhecimento e de técnica da Comissão de Licitação;
e. Por fim, que não houve qualquer evolução no patrimônio dos réus, assim como de
superfaturamento dos valores contidos nas propostas, nem obtenção de vantagens em prejuízo ao
ente municipal, pelo que devem ser absolvidos.

15. Os antecedentes criminais dos réus, ROBERTO CARLOS NUNES, JOSÉ SERAFIM
BEZERRA, HERÁCLITO DO NASCIMENTO PINTO, EDMILSON DE PAULA, FABRÍCIO
LIMA ALMEIDA e ANA MARIA MORAES MACHADO, foram acostados: fls. 154/163 (Justiça
Federal); fls. 148/155 (Justiça Eleitoral); fls. 166/174 (Justiça Estadual) e fls. 201/221 (Polícia
Federal).
16. Era o que bastava relatar.

II - FUNDAMENTAÇÃO

Preliminar de prescrição

17. O acusado ROBERTO CARLOS NUNES, em suas alegações finais (fl. 251/260),
sustenta a ocorrência da prescrição da pretensão punitiva estatal, considerando, para tanto, a data da
publicação do edital da Carta Convite nº 17/2008.

18. No entanto, não procede a referida exceção. Contata-se que a pena máxima
cominada ao delito tipificado no art. 90 da lei nº 8.666/93 é de 04 (quatro) anos de detenção, logo, o
seu prazo prescricional, a teor do art. 109, inciso IV, do Código Penal, é de 08 (oito) anos.

19. Com efeito, verifica-se que, conforme documentação dos autos, a licitação em foco
foi realizada no ano de 2008 (entre 10/06/2008 a 26/06/2008) e a denúncia foi recebida no dia
07/05/2013, portanto, dentro do prazo prescricional de 08 (oito) anos fixado para o delito em
comento.

20. Nesses termos, afasto a preliminar suscitada.

Mérito

21. Não havendo outras questões prévias pendente de apreciação, passo ao exame das
imputações.

22. O Ministério Público Federal imputou aos acusados ROBERTO CARLOS NUNES,
JOSÉ SERAFIM BEZERRA, HERÁCLITO DO NASCIMENTO PINTO, EDMILSON DE
PAULA, FABRÍCIO LIMA ALMEIDA e ANA MARIA MORAES MACHADO condutas que, em
tese, configuram o delito tipificado no artigo 90 da Lei nº 8.666/93; atribuindo, ainda, a esta última,
a prática de conduta que, em tese, caracteriza o crime previsto no artigo 304 do Código Penal.

23. Os documentos acostados aos autos demonstram que para a execução das obras
pactuadas no Contrato de Repasse n° 0200949-85/20063 foi realizado, dentre outros, o
procedimento licitatório Carta Convite nº 17/20084, cujo objetivo foi a aquisição de materiais de
construção.

24. Segundo relata a inicial, na realização do referido certame, houve conluio entre os
agentes públicos municipais (Prefeito e membros da Comissão Permanente de Licitações) e as
empresas licitantes (PAULO TOMAZ CONSTRUÇÕES LTDA, COMERCIAL DE FERRAGENS
PAULO TOMAZ e FABRÍCIO LIMA ALMEIDA), cuja finalidade foi o direcionamento do
resultado da licitação, para que o seu objeto fosse adjudicado à empresa previamente escolhida, qual
seja, a Pessoa jurídica PAULO TOMAZ CONSTRUÇÕES LTDA, que foi a vencedora (fl. 200 -
Volume III, do apenso).

25. Nesse passo, aponta o MPF que as irregularidades consistiram nos seguintes fatos: a)
das três empresas convidadas pela Comissão Permanente de Licitação, duas - a PAULO TOMAZ
CONSTRUÇÕES LTDA e a COMERCIAL DE FERRAGENS PAULO TOMA - pertenciam a um
mesmo grupo econômico/familiar, o que poderia ter sido prontamente percebido pelos membros da
CPL, diante da semelhança nas suas denominações e com a análise dos instrumentos de constituição
das mesmas, vez que possuíam como sócia comum a denunciada ANA MARIA MORAES
MACHADO; b) embora a Carta Convite não tenha definido nenhum modelo de proposta de preços,
foram constadas inúmeras e improváveis coincidências a demonstrar que as propostas de preços
apresentadas pelas empresas da denunciada ANA MARIA MORAES MACHADO foram
efetivamente combinadas, conforme atestou a Perícia realizada pela Polícia Federal, conclusiva no
sentido de que "foi utilizado um arquivo digital como base para a obtenção das planilhas
orçamentárias"; c) As evidências demonstram que a empresa FABRÍCIO LIMA DE ALMEIDA
participou da licitação somente para compor o número mínimo de licitantes exigido, vez que outro
não seria o seu propósito ao comparecer à sessão da CPL sem ter elaborado sequer a proposta de
preço e estando ciente de que sua situação estava irregular.

26. No que concerne ao delito de uso de documento falso (art. 304 do CP), imputado à
acusada ANA MARIA MORAES MACHADO, aduz o MPF que o mesmo se deu com a
apresentação, pela empresa COMERCIAL DE FERRAGENS PAULO TOMAZ, de
responsabilidade da mesma, de Certificado de Regularidade do FGTS (nº
2008051411500706688096) cuja inautenticidade foi comprovada pela perícia da Polícia Federal.

27. Realizadas tais considerações, passo a análise da materialidade delitiva dos fatos em
discussão.

28. A materialidade delitiva dos fatos está devidamente comprovada pelos seguintes
elementos constantes dos autos:

a. Laudo nº 094/2012-SETEC/SR/DPF/PB (fls. 237/242 - Volume II, do apenso), em relação ao


quesito 1 (Se o quadro societário das empresas participantes indica a frustração do caráter
competitivo do certame?), concluiu que: "Sim. Na licitação participaram as empresas PAULO
TOMAZ CONSTRUÇOES LTDA, COMERCIAL DE FERRAGENS PAULO TOMAZ LTDA e
FABRÍCIO LIMA DE ALMEIDA, a empresa FABRÍCIO LIMA DE ALMEIDA foi inabilitada, e as
empresas PAULO TOMAZ CONSTRUÇOES LTDA e COMERCIAL DE FERRAGENS PAULO
TOMAZ LTDA pertencem ao mesmo grupo familiar, tendo a Sra. ANA MARIA MORAES
MACHADO, como sócio comum. Como podemos observar apenas 03 (três) empresas participaram
do certame, sendo 01 (uma) desabilitada, ficando apenas as 2 (duas) do mesmo grupo familiar,
descumprindo desta forma o sigilo da proposta, frustrando o caráter competitivo do certame. Além
do que a licitação seria nula pela ausência de número mínimo real de participantes, de
competitividade e de sigilo nas propostas".
b. Laudo nº 132/12-SETEC/SR/DPF/PB (fls. 243/255 - Volume II, do apenso): (i) as propostas de
preços fornecidas pelas empresas PAULO TOMAZ construções Ltda (fls. 172) e COMERCIAL DE
FERRAGENS PAULO TOMAZ Ltda (fls. 180) possuem entre si coincidências formais e textuais,
algumas especificadas a seguir: tabelas com o mesmo formato, conteúdo e espaçamentos,
divergindo apenas na forma dos caracteres e nos valores constantes da coluna "P. Parcial";
disposição semelhante dos campos relativos à emissão (local, data) e à assinatura do representante
da empresa; correspondência de estilo ortográfico; (ii) "O comprovante de entrega de fls. 187
relativo à empresa Fabrício Lima Almeida, com emissão em 13/06/2008, foi submetido ao
equipamento ESDA-2, que revelou uma marca de sulcagem coincidente com o aspecto formal do
lançamento aposto na Declaração de Renúncia de Recurso de Habilitação datada de 19/06/2008 (fls.
197), à guisa de assinatura do representante da empresa COMERCIAL DE FERRAGENS PAULO
TOMAZ (figura 14)"; (iii) - foi utilizado um arquivo digital como base para obtenção das planilhas
orçamentárias de fls. 172 e 180, fornecidas, respectivamente, pelas empresas "PAULO TOMAZ" e
"COMERCIAL DE FERRAGENS PAULO TOMAZ"; iv) o documento de fls. 197, datado de
19/06/2008, foi assinado pelo representante da empresa "COMERCIAL DE FERRAGENS PAULO
TOMAZ", tendo como suporte o Comprovante de Entrega de fls. 187 da empresa Fabrício Lima
Almeida que, em tese, foi emitido aos 13/06/2008".
c. Em relação ao Certificado de regularidade do FGTS, o Laudo nº 132/12-SETEC/SR/DPF/PB (fls.
243/255 - Volume II, do apenso), ao responder o quesito 1 (Se o certificado de regularidade do
FGTS apresentado pela empresa Comercial de Ferragens Paulo Tomaz Ltda. (fls. 182) revela-se
inautêntico, tendo em vista informações divergentes fornecidas pelo site da Caixa Econômica
Federal quanto as duas datas de emissão e validade), apontou que: (i) os peritos podem afirmar que
o documento de fls. 182 apresenta indícios de ter sido obtido através de imagem digitalizada de um
certificado de Regularidade do FGTS - CRF, obtido no site da CEF, cujos registros originais
relativos à data foram adulterados para o dia "20/05/2008";
d. A Ata de Reunião da Comissão Permanente de Licitação nº 18/2008: na qual conta a inabilitação
da empresa FABRICIO LIMA ALMEIDA em razão das certidões de regularidade de FGTS e da
Secretaria da Receita do Estado da Paraíba se encontrarem com prazo de validade vencidos à data
da abertura das propostas (fl. 193/194 - Volume III, do apenso).

29. No caso posto em julgamento, as já citadas provas produzidas durante a fase


inquisitorial e submetidas ao crivo do contraditório no âmbito judicial, demonstram que o caráter
competitivo da Carta Convite nº 17/2008 foi frustrado, tendo em vista que foi direcionado para que
determinada empresa fosse vencedora do certame, de modo a ser beneficiada com a adjudicação do
objeto da licitação. Para tanto, foram convocadas duas empresas pertencentes ao mesmo grupo
econômico/familiar da região (sendo que uma delas venceu a licitação), e uma terceira empresa, a
qual foi desabilitada na fase de abertura das propostas, por ter apresentado certidões com data de
validade vencida.

30. Assim, está cabalmente comprovada a materialidade delitiva da conduta delitiva


prevista no art. 90 da Lei nº 8.666/93.

31. No que concerne ao delito previsto no art. 304 do Código Penal a materialidade
delitiva também ficou evidenciada, tendo em vista que foi utilizado documento público
falsificado/adulterado, qual seja, o Certificado de Regularidade do FGTS (nº
2008051411500706688096), o qual foi considerado inautêntico pelo Laudo Pericial nº 132/12-
SETEC/SR/DPF/PB (fls. 243/255 - Volume II, do apenso).

32. Verificada a materialidade delitiva, passo a análise da autoria.

33. Em que pese o MPF, em suas alegações finais, ter requerido a condenação dos réus
JOSÉ SERAFIM BEZERRA, HERÁCLITO DO NASCIMENTO PINTO, EDMILSON DE
PAULA, à época membros da Comissão Permanente do Município de Duas Estradas/PB, não
vislumbro nos autos a existência de provas inequívocas de que estes, de forma consciente e
mediante prévio ajuste com o gestor municipal e as empresas licitantes, tinham autonomia
suficiente para agir com a intenção de beneficiar a empresa vencedora. As provas demonstram
que, na verdade, eles foram instrumentalizados pelo prefeito Roberto Carlos Nunes para conferir
um aspecto de legalidade a uma licitação de fachada.

34. Ademais, as provas colhidas na instrução, em especial os depoimentos prestados,


demonstram que os réus JOSÉ SERAFIM BEZERRA, HERÁCLITO DO NASCIMENTO PINTO,
EDMILSON DE PAULA eram destituídos do necessário preparo técnico para fazer parte de uma
Comissão Permanente de Licitação, sendo certo afirmar que assim figuraram pelo simples fato de
serem funcionários da Prefeitura, o que, inclusive foi declarado pelo acusado e ex-prefeito
ROBERTO CARLOS NUNES.

35. Quando ouvidos em juízo, todos os acusados de forma uníssona, declararam que
quem dava todas as diretrizes a respeito da organização e direção dos trabalhos desenvolvidos pela
Comissão de Licitação era o senhor Antônio Pereira, funcionário antigo da Prefeitura de Duas
Estradas, sendo conhecido ainda como Antônio Davi. É o que se depreende dos seguintes trechos
extraídos dos seus interrogatórios:
HERÁCLITO DO NASCIMENTO PINTO: (...) Antônio, ele coordenava lá a parte da licitação, nos
orientava com relação a isso, porque nós não tínhamos conhecimentos, ele uma pessoa que desde a
fundação de Duas Estradas trabalhou lá nessa parte de licitação, né em outras gestões, então ele nos
orientava lá com relação a licitação (03'04"/03'23" - gravação de mídia em disco de fl. 189).
JOSÉ SERAFIM BEZERRA: (...) era um funcionário da Prefeitura, eu acho, desde o ano da
fundação da cidade até os dias que ele faleceu ele era funcionário da Prefeitura (....) era, toda a
experiência era dele, ele era quem orientava (...) é o Antônio Davi, Antônio Pereira da Silva, mais
conhecido como Antônio Davi (02'50"/03'20" - gravação de mídia em disco de fl. 189).
EDMILSON DE PAULA: (...) era o que comandava o setor de licitação, ele quem dava as
orientações e quem sabia tudo sobre licitação. (03'10"/03'18 - gravação de mídia em disco de fl.
195, referente ao depoimento do acusado prestado nos autos da ação penal n° 0000208-
77.2013.4.05.8204 e acostada aos presentes autos).

36. As referidas declarações dos acusados foram corroboradas pelo acusado ROBERTO
CARLOS NUNES, haja vista que em seu interrogatório declarou, também, que o senhor Antônio
Pereira organizava o setor de licitações, participava da comissão orientando os membros e
organizando toda a documentação pertinente. Declarou, ainda, que o referido senhor não integrou a
comissão porque era possuidor de cargo comissionado na Prefeitura e a lei exige que sejam
funcionários efetivos (01'38"/02'05" - gravação de mídia em disco de fl. 189).

37. Assim, o que se conclui dos elementos probatórios carreados aos autos é que, como é
corriqueiro nas prefeituras de pequeno porte como a do município de Duas Estradas/PB, o gestor,
em suposta observância às determinações contidas na Lei 8.666/93, convocou os acusados para
compor a Comissão Permanente de Licitações tão somente em razão da condição de
servidores públicos municipais, quando, na verdade, eles não possuíam os conhecimentos
técnicos necessários para executar corretamente as atribuições que, frise-se, não são de baixa
complexidade.

38. Além do mais, entendo ser desprovida de razoabilidade a responsabilização penal


dos membros da Comissão de Licitação, pelo simples fato de terem aceitado e exercido cargos
para os quais não detinham as habilidades exigidas, especialmente em razão da existência de
relação de subordinação hierárquica entre eles e o gestor que os nomeou.

39. Necessário considerar, ainda, que essa relação de subordinação entre funcionários de
pequenas prefeituras do interior em relação ao Prefeito é bastante acentuada, tendo em vista as
represálias a que podem estar sujeitos se não seguirem as determinações do alcaide.

40. Ressalto, por ser pertinente, que outro não foi o entendimento aplicado pelo TRF da
5ª Região a caso análogo ao dos presentes autos, conforme se verifica do excerto do julgado que
passo a transcrever:

PENAL E PROCESSUAL. FRAUDE EM PROCEDIMENTO LICITATÓRIO (ART. 90 DA LEI Nº


8.666/93). EMENDATIO LIBELLI. EQUÍVOCO NA APLICAÇÃO. INOCORRÊNCIA.
MATERIALIDADE E AUTORIA. COMPROVAÇÃO QUANTO A UM DOS RÉUS.
PRESCRIÇÃO DA PRETENSÃO PUNITIVA.
(...) Absolvição do réu Edeclaiton Batista da Trindade, nos termos do art. 386, V, do CPP,
mantendo-se a dos demais acusados, tendo em vista que eles eram destituídos de qualquer preparo
técnico para fazer parte de uma comissão de licitação, desconhecendo, até mesmo, as noções mais
básicas de um procedimento licitatório, sendo certo afirmar que figuraram como componentes da
CPL pelo simples fato de serem funcionários da Prefeitura (TRF5, ACR 00047019620104058400,
Desembargador Federal Luiz Alberto Gurgel de Faria, - Terceira Turma, DJE - Data: 03/09/2013 -
Página:160).

41. É bom frisar que, milita, ainda, em favor dos acusados a existência de Parecer
Jurídico no sentido de que o procedimento da Carta Convite nº 17/2008 foi realizado
conformidade com os princípios que norteiam a atuação da Administração Pública (fl. 170 -
volume III, do apenso I), o qual, diante do despreparo dos membros da Comissão de Licitação, pode
lhes ter conferido alguma segurança quanto à legalidade ao procedimento.

42. Ante o exposto, não havendo provas suficientes de que os acusados JOSÉ
SERAFIM BEZERRA, HERÁCLITO DO NASCIMENTO PINTO e EDMILSON DE PAULA
concorreram, de forma livre e consciente, para fraudar o caráter competitivo do
procedimento de licitação em questão, não podem ser condenados nas penas do art. 90 da Lei nº
8.666/93, sendo caso de absolvição com fundamento no art. 386, VII, do Código de Processo Penal.

43. No que concerne ao réu FABRÍCIO LIMA ALMEIDA, alega o MPF que as provas
produzidas demonstram que a firma individual FABRICIO LIMA ALMEIDA de que é titular
participou do procedimento licitatório somente para compor o número mínimo de licitantes exigido
pela Lei, pelas seguintes razões: a) foi inabilitada antes do recebimento das propostas, por
apresentar certidões de regularidade de FGTS e da Secretaria da Receita do Estado da Paraíba com
de validade vencidos; b) a Perícia realizada pela Polícia Federal contatou que "o comprovante de
entrega da Carta Convite, relativo à empresa FABRÍCIO LIMA ALMEIDA, com data de
13/06/2008, possuiu uma marca de sulcagem coincidente com o aspecto formal do lançamento
aposto na Declaração de Renúncia de Recurso de Habilitação, datada de 19/06/2008, à guisa de
assinatura do representante da empresa COMERCIAL DE FERRAGENS PAULO TOMAZ", o que,
segundo o MPF, sinaliza que o Convite 17/2008 foi "montado", pois possui documentos
pertencentes a empresas supostamente concorrentes, dos quais constam datas distintas, mas que,
provavelmente, foram assinados numa mesma ocasião de maneira sobreposta.

44. Na verdade, tais provas não são suficientes para formar um juízo de certeza sobre a
participação, livre e consciente, do réu FABRÍCIO LIMA ALMEIDA na fraude perpetrada no
procedimento de licitação. Com efeito, após a instrução processual, não foram obtidas provas
robustas de forma a convalidar os elementos indiciários obtidos durante o procedimento
inquisitorial de que o acusado efetivamente teve participação na prática delitiva,
principalmente se considerarmos que não ficou claro qual seria seu interesse em garantir uma
vantagem em favor da empresa vencedora do certame.

45. Com efeito, meros elementos indicativos da participação na prática delitiva não
podem ensejar a responsabilização penal do agente, sendo hábil somente para autorizar o início da
persecução penal, notadamente no delito em questão que exige para sua configuração a existência
de finalidade especial consubstanciada na vontade dirigida para a obtenção de vantagem, para si ou
para outrem, decorrente da adjudicação do objeto licitado.

46. Nesse passo, em observância ao princípio do in dubio pro reo, deve o acusado
FABRÍCIO LIMA ALMEIDA ser absolvido, por não haver nos autos provas suficiente para a sua
condenação, nos termos do art. 386, VII, do CPP.

47. Quanto à responsabilidade penal do réu ROBERTO CARLOS NUNES, à época


Prefeito do município, esta não é de difícil deslinde. Não que se presuma a responsabilidade penal
do prefeito pela simples condição de ocupar o cargo público de chefe do Poder Executivo
municipal. O que ocorre, na realidade, é que, no âmbito de administrações públicas menores, o
prefeito normalmente tem o controle de quase tudo o que se passa em sua administração . Ou
seja, todas as decisões administrativas acabam tendo o seu aval.

48. É exatamente isso que se percebe no caso dos autos. O réu ROBERTO CARLOS
NUNES tinha o controle total sobre todos os procedimentos licitatórios e contratações
realizadas pelo município, conforme se verifica dos vários documentos referentes às licitações
realizadas e anexados aos presentes autos (fls. 05/212 - Volume III, do apenso).

49. Destaque-se que o presente caso não se trata de simples descumprimento de


meras formalidades exigidas pela Lei de Licitações, por culpa em sentido estrito do acusado,
de forma a acarretar tão somente a sua responsabilização administrativa, mas de uma série de
irregularidades cometidas no processo licitátorio e já descritas na análise da materialidade
delitiva, que demonstram claramente que houve manipulação do certame com a finalidade de
beneficiar a empresa PAULO TOMAZ CONSTRUÇÕES LTDA.

50. Como visto, as diversas irregularidades estão devidamente comprovadas nos autos, e
o acusado ROBERTO CARLOS NUNES não se desincumbiu do ônus de desconstituir a sua
existência, resultando insuficiente sua mera alegação, no exercício da autodefesa, porém destituída
de qualquer suporte fático-probatório, de que não teve qualquer ingerência no procedimento
licitatório em foco, bem, como de que não há nos autos provas de que houve ajuste e que
inexistiram prejuízos ao erário municipal. É que, como autoridade superior à Comissão de
Licitação, detinha o dever legal de, antes de homologar o resultado da licitação, verificar se o
procedimento foi realizado dentro da legalidade.

51. As provas constantes dos autos confirmam que o acusado ROBERTO CARLOS
NUNES, na qualidade de prefeito, foi o responsável pela abertura da licitação (fl. 142 - volume
III, apenso I), pela homologação do resultado e adjudicação do objeto à empresa PAULO TOMAZ
CONSTRUÇÕES LTDA (fls. 204/206 - volume III, do apenso I), bem como pela assinatura do
contrato nº 17/2008 (fls. 207/212 - volume III, do apenso I).

52. Nesse contexto, resta indene de dúvida de que ao proceder de tal maneira fraudou o
caráter competitivo do certame, em nítida afronta os princípios norteadores da Administração
Púbica, e, especial o da legalidade e da isonomia, acarretando o recebimento de vantagem indevida
à empresa PAULO TOMAZ CONSTRUÇÕES LTDA, que foi beneficiada com a adjudicação do
objeto da licitação.

53. É preciso ressaltar que, em nenhum momento, houve a acusação de o contrato não
foi cumprido ou de que teria havido superfaturamento ou qualquer outro tipo de ilícito na execução
do contrato. Com efeito, a acusação se restringe ao procedimento de licitação, e não à fase seguinte
de contratação.

54. Feita essa observação, cumpre registrar que o Prefeito municipal, ou qualquer outro
administrador público, não pode escolher a empresa que será contratada pela Administração
Pública, mesmo que movido pelas melhores intenções. Com efeito, a obrigatoriedade da
licitação é regra positivada na Constituição5, cuja finalidade é garantir, de forma impessoal e
observando a estrita igualdade entre os licitantes, a proposta mais vantajosa para a Administração
Pública.

55. Em decorrência dessa disciplina constitucional, o legislador tipificou como crime a


conduta de frustrar ou fraudar, mediante ajuste, combinação ou qualquer outro expediente, o caráter
competitivo do procedimento licitatório, com o intuito de obter, para si ou para outrem, vantagem
decorrente da adjudicação do objeto da licitação.
56. Em relação à ré ANA MARIA MORAES MACHADO, induvidosa também é a sua
participação na prática delitiva.

57. A ré é sócia de duas das empresas que participaram do certame, sendo que uma
delas, como já vimos, sagrou-se vencedora - PAULO TOMAZ CONSTRUÇÕES LTDA.
Aliado a tal fato, as provas produzidas nos autos demonstram que esta teve inequívoco
conhecimento de que as duas empresas das quais é sócia e administradora participavam uma
mesma licitação, qual seja, a Carta Convite n° 17/2008, tendo em vista que: a) reconheceu em
juízo que responde pela administração das duas empresas em foco, o que reforça, ainda, tal
afirmação (01'23"/01'38" - gravação de mídia em disco de fl. 195, referente ao depoimento do
acusado prestado nos autos da ação penal n° 0000208-77.2013.4.05.8204 e acostada aos presentes
autos); b) a Ata de Reunião designada para o recebimento, abertura e julgamento das propostas
referentes à Carta Convite nº 17/2008 (fls. 193/194 - volume III, do apenso I), demonstra que a
acusada compareceu ao ato como Diretora Administrativa da empresa PAULO TOMAZ
CONSTRUÇÕES LTDA, quando entregou a documentação pertinente (fl. 171 - volume III, do
apenso I), o que, também, indubitavelmente demonstra a sua ciência de que a outra empresa da qual
é sócia, a COMERCIAL DE FERRAGENS PAULO TOMAZ, também estava participando do
certame.

58. Em reforço, friso, ainda, que quem figurou como representante da empresa
COMERCIAL DE FERRAGENS PAULO TOMAZ foi o gerente José Flavio Sales6, numa
clara tentativa de encobrir a sua verdadeira representante, a ré ANA MARIA MORAES
MACHADO, que já estava representando a sua outra empresa a Pessoa Jurídica PAULO
TOMAZ CONSTRUÇOES LTDA.

59. Assim, diante das provas colacionadas aos autos, conclui-se que está devidamente
comprovado que a acusada ANA MARIA MORAES MACHADO teve participação na fraude do
caráter competitivo da licitação que acarretou o direcionamento do resultado do certame, vez que é
sócia comum das empresas PAULO TOMAZ CONSTRUÇOES LTDA e COMERCIAL DE
FERRAGENS PAULO TOMAZ LTDA.

60. No que tange ao delito previsto no art. 304 do Código Penal, consistente na
apresentação de Certificado de Regularidade do FGTS, cuja inautenticidade foi atestada pelo
Laudo Pericial n° 132/12-SETEC/SR/DPF/PB (fls. 243/255 - Volume II, do apenso), apresentado
pela empresa COMERCIAL DE FERRAGENS PAULO TOMAZ, com base nos elementos dos
autos verifica-se que tal conduta delitiva foi praticada com o nítido propósito de possibilitar a
participação da referida empresa no certame e assegurar o cometimento do delito de fraude à
licitação nele se esvaindo a sua potencialidade lesiva.

61. Conforme jurisprudência pacífica do STJ7 "a aplicação do princípio da consunção


pressupõe a existência de ilícitos penais (delitos meio) que funcionem como fase de preparação ou
de execução de outro crime (delito fim), com evidente vínculo de dependência ou subordinação
entre eles".

62. Em tal contexto, vislumbra-se que, no presente caso, inexistem delitos autônomos,
vez que o uso de documento adulterado foi praticado para fraudar o procedimento de
habilitação na licitação, de forma a configura apenas crime-meio para a consecução do delito-fim,
qual seja, o de fraude ao procedimento de licitação previsto no art. 90 da lei nº 8.9666/93, devendo
ser por este absorvido, diante da aplicação do princípio da consunção.

63. Destaque-se, ainda, que o uso do documento adulterado teve a sua potencialidade
lesiva exaurida no cometimento da fraude à licitação, não havendo nos autos notícias de que tal
documento foi utilizado para a prática de outras condutas delitivas.

64. Logo, a ré ANA MARIA MORAES MACHADO deve responder por um só crime,
tendo em vista que o delito de uso de documento falso encontra-se absorvido pelo crime previsto no
art. 90 da lei nº 8.666/93.

65. Quanto à tipicidade, o Ministério Público Federal imputa ao acusado ROBERTO


CARLOS NUNES e ANA MARIA MORAES MACHADO os crimes previstos no art. 90 da Lei
8.666/93, assim como à acusada ANA MARIA MORAES MACHADO, também o delito previsto
no art. 304 do Código Penal, assim descritos:

Art. 90 - Frustrar ou fraudar, mediante ajuste, combinação ou qualquer outro expediente, o caráter
competitivo do procedimento licitatório, com o intuito de obter, para si ou para outrem, vantagem
decorrente da adjudicação do objeto da licitação:
Pena - detenção, de 2 (dois) a 4 (quatro) anos, e multa.

Art. 304 - Fazer uso de qualquer dos papéis falsificados ou alterados, a que se referem os arts. 297 a
302:
Pena - a cominada à falsificação ou à alteração.

66. Com efeito, os fatos narrados na denúncia e comprovados na instrução se subsumem


à descrição típica em comento, nos seguintes moldes: a) em relação ao crime de licitação,
especificamente, no tipo objetivo consiste em "frustar (malograr, falhar) ou fraudar (enganar, iludir,
defraudar ou obter vantagem por meio da fraude), mediante ajuste, combinação ou qualquer outro
expediente, o caráter com competitivo do procedimento licitatório, com o intuito de obter para si ou
para outrem, vantagem decorrente da adjudicação do objeto da licitação", o que pode acontecer por
intermédio de cláusulas discriminatórias ou ajuste entre os participantes, por exemplo; b) quanto a
delito previsto no art. 304, imputado a acusada ANA MARIA MORAES MACHADO, o mesmo,
conforme já explanado, resta absorvido pelo delito de fraude à licitação.

67. Acrescente-se que, por ser o delito do art. 90 da Lei 8.666/93 crime formal,
independe para a sua consumação, da obtenção da vantagem indevida ou da existência de
dano ao ente público (STJ entende que se trata de crime material). Contudo, para a sua tipificação,
exige a demonstração do dolo específico consistente no "intuito de obter, para si ou para outrem,
vantagem decorrente da adjudicação do objeto da licitação.

68. As condutas perpetradas pelos réus, ROBERTO CARLOS NUNES e ANA MARIA
MORAES MACHADO mostraram-se materialmente lesiva aos bens jurídicos penalmente
protegidos (a moralidade administrativa, em especial os princípios da legalidade e isonomia) e
transbordante ao âmbito da normalidade social (inadequeção social da conduta, razão pela qual se
encontra demonstrada a tipicidade formal (correspondência entre a conduta da vida real e o tipo
legal do crime) e material (lesividade a bem jurídico penalmente tutelado e inadequação social da
conduta) de sua atuação finalística.

69. A defesa do acusado ROBERTO CARLOS NUNES sustenta que não houve prejuízo
ao erário público; assim como que não há nos autos provas de que houve prévio ajuste para a
escolha da empresa vencedora e que não lhe cabia a análise das formalidades do procedimento
licitatório.

70. Contudo, conforme já explanado, não trouxe o acusado aos autos nenhum elemento
hábil a afastar as conclusões obtidas através da análise conjunta das provas produzidas que
demonstram a ocorrência de fraude do caráter competitivo da Carta Convite nº 17/2008.
71. Quanto à alegação de que não era seu dever analisar as formalidades do
procedimento, a mesma deve ser de pronto rechaçada, vez que, como autoridade superior à
Comissão de Licitação, detinha o dever legal de, antes de homologar o resultado da licitação,
verificar se o procedimento foi realizado dentro da legalidade, sendo-lhe, perfeitamente possível, se
assim fosse da sua vontade, verificar a existência de máculas tão graves, vez que dado o seu grau de
instrução - Bacharel em Direito (00'42"/00'48"- gravação de mídia em disco de fl. 195, referente ao
depoimento do acusado prestado nos autos da ação penal n° 0000208-77.2013.4.05.8204 e acostada
aos presentes autos), detinha os conhecimentos jurídicos necessários para tanto.

72. Já a defesa da acusada, ANA MARIA MORAES, argumenta que não houve dolo nas
condutas perpetradas pela acusada, e que as irregularidades apontadas ocorreram em razão da
completa desorganização da Prefeitura e da Comissão de licitação, inexistindo nos autos provas da
existência de qualquer conluio entre os acusados e de qualquer prejuízo ao erário público municipal.
Todavia, tais alegações, também, não merecem prosperar, vez que, conforme já delineado, a
participação da acusada na frustração do caráter competitivo do certame ficou cabalmente
comprovada nos autos, não passando as teses defensivas de meras ilações desprovidas do
necessário acervo probatório para o seu acolhimento.

73. Também, incabível aceitar a justificativa apresentada pela ré ANA MARIA


MORAES MACHADO de que não sabia havia vedação legal na participação de suas empresas em
um mesmo procedimento licitatório. Com efeito, não se pode acreditar que a acusada, empresária
com nível superior de escolaridade e que já participou de várias licitações, desconheça tal proibição
tão lógica e evidente dada o objetivo da licitação: conferir à administração pública a possibilidade
de contratar a melhor proposta e possibilitar aos interessados a oportunidade de contratar com o
poder público. Acrescente-se, ainda, que se a acusada não tivesse ciência da proibição não teria
utilizado o seu gerente José Flávio Sales que figurou como representante da sua outra empresa, a
COMERCIAL DE FERRAGENS PAULO TOMAZ.

74. Desse modo, restam rechaçadas as alegações ventiladas pelas defesas dos acusados.
Evidencia-se em contrário, que os acusados ROBERTO CARLOS NUNES e ANA MARIA
MORAES MACHADO agiram com dolo (consciência + vontade) em relação ao delito cometido,
tendo a intenção de praticar os comportamentos típicos (art. 89, da Lei nº 8.666/93) e sabendo que
os estava praticando, tudo com a intenção de que o objeto da licitação fosse adjudicado à empresa
PAULO TOMAZ CONSTRUÇÕES LTDA, estando devidamente configurado o elemento subjetivo
específico exigido para a configuração do delito.

75. Inexistem nos autos quaisquer indícios de que venham a esboçar a presença de
causas que justifiquem seus atos.

76. No que toca à culpabilidade, enquanto juízo de reprovação (censura) que se faz ao
autor de um fato criminoso, tal instituto tem como um de seus elementos a exigibilidade de
comportamento conforme o Direito, que nada mais é do que a possibilidade concreta e real de o
agente do fato delituoso ter, nas circunstâncias em que ocorrido este, agido de acordo com a norma
aplicável ao caso.

77. Os acusados ROBERTO CARLOS NUNES e ANA MARIA MORAES MACHADO:


a. São imputáveis, tendo capacidade de entender o caráter ilícito de suas ações e de agir de acordo
com esse entendimento, condição que detinham, também, à época da prática delituosa em
julgamento;
b. sabiam ou tinham condições de saber, num juízo leigo, que suas condutas eram proibidas
(consciência potencial da ilicitude), sobretudo quando se considera o grau de instrução dos referidos
réus;
c. não há prova de que estivesse presente situação que os impedissem ou tornasse inexigível, nas
circunstâncias, a sua a atuação de modo diverso daquele realizado (exigibilidade de conduta
diversa);
d. e suas condutas são censuráveis, por não terem adotado comportamento diverso, apesar de poder
e dever agir de outra maneira.

78. Em face do exposto no parágrafo anterior, são os acusados ROBERTO CARLOS


NUNES e ANA MARIA MORAES MACHADO culpável pelas condutas típicas e ilícitas
praticadas e acima indicadas, merecendo a conseqüente reprovação (juízo negativo de
culpabilidade). Em vista disso, devem ser condenados pela prática do crime previstos no art. 90, da
Lei nº 8.666/93.

III - DISPOSITIVO

79. Ante o exposto, julgo parcialmente procedente a pretensão punitiva estatal deduzida
na denúncia para:
a) absolver os acusados JOSÉ SERAFIM BEZERRA, HERÁCLITO DO NASCIMENTO
PINTO e EDMILSON DE PAULA das imputações referentes à prática de condutas referentes ao
tipo penal capitulado no art. 90 da Lei nº 8.666/93, com fundamento no art. 386, V, do CPP, por não
haver provas de que tiveram participação na prática delitiva;
b) absolver o acusado FABRÍCIO LIMA ALMEIDA das imputações referentes à prática de
condutas referentes ao tipo penal capitulado no art. 90 da Lei nº 8.666/93, com fundamento no art.
386, VII, do CPP, por não existir prova suficiente para a sua condenação;
c) absolver a acusada ANA MARIA MORAES MACHADO da acusação referente ao crime
do art. 304 do CP, por considerá-lo absorvido pelo crime do art. 90 da Lei nº 8.666/93, com base no
art. 386, III, do CPP;
c) condenar os acusados ROBERTO CARLOS NUNES e ANA MARIA MORAES
MACHADO nas sanções do art. 90, da Lei nº 8.666/93.

DOSIMETRIA

80. O preceito secundário do art. 90 da Lei nº 8.666/93, comina ao delito praticado pelo
réu pena de detenção (de 02 a 04 anos), além da multa.

DO RÉU ROBERTO CARLOS NUNES

81. Examino as circunstâncias judiciais elencadas no caput do art. 59 do CP, para, após
análise de possíveis agravantes/atenuantes e causas de aumento ou diminuição da pena, fixar a pena
definitiva.
a. Culpabilidade - deve ser considerada em grau médio em virtude do nível de reprovabilidade da
conduta perpetrada pelo acusado, tendo em vista que a sua qualidade de gestor, que foi essencial
para a frustração do caráter competitivo do certame, visto que tal condição lhe impunha o dever
legal de pautar as suas condutas na legalidade, na ética e na probidade administrativa, cabendo-lhe
zelar pela lisura nos procedimentos licitatórios realizados por sua gestão;
b. Antecedentes - o réu não possui maus antecedentes;
c. Conduta social - não há elementos nos autos que permitam a valoração de sua conduta social;
d. Personalidade - não há informações que permitam a valoração de sua personalidade;
e. Motivos - os motivos do crime são de ordem financeira, normais ao tipo delituoso praticado;
f. Circunstâncias do crime - as circunstâncias do crime são comuns às espécies delituosas
examinadas, não havendo peculiaridades que mereçam exame e que já não tenham sido utilizadas
para fins de tipificação das condutas respectivas;
g. Conseqüências do crime - são as normais ao tipo penal;
h. Comportamento da vítima - a vítima do delito, o Estado, em nada contribuiu para a ocorrência do
fato.
82. Assim, havendo uma circunstância desfavorável (culpabilidade), considero
necessária e suficiente à reprovação e prevenção do crime praticado pelo réu a imposição da pena-
base em 02 (dois) anos e 03 (três) meses de detenção.
83. Não há circunstâncias agravantes nem atenuantes.
84. Ausentes quaisquer causas de diminuição ou aumento da pena.
85. Portanto, torno definitiva a pena privativa de liberdade fixada acima, condenando o
réu ROBERTO CARLOS NUNES à pena privativa de liberdade de em 02 (dois) anos e 03 (três)
meses de detenção.
86. Nos termos do art. 60 do Código Penal, e em decorrência do resultado obtido na
dosagem da pena privativa de liberdade, que deve guardar exata proporcionalidade com a pena de
multa, fixo-a em 112 (cento e doze) dias-multa, no valor equivalente a 1/5 do salário mínimo
vigente ao tempo do fato delituoso, tendo em conta a situação econômica regular do réu (art. 72 do
Código Penal), e corrigida monetariamente desde a prática do crime (06/2008) com base no IPCA-E
até a data do pagamento.
87. Assim, fica o réu ROBERTO CARLOS NUNES, condenado, definitivamente, a 02
(dois) anos e 03 (três) meses de detenção, além de 112 (cento e doze) dias-multa, pela prática do
crime previsto no art. 90 da Lei n.º 8.666/93.

DA RÉ ANA MARIA MORAES MACHADO

88. Examino as circunstâncias judiciais elencadas no caput do art. 59 do CP, para, após
análise de possíveis agravantes/atenuantes e causas de aumento ou diminuição da pena, fixar a pena
definitiva.
a. Culpabilidade - deve ser considerada em grau médio em razão do nível de reprovabilidade da
conduta perpetrada, principalmente em virtude da responsabilidade e da função social que as
empresas representam, devendo os seus dirigentes atuar dentro da legalidade e pautados na boa-fé,
principalmente quando contratam com o poder público;
b. Antecedentes - o réu não possui maus antecedentes;
c. Conduta social - não há elementos nos autos que permitam a valoração de sua conduta social;
d. Personalidade - não há informações que permitam a valoração de sua personalidade;
e. Motivos - os motivos do crime são os comuns para este tipo de delito contra a administração
pública;
f. Circunstâncias do crime - as circunstâncias do crime são comuns às espécies delituosas
examinadas, não havendo peculiaridades que mereçam exame e que já não tenham sido utilizadas
para fins de tipificação das condutas respectivas;
g. Conseqüências do crime - são as normais ao tipo penal;
h. Comportamento da vítima - o comportamento da vítima em nada contribuiu para a conduta do
agente, pelo que não há o que valorar.
89. Assim, havendo uma circunstância desfavorável (culpabilidade), considero
necessária e suficiente à reprovação e prevenção do crime praticado pelo réu a imposição da pena-
base em 02 (dois) anos e 03 (três) meses de detenção.
90. Não há circunstâncias agravantes nem atenuantes.
91. Ausentes quaisquer causas de diminuição ou aumento da pena.
92. Portanto, torno definitiva a pena privativa de liberdade fixada acima, condenando a
ré ANA MARIA MORAES MACHADO à pena privativa de liberdade de em 02 (dois) anos e 03
(três) meses de detenção.
93. Nos termos do art. 60 do Código Penal, e em decorrência do resultado obtido na
dosagem da pena privativa de liberdade, que deve guardar exata proporcionalidade com a pena de
multa, fixo-a em 112 (cento e doze) dias-multa, no valor equivalente a 1/5 do salário mínimo
vigente ao tempo do fato delituoso, tendo em conta a situação econômica regular da ré (art. 72 do
Código Penal), e corrigida monetariamente desde a prática do crime (06/2008) com base no IPCA-E
até a data do pagamento.

94. Assim, fica a ré ANA MARIA MORAES MACHADO, condenada, definitivamente,


a 02 (dois) anos e 03 (três) meses de detenção, além de 112 (cento e doze) dias-multa, pela prática
do crime previsto no art. 90 da Lei n.º 8.666/93.

95. Regime inicial de cumprimento da pena privativa de liberdade - em consonância com


o disposto no art. 32, §2º, alínea "c", do Código Penal, as penas de detenção impostas aos réus
ROBERTO CARLOS NUNES e ANA MARIA MORAES MACHADO deverão ser cumpridas,
desde o início, em regime aberto.

96. Sendo as penas privativas de liberdade impostas aos réus ROBERTO CARLOS
NUNES e ANA MARIA MORAES MACHADO, não superiores a 04 (quatro) anos de reclusão,
não tendo o crime sido cometido com violência ou grave ameaça, não sendo eles reincidentes em
crime doloso e tendo em vista que seus antecedentes, sua conduta social e sua personalidade, já
anteriormente examinadas, indicam a suficiência da imposição de penas alternativas para as
finalidades de ressocialização, reprovação da conduta criminosa e prevenção da prática de novas
infrações, tem os acusados, em face do preenchimento dos requisitos do art. 44, caput e incisos, do
CP, o direito público subjetivo à substituição das penas privativas de liberdade por uma pena
restritiva de direitos e multa, ou por duas penas restritivas de direito, na forma da parte final do § 2.º
do art. 44 do CP.

97. Desse modo, e observando a proporcionalidade entre a pena aplicada aos réus,
substituo as penas privativas de liberdade impostas, cumulativamente, por duas restritivas de
direitos:
a. uma pena restritiva de direitos, consistente em prestação pecuniária, para cada um dos acusados,
no valor correspondente a R$ 17.036,48 (dezessete mil, trinta e seis reais e quarenta e oito
centavos), considerando que este foi o valor da licitação fraudada (planilha de fl. 154 - volume III,
do apenso I). Esta importância será corrigida monetariamente com base no IPCA-E a partir de
junho de 2008 (época do cometimento do delito) até a data do efetivo pagamento da prestação
pecuniária, a qual deve ser revertida em favor da UNIÃO, nos termos do art.45, §1º, do Código
Penal;
b. Pena de multa substitutiva - no mesmo valor da pena de multa fixada aos réus ROBERTO
CARLOS NUNES e ANA MARIA MORAES MACHADO, com correção monetária a partir de
06/2008 com base no IPCA-E até a data do pagamento).

98. Em face da substituição da pena privativa de liberdade por duas restritivas de direito
no parágrafo anterior, resta prejudicada a concessão da suspensão condicional da pena em sua
modalidade comum (art. 77, inciso III, do CP).

99. Nos termos do art. 387, §1º, do CPP, os réus devem aguardar o trânsito em julgado
em liberdade, na medida em que não se vislumbra necessidade de decretação de prisão preventiva
ou de qualquer outra medida cautelar.

100. Condeno os réus ROBERTO CARLOS NUNES e ANA MARIA MORAES


MACHADO, ao pagamento das custas processuais - art.804 do CPP.

101. Quanto aos réus, JOSÉ SERAFIM BEZERRA, EDMILSON DE PAULA,


HERÁCLITO DO NASCIMENTO PINTO e FABRÍCIO LIMA ALMEIDA:
I. cumpra-se o disposto no art. 809, § 3. º, do CPP;
II. remetam-se os autos à Distribuição para que seja alterada situação dos mesmos para
"ABSOLVIDO".

102. Após o trânsito em julgado, quanto aos réus ROBERTO CARLOS NUNES e ANA
MARIA MORAES MACHADO:

a. Comunique-se ao TRE a condenação imposta para os efeitos do art. 15, III, da CF/88;
b. Cumpra-se o disposto no art. 809, § 3.º, do CPP;
c. Remetam-se os autos à Distribuição para que se procedam às alterações pertinentes;
d. Lancem-se seus nomes no Rol dos Culpados;
e. Instaure-se o processo de execução penal.

103. Publique-se. Registre-se. Intimem-se, com vista ao MPF.

Guarabira/PB, 29 de setembro de 2014.

TÉRCIUS GONDIM MAIA


Juiz Federal Titular da 12ª Vara da SJPB
TRÁFICO DE PESSOAS E REDUÇÃO A CONDIÇÃO DE ESCRAVO

AÇÃO PENAL
Processo nº: 0007205-75.2010.4.05.8400
Autor: Ministério Público Federal
Réus: Jose Moreno Gomez, Ceferino Valero Gonzalez, Jose Manuel Caeiro Otero, Abraham Soler
Franch e Cristiane Ferreira da Silva Tinoco
Sentença Tipo D

SENTENÇA

1. RELATÓRIO
Trata-se de Ação Penal proposta pelo MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL contra JOSE
MORENO GOMEZ, CEFERINO VALERO GONZALEZ (vulgo FINO), JOSE MANUEL
CAEIRO OTERO, ABRAHAM SOLER FRANCH e CRISTIANE FERREIRA DA SILVA
TINOCO, já devidamente qualificados nos autos, no afã de vê-los condenados, em concurso
material (art. 69), às sanções capituladas no art. 231, "caput" e §§ 2º, IV, e 3º (Tráfico Internacional
de Pessoas, mediante grave ameaça ou fraude, com o fim de obter vantagem econômica), em
continuidade delitiva (art. 71) - por nove vezes, no art. 149, § 1º, I e II (Redução à condição análoga
à de escravo), em continuidade delitiva (art. 71) - por nove vezes, e no art. 288 (Quadrilha ou
Bando), todos do Código Penal.
Segundo a peça acusatória (fl. 03/16), datada de 13/10/2010, com amparo no IPL nº
837/2008 (que contém o relatório síntese da Operação Celestial, deflagrada pela Polícia da Espanha,
quando foi descortinada, naquele país, uma rede de prostituição de estrangeiras, inclusive
brasileiras), pelo menos a partir do mês de março do ano de 2007, os denunciados, sob a direção de
JOSE MORENO GOMEZ, se associaram em quadrilha com a finalidade de promover ou facilitar a
saída de mulheres do território nacional para exercer a prostituição nas boates "El Éden" e
"Eclipse", situadas na província de Gerona, na Espanha.
Alega o parquet que os denunciados, por meio da organização criminosa em tela, pelo
menos a partir do mês de março do ano de 2007, promoveram ou facilitaram a saída de diversas
mulheres do território nacional, dentre as quais Silvanir Lidiane Ferreira, Kátia de Medeiros Rocha,
Rossiane Aguiar Cavalcante, Sandra Maria Medeiros da Silva, Amanda Araújo de Oliveira, Maise
França Correia da Costa, Ana Luiza Santos Lúcio, Amanda de Melo Campos e Ângela Maria de
Andrade.
Afirmou que a investigação deflagrada pela polícia federal evidenciou a existência da citada
organização criminosa destinada a selecionar e ludibriar jovens mulheres para serem exploradas
sexualmente na Espanha, sob o falso argumento de trabalharem em clubes de "alternes"1 e/ou
mediante a ilusória proposta de enriquecimento fácil mediante a prostituição.
Segundo a denúncia, por intermédio da acusada CRISTIANE FERREIRA DA SILVA
TINOCO, o grupo criminoso ora denunciado providenciou que brasileiras fossem encaminhadas
para trabalhar em casas noturnas na Espanha como prostitutas, sob a falsa promessa de que iriam
ganhar, no mínimo, 800 euros por noite.
Narra que as vítimas normalmente eram recepcionadas pelos denunciados JOSE MORENO
GOMEZ ou por CEFERINO VALERO GONZALEZ "FINO", sendo logo em seguida surpreendidas
com a informação de que tinham contraído uma dívida com o grupo criminoso de aproximadamente
2.500 euros, sob o argumento de se tratar de ressarcimento dos valores referentes à compra de suas
passagens aéreas, bem como o aviso de que seriam responsáveis por todas as despesas com sua
manutenção básica, como hospedagem e alimentação, que se davam, no mesmo ambiente onde
ocorria sua exploração.
Afirmou que nas boates as mulheres residiam, trabalhavam e permaneciam em verdadeiro
cárcere, em constante monitoramento, sendo submetidas a constantes ameaças caso resolvessem
fugir sem pagar a dívida assumida com o seu ingresso e manutenção no ambiente de trabalho, que
aumentava dia a dia, tendo em vista que eram cobrados valores diários relativos à hospedagem e
alimentação, lavagem de roupas, energia elétrica, uso de lençóis, toalhas, preservativos e sabão.
Pela denúncia, as mulheres eram obrigadas a trabalhar todos os dias do mês, necessitando
pagar a quantia de trezentos euros se quisessem usufruir de um dia de folga. Além disso, indica que
apenas as danças eróticas e os "alternes" não lhes garantiam o mínimo necessário para cobrir as
despesas com sua sobrevivência, sendo assim forçadas a exercer a prostituição.
Ademais, indica o órgão ministerial, que os denunciados JOSE MORENO GOMEZ,
CEFERINO VALERO GONZALEZ, JOSE MANUEL CAEIRO OTERO e ABRAHAM SOLER
FRANCH, na qualidade de responsáveis (o primeiro sendo o proprietário dos estabelecimentos; o
segundo, seu braço direito; os outros dois, gerentes) pelas boates onde ocorria a exploração sexual,
obtinham lucros assemelhados aos de uma atividade empresarial, enquanto a brasileira CRISTIANE
FERREIRA DA SILVA TINOCO era a responsável por captar as mulheres para trabalhar nos
clubes.
Segundo o Ministério Público Federal, as vítimas encaminhadas à Espanha tiveram suas
liberdades de locomoção tolhidas pelo grupo criminoso, pois tinham seus passaportes retidos e eram
proibidas de saírem dos clubes até quitar a dívida adquirida com a organização, além de serem
constantemente ameaçadas e vigiadas por seguranças e câmeras, sendo-lhes facultada a saída do
clube apenas de forma limitada e vigiada.
Em razão da dívida, as vítimas eram submetidas à exploração sexual em uma jornada
extenuante, sem direito a folga, sendo possível se livrar daquela situação, apenas excepcionalmente,
através da fuga ou após o pagamento integral da dívida ao grupo, o que caracteriza a redução à
condição análoga à de escravo. Tal crime teria ocorrido nos anos de 2007 e 2008.
Salienta a denúncia que a acusada CRISTIANE FERREIRA DA SILVA TINOCO tinha
conhecimento das condições a que eram submetidas as brasileiras posto que as vítimas relatavam a
ela o que lhes acontecia e pediam sua ajuda, sem que fosse tomada qualquer medida para resgatá-las
do local. Ao contrário, outras mulheres eram remetidas para serem vitimadas pelo sistema.
Afirmou ainda que na citada quadrilha havia clara hierarquia estrutural, sendo o seu líder
JOSE MORENO GOMEZ, dono dos clubes "El Éden" e "Eclipse", auxiliado por CEFERINO
VALERO GONZALEZ (FINO), o braço direito do proprietário, responsável por receber as
mulheres traficadas no aeroporto, dar conhecimento das normas do prostíbulo, assim como também
gerenciar os clubes.
Por sua vez, os denunciados JOSE MANUEL CAEIRO OTERO e ABRAHAM SOLER
FRANCH se responsabilizavam pelo funcionamento e administração das boates, ao passo que
CRISTIANE FERREIRA DA SILVA TINOCO (que mantinha relacionamento afetivo com o
acusado FINO) ficava incumbida de aliciar as vítimas do esquema.
A denúncia foi recebida em 19.10.2010 (fl. 17). Os réus responderam ao processo em
liberdade.
Citado, JOSE MORENO GOMEZ apresentou defesa escrita nas fls. 272/283, onde sustentou
preliminarmente, a inépcia da petição inicial por esta não descrever os fatos tidos por criminosos
com todas as suas circunstâncias, estando, ainda, ausente a narrativa individualizada do
comportamento de cada agente nos crimes imputados.
Em relação ao mérito, aduz o acusado que é proprietário de duas boates na Espanha, onde
exerce legalmente sua atividade empresarial em estrito cumprimento à legislação local. Suscita que
as boates têm administradores, que as normas trabalhistas são respeitadas e que os trabalhadores se
apresentam de forma espontânea para trabalhar no local, sendo certo que se existiu algum excesso
ou atitude não condizente com o regular funcionamento do estabelecimento, tal fato não pode ser
imputado ao acusado, posto que a legislação penal exige que a conduta seja realizada de maneira
dolosa. Ao final, requereu o trancamento da ação penal, em face do reconhecimento da inépcia da
inicial e, subsidiariamente, a improcedência do pedido autoral, por não caracterização da conduta
típica, a ser demonstrada durante a instrução criminal.
Citados, JOSE MANUEL CAEIRO OTERO e ABRAHAM SOLER FRANCH
apresentaram defesa escrita nas fls. 285/297, onde sustentaram preliminarmente, a inépcia da
petição inicial por esta não descrever os fatos tidos por criminosos com todas as suas circunstâncias,
estando, ainda, ausente a narrativa individualizada do comportamento de cada agente nos crimes
imputados.
Em relação ao mérito, aduzem os acusados que eles trabalham na Espanha em estrito
cumprimento à legislação local. Suscitam que se existiu algum excesso ou atitude não condizente
com o regular funcionamento do estabelecimento, tal fato não pode ser imputado aos acusados,
posto que a legislação penal exige que a conduta seja realizada de maneira dolosa. Ao final,
requereram o trancamento da ação penal, em face do reconhecimento da inépcia da inicial e,
subsidiariamente, a improcedência do pedido autoral, por não caracterização da conduta típica, a ser
demonstrada durante a instrução criminal.
Citados (fls. 114 e 117), CEFERINO VALERO GONZALEZ e CRISTIANE FERREIRA
DA SILVA TINOCO não apresentaram defesa escrita. Ante a ausência de manifestação, este Juízo
remeteu (fl. 299) os autos à Defensoria Pública da União, que apresentou resposta à acusação
acostada às fls. 304/306, onde refutaram em sua totalidade a prática das condutas delituosas
narradas na peça de acusação e se reservaram no direito de deduzir as demais questões de mérito
nas Alegações Finais, oportunidade em que demonstrarão a inocência dos acusados.
Este Juízo não acolheu a preliminar argüida pelos acusados, confirmou o recebimento
anterior da denúncia e determinou, às fls. 314/316, a realização de audiência de instrução e
julgamento.
A defesa dos acusados JOSE MORENO GOMEZ, JOSE MANUEL CAEIRO OTERO e
ABRAHAM SOLER FRANCH afirmou (fls. 607/693) que os acusados responderam a processo
criminal na Espanha pelos mesmos fatos apurados nos presentes autos, sendo absolvidos de parte
dos delitos e condenados por outros, já tendo inclusive cumprido a pena imposta pela Justiça
Espanhola. Diante de tal fato, a defesa afirma que não estão preenchidas as condicionantes legais
para aplicação da Lei Penal Brasileira aos envolvidos nos fatos praticados na Espanha, bem como,
já houve condenação e absolvição pelos mesmos fatos na Espanha.
Foi realizada audiência de Instrução e Julgamento, ocasião em que foram ouvidas
testemunhas arroladas, bem como interrogados os acusados JOSE MORENO GOMEZ, CEFERINO
VALERO GONZALEZ, JOSE MANUEL CAEIRO OTERO, ABRAHAM SOLER FRANCH e
CRISTIANE FERREIRA DA SILVA TINOCO, conforme termos de audiência de fls. 700/703 e
717/720 e mídias acostadas às fls. 704 e 720v.
Na fase do art. 402 do CPP, a defesa dos acusados JOSE MORENO GOMEZ, JOSE
MANUEL CAEIRO OTERO e ABRAHAM SOLER FRANCH requereu (fl. 718) a juntada da
documentação referente ao processo que tramitou junto à justiça espanhola envolvendo quatro
(quatro) réus desse mesmo processo. Este Juízo deferiu a diligência requerida, determinando a
juntada dos referidos documentos até o dia 13 de janeiro de 2014.
A defesa dos acusados apresentou em 14 de janeiro de 2014 a documentação constante das
fls. 738/919 em cumprimento à diligência supra referida.
Por fim, foram apresentadas alegações finais pelo Órgão Ministerial, constantes das fls.
1085/1102, ocasião em que requereu, ante o argumento de comprovação da materialidade e da
autoria dos delitos, a condenação dos acusados.
Na oportunidade, contudo, o Ministério Público Federal entendeu pela impossibilidade de
condenação dos acusados pelo delito tipificado no art. 149 do Código Penal (Redução à Condição
Análoga à de Escravo), alegando, primeiramente, que não existem provas que corroborem a
materialidade do delito e, em segundo lugar, que tal crime teria sido cometido integralmente na
Espanha e os acusados não ingressaram em território nacional, não estando assim preenchidos os
requisitos para que a lei penal brasileira fosse aplicada ao delito cometido no exterior, nos termos do
art. 7º, § 2º, alínea "a", do Código Penal.
Em relação à acusada CRISTIANE FERREIRA DA SILVA TINOCO, o parquet afirma que,
embora a acusada tenha retornado ao Brasil em julho de 2008, permanecendo aqui até setembro de
2009, o citado crime de Redução à Condição Análoga à de Escravo não pode ser imputado à
denunciada, haja vista que nenhuma das mulheres que residiam nos clubes relata que ela as tenha
submetido a trabalhos forçados ou a jornada exaustiva.
Ao final, afirma que o acusado ABRAHAM SOLER FRANCH não foi mencionado nos
autos como incurso em nenhuma das sanções já analisadas, sendo imperiosa sua absolvição.
Os acusados CEFERINO VALERO GONZALEZ e CRISTIANE FERREIRA DA SILVA
TINOCO, assistidos pela Defensoria Pública da União, apresentaram suas alegações finais (fls.
1106/1115), requerendo a absolvição por estar provado que não concorreram para a prática dos
crimes, posto que CEFERINO VALERO GONZALEZ era apenas um empregado das boates, não
tendo conhecimento da prática de qualquer crime em relação às mulheres que trabalhavam nos
clubes, enquanto CRISTIANE FERREIRA DA SILVA TINOCO apenas ajudou duas amigas a
ingressarem na Espanha para que lá pudessem trabalhar.
Aduz a DPU que não ficou comprovado, ao longo da instrução processual, que as mulheres
que foram trabalhar na Espanha tiveram, de qualquer forma, sua liberdade restringida ou tenham
sido sujeitas a condições degradantes de trabalho, submetidas a trabalhos forçados ou a jornadas
exaustivas. A defesa dos acusados corroborou o entendimento do Ministério Público Federal de que
CRISTIANE FERREIRA DA SILVA TINOCO não teria concorrido para a prática do crime do art.
149 do Código Penal, enquanto em relação a CEFERINO VALERO GONZALEZ não estariam
preenchidos os requisitos para que a lei penal brasileira fosse aplicada ao delito cometido no
exterior, nos termos do art. 7º, § 2º, alínea "a", do Código Penal.
No que diz respeito à imputação do crime de quadrilha ou bando, afirma a defesa dos
acusados que o máximo que se pode extrair dos autos é que houve concurso de pessoas, não
havendo como caracterizar o delito de quadrilha ou bando, pois para tal exige-se um fim associativo
permanente entre os agentes para caracterizar o delito.
Ademais, alega que não existem provas aptas a embasar um pleito condenatório, bem como
a impossibilidade de condenação pelo delito de redução à condição análoga à de escravo diante do
pedido de absolvição feito pelo Ministério Público Federal. Assim, requer a absolvição dos
acusados CEFERINO VALERO GONZALEZ e CRISTIANE FERREIRA DA SILVA TINOCO e,
subsidiariamente, em caso de condenação, que a pena seja fixada no mínimo legal.
Os acusados JOSE MORENO GOMEZ, JOSE MANUEL CAEIRO OTERO e ABRAHAM
SOLER FRANCH apresentaram suas alegações finais (fls. 1136/1150), requerendo a absolvição,
alegando, inicialmente, que não concorreram para a prática dos crimes que lhes são imputados.
Aduz que a defesa juntou aos autos documentos que comprovam que o funcionamento dos clubes
de propriedade de JOSE MORENO GOMEZ era regular e que os acusados responderam a processo
criminal na Espanha pelos mesmos fatos apurados nos presentes autos, sendo absolvidos de parte
dos delitos e condenados por crime referente a imigração ilegal, já tendo inclusive cumprido a pena
imposta pela Justiça Espanhola.
Sustenta que o acusado JOSE MORENO GOMEZ exerce legalmente sua atividade
empresarial em estrito cumprimento à legislação local, que as boates têm administradores, que as
normas trabalhistas são respeitadas e que os trabalhadores se apresentam de forma espontânea para
trabalhar no local, sendo certo que se existiu algum excesso ou atitude não condizente com o
regular funcionamento do estabelecimento, tal fato não pode ser imputado ao acusado, posto que a
legislação penal exige que a conduta seja realizada de maneira dolosa.
A defesa dos acusados indica, ainda, que os depoimentos prestados em Juízo não permitem
que o julgador possa julgar com certeza, impondo-se a absolvição dos acusados, em face do in
dúbio pro reo ou actore non probante absolvitur reos, por não estar demonstrada a autoria delitiva e
por não existir prova da materialidade.
Em relação ao crime descrito no art. 231 do Código Penal, a defesa dos acusados JOSE
MORENO GOMEZ, JOSE MANUEL CAEIRO OTERO e ABRAHAM SOLER FRANCH afirma
que, conforme ficou demonstrado através do depoimento das testemunhas Kátia de Medeiros Rocha
e Ana Luiza Santos Lúcio, não existem provas da materialidade do delito ou indícios de autoria
atribuídos aos acusados.
Em relação ao crime descrito no art. 149 do Código Penal, a defesa dos acusados afirma
que não ficou demonstrada, ao longo da instrução, a materialidade do delito. Indica que, além de
não existir prova do cometimento do ilícito, o caso dos autos trata de hipótese de
extraterritorialidade condicionada da lei brasileira e não estariam preenchidos os requisitos
necessários para aplicação da lei brasileira ao caso, nos termo do art. 7º, § 2º, do Código Penal.
Em relação ao crime descrito no art. 288 do Código Penal, a defesa dos réus alega que o
máximo que se pode extrair dos autos é que houve a prática de crimes em concurso de pessoas,
posto que para a caracterização do crime de quadrilha ou bando se exige um fim associativo
permanente entre os agentes, e não a mera reunião de pessoas como no caso em análise. Aduz,
ainda, que os acusados estavam reunidos através de uma relação empregatícia lícita.
A defesa pugna pela absolvição dos acusados em face da ausência de provas suficientes para
embasar um pleito condenatório, haja vista que as provas produzidas em juízo, sob o crivo do
contraditório, não foram capazes de indicar a participação dos acusados nos fatos delituosos.
Ao final, sustenta a impossibilidade de condenação pelo delito de redução à condição
análoga à de escravo, em face do pedido de absolvição dos acusados apresentado pelo Ministério
Público Federal.
Era o que importava relatar. Passo à fundamentação e posterior decisão.

2. FUNDAMENTAÇÃO
2.0 PRELIMINARES
Non bis in idem
Em sede de preliminares, os acusados JOSE MORENO GOMEZ, JOSE MANUEL
CAEIRO OTERO e ABRAHAM SOLER FRANCH dizem haver respondido a processo criminal na
Espanha pelos mesmos fatos apurados nos presentes autos, sendo absolvidos de parte dos delitos e
condenados por crime referente à imigração ilegal, já tendo inclusive cumprido a pena imposta pela
Justiça Espanhola. Por conseguinte, com amparo na vedação à dupla punição ou persecução,
pugnam pela inviabilidade do presente feito.
De fato, salvo em situações excepcionais (v.g., condenações referentes a tráfico de
entorpecentes, em que cada delito cometido em países distintos deve ser considerado e punido
autonomamente2), a existência de processo anterior, no Brasil ou no exterior, constitui impedimento
à abertura de nova persecução penal. Confiram-se os ensinamentos de BARJA DE QUIROGA3:
"El principio 'non bis in idem' tiene dos ámbitos de aplicación: el material e y el procesal. En el
ámbito material implica que está prohibido sancionar dos veces por el mismo hecho a la misma
persona. En el ámbito procesal supone que no puede someterse a un segundo juicio a una persona
por los mismos hechos, incluso el principio actúa impidiendo la doble persecución."
No mesmo sentido, é a jurisprudência:
E M E N T A: (...) A QUESTÃO DO "DOUBLE JEOPARDY" COMO INSUPERÁVEL
OBSTÁCULO À INSTAURAÇÃO DA "PERSECUTIO CRIMINIS", NO BRASIL, CONTRA
SENTENCIADO (CONDENADO OU ABSOLVIDO) NO EXTERIOR PELO MESMO FATO -
PACTO INTERNACIONAL SOBRE DIREITOS CIVIS E POLÍTICOS - OBSERVÂNCIA DO
POSTULADO QUE VEDA O "BIS IN IDEM". - Ninguém pode expor-se, em tema de liberdade
individual, a situação de duplo risco. Essa é a razão pela qual a existência de hipótese configuradora
de "double jeopardy" atua como insuperável obstáculo à instauração, em nosso País, de
procedimento penal contra o agente que tenha sido condenado ou absolvido, no Brasil ou no
exterior, pelo mesmo fato delituoso. - A cláusula do Artigo 14, n. 7, inscrita no Pacto Internacional
sobre Direitos Civis e Políticos, aprovado pela Assembléia Geral das Nações Unidas, qualquer que
seja a natureza jurídica que se lhe atribua (a de instrumento normativo impregnado de caráter
supralegal ou a de ato revestido de índole constitucional), inibe, em decorrência de sua própria
superioridade hierárquico-normativa, a possibilidade de o Brasil instaurar, contra quem já foi
absolvido ou condenado no exterior, com trânsito em julgado, nova persecução penal motivada
pelos mesmos fatos subjacentes à sentença penal estrangeira. (...) (Ext 1223, Relator(a): Min.
CELSO DE MELLO, Segunda Turma, julgado em 22/11/2011, ACÓRDÃO ELETRÔNICO DJe-
042 DIVULG 27-02-2014 PUBLIC 28-02-2014)
Importante enfatizar que tal exame deve voltar-se para os fatos, sendo irrelevante a
qualificação jurídica que lhes houverem outorgado os órgãos de acusação. É que, como consabido, a
causa de pedir no processo penal circunscreve-se aos fatos alegados - e sobre eles atuam as teses
defensivas -, não ao enquadramento normativo, tarefa reservada aos julgadores. Em reforço:
1. HABEAS CORPUS IMPETRADO EM SUBSTITUIÇÃO AO RECURSO PREVISTO NO
ORDENAMENTO JURÍDICO. NÃO CABIMENTO. MODIFICAÇÃO DE ENTENDIMENTO
JURISPRUDENCIAL. RESTRIÇÃO DO REMÉDIO CONSTITUCIONAL. MEDIDA
IMPRESCINDÍVEL À SUA OTIMIZAÇÃO. EFETIVA PROTEÇÃO AO DIREITO DE IR, VIR E
FICAR. 2. ALTERAÇÃO JURISPRUDENCIAL POSTERIOR À IMPETRAÇÃO DO PRESENTE
WRIT. EXAME QUE VISA PRIVILEGIAR A AMPLA DEFESA E O DEVIDO PROCESSO
LEGAL. 3. CRIME DE DESACATO. 4. FUNDAMENTAÇÃO E DISPOSITIVO DO ACÓRDÃO
INCOMPATÍVEIS. NULIDADE. 5. RECONHECIMENTO DA ATIPICIDADE. EFEITOS SOBRE
TODA A COMPLEXIDADE FÁTICA. 6. RENOVAÇÃO DA DENÚNCIA. MESMO FATO
CONTENDO NARRATIVA DIVERSA. IMPOSSIBILIDADE. 7. ORDEM NÃO CONHECIDA.
HABEAS CORPUS CONCEDIDO DE OFÍCIO. 1. (...) 4. In casu, o cotejo das denúncias revela
que apesar da maior riqueza de detalhes, as narrativas da primeira e da segunda exordial, relatam
exatamente o mesmo fato, apoiados, inclusive, nos mesmos depoimentos e rol de testemunhas. 5. O
reconhecimento da atipicidade da conduta induz a certeza de que não se voltará a enfrentar nova
persecução penal pelo mesmo fato que ensejou o processo anterior. 6. Na hipótese, imperioso
reconhecer a impossibilidade de nova denúncia, em homenagem a proibição do sistema processual
penal brasileiro à dupla persecução penal. 7. As nuanças trazidas pelo órgão acusador na segunda
exordial, não são aptas à abertura de uma nova persecução penal, pois os efeitos da coisa julgada
devem incidir sobre toda a complexidade fática, independentemente, do acerto ou erro da imputação
apresentada pelo Parquet na primeira oportunidade. 8. A percuciente valoração da tese defensiva
revela o justo pleito do impetrante de proteger o réu do ne bis in idem, ou seja, de uma nova
acusação por fato idêntico, contendo narrativa diversa. 9. (..) (HC 200901248741, MARCO
AURÉLIO BELLIZZE, STJ - QUINTA TURMA, DJE DATA: 26/10/2012)
Assentadas essas premissas, passo à análise do caso concreto, com o registro, desde logo,
que não assiste razão aos acusados.
O cotejo entre a denúncia ora em apreciação (fls. 03/16) e as informações do processo que
tramitou na Espanha (fls. 740/919) permite concluir, sem dúvida, que os fatos atribuídos aos
acusados nos presentes autos são diferentes dos apreciados pela justiça estrangeira.
A denúncia no Brasil versa sobre a promoção ou facilitação, com o intuito de serem
exploradas sexualmente, a partir de março de 2007, da saída de diversas mulheres do território
nacional, dentre as quais Silvanir Lidiane Ferreira, Kátia de Medeiros Rocha, Rossiane Aguiar
Cavalcante, Sandra Maria Medeiros Silva, Amanda Araújo de Oliveira, Maise França Correia da
Costa, Ana Luiza Santos Lúcio, Amanda de Melo Campos e Ângela Maria de Andrade. Também
aborda as condições de trabalho (análogas à de escravo) a que foram submetidas, nos anos de 2007
e 2008, aquelas brasileiras.
O processo no exterior, por seu turno, examinou a entrada ilegal de brasileiras na Espanha e
a exploração da prostituição. As mulheres-vítimas, referidas na sentença espanhola (fl. 868 e 869),
foram Silvanir Lidiane Ferreira, Kátia de Medeiros Rocha, Amanda Araújo de Oliveira, Maise
França Correia da Costa e Ana Luiza Santos Lúcio.
Como visto acima, não bastasse a existência de vítimas diversas na denúncia brasileira
(Rossiane Aguiar Cavalcante, Sandra Maria Medeiros Silva, Amanda de Melo Campos e Ângela
Maria de Andrade), as condutas são distintas, a despeito de ostentarem relação de
complementaridade. O crime de promover ou facilitar, para o fim de prostituição, a saída de
mulheres do Brasil não se confunde (mormente pela diversidade dos bens jurídicos tutelados) com o
de ingresso irregular naquele país europeu. De igual modo, o lenocínio no exterior não traz todos os
caracteres da submissão à condição análoga à de escravo (v.g., ameaças).
Quanto à imputação do cometimento do crime de quadrilha ou bando, como se detalhará
adiante, a pretensão não será acolhida, de modo que é irrelevante examinar se os acusados foram ou
não processados no exterior por idêntico fundamento.
Destarte, não há risco de os acusados serem processados ou punidos duas vezes pelas
mesmas condutas, o que impõe a rejeição da preliminar.

Extraterritorialidade condicionada
Ainda em preliminares, aventou-se a impossibilidade de condenação dos acusados pelo
delito tipificado no art. 149 do Código Penal (Redução à Condição Análoga à de Escravo), por
haver sido cometido o crime integralmente no exterior e porquanto não atendidos os requisitos do
art. 7º, § 2º, do Código Penal, em especial o de ingresso no território nacional. Quanto à acusada
CRISTIANE, todavia, aponta o "Parquet" que ela retornou ao Brasil em julho de 2008 e aqui
permaneceu até setembro de 2009.
De fato, como assente na doutrina4, o ingresso no território nacional, nos casos de
extraterritorialidade condicionada, é condição específica da ação penal, denominada de condição de
procedibilidade, de sorte que sua ausência tem como corolário a impossibilidade de início da
persecução criminal. Contudo, no caso em exame, conquanto parcela da conduta tenha ocorrido
longe do solo pátrio, não se cuida de delito cometido no estrangeiro.
Como relatado na denúncia - e foi comprovado na instrução, consoante exposto abaixo -, as
mulheres-vítimas eram aliciadas no Brasil e já saíam daqui com dívidas, referentes às passagens
aéreas custeadas pelo grupo criminoso. Sob a escusa de que necessitavam quitar integralmente o
débito, tinham sua liberdade de locomoção restringida.
Ou seja, os primeiros atos executórios (aliciamento e imposição de dívidas) ocorriam em
território brasileiro. Nesses momentos já se configurava a lesão ao bem jurídico protegido pelo art.
149 do CP, que, como bem esclarece Rogério Greco, é "a liberdade da vítima, que se vê, dada a sua
redução a condição análoga à de escravo, impedida do seu direito de ir e vir ou mesmo de
permanecer onde queira" (Código Penal Comentado. Niterói: Impetus, 2008, p. 567).
Mais uma vez, iniciou-se a "coisificação" das vítimas - característica da redução à condição
análoga à de escravo, também conhecido como crime de plágio -, com o aliciamento e a imposição
da dívida, no momento da compra das passagens aéreas para viajar até a Espanha, onde elas seriam
submetidas aos trabalhos forçados e às condições degradantes de trabalho. Não se pode esquecer
que a escravidão, na atualidade, apresenta-se principalmente na modalidade de servidão por
dinheiro, situação em que pessoas são atraídas por promessa de trabalho e contraem dívidas com o
empregador para custear despesas com a viagem até o local do trabalho, sendo forçadas a trabalhar
até quitar o débito, como no caso em tela.
Assim, ainda que as vítimas tenham sido submetidas aos trabalhos forçados e às condições
degradantes de trabalho apenas na Espanha, os primeiros atos executórios ocorreram em território
nacional. Mister notar que o aliciamento e o custeio das passagens não constituem atos
preparatórios, mas sim integrantes do "iter criminis", por já ofenderem o bem jurídico tutelado. Em
reforço, colham-se os ensinamentos de Bitencourt5:
"6. Tentativa. Como crime material, admite a tentativa, que se verifica com a prática de atos de
execução, sem chegar à condição humilhante da vítima, por exemplo, quando conhecido infrator
desse tipo penal é preso em flagrante ao conduzir trabalhadores para sua distante fazenda, onde o
serviriam, sem probabilidade de retornar."

Demonstrado, então, que foram praticados atos executórios no território nacional, impõe-se,
em consonância com a teoria da ubiqüidade (CP, art. 6º), fixar como lugar do crime o Brasil,
porquanto aqui ocorreu, ainda que em parte, a ação. Portanto, de extraterritorialidade não se cuida,
de sorte que, irrelevante se os acusados ingressaram ou não no território nacional, desacolho a
preliminar.
Passo ao mérito.
2.1 DO TRÁFICO INTERNACIONAL DE PESSOAS PARA FINS DE EXPLORAÇÃO SEXUAL
O Ministério Público Federal imputou aos réus conduta que se subsumiria à descrita no art.
231 do Código Penal. Entre as várias redações do citado dispositivo, destacam-se as dadas pelas leis
nºs 11.106/2005 e 12.015/2009, sendo essa última a atualmente em vigor, "in verbis":
Lei nº 11.106/2005 (Tráfico internacional de pessoas)

Art. 231. Promover, intermediar ou facilitar a entrada, no território nacional, de pessoa que venha
exercer a prostituição ou a saída de pessoa para exercê-la no estrangeiro: (Redação dada pela Lei nº
11.106, de 2005)
Pena - reclusão, de 3 (três) a 8 (oito) anos, e multa. (Redação dada pela Lei nº 11.106, de 2005)
§ 1º - Se ocorre qualquer das hipóteses do § 1º do art. 227:
Pena - reclusão, de 4 (quatro) a 10 (dez) anos, e multa. (Redação dada pela Lei nº 11.106, de 2005)
§ 2º - Se há emprego de violência, grave ameaça ou fraude, a pena é de reclusão, de 5 (cinco) a 12
(doze) anos, e multa, além da pena correspondente à violência. (Redação dada pela Lei nº 11.106,
de 2005)

Lei nº 12.015/2009 (Tráfico internacional de pessoa para fim de exploração sexual)

Art. 231. Promover ou facilitar a entrada, no território nacional, de alguém que nele venha a
exercer a prostituição ou outra forma de exploração sexual, ou a saída de alguém que vá exercê-la
no estrangeiro. (Redação dada pela Lei nº 12.015, de 2009)
Pena - reclusão, de 3 (três) a 8 (oito) anos. (Redação dada pela Lei nº 12.015, de 2009)
§ 1o Incorre na mesma pena aquele que agenciar, aliciar ou comprar a pessoa traficada, assim
como, tendo conhecimento dessa condição, transportá-la, transferi-la ou alojá-la. (Redação dada
pela Lei nº 12.015, de 2009)
§ 2o A pena é aumentada da metade se: (Redação dada pela Lei nº 12.015, de 2009)
I - a vítima é menor de 18 (dezoito) anos; (Incluído pela Lei nº 12.015, de 2009)
II - a vítima, por enfermidade ou deficiência mental, não tem o necessário discernimento para a
prática do ato; (Incluído pela Lei nº 12.015, de 2009)
III - se o agente é ascendente, padrasto, madrasta, irmão, enteado, cônjuge, companheiro, tutor ou
curador, preceptor ou empregador da vítima, ou se assumiu, por lei ou outra forma, obrigação de
cuidado, proteção ou vigilância; ou (Incluído pela Lei nº 12.015, de 2009)
IV - há emprego de violência, grave ameaça ou fraude. (Incluído pela Lei nº 12.015, de 2009)
§ 3o Se o crime é cometido com o fim de obter vantagem econômica, aplica-se também multa.
(Incluído pela Lei nº 12.015, de 2009)

Embora a nova lei tenha endurecido a repressão ao crime de plágio (v.g., elastecendo o
conceito de intermediador para aquele que transporta ou aloja a vítima), reduziu as penas aplicáveis.
Na redação anterior, à forma qualificada eram cominadas as penas mínima e máxima de 5 (cinco) e
12 (doze) anos, além das correspondentes à violência. Atualmente, já considerado o aumento da
metade pela violência, grave ameaça ou fraude (§2º, IV), os limites são 4,5 (quatro e meio) anos e
12 (doze) anos. Nota-se, portanto, ser o caso de "novatio in mellius" (CP, art. 2º, par. ún.), o que
implica a adoção, na dosimetria, dos novos patamares.
O delito insculpido no art. 231 do Diploma Legal em exame perfaz a conduta do tráfico
internacional de pessoa para fins de exploração sexual. Os objetos podem ser a entrada ou a saída de
pessoa do território nacional com vistas ao exercício da prostituição. O objeto material é a pessoa
prostituída ou a se prostituir. Os objetos jurídicos são a liberdade sexual e a moralidade sexual.
Trata-se de crime comum (aquele que não demanda sujeito ativo qualificado ou especial),
material (delito que exige resultado naturalístico, consistente no efetivo exercício da prostituição) e
comissivo (implica ação). O sujeito passivo é a pessoa traficada. O dolo constitui elemento
subjetivo do tipo, não existindo a forma culposa do crime.
É irrelevante o consentimento da vítima, como bem pontua a jurisprudência:
PENAL. APELAÇÃO CRIMINAL. TRÁFICO INTERNACIONAL DE PESSOAS PARA
EXPLORAÇÃO SEXUAL. TIPICIDADE DOS FATOS NARRADOS. APELAÇÃO DO MPF
PROVIDA. I - (...) VI - A presença do consentimento prévio das mesmas antes da viagem não é
causa suficiente para excluir a responsabilidade dos exploradores, pois ainda que tenham
consciência das atividades que serão exercidas, as mulheres não têm idéia das condições em que a
exercerão e, menos ainda, do valor da dívida que contraem antes de chegar ao destino. VII - Não há
dúvidas a respeito da situação de vulnerabilidade das mulheres arregimentadas. Tinham todas um
grau de instrução baixo e se encontravam em situação de pobreza no Brasil. A vontade de cada uma
era mitigada pela necessidade e por causa dessa necessidade aceitaram ter seu corpo objeto de
exploração sexual. O intuito da lei e do Protocolo Internacional foi proteger aqueles que não tem
como optar pela proteção. VIII - A vulnerabilidade das pessoas traficadas pode ser social,
econômica ou educacional. Em regra, a vulnerabilidade social é o que induz as vítimas a
consentirem com uma das formas de exploração acima enumeradas, porquanto, estas se atraem pela
possibilidade de uma vida melhor e abrem mão de sua liberdade em nome daquele objetivo. Em
decorrência da vulnerabilidade, as vítimas do tráfico de pessoas não se vêem como tal, torna ainda
mais imprescindível a atuação do Estado na prevenção e repressão ao tráfico e assistência às
mesmas. IX - Isto posto, clara a materialidade do delito previsto no artigo 231, caput, do Código
Penal em continuidade delitiva. No entanto, não se observa prova nos autos do cometimento do
crime previsto no artigo 288 do Código Penal (quadrilha ou bando), uma vez que não logrou o
Ministério Público Federal a comprovar a estabilidade do vínculo entre os dois denunciados e
algum terceiro para o fim de cometer crimes. X - A autoria quanto ao crime reconhecido está bem
comprovada. O papel de FERDINANDO BRITO era, mediante pagamento, recrutar, arregimentar e
aliciar as mulheres em território nacional, providenciando, ainda, a documentação necessária à
concessão do visto italiano. Já a MARIANO LORETI cabia suprir a demanda de mulheres das casas
noturnas italianas, agindo da seguinte forma: repassava as fotografias delas enviadas por
FERDINANDO BRITO aos donos dos estabelecimentos onde elas iriam trabalhar - e, após a
escolha desses e o trâmite da documentação do visto no Brasil, promovia a recepção delas naquele
país, encaminhando-as às boates respectivas. XI - Dosimetria da pena pouco acima do mínimo
legal. Pena definitiva para FERDINANDO BRITO fixada em 5 (cinco) anos e 10 (dez) meses de
reclusão. Pena definitiva para MARIANO LORETI fixada em 6 (seis) anos e 8 (oito) meses de
reclusão. XII - Apelação do MPF parcialmente provida. (ACR 00022405420104058400,
Desembargadora Federal Cíntia Menezes Brunetta, TRF5 - Primeira Turma, DJE - Data:
27/03/2014 - Página: 79.)
2.1.1 Da Materialidade
A materialidade do delito está comprovada nos autos. Com efeito, a partir da análise dos
documentos constantes do Inquérito Policial nº 0837/2008 e do conjunto probatório produzido, em
especial os depoimentos prestados à autoridade policial e os depoimentos e interrogatórios perante
este Juízo, resta provado o cometimento do crime, por 6 (seis) vezes, em continuidade delitiva,
conforme detalhado abaixo.
(I) O expediente oriundo da Coordenação Geral de Polícia de Imigração do Departamento
de Polícia Federal (fl. 85 do IPL nº 0837/2008) indica que, em 26.09.2008, a brasileira Ana Luiza
Santos Lúcio saiu do território nacional tendo retornado em 11.01.2009, por motivo de deportação.
Conforme aponta o termo de depoimento prestado por Ana Luiza Santos Lúcio perante a autoridade
policial (fls. 99/102 do IPL nº 0837/2008), corroborado pelo depoimento prestado perante este
Juízo, em 02.11.2013, que se encontra gravado na mídia acostada à fl. 704, a saída do território
nacional tinha por objetivo submeter a brasileira à prostituição na boate Éden, situada na província
de Gerona, na Espanha.
Como atesta o depoimento prestado perante este Juízo, em 02.11.2013, que se encontra
gravado na mídia acostada à fl. 704:
"no trecho com início em 01:50 e término em 02:10, que em 26/09 empreendeu viagem com destino
a Barcelona na Espanha; no trecho com início em 14:32 e término em 14:51, que CRISTIANE foi
na casa dela e lhe ofertou uma proposta de trabalho numa discoteca espanhola; no trecho com início
em 15:20 e término em 15:57, que elas já sabiam o que iam fazer lá, que não foram obrigadas, que
CRISTIANE não as obrigou a viajar que foram porque quiseram; no trecho com início em 16:27 e
término em 17:03, que logo de cara ela não falou que a gente ia para se prostituir, porque ela não
queria que ficassem nervosas, mas sabia o que iam fazer lá, porque ninguém vai para uma boate só
para consumir bebidas, então ela falou que elas iam ficar a vontade, que se quisessem fazer
programas elas fariam"
A saída da brasileira do território nacional para exercer a prostituição na Espanha foi
ocultada sob o falso pretexto de que ia fazer turismo na Europa. Para tanto a vítima foi orientada
sobre como proceder perante as autoridades de imigração, conforme aponta o depoimento prestado
nos presentes autos:
"no trecho com início em 18:29 e término em 19:05, que CRISTIANE lhe deu 500 euros para a
viagem, que o dinheiro era para ser devolvido ao MARIDO DE CRISTIANE quando ela chegasse à
Espanha, que CRISTIANE lhe orientou a como proceder junto a imigração"
Assim sendo, conclui-se que a brasileira Ana Luiza dos Santos Lúcio, sob o falsa aparência
de que ia fazer turismo na Europa, foi traficada do Brasil para a Espanha, onde exerceu a
prostituição na boate Éden, situada na província de Gerona.
(II) No mesmo sentido, o expediente oriundo da Coordenação Geral de Polícia de Imigração
do Departamento de Polícia Federal (fl. 87 do IPL nº 0837/2008) indica que, em 26.09.2008, a
brasileira Kátia de Medeiros Rocha saiu do território nacional, não havendo indicação de quando
tenha retornado. Conforme aponta o termo de depoimento prestado por Kátia de Medeiros Rocha
perante a autoridade policial (fls. 141/143 do IPL nº 0837/2008), corroborado pelo depoimento
prestado perante este Juízo, em 02.11.2013, que se encontra gravado na mídia acostada à fl. 704, a
saída do território nacional tinha por objetivo submeter a brasileira à prostituição na boate Éden,
situada na província de Gerona, na Espanha.
Como atesta o depoimento prestado perante este Juízo, em 02.11.2013, que se encontra
gravado na mídia acostada à fl. 704:
"no trecho com início em 01:25 e término em 01:35, que o convite para ir a Espanha partiu de uma
pessoa chamada CRISTIANE; no trecho com início em 02:14 e término em 02:50, que a proposta
de trabalho era para acompanhar clientes em boates na Espanha durante a noite, que CRISTIANE
chegou a mencionar o trabalho com prostituição mas isso ficaria a critério de cada garota; no trecho
com início em 10:02 e término em 11:16, que se realizasse copa, consistente em influenciar os
clientes ao consumo de bebidas, receberia uma comissão, que quanto aos programas o valor
recebido pelo primeiro programa seria para a casa e os demais para a garota, que em regra não
poderiam ser feitos programas fora do clube a exceção de clientes indicados pelo clube, que
recepcionava os clientes no próprio quarto que estava hospedada; no trecho com início em 12:12 e
término em 12:28, que nos dias de maior movimento fazia cerca de oito a nove programas por
noite"
A saída da brasileira do território nacional para exercer a prostituição na Espanha foi
ocultada sob o falso pretexto de que ia fazer turismo na Europa. Para tanto a vítima foi orientada
sobre como proceder perante as autoridades de imigração, conforme aponta o depoimento prestado
nos presentes autos:
"no trecho com início em 03:12 e término em 03:48, que no dia da viagem CRISTIANE deu a ela e
a Ana Luiza a quantia de 500 euros para cada, que esse dinheiro seria para sustentar a história na
imigração de que iam fazer turismo na Espanha"
Deste modo, conclui-se que a brasileira Kátia de Medeiros Rocha, sob a falsa aparência de
que ia fazer turismo na Europa, foi traficada do Brasil para a Espanha, onde exerceu a prostituição
na boate Éden, situada na província de Gerona.
(III) De modo semelhante, foi promovida a saída do território nacional da brasileira Ângela
Maria de Andrade para exercer a prostituição na Espanha durante o período de 05 (cinco) meses.
Perante a autoridade policial (fls. 17/20 do IPL nº 0837/2008), Ângela Maria de Andrade
declarou:
"que foi para a Espanha em 06/03/2007, acompanhada da amiga de nome Amanda de Melo Campos
(...), que permaneceu na Espanha durante o período de cinco meses(...), que nos três primeiros
meses morou no clube "ECLIPSE", que logo após morou no clube "EL EDEN", durante
aproximadamente um mês e meio(...), que o dinheiro do primeiro programa era do clube, que se
fizesse algum programa a mais ficava com o dinheiro do cliente".
Como atesta o depoimento prestado perante este Juízo, em 03.11.2013, que se encontra
gravado na mídia acostada à fl. 720v:
"no trecho com início em 00:40 e término em 00:45, que confirma o teor dos depoimentos
prestados perante a Polícia Federal de fls. 17/20 e 74/76 do Inquérito Policial".

A saída da brasileira do território nacional para exercer a prostituição na Espanha foi


ocultada sob o falso pretexto de que ia fazer turismo na Europa. Para tanto a vítima foi orientada
sobre como proceder perante as autoridades de imigração, conforme aponta o depoimento prestado
no Inquérito Policial (fls. 17/20) e confirmado em Juízo:
"que CÍNTHIA disse que as malas não poderiam ser grandes, para não chamar muita atenção
quando chegassem na Espanha e para não demonstrar que permaneceriam muito tempo naquele
país, que a quantia dada pela CÍNTHIA era para demonstrar que as duas garotas possuíam dinheiro
no momento do desembarque, que CÍNTHIA orientou as duas garotas para falarem aos agentes de
imigração que o sonho delas era conhecer a Espanha e por isso estavam visitando o país como
turistas"
Deste modo, conclui-se que a brasileira Ângela Maria de Andrade, sob a falsa aparência de
que ia fazer turismo na Europa, foi traficada do Brasil para a Espanha, onde exerceu a prostituição
nas boates Eclipse e El Éden.
(IV) No mesmo sentido, Amanda de Melo Campos em depoimento perante a autoridade
policial (fls. 13/16 do IPL nº 0837/2008) declarou:
"que foi para a Espanha em 07/03/2007, acompanhada da garota Ângela Maria de Andrade (...), que
durante os cinco primeiros meses morou em dois clubes, o primeiro de nome EL EDEN, enquanto o
segundo era chamado de ECLIPSE NIGHT CLUB, que durante a permanência nos dois clubes
Ângela Maria também morava junto com a depoente; que referidos clubes exploravam a
prostituição (...), que CÍNTHIA também orientou a depoente para dizer, quando desembarcasse na
Espanha, que estava naquele país para fazer turismo".
O depoimento prestado por Ângela Maria de Andrade perante este Juízo, em 03.11.2013,
que se encontra gravado na mídia acostada à fl. 720v, por sua vez, indica:
"no trecho com início em 00:40 e término em 00:45, que confirma o teor dos depoimentos
prestados perante a Polícia Federal de fls. 17/20 e 74/76 do Inquérito Policial".

Perante a autoridade policial (fls. 17/20 do IPL nº 0837/2008), Ângela Maria de Andrade
declarou:
"que foi para a Espanha em 06/03/2007, acompanhada da amiga de nome Amanda de Melo
Campos, que no mês de Janeiro de 207 conheceu a mulher chamada por CÍNTHIA em Mossoró(...),
que CÍNTHIA recebeu dinheiro de ROSSE e conseguiu a emissão dos passaportes da depoente e de
AMANDA, reserva de hotel, deu quatrocentos e setenta euros para cada uma e deu dinheiro para
comprar duas malas (...), que o dinheiro do primeiro programa era do clube, que se fizesse algum
programa a mais ficava com o dinheiro do cliente".
Mister concluir, portanto, que a brasileira Amanda de Melo Campos, sob a falsa aparência
de que ia fazer turismo na Europa, foi traficada do Brasil para a Espanha, onde exerceu a
prostituição nas boates Eclipse e El Éden. Destaque-se que não se trata de convicção formada
exclusivamente nos elementos informativos colhidos na investigação, o que encontraria óbice no
art. 155 do CPP, porquanto o tráfico da vítima em questão foi apontado pela testemunha Ângela
Maria de Andrade, consoante depoimento prestado em juízo sob o crivo do contraditório.
(V) Igualmente, o expediente oriundo da Coordenação Geral de Polícia de Imigração do
Departamento de Polícia Federal (fl. 78 do IPL nº 0837/2008) indica que, em 08.10.2008, a
brasileira Maíse França Correia da Costa saiu do território nacional, retornando em 28.10.2008.
Conforme aponta o termo de depoimento prestado por Maíse França Correia da Costa perante a
autoridade policial (fls. 97/98 do IPL nº 0837/2008), corroborado pelo depoimento prestado perante
este Juízo, em 03.11.2013, que se encontra gravado na mídia acostada à fl. 720v, a saída do
território nacional tinha por objetivo submeter a brasileira à prostituição na boate El Éden, situada
na província de Gerona, na Espanha.
Como atesta o depoimento prestado perante este Juízo, em 03.11.2013, que se encontra
gravado na mídia acostada à fl. 720v:
"no trecho com início em 01:14 e término em 01:20, que foi à Espanha a convite de uma brasileira
chamada CRISTIANE; no trecho com início em 15:32 e término em 15:36, que CRISTIANE
deixou ciente de que ia trabalhar em casas noturnas"
A saída da brasileira do território nacional para exercer a prostituição na Espanha foi
ocultada sob o falso pretexto de que ia fazer turismo na Europa. Para tanto a vítima foi orientada
sobre como proceder perante as autoridades de imigração, conforme aponta o depoimento prestado
nos presentes autos:
"no trecho com início em 06:05 e término em 06:15, que CRISTIANE lhe orientou de como se
portar diante dos funcionários da imigração"
Deste modo, conclui-se que a brasileira Maíse França Correia da Costa, sob a falsa
aparência de que ia fazer turismo na Europa, foi traficada do Brasil para a Espanha, onde exerceu a
prostituição na boate Éden, situada na província de Gerona.
(VI) Por sua vez, Silvanir Lidiane Ferreira em depoimento perante a autoridade policial (fls.
123/127 do IPL nº 0837/2008) declarou:
"que no mês de novembro do ano de 2008, realizou viagem com destino a Barcelona, que realizou
essa viagem em companhia de sua amiga MAIZE a qual tinha a mesma finalidade de trabalho, em
um "night club" na Catalúnia (...),que CRISTIANE falou que o trabalho se trataria de prostituição
(...) que recebeu das mãos de CRISTIANE passagem internacional, seguro-saúde, reserva em hotel
e 500 (quinhentos) euros, que é do seu conhecimento que MAIZE também recebeu da mesma
forma, que os 500 (quinhentos) euros fornecidos deveriam ser utilizados para sustentar uma falsa
finalidade de estadia na Espanha, caso as autoridades de imigração perguntassem".
O depoimento prestado por Maíse França Correia da Costa perante este Juízo, em
03.11.2013, que se encontra gravado na mídia acostada à fl. 720v, por sua vez, indica:
"no trecho com início em 01:14 e término em 01:20, que foi à Espanha a convite de uma brasileira
chamada CRISTIANE; no trecho com início em 06:23 e término em 06:26, que viajou juntamente
com Lidiane."

Mister concluir, portanto, que a brasileira Silvanir Lidiane Ferreira, sob a falsa aparência de
que ia fazer turismo na Europa, foi traficada do Brasil para a Espanha, onde exerceu a prostituição
na boate El Éden, situada na província de Gerona. Destaque-se que não se trata de convicção
formada exclusivamente nos elementos informativos colhidos na investigação, o que encontraria
óbice no art. 155 do CPP, porquanto o tráfico da vítima em questão foi apontado pela testemunha
Maíse França Correia da Costa, consoante depoimento prestado em juízo sob o crivo do
contraditório.
Em síntese, as brasileiras (I) Ana Luiza dos Santos Lúcio, (II) Kátia de Medeiros Rocha,
(III) Ângela Maria de Andrade, (IV) Amanda de Melo Campos, (V) Maíse França Correia da Costa
e (VI) Silvanir Lidiane Ferreira, nos anos de 2007 e 2008, tiveram sua saída do território nacional
promovida (por meio de convites e com o pagamento de passagens aéreas e/ou antecipação de
dinheiro, a ser apresentado perante a imigração) com o intuito de exercer a prostituição na Espanha,
o que efetivamente ocorreu. É irrelevante, na linha da jurisprudência transcrita anteriormente, se as
referidas pessoas já se prostituíam anteriormente ou se tinham conhecimento de que exerceriam tal
atividade no exterior.
Destaque-se que os clubes EL EDEN e ECLIPSE, casas de prostituição, funcionavam como
verdadeiras empresas que prestam serviços ou expõem à venda um produto qualquer, visto que
tarifavam o preço do programa sexual, estipulando inclusive o tempo máximo que cada garota
deveria permanecer com o cliente, como frisado por Ângela Maria de Andrade (fls. 17/20 do IPL nº
0837/2008) em seu depoimento prestado perante a Polícia Federal, o qual foi ratificado em Juízo,
conforme depoimento gravado na mídia acostada à fl. 720v:
"que cada programa custava sessenta e quatro euros e durava trinta minutos, que o dinheiro do
primeiro programa era do clube, que se fizesse algum programa a mais ficava com o dinheiro do
cliente, que todo programa custava sessenta e quatro euros obrigatoriamente".
Cumpre ressaltar que o crime de tráfico de mulheres foi cometido mediante fraude, posto
que, conforme restou demonstrado nos autos, as vítimas aliciadas ao aderirem à proposta de
trabalho nas boates EDEN e ECLIPSE não sabiam o valor da dívida contraída, tampouco que teriam
que arcar com valores diários para custear sua estadia e alimentação no local de trabalho.
Neste sentido, indica o depoimento prestado por Maíse França Correia da Costa perante este
Juízo, em 03.11.2013, que se encontra gravado na mídia acostada à fl. 720v, por sua vez, indica:
"no trecho com início em 20:26 e término em 20:28, que a dívida era de dois mil e quinhentos
euros; no trecho com início em 20:46 e término em 20:50, que quando saiu do Brasil sabia que tinha
uma dívida mas não sabia que era tão grande; no trecho com início em 21:10 e término em 22:10,
que tinha um controle que ela fazia da dívida, mas que todo dia era um valor diferente pois tinham
multas se conseguisse trabalhar ou não, que as multas eram aplicadas em caso de atraso ou negativa
de trabalho."
De igual modo, Ângela Maria de Andrade (fls. 17/20 do IPL nº 0837/2008) em seu
depoimento prestado perante a Polícia Federal, o qual foi ratificado em Juízo, conforme depoimento
gravado na mídia acostada à fl. 720v, afirmou:
"que suas passagens aéreas de ida e volta custaram o valor de novecentos e setenta e sete euros; que
perguntou a CINTHIA se pagaria apenas esse valor ao Sr. ROSSE, quando esta disse que pagaria
pouca coisa a mais; que quando chegou a Espanha foi comunicada pelo Sr. ROSSE que a dívida de
cada uma era de dois mil e quinhentos euros; que ele não explicou o motivo daquele valor tão alto;
que ROSSE disse que cada garota deveria pagar o valor de sessenta e quatro euros por dia para
trabalharem nos clubes".
Em face do exposto, patente a fraude em detrimento das vítimas, incide na presente
demanda a causa de aumento prevista no art. 231, § 2º, IV, do Código Penal. Como o crime foi
cometido com o fim de obter vantagem econômica, aplica-se igualmente a multa do §3º do mesmo
dispositivo.
Quanto às demais supostas vítimas traficadas, não foi possível, com os elementos presentes
nos autos (mormente aqueles produzidos sob o crivo do contraditório judicial), concluir pela
ocorrência da conduta delituosa em análise.
Resta, assim, devidamente comprovada, por seis vezes, a materialidade do crime tipificado
pelo art. 231, §§2º e 3º, do Código Penal.

2.1.2 Da Autoria

JOSE MORENO GOMEZ


Os depoimentos perante a autoridade policial, bem como os depoimentos e interrogatórios
prestados em Juízo, revelam que JOSE MORENO GOMEZ concorreu, por seis vezes, para o crime
de tráfico internacional de pessoas para fins de exploração sexual, cometido mediante fraude.
É importante frisar que o acusado, na condição de proprietário dos clubes EL EDEN e
ECLIPSE, financiava a viagem de mulheres brasileiras para exercerem a prostituição nas boates de
sua propriedade, situadas na província de Gerona na Espanha.
Neste sentido, a testemunha Ana Luiza Santos Lúcio, em depoimento prestado perante este
Juízo, em 02.11.2013, que se encontra gravado na mídia acostada à fl. 704, afirmou:
"no trecho com início em 02:49 e término em 03:10, que teve suas despesas de viagem custeadas
pelo empresário espanhol chamado "ROSSE" dono dos clubes ECLIPSE e EDEN; no trecho com
início em 13:04 e término em 13:14, que o dinheiro para viagem foi enviado por uma brasileira de
nome CRISTIANE"
Do mesmo modo, a testemunha Ângela Maria de Andrade, perante a autoridade policial (fls.
17/20 do IPL nº 0837/2008), declarou:
"que CÍNTHIA disse a depoente que esta deveria ir para a Espanha, pois lá era muito bom de
ganhar dinheiro (...), que CÍNTHIA disse que falaria com seus amigos espanhóis que estes
mandariam dinheiro para a ida da depoente àquele país (...), que CÍNTHIA recebeu dinheiro de
ROSSE e conseguiu a emissão dos passaportes da depoente e de AMANDA, reserva de hotel, deu
quatrocentos e setenta euros para cada uma e deu dinheiro para comprar duas malas (...), que
quando chegou na Espanha foi comunicada pelo Sr. ROSSE que a dívida era de dois mil e
quinhentos euros".
Como atesta o depoimento prestado perante este Juízo, em 03.11.2013, que se encontra
gravado na mídia acostada à fl. 720v:
"no trecho com início em 00:40 e término em 00:45, que confirma o teor dos depoimentos prestados
perante a Polícia Federal de fls. 17/20 e 74/76 do Inquérito Policial".

Amanda de Melo Campos em depoimento perante a autoridade policial (fls. 13/16 do IPL nº
0837/2008) declarou:
"que CÍNTHIA disse para Angela que se esta desejasse ir até a Espanha trabalhar em um clube que
explorava a prostituição, poderia "facilitar as coisas", que CÍNTHIA disse que conhecia o dono de
um clube, chamado por ROSSE, e que este enviaria dinheiro para as passagens e hospedagem"
Importante notar que os esclarecimentos prestados perante a autoridade policial são
corroborados pelos depoimentos colhidos em juízo. Ainda, que as transcrições acima mencionam o
nome "ROSSE", que vem a ser a forma como se pronuncia "JOSE" na língua espanhola.
O acusado CEFERINO VALERO GONZALEZ (FINO) em depoimento perante este Juízo,
em 03.11.2013, que se encontra gravado na mídia acostada à fl. 720v, afirmou:
"no trecho com início em 03:00 e término em 03:15, que trabalhou nas boates ECLIPSE e EL
EDEN e que o dono das boates era o Sr. JOSE MORENO; no trecho com início em 03:00 e término
em 03:15, que foi pegar algumas brasileiras no aeroporto mas não sabem quem as convidava a
trabalhar no clube."
Por outro lado, o réu JOSE MORENO GOMEZ em depoimento perante este Juízo, em
03.11.2013, que se encontra gravado na mídia acostada à fl. 720v, afirmou:
"no trecho com início em 00:40 e término em 01:10, que é dono das boates ECLIPSE e EL EDEN
em Gerona, na Espanha; no trecho com início em 10:10 e término em 10:45, que as garotas que
freqüentavam o hotel, se hospedavam ali com em um hotel qualquer, que nesse espaço tinha uma
discoteca em baixo, onde eles fazem shows para clientes e que as garotas podiam ficar em baixo
consumindo com os clientes e subir aos quartos para fazer programa e que eles tinham licença das
autoridades para trabalhar com prostituição como qualquer lugar; no trecho com início em 11:25 e
término em 11:30, que existem garotas de todas as partes do mundo; no trecho com início em 14:25
e término em 14:35, que ele nunca tratou de convidar ninguém que as pessoas vem através de
amigas que trabalham lá; no trecho com início em 16:20 e término em 16:35, que sobre a compra
das passagens ele nunca participou que elas iam por conta própria; no trecho com início em 24:52 e
término em 25:25, que cobra das mulheres que freqüentam, que funciona como um hotel, que elas
tem que pagar diária porque tomam café, almoçam e jantam, que as obriga a pagar a diária, nada
mais, que não estão como presas que tem livre arbítrio para sair e para entrar que no dia que não
querem trabalhar não as obriga a descer; no trecho com início em 29:35 e término em 29:45, que o
passaporte é pedido às garotas unicamente para fazer uma cópia e informar às autoridades e em
seguida devolvido às mesmas; no trecho com início em 39:13 e término em 39:17, que as mulheres
não eram vigiadas; no trecho com início em 43:08 e término em 43:20, que as garotas
eventualmente uma foi embora devendo alguma coisa a mas unicamente a título de diária; no trecho
com início em 01:05 (parte dois) e término em 01:25 (parte dois), que no caso de alguma garota que
se foi sem pagar ele pessoalmente nunca mandou cobrar, mas quando uma garota passava dois, três
dias sem pagar ele já avisava que ou trabalhasse para pagar ou fosse embora."
O acusado, mesmo sendo o dono das boates onde as brasileiras traficadas exerciam a
prostituição na Espanha e apontado como financiador das despesas com locomoção das brasileiras
para os clubes, insiste, em seu interrogatório, em negar a participação no crime, atribuindo os fatos
exclusivamente às vítimas traficadas que, segundo o acusado, se apresentavam espontaneamente
para trabalhar no local, tese esta reforçada em suas alegações finais (fls. 1136/1150).
No entanto, a tese da defesa não encontra respaldo nos depoimentos transcritos acima,
colhidos em juízo e na esfera policial, que atribuíram de forma veemente ao acusado a participação
no tráfico de mulheres brasileiras para exploração sexual nos clubes de sua propriedade, na
Espanha. Tal fato é corroborado pelo depoimento do acusado CEFERINO VALERO GONZALEZ
(FINO) que afirmou que pegava as mulheres no aeroporto e levava até os clubes.
A defesa alega (fls. 1136/1150) que o acusado, exerce legalmente sua atividade empresarial
em estrito cumprimento à legislação local, que as boates têm administradores, que as normas
trabalhistas são respeitadas e que os trabalhadores se apresentam de forma espontânea para
trabalhar no local, sendo certo que se existiu algum excesso ou atitude não condizente com o
regular funcionamento do estabelecimento, tal fato não pode ser imputado ao acusado, posto que a
legislação penal exige que a conduta seja realizada de maneira dolosa.
Verifica-se, no entanto, que o conjunto probatório produzido nos autos aponta que o
acusado não só tinha conhecimento do tráfico de mulheres para trabalhar nos clubes de sua
propriedade como providenciou a reunião das condições necessárias para assegurar que as mulheres
não fugissem do local antes de quitar todas as dívidas oriundas da aquisição das passagens aéreas
usadas pelas vítimas e financiadas pelo acusado. Mais uma vez, como bem esclarecido pelas
testemunhas Ângela Maria de Andrade e Amanda de Melo Campos, o dinheiro era oriundo de
"ROSSE", ou seja, de JOSE MORENO.
Diante do exposto, é possível concluir que JOSE MORENO GOMEZ concorreu, por seis
vezes, para os crimes descritos no tópico materialidade.
A atuação não pode ser tida como de menor importância, haja vista que o acusado é quem
financiava a compra das passagens aéreas das vítimas para depois cobrar que a dívida contraída
fosse paga com a atividade de prostituição exercidas nas boates de sua propriedade.

CEFERINO VALERO GONZALEZ (FINO)

Pela denúncia, o Sr. CEFERINO VALERO GONZALEZ (FINO) seria uma espécie de braço
direito do proprietário dos clubes EL EDEN e ECLIPSE e figuraria como um dos principais
articuladores do tráfico internacional de pessoas para fins de exploração sexual. De fato,
compulsando os autos, em especial as oitiva das testemunhas, é possível verificar que o acusado
possuía atuação destacada no crime em questão. Era o responsável pela logística para recepção no
exterior das mulheres traficadas e pelo recebimento na Espanha dos valores entregues às vítimas no
Brasil que serviriam para sustentar a falsa informação, junto às autoridades de imigração, de que
viajavam para fazer turismo.
Merece destaque o fato de o acusado CEFERINO VALERO GONZALEZ (FINO) ser
apontado como autor das ameaças dirigidas às vítimas caso fugissem dos clubes sem pagar as
dívidas que tinham adquirido com o grupo criminoso.
Neste sentido, a testemunha Ana Luiza Santos Lúcio, em depoimento prestado perante este
Juízo, em 02.11.2013, que se encontra gravado na mídia acostada à fl. 704, afirmou:
"no trecho com início em 18:29 e término em 18:32, que CRISTIANE lhe deu 500 euros para a
viagem; no trecho com início em 18:35 e término em 18:45, que o dinheiro era para ser devolvido
ao marido de CRISTIANE quando chegassem à Espanha; no trecho com início em 19:40 e término
em 19:45, que o marido de CRISTIANE, conhecido por FINO, chegou ao hotel e as levou ao clube
EDEN"
Do mesmo modo, a testemunha Kátia de Medeiros Rocha, em depoimento prestado perante
este Juízo, em 02.11.2013, que se encontra gravado na mídia acostada à fl. 704, afirmou:
"no trecho com início em 05:58 e término em 06:25, que no aeroporto manteve contato com o
marido de CRISTIANE, que foi orientado por FINO a ir de taxi até o hotel onde havia reserva; no
trecho com início em 07:00 e término em 07:12, que FINO levou ela e Ana Luíza até uma boate nas
proximidades de Gerona"

Por sua vez, a testemunha Ângela Maria de Andrade, conforme atesta o depoimento
prestado perante este Juízo, em 03.11.2013, que se encontra gravado na mídia acostada à fl. 720v,
declarou:
"no trecho com início em 02:55 e término em 03:10, que o Sr. FINO era responsável pelo clube,
tomava conta do dinheiro, ia lá ver se estavam trabalhando; no trecho com início em 03:56 e
término em 03:59, que confirma que recebeu ameaças do Sr. FINO que falava que se as meninas
fugissem sem pagar seriam mortas, mesmo aqui no Brasil; no trecho com início em 04:16 e término
em 04:20, que sempre ele avisava que se uma das garotas fugissem ele vinha aqui matar; no trecho
com início em 04:38 e término em 04:47, que em conversas com a gente e com as meninas se uma
falasse que queria ir embora ou alguma coisa assim ele dizia que tinha que pagar a dívida se sair
sem pagar a dívida a gente vai matar".

Por outro lado, o réu CEFERINO VALERO GONZALEZ (FINO), em depoimento perante
este Juízo, em 03.11.2013, que se encontra gravado na mídia acostada à fl. 720V, afirmou:
"no trecho com início em 03:00 e término em 03:15, que trabalhou nas boates ECLIPSE e EL
EDEN e que o dono das boates era o Sr. JOSE MORENO; no trecho com início em 03:00 e término
em 03:15, que foi pegar algumas brasileiras no aeroporto mas não sabem quem as convidava a
trabalhar no clube; no trecho com início em 12:15 e término em 12:20, que na sua vida não
ameaçou ninguém; no trecho com início em 13:05 e término em 13:10, que não é certo que tenha
ameaçado Ângela Maria em caso de fugir da Espanha."
Frise-se que o acusado assume que levava as brasileiras traficadas do aeroporto até os clubes
ECLIPSE e EL EDEN. No entanto, mesmo tendo trabalhando nas boates onde as brasileiras
traficadas exerciam a prostituição na Espanha e sendo apontado como braço direito do proprietário
das boates e pessoa que ameaçava as brasileiras em caso de fuga, insiste em negar a participação no
crime, tese esta reforçada em suas alegações finais (fls. 1106/1115). A tese da defesa não encontra
respaldo nos depoimentos transcritos acima, colhidos em juízo e na esfera policial, que atribuíram
de forma veemente ao acusado a participação no tráfico de mulheres brasileiras para exploração
sexual nos clubes EL EDEN e ECLIPSE, na Espanha.
A defesa alega (fls. 1106/1115) que o acusado, era apenas um empregado das boates, não
tendo conhecimento da prática de qualquer crime em relação às mulheres que trabalhavam nos
clubes. Do mais, alega que não existem provas aptas a embasar um pleito condenatório
Verifica-se, no entanto, que o conjunto probatório produzido nos autos aponta que o acusado
não só tinha conhecimento do tráfico de mulheres para trabalhar nos clubes em que trabalhava
como era responsável pela logística de recepção das mulheres na Espanha, agindo em inteira
consonância com sua companheira CRISTIANE FERREIRA DA SILVA TINOCO que aliciava as
vítimas no Brasil. Do mais, restou evidenciado que o acusado se encarregava de proferir ameaças de
morte para intimidar as vítimas para assegurar que as mulheres não fugissem do local antes de
quitar todas as dívidas oriundas da aquisição das passagens aéreas usadas para chegar aos clubes.
Diante do exposto, é possível concluir que CEFERINO VALERO GONZALEZ (FINO)
concorreu, por seis vezes, para os crimes descritos no tópico materialidade.
A atuação do acusado não pode ser tida como de menor importância, haja vista que a ação
do réu era fundamental para que as mulheres traficadas, ao desembarcar na Espanha, fossem
imediatamente levadas às boates ECLIPSE e EL EDEN para exercer a prostituição, onde eram
constantemente ameaçadas pelo acusado caso tentassem fugir sem pagar as dívidas contraídas junto
à organização criminosa.

CRISTIANE FERREIRA DA SILVA TINOCO


Pela denúncia, CRISTIANE FERREIRA DA SILVA TINOCO, com quem o acusado
CEFERINO VALERO GONZALEZ (FINO) possui relacionamento amoroso, tem destacada
atuação no grupo criminoso na qualidade de principal captadora de mulheres no Estado do Rio
Grande do Norte (Brasil) para serem vitimadas pelo tráfico internacional de pessoas para fins de
exploração sexual. De fato, compulsando os autos, em especial a oitiva das testemunhas, é possível
verificar que a acusada possuía atuação destacada no crime em questão, sendo responsável pelo
aliciamento das mulheres no Brasil e pela orientação de como as mulheres traficadas deveriam agir
perante as autoridades de imigração na Espanha.
Neste sentido, a testemunha Ana Luiza Santos Lúcio, conforme depoimento prestado
perante este Juízo, em 02.11.2013, que se encontra gravado na mídia acostada à fl. 704, afirmou:
"no trecho com início em 01:50 e término em 02:10, que em 26/09 empreendeu viagem com destino
a Barcelona na Espanha; no trecho com início em 02:49 e término em 03:10, que teve suas despesas
de viagem custeadas pelo empresário espanhol chamado "ROSSE" dono dos clubes Eclipse e Éden;
no trecho com início em 13:04 e término em 13:14, que o dinheiro para viagem foi enviado por uma
brasileira de nome CRISTIANE; no trecho com início em 14:32 e término em 14:51, que
CRISTIANE foi na casa dela e lhe ofertou uma proposta de trabalho numa discoteca espanhola; no
trecho com início em 18:29 e término em 19:05, que CRISTIANE lhe deu 500 euros para a viagem,
que o dinheiro era para ser devolvido ao MARIDO DE CRISTIANE quando ela chegasse à
Espanha, que CRISTIANE lhe orientou a como proceder junto a imigração."
Do mesmo modo, a testemunha Kátia de Medeiros Rocha, conforme depoimento prestado
perante este Juízo, em 02.11.2013, que se encontra gravado na mídia acostada à fl. 704, declarou:
"no trecho com início em 01:25 e término em 01:35, que o convite para ir a Espanha partiu de uma
pessoa chamada CRISTIANE; no trecho com início em 02:14 e término em 02:50, que a proposta
de trabalho era para acompanhar clientes em boates na Espanha durante a noite, que CRISTIANE
chegou a mencionar o trabalho com prostituição mas isso ficaria a critério de cada garota; no trecho
com início em 02:55 e término em 03:11, que os gastos da viagem com exceção do passaporte
foram custeados por CRISTIANE; no trecho com início em 03:12 e término em 03:48, que no dia
da viagem CRISTIANE deu a ela e a Ana Luiza a quantia de 500 euros para cada, que esse dinheiro
seria para sustentar a história na imigração de que iam fazer turismo na Espanha; no trecho com
início em 12:12 e término em 12:28, que nos dias de maior movimento fazia cerca de oito a nove
programas por noite"

Por sua vez, a testemunha Maise França Correia da Costa, conforme atesta o depoimento
prestado perante este Juízo, em 03.11.2013, que se encontra gravado na mídia acostada à fl. 720v,
declarou:
"no trecho com início em 01:14 e término em 01:20, que foi à Espanha a convite de uma brasileira
chamada CRISTIANE; no trecho com início em 05:20 e término em 05:21, que foi CRISTIANE
que deu o dinheiro para viajar à Espanha; no trecho com início em 06:05 e término em 06:15, que
CRISTIANE lhe orientou de como se portar diante dos funcionários da imigração; no trecho com
início em 15:32 e término em 15:36, que CRISTIANE deixou ciente de que ia trabalhar em casas
noturnas"
Por fim, Silvanir Lidiane Ferreira em depoimento perante a autoridade policial (fls. 123/127
do IPL nº 0837/2008) declarou:
"que no mês de novembro do ano de 2008, realizou viagem com destino a Barcelona, que realizou
essa viagem em companhia de sua amiga MAIZE a qual tinha a mesma finalidade de trabalho, em
um "night club" na Catalúnia (...), que uma pessoa chamada CRISTINA ou CRISTIANE teria
enviado quatro brasileiras a este mesmo destino (...), que CRISTIANE falou que o trabalho se
trataria de prostituição (...), que todas as despesas da viagem internacional foram financiadas
através de CRISTIANE, que recebeu das mãos de CRISTIANE passagem internacional, seguro-
saúde, reserva em hotel e 500 (quinhentos) euros, que é do seu conhecimento que MAIZE também
recebeu da mesma forma, que os 500 (quinhentos) euros fornecidos deveriam ser utilizados para
sustentar uma falsa finalidade de estadia na Espanha, caso as autoridades de imigração
perguntassem".
O depoimento prestado por Maíse França Correia da Costa perante este Juízo, em
03.11.2013, que se encontra gravado na mídia acostada à fl. 720v, por sua vez, indica:
"no trecho com início em 01:14 e término em 01:20, que foi à Espanha a convite de uma brasileira
chamada CRISTIANE; no trecho com início em 05:20 e término em 05:21, que foi CRISTIANE
que deu o dinheiro para viajar à Espanha; no trecho com início em 06:23 e término em 06:26, que
viajou juntamente com Lidiane; no trecho com início em 15:32 e término em 15:36, que
CRISTIANE deixou ciente de que ia trabalhar em casas noturnas."

Mister concluir, portanto, que a acusada também teve participação na saída do território
nacional da brasileira Silvanir Lidiane Ferreira para exercer a prostituição na Espanha. Destaque-se
que não se trata de convicção formada exclusivamente nos elementos informativos colhidos na
investigação, o que encontraria óbice no art. 155 do CPP, porquanto o tráfico da vítima em questão
foi apontado pela testemunha Maíse França Correia da Costa, consoante depoimento prestado em
juízo sob o crivo do contraditório.
Por outro lado, a ré CRISTIANE FERREIRA DA SILVA TINOCO, em depoimento perante
este Juízo, em 03.11.2013, que se encontra gravado na mídia acostada à fl. 720V, afirmou:
"no trecho com início em 03:25 e término em 03:30, que saiba nenhuma brasileira exercia
prostituição nos clubes; no trecho com início em 04:20 e término em 04:23, que não sabe quem
convidava as brasileiras a ir ao clube; no trecho com início em 05:15 e término em 05:23, que não
convidou mas ajudou duas amigas a ir trabalhar na Espanha; no trecho com início em 06:40 e
término em 06:50, que as garotas não tinham uma dívida de dois mil e quinhentos euros com Jose
Moreno"
A acusada nega qualquer participação nos fatos a ela atribuídos, bem como, que tinha
ciência de qualquer atividade relacionada à prostituição nos clubes ECLIPSE e EL EDEN, tese
reforçada em suas alegações finais (fls. 1106/1115). No entanto, a tese da defesa não encontra
respaldo nos depoimentos transcritos acima, colhidos em juízo e na esfera policial, que atribuíram
de forma veemente à acusada a participação no tráfico de mulheres brasileiras para exploração
sexual nos clubes EL EDEN e ECLIPSE, na Espanha.
O conjunto probatório produzido nos autos aponta que a acusada não só tinha conhecimento
do tráfico de mulheres para trabalhar nos clubes da Espanha como era a principal responsável pelo
aliciamento de mulheres para se prostituir no exterior. Do mais, restou evidenciado que a acusada é
quem entregava (a mando de outras pessoas da quadrilha) às vítimas as passagens aéreas para a
viagem, bem como dinheiro para sustentar a falsa alegação de que iam fazer turismo na Espanha.
Diante do exposto, é possível concluir que CRISTIANE FERREIRA DA SILVA TINOCO
concorreu, por seis vezes, para os crimes descritos no tópico materialidade.
A atuação da acusada não pode ser tida como de menor importância: ela era quem aliciava
as vítimas brasileiras para exercer a prostituição nas boates ECLIPSE e EL EDEN até que
conseguissem pagar as dívidas contraídas junto à organização criminosa.

JOSE MANUEL CAEIRO OTERO e ABRAHAM SOLER FRANCH


Os acusados JOSE MANUEL CAEIRO OTERO e ABRAHAM SOLER FRANCH foram
apontados pelo MPF como gerentes das boates EL EDEN e ECLIPSE. Nas alegações finais, em
relação ao acusado JOSE MANUEL CAEIRO OTERO, afirma (fl. 1097) a acusação que foi
reconhecido pelas vítimas nos depoimentos em juízo como o "barman" e o responsável por
recepcioná-las na boate, bem como por repassar-lhes as informações atinentes à rotina do clube.
Quanto a ABRAHAM SOLER FRANCH, entende o "parquet" que o acusado se mostrou alheio à
prática criminosa (fl. 1102).
Contudo, em relação aos dois acusados, os elementos presentes nos autos não permitem
concluir pela procedência da pretensão condenatória quanto ao crime em análise. Apenas restou
provado (e isso tão-só para JOSE MANUEL) que o papel era o tipicamente desempenhado por
empregados em estabelecimentos daquela espécie.
Não há comprovação de que os dois acusados tenham, de alguma forma, contribuído para o
tráfico de mulheres. Diferentemente do que ocorreu em relação aos acusados JOSE MORENO
GOMEZ, CEFERINO VALERO GONZALEZ e CRISTIANE FERREIRA DA SILVA TINOCO
(proprietário das boates e financiador das viagens, seu braço direito e peça chave na prostituição
forçada e a principal aliciadora, respectivamente), aqui, se algo restou provado, foi apenas a
vinculação como empregados.
Assim, impõe-se, por ausência de provas de participação na empreitada criminosa (CPP, art.
386, V), a absolvição.

2.1.3 Da análise estrutural dos crimes


No tocante aos crimes de tráfico internacional de pessoas para fins de exploração sexual,
mediante fraude, as condutas dos acusados (JOSE MORENO GOMEZ, CEFERINO VALERO
GONZALEZ e CRISTIANE FERREIRA DA SILVA TINOCO) são típicas, no sentido formal,
correspondendo perfeitamente ao tipo penal transcrito alhures, haja vista que eles promoveram a
saída do território nacional de brasileiras que foram exercer a prostituição na Espanha, mediante
fraude.
A tipicidade material decorre da lesão ou ameaça de lesão da conduta ao bem jurídico
tutelado, no caso, a liberdade sexual e a moralidade sexual, estando evidenciado nos autos que as
vítimas efetivamente exerceram a prostituição na Espanha.
O dolo (tipicidade subjetiva) está presente, uma vez que os elementos fático-probatórios
deixam ver que os agentes possuíam consciência das condutas, assim como apontam que tinham
vontade livre de realizá-las.
A tipicidade, uma vez constatada, carrega, já, um indício de ilicitude. Essa ilicitude (ou
antijuridicidade) deve ser entendida como a relação de contrariedade entre a conduta do agente e o
ordenamento jurídico, que se dá quando não concorrem quaisquer das causas de exclusão da
ilicitude, sejam as legais do art. 23 do CP, sejam quaisquer outras causas que a doutrina chama de
supralegais. No caso, não vislumbro a presença de qualquer dessas causas de justificação da
conduta, de modo que se impõe caracterizá-las como antijurídicas, ou seja, criminosas.
A culpabilidade dos réus decorre do fato de eles serem penalmente imputáveis à época dos
fatos, de ser-lhes exigível que adotassem conduta diversa daquela que adotaram, bem como por
serem eles, não só potencialmente, mas também efetivamente conscientes da ilicitude de suas
condutas. Em razão disso, incide sobre as condutas dos réus um juízo de reprovabilidade, que tem
como conseqüência a imposição de uma sanção, de uma pena, como resposta estatal ao desvio de
conduta por eles praticada.
2.1.4 Da Continuidade Delitiva
Cabe considerar que quando o agente, mediante mais de uma ação ou omissão, pratica dois
ou mais crimes da mesma espécie, com condições de tempo, lugar e maneira de execução
semelhantes, cria-se uma suposição de que os subseqüentes são uma continuação do primeiro,
formando o crime continuado.
Como frisado pelo Ministério Público Federal, em relação aos crimes em comento, incide o
art. 71 do Código Penal (continuidade delitiva), face à identidade de condições de tempo (anos de
2007 e 2008), de lugar (do Rio Grande do Norte para a província de Gerona na Espanha) e de
maneira de execução (aliciamento de mulheres brasileiras para exercer a prostituição nas boates
ECLIPSE e EL EDEN).
Deve, então, ser aplicada somente uma das penas - pois se trata de crimes idênticos -, mas
acrescida, em qualquer caso, de um sexto a dois terços. Como, no caso dos acusados JOSE
MORENO GOMEZ, CEFERINO VALERO GONZALEZ (FINO) e CRISTIANE FERREIRA DA
SILVA TINOCO, foram 6 (seis) as condutas delituosas, em conformidade com a jurisprudência
majoritária - que entende ser o número de vezes em que o crime for praticado o fator preponderante
para fixação da causa de aumento de pena em relação à continuidade delitiva (v.g., ACR
01037306019984036181, JUIZA CONVOCADA SILVIA ROCHA, TRF3 - PRIMEIRA TURMA,
e-DJF3 Judicial 1 DATA:18/07/2011 PÁGINA: 81) -, deve o acréscimo ocorrer no patamar de 1/2
(metade).
2.2 DO CRIME DE REDUÇÃO À CONDIÇÃO ANÁLOGA À DE ESCRAVO
O Ministério Público Federal imputou aos réus a conduta que se subsumiria à descrita no art.
149 do Código Penal, in verbis:
Art. 149. Reduzir alguém a condição análoga à de escravo, quer submetendo-o a trabalhos forçados
ou a jornada exaustiva, quer sujeitando-o a condições degradantes de trabalho, quer restringindo,
por qualquer meio, sua locomoção em razão de dívida contraída com o empregador ou preposto:
Pena - reclusão, de dois a oito anos, e multa, além da pena correspondente à violência.
§ 1o Nas mesmas penas incorre quem:
I - cerceia o uso de qualquer meio de transporte por parte do trabalhador, com o fim de retê-lo no
local de trabalho;
II - mantém vigilância ostensiva no local de trabalho ou se apodera de documentos ou objetos
pessoais do trabalhador, com o fim de retê-lo no local de trabalho.
§ 2o A pena é aumentada de metade, se o crime é cometido:
I - contra criança ou adolescente;
II - por motivo de preconceito de raça, cor, etnia, religião ou origem.

O delito insculpido no art. 149 do Diploma Legal em exame perfaz a conduta da redução à
condição análoga à de escravo. Reduzir, no prisma deste tipo penal, significa subjugar, transformar
à força, impelir a uma situação penosa, consistente em submissão a trabalhos forçados ou jornadas
exaustivas, bem como a condições degradantes de trabalho ou restringindo, por qualquer meio, sua
locomoção em razão de dívida contraída com o empregador ou preposto.
O objeto material é a pessoa aprisionada como se escravo fosse; o objeto jurídico é a
liberdade do indivíduo de ir, vir e querer.
Trata-se de crime comum (aquele que não demanda sujeito ativo qualificado ou especial),
material (delito que exige resultado naturalístico, consistente na privação da liberdade ou de
qualquer situação degradante ou abusiva na atividade laborativa), de forma vinculada (podendo ser
cometido pelos meios descritos no tipo), comissivo (implica ação) e permanente (cujo resultado se
prolonga no tempo). O sujeito passivo é a pessoa que, vinculada à relação de trabalho, é reduzida a
condição análoga à de escravo. O dolo constitui elemento subjetivo do tipo, não existindo a forma
culposa do crime. Admite-se a forma tentada.

2.2.1 Da materialidade
A materialidade do delito está fartamente documentada nos autos. Com efeito, a partir da
análise dos documentos constantes do Inquérito Policial nº 0837/2008 e do conjunto probatório
produzido, em especial dos depoimentos perante a autoridade policial, bem como dos depoimentos
e interrogatórios prestados em Juízo, resta provado o cometimento do crime, por 6 (seis) vezes, em
continuidade delitiva, conforme detalhado abaixo.
Antes, todavia, mister registrar o modus operandi utilizado para perpetrar os crimes. Como
demonstram os depoimentos prestados em Juízo, como será destacado a seguir, as vítimas eram
aliciadas para trabalharem com a prostituição nas boates ECLIPSE e EL EDEN na Espanha. No
entanto, para custear as despesas com a viagem até a Espanha, onde exerceriam a prostituição,
contraíam, ainda no Brasil, dívidas com o grupo criminoso que seriam posteriormente pagas através
do trabalho nos clubes.
Em razão de tal dívida com o grupo criminoso, as vítimas tinham sua liberdade de
locomoção restringida até que quitassem integralmente o débito que, saliente-se, aumentava dia a
dia devido as despesas com alimentação e hospedagem que as vítimas tinham nos clubes.
Frise-se que, em razão de obterem ganhos variáveis com a atividade de prostituição, a dívida
poderia aumentar ao invés de diminuir, estendendo-se o vínculo obrigacional entre a vítima e o
grupo criminoso indefinidamente, até que a dívida fosse quitada. Para que as dívidas fossem pagas,
o grupo criminoso valia-se de todas as formas de artifícios para garantir que as vítimas não
fugissem do local de trabalho sem quitar a dívida, o qual, saliente-se, era o mesmo onde residiam.
Assim, os agentes se utilizavam da retenção de passaportes e malas, controle do horário de saída,
vigilância às vítimas, além de todo tipo de intimidações, incluindo ameaças de morte, para impedir
que as vítimas fugissem.
(I) Conforme depoimento prestado perante este Juízo, em 02.11.2013, que se encontra
gravado na mídia acostada à fl. 704, a liberdade de locomoção da brasileira Ana Luiza dos Santos
Lúcio foi restringida em razão de dívida contraída com a organização criminosa responsável pelo
tráfico de mulheres para exercer a prostituição na boate El Éden, situada na província de Gerona, na
Espanha. No citado depoimento Ana Luiza dos Santos Lúcio declarou:
"no trecho com início em 02:49 e término em 03:10, que teve suas despesas de viagem custeadas
pelo empresário espanhol chamado "ROSSE" dono dos clubes Eclipse e Éden; no trecho com início
em 26:00 e término em 26:15, que eles nunca ameaçaram a gente eles só falaram que a gente ficasse
lá que tínhamos que pagar nosso bilhete; no trecho com início em 32:35 e término em 32:40, que
sabia da existência da dívida referente a passagem"
Assim sendo, verifica-se que a brasileira Ana Luiza dos Santos Lúcio contraiu uma dívida
com os agentes para propiciar sua viagem do Brasil para a Espanha, onde exerceria a prostituição na
boate Éden até conseguir quitar totalmente sua dívida. Assim, em razão de tal dívida, teve sua
liberdade de locomoção restringida pelo grupo criminoso.
(II) Por sua vez, o depoimento prestado perante este Juízo, em 02.11.2013, que se encontra
gravado na mídia acostada à fl. 704, a liberdade de locomoção da brasileira Kátia de Medeiros
Rocha foi restringida em razão de dívida contraída com a organização criminosa responsável pelo
tráfico de mulheres para exercer a prostituição na boate El Éden, situada na província de Gerona, na
Espanha. No citado depoimento Kátia de Medeiros Rocha declarou:
"no trecho com início em 01:25 e término em 01:35, que o convite para ir a Espanha partiu de uma
pessoa chamada CRISTIANE; no trecho com início em 02:14 e término em 02:50, que a proposta
de trabalho era para acompanhar clientes em boates na Espanha durante a noite, que CRISTIANE
chegou a mencionar o trabalho com prostituição mas isso ficaria a critério de cada garota; no trecho
com início em 02:55 e término em 03:11, que os gastos da viagem com exceção do passaporte
foram custeados por CRISTIANE; no trecho com início em 09:30 e término em 10:00, que foi
informada sobre o valor da dívida que era de cinco mil euros, que quando saiu do Brasil já sabia que
ia ter uma dívida e já sabia o valor; no trecho com início em 15:16 e término em 15:30, que seu
passaporte e suas malas ficaram retidas no clube mas não sabe por quem; no trecho com início em
24:40 e término em 24:45, que eles falavam que iam entregar o passaporte depois porque a gente
poderia fugir"

Do exposto, verifica-se que a brasileira Kátia de Medeiros Rocha contraiu uma dívida com
os agentes para propiciar sua viagem do Brasil para a Espanha, onde exerceria a prostituição na
boate Éden até conseguir quitar totalmente sua dívida. Assim, em razão de tal dívida (e tendo tido
seu passaporte e bagagem retidos no clube), teve sua liberdade de locomoção restringida pelo grupo
criminoso.
(III) De modo semelhante, a liberdade de locomoção da brasileira Ângela Maria de Andrade
foi restringida em razão de dívida contraída com a organização criminosa responsável pelo tráfico
de mulheres para exercer a prostituição na boate Eclipse e El Éden, situada na província de Gerona,
na Espanha. No depoimento prestado perante a autoridade policial (fls. 17/20 do IPL nº 0837/2008),
Ângela Maria de Andrade declarou:
"que CÍNTHIA recebeu dinheiro de ROSSE e conseguiu a emissão dos passaportes da depoente e
de AMANDA, reserva de hotel, deu quatrocentos e setenta euros para cada uma e deu dinheiro para
comprar duas malas (...), que o dinheiro do primeiro programa era do clube, que se fizesse algum
programa a mais ficava com o dinheiro do cliente(...) que suas passagens aéreas de ida e volta
custaram o valor de novecentos e setenta e sete euros; que perguntou a CÍNTHIA se pagaria apenas
aquele valor ao Sr. ROSSE, quando esta disse que pagaria pouca coisa a mais; que quando chegou
na Espanha foi comunicada pelo Sr. ROSSE que a dívida de cada uma era de dois mil e quinhentos
euros; que ele não explicou o motivo daquele valor tão alto (...), que FINO disse que se não pagasse
a dívida ele iria atrás da depoente cobrá-la, que FINO disse que se a depoente voltasse para o Brasil
e não pagasse a dívida ele tinha gente neste país que a mataria em sua casa".
Como atesta o depoimento prestado por Ângela Maria de Andrade perante este Juízo, em
03.11.2013, que se encontra gravado na mídia acostada à fl. 720v:
"no trecho com início em 00:40 e término em 00:45, que confirma o teor dos depoimentos
prestados perante a Polícia Federal de fls. 17/20 e 74/76 do Inquérito Policial; no trecho com início
em 03:56 e término em 03:59, que confirma que recebeu ameaças do Sr. FINO que falava que se as
meninas fugissem sem pagar seriam mortas, mesmo aqui no Brasil; no trecho com início em 04:16 e
término em 04:20, que sempre ele avisava que se uma das garotas fugissem ele vinha aqui matar; no
trecho com início em 04:38 e término em 04:47, que em conversas com a gente e com as meninas se
uma falasse que queria ir embora ou alguma coisa assim ele dizia que tinha que pagar a dívida se
sair sem pagar a dívida a gente vai matar; no trecho com início em 08:00 e término em 08:08, que o
passaporte ficava com eles".

Deste modo, conclui-se que a brasileira Ângela Maria de Andrade contraiu uma dívida com
os agentes para propiciar sua viagem do Brasil para a Espanha, onde exerceria a prostituição nas
boates Eclipse e El Éden até conseguir quitar totalmente sua dívida. Assim, em razão de tal dívida
(e em face das ameaças de morte recebidas), teve sua liberdade de locomoção restringida pelo grupo
criminoso.
(IV) Amanda de Melo Campos em depoimento perante a autoridade policial (fls. 13/16 do
IPL nº 0837/2008) declarou:
"que foi para a Espanha em 07/03/2007, acompanhada da garota Ângela Maria de Andrade (...), que
CÍNTHIA disse para Ângela que se esta desejasse ir até a Espanha trabalhar em um clube que
explorava a prostituição, poderia "facilitar as coisas", que CÍNTHIA disse que conhecia o dono de
um clube, chamado por ROSSE, e que este enviaria dinheiro para as passagens e hospedagem(...),
que morava no próprio clube e fazia os programas no quarto em que dormia(...), que tinha que pagar
ao clube a quantia de 60 euros por noite, independente de trabalhar ou não".
O depoimento prestado por Ângela Maria de Andrade perante este Juízo, em 03.11.2013,
que se encontra gravado na mídia acostada à fl. 720v, por sua vez, indica:
"no trecho com início em 00:40 e término em 00:45, que confirma o teor dos depoimentos
prestados perante a Polícia Federal de fls. 17/20 e 74/76 do Inquérito Policial".

Perante a autoridade policial (fls. 17/20 do IPL nº 0837/2008), Ângela Maria de Andrade
declarou:
"que foi para a Espanha em 06/03/2007, acompanhada da amiga de nome Amanda de Melo
Campos, que no mês de Janeiro de 207 conheceu a mulher chamada por CÍNTHIA em Mossoró".

Mister concluir, portanto, que a brasileira Amanda de Melo Campos contraiu uma dívida
com os agentes para propiciar sua viagem do Brasil para a Espanha, onde exerceria a prostituição na
boate Éden até conseguir quitar totalmente sua dívida. Assim, em razão de tal dívida, teve sua
liberdade de locomoção restringida pelo grupo criminoso. Destaque-se que não se trata de
convicção formada exclusivamente nos elementos informativos colhidos na investigação, o que
encontraria óbice no art. 155 do CPP, porquanto o tráfico da vítima em questão foi apontado pela
testemunha Ângela Maria de Andrade, consoante depoimento prestado em juízo sob o crivo do
contraditório.
(V) Igualmente, a brasileira Maíse França Correia da Costa teve sua liberdade de
locomoção restringida pelo grupo criminoso em razão da dívida contraída para custeio das despesas
com o deslocamento para trabalhar na boate El Éden na Espanha. Conforme aponta o depoimento
prestado perante este Juízo, em 03.11.2013, que se encontra gravado na mídia acostada à fl. 720v:
"no trecho com início em 09:04 e término em 09:24, que era sessenta euros meia hora de programa,
que tudo era pago lençóis, preservativos, lavagem de roupa, que depois de certa hora não podia sair
tinha que ficar presa; no trecho com início em 10:40 e término em 10:50, que após o final do
expediente, por volta das quatro da manhã até as oito horas, os portões eram fechados e não podiam
sair, tinham que ficar presas no quarto; no trecho com início em 11:50 e término em 11:58, que num
certo horário da manhã até certo horário da tarde podiam sair mas eram seguidas; no trecho com
início em 19:09 e término em 19:13, que no período que ficou no clube Éden teve suas malas
retidas, mas o passaporte não; no trecho com início em 20:26 e término em 20:28, que a dívida era
de dois mil e quinhentos euros; no trecho com início em 20:46 e término em 20:50, que quando saiu
do Brasil sabia que tinha uma dívida mas não sabia que era tão grande; no trecho com início em
25:25 e término em 25:40, que não sofreu agressões mas se sentiu acuada sem ter opção para vir
embora pois tinha uma dívida; no trecho com início em 26:00 e término em 26:28, que teria que
trabalhar nas condições que ofereciam pois, se não, não voltaria ao Brasil; no trecho com início em
30:20 e término em 30:36, que um dia à noite sua amiga estava sem diasepan, que ela vivia a base
de diasepan e convivia com ela no mesmo quarto, então implorou para o rapaz que estava na
portaria para deixar levar ela no médico, então foram duas vezes que ela saiu do clube."
Do exposto, verifica-se, de forma incontestável, que a brasileira Maíse França Correia da
Costa teve restringida a sua liberdade de locomoção em razão da dívida contraída junto ao grupo
criminoso para custeio das despesas de locomoção até a Espanha, onde exerceu a prostituição no
clube El Éden. Outrossim, teve sua liberdade restringida pela impossibilidade de sair após uma certa
hora do dia, bem como por ser acompanhada nas eventuais idas à rua.
(VI) Por sua vez, Silvanir Lidiane Ferreira em depoimento perante a autoridade policial (fls.
123/127 do IPL nº 0837/2008) declarou:
"que no mês de novembro do ano de 2008, realizou viagem com destino a Barcelona, que realizou
essa viagem em companhia de sua amiga MAIZE a qual tinha a mesma finalidade de trabalho, em
um "night club" na Catalúnia (...), que uma pessoa chamada CRISTINA ou CRISTIANE teria
enviado quatro brasileiras a este mesmo destino (...), que CRISTIANE falou que o trabalho se
trataria de prostituição (...), que todas as despesas da viagem internacional foram financiadas
através de CRISTIANE, que recebeu das mãos de CRISTIANE passagem internacional, seguro-
saúde, reserva em hotel e 500 (quinhentos) euros, que é do seu conhecimento que MAIZE também
recebeu da mesma forma (...), que foi FINO quem levou a depoente e sua amiga MAIZE ao "night
club", que durante a viagem de carro até o "night club" FINO informou à depoente sobre problemas
ocorridos em sua reserva e que, em razão disso, as despesas seriam suportadas pela depoente, que
em razão disso, refutou a dívida proposta por FINO, afirmando que já devia dois mil e quinhentos
euros e que não iria arcar com mais despesas (...); que nunca foi agredida fisicamente, porém,
moralmente, se sentiu agredida por "FINO" e "JOSE".
O depoimento prestado por Maíse França Correia da Costa perante este Juízo, em
03.11.2013, que se encontra gravado na mídia acostada à fl. 720v, por sua vez, indica:
"no trecho com início em 01:14 e término em 01:20, que foi à Espanha a convite de uma brasileira
chamada CRISTIANE; no trecho com início em 05:20 e término em 05:21, que foi CRISTIANE
que deu o dinheiro para viajar à Espanha; no trecho com início em 06:23 e término em 06:26, que
viajou juntamente com Lidiane; no trecho com início em 30:20 e término em 30:36, que um dia à
noite sua amiga estava sem diasepan, que ela vivia a base de diasepan e convivia com ela no mesmo
quarto, então implorou para o rapaz que estava na portaria para deixar levar ela no médico, então
foram duas vezes que ela saiu do clube."

Mister concluir, portanto, que a brasileira Silvanir Lidiane Ferreira contraiu uma dívida com
os agentes para propiciar sua viagem do Brasil para a Espanha, onde exerceria a prostituição na
boate El Éden até conseguir quitar totalmente sua dívida. Assim, em razão de tal dívida (e por haver
restrições à saída do clube, inclusive para ida ao médico), teve sua liberdade de locomoção
restringida pelo grupo criminoso. Destaque-se que não se trata de convicção formada
exclusivamente nos elementos informativos colhidos na investigação, o que encontraria óbice no
art. 155 do CPP, porquanto o tráfico da vítima em questão foi apontado pela testemunha Maíse
França Correia da Costa, consoante depoimento prestado em juízo sob o crivo do contraditório.
Em síntese, as brasileiras (I) Ana Luiza dos Santos Lúcio, (II) Kátia de Medeiros Rocha,
(III) Ângela Maria de Andrade, (IV) Amanda de Melo Campos, (V) Maíse França Correia da Costa
e (VI) Silvanir Lidiane Ferreira, nos anos de 2007 e 2008, foram reduzidas a condição análoga à de
escravo, por terem a liberdade de locomoção restringida em virtude de dívidas contraídas junto ao
grupo criminoso para propiciar o deslocamento das vítimas até as boates ECLIPSE e EL ÉDEN na
Espanha, onde exerceriam a prostituição. As restrições, para várias delas, foram além, consistindo
em ameaças de morte se não quitassem as dívidas ou em limitações à saída dos clubes.
O montante da dívida contraída junto ao grupo criminoso variava dia a dia, tendo em vista
que o valor do débito sofria acréscimos diários devido a despesas com a estadia, a alimentação e
gastos diversos, como energia elétrica, lençóis, preservativos, além de multas aplicadas em caso de
atraso das vítimas ou em caso de se negarem a trabalhar. Neste sentido, aponta o depoimento de
Maíse França Correia da Costa prestado perante este Juízo, em 03.11.2013, que se encontra gravado
na mídia acostada à fl. 720v:
"no trecho com início em 09:06 e término em 09:24, que tudo era pago, lençóis, preservativos, para
lavar roupa, que depois de certa hora não podia sair tinha que ficar presa; no trecho com início em
21:10 e término em 22:10, que tinha um controle da dívida que ela fazia, mas que todo dia era um
valor diferente pois tinham multas e se conseguisse trabalhar ou não, que as multas eram aplicadas
em caso de atraso ou negativa de trabalhar."
Como frisado pela testemunha Maíse França Correia da Costa, a dívida variava, podendo
aumentar caso a vítima pudesse ou não trabalhar. Assim, a mulher traficada poderia ficar submetida
ao controle do grupo criminoso por tempo indeterminado, posto que não lhe era assegurada uma
remuneração mínima diária. Do contrário, sua dívida evoluía diariamente.
Neste sentido, destaque-se que os clubes EL EDEN e ECLIPSE tarifavam o preço do
programa sexual, estipulando inclusive o tempo máximo que cada garota deveria permanecer com o
cliente, além de recolher o valor do primeiro programa realizado a título de pagamento de diária,
como frisado por Ângela Maria de Andrade (fls. 17/20 do IPL nº 0837/2008) em seu depoimento
prestado perante a Polícia Federal, o qual foi ratificado em Juízo, conforme depoimento gravado na
mídia acostada à fl. 720v:
"que cada programa custava sessenta e quatro euros e durava trinta minutos, que o dinheiro do
primeiro programa era do clube, que se fizesse algum programa a mais ficava com o dinheiro do
cliente, que todo programa custava sessenta e quatro euros obrigatoriamente".

Quanto às demais supostas vítimas traficadas, não foi possível, com os elementos presentes
nos autos (mormente aqueles produzidos sob o crivo do contraditório judicial), concluir pela
ocorrência da conduta delituosa em análise.
Frise-se que o delito tipificado no art. 149 do Código Penal caracteriza-se como crime misto
alternativo, em que há fungibilidade entre os diversos núcleos do tipo, sendo indiferente a
realização de qualquer um deles, pois o delito continua único. A prática de mais de um deles não
agrega maior desvalor ao fato, bem como não é necessária a realização de todas as condutas
descritas no tipo penal.
Neste sentido, é a jurisprudência:
PROCESSO PENAL. HABEAS CORPUS . TRABALHO ESCRAVO. 1. Constitui crime (CP,
art.149) sujeitar o trabalhador a condições degradantes, infamantes, aviltantes de trabalho . Sujeitar-
se, isto é, o trabalhador permite que seja tratado como escravo; ele se conforma que o tratem assim.
2. Não se exige para configuração do tipo de estarem presentes concomitantemente: a segregação da
liberdade de locomoção e a utilização de violência ou grave ameaça para impedir a saída do
trabalhador. (Processo: HC 0005110-92.2012.4.01.0000/PA; HABEAS CORPUS, Relator:
DESEMBARGADOR FEDERAL TOURINHO NETO, TERCEIRA TURMA, Publicação:
30/03/2012 e-DJF1 P. 307, Data Decisão: 19/03/2012)
Assim, existindo prova de que se restringiu a locomoção das vítimas em razão de dívida
contraída com o empregador (e por ameaças etc.), consuma-se o crime, independentemente de as
vítimas terem sido ou não submetidas a trabalhos forçados e a condições degradantes de trabalho.
Não merece acolhimento a tese, apresentada pela defesa dos acusados em suas alegações
finais (fls. 1106/1116 e 1136/1150), de impossibilidade de condenação pelo delito de redução à
condição análoga à de escravo, em face do pedido de absolvição apresentado pelo Ministério
Público Federal. Na verdade, a manifestação do Ministério Público Federal não vincula o julgador:
estando devidamente configuradas materialidade e autoria delitivas, o Juiz poderá condenar o
acusado, ainda que o Ministério Público tenha opinado pela absolvição.
Neste sentido, decidiu o Supremo Tribunal Federal:
"Alegação de falta de interesse do MP para recorrer da sentença absolutória, porque, nas alegações
finais, o Promotor de Justiça que interveio pedira a absolvição. Recurso interposto por outro
membro do Ministério Público, que foi provido, com a condenação do ora paciente, em
fundamentado aresto. Hipótese em que não cabe ver violação ao parágrafo único do art. 577 do
CPP. Independência funcional dos membros do Ministério Público. Funções de custos legis e
dominus litis. A manifestação do MP, em alegações finais, não vincula o julgador, tal como sucede
com o pedido de arquivamento de inquérito policial, nos termos e nos limites do art. 28 do CPP.
Habeas corpus indeferido." (HC nº 69957 - Segunda Turma do STF - Relator Ministro Néri da
Silveira - RT 410/377).
Na realidade, equivoca-se o eminente "parquet" ao pretender afastar a materialidade do
crime em tela sob a alegação de inexistência de comprovação de jornadas exaustivas ou de
trabalhos forçados (fl. 1101). Como já pontuado em vários momentos desta sentença, há
"coisificação", típica do crime de plágio, quando, por qualquer meio, impõem-se restrições à
liberdade das vítimas (v.g., por dívidas ou ameaças, no caso). Destarte, ainda que elas concordassem
com a atividade ou não estivessem expostas a condições degradantes (se a venda da própria
dignidade assim não fosse), restaria configurado o crime de redução à condição análoga à de
escravo. Quanto à comprovação da autoria, será analisada mais adiante.
Diante do exposto, afastadas as teses defensivas, está devidamente comprovada, por seis
vezes, a materialidade do crime tipificado pelo art. 149 do Código Penal.

2.2.2 Da autoria
JOSE MORENO GOMEZ
Os depoimentos perante a autoridade policial, bem como os depoimentos e interrogatórios
prestados em Juízo, revelam que JOSE MORENO GOMEZ concorreu, por seis vezes, para o crime
redução à condição análoga à de escravo.
É importante frisar que o acusado, na condição de proprietário dos clubes EL EDEN e
ECLIPSE, financiava a viagem de mulheres brasileiras para exercerem a prostituição nas boates de
sua propriedade, situadas na província de Gerona na Espanha. Ao ali chegarem, tinham sua
liberdade de locomoção restringida, em razão das dívidas e por meios diversos (ex. ameaças de
morte).
Em reforço - e sem necessidade de transcrever todos, porque já presentes no exame da
materialidade -, confiram-se os depoimentos das vítimas:
"no trecho com início em 02:49 e término em 03:10, que teve suas despesas de viagem custeadas
pelo empresário espanhol chamado "JOSE" dono dos clubes ECLIPSE e EDEN; no trecho com
início em 13:04 e término em 13:14, que o dinheiro para viagem foi enviado por uma brasileira de
nome CRISTIANE; no trecho com início em 26:00 e término em 26:15, que eles nunca ameaçaram
a gente eles só falaram que a gente ficasse lá que tínhamos que pagar nosso bilhete; no trecho com
início em 32:35 e término em 32:40, que sabia da existência da dívida referente a passagem" (Ana
Luiza Santos Lúcio, depoimento prestado em Juízo, em 02.11.2013, que se encontra gravado na
mídia acostada à fl. 704)

"no trecho com início em 15:16 e término em 15:30, que seu passaporte e suas malas ficaram
retidas no clube mas não sabe por quem; no trecho com início em 24:40 e término em 24:45, que
eles falavam que iam entregar o passaporte depois porque a gente poderia fugir" (Kátia de Medeiros
Rocha, depoimento prestado em Juízo, em 02.11.2013, que se encontra gravado na mídia acostada à
fl. 704)
"no trecho com início em 30:20 e término em 30:36, que um dia à noite sua amiga estava sem
diasepan, que ela vivia a base de diasepan e convivia com ela no mesmo quarto, então implorou
para o rapaz que estava na portaria para deixar levar ela no médico, então foram duas vezes que ela
saiu do clube." (Maíse França Correia da Costa, depoimento prestado em Juízo, em 03.11.2013, que
se encontra gravado na mídia acostada à fl. 720v)
Do mesmo modo, a testemunha Ângela Maria de Andrade, perante a autoridade policial (fls.
17/20 do IPL nº 0837/2008), declarou:
"que CÍNTHIA disse a depoente que esta deveria ir para a Espanha, pois lá era muito bom de
ganhar dinheiro (...), que CÍNTHIA disse que falaria com seus amigos espanhóis que estes
mandariam dinheiro para a ida da depoente àquele país (...), que CÍNTHIA recebeu dinheiro de
ROSSE e conseguiu a emissão dos passaportes da depoente e de AMANDA, reserva de hotel, deu
quatrocentos e setenta euros para cada uma e deu dinheiro para comprar duas malas (...), que
quando chegou na Espanha foi comunicada pelo Sr. ROSSE que a dívida era de dois mil e
quinhentos euros; que ele não explicou o motivo daquele valor tão alto (...), que FINO disse que se
não pagasse a dívida ele iria atrás da depoente cobrá-la, que FINO disse que se a depoente voltasse
para o Brasil e não pagasse a dívida ele tinha gente neste país que a mataria em sua casa".
Como atesta o depoimento prestado perante este Juízo, em 03.11.2013, que se encontra
gravado na mídia acostada à fl. 720v:
"no trecho com início em 00:40 e término em 00:45, que confirma o teor dos depoimentos prestados
perante a Polícia Federal de fls. 17/20 e 74/76 do Inquérito Policial".

Importante notar que os esclarecimentos prestados perante a autoridade policial são


corroborados pelos depoimentos colhidos em juízo.
O acusado CEFERINO VALERO GONZALEZ (FINO) em depoimento perante este Juízo,
em 03.11.2013, que se encontra gravado na mídia acostada à fl. 720v, afirmou:
"no trecho com início em 03:00 e término em 03:15, que trabalhou nas boates ECLIPSE e EL
EDEN e que o dono das boates era o Sr. JOSE MORENO; no trecho com início em 03:00 e término
em 03:15, que foi pegar algumas brasileiras no aeroporto mas não sabe quem as convidava a
trabalhar no clube."
Por outro lado, o réu JOSE MORENO GOMEZ em depoimento perante este Juízo, em
03.11.2013, que se encontra gravado na mídia acostada à fl. 720v, afirmou:
"no trecho com início em 00:40 e término em 01:10, que é dono das boates ECLIPSE e EL EDEN
em Gerona, na Espanha; no trecho com início em 10:10 e término em 10:45, que as garotas que
freqüentavam o hotel, se hospedavam ali com em um hotel qualquer, que nesse espaço tinha uma
discoteca em baixo, onde eles fazem shows para clientes e que as garotas podiam ficar em baixo
consumindo com os clientes e subir aos quartos para fazer programa e que eles tinham licença das
autoridades para trabalhar com prostituição como qualquer lugar; no trecho com início em 11:25 e
término em 11:30, que existem garotas de todas as partes do mundo; no trecho com início em 14:25
e término em 14:35, que ele nunca tratou de convidar ninguém que as pessoas vem através de
amigas que trabalham lá; no trecho com início em 16:20 e término em 16:35, que sobre a compra
das passagens ele nunca participou que elas iam por conta própria; no trecho com início em 24:52 e
término em 25:25, que cobra das mulheres que freqüentam, que funciona como um hotel, que elas
tem que pagar diária porque tomam café, almoçam e jantam, que as obriga a pagar a diária, nada
mais, que não estão como presas que tem livre arbítrio para sair e para entrar que no dia que não
querem trabalhar não as obriga a descer; no trecho com início em 29:35 e término em 29:45, que o
passaporte é pedido às garotas unicamente para fazer uma cópia e informar às autoridades e em
seguida devolvido às mesmas; no trecho com início em 39:13 e término em 39:17, que as mulheres
não eram vigiadas; no trecho com início em 43:08 e término em 43:20, que as garotas
eventualmente uma foi embora devendo alguma coisa a mas unicamente a título de diária; no trecho
com início em 01:05 (parte dois) e término em 01:25 (parte dois), que no caso de alguma garota que
se foi sem pagar ele pessoalmente nunca mandou cobrar, mas quando uma garota passava dois, três
dias sem pagar ele já avisava que ou trabalhasse para pagar ou fosse embora."
O acusado, mesmo sendo o dono das boates onde as brasileiras reduzidas a condição
análoga à de escravas exerciam a prostituição na Espanha e apontado como financiador das
despesas com locomoção das brasileiras para os clubes, insiste, em seu interrogatório, em negar a
participação no crime, atribuindo os fatos exclusivamente às vítimas traficadas que, segundo o
acusado, se apresentavam espontaneamente para trabalhar no local, tese esta reforçada em suas
alegações finais (fls. 1136/1150). No entanto, a tese da defesa não encontra respaldo nos
depoimentos transcritos acima, colhidos em juízo e na esfera policial, que atribuíram de forma
veemente ao acusado a participação na restrição da liberdade de locomoção das vítimas em função
da dívida contraída com as boates ECLIPSE e EL EDEN de propriedade do acusado, principal
interessado na cobrança dos débitos.
A defesa alega (fls. 1136/1150) que o acusado, exerce legalmente sua atividade empresarial
em estrito cumprimento à legislação local, que as boates têm administradores, que as normas
trabalhistas são respeitadas e que os trabalhadores se apresentam de forma espontânea para
trabalhar no local, sendo certo que se existiu algum excesso ou atitude não condizente com o
regular funcionamento do estabelecimento, tal fato não pode ser imputado ao acusado, posto que a
legislação penal exige que a conduta seja realizada de maneira dolosa.
Verifica-se, no entanto, que o conjunto probatório produzido nos autos aponta que o
acusado, não só tinha conhecimento da restrição da liberdade de locomoção das vítimas em função
da dívida contraída com os clubes ECLIPSE e EL EDEN, como providenciou a reunião das
condições necessárias para assegurar que as mulheres não fugissem do local antes de quitar todas as
dívidas oriundas da aquisição das passagens aéreas usadas pelas vítimas e financiadas pelo acusado.
Não bastasse, o acusado participava das atividades dos clubes. Segundo a testemunha
Ângela Maria de Andrade, foi o acusado ("ROSSE" - mais uma vez, forma como se pronuncia
"JOSE" na língua espanhola) quem lhe informou que "a dívida era de dois mil e quinhentos euros".
Diante do exposto, é possível concluir que JOSE MORENO GOMEZ concorreu, por seis
vezes, para os crimes descritos no tópico materialidade.
A atuação não pode ser tida como de menor importância, haja vista ser o acusado
financiador das viagens das brasileiras à Espanha e, portanto, beneficiário direto da restrição da
liberdade de locomoção das vítimas para assegurar o pagamento da dívida contraída com o grupo
criminoso.

CEFERINO VALERO GONZALEZ (FINO)


Pela denúncia, o Sr. CEFERINO VALERO GONZALEZ (FINO) seria uma espécie de braço
direito do proprietário dos clubes EL EDEN e ECLIPSE e o agente que recepcionava as vítimas no
aeroporto e as levava diretamente aos clubes. É também apontado como a pessoa que proferia
ameaças às vítimas reduzidas à condição análoga à de escravo, com o intuito de assegurar que elas
não fugissem das boates até quitar integralmente a dívida adquirida junto à organização criminosa.
De fato, compulsando os autos, em especial a oitiva das testemunhas, é possível verificar que o
acusado possuía atuação destacada no crime em questão.
Em reforço - e sem necessidade de transcrever todos, porque já presentes no exame da
materialidade -, confiram-se os depoimentos das vítimas:
"no trecho com início em 18:29 e término em 18:32, que CRISTIANE lhe deu 500 euros para a
viagem; no trecho com início em 18:35 e término em 18:45, que o dinheiro era para ser devolvido
ao marido de CRISTIANE quando chegassem à Espanha; no trecho com início em 19:40 e término
em 19:45, que o marido de CRISTIANE, conhecido por FINO, chegou ao hotel e as levou ao clube
EDEN; no trecho com início em 26:00 e término em 26:15, que eles nunca ameaçaram a gente eles
só falaram que a gente ficasse lá que tínhamos que pagar nosso bilhete; no trecho com início em
32:35 e término em 32:40, que sabia da existência da dívida referente a passagem" (Ana Luiza
Santos Lúcio, depoimento prestado em Juízo, em 02.11.2013, que se encontra gravado na mídia
acostada à fl. 704)

"no trecho com início em 05:58 e término em 06:25, que no aeroporto manteve contato com o
marido de CRISTIANE, que foi orientado por FINO a ir de taxi até o hotel onde havia reserva; no
trecho com início em 07:00 e término em 07:12, que FINO levou ela e Ana Luíza até uma boate nas
proximidades de Gerona; no trecho com início em 15:16 e término em 15:30, que seu passaporte e
suas malas ficaram retidas no clube mas não sabe por quem; no trecho com início em 24:40 e
término em 24:45, que eles falavam que iam entregar o passaporte depois porque a gente poderia
fugir" (Kátia de Medeiros Rocha, depoimento prestado em Juízo, em 02.11.2013, que se encontra
gravado na mídia acostada à fl. 704)

"no trecho com início em 02:55 e término em 03:10, que o Sr. FINO era responsável pelo clube,
tomava conta do dinheiro, ia lá ver se estavam trabalhando; no trecho com início em 03:56 e
término em 03:59, que confirma que recebeu ameaças do Sr. FINO que falava que se as meninas
fugissem sem pagar seriam mortas, mesmo aqui no Brasil; no trecho com início em 04:16 e término
em 04:20, que sempre ele avisava que se uma das garotas fugissem ele vinha aqui matar; no trecho
com início em 04:38 e término em 04:47, que em conversas com a gente e com as meninas se uma
falasse que queria ir embora ou alguma coisa assim ele dizia que tinha que pagar a dívida se sair
sem pagar a dívida a gente vai matar" (Ângela Maria de Andrade, depoimento em Juízo, em
03.11.2013, que se encontra gravado na mídia acostada à fl. 720v)

Silvanir Lidiane Ferreira em depoimento perante a autoridade policial (fls. 123/127 do IPL
nº 0837/2008) declarou:
"que no mês de novembro do ano de 2008, realizou viagem com destino a Barcelona, que realizou
essa viagem em companhia de sua amiga MAIZE a qual tinha a mesma finalidade de trabalho, em
um "night club" na Catalúnia (...), que uma pessoa chamada CRISTINA ou CRISTIANE teria
enviado quatro brasileiras a este mesmo destino (...), que CRISTIANE falou que o trabalho se
trataria de prostituição (...), que todas as despesas da viagem internacional foram financiadas
através de CRISTIANE, que recebeu das mãos de CRISTIANE passagem internacional, seguro-
saúde, reserva em hotel e 500 (quinhentos) euros, que é do seu conhecimento que MAIZE também
recebeu da mesma forma (...), que foi FINO quem levou a depoente e sua amiga MAIZE ao "night
club", que durante a viagem de carro até o "night club" FINO informou à depoente sobre problemas
ocorridos em sua reserva e que, em razão disso, as despesas seriam suportadas pela depoente, que
em razão disso, refutou a dívida proposta por FINO, afirmando que já devia dois mil e quinhentos
euros e que não iria arcar com mais despesas (...); que nunca foi agredida fisicamente, porém,
moralmente, se sentiu agredida por "FINO" e "JOSE".
O depoimento prestado por Maíse França Correia da Costa perante este Juízo, em
03.11.2013, que se encontra gravado na mídia acostada à fl. 720v, por sua vez, indica:
"no trecho com início em 01:14 e término em 01:20, que foi à Espanha a convite de uma brasileira
chamada CRISTIANE; no trecho com início em 05:20 e término em 05:21, que foi CRISTIANE
que deu o dinheiro para viajar à Espanha; no trecho com início em 06:23 e término em 06:26, que
viajou juntamente com Lidiane; no trecho com início em 30:20 e término em 30:36, que um dia à
noite sua amiga estava sem diasepan, que ela vivia a base de diasepan e convivia com ela no mesmo
quarto, então implorou para o rapaz que estava na portaria para deixar levar ela no médico, então
foram duas vezes que ela saiu do clube."

Destaque-se que, apesar de a vítima Silvanir Lidiane Ferreira não ter sido ouvida em juízo,
seu depoimento na esfera policial foi corroborado pela testemunha Maíse França Correia da Costa,
consoante depoimento prestado em juízo sob o crivo do contraditório.
Por outro lado, o réu CEFERINO VALERO GONZALEZ (FINO), em depoimento perante
este Juízo, em 03.11.2013, que se encontra gravado na mídia acostada à fl. 720v, afirmou:
"no trecho com início em 03:00 e término em 03:15, que trabalhou nas boates ECLIPSE e EL
EDEN e que o dono das boates era o Sr. JOSE MORENO; no trecho com início em 03:00 e término
em 03:15, que foi pegar algumas brasileiras no aeroporto mas não sabe quem as convidava a
trabalhar no clube; no trecho com início em 12:15 e término em 12:20, que na sua vida não
ameaçou ninguém; no trecho com início em 13:05 e término em 13:10, que não é certo que tenha
ameaçado Ângela Maria em caso de fugir da Espanha."
Frise-se que o acusado assume que levava as brasileiras reduzidas à condição análoga à de
escravo do aeroporto até os clubes ECLIPSE e EL EDEN. No entanto, insiste, em seu
interrogatório, em negar a participação no crime, tese esta reforçada em suas alegações finais (fls.
1106/1115). A tese da defesa não encontra respaldo nos depoimentos transcritos acima, colhidos em
juízo e na esfera policial, que atribuíram de forma veemente ao acusado a participação no crime.
A defesa alega (fls. 1106/1115) que o acusado, era apenas um empregado das boates, não
tendo conhecimento da prática de qualquer crime em relação às mulheres que trabalhavam nos
clubes. Do mais, alega que não existem provas aptas a embasar um pleito condenatório
Verifica-se, no entanto, que o conjunto probatório produzido nos autos aponta que o
acusado, não só tinha conhecimento da condição análoga à de escravo a que as mulheres foram
reduzidas, como era responsável pela logística de recepção das mulheres na Espanha. Do mais,
restou evidenciado que o acusado se encarregava de proferir ameaças de morte para intimidar as
vítimas e assegurar que as mulheres não fugissem do local antes de quitar todas as dívidas oriundas
da aquisição das passagens aéreas usadas para chegar aos clubes.
Diante do exposto, é possível concluir que CEFERINO VALERO GONZALEZ (FINO)
concorreu, por seis vezes, para os crimes descritos no tópico materialidade.
A atuação não pode ser tida como de menor importância, haja vista ser o acusado a pessoa
que proferia ameaças às vítimas em caso de fuga sem pagamento da dívida, um dos principais
meios empregados para restrição da liberdade de locomoção das vítimas, e de assegurar o
pagamento da dívida contraída com o grupo criminoso.

CRISTIANE FERREIRA DA SILVA TINOCO


Pela denúncia, CRISTIANE FERREIRA DA SILVA TINOCO, com quem o acusado
CEFERINO VALERO GONZALEZ (FINO) possui relacionamento amoroso, tinha amplo
conhecimento das condições a que eram submetidas as mulheres traficadas com o seu auxílio. De
fato, compulsando os autos, em especial a oitiva das testemunhas, é possível verificar que a acusada
não apenas tinha conhecimento das condições a que eram submetidas as mulheres traficadas, como
era a pessoa responsável pelo aliciamento das mulheres que seriam reduzidas à condição análoga à
de escravo, em virtude da restrição de seus direitos de locomoção em função da dívida contraída (já
desde o Brasil, com a atuação direta da acusada) para exercer o trabalho.
Em reforço - e sem necessidade de transcrever todos, porque já presentes no exame da
materialidade -, confiram-se os depoimentos das vítimas:
"no trecho com início em 01:50 e término em 02:10, que em 26/09 empreendeu viagem com
destino a Barcelona na Espanha; no trecho com início em 02:49 e término em 03:10, que teve suas
despesas de viagem custeadas pelo empresário espanhol chamado "ROSSE" dono dos clubes
Eclipse e Éden; no trecho com início em 13:04 e término em 13:14, que o dinheiro para viagem foi
enviado por uma brasileira de nome CRISTIANE; no trecho com início em 14:32 e término em
14:51, que CRISTIANE foi na casa dela e lhe ofertou uma proposta de trabalho numa discoteca
espanhola; no trecho com início em 26:00 e término em 26:15, que eles nunca ameaçaram a gente
eles só falaram que a gente ficasse lá que tínhamos que pagar nosso bilhete; no trecho com início
em 32:35 e término em 32:40, que sabia da existência da dívida referente a passagem" (Ana Luiza
Santos Lúcio, depoimento em Juízo, em 02.11.2013, que se encontra gravado na mídia acostada à fl.
704)

"no trecho com início em 01:25 e término em 01:35, que o convite para ir a Espanha partiu de uma
pessoa chamada CRISTIANE; no trecho com início em 02:14 e término em 02:50, que a proposta
de trabalho era para acompanhar clientes em boates na Espanha durante a noite, que CRISTIANE
chegou a mencionar o trabalho com prostituição mas isso ficaria a critério de cada garota; no trecho
com início em 02:55 e término em 03:11, que os gastos da viagem com exceção do passaporte
foram custeados por CRISTIANE; no trecho com início em 12:12 e término em 12:28, que nos dias
de maior movimento fazia cerca de oito a nove programas por noite; no trecho com início em 15:16
e término em 15:30, que seu passaporte e suas malas ficaram retidas no clube mas não sabe por
quem; no trecho com início em 24:40 e término em 24:45, que eles falavam que iam entregar o
passaporte depois porque a gente poderia fugir" (Kátia de Medeiros Rocha, depoimento em Juízo,
em 02.11.2013, que se encontra gravado na mídia acostada à fl. 704)

"no trecho com início em 01:14 e término em 01:20, que foi à Espanha a convite de uma brasileira
chamada CRISTIANE; no trecho com início em 05:20 e término em 05:21, que foi CRISTIANE
que deu o dinheiro para viajar à Espanha; no trecho com início em 06:05 e término em 06:15, que
CRISTIANE lhe orientou de como se portar diante dos funcionários da imigração; no trecho com
início em 10:40 e término em 10:50, que após o final do expediente, por volta das quatro da manhã
até as oito horas, os portões eram fechados e não podiam sair, tinham que ficar presas no quarto; no
trecho com início em 11:50 e término em 11:58, que num certo horário da manhã até certo horário
da tarde podiam sair mas eram seguidas; no trecho com início em 15:32 e término em 15:36, que
CRISTIANE deixou ciente de que ia trabalhar em casas noturnas; no trecho com início em 19:09 e
término em 19:13, que no período que ficou no clube Éden teve suas malas retidas, mas o
passaporte não; no trecho com início em 20:26 e término em 20:28, que a dívida era de dois mil e
quinhentos euros; no trecho com início em 20:46 e término em 20:50, que quando saiu do Brasil
sabia que tinha uma dívida mas não sabia que era tão grande; no trecho com início em 25:25 e
término em 25:40, que não sofreu agressões mas se sentiu acuada sem ter opção para vir embora
pois tinha uma dívida; no trecho com início em 26:00 e término em 26:28, que teria que trabalhar
nas condições que ofereciam pois, se não, não voltaria ao Brasil; no trecho com início em 30:20 e
término em 30:36, que um dia à noite sua amiga estava sem diasepan, que ela vivia a base de
diasepan e convivia com ela no mesmo quarto, então implorou para o rapaz que estava na portaria
para deixar levar ela no médico, então foram duas vezes que ela saiu do clube." (Maise França
Correia da Costa, depoimento em Juízo, em 03.11.2013, que se encontra gravado na mídia acostada
à fl. 720v)
Por fim, Silvanir Lidiane Ferreira em depoimento perante a autoridade policial (fls. 123/127
do IPL nº 0837/2008) declarou:
"que no mês de novembro do ano de 2008, realizou viagem com destino a Barcelona, que realizou
essa viagem em companhia de sua amiga MAIZE a qual tinha a mesma finalidade de trabalho, em
um "night club" na Catalúnia (...), que uma pessoa chamada CRISTINA ou CRISTIANE teria
enviado quatro brasileiras a este mesmo destino (...), que CRISTIANE falou que o trabalho se
trataria de prostituição (...), que todas as despesas da viagem internacional foram financiadas
através de CRISTIANE, que recebeu das mãos de CRISTIANE passagem internacional, seguro-
saúde, reserva em hotel e 500 (quinhentos) euros, que é do seu conhecimento que MAIZE também
recebeu da mesma forma, que os 500 (quinhentos) euros fornecidos deveriam ser utilizados para
sustentar uma falsa finalidade de estadia na Espanha, caso as autoridades de imigração
perguntassem(...), que foi FINO quem levou a depoente e sua amiga MAIZE ao "night club", que
durante a viagem de carro até o "night club" FINO informou à depoente sobre problemas ocorridos
em sua reserva e que, em razão disso, as despesas seriam suportadas pela depoente, que em razão
disso, refutou a dívida proposta por FINO, afirmando que já devia dois mil e quinhentos euros e que
não iria arcar com mais despesas (...); que nunca foi agredida fisicamente, porém, moralmente, se
sentiu agredida por "FINO" e "JOSE".
O depoimento prestado por Maíse França Correia da Costa perante este Juízo, em
03.11.2013, que se encontra gravado na mídia acostada à fl. 720v, por sua vez, indica:
"no trecho com início em 01:14 e término em 01:20, que foi à Espanha a convite de uma brasileira
chamada CRISTIANE; no trecho com início em 05:20 e término em 05:21, que foi CRISTIANE
que deu o dinheiro para viajar à Espanha; no trecho com início em 06:23 e término em 06:26, que
viajou juntamente com Lidiane; no trecho com início em 15:32 e término em 15:36, que
CRISTIANE deixou ciente de que ia trabalhar em casas noturnas."

Destaque-se que, apesar de a vítima Silvanir Lidiane Ferreira não ter sido ouvida em juízo,
seu depoimento prestado na esfera policial foi corroborado pela testemunha Maíse França Correia
da Costa, consoante depoimento prestado em juízo sob o crivo do contraditório.
Por outro lado, a ré CRISTIANE FERREIRA DA SILVA TINOCO, em depoimento perante
este Juízo, em 03.11.2013, que se encontra gravado na mídia acostada à fl. 720v, afirmou:
"no trecho com início em 03:25 e término em 03:30, que saiba nenhuma brasileira exercia
prostituição nos clubes; no trecho com início em 04:20 e término em 04:23, que não sabe quem
convidava as brasileiras a ir ao clube; no trecho com início em 05:15 e término em 05:23, que não
convidou mas ajudou duas amigas a ir trabalhar na Espanha; no trecho com início em 06:40 e
término em 06:50, que as garotas não tinham uma dívida de dois mil e quinhentos euros com Jose
Moreno"
Frise-se que a acusada nega qualquer participação nos fatos a ela atribuídos, bem como ter
ciência de qualquer atividade relacionada a prostituição nos clubes ECLIPSE e EL EDEN, tese esta
reforçada em suas alegações finais (fls. 1106/1115). No entanto, a tese da defesa não encontra
respaldo nos depoimentos transcritos acima, colhidos em juízo e na esfera policial, que atribuíram
de forma veemente à acusada a participação no crime de redução à condição análoga à de escravo
das brasileiras enviadas para trabalhar nos clubes EL EDEN e ECLIPSE, na Espanha, tendo em
vista que sofreram restrição na liberdade de locomoção em virtude de dívida adquirida com o grupo
criminoso.
A defesa alega (fls. 1106/1115) que a acusada, apenas ajudou duas amigas a ingressarem na
Espanha para que lá pudessem trabalhar, não tendo conhecimento da prática de qualquer crime em
relação às mulheres que iam aos clubes. Do mais, alega que não existem provas aptas a embasar um
pleito condenatório.
Verifica-se, no entanto, que o conjunto probatório produzido nos autos aponta que a acusada
não apenas tinha conhecimento das condições a que eram submetidas as mulheres traficadas, como
era a pessoa responsável pelo aliciamento das mulheres que seriam reduzidas à condição análoga à
de escravo. Do mais, restou evidenciado que era perante a acusada (embora a mando de terceiros,
que lhe enviavam dinheiro) que as vítimas contraíam a dívida com o grupo criminoso, que seria o
motivo para restrição da liberdade de locomoção imposta, para assegurar que as vítimas não
fugissem sem pagar a dívida. Enfatize-se, ademais, que a acusada mantinha relacionamento
amoroso com o braço direito (FINO) do proprietário das boates, o que reforça a convicção de seu
envolvimento no crime.
Diante do exposto, é possível concluir que CRISTIANE FERREIRA DA SILVA TINOCO
concorreu, por seis vezes, para os crimes descritos no tópico materialidade.
A atuação não pode ser tida como de menor importância, haja vista ser a acusada apontada
como a agente aliciadora das vítimas reduzidas à condição análoga à de escravo, perante a qual elas
assumiam as dívidas para propiciar o deslocamento até a Espanha para exercer o trabalho que a
acusada lhes oferecera, qual seja, a prostituição.

JOSE MANUEL CAEIRO OTERO e ABRAHAM SOLER FRANCH


Os acusados JOSE MANUEL CAEIRO OTERO e ABRAHAM SOLER FRANCH foram
apontados pelo MPF como gerentes das boates EL EDEN e ECLIPSE. Nas alegações finais, a
acusação afirma (fl. 1101) inexistirem provas da materialidade do delito (tese já refutada
anteriormente nesta sentença) e, como preliminar, entende enquadrar-se o caso nas hipóteses de
extraterritorialidade condicionada (argumento igualmente refutado alhures). Resta, então, analisar
se participaram, de alguma forma, na "coisificação" das mulheres.
Registro, desde logo, que, sendo as condutas (ocorridas nos anos de 2007 e 2008) anteriores
à Lei nº 12.015/2009, não se aplicam as equiparações trazidas na nova disciplina. Por exemplo,
ainda que comprovado que, sabedores da condição de "escravas", os referidos acusados houvessem
alojado as vítimas (CP, art. 231, §1º), não poderiam responder pelo crime, por se tratar de nova
hipótese de incidência do tipo penal, inexistente naqueles anos.
Os elementos presentes nos autos não permitem concluir pela procedência da pretensão
condenatória quanto ao crime em análise. Apenas restou provado (e isso tão-só para JOSE
MANUEL) que o papel era o tipicamente desempenhado por empregados em estabelecimentos
daquela espécie. Confira-se o depoimento desse acusado (mídia acostada à fl. 720v):
"no trecho com início em 00:48 e término em 01:18, que trabalhou só na EL EDEN, que lá era
barman e fazia o controle dos passaportes das garotas; no trecho com início em 04:20 e término em
04:37, que não sabe quem convidava as garotas para trabalhar no hotel porque se dedicava a fazer o
cadastro; no trecho com início em 04:55 e término em 05:15, que o cadastro como em qualquer
hotel continha o nome, o nº do passaporte, a cópia do passaporte que mandavam para a polícia local
e para a extrangeria; no trecho com início em 05:55 e término em 06:00, que as garotas estavam no
hotel e desciam ao clube para alternar; no trecho com início em 06:25 e término em 06:50, que não
cobrava nenhum valor das mulheres que isto cabia a recepcionista; no trecho com início em 07:38 e
término em 07:45, que os passaportes ficavam com as garotas ele apenas ficava com o documento
por cinco minutos para tirar cópia e fazer o cadastro; no trecho com início em 08:30 e término em
08:33, que era conhecido como gerente do clube EL EDEN; no trecho com início em 09:45 e
término em 09:50, que não sabe como as garotas eram pagas; no trecho com início em 10:15 e
término em 10:28, que as garotas pagavam ao hotel sessenta euros diários correspondente à
alimentação e hospedagem; no trecho com início em 15:00 e término em 16:09, que veio ao Brasil
em Janeiro de 2008 e voltou em maio de 2008, vindo novamente ao Brasil em dezembro de 2011 e
voltando à Espanha em novembro de 2012; no trecho com início em 16:15 e término em 16:16, que
ficou em Belo Horizonte; no trecho com início em 16:40 e término em 16:45, que não sabe se as
garotas chegavam no clube com uma dívida de dois mil e quinhentos euros."

Não há, pois, comprovação de que os dois acusados tenham, de alguma forma, contribuído
para a redução à condição análoga à de escravo. Diferentemente do que ocorreu em relação aos
acusados JOSE MORENO GOMEZ, CEFERINO VALERO GONZALEZ e CRISTIANE
FERREIRA DA SILVA TINOCO (proprietário das boates e financiador das viagens, seu braço
direito e peça chave na prostituição forçada e a principal aliciadora, respectivamente), aqui, se algo
restou provado, foi apenas a vinculação como empregados.
Assim, impõe-se, por ausência de provas de participação na empreitada criminosa (CPP, art.
386, V), a absolvição.

2.2.3 Da análise estrutural dos crimes


No tocante aos crimes de redução à condição análoga à de escravo, as condutas dos
acusados (JOSE MORENO GOMEZ, CEFERINO VALERO GONZALEZ e CRISTIANE
FERREIRA DA SILVA TINOCO) são típicas, no sentido formal, correspondendo perfeitamente ao
tipo penal transcrito alhures, haja vista que eles restringiram a liberdade de locomoção das vítimas
em virtude de dívida (bem como em razão das ameaças e das demais restrições à liberdade de
locomoção descritas anteriormente) adquirida com o grupo criminoso para propiciar a viagem das
vítimas para exercer a prostituição nos clubes ECLIPSE e EL EDEN, na Espanha.
A tipicidade material decorre da lesão ou ameaça de lesão da conduta ao bem jurídico
tutelado, no caso, a liberdade de locomoção das vítimas, estando evidenciado nos autos que as
vítimas tiveram sua liberdade de locomoção restringida.
O dolo (tipicidade subjetiva) está presente, uma vez que os elementos fático-probatórios
deixam ver que os agentes possuíam consciência das condutas, assim como apontam que tinham
vontade livre de realizá-las.
A tipicidade, uma vez constatada, carrega, já, um indício de ilicitude. Essa ilicitude (ou
antijuridicidade) deve ser entendida como a relação de contrariedade entre a conduta do agente e o
ordenamento jurídico, que se dá quando não concorrem quaisquer das causas de exclusão da
ilicitude, sejam as legais do art. 23 do CP, sejam quaisquer outras causas que a doutrina chama de
supralegais. No caso, não vislumbro a presença de qualquer dessas causas de justificação da
conduta, de modo que se impõe caracterizá-las como antijurídicas, ou seja, criminosas.
A culpabilidade dos réus decorre do fato de eles serem penalmente imputáveis à época dos
fatos, de ser-lhes exigível que adotassem conduta diversa daquela que adotaram, bem como por
serem eles, não só potencialmente, mas também efetivamente conscientes da ilicitude de suas
condutas. Em razão disso, incide sobre as condutas dos réus um juízo de reprovabilidade, que tem
como conseqüência a imposição de uma sanção, de uma pena, como resposta estatal ao desvio de
conduta por eles praticada.

2.2.4 Da Continuidade Delitiva


Cabe considerar que quando o agente, mediante mais de uma ação ou omissão, pratica dois
ou mais crimes da mesma espécie, com condições de tempo, lugar e maneira de execução
semelhantes, cria-se uma suposição de que os subseqüentes são uma continuação do primeiro,
formando o crime continuado.
Como frisado pelo Ministério Público Federal, em relação aos crimes em comento, incide o
art. 71 do Código Penal (continuidade delitiva), face à identidade de condições de tempo (anos de
2007 e 2008), de lugar (Rio Grande do Norte) e de maneira de execução (restrição da liberdade de
locomoção das vítimas em virtude, por exemplo, de dívida adquirida com o grupo criminoso para
propiciar a viagem das vítimas para exercer a prostituição nos clubes ECLIPSE e EL EDEN, na
Espanha).
Deve, então, ser aplicada somente uma das penas - pois se trata de crimes idênticos -, mas
acrescida, em qualquer caso, de um sexto a dois terços. Como, no caso dos acusados JOSE
MORENO GOMEZ, CEFERINO VALERO GONZALEZ (FINO) e CRISTIANE FERREIRA DA
SILVA TINOCO, foram 6 (seis) as condutas delituosas, em conformidade com a jurisprudência
majoritária - que entende ser o número de vezes em que o crime for praticado o fator preponderante
para fixação da causa de aumento de pena em relação à continuidade delitiva (v.g., ACR
01037306019984036181, JUIZA CONVOCADA SILVIA ROCHA, TRF3 - PRIMEIRA TURMA,
e-DJF3 Judicial 1 DATA: 18/07/2011 PÁGINA: 81) -, deve o acréscimo ocorrer no patamar de 1/2
(metade).

2.3 DO CRIME DE QUADRILHA OU BANDO


O Ministério Público Federal imputou aos acusados, na denúncia, a prática do crime de
quadrilha ou bando, insculpido no art. 288 do Código Penal, o qual, à época dos fatos (anos de 2007
e 2008), prescrevia o seguinte:
Art. 288 - Associarem-se mais de três pessoas, em quadrilha ou bando, para o fim de cometer
crimes:
Pena - reclusão, de um a três anos.
Parágrafo único - A pena aplica-se em dobro, se a quadrilha ou bando é armado

A redação acima, anterior à dada pela Lei nº 12.850/2013, deixa claro que o cometimento do
crime pressupõe a existência de 4 (quatro) ou mais agentes. Contudo, no caso em exame, foram
absolvidos da totalidade das imputações dois dos acusados, restando apenas outros 3 (três). Por
conseguinte, não há de se cogitar do crime em tela, por ausência do número mínimo de
participantes.
Impõe-se, portanto, a absolvição dos acusados, nos termos do art. 386, III, do CPP.
2.4 CONSIDERAÇÕES FINAIS
O acusado JOSE MORENO GOMEZ será condenado nas sanções do art. 231, §§2º e 3º (por
seis vezes, em continuidade delitiva - art. 71) e do art. 149 (por seis vezes, em continuidade delitiva
- art. 71), todos do CP. Em consonância com o art. 69 do CP, devem ser-lhe aplicadas
cumulativamente as penas privativas de liberdade.
O acusado CEFERINO VALERO GONZALEZ será condenado nas sanções do art. 231,
§§2º e 3º (por seis vezes, em continuidade delitiva - art. 71) e do art. 149 (por seis vezes, em
continuidade delitiva - art. 71), todos do CP. Em consonância com o art. 69 do CP, devem ser-lhe
aplicadas cumulativamente as penas privativas de liberdade.
A acusada CRISTIANE FERREIRA DA SILVA TINOCO será condenada nas sanções do
art. 231, §§2º e 3º (por seis vezes, em continuidade delitiva - art. 71) e do art. 149 (por seis vezes,
em continuidade delitiva - art. 71), todos do CP. Em consonância com o art. 69 do CP, devem ser-
lhe aplicadas cumulativamente as penas privativas de liberdade.
Por não vislumbrar, quanto a cada acusado acima, penas diversas para os delitos cometidos
em continuidade delitiva, será realizada a dosimetria apenas para um dos crimes.
Por sua vez, serão absolvidos os acusados:
a) JOSE MANUEL CAEIRO OTERO e ABRAHAM SOLER FRANCH, com fundamento
no CPP, art. 386, V, das imputações referentes aos crimes do art. 231, §§2º e 3º, e do art. 149, ambos
do CP;
b) JOSE MORENO GOMEZ, CEFERINO VALERO GONZALEZ, CRISTIANE
FERREIRA DA SILVA TINOCO, JOSE MANUEL CAEIRO OTERO e ABRAHAM SOLER
FRANCH, nos termos do art. 386, III, do CPP, da imputação referente ao crime do art. 288 do CP.
3. DISPOSITIVO
Diante do exposto, JULGO PARCIALMENTE PROCEDENTE a pretensão deduzida na
denúncia para:
a) absolver JOSE MANUEL CAEIRO OTERO e ABRAHAM SOLER FRANCH, com
fundamento no CPP, art. 386, V, das imputações referentes aos crimes do art. 231, §§2º e 3º, e do
art. 149, ambos do CP;
b) absolver JOSE MORENO GOMEZ, CEFERINO VALERO GONZALEZ, CRISTIANE
FERREIRA DA SILVA TINOCO, JOSE MANUEL CAEIRO OTERO e ABRAHAM SOLER
FRANCH, nos termos do art. 386, III, do CPP, da imputação referente ao crime do art. 288 do CP;
c) condenar JOSE MORENO GOMEZ nas sanções do art. 231, §§2º e 3º (por seis vezes, em
continuidade delitiva - art. 71) e do art. 149 (por seis vezes, em continuidade delitiva - art. 71), nos
termos do art. 69 (concurso material), todos do Código Penal;
d) condenar CEFERINO VALERO GONZALEZ nas sanções do art. 231, §§2º e 3º (por seis
vezes, em continuidade delitiva - art. 71) e do art. 149 (por seis vezes, em continuidade delitiva -
art. 71), nos termos do art. 69 (concurso material), todos do Código Penal;
e) condenar CRISTIANE FERREIRA DA SILVA TINOCO nas sanções do art. 231, §§2º e
3º (por seis vezes, em continuidade delitiva - art. 71) e do art. 149 (por seis vezes, em continuidade
delitiva - art. 71), nos termos do art. 69 (concurso material), todos do Código Penal.
Passo a DOSAR A PENA, obedecendo aos ditames do art. 68 do Código Penal e analisando
as circunstâncias judiciais do art. 59 do mesmo diploma, a eventual existência de circunstâncias
agravantes e atenuantes ou causas de aumento ou diminuição de pena, bem como, ao final, a
possibilidade de substituição da pena privativa de liberdade aplicada por pena(s) restritiva(s) de
direito.
3.1 JOSE MORENO GOMEZ
3.1.1 Dos Crimes de tráfico internacional de pessoas para fim de exploração sexual,
mediante fraude e com o fim de obter vantagem econômica (art. 231, §§2º e 3º, CP, por seis vezes,
em continuidade delitiva).
Examinando as circunstâncias judiciais previstas no Código Penal, art. 59, pode-se constatar
que não são integralmente favoráveis ao réu. É que, no que tange às circunstâncias e culpabilidade
do crime, entendo que devam ser sopesadas em seu desfavor: o condenado é empresário e
proprietário de duas boates na Espanha, de sorte que poderia manter-se sem a necessidade de
promover o tráfico de mulheres, oriundas de famílias pobres de um dos estados mais carentes do
Brasil (o Rio Grande do Norte). Por conseguinte, fixo a pena-base em 04 (quatro) anos de reclusão.
Não se verifica a ocorrência de atenuantes ou agravantes.
Reconhecendo a inexistência de causa de diminuição e incidindo a causa de aumento
prevista no art. 231, §2º, inciso IV (fraude), CP, aumento a pena em 1/2 (metade), chegando à pena
definitiva, para cada um dos crimes, de 06 (seis) anos de reclusão.
Em decorrência da continuidade delitiva (art. 71, do CP), por seis vezes, aplico apenas uma
das penas, aumentada em 1/2 (metade), chegando à pena de 09 (nove) anos de reclusão, que
TORNO CONCRETA E DEFINITIVA.
O tipo contempla a sanção de multa, individualizada em conformidade com o art. 49 do CP.
Partindo das circunstâncias judiciais já aferidas quando da individualização da pena privativa de
liberdade, fixo a pena de multa em 95 (noventa e cinco) dias-multa. Em face do entendimento
predominante no âmbito do Superior Tribunal de Justiça (HC 132351/DF, Rel. Ministro FELIX
FISCHER, QUINTA TURMA, julgado em 19/08/2009, DJe 05/10/2009), que desconsidera as
agravantes/atenuantes e as causas de aumento/diminuição, incabível a majoração da quantidade de
dias-multa em decorrência da causa de aumento de pena do art. 231, §2º, inciso IV, CP. Por outro
lado, sendo inaplicável à continuidade delitiva o art. 72 do CP (HC 201102471522, VASCO
DELLA GIUSTINA (DESEMBARGADOR CONVOCADO DO TJ/RS), STJ - SEXTA TURMA,
DJE DATA: 11/04/2012), acresço a multa da 1/2 (metade), passando a totalizar 142 (cento e
quarenta e dois) dias-multa. Atento à condição sócio-econômica do réu (empresário dono de duas
boates na Espanha), faço corresponder cada dia-multa a 1 (um) salário mínimo vigente à época dos
fatos (31/12/2008 - R$ 415,00), devendo ser atualizado monetariamente quando da execução do
julgado (art. 49, § 2º, do Código Penal).
3.1.2 Dos Crimes de redução à condição análoga à de escravo (art. 149 do Código Penal).
Examinando as circunstâncias judiciais previstas no Código Penal, art. 59, pode-se constatar
que não são integralmente favoráveis ao réu. É que, no que tange às circunstâncias e culpabilidade
do crime, entendo que devam ser sopesadas em seu desfavor: o condenado é empresário e
proprietário de duas boates na Espanha, de sorte que poderia manter-se sem a necessidade de
promover a "coisificação" de mulheres, oriundas de famílias pobres de um dos estados mais
carentes do Brasil (o Rio Grande do Norte). Por conseguinte, fixo a pena-base em 03 (três) anos de
reclusão.
Em relação ao réu, não se verifica a ocorrência de atenuantes ou agravantes, bem como
causas de aumento ou diminuição de pena. Assim, a pena definitiva, para cada um dos crimes, é
fixada em 03 (três) anos de reclusão.
Em decorrência da continuidade delitiva (art. 71, do CP), por seis vezes, aplico apenas uma
das penas, aumentada da 1/2 (metade), chegando à pena de 04 (quatro) anos e 06 (seis) meses de
reclusão, que TORNO CONCRETA E DEFINITIVA.
O tipo contempla a sanção de multa, individualizada em conformidade com o art. 49 do CP.
Partindo das circunstâncias judiciais já aferidas quando da individualização da pena privativa de
liberdade, fixo a pena de multa em 95 (noventa e cinco) dias-multa. Sendo inaplicável à
continuidade delitiva o art. 72 do CP (HC 201102471522, VASCO DELLA GIUSTINA
(DESEMBARGADOR CONVOCADO DO TJ/RS), STJ - SEXTA TURMA, DJE DATA:
11/04/2012), acresço a multa da 1/2 (metade), passando a totalizar 142 (cento e quarenta e dois)
dias-multa. Atento à condição sócio-econômica do réu (empresário dono de duas boates na
Espanha), faço corresponder cada dia-multa a 1 (um) salário mínimo vigente à época dos fatos
(31/12/2008 - R$ 415,00), devendo ser atualizado monetariamente quando da execução do julgado
(art. 49, § 2º, do Código Penal).
3.1.3 Crimes Praticados em Concurso Material
Em decorrência do concurso material de crimes (art. 69, do Código Penal), por ter o
acusado, mediante mais de uma ação, praticado mais de um delito, devem ser aplicadas
cumulativamente as penas privativas de liberdade. Como no caso foram impostas duas penas de
reclusão (09 anos e 04 anos e 06 meses), devem ser somados os montantes. Isso posto, fixo em
definitivo a pena privativa de liberdade em 13 (treze) anos e 06 (seis) meses de reclusão.
O réu deverá (art. 33, §2º, alínea "a", do CP) iniciar o cumprimento no regime fechado.
Deixo, pelo fato de a soma das penas extrapolar o patamar de 4 (quatro) anos, de proceder à
substituição das penas privativas de liberdade por restritivas de direitos (CP, art. 44).
Incabível a suspensão condicional das penas (sursis), por superado o patamar de 2 (dois)
anos (CP, art. 77, "caput").
As multas deverão ser pagas no prazo de 10 (dez) dias após o trânsito em julgado desta
sentença.
3.2 CEFERINO VALERO GONZALEZ (FINO)
3.2.1 Dos Crimes de tráfico internacional de pessoas para fim de exploração sexual,
mediante fraude e com o fim de obter vantagem econômica (art. 231, §§2º e 3º, CP, por seis vezes,
em continuidade delitiva).
Examinando as circunstâncias judiciais previstas no Código Penal, art. 59, pode-se constatar
que não são integralmente favoráveis ao réu. É que, no que tange às circunstâncias do crime,
entendo que devam ser sopesadas em seu desfavor: o condenado atuou para promover o tráfico de
mulheres, oriundas de famílias pobres de um dos estados mais carentes do Brasil (o Rio Grande do
Norte). Por conseguinte, fixo a pena-base em 03 (três) anos e 06 (seis) meses de reclusão.
Em relação ao réu, não se verifica a ocorrência de atenuantes ou agravantes.
Reconhecendo a inexistência de causa de diminuição e incidindo a causa de aumento
prevista no art. 231, §2º, inciso IV (fraude), CP, aumento a pena em 1/2 (metade), chegando à pena
definitiva, para cada um dos crimes, de 05 (cinco) anos e 03 (três) meses de reclusão.
Em decorrência da continuidade delitiva (art. 71, do CP), por seis vezes, aplico apenas uma
das penas, aumentada em 1/2 (metade), chegando à pena de 07 (sete) anos, 10 (dez) meses e 15
(quinze) dias de reclusão, que TORNO CONCRETA E DEFINITIVA.
O tipo contempla a sanção de multa, individualizada em conformidade com o art. 49 do CP.
Partindo das circunstâncias judiciais já aferidas quando da individualização da pena privativa de
liberdade, fixo a pena de multa em 80 (oitenta) dias-multa. Em face do entendimento predominante
no âmbito do Superior Tribunal de Justiça (HC 132351/DF, Rel. Ministro FELIX FISCHER,
QUINTA TURMA, julgado em 19/08/2009, DJe 05/10/2009), que desconsidera as
agravantes/atenuantes e as causas de aumento/diminuição, incabível a majoração da quantidade de
dias-multa em decorrência da causa de aumento de pena do art. 231, §2º, inciso IV, CP. Por outro
lado, sendo inaplicável à continuidade delitiva o art. 72 do CP (HC 201102471522, VASCO
DELLA GIUSTINA (DESEMBARGADOR CONVOCADO DO TJ/RS), STJ - SEXTA TURMA,
DJE DATA: 11/04/2012), acresço a multa da 1/2 (metade), passando a totalizar 120 (cento e vinte)
dias-multa. Atento à condição sócio-econômica do réu (não demonstrado nos autos que ostente
situação favorável), faço corresponder cada dia-multa a 1/30 (um trinta avos) do salário mínimo
vigente à época dos fatos (31/12/2008 - R$ 415,00), devendo ser atualizado monetariamente quando
da execução do julgado (art. 49, § 2º, do Código Penal).
3.2.2 Dos Crimes de redução à condição análoga à de escravo (art. 149 do Código Penal).
Examinando as circunstâncias judiciais previstas no Código Penal, art. 59, pode-se constatar
que não são integralmente favoráveis ao réu. É que, no que tange às circunstâncias do crime,
entendo que devam ser sopesadas em seu desfavor: o condenado atuou para promover a
"coisificação" de mulheres, oriundas de famílias pobres de um dos estados mais carentes do Brasil
(o Rio Grande do Norte). Por conseguinte, fixo a pena-base em 02 (dois) anos e 06 (seis) meses de
reclusão.
Em relação ao réu, não se verifica a ocorrência de atenuantes ou agravantes, bem como
causas de aumento ou diminuição de pena. Assim, a pena definitiva, para cada um dos crimes, é
fixada em 02 (dois) anos e 06 (seis) meses de reclusão.
Em decorrência da continuidade delitiva (art. 71, do CP), por seis vezes, aplico apenas uma
das penas, aumentada da 1/2 (metade), chegando à pena de 03 (três) anos e 09 (nove) meses de
reclusão, que TORNO CONCRETA E DEFINITIVA.
O tipo contempla a sanção de multa, individualizada em conformidade com o art. 49 do CP.
Partindo das circunstâncias judiciais já aferidas quando da individualização da pena privativa de
liberdade, fixo a pena de multa em 80 (oitenta) dias-multa. Sendo inaplicável à continuidade
delitiva o art. 72 do CP (HC 201102471522, VASCO DELLA GIUSTINA (DESEMBARGADOR
CONVOCADO DO TJ/RS), STJ - SEXTA TURMA, DJE DATA: 11/04/2012), acresço a multa da
1/2 (metade), passando a totalizar 120 (cento e vinte) dias-multa. Atento à condição sócio-
econômica do réu (não demonstrado nos autos que ostente situação favorável), faço corresponder
cada dia-multa a 1/30 (um trinta avos) do salário mínimo vigente à época dos fatos (31/12/2008 -
R$ 415,00), devendo ser atualizado monetariamente quando da execução do julgado (art. 49, § 2º,
do Código Penal).
3.2.3 Crimes Praticados em Concurso Material.
Em decorrência do concurso material de crimes (art. 69, do Código Penal), por ter o
acusado, mediante mais de uma ação, praticado mais de um delito, devem ser aplicadas
cumulativamente as penas privativas de liberdade. Como no caso foram impostas duas penas de
reclusão (07 anos, 10 meses e 15 dias e 03 anos e 09 meses), devem ser somados os montantes. Isso
posto, fixo em definitivo a pena privativa de liberdade em 11 (onze) anos, 07 (sete) meses e 15
(quinze) dias de reclusão.
O réu deverá (art. 33, §2º, alínea "a", do CP) iniciar o cumprimento no regime fechado.
Deixo, pelo fato de a soma das penas extrapolar o patamar de 4 (quatro) anos, de proceder à
substituição das penas privativas de liberdade por restritivas de direitos (CP, art. 44).
Incabível a suspensão condicional das penas (sursis), por superado o patamar de 2 (dois)
anos (CP, art. 77, "caput").
As multas deverão ser pagas no prazo de 10 (dez) dias após o trânsito em julgado desta
sentença.

3.3 CRISTIANE FERREIRA DA SILVA TINOCO


3.3.1 Dos Crimes de tráfico internacional de pessoas para fim de exploração sexual,
mediante fraude e com o fim de obter vantagem econômica (art. 231, §§2º e 3º, CP, por seis vezes,
em continuidade delitiva).
Examinando as circunstâncias judiciais previstas no Código Penal, art. 59, pode-se constatar
que não são integralmente favoráveis à ré. É que, no que tange às circunstâncias do crime, entendo
que devam ser sopesadas em seu desfavor: a condenada atuou para promover o tráfico de mulheres
(ela própria anteriormente uma vítima), oriundas de famílias pobres de um dos estados mais
carentes do Brasil (o Rio Grande do Norte). Por conseguinte, fixo a pena-base em 03 (três) anos e
06 (seis) meses de reclusão.
Em relação à ré, não se verifica a ocorrência de atenuantes ou agravantes.
Reconhecendo a inexistência de causa de diminuição e incidindo a causa de aumento
prevista no art. 231, §2º, inciso IV (fraude), CP, aumento a pena em 1/2 (metade), chegando à pena
definitiva, para cada um dos crimes, de 05 (cinco) anos e 03 (três) meses de reclusão.
Em decorrência da continuidade delitiva (art. 71, do CP), por seis vezes, aplico apenas uma
das penas, aumentada em 1/2 (metade), chegando à pena de 07 (sete) anos, 10 (dez) meses e 15
(quinze) dias de reclusão, que TORNO CONCRETA E DEFINITIVA.
O tipo contempla a sanção de multa, individualizada em conformidade com o art. 49 do CP.
Partindo das circunstâncias judiciais já aferidas quando da individualização da pena privativa de
liberdade, fixo a pena de multa em 80 (oitenta) dias-multa. Em face do entendimento predominante
no âmbito do Superior Tribunal de Justiça (HC 132351/DF, Rel. Ministro FELIX FISCHER,
QUINTA TURMA, julgado em 19/08/2009, DJe 05/10/2009), que desconsidera as
agravantes/atenuantes e as causas de aumento/diminuição, incabível a majoração da quantidade de
dias-multa em decorrência da causa de aumento de pena do art. 231, §2º, inciso IV, CP. Por outro
lado, sendo inaplicável à continuidade delitiva o art. 72 do CP (HC 201102471522, VASCO
DELLA GIUSTINA (DESEMBARGADOR CONVOCADO DO TJ/RS), STJ - SEXTA TURMA,
DJE DATA: 11/04/2012), acresço a multa da 1/2 (metade), passando a totalizar 120 (cento e vinte)
dias-multa. Atento à condição sócio-econômica da ré (não demonstrado nos autos que ostente
situação favorável), faço corresponder cada dia-multa a 1/30 (um trinta avos) do salário mínimo
vigente à época dos fatos (31/12/2008 - R$ 415,00), devendo ser atualizado monetariamente quando
da execução do julgado (art. 49, § 2º, do Código Penal).
3.3.2 Dos Crimes de redução à condição análoga à de escravo (art. 149 do Código Penal).
Examinando as circunstâncias judiciais previstas no Código Penal, art. 59, pode-se constatar
que não são integralmente favoráveis à ré. É que, no que tange às circunstâncias do crime, entendo
que devam ser sopesadas em seu desfavor: a condenada atuou para promover o tráfico de mulheres
(ela própria anteriormente uma vítima), oriundas de famílias pobres de um dos estados mais
carentes do Brasil (o Rio Grande do Norte). Por conseguinte, fixo a pena-base em 02 (dois) anos e
06 (seis) meses de reclusão.
Em relação à ré, não se verifica a ocorrência de atenuantes ou agravantes, bem como causas
de aumento ou diminuição de pena. Assim, a pena definitiva, para cada um dos crimes, é fixada em
02 (dois) anos e 06 (seis) meses de reclusão.
Em decorrência da continuidade delitiva (art. 71, do CP), por seis vezes, aplico apenas uma
das penas, aumentada da 1/2 (metade), chegando à pena de 03 (três) anos e 09 (nove) meses de
reclusão, que TORNO CONCRETA E DEFINITIVA.
O tipo contempla a sanção de multa, individualizada em conformidade com o art. 49 do CP.
Partindo das circunstâncias judiciais já aferidas quando da individualização da pena privativa de
liberdade, fixo a pena de multa em 80 (oitenta) dias-multa. Sendo inaplicável à continuidade
delitiva o art. 72 do CP (HC 201102471522, VASCO DELLA GIUSTINA (DESEMBARGADOR
CONVOCADO DO TJ/RS), STJ - SEXTA TURMA, DJE DATA: 11/04/2012), acresço a multa da
1/2 (metade), passando a totalizar 120 (cento e vinte) dias-multa. Atento à condição sócio-
econômica da ré (não demonstrado nos autos que ostente situação favorável), faço corresponder
cada dia-multa a 1/30 (um trinta avos) do salário mínimo vigente à época dos fatos (31/12/2008 -
R$ 415,00), devendo ser atualizado monetariamente quando da execução do julgado (art. 49, § 2º,
do Código Penal).
3.3.3 Crimes Praticados em Concurso Material.
Em decorrência do concurso material de crimes (art. 69, do Código Penal), por ter a
acusada, mediante mais de uma ação, praticado mais de um delito, devem ser aplicadas
cumulativamente as penas privativas de liberdade. Como no caso foram impostas duas penas de
reclusão (07 anos, 10 meses e 15 dias e 03 anos e 09 meses), devem ser somados os montantes. Isso
posto, fixo em definitivo a pena privativa de liberdade em 11 (onze) anos, 07 (sete) meses e 15
(quinze) dias de reclusão.
A ré deverá (art. 33, §2º, alínea "a", do CP) iniciar o cumprimento no regime fechado.
Deixo, pelo fato de a soma das penas extrapolar o patamar de 4 (quatro) anos, de proceder à
substituição das penas privativas de liberdade por restritivas de direitos (CP, art. 44).
Incabível a suspensão condicional das penas (sursis), por superado o patamar de 2 (dois)
anos (CP, art. 77, "caput").
As multas deverão ser pagas no prazo de 10 (dez) dias após o trânsito em julgado desta
sentença.
4. PROVIDÊNCIAS FINAIS
Após o trânsito em julgado: a) lancem-se os nomes dos réus no Rol dos Culpados; b)
comunique-se ao TRE para os efeitos do art. 15, III, da CF/88, salvo em relação aos estrangeiros; c)
remetam-se os autos à Distribuição para que seja alterada a situação dos acusados para "condenado-
solto"; d) Oficie-se ao DPF informando o teor desta sentença, para os fins de atualização da base de
dados do INFOSEG, mediante comando via SINIC.
Os acusados ora condenados responderão, "pro rata", pelas custas do processo, que deverão
ser pagas em 10 (dez) dias, após a intimação para esse fim.
Publique-se. Registre-se. Intimem-se.
Natal/RN, 29 de maio de 2014.

CLÁUDIO GIRÃO BARRETO


Juiz Federal Substituto da 14ª Vara da SJRN

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