Beruflich Dokumente
Kultur Dokumente
1. Relatório:
Por não vislumbrar hipótese de absolvição sumária, este juízo, mediante despacho de
fls. 136/137, determinou a continuidade do feito.
A defesa, por sua vez, apresentou memoriais de alegações finais às fls. 172/178,
sustentando as teses de: 1) atipicidade da conduta em face da insignificância; 2) atipicidade da
conduta em virtude da irrelevância do fato penal; 3) configuração do erro de proibição; 4) fixação
da pena, no caso de condenação, abaixo do mínimo.
2. Fundamentação:
2.1. Preliminares:
Por antes, verifico a inexistência de questão preliminar, motivo pelo qual passo ao
exame do mérito.
2.2. Mérito:
2.2.1. Tipo penal denunciado:
Enfim, não se encontra este juízo diante de caso que clame pela alteração da
capitulação inicialmente esposada, nos termos do permissivo contido no art. 383 do CPP1.
Portanto, a prova perseguida terá por norte a conduta descrita no art. 334-A, § 1º, IV, do
CPB.
A prova testemunha, inclusive sob o crivo judicial (mídia de fls. 163), foi por demais
precisa ao apontar a responsabilidade do agente que, de modo consciente e voluntário, perpetrava o
contrabando nos moldes declinados, tendo sido, também, preso em flagrante por tal fato.
* deu voz de prisão ao acusado em razão de ele ter seguido uma senhora;
* na ocasião, verificou que o réu portava uma sacola com cerca de dez maços de cigarros do
Paraguai;
* o denunciado comercializava cigarros no centro e em Camaragibe/PE;
* confirmou o que disse na ocasião da lavratura do flagrante.
Como se não bastassem as provas até então declinadas, o próprio réu, quanto
interrogado em juízo (mídia de fls. 163), confessou a prática, declinando todos os elementos
constitutivos do tipo, senão vejamos:
* é vendedor autônomo;
* vende queijo do reino, uísque e cigarros;
* vende como ambulante pela rua;
* tem segundo grau completo;
* é casado;
* tem dois filhos maiores de idade;
* vende cigarros, mas não sabia que "dava problema";
* estava no Mercado de São José comendo e bebendo uma cerveja;
* um cliente ligou pedindo que pegasse dois pacotes de US e dois de Meridian;
* disse a princípio que não poderia porque não tinha dinheiro;
* o cliente insistiu, dizendo que comprasse que ele pagaria;
* respondeu inicialmente que não compraria porque isso "dava problema";
* terminou comprando;
* quando entrou no metrô encontrou essa menina (MARIA ALICE COELHO SILVA) e, como
gostava dela, foi atrás;
* não sabia que o cigarro era irregular, já que todo mundo vende isso;
* disse ao cliente que "dava problema" em grande quantidade;
* comprou os cigarros no Mercado de São José;
* às vezes não encontra lá porque quando a Polícia Federal chega leva tudo;
* Meridian e US tem em todo canto, ambos são trazidos de fora do país;
* hoje só vende outras coisas e cigarros, apenas os nacionais;
* passou um ano preso no Anibal Bruno por ter seguido essa moça;
* os cigarros importados não são vendidos escondidos;
* quando foi preso, tinha quatro pacotes de cigarros importados, dois de US e dois de Meridian;
* havia comprado os maços no próprio dia em que foi preso;
* comprava e vendia cigarros, queijo do reino, dentre outras coisas;
* não sabia que esses cigarros importados eram proibidos;
* só comprou nesse dia, porque o cliente pediu e insistiu;
* disse inicialmente ao cliente que não podia comprar os cigarros porque "dava problema";
* sabia que não podia comprar, mas comprou.
Como se infere do próprio interrogatório do acusado, ele, de modo consciente e
voluntário, comprou para vender cigarros importados, cuja comercialização era proibida no Brasil,
nos exatos termos do art. 334, § 1º, IV, do CPB.
O réu sabia, como ele mesmo declarou, que era ilícito o que fazia, tanto que, num
primeiro momento, negou-se a comprar - para o cliente que fez a "encomenda" -, mas depois
terminou cedendo e comprou, mesmo sabendo que era ilegal.
Ora, como se sabe, o tipo penal em questão está inserido no capítulo dos crimes
praticados por particular contra a Administração Pública em geral. Não é apenas a quantidade de
produtos ou seu valor que determina a mácula ao bem jurídico e sim o fato de o agente ter
ludibriado - prejudicado - a Administração Pública vendendo produto importado de maneira
irregular e/ou proibido pela lei brasileira, evento que, no caso dos autos, observou-se.
Além disso, não considero que quatro maços de cigarro seja quantidade pouca o
suficiente para tornar ínfima a ofensa ao bem jurídico. Não foram algumas unidades, mas várias, na
verdade quarenta, com efetiva potencialidade lesiva. Embora apresente um pequeno valor
comercial, repita-se que o bem jurídico tutelado pela norma não é o patrimônio, razão pela qual não
é o ponto de vista patrimonial que deve ser levado em consideração.
3. Dispositivo:
Passo, assim, à dosimetria da pena a ser aplicada ao réu, obedecendo aos ditames do
art. 68 do Código Penal:
A - Culpabilidade:
B - Antecedentes:
C - Conduta Social:
Quanto a esta circunstância, deve o magistrado perquirir, diante das provas coligidas e
se assim for possível, a folha de antecedentes criminais do réu, o papel assumido por ele na
sociedade, sua forma de se portar no ambiente familiar, profissional, perante seus vizinhos,
conhecidos e amigos, para que se possa concluir se ele se comporta ou não de acordo com as
normas sociais que exigem uma conduta harmônica e baseada em respeito mútuo.
Pois bem, sob este enfoque, do que pôde apreender este magistrado, não há nos autos
provas que apontam para uma má conduta social assumida pelo réu, razão pela qual também
considero favorável esta análise.
D - Personalidade:
E - Motivos:
Como circunstância judicial, o motivo deve ser entendido como a razão de ser, a causa,
o fundamento do crime perpetrado, sua mola propulsora.
Sob este enfoque, portanto, verifico que, no caso dos autos, os motivos do cometimento
do delito não se afastaram dos inerentes à consumação do próprio tipo penal.
F - Circunstâncias:
G - Consequências:
No caso dos autos, não vislumbro consequências outras além das inerentes à violação
do tipo penal em tela.
H - Comportamento da vítima:
Pena-base:
O art. 334-A, § 1º, IV, do CPB prevê para quem o infringe pena de 02 (dois) a 05
(cinco) anos de reclusão. Considerando o acima fundamentado, máxime as circunstâncias judiciais
quase inteiramente favoráveis ao acusado, fixo a pena-base privativa de apenas um pouco acima do
mínimo, ou seja, em 02 (dois) anos e 06 (seis) meses de reclusão.
Levando em conta que a pena privativa de liberdade aplicada não supera o limite
objetivo previsto no art. 44, I, do CPB (de quatro anos), tampouco é o acusado reincidente em crime
doloso (art. 44, II, do CPB), estão preenchidos os requisitos objetivos para a substituição da pena
privativa de liberdade aplicada por penas restritivas de direitos.
Da mesma forma, os requisitos subjetivos previstos no art. 44, III, do CPB, como já foi
acima demonstrado, também são favoráveis ao acusado, recomendando a aludida substituição.
Dessa forma, substituo a pena privativa de liberdade imposta por duas restritivas de
direitos, a serem cumpridas individualmente pelo réu (art. 44, § 2º, do CPB).
A primeira pena consiste na prestação de serviços a entidade pública (art. 43, IV, do
CPB), devendo ser cumprida à razão de uma hora por dia de condenação (art. 46, § 3º, do CPB),
consoante vier a ser fixado pelo Juízo da Execução, de modo que esta pena restritiva de direito
tenha a mesma duração da pena privativa de liberdade substituída (art. 55 do CPB).
A título de segunda pena substitutiva, de prestação pecuniária, fixo, nos termos do art.
45, § 2º, do CPB, a obrigação de o réu doar, mensalmente, durante todo o período de pena
substituído, o valor de R$ 100,00 (cem reais), nos moldes definidos quando da audiência
admonitória, podendo o Juízo das Execuções, caso a situação fática a recomende, operar a
substituição dessa segunda pena restritiva por outra mais conveniente.
3.3. Suspensão condicional da pena (sursis):
No caso em apreço, deixo de fixar o valor da reparação, nos termos determinados pelo
art. 387, IV, do CPP (com a nova redação trazida pela Lei n.º 11.719/2008), por inexistirem nos
autos elementos objetivos que permitam inferir, em termos monetários, o prejuízo ocasionado pela
conduta do acusado.
Após o trânsito em julgado desta sentença, lance-se o nome do réu no rol de culpados,
nos termos do art. 5º, LVII, da Constituição Federal, c/c art. 393, II, do Código de Processo Penal, e
comunique-se seu teor ao IITB, ao INI, ao CNCIAI, ao INSS e ao TRE, para fins de suspensão dos
direitos políticos (art. 15, III, da Carta Magna) e demais registros e providências necessários.
PROCESSO: 0000500-82.2015.4.05.8401
CLASSE: 240 - AÇÃO PENAL
AUTOR/EXEQUENTE: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL
RÉU/EXECUTADO: EDIVAN PEREIRA DE LIMA
S ENTEN ÇA
1. Relatório
Devidamente citado à fl. 12, o réu solicitou lhe fosse nomeado defensor dativo,
afirmando não ter condições de custear os honorários de um advogado (fl. 13).
Alegações Finais do MPF (fls. 45/46 e versos) sustentando, em síntese, que a autoria
e materialidade delitivas restaram plenamente comprovadas, requerendo, ao final, a condenação do
réu pela prática do delito previsto no art. 183 da Lei nº 9.472/97.
2.1. - Do crime tipificado no art. 183 e 184 da Lei nº 9.472/97 - Organização dos Serviços de
Telecomunicações
A Lei nº 9.472/97 - Lei geral das Telecomunicações, disciplina nos arts. 183 e 184 o
crime de operação clandestina de "atividade de telecomunicação", nestes termos:
Quanto ao sujeito ativo, trata-se de crime comum, no qual o autor é quem pratica a
conduta descrita no tipo (art. 183 da Lei nº 9.472/97), é o ato de "desenvolver atividade clandestina
de telecomunicações", caracterizado por quem opera os aparelhos da rádio.
Já o tipo objetivo caracteriza-se pela conduta prevista no art. 183, caput, da Lei nº
9.472/97 que é desenvolver clandestinamente atividade de telecomunicação.
O tipo subjetivo é o dolo, sendo desnecessária qualquer outra indagação sobre o
objetivo do agente.
2.2. - Do caso concreto dos autos: do crime tipificado no art. 183 da Lei nº 9.472/97 - Rádio Nova
Geração FM 100,5 MHz localizada em Baraúna/RN.
O exame dos autos não deixa transparecer dúvidas no que diz respeito à
materialidade e à autoria do delito em apreço, a ensejar a responsabilidade penal do acusado.
Do conjunto probatório carreado aos autos, infere-se que foi constatada a instalação
e o funcionamento de uma emissora de radiodifusão clandestina, que operava na faixa de freqüência
modulada (FM), utilizando-se do espectro de radiofrequência 100,5 MHz, sem a devida autorização
legal. A aludida estação de radiodifusão sonora exercia de maneira habitual atividade sem
autorização prévia do Poder Público, razão pela qual a conduta do acusado enquadra-se no tipo
previsto no artigo 183, da Lei nº 9.472 /97.
Os parâmetros para a insignificância nos delitos das Leis 4.117/62 e 9.472/97 são o
transmissor deter potência inferior a 25 Watts ERP, com altura de antena irradiante não superior a
30 metros, sendo certa a coexistência desses requisitos como autorizadores da incidência do
princípio.
Nesse sentido, a tese trilhada pela Suprema Corte2, tornando possível a adoção do
Princípio da Insignificância aos crimes previstos no art. 183 da Lei nº 9.472/97, tendo como base o
potencial lesivo baixo ou inexistente, a partir dos critérios objetivos de potência do transmissor e
altura da antena, em consonância com as regras dispostas no art. 1º, §1º da Lei nº 9.612/98, que
criou o Serviço de Radiodifusão Comunitária, nestes termos:
No caso dos autos, restou comprovado que a rádio clandestina Rádio Nova Geração
FM 100,5 MHz operava com potência de 300 W (trezentos watts), muito acima dos parâmetros de
uma estação de rádio que opera em "baixa potência". Além disso, devem ser obedecidos pela rádio
os pressupostos legais para a escorreita operação, estando sujeita ao controle e a fiscalização do
órgão competente (ANATEL), tendo em vista a possibilidade de causar interferência nas
radiocomunicações em geral e/ou nas ondas sonoras e eventual utilização para fins delituosos, os
quais devem ser prevenidos pelo Poder Público.
No tocante à autoria delitiva, esta resta incontroversa, tendo em vista que os agentes
da ANATEL encontram o acusado operando a rádio na ocasião da diligência de fiscalização,
restando evidente que o Sr. EDIVAN PEREIRA DE LIMA era, efetivamente, o responsável pelo
funcionamento da estação clandestina Nova Geração FM 100,5 MHz.
Em que pese a tese defensiva de que o réu não tinha consciência da ilicitude porquanto a
rádio já estava a pleno funcionamento antes de adquiri-la, bem como não possuía conhecimento
acerca da necessidade de autorização para o seu funcionamento, conclui-se que não merece
prosperar. Isso porque, de acordo com a teoria adotada pelo nosso Código Penal acima explicada, o
acusado não precisava saber que estava praticando o delito de desenvolver clandestinamente
atividades de telecomunicação, mas apenas que tinha condições de saber que a conduta era
errada, antijurídica.
E o acusado, no contexto social em estava inserido, tinha sim condições de saber que
praticava algo errado, pois tinha pleno conhecimento de que operava ilicitamente uma estação de
rádio, utilizando, para tanto, aparelho transmissor de FM, sem a devida autorização dos órgãos
públicos competentes.
Não bastasse isso, tem-se caracterizado o dolo genérico, não sendo necessário qualquer
questionamento sobre o objetivo do agente com a utilização irregular do equipamento de
telecomunicação. Portanto, o dolo resta demonstrado pela atuação voluntária e consciente de fazer
operar uma estação de rádio sem autorização legal.
Com se observa na fase judicial (mídia à fl. 39/40), foi ouvido o fiscal da ANATEL, Sr.
Halysson Barbosa Mendonça, um dos responsáveis pela fiscalização que resultou na apreensão dos
equipamentos do acusado, oportunidade em que asseverou o seguinte: "(...) que essa rádio tava
operando na frequência 100,5, a gente localizou a residência onde se encontrava a rádio; verificou
que lá tinha equipamentos, tinha estúdio, tinha transmissor, configurando uma rádio, que a
freqüência estava no ar; que a frequência não tinha autorização" (intervalo entre 1'34" e 1'50"; Que
o Sr. EDIVAN PEREIRA DE LIMA era o responsável pelo equipamento, no momento se
apresentou como responsável (intervalo entre 2'15" e 2'20").
Indagado pelo MM juiz acerca da propriedade dos aparelhos apreendidos, o réu respondeu:
"que eu comprei a Amarildo, eu emprestei um dinheiro a ele (intervalo entre 14'51" e 14'58"); que
ele não tava pagando só nada, nem juros nem nada, quando foi feita a negociação da rádio, ele me
chamou pra ser sócio dele (intervalo entre 15'51" e 15'56"); que era apresentado programa; que
funcionava todo dia (intervalo entre 18'05" e 18'11").
Dada a palavra ao MPF, este indagou o depoente se era o único responsável pela rádio e o
único que trabalhava também, tendo este respondido afirmativamente (intervalo entre 24'11"e
24'18"). Afirmou, ainda, "que a rádio não dava lucro praticamente de nada" (intervalo 25'52" -
25'55").
Ademais, consoante se apurou no presente caso, não se mostra razoável que o acusado não
possuísse a devida consciência da antijuridicidade de sua conduta ao operar uma rádio pirata, sem a
mínima observância às normas legais, à margem da instituição responsável (ANATEL).
Ressalte-se, por fim, que se trata de crime formal, no qual não se exige o resultado
finalístico, cuja consumação se dá com a mera colocação em funcionamento da rádio clandestina.
Nesse sentido, EDIVAN PEREIRA DE LIMA praticou o delito, nos termos do art. 183, parágrafo
único da Lei nº 9.472/97.
3 - Dispositivo
4 - Dosimetria
a) tenho que a culpabilidade do réu consubstancia uma reprovabilidade social moderada, ante o
potencial conhecimento para realizar conduta diversa dentro da normalidade esperada do "homem
médio";
c) não há nos autos do processo dados que permitam construir qualquer juízo de valor, positivo ou
negativo, quanto à conduta social do réu;
d) quanto à personalidade do réu, também nada digno de nota, não existem nos autos indicadores
para se aferir, razão pela qual deixo de valorá-la;
e) o motivo do crime, pelos indícios que constam nos autos, teria sido com o intuito de divulgação
de um grupo musical, não existindo provas de que o autor tenha auferido lucro com o
funcionamento da rádio, pelo que não se tem nada a valorar.
f) as circunstâncias do crime, da mesma forma, são próprias do tipo de crime em comento, não
tendo nada a valorar.
g) as consequências do crime são normais à espécie, visto que colocou em perigo abstrato o direito
difuso às telecomunicações e a regularidade desse tipo de serviço público disponível à coletividade
- atividades de telecomunicações;
2ª) Uma vez que as declarações do acusado na fase inquisitorial e judicial foram
consideradas na fundamentação da condenação, é cabível a aplicação da circunstância atenuante da
confissão (art. 65, III, d), razão pela qual reduzo a pena em 03 (três) meses, em atenção ao
entendimento de que circunstâncias atenuantes não podem reduzir a pena para patamar inferior ao
mínimo legal (Súmula 231 do STJ), o que não é o caso dos autos.
5 - Da inconstitucionalidade da pena de multa em valor fixo prevista no art. 183 da Lei n. 9.472/97.
Por outro lado, não há que se falar em violação ao princípio da legalidade ou, ainda, em
atuação do Juiz como legislador positivo, função esta interdita ao exercício da jurisdição
constitucional. In casu, houve somente o acréscimo do necessário para tornar a norma impugnada
concordante com os princípios constitucionais.
Deste modo, reconhecendo não haver circunstâncias agravantes, bem como causas de
aumento ou de diminuição, torno a pena imposta concreta e definitiva, fixando-a em 02 (dois) anos
e 03 (três) mês de detenção e 10 (dez) dias-multa.
A teor do disposto no art. 33, §2º, "c", do CP e tendo em conta o total da pena privativa de
liberdade aplicada ao réu, determino que o regime inicial de cumprimento da pena seja o aberto, a
ser definido pelo Juízo das Execuções Penais.
Assim sendo, substituo a pena privativa de liberdade por duas penas restritiva de direitos,
nos termos do art. 44, na modalidade de prestação pecuniária, cujo valor será definido na Audiência
Admonitória a ser designada (art. 43, inciso I, CP) e de prestação de serviços à comunidade ou a
entidades públicas (art. 43, inciso IV, e 46, ambos do Código Penal), pelo período de 02 (dois) anos
e 03 (três) meses, sob as condições a serem fixadas pelo Juízo da Execução, após o trânsito em
julgado desta sentença.
Em relação à reparação civil dos danos, deixo de fixar o valor mínimo a ser reparado pela
prática do delito em apreço, com fulcro no art. 387, IV, do Código de Processo Penal, tendo em
vista que não houve pedido expresso do Ministério Público Federal neste sentido, bem como não
restou comprovado qualquer prejuízo patrimonial em decorrência do crime em apreço, seja em
desfavor do Estado, seja em face de particulares.
1 BALTAZAR JUNIOR, José Paulo. Crimes Federais. 8ª ed. Porto Alegre. Livraria do Advogado:
2012.p.704
2 "Para que o Direito Penal não intervenha nos casos de lesão de certa gravidade, atestando a
atipicidade penal em hipóteses de delitos de lesão mínima, ensejando resultado insignificante,
devem ser observados certos requisitos, entre eles a certeza de que o serviço de radiodifusão
utilizado pela emissora não possua capacidade de causar interferência prejudicial aos demais meios
de comunicação, demonstrando que o bem jurídico tutelado pela lei permaneceu ileso, o que não se
verifica no caso em apreço em razão das conclusões do laudo de exame em aparelho eletrônico"
( STF, Segunda Turma, HC 115729/BA, Rel. Min. Ricardo Lewandowsky, j. em 18.12.12, DJ
14.02.13).
1. O exame pericial elaborado pela ANATEL, que demonstrou que a suposta operação de rádio
clandestina seria de baixa potência, não comprovou a sua efetiva interferência nos serviços de
comunicação devidamente autorizados, o que demonstra a ausência de potencialidade lesiva ao bem
jurídico tutelado pelo tipo penal incriminador.2. A constatação da fiscalização de que a programação
da rádio "era basicamente constituída de conteúdo evangélico" (fl. 9 do anexo 3) permite concluir a
ausência de periculosidade social da ação e o reduzido grau de reprovabilidade da conduta do
paciente, o que abre margem para a observância do postulado da insignificância, já que preenchidos
os seus vetores. 3. Ordem concedida. (STF, HC 122.507/ES, rel. Min. DIAS TOFFOLI, Primeira
Turma, DJe 07/10/2014). Grifos acrescidos.
4 BRANDÃO, Cláudio. Teoria jurídica do crime. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2007.
5 Para José Afonso da Silva "a configuração do Estado Democrático de Direito não significa apenas
unir formalmente os conceitos de Estado Democrático e Estado de direito. Consiste, na verdade, na
criação de um conceito novo, que leve em conta os conceitos dos elementos componentes, mas os
supere na medida em que incorpora um componente revolucionário de transformação do status
quo". SILVA, José Afonso. "O Estado Democrático de Direito". in Revista de direito administrativo,
173: 15-34, Rio de Janeiro: Jul./Set. 1988, pg. 21
TRÁFICO DE DROGAS – MODALIDADE EQUIPARADA
PROCESSO Nº 0010101-45.2015.4.05.8100
CLASSE 240 - AÇÃO PENAL
AUTOR: MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL
RÉU: ADRIANO RODRIGUES DOS SANTOS
I - RELATÓRIO
6. A denúncia foi ofertada aos 09 de novembro de 2015 (cópia nas fls. 47/52 do IPL,
original nas fls. 03/05 dos autos da presente ação).
7. Notificado para responder a acusação (fl. 55 e 55v. do IPL), o réu, por seu defensor,
Dr. André Eugênio de Oliveira, apresentou sua resposta à acusação, tendo arrolado duas
testemunhas (cópia nas fls. 56/59 do IPL, original nas fls. 09/12).
8. A denúncia foi recebida por este Juízo no 1º dia de dezembro de 2015 (fl. 13/14 a
partir de então na própria ação penal).
11. Já a defesa, em suas alegações finais, requer a absolvição do réu por insuficiência de
provas ou desclassificação da conduta prevista na denúncia (tráfico) para a prevista no art. 28 da Lei
11.343/06 (usuário) ou, ainda, em caso de condenação, "deve ser deferida a conversão da pena
privativa de liberdade por restritiva de direitos, conforme garantida pala lei penal, e ainda, que sua
pena seja fixada no mínimo legal pelas circunstâncias já elencadas." (fls. 71/78).
II- FUNDAMENTAÇÃO
14. Cuida-se de ação penal pública na qual é imputado ao réu ADRIANO RODRIGUES
DOS SANTOS a prática, em tese, do crime disposto no art. 33, § 1º, inciso I, da Lei nº 11.343/06,
cuja redação é a seguinte, in verbis:
15. Ao que se depreende das provas colacionadas aos autos, mostra-se facilmente
perceptível que a conduta perpetrada pelo acusado encaixa-se perfeitamente no tipo penal transcrito,
mais especificamente quanto ao núcleo "guarda".
16. Revendo o histórico dos fatos, observa-se que o réu foi preso em flagrante delito no
dia 29 de setembro de 2015 quando do cumprimento da ordem de prisão temporária e busca e
apreensão expedida por este Juízo nos autos do Inquérito Policial nº 1.053/2013-SR/DPF/CE (nº
0003914-55.2014.4.05.8100) - Operação Cardume.
17. A Operação Cardume investiga Organização Criminosa composta por vários núcleos
que interagem entre si na logística do tráfico internacional de drogas (aquisição do entorpecente na
Bolívia e no Paraguai para revenda interna, principalmente no Ceará e no Rio Grande do Norte, e
para exportação para Portugal e Itália; desvio irregular de insumos químicos para desdobro da
cocaína; lavagem de dinheiro).
21. A substância química em questão, clorofórmio, além de ser utilizada para fabricação
de entorpecentes, está sujeita a controle e fiscalização pela Polícia Federal (v. fl. 11 do IPL), tendo a
prisão em flagrante do imputado ocorrido exatamente quando do cumprimento da busca e apreensão
determinada no bojo da Operação Cardume na qual sobressai o envolvimento do agente com o
desdobro de drogas.
26. Ademais, o próprio acusado confessou, tanto em sede policial como em juízo, a
aquisição e guarda do clorofórmio encontrado na sua residência, fato confirmado neste Juízo pelas
testemunhas de acusação, os policiais federais Henrique Terêncio Cunha da Silveira Araújo e José
Calixto Júnior. Nenhuma dúvida, portanto quanto à materialidade e autoria, Passemos, portanto, às
alegações do réu (autodefesa) e do seu defensor.
27. Interrogado na polícia, o réu apresentou a seguinte versão (fls. 4/5 IPL):
"(...) QUE, há seis meses tem como fonte de renda a execução de serviços de pintura, eletricidade e
gesso em apartamentos; QUE antes trabalhava na empresa HISPANO ESTRUTURA METÁLICA,
com sede em Pacajus/CE e escritório nessa Capital, na função de montador de estrutura metálica,
onde trabalhou com carteira assinada no período de 2007 a 2013 e também em 2014; QUE pediu
para sair em acordo com a empresa para receber o seguro-desemprego, tendo retornado em 2014,
até que foi demitido em fevereiro de 2015; QUE já foi preso anteriormente pelo crime de tráfico de
drogas no ano de 2011 (crack), tendo processo judicial tramitando na Justiça Estadual do ceará, e
posse de munição em 2013; QUE indagado sobre o insumo químico encontrado em sua residência
no dia de hoje, acondicionado em uma garrafa de vidro contendo cerca de meio litro da substância,
a qual foi submetida a exame delo SETEC e identificada como clorofórmio, respondeu que era para
tirar cola de adesivo de carro; QUE recebeu faz dois meses esse produto de um rapaz que trabalha
com película e adesivo para carro, para a retirada de um adesivo grande e um fumê do seu carro;
QUE não sabe o nome do rapaz, mas que o mesmo pode ser encontrado pela feira livre do bairro
Álvaro Weyne; QUE de dois meses para cá só utilizou o insumo para retirar um adesivo e o fumê do
seu carro; QUE vive amasiado com JAMILY KELLY GONÇALVES DA SILVA, que possui uma
pequena empresa chamada Jamily Kelly cujo objeto é a confecção de roupa íntima; QUE chegou a
fazer um curso de tiro no ano de 2013 com a intenção de trabalhar como vigilante, mas seu projeto
mão foi adiante em razão dos seus antecedentes criminais em tramitação; (…)"
28. A primeira tese apresentada pelo réu, portanto, é a de haver comprado o clorofórmio
para "tirar cola de adesivo de carro", tendo utilizado-o para "retirar um adesivo e um fumê de seu
carro".
29. Em juízo (fls. 35/41), o réu apresentou outra versão para os fatos. Afirmou que
utilizava o clorofórmio encontrado em sua residência para consumo pessoal como droga e não para
venda. Com relação aos quatorze pequenos frascos encontrados junto com o clorofórmio, disse que
os usava quando ia para uma festa, para facilitar a condução e o uso, só não conseguiu explicar
porque tamanha quantidade. Enfim, mudou a versão de "uso para tirar a cola de adesivo de carro",
para "uso próprio como droga". Obviamente, o único intuito de tal versão é o de desqualificar o
tipo, já que um vidrinho seria suficiente para consumo.
30. A defesa técnica apresentou a tese de que o réu utilizava o clorofórmio como droga,
ou seja, o acusado seria apenas usuário de droga (fls. 71/77). Interessante, no entanto, a versão
sobre os quatorze frascos apreendidos com a substância química; diferentemente do acusado, que
afirmou que usava tais frascos para levar o produto para as festas a fim de facilitar a condução e o
uso, o nobre defensor afirmou que "seria proveniente de compras anteriores, já que comprava a
droga pronta para uso e ao final guardava os frascos" (fl. 72). Tal versão vai de encontro, também, à
afirmação do réu em juízo de que havia comprado "meio litro no carnaval do ano passado", sendo
que, tal produto foi encontrado na residência dentro de um só recipiente, e não em vários frascos
pequenos. Na verdade, os frascos em questão estavam prontos para acondicionar pequenas
quantidades, as quais, com certeza, seriam para venda.
31. Dessartes, o contexto probatório demonstra que as versões do réu não se sustentam,
especialmente a sua vida pregressa. As investigações da "Operação Cardume" (IPL 1053/2013)
demonstraram que o envolvimento do acusado com o tráfico de drogas remonta ao ano 2011.
32. Observa-se que a conduta perpetrada pelo acusado ADRIANO RODRIGUES DOS
SANTOS de guardar, sem autorização do órgão competente, substância química comumente
destinada à preparação do entorpecente conhecido por "loló" ou "lança perfume", por si só se
encaixa perfeitamente no tipo penal previsto no art. 33, § 1º, inciso I, da Lei nº 11.343/06, mais
especificamente quanto ao núcleo guardar.
33. Ademais, como bem salientou o nobre Procurador da República na fl. 51, o tipo em
comento "cuida-se de crime comum, de mera conduta, comissivo, permanente e doloso. Para sua
concretização basta a realização dos núcleos do tipo "sem autorização ou em desacordo com
determinação legal ou regulamentar", e que a matéria prima, insumo ou produto químico possa ser
destinado ao preparo da substância entorpecente, não sendo necessário que apresente de plano, os
efeitos ou propriedades da droga." Continuou, aduzindo que "o dolo do tipo é genérico, sendo
desnecessário que o agente queira destinar a matéria-prima à produção de entorpecentes, pois não se
exige qualquer fim específico para que se consume o crime em comento." (posição diferente do
Baltazar) Dessa forma, mesmo que o destino da substância química em questão não fosse a
fabricação de entorpecente, ainda assim, o crime estaria consumado.
35. Visto isso, tenho que o conjunto probatório, associado às circunstâncias em que se
deram os fatos, mostra que os elementos incriminadores do réu ADRIANO RODRIGUES DOS
SANTOS apresentam-se seguros e harmônicos, convergindo conclusivamente para a convicção
deste Magistrado acerca da culpabilidade dela no crime tipificado no art. 33, § 1º, inciso I, da Lei nº
11.343/06.
III- DECISÃO
A. Pena base
38. Determina o art. 42 da Lei nº. 11.343/2006 que "O Juiz, na fixação das penas,
considerará, com preponderância sobre o previsto no art. 59 do Código Penal, a natureza e a
quantidade da substância ou do produto, a personalidade e a conduta social do agente". O primeiro
elemento consignado no preceito - natureza da substância - é conducente, in casu, à fixação da pena
no seu mínimo legal, já que comum ao tipo.
40. Quanto aos dois últimos - personalidade e a conduta social do agente -, deve-se
registrar que a personalidade do condenado e a sua culpabilidade convergem a um juízo de
reprovabilidade mais acentuado. Com efeito, o réu é criminoso habitual, já respondendo
criminalmente por homicídio simples (proc. 0792510-58.2014.8.06.0001 JC/CE, 5ª Vara do Júri),
homicídio qualificado (proc.0453947-73.2011.8.06.0001 JE/CE, 1ª Vara do Júri), desacato a
autoridade (proc.0000932-38.2013.8.06.0018 JE/CE, 6ª Vara Criminal) e tráfico de drogas (proc.
0057183-30.2013.8.06.0001, 3ª Vara de Delitos de Trafico de Drogas). Nota-se, portanto, que se
trata de pessoa voltada para o crime, portanto, plenamente ciente da ilicitude do crime de tráfico de
entorpecentes.
41. Quanto aos vetores circunstâncias e conseqüências do crime, reputo-os como normal
ao tipo.
42. Assim, reputo como sendo necessário e suficiente para a reprovação do crime a
fixação da pena-base um pouco acima do mínimo legal para o crime previsto no 33, § 1º, inciso I,
da Lei nº 11.343/06, que ora FIXO em 06 (seis) anos de reclusão.
B. Agravantes/atenuantes
45. À vista disso, torno definitiva para o acusado ADRIANO RODRIGUES DOS
SANTOS a pena de 06 (seis) anos de reclusão que deverá ser cumprida em regime inicial fechado
(art. 2º, § 1º, da Lei 8.072/1990).
46. O art. 33, caput, da Lei nº 11.343/2006 prevê a imposição de pena pecuniária de 500
(quinhentos) a 1.500 (mil e quinhentos) dias-multa. Por outro lado, o art. 43 do mesmo diploma
legal estabelece que "Na fixação da multa a que se referem os arts. 33 a 39 desta Lei, o juiz,
atendendo ao que dispõe o art. 42 desta Lei, determinará o número de dias-multa, atribuindo a cada
um, segundo as condições econômicas dos acusados, valor não inferior a um trinta avos nem
superior a 5 (cinco) vezes o maior salário mínimo". Fixo, portanto, a pena de multa em 600
(seiscentos) dias-multa, correspondendo cada dia-multa a um salário mínimo vigente à época dos
fatos, devendo ser atualizado monetariamente desde a data do fato. O pagamento da pena de multa
deverá ser realizado dentro de 10 (dez) dias, contados da data do trânsito em julgado desta sentença
condenatória (art. 50, caput, do Código Penal).
E. Da apelação
F. Providências finais
49. Determino, após o trânsito em julgado desta sentença: a) a expedição de ofício ao Eg.
Tribunal Regional Eleitoral do Estado do Ceará, para os fins do art. 15, III, da CF/88; b) a remessa
dos autos à Vara Federal competente à execução da pena aqui aplicada.
S ENTEN ÇA
1. Relatório
Trata-se de Ação Penal na qual o MPF ofertou denúncia em desfavor de FRANCISCO JOSÉ
CUNHA DE QUEIROZ, brasileiro, casado, ex-prefeito do Município de Pacajus/CE, empresário,
portador da ID de nº 2007045026-3/SSP-CE e do CPF de nº 023.161.533-72, residente na Rua
Cícero Nogueira, 100, Pacajus/CE, imputando-lhe a prática do crime previsto no art. 1º, III, do
Decreto-lei 201/67.
Narra a denúncia que o acusado, no ano de 2006, recebeu verbas do Ministério da Educação,
através do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação, para custear despesas com o
transporte público de alunos residentes na área rural. Conforme a acusação, o réu "ultrapassou o
limite de combustível permitido a ser utilizado, conforme Resolução CD/FNDE nº 12, de 5 de abril
de 2006."
Após várias tentativas frustradas, o acusado foi citado e intimado, consoante mandados e
certidões de fls. 27/28 e 30/31. No juízo deprecado, por diversas vezes, a audiência admonitória foi
redesignada, tendo o Oficial de Justiça certificado, quando do cumprimento de uma das diligências,
a suspeita de ocultação do réu, consoante certidão de fl. 46. Na audiência realizada no dia
22/01/2013, o acusado, acompanhado de seu advogado, recusou a proposta de suspensão
condicional do processo e requereu prazo para apresentação de sua defesa, conforme termo de
audiência de fl. 47.
Defesa apresentada às fls. 50/55 na qual o acusado alega inépcia da denúncia e atipicidade
da conduta por ausência de dolo.
Memoriais da acusação de fls. 116/120 nos quais o MPF pugnou pela condenação do
acusado na sanção cominada ao art. 1º, III, do Decreto-lei 201/67.
A defesa, nos memoriais de fls. 136/159, alegou a incompetência da Justiça Federal para o
processamento do feito e a existência de nulidade processual decorrente da ausência de intimação
da defesa acerca da decisão de recebimento de denúncia e do interrogatório do acusado. Informou
que a denúncia não imputa conduta delitiva na qual o réu tenha obstado dever funcional exigido
pelo tipo penal do art. 1º, III, do Decreto-lei 201/67 e, ainda, questionou a aplicação da Resolução
nº 12, do FNDE, ao fato em apuração.
É o relatório.
2. Fundamentação
Inicialmente, a defesa aduz que o repasse efetivado pelo Ministério da Educação, através do
FNDE - Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação, inerente ao PNATE (Programa
Nacional de Apoio ao Transporte Escolar), não se constitui de verba federal, mas sim de verba
municipal, inobstante esteja sujeito à prestação de contas junto ao FNDE, fato que reclama a
competência da Justiça Estadual.
Inicialmente, registre-se que, em que pese não haver texto expresso sobre seu recebimento, a
denúncia foi efetivamente recebida em 07/11/2011, por meio da decisão de fl. 21, quando o juízo da
12ª Vara, então processante, acolheu a promoção do MPF de suspensão condicional do processo,
bem como determinou a expedição de carta precatória a Pacajus/CE, consoante cópia de fl. 23,
sendo a citação cumprida em junho/2012 (fl. 28), momento em que o acusado tomou conhecimento
da denúncia.
Neste momento processual, quando efetivada a citação, o réu foi devidamente intimado do
recebimento da denúncia, não sendo possível a intimação do advogado vez que a defesa técnica
ainda não havia se habilitado nos autos.
Acrescente-se que o acusado, ao recusar, juntamente com seu advogado Jeferson Cavalcante
de Lucena, a proposta de sursis, consoante termo de fl. 47, apresentou resposta à acusação, fls.
50/55, sem, contudo, apontar qualquer vício atinente à intimação da decisão de recebimento da
denúncia.
Sobre o ponto, colaciona-se o seguinte precedente exarado pelo Superior Tribunal de Justiça:
Além disso, nos termos do art. 570, do CPP2, o comparecimento do réu, dentro do
escoamento do prazo, faz com que a nulidade seja sanada. Neste sentido, na oportunidade em que
apresentou resposta à acusação, a defesa não alegou qualquer vício em relação ao recebimento da
denúncia, o que deveria ter feito, caso vislumbrasse tal defeito, em conformidade com o princípio
da eventualidade.
Assim, verificando, in casu, que o acusado, devidamente citado à fl. 28, exerceu plenamente
seu direito de defesa, apresentando, posteriormente, em razão de sua recusa à proposta de sursis,
resposta à acusação, através de advogado constituído, ocasião, frise-se, em que a defesa não
mencionou a existência de nulidade no recebimento da denúncia, entendo ausente qualquer prejuízo
à defesa a justificar a declaração de nulidade.
Ressalte-se que o acusado foi pessoalmente intimado para comparecer à audiência destinada
ao seu interrogatório, conforme se vê às fls. 100/101, entretanto deixou de comparecer ao ato
processual (fls. 103), tornando-se revel.
Em conexão com o argumento precedente, a defesa arguiu ainda que a exigência legal não
pode refletir no "custo de combustível" necessário à execução do serviço de transporte,
especialmente quando incide variantes, preços não sujeitos a controle público, como, a título de
ilustração, distância do Município, vias de acesso, quantidade de transportados, que repercutem na
quantidade e preço do combustível utilizado. A Resolução 12, avessa a subjetivismos, procura
estabelecer padrões objetivos para a aferição de gastos com o dinheiro público.
Portanto, compreendo que os argumentos apresentados pela defesa não são idôneos a
comprometer a materialidade e a autoria do crime previsto no art. 1º, III, do Decreto-lei 201/67,
restando evidente o dolo e inafastável a censura penal.
3. Dispositivo
Não foram verificadas no caso concreto quaisquer causas de diminuição e aumento de pena.
Destarte, tenho como definitiva a pena privativa de liberdade de 3 (três) meses de detenção,
a ser cumprida em regime aberto (Art. 33, § 2º, c, do Código Penal).
- Substituição da pena privativa de liberdade por pena restritiva de direito e/ou suspensão
condicional da pena.
Como foi aplicada ao réu pena privativa de liberdade inferior a quatro anos, o crime não foi
cometido com violência ou grave ameaça à pessoa, o réu não é reincidente em crime doloso e ainda
a culpabilidade, os antecedentes, a conduta social e a personalidade do réu, bem como os motivos e
as circunstâncias do crime indicam que a substituição seja suficiente, com fundamento nos arts. 43,
I, 44, I a III e § 2º, parte final, do Código Penal, decido substituir a pena privativa de liberdade,
inferior a um ano, por uma pena restritiva de direitos, consistente em prestação pecuniária (art. 45, §
1º, do Código Penal) no valor de 10 (dez) salários mínimos a uma entidade, pública ou privada, com
destinação social, a ser indicada pelo juízo da execução penal, observado o disposto nas Resoluções
CNJ nº 154, de 13 de julho de 2012 e CJF Nº 295 de 04/06/2014. Com isso, tenho por prejudicada a
apreciação de possível suspensão condicional da pena (art. 77, III, do Código Penal).
- Efeitos da condenação
Com esteio no art. 1º, § 2º, do Decreto-lei 201/67, determino a inabilitação do réu, pelo
prazo de cinco anos, para o exercício de cargo ou função pública, eletivo ou de nomeação, sem
prejuízo da reparação civil do dano causado ao patrimônio público ou particular.
- Reparação de dano
Observa-se que os fatos ocorreram em 2006, afastando, assim, a incidência do art. 387, IV,
do CPP, que passou a vigorar em 2008 (Lei 11.719/2008), em atenção ao princípio da
irretroatividade da lei penal mais severa (Art. 5º, XL, da CC/88).
De qualquer modo, verifico que não houve pedido formal neste sentido, seja por quem
(ofendido) suportou o prejuízo material ou moral, seja pelo Ministério Público Federal,
impossibilitando, pois, sua apreciação na sentença, diante do princípio da correlação, bem assim em
face das garantias constitucionais do contraditório e da ampla defesa. Ausente o pedido, a
condenação do réu à reparação mínima do dano importaria em julgamento extra petita. Não se cuida
aqui de efeito automático da sentença (art. 91 do CP), exigindo-se, portanto, pedido formal da parte
interessada. Nesse sentido, a doutrina de GUILHERME DE SOUZA NUCCI: "admitindo-se que o
magistrado possa fixar o valor mínimo para a reparação dos danos causados pela infração penal, é
fundamental haver, durante a instrução criminal, um pedido formal para que se apure o montante
civilmente devido. Esse pedido deve partir do ofendido, por seu advogado (assistente de acusação),
ou Ministério Público. A parte que o fizer precisa indicar valores e provas suficientes a sustentá-los.
A partir daí, deve-se proporcionar ao réu a possibilidade de se defender e produzir contraprova, de
modo a indicar valor diverso ou mesmo a apontar que inexistiu prejuízo material ou moral a ser
reparado. Se não houve formal pedido e instrução específica para apurar o valor mínimo para o
dano, é defeso ao julgador optar por qualquer cifra, pois seria nítida infringência ao princípio da
ampla defesa" (Código de Processo penal comentado, 11 ed. São Paulo: Revista dos Tribunais,
2012, p. 742). A doutrina de PAULO RANGEL é no mesmo rumo: Se não houver pedido da parte
(ofendido) habilitado como assistente, que é uma intervenção de terceiros no processo penal), não
poderá haver condenação em indenização, sob pena de se ofender o contraditório e a ampla defesa.
O réu se defende dos fatos narrados na denúncia e nesta não consta (e nem poderá constar por falta
de legitimidade do Ministério Público para postular, em nome do particular lesado, interesses
patrimoniais) pedido de indenização (Direito processual penal, 22 ed. São Paulo: Atlas, 2014, p.
600)
- Providências finais
Custas processuais devidas pelo réu condenado, a ser calculada em conformidade com o
Manual de Orientação de Procedimentos para os Cálculos na Justiça Federal (Resolução n.º 242/01
do Conselho da Justiça Federal).
2 Art. 570. A falta ou a nulidade da citação, da intimação ou notificação estará sanada, desde que o
interessado compareça, antes de o ato consumar-se, embora declare que o faz para o único fim de
argui-la. O juiz ordenará, todavia, a suspensão ou o adiamento do ato, quando reconhecer que a
irregularidade poderá prejudicar direito da parte.
S ENTEN ÇA
1. Relatório
O denunciado foi notificado, nos termos do art. 514 do CPP, apresentando, logo em seguida,
Defesa Preliminar, por meio de Advogado constituído, argumentando, em síntese, ser inepta a
denúncia por ausência de justa causa (fls. 32/36).
O Ministério Público Federal, em suas razões finais, requereu a condenação do réu nos
exatos termos da denúncia (fls. 96/111).
Em suas alegações finais, o réu busca a sua absolvição, argumentando, em síntese, que não
há provas da materialidade delitiva dos crimes que lhe são imputados. Subsidiariamente, pleiteia a
desclassificação do crime tipificado no art. 151, §3º, do CPB, para a figura típica prevista no art. 40
da Lei nº 6.538/78, bem como a aplicação da pena no mínimo legal (fls. 116/126).
A certidão de antecedentes do réu está acostada à fl. 47.
É o relatório.
2. Fundamentação
Sem preliminares.
* Mérito
Com dito no Relatório, ALDIR OSMUNDO TIBURTINO foi denunciado como incurso nas
penas do art. 312, § 1º, e 151, §3º, c/c os arts. 327, §2º e 71, todos do Código Penal, por ter, na
qualidade de empregado da Empresa Brasileira dos Correios e Telégrafos - EBCT devassado
indevidamente o conteúdo de correspondências fechadas, dirigidas a outrem, subtraindo o conteúdo
de algumas delas.
Peculato
Art. 312 - Apropriar-se o funcionário público de dinheiro, valor ou qualquer
outro bem móvel, público ou particular, de que tem a posse em razão do
cargo, ou desviá-lo, em proveito próprio ou alheio:
§ 1º - Aplica-se a mesma pena, se o funcionário público, embora não tendo a
posse do dinheiro, valor ou bem, o subtrai, ou concorre para que seja
subtraído, em proveito próprio ou alheio, valendo-se de facilidade que lhe
proporciona a qualidade de funcionário.
Pena - reclusão, de dois a doze anos, e multa.
Funcionário público
Art. 327 - Considera-se funcionário público, para os efeitos penais, quem,
embora transitoriamente ou sem remuneração, exerce cargo, emprego ou
função pública.
(...)
§ 2º - A pena será aumentada da terça parte quando os autores dos crimes
previstos neste Capítulo forem ocupantes de cargos em comissão ou de
função de direção ou assessoramento de órgão da administração direta,
sociedade de economia mista, empresa pública ou fundação instituída pelo
poder público.
Violação de correspondência
Art. 151 - Devassar indevidamente o conteúdo de correspondência fechada,
dirigida a outrem:
Pena - detenção, de um a seis meses, ou multa.
(...)
§ 3º - Se o agente comete o crime, com abuso de função em serviço postal,
telegráfico, radioelétrico ou telefônico:
Pena - detenção, de um a três anos.
Foi feito um breve estudo no local para verificar os pontos cegos não registrados pelas
câmeras já existentes, tendo se decidido pela instalação da câmera extra em cima da mesa de
trabalho do acusado.
Os fatos foram relatados à diretoria da EBCT, que resolveu abrir sindicância para apurá-los.
Após a análise dos registros das câmeras de segurança, bem como da colheita de declarações e
depoimentos, concluiu-se pela responsabilidade do acusado, ao qual foi aplicada a penalidade de
despedida por justa causa (fl. 21).
Da análise do Laudo Pericial e do Mapa de Imagens do CFTV (fls. 06/09 do IPL), é possível
observar as seguintes condutas, por meio das quais o acusado se apropriou de objetos pertencentes a
outra pessoa:
Dia 23/09/2012:
Horário: 09:31:03 - o acusado se aproxima de sua mesa de trabalho e, ao sentar-se, coloca uma
correspondência sob sua perna esquerda, e em seguida a coloca integralmente dentro de sua meia;
Horário: 10:40:15h - o acusado se aproxima da sua mesa de trabalho, escolhe uma correspondência,
dobra, e ao sentar-se, coloca sob sua perna esquerda, e em seguida a coloca integralmente dentro do
bolso traseiro de sua calça;
Horário: 10:40:30 - o acusado viola uma correspondência, escondendo-a sob um outro objeto
postal, retira o conteúdo e o coloca em sua gaveta. Em seguida, rasga o envelope, e sai de sua
posição de trabalho;
Dia 25/09/2012:
Horário: 19:34:35 - o acusado violou uma correspondência com os dedos, retirou o conteúdo da
mesma, que estava dentro de um outro envelope pequeno, despsjou na mesa e em seguida, pegou e
colocou no bolso de sua calça. Após violar o objeto e espoliar o conteúdo, pôs fita adesiva
transparente na embalagem, mas não a devolveu para o fluxo operacional, rasgou-a e jogou no lixo;
Horário: 19:41:15 - o acusado se aproxima de sua mesa de trabalho, ao sentar-se, coloca uma
correspondência sob sua perna esquerda, e, em seguida, a coloca integralmente dentro da meia;
Horário: 20:51:40 - o acusado escolhe uma correspondência, dobra, e, ao sentar-se, coloca sob sua
perna esquerda e, em seguida, a coloca integralmente dentro do bolso traseiro da sua calça;
Horário: 21:02:00 - o acusado escolhe uma correspondência, levanta-se da cadeira e, ao sentar-se,
coloca a correspondência sob sua perna esquerda, e, em seguida, coloca integralmente dentro de sua
meia;
Dia 26/09/2012
Horário: 17:56:00 - o acusado violou uma correspondência com os dedos, rasgou parte do envelope
e o jogou no lixo, retirou o conteúdo da mesma e, em seguida, o colocou dentro de sua meia;
Horário: 19:26:40 - o acusado violou uma correspondência com os dedos, retirou o conteúdo da
mesma e colocou no bolso de sua calça. Em seguida, rasgou a embalagem e jogou no lixo;
Horário: 21:02:45 - o acusado se aproxima de sua mesa de trabalho, ao sentar-se coloca uma
correspondência sob sua perna esquerda e, em seguida, a coloca integralmente dentro da meia;
Horário: 21:06:00 - o acusado se aproxima de sua mesa de trabalho, ao sentar-se, coloca uma
correspondência sob sua perna esquerda, e, em seguida, a coloca integralmente dentro do bolso
traseiro de sua calça;
Horário: 21:13:20 - o acusado violou uma correspondência, escondendo-a sob um outro objeto
postal, retirou o conteúdo da mesma que aparentemente se assemelha a cédula de dinheiro, em
seguida, colocou-o dentro do bolso de sua camisa, retirando imediatamente e colocando no bolso de
sua camisa, retirando imediatamente e colocando no bolso de sua calça comprida, destruindo
(rasgando) os restos do conteúdo e a embalagem do objeto postal.
Como se observa, o réu, funcionário público, por 12 (doze) vezes, apropriou-se de bens
materiais pertencentes a particulares, de que tinha posse em razão do cargo que desempenhava. Do
mesmo modo, estão devidamente registradas e relatadas as condutas do réu que configuram
violação de correspondência, totalizando 18 (dezoito) ações. Vejamos:
Dia 24/09/2012
Horário: 20:11:10 - o acusado corta pedaços de fita adesiva transparente e os fixa em sua mesa de
trabalho, em seguida, viola uma correspondência, retira o conteúdo da mesma e, após analisá-lo,
coloca-o novamente no envelope violado e põe fita adesiva transparente;
Horário: 20:12:20 - o acusado, utilizando uma tesoura retirada de uma das gavetas que fica sobre
sua mesa de trabalho, violou uma correspondência, retirou o conteúdo da mesma e, após analisá-lo,
coloca-o novamente no envelope violado e põe fita adesiva transparente;
Dia 25/09/2012
Horário: 17:53:35 - o acusado, utilizando um selo lacre plástico, viola uma correspondência,
escondendo-a sob um outro objeto postal, retira o conteúdo da mesma e, após analisá-lo, coloca-o
novamente no envelope violado e passa cola tipo bastão para fechar novamente o envelope;
Horário: 17:59:10 - o acusado viola uma correspondência com os dedos, retira o conteúdo da
mesma e, após analisá-lo, coloca-o novamente no envelope violado e põe fita adesiva transparente;
Horário: 19:07:10 - o acusado viola uma correspondência com os dedos, retira o conteúdo da
mesma e, após analisá-lo, coloca-o novamente no envelope violado e põe fita adesiva transparente;
Horário: 19:10:22 - o acusado viola uma correspondência a princípio com os dedos e depois
utilizando um instrumento cortante, retira o conteúdo da mesma e, após analisá-lo, coloca-o
novamente no envelope violado e põe fita adesiva transparente;
Horário: 20:45:20 - o acusado viola uma correspondência, escondendo-a sob um outro objeto
postal, retira o conteúdo da mesma, que parecia fotografias, e, após analisá-lo, coloca-o novamente
no envelope violado e passa cola tipo bastão para fechar novamente o envelope;
Horário: 20:50:00 - o acusado viola uma correspondência, escondendo-a sob um outro objeto
postal, retira o conteúdo da mesma e, após analisá-lo, coloca-o novamente no envelope violado e
passa cola tipo bastão para fechar novamente o envelope;
Horário: 20:50:43 - o acusado viola uma correspondência, escondendo-a sob um outro objeto
postal, retira o conteúdo da mesma, que parecia fotografias, e, após analisá-lo, coloca-o novamente
no envelope violado e passa cola tipo bastão para fechar novamente o envelope;
Dia 26/09/2012
Horário: 17:41:45 - o acusado viola uma correspondência com os dedos, retira o conteúdo da
mesma e, após analisá-lo, coloca-o novamente no envelope violado e põe fita adesiva transparente;
Horário: 17:43:10 - o acusado viola uma correspondência a princípio com os dedos e depois
utilizando um instrumento cortante, retira o conteúdo da mesma e, após analisá-lo, coloca-o
novamente no envelope violado e põe fita adesiva transparente;
Horário: 18:17:40 - o acusado viola uma correspondência, escondendo-a sob um outro objeto
postal, retira o conteúdo da mesma, e, após analisá-lo, coloca-o novamente no envelope violado e
passa cola tipo bastão para fechar novamente o envelope;
Horário: 18:19:10 - o acusado viola uma correspondência, retira o conteúdo da mesma e, após
analisá-lo, coloca-o novamente no envelope violado e põe fita adesiva transparente;
Horário: 19:08:40 - o acusado viola uma correspondência, retira o conteúdo da mesma e, após
analisá-lo, coloca-o novamente no envelope violado e põe fita adesiva transparente;
Horário: 19:09:55 - o acusado viola uma correspondência, retira o conteúdo da mesma e, após
analisá-lo, coloca-o novamente no envelope violado e põe fita adesiva transparente;
Horário: 19:10:40 - o acusado viola uma correspondência, retira o conteúdo da mesma e, após
analisá-lo, coloca-o novamente no envelope violado e põe fita adesiva transparente;
Horário: 19:25:50 - o acusado viola uma correspondência, retira o conteúdo da mesma e, após
analisá-lo, coloca-o novamente no envelope violado e põe fita adesiva transparente;
Horário: 20:32:50 - o acusado viola uma correspondência, escondendo-a sob um outro objeto
postal, retira o conteúdo da mesma, e, após analisá-lo, coloca-o novamente no envelope violado e
põe fita adesiva transparente;
O mesmo se diga com relação à autoria delitiva, uma vez que as imagens do circuito de TV
dos Correios, devidamente periciadas, registram as condutas praticadas pelo acusado, comprovando
que o acusado foi, de fato, o responsável pela violação de correspondências e pela subtração de bens
móveis particulares de que tinha posse em razão do cargo ocupado nos Correios.
Pesam, também, contra o réu, as declarações prestadas pela testemunha Antônio Marcos
Martins no Procedimento Administrativo, e confirmadas em Juízo, no sentido de que as
investigações foram desencadeadas a partir da descoberta, na mesa do trabalho do réu, de cerca de
20 (vinte) correspondências, todas coladas com fita adesiva transparente, sem a logomarca dos
correios. Às fls. 29/31 do Apenso, constam as fotos das correspondências violadas.
Interrogado em Juízo, o réu não nega ser a pessoa que aparece nas imagens extraídas do
circuito interno de TV que flagraram a ação criminosa. Argumenta, no entanto, que não violou
correspondência alheia, mas sim desempenhou função de seu ofício, consistente em recondicionar
correspondências avariadas, e que os objetos dos quais se apropriou, em verdade, lhe pertenciam,
pois estavam contidos em correspondências direcionadas a sua pessoa.
"A unidade em que o empregado Aldir Osmundo Tiburtino está lotado, GTURN2/CTC/Recife/PE
dispõe sim de um setor específico para recondicionamento de objetos, e é do conhecimento de todos
ali lotados, o qual oferece condições necessárias para tal atividade, conforme depoimento da gerente
do CTC/Recife/PE, Maria de Fátima Canavello Moura de Araújo, às fls. 24 a 25, e fica localizado à
sala da gerência, sob a responsabilidade de Luis Guedes e Rui, não justificando assim as alegações
do defendente. Quanto à alegação de não ter havido treinamento específico para recondicionamento
de objetos, os procedimentos para tal atividade estão preconizados nas normas internas da ECT, que
estão disponíveis a todos os empregados de todos os setores, e, sendo o defendente empregado
detentor de função de confiança, há mais de 13 anos, tendo exercido inclusive função de supervisor
na área de operações, e assim, ser conhecedor dos procedimentos adequados para
recondicionamento de objetos postais, não justificam as alegações apresentadas por ele."
Frise-se que as imagens coletadas registraram os exatos momentos em que o réu violou as
correspondências, utilizando-se dos próprios dedos ou de instrumento cortante, não havendo
qualquer indício de que os envelopes já se encontravam avariados quando chegavam à mesa do
acusado.
O acusado, como já ressaltado, buscava sempre encobrir a sua conduta delituosa, o que
demonstra que a sua atitude não era a de empregado comprometido com o recondicionamento de
objetos, mas sim o de invadir a privacidade de outrem, realizando total devassa nos objetos postais,
subtraindo os conteúdos em alguns casos, e, em seguida, destruindo suas embalagens.
A versão apresentada, por si só, já é inverossímil, na medida em que não é de praxe que o
dono de um objeto o manuseie de forma velada, escondendo-o e interrompendo a análise do mesmo
quando da presença de alguma pessoa. Do mesmo modo, é inverossímil que o acusado tenha o
costume de abrir as suas correspondências de modo sorrateiro, e esconder o conteúdo das mesmas
em suas meias.
Ademais, o modus com que se deu a prática delitiva, com o acusado violando os envelopes e
subtraindo, por vezes, os objetos, enquanto em outras vezes os devolvia ao invólucro, demonstram
que o mesmo analisava, em verdade, o conteúdo de correspondências alheias, apoderando-se do
material quando lhe convinha.
Desse modo, não procedem as alegações do acusado, estando devidamente comprovada nos
autos a prática do crime de peculato, por 12 (doze) vezes, pois se apropriou, na qualidade de
funcionário público, de bens móveis pertencentes a particulares, de que tinha a posse em razão do
cargo, e do delito de violação de correspondência, por 18 (dezoito) vezes, pois devassou
indevidamente o conteúdo de correspondências fechadas, dirigidas a outrem.
Atente-se que o dolo, como o querer do resultado típico, pressupõe um conhecer, cuidando-
se da vontade realizadora do tipo, guiada pelo conhecimento dos elementos deste no caso concreto.
Há dolo na medida em que o agente possui a compreensão efetiva dos fatos (representação,
mediante conhecimento atual ou atualizável) e a vontade de realizar o comportamento descrito em
lei.
O que deve ser abrangido pela vontade é o aspecto objetivo do preceito legal, revelando-se
absolutamente prescindível a consciência ou o conhecimento da antijuridicidade, os quais podem se
apresentar de forma meramente potencial (a lei proibitiva é válida e vigente; logo, é possível ao
agente conhecer os seus termos).
Não se configura qualquer das hipóteses de exclusão da antijuridicidade. Também não resta
demonstrada a existência de qualquer causa de exclusão da culpabilidade. O réu é maior de idade,
imputável, tinha plena possibilidade de compreensão da antijuridicidade da conduta (capacidade
psíquica aliada ao fato de que não se encontrava em erro invencível sobre a ilicitude do fato), além
de possuir, naquele momento, âmbito irrestrito de autodeterminação (não se achava sob qualquer
tipo de coação que tornasse inexigível a prática de conduta diversa).
Assim, o réu praticou o delito de peculato, por 12 (doze) vezes, e o delito de violação de
correspondência, por 18 (dezoito) vezes.
Embora o MPF narre na denúncia todas as condutas praticadas pelo réu, mencionando,
inclusive, o relatório da Sindicância dos Correios referente às imagens capturadas pelo circuito
interno de TV, pede a condenação em continuidade delitiva apenas para os crimes de peculato.
É necessário se proceder, portanto, à emendatio libelli (art. 383 do CPP1), pois a denúncia,
conquanto descreva a prática, por 18 (dezoito) vezes, do crime de violação de correspondência,
requereu a condenação nas penas do art. 151, §3º, do CPB, sem a aplicação de quaisquer das regras
de concurso de crimes.
Por fim, importa fazer a correta adequação típica das condutas praticadas pelo réu,
consistentes em violar correspondências alheias.
O Código Penal, em seu art. 151, visando a dar extensão penal à garantia constitucional da
inviolabilidade do sigilo da correspondência e das comunicações telegráficas, punindo os que a
desrespeitam, define o delito de violação de correspondência, consistente em devassar
indevidamente o conteúdo de correspondência fechada, dirigida a outrem.
Ocorre que, em 22/06/1978, foi promulgada a Lei nº 6.538, que dispõe sobre os Serviços
Postais. Dentre os temas regulamentados, definiram-se os crimes contra o serviço postal e o serviço
de telegrama, dentre os quais foi tipificado o crime de violação de correspondência, assim
ementado:
Por se tratar de lei posterior e específica, revogou tacitamente o dispositivo anterior previsto
no Código Penal, passando a regular os casos que se referem a violação de sigilo de
correspondência, como o presente. Frise-se que a qualificadora prevista no art. 151, §3º, do CPB,
também passou a ser regida na Lei nº 6.538/78, mais especificamente em seu art. 43, in verbis:
"Art. 43 - Os crimes contra o serviço postal , ou serviço de telegrama, quando praticados por pessoa
prevalecendo-se do cargo, ou em abuso de função, terão pena agravada."
Note-se que, de acordo com o novo regulamento, a prática do crime com o abuso de função
passou a ser causa agravante, e não mais qualificadora como anteriormente prevista.
Desse modo, à luz das modificações legislativas operadas, procedo à readequação do crime
de violação de correspondência previsto na denúncia, enquadrando a conduta praticada pelo réu nas
penas do art. 40, c/c o art. 43, ambos da Lei nº 6.538/78.
3. Dispositivo
Quanto aos antecedentes, conduta social e personalidade dos agentes, não existe indicativo
de má conduta social do agente ou de cometimento de qualquer outro crime, à vista dos
antecedentes às fls. 47.
Pelo exposto, na primeira fase de aplicação da pena, fixo a pena de 02 (dois) meses de
detenção, para o crime tipificado no art. 40 da Lei nº 6.538/78, e de 05 (cinco) anos de reclusão,
para o crime tipificado no art. 312, § 1º, do CPB.
No que tange à terceira fase, não se configuram causas de aumento e diminuição de pena.
Considerando que o réu praticou por 12 (doze) vezes o crime de peculato, aplico a fração de
2/3 (dois terços), resultando a reprimenda, nesta fase, em 09 (nove) anos e 02 (dois) meses de
reclusão. Considerando-se que o réu praticou por 18 (dezoito) vezes o crime de violação de
correspondência, aplico, também, a fração de 2/3 (dois terços), resultando a reprimenda, nesta fase,
em 05 (cinco) meses de detenção.
Assim, ao cabo da terceira fase, torno definitiva a pena do réu em 09 (nove) anos e 02 (dois)
meses de reclusão para os crimes de peculato, e 05 (cinco) meses de detenção para os delitos de
violação de correspondência.
Quanto à pena de multa, para fins de fixação, deve-se obedecer ao sistema bifásico. Na
primeira fase guarda-se uma proporcionalidade com a sanção corporal imposta, levando-se em
conta as circunstâncias judiciais, eventuais atenuantes/agravantes e causas de aumento/diminuição
de pena incidentes, ao passo que na segunda fase deve-se considerar as possibilidades financeiras
do acusado.
Atenta a tal regramento, fixo a pena de multa em 100 (cem) dias-multa, à fração de 1/20 (um
vigésimo) do salário mínimo vigente à época do fato, tendo em vista a situação econômica do réu
indicada à fl. 84.
A título de reparação do dano (art. 91, I, do CP, e art. 387, IV, do CPP), observo que o
Ministério Público Federal não fez qualquer requerimento nesse sentido, razão por que deixo de
fixar o valor mínimo.
Frise-se que o fato de o réu ter sido demitido por meio de procedimento administrativo não
impede a declaração da perda do cargo em sentença condenatória penal.
Diante disso, nos termos do art. 92, I, a, do CP, declaro a perda do emprego exercido pelo
acusado ALDIR OSMUNDO TIBURTINO junto à EBCT.
Em conformidade com o art. 387, parágrafo único, do CPP, não se configuram os requisitos
do art. 312 do CPP para imposição de prisão preventiva ou de outra medida cautelar, de sorte o réu
poderá apelar em liberdade.
DISPOSIÇÕES FINAIS
Após o trânsito em julgado desta sentença, lance-se o nome do condenado no rol dos
culpados (CF, art. 5º, LVII, c/c CPP, art. 393, II) e promovam-se os registros e comunicações
eventualmente necessários.
S ENTEN ÇA
1. Relatório
2. Fundamentação
Sustenta o réu a inépcia da inicial por não serem os fatos ali consignados reveladores dos
crimes previstos nos arts. 4º e 19, da lei 7.492/86, destacando ainda serem tais delitos comissivos
próprios, somente praticados pelas pessoas nominadas no art. 25 da mesma lei.
Acerca de tais proposições, destacadas em sede de preliminar, ressalto, inicialmente, que
se confundem com o próprio mérito da causa e, como tal, serão abordadas nos tópicos da
fundamentação que se seguem.
De qualquer forma, para que não pairem quaisquer dúvidas acerca da idoneidade da inicial
acusatória, analisando-a, verifico que preenche, sim, todos os requisitos do art. 41 do CPP, quais
sejam, verbis:
Para que seja considerada inepta, entendo que a denúncia deve ensejar a mutilação do
direito de ampla defesa do denunciado ao expor de maneira ambígua, contraditória ou omissa as
condutas supostamente perpetradas, em evidente ofensa ao princípio da paridade de armas.
No caso dos autos, o réu vem exercendo plenamente o seu direito de defesa, de tal forma,
não há que se falar em inépcia da inicial.
A denúncia de fl. 03/19 foi suficientemente clara ao descrever os fatos que, em tese,
constituem crimes. Por outro lado, há no processo indícios de autoria e materialidade suficientes
para suscitara justa causa necessária para instauração da ação penal e, por fim, a ampla defesa e
contraditório dos denunciados não foram afrontadas de nenhuma forma.
Nesse sentido, cito o seguinte precedente:
Rejeito a preliminar.
Sobre a ausência de justa causa, na forma do art. 395, III do Código de Processo Penal,
tenho que as alegações dos denunciados não merecem prosperar.
Como já afirmado acima, há no processo indícios de autoria e materialidade suficientes
para suscitar a justa causa necessária para instauração da ação penal, o que requer um
pronunciamento sobre o mérito da ação e não a extinção do feito por ausência de tal pressuposto.
O argumento destacado pelo réu segundo o qual a denúncia teria sido embasada em
processo administrativo eivado de vícios e, portanto, nulo, e acerca do qual se postulou ação
anulatória, não se presta a desconstituir os indícios efetivamente desencadeados a partir da
sindicância havida no âmbito da instituição financeira lesada, em tese, a partir das condutas do réu.
Não é demais enfatizar que a persecução penal ainda foi antecedida de demais atos investigatórios,
desta feita, no âmbito do Ministério Público Federal que promoveu ainda, justificadamente e de
forma cautelar no curso da instrução, medidas assecuratórias já deferidas por este Juízo.
Os elementos colhidos ao final de todos estes atos não deixam dúvidas acerca da
necessidade de ter o feito seguido seu transcurso regular a fim de que um pronunciamento judicial
fosse efetivamente tomado acerca das imputações atribuídas ao acusado.
De mais a mais, sabe-se que a eventualidade de vícios havidos na fase
inquisitorial/administrativa, notadamente quando o resultado daí decorrente não se apresenta como
o único elemento desencadeador da persecução penal, não têm o condão de macular a ação penal
daí instaurada. Esse é o entendimento adotado pela nossa corte superior. O STF já se manifestou no
seguinte sentido:
2.1.3. Necessidade de suspensão do feito até decisão acerca do incidente de insanidade mental
instaurado.
2.2. Do Mérito
As condutas que foram imputadas ao denunciado ora sob julgamento estão previstas nos
arts. 4º e 19, da Lei Federal n.o 7.492/86, que assim dispõe:
O delito capitulado no art. 4º acima transcrito é crime próprio, praticado pelas pessoas
mencionadas no art. 25 do mesmo dispositivo legal que dispõe:
Art. 25 da Lei nº 7.492/86 o seguinte:
Art. 25. São penalmente responsáveis, nos termos desta lei, o controlador e
os administradores de instituição financeira, assim considerados os
diretores, gerentes (Vetado).
§ 1º Equiparam-se aos administradores de instituição financeira (Vetado) o
interventor, o liquidante ou o síndico.
§ 2º Nos crimes previstos nesta Lei, cometidos em quadrilha ou co-autoria,
o co-autor ou partícipe que através de confissão espontânea revelar à
autoridade policial ou judicial toda a trama delituosa terá a sua pena
reduzida de um a dois terços.
É certo, porém, que o artigo em comento (art. 25) não torna especiais todos
os crimes previstos nesta Lei, até porque, nos crimes praticados no âmbito
do sistema financeiro nacional a instituição financeira pode figurar como: a)
agente do crime, por meio de seus representantes lesando terceiros,
estranhos à instituição financeira; b) vítima do crime; c) autor e vítima,
quando o crime é praticado por um agente interno à instituição lesada; d)
instrumento para a prática do crime, como se dá nos casos de lavagem de
dinheiro. (...) Já os crimes dos arts. 2º, 3º, 14, 19 e 20 são crimes em que a
instituição financeira desponta como vítima, podendo ocorrer com a
participação ou co-autoria de pessoas internas à instituição.4
Nesse sentido, ou seja, abraçando a tese de que nem todos os crimes previstos na Lei que
rege os crimes contra o Sistema Financeiro Nacional são próprios, são os seguintes excertos:
Tenho, por oportuno, que o art. 25 da Lei nº 7.492/86 não pretendeu restringir os sujeitos
ativos dos crimes nela previstos, pois se assim fosse, não teria feito inserir no corpo do texto legal
condutas impraticáveis por gerentes, controladores ou administradores das empresas, atuando nesta
condição. Senão vejamos:
Tais condutas são confirmadas pelo depoimento da testemunha de acusação José Sudário
Sobrinho Júnior que afirmou em Juízo:
QUE duas das contas são de movimentação normal de clientes e outras duas
abertas de forma indevida com o fim de servirem como contas de passagem
dos valores; (...) QUE com relação às contas dos correntistas que eram
pouco movimentadas, Cícero e Francisco, declararam que autorizaram o
trânsito dos valores por suas contas, mas não sabiam que a origem era
fraudulenta; QUE Miguel teria pedido permissão para utilizar tais contas;
(...) QUE teve contato com Sr. Antão, parente de Miguel e arrolado nos
autos como testemunha de acusação, o qual relatou que havia recebido os
valores porque era informado pelo réu de que produtores da região
emprestavam dinheiro com taxa mais barata e isso lhe seria útil porque tinha
uma empresa que necessitava de recurso; (...) QUE ao ser ouvido durante a
sindicância o acusado o fez na presença do gerente geral da agência,
Francisco Moura Teixeira; QUE o referido geral também foi inquirido pela
testemunha durante a sindicância; (...) QUE o comitê era formado por no
mínimo três participantes; QUE na referida agência pelo menos por quatro
meses as atas nem assinadas foram; QUE as atas após assinadas poderiam
ficar disponível durante algum tempo para que outras propostas fossem
incluídas; QUE tal falha foi sanada em momento posterior a apuração; QUE
não sabe explicar o porque o gerente geral embora ouvido na sindicância,
não foi afastado de suas funções; (...) QUE tem conhecimento de que o
próprio Sr. Antão procurou o banco e propões regularizar o débito que lhe
dizia respeito; QUE não necessariamente os gerentes participam de
treinamento antes de ocuparem funções; QUE após o processo
administrativo tomou conhecimento de que o acusado sofre de doença
mental; QUE não sabe dizer se quando o acusado foi inquirido em sua
residência se sentiu coagido; QUE foi opção do acusado ser ouvido dessa
forma; QUE no momento não se sabia quem seriam os envolvidos; QUE ao
chegarem na agência o réu se retirou; após diversos contatos ele propôs ser
inquirido em sua residência; QUE é opção da agência afastar ou não um
envolvido; QUE em geral permanecem no exercício de suas funções durante
a sindicância.
As pessoas acima referidas, titulares das ditas "contas meio", utilizadas pelo réu em sua
artimanha ardilosa, confirmaram durante as investigações:
QUE fez um empréstimo de seis mil reais, para a compra de gado; QUE
para tanto assinou diversos papéis a pedido de funcionários daquela
instituição, bem como apresentou seus documentos pessoais, tais como CPF,
RG e comprovante de residência; QUE não sabia que tais papéis seriam
usados para a abertura de uma conta-corrente em seu nome; QUE somente
tomou conhecimento da existência desta conta quando foi chamado para
depor na auditoria do BNB; QUE não sabia que vários depósitos haviam
sido feitos em sua conta-corrente, no valor de R$ 509.904,34, pois como já
dito, nem sequer sabia da existência desta conta(...)
Ao que se vê, embora tente em seu interrogatório transferir parte da responsabilidade para
a pessoa de Cícero José de Lucena, confirmou a fraude, argumentando apenas que pretendia
"devolver" todo o dinheiro ilicitamente auferido, o que, nem de longe, e diante do vasto acervo
probatório colhido, é capaz afastar a sua responsabilidade pela trama fraudulenta.
Com efeito, o cotejo de todas as declarações até então descritas com os documentos
colacionados aclaram, então, que por meio da conta irregularmente aberta pelo réu em nome de
Zilmar Mariano de Souza, foram repassados valores do PRONAF, no total de 44 (quarenta e quatro)
operações, perfazendo o montante de R$ 356.633,74 (trezentos e cinqüenta e seis reais e seiscentos
e trinta e três reais e setenta e quatro centavos) (fls. 31/32 - P.A 1.15.002.000150/2009-61 - Anexo
01).
Da mesma forma, por meio da conta corrente aberta em nome de José Francisco de Moura
Alves, foram veiculados, com o mesmo ardil, R$ 509.504,34 (quinhentos e nove mil, quinhentos e
quatro reais e trinta e quatro centavos) advindos do mesmo programa de incentivo à agricultura
familiar e mediante 58 (cinquenta e oito) operações fraudulentas (fl. 30/31 - P.A
1.15.002.000150/2009-61 - Anexo 01).
Após o repasse das verbas, com crédito nas referidas contas correntes, os valores eram
transferidos, sob comando direto do acusado, para contas correntes por este indicadas de seus
familiares ou de sua própria titularidade.
Há nos autos prova de que tais contas foram efetivamente utilizadas como meio para
facilitar a artimanha engendrada pelo acusado, sendo tal fato constatado pelas declarações já
versadas em cotejo com a análise detalhada de tais contas realizada pela Assessoria de Análise e
Pesquisa da Procuradoria-Geral da República no documento intitulado Caderno de Investigação
Bancária, elaborado a partir da quebra de sigilo bancário autorizada por esse juízo (P.A.
1.15.002.000150/2009-61 - Anexo V).
Parte desses fatos, notadamente no que se refere às vultosas movimentações havidas em
conta corrente mantida pelo acusado, são visivelmente extraídos do referido documento. A análise
de seus dados bancários evidencia que em sua conta foram depositados valores provenientes das
operações fraudulentas, estando caracterizada a incompatibilidade entre a renda declarada e os
valores movimentados (P.A 1.15.002.000150/2009 - Anexo V - fls. 51/53).
Da mesma forma, os extratos da conta nº 10.082-P, mantida pelo denunciado junto ao
Bradesco - Agência Brejo Santo, listam depósitos realizados em seu favor, inclusive, por Cícero
José de Lucena. Verifica-se que para a referida conta foram transferidos R$ 165.927,10 (cento e
sessenta e cinco mil, novecentos e vinte e sete reais e dez centavos), no período de janeiro a julho
de 2008 (P.A 1.15.002.000150/2009-61 - Anexo IV).
Assim, a única conclusão possível é a de que o acusado, valendo-se de sua condição de
gerente lotado na agência do BNB de Brejo Santo/Ce ultimou, ardilosamente, operações de crédito
fraudulentas fomentadas por recursos PRONAF - Programa Nacional de Fortalecimento da
Agricultura Familiar, se utilizando, para tanto, de quatro contas correntes mantidas junto à Agência
114 (Brejo Santo) do Banco do Nordeste do Brasil, quais sejam, c.c nº 7853-0, em nome de Cícero
José de Lucena, c.c nº 10363-1, em nome de Francisco das Chagas Lucena, c.c nº 11305-0, em
nome de José Francisco de Moura Alves, e c.c nº 11306-8, em nome de Zilmar Mariano de Souza.
Nada foi afirmado nos autos pela defesa que viesse a desqualificar o depoimento das
testemunhas arroladas pelo Ministério Público, bem assim a vasta documentação trazida aos autos.
Por sua vez, a testemunha arrolada pela defesa do demandado nada trouxe que lhe pudesse
beneficiar, já que conhecia os fatos na inicial apenas por "ouvir dizer" (CD - ROM - fl. 225)
Presentes, portanto, provas da autoria, do dolo e da materialidade delitiva, entendo que a
conduta imputada ao réu é subsumível à descrição típica do art. 19 da Lei n.º 7.492/86, por 124
vezes.
A inicial acusatória também imputa ao réu a conduta de gestão fraudulenta inserta no art.
4º da lei 7.492/86.
Em relação ao tipo em análise, o réu, em sua defesa, alega apenas que por não ser
controlador ou administrador da instituição financeira, não poderia ser responsabilizado. Diz que as
contratações em torno das operações com recursos do PRONAF dependiam da aprovação do
gerente geral da agência e do gerente executivo no âmbito de reuniões do comitê.
Acerca do tema urge esclarecer, sem olvidar certa divergência no âmbito da doutrina e
jurisprudência, ser necessária a análise fática do caso concreto a fim de que se possa atribuir
responsabilidade por gestão fraudulenta a quem de fato detinha poderes para operacionalizar
contratações alheias ao real interesse da instituição.
Neste sentido, acompanho a corrente jurisprudencial que entende que o enquadramento
dos gerentes de agências ao tipo penal em análise deve ser analisado caso a caso, por meio da
perquirição da repercussão de sua atuação fraudulenta. Senão vejamos:
In casu, restou claro que o réu, malgrado defenda a exclusão de sua responsabilidade eis
que, no seu dizer, como Gerente de Suporte de Negócios da Agência, não detinha domínio efetivo
sobre as operações de crédito fraudulentamente realizadas, tinha pleno acesso aos sistemas que
circundavam tais contratações e, sob tal condição, passou a efetivá-las com a plena consciência de
que não condiziam com as condutas ordinárias da instituição, alegando, apenas, que tinha a intenção
de devolver os valores desviados.
A testemunha de acusação Jose Sudário Sobrinho Júnior indica, com riqueza de detalhes,
que o réu, como Gerente de Suporte a Negócios da agência do BNB de Brejo Santo/CE, detinha
todo o controle e disponibilidade operacional de todas as etapas bancárias para a concretização dos
financiamentos. Veja-se, neste pertinente, o teor de trechos do citado depoimento:
QUE as contas foram abertas devido ao réu ter acesso aos diversos sistemas
do Banco como gestor e utilizado tais contas exclusivamente no trânsito dos
valores contratados irregularmente; (...) QUE para se fazer uma operação de
crédito se utiliza 5 sistemas; QUE o réu tinha acesso a todos os cinco com
poderes de gestão e isso possibilitou que cadastrasse os clientes com dados
criados e falsos, elaborasse projeto e colocasse nos sistema; elaborasse
proposta, pautasse no comitê e deferisse; e cadastrasse a operação e liberasse
os valores e, por fim, abrisse as contas correntes para obter os cartões,
liberar tais cartões e passasse a movimentar tais contas, transferindo ou
sacando diretamente tais valores; QUE Miguel embora não fosse gerente
geral tinha o controle de todas as etapas que envolviam as operações de
crédito; QUE com relação às contas de Zilmar e Jose Francisco, disse que
tais pessoas o disseram que desconheciam que fossem titulares de conta
corrente do BNB; QUE acredita que o contato das referidas pessoas seria
apenas por serem "pronafianos", clientes do banco; QUE para abrir a conta
corrente não precisa de documento do PRONAF; (...) QUE o réu exercia a
função de suporte de negócios; QUE acima dele teria o gerente de negócios
e o gerente geral da agência; QUE toda agência tinha ainda 2 (dois) gerentes
executivos; QUE o acusado era assistente do gerente de negócios; (...) QUE
embora o gerente de suporte de negócios tivesse algumas limitações de
acesso as sistemas, tais acessos eram conseguidos quando das substituições
angariadas pelo réu; QUE os recursos não são colocados a disposição de
nenhum gerente; QUE havia e ainda deve haver falhas de controle nos
sistemas; QUE após o acontecido a segurança de alguns sistemas foi revista,
especialmente os de operação de crédito; QUE não é possível concluir que o
Banco colocou a disposição do acusado meios para que as fraudes fossem
perpetradas; QUE o gerente de suporte não participava do comitê, mas nas
substituições do gerente de negócio tinha acesso ao comitê; (...) QUE foi
fundamental a falta de acompanhamento pela gerência da agência para as
fraudes.
Assim, embora seja claro que o réu não exercia sozinho a gerência da citada agência
bancária, restou induvidoso nos autos que detinha algum nível de fidúcia por parte da instituição
para a qual trabalhava, a ponto de poder ingressar livremente nos sistemas que envolviam as
contratações de crédito com recursos do PRONAF, podendo gerir a sua destinação.
Por sua vez, o cenário em que se desencadeou a fraude - agência bancária de cidades
menores - atrai ao réu, certamente, a condição de "gerente responsável por financiamentos" daquela
unidade, garantido-lhe, portanto, a confiança dos munícipes e potenciais clientes, contribuindo,
consequentemente, para o destramar da fraude como a que ora se apura.
Nesse contexto, o acusado não só obteve os financiamentos de forma fraudulenta, como
atuou diretamente na abertura de contas, cadastramento de clientes, movimentações financeiras,
influência junto ao Comitê, dentre outros atos que certamente comprometem a higidez da
Instituição Financeira, pelo menos no âmbito da agência para a qual tinha participação decisiva na
gestão.
Induvidosos a autoria e o dolo, portanto.
Quanto à materialidade, entendo ter restado minuciosamente demonstrada durante toda a
fundamentação que seguiu o tópico anterior.
Ao praticar os fatos acima expostos, realizando uma série de operações financeiras
fraudulentas na condição de Gerente de Suporte de Negócios da Agência Brejo Santo do Banco do
Nordeste do Brasil, cometeu o denunciado o crime tipificado no artigo 4º da Lei nº 7.492/86, qual
seja, "gerir fraudulentamente instituição financeira", em concurso formal com os 124 crimes
tipificados no art. 19 da mesma lei, conforme já tratado no tópico anterior.
2. Dispositivo
3.1. Da Condenação
Ante o exposto, JULGO PROCEDENTE a pretensão punitiva do Estado, deduzida na
denúncia de fls. 06/13, para CONDENAR MIGUEL EDUARDO BEZERRA DE PINHO pela
prática do crime previsto no art. 19 da Lei Federal nº 7.492/86, por 124 vezes, em concurso formal
com o art. 4º, do mesmo dispositivo legal.
Passo à dosimetria da pena em relação ao demandado acima condenado e o faço de forma
fundamentada, para atender aos ditames legais.
3.2. Da Dosimetria
3.2.1. Da conduta tipificada no art. 19 da lei 7.492/86
3.2.1.1. Da Pena Privativa de Liberdade.
1ª Fase:
A culpabilidade é normal para os crimes de mesma natureza. Por tal razão, tal
circunstância deve ser tomada como favorável ao réu. Não há notícia de antecedentes. Tal
circunstância deve ser tomada por favorável ao réu. A conduta social é adequada; razão pela qual
essa circunstância deve ser considerada como favorável ao réu. Quanto à personalidade do agente,
entende este Magistrado ser a apreciação de tal circunstância judicial inconstitucional, na medida
em que pretende julgar a pessoa pelo que é e não pelo que fez, sendo um retrocesso ao chamado
"direito penal do autor", ofensivo ao princípio da dignidade da pessoa humana. De outra sorte, a
análise da personalidade foge ao âmbito da ciência jurídica, pressupondo conhecimentos técnicos de
outros ramos da ciência, pelo que deixo de analisar esta circunstância, mas aplicando-a
favoravelmente ao réu. Os motivos do crime são os ordinários à espécie. As circunstâncias do crime
não transcenderam ao ordinário. As consequências do crime são normais. O comportamento da
vítima não se aplica ao caso.
Diante da inexistência circunstâncias judiciais desfavoráveis, fixo a pena-base no mínimo
legal, ou seja, em 02 (dois) anos de reclusão.
2ª e 3ª Fases:
Ausentes atenuantes e agravantes, bem como inexistindo causas de diminuição e de
aumento para incidirem no caso, torno a pena definitiva em 02 (dois) anos de reclusão.
Da continuidade delitiva
A pena encontrada ao fim do sistema trifásico deve ser aplicada a cada um dos 124 (cento
e vinte e quatro) crimes cometidos sendo dispensável dosimetria individualizada para cada um deles
dada a completa identidade de procedimento em todos. Fazendo uso da regra do crime continuado
prevista no art. 71, do CP, aplico ao réu a pena de um só dos crimes, aumentada de 2/3 (dois terços),
ficando a pena definitiva em 03 (três) anos e 04 (quatro) meses.
3.2.1.2 Da Pena de Multa
Condeno, ainda, o réu ao pagamento de pena de multa, que fixo em 60 (sessenta) dias-
multas, cujo valor individual será de 1/30 (um trigésimo) do salário-mínimo vigente na data do fato,
pena esta que julgo adequada às circunstâncias do caso e à capacidade financeira do condenado.
Em razão de o réu ter praticado 124 crimes em continuidade delitiva, a pena de multa
passa a ser de 7.440 (sete mil quatrocentos e quarenta) dias-multas, nos termos do art. 72 do CP.
3.2.2 Da conduta tipificada no art. 4º da lei 7.492/86
A culpabilidade é normal para os crimes de mesma natureza. Por tal razão, tal
circunstância deve ser tomada como favorável ao réu. Não há notícia de antecedentes. Tal
circunstância deve ser tomada por favorável ao réu. A conduta social é adequada; razão pela qual
essa circunstância deve ser considerada como favorável ao réu. Quanto à personalidade do agente,
entende este Magistrado ser a apreciação de tal circunstância judicial inconstitucional, na medida
em que pretende julgar a pessoa pelo que é e não pelo que fez, sendo um retrocesso ao chamado
"direito penal do autor", ofensivo ao princípio da dignidade da pessoa humana. De outra sorte, a
análise da personalidade foge ao âmbito da ciência jurídica, pressupondo conhecimentos técnicos de
outros ramos da ciência, pelo que deixo de analisar esta circunstância, mas aplicando-a
favoravelmente ao réu. Os motivos do crime são os ordinários à espécie. As circunstâncias do crime
não transcenderam ao ordinário. As consequências do crime são normais. O comportamento da
vítima não se aplica ao caso.
Diante da inexistência circunstâncias judiciais desfavoráveis, fixo a pena-base no mínimo
legal, ou seja, em 03 (três) anos de reclusão.
2ª e 3ª Fases:
Ausentes atenuantes e agravantes, bem como inexistindo causas de diminuição e de
aumento para incidirem no caso, torno a pena definitiva em 03 (três) anos de reclusão.
3.2.1.2 Da Pena de Multa
Condeno, ainda, o réu ao pagamento de pena de multa, que fixo em 60 (sessenta) dias-
multas, cujo valor individual será de 1/30 (um trigésimo) do salário-mínimo vigente na data do fato,
pena esta que julgo adequada às circunstâncias do caso e à capacidade financeira do condenado.
3.3. Do concurso formal
Conforme visto na fundamentação, o réu foi condenado pela prática de 124 crimes
tipificados no art. 19 da Lei nº 7.492/86 em continuidade delitiva, bem como pela incidência no art.
4º da mesma lei, sendo esta em concurso formal com as primeiras. Ocorre que as penas do crime
continuado devem ser consideradas autonomamente para todos os efeitos, exceto para a fixação da
continuidade. Assim, a incidência da regra do concurso formal, prevista no art. 70 do Código Penal,
deve ocorrer considerando as penas de 02 (dois) e 03 (três) anos, tomando-se por base, então, a
maior delas (03 anos). Entretanto, considerando que foram praticados 124 delitos previstos no art.
19 referido, a fração a incidir será de metade.
Destarte. aplico a regra do art. 70 do Código Penal pela qual fica a pena fixada em 4
(quatro) anos e 06 (seis) meses de reclusão.
Em relação à pena de multa fica fixada em 7.500 (sete mil e quinhentos) dias multa no
valor individual de 1/30 (um trigésimo) do salário-mínimo vigente, nos termos do art. 72 do CP.
3.3. Do Regime de Cumprimento de Pena.
O regime inicial de cumprimento de pena será o semi-aberto (art. 33, § 2o, "b", do CP).
3.4. Da Substituição das Penas Privativas de Liberdade por Restritivas de Direito
Diante do quantitativo de pena aplicado, incabível a substituição das penas.
3.5. Das Disposições Finais
Fixo o mínimo indenizatório no valor de R$ 670.806,17 (seiscentos e setenta mil,
oitocentos e seis reais e dezessete centavos), resultado do quantum apurado após a dedução sobre o
montante desviado pelo réu (R$ 1.089.643,23) da quantia efetivamente devolvida pela empresa
ESUTA Prestação de Serviços LTDA, de titularidade de Antão de Morais Pinho (R$ 418.837,06),
consoante manifestação de fls. 306/307. Ao valor a ser restituído deverá ser acrescido de correção
monetária e juros de mora, de acordo com o manual de cálculos da Federal.
Traslade-se cópia desta sentença para o processo nº 0000943-33.2010.4.05.8100, a fim de
que sejam adotadas as providências necessárias à destinação dos bens cujo seqüestro foi ali
determinado.
Após o trânsito em julgado, lance-se o nome do réu condenado no rol dos culpados,
oficie-se ao TRE/CE para fins do art. 15, III, da Constituição Federal e remetam-se os autos à fase
de execução.
Estando o réu condenado solto, o que é a regra, e não se verificando, no presente caso, os
pressupostos e requisitos do art. 312 do CPP, não há que se falar em adoção das medidas previstas
no art. 387, p. único, do CPP, com a redação dada pela Lei no 11.719/08.
Custas pelo condenado.
Com o trânsito em julgado, adotem-se as providências necessárias à execução das penas.
P. R. I.
1. Trata-se de ação penal oferecida pelo Ministério Público Federal em desfavor de WSKLEY
BATISTA NÓBREGA DE SOUSA, imputando-lhe a prática do delito previsto no art. 304 do
Código Penal.
2. Dispõe a peça acusatória que o denunciado, em meados de 2010, teria supostamente feito uso de
documento público falsificado, consistente em diploma de conclusão do Curso de Qualificação
Profissional de Técnico em Química, perante o Conselho Regional de Química do Rio Grande do
Norte, visando à habilitação e inscrição para o exercício de atividade privativa do profissional
"Técnico em Química".
3. A denúncia foi recebida no dia 30 de janeiro do presente ano, por meio da decisão de fls. 15/18.
Citado, o acusado apresentou sua defesa escrita às fls. 76/80, alegando, em suma, que: a) diante da
ausência da entrega do mandado de citação ao acusado, a citação mostrar-se-ia nula; b) subsiste
visível atipicidade da conduta imputada, em razão da inexistência de dolo.
4. Instado a se manifestar, o Ministério Público Federal (fls. 119/121) divergiu dos argumentos
utilizados pela defesa, aduzindo que: a) apesar de presente a nulidade, a não entrega do mandado de
citação ao acusado não consistiu prejuízo à defesa, devendo, portanto, ser relevada tal nulidade, em
coerência com o princípio da pas de nullité sans grief e o art. 563 do Código de Processo Penal; b) o
dolo no cometimento do delito pelo acusado restou configurado no ato de obtenção do diploma
tendo somente como contraprestação o pagamento pecuniário visando ao benefício pessoal.
5. Em decisão de fls. 123/124 este Juízo rejeitou a preliminar arguida pela defesa e determinando o
prosseguimento do feito, ratificando o recebimento da ação penal.
6. Foi realizada audiência de instrução e julgamento, ocasião em que foram ouvidas as testemunhas
arroladas e o acusado foi interrogado, conforme termo de fls. 222/223 e mídias acostadas às fls.
225/226.
7. Na fase do art. 402 CPP, nada foi requerido.
8. O Ministério Público Federal apresentou alegações finais orais, que se encontram gravadas na
mídia acostada à fl. 226, nas quais afirmou terem sido comprovadas a materialidade e autoria
delitivas, de sorte que reiterou o pedido de condenação exposto na denúncia.
9. A defesa do acusado apresentou alegações finais (fls. 227/233) onde requereu sua absolvição e,
alternativamente, em caso de não acolhimento do pedido absolutório, que seja a pena aplicada no
mínimo legal.
10. É o necessário a relatar.
II - Fundamentação
11. O Ministério Público Federal imputou ao acusado a condutas que, em tese, se amolda ao tipo do
art. 304 do Código Penal, com a pena do art. 297 do Código Penal:
Art. 304 - Fazer uso de qualquer dos papéis falsificados ou alterados, a que
se referem os arts. 297 a 302.
Pena - a cominada à falsificação ou à alteração.
Art. 297 - Falsificar, no todo ou em parte, documento público, ou alterar
documento público verdadeiro:
Pena - reclusão, de dois a seis anos, e multa.
12. O delito insculpido no art. 304 do Diploma Legal em exame perfaz a conduta do uso de
documento falso, possuindo como núcleo do tipo a conjunção verbal fazer uso. Esse fazer uso, no
crime em comento, exige que a utilização seja feita como se o documento autêntico fosse, além do
que a situação envolvida deva ser juridicamente relevante. Neste caso, a amplitude do conceito de
documento depende da verificação do conteúdo dos arts. 297 a 302 do Código Penal, a saber:
documento público, documento particular, papel onde constar firma ou letra falsamente
reconchecida, atestado ou certidão pública ou, ainda, atestado médico.
13. Acrescente-se, ainda, que o sujeito ativo do crime pode ser qualquer pessoa, quanto ao sujeito
passivo, nestes casos, é o Estado e, secundariamente, a pessoa prejudicada. O dolo constitui
elemento subjetivo do tipo, não existindo a forma culposa do crime.
14. A materialidade e autoria do crime se encontram demonstradas nos autos. Com efeito, a partir da
análise dos documentos constantes do Inquérito Policial nº 0843/2013-1 - Apenso, instaurado pela
Polícia Federal, juntamente com as provas produzidas durante a instrução, conclui-se que WSKLEY
BATISTA NÓBREGA DE SOUSA, no dia 24 de novembro de 2010, utilizou documento falso,
consistente em diploma de Curso Técnico em Química, junto ao Conselho Regional de Química da
15ª Região, visando obter a habilitação para o exercício da atividade privativa do profissional
"Técnico em Química".
15. Inicialmente, faz-se necessário verificar, de fato, quais as atribuições relativas ao Químico e ao
Técnico de Química.
16. Neste sentido, o DECRETO-LEI N.º 5.452, DE 1º DE MAIO DE 1943 dispõe:
18. Da análise dos dispositivos legais acima mencionados é possível concluir que, aparentemente,
as atribuições do profissional técnico em química estão abarcadas pelo profissional Químico, o que
não retira a necessidade de analisar se o crime de uso de documento falso foi ou não praticado pelo
acusado.
19. Assim, analisando o conjunto probatório contido nos autos, verifica-se que o Diploma do Curso
de Qualificação Profissional de Técnico em Química supostamente emitido pelo Colégio Reensino
(fls. 26/27 do IPL), a Carteira de Identidade Profissional emitida pelo Conselho Federal de Química
(fls. 23/24 do IPL), além do Auto de Interrogatório do acusado (fls. 12/16 do IPL), comprovam a
autoria e a materialidade delitivas.
20. Isso porque ficou nitidamente demonstrado que WSKLEY BATISTA NÓBREGA DE SOUSA,
visando a habilitação para o exercício da profissão de Técnico em Química junto à empresa
Newpark, pagou a quantia de R$ 1.800,00 (um mil e oitocentos reais) às pessoas de Adauto Altino
de Lima e Willian Marques Moreira, integrantes de uma organização criminosa nacional
especializada em falsificação de diplomas, a fim de que lhe fosse outorgado diploma profissional de
Técnico em Química, sem que tenham cursado o mencionado curso profissionalizante.
21. Neste contexto, merece destaque o interrogatório prestado pelo acusado perante a autoridade
policial (fls. 12/15 do IPL), ocasião em que declarou: "QUE é graduado em Engenharia de
Materiais pela UFRN; QUE trabalha na empresa NEWPARK; QUE de acordo com o contrato
firmado com a PETROBRAS e a empresa NEWPARK, exigia o cargo mínimo de Químico ou
Técnico em Química para exercer atividade embarcado pela PETROBRAS; QUE diante desses
fatos procurou o CRQ/RN, onde obteve essa declaração firmando as atribuições inerentes a
formação de engenheiro de materiais que também pode exercer atividades no segmento de
engenharia química; QUE mesmo assim a PETROBRÁS não acatou tais argumentos afirmando que
tudo estava regido no contrato firmado entre esta e NEWPARK; (...) QUE tomou conhecimento de
que o site www.saedd.com.br oferecia curso à distância de Técnico em Química; QUE segundo
JEFFERSON, a pessoa com a quale ele havia contatado, de nome ADAUTO, sendo que ele
(JEFFERSON) e o interrogado formados em Engenharia de Materiais, a carga horária relativa a
disciplina de química já seria igual ou superior ao do curso de técnico em química, bastando,
apenas, que fosse apresentado o histórico escolar para apreciação da comissão de ética da escola,
visando aproveitamento das disciplinas; QUE o interrogado manteve contato telefônico com
ADAUTO através do nº 16-7812.9657, ocasião em que tomou conhecimento que o curso seria no
valor de mil e oitocentos reais (...); QUE após os primeiros contatos mantidos com ADAUTO, cerca
de duas ou três semanas depois, o interrogando recebeu pelo correio o diploma de técnico em
química, emitido pelo COLEGIO REENSINO; QUE ao receber o diploma, o interrogando não
verificou que a emissão constava a data de 26.02.2006 e que o curso teria sido concluído em
28.01.2005, em que pese os contatos terem sido realizados no segundo semestre de 2010; QUE de
posso do referido diploma de técnico em química e histórico escolar, o interrogado se dirigiu ao
CRQ/RN para o respectivo registro, o que efetivamente ocorreu como se vê a fl. 04 de sua carteira
de identidade profissional".
22. De igual modo, as provas colhidas no decorrer da instrução processual, em especial os
depoimentos colhidos por este Juízo e o interrogatório do acusado, evidenciaram a prática do crime
denunciado pelo Ministério Público Federal.
23. Neste sentido, a testemunha Tereza Neuma de Castro Dantas, em depoimento prestado perante
este Juízo em 11.12.2015, que se encontra gravado na mídia acostada à fl. 225. afirmou que na
época dos fatos era presidente do CRQ, que o acusado já era inscrito no CRQ como Engenheiro do
Materiais, que o acusado possuia qualificação superior do que o técnico de química, que como
presidente do Conselho fez uma carta dizendo que quem pode mais pode o menos pois um
profissional que tem atribuições superiores a do técnico em química pode exercer as atividades do
técnico de nível médio, que quem procurou à Justiça ela se dispôs a prestar informações afirmando
que que os profissionais de nível superior poderiam executar as atividades de nível médio, que
vários que fizeram concurso para Técnico na Petrobrás e tinham formação superior entraram na
Justiça e estão trabalhando na Petrobrás hoje, que existia um caminho legal para fazer isso, que foi
informado pelo CRQ da 9ª Região que o curso apresentado pelo acusado estava cadastrado e existia,
que em 2011 o Conselho Federal recebeu uma solicitação para saber se existia profissionais
formados em determinadas entidades, que identificou quatro ou cinco pessoas com diploma da
instituição questionada e informou os nomes ao Conselho Federal, que existem 23 atribuições para
os profissionais de química, que o técnico em química não tem 1/10 do conhecimento que o
bacharel tem, que a Lei 2.800 que regulamenta os profissionais de química indica faz a diferença
entre os cursos, que as atribuições do técnico são restritas enquanto as do bacharel são amplas mas
não tem atribuições práticas de manipulação.
24. Por sua vez, o acusado WSKLEY BATISTA NÓBREGA DE SOUSA, interrogado perante este
Juízo, conforme termo de audiência de fls. 222/223 e mídia acostada à fl. 225, afirmou que não fez
o curso, que fez um reaproveitamento de disciplinas, que o site SAED é de um curso à distância,
que de posse do diploma foi até o CRQ e fez a inclusão do diploma no seu registro, que a escola
SAED é de Ribeirão Preto, que a escola REENSINO é do Paraná, que não checou a data da emissão
do diploma, que na sua cabeça o ano de 2005 descrito no diploma fazia referência a qualquer turma
da escola porque seria um reaproveitamento de disciplina, que não sabia que o diploma era falso,
que foi enganado.
25. Verifica-se que a materialidade e a autoria do crime estão amplamente comprovados nos autos.
Por outro lado, embora o réu, insista em negar que houve dolo em sua conduta, as demais provas
dos autos apontam em sentido contrário.
26. Com efeito, observando o Diploma do Curso de Qualificação Profissional de Técnico em
Química supostamente emitido pelo Colégio Reensino (fls. 26/27 do IPL), verifica-se que o
documento atesta fatos inexistentes, hipoteticamente ocorridos nos anos de 2003 a 2006, dentre os
quais 1770 horas de Curso e 420 horas de Estágio supervisionado, em escola situada em
Londrina/PR.
27. Ademais, não é razoável crer que uma pessoa com instrução elevada acreditasse que poderia ser
agraciado com um diploma de Técnico em Química sem necessitar, para tanto, assistir sequer uma
aula. De igual modo, a hipótese de aproveitamento de disciplinas aventada pela defesa do acusado
não encontra nenhum respaldo nos autos, haja vista que o diploma conferido ao acusado não
menciona nada a respeito disso.
28. Assim, restam comprovadas a materialidade e a autoria do crime de uso de documento falso
denunciado pelo Ministério Público Federal.
29. In casu, no tocante ao crime de uso de documento falso, a conduta do acusado é típica, no
sentido formal, correspondendo perfeitamente ao tipo penal transcrito alhures.
30. A tipicidade material decorre da lesão ou ameaça de lesão da conduta ao bem jurídico tutelado,
no caso, a fé pública.
31. Na oportunidade, o agente se utilizou de diploma de Curso Técnico em Química falso como se
autêntico fosse em situação juridicamente relevante, qual seja, habilitação para o exercício das
atribuições do Técnico em Química junto ao Conselho Regional de Química da 15ª Região.
32. O dolo (tipicidade subjetiva) está presente, uma vez que os elementos fático-probatórios deixam
ver que o agente possuía consciência da conduta, assim como apontam que o réu tinha vontade livre
e consciente de realizar a conduta.
33. A tipicidade, uma vez constatada, carrega, já, um indício de ilicitude. Essa ilicitude (ou
antijuridicidade) deve ser entendida como a relação de contrariedade entre a conduta do agente e o
ordenamento jurídico, que se dá quando não concorrem quaisquer das causas de exclusão da
ilicitude, sejam as legais do art. 23 do CP, sejam quaisquer outras causas que a doutrina chama de
supralegais. No caso, não vislumbro a presença de qualquer dessas causas de justificação da
conduta, de modo que se impõe caracterizá-la como antijurídica, ou seja, criminosa.
34. A culpabilidade do réu decorre do fato de ele ser penalmente imputável à época dos fatos, de
ser-lhe exigível que adotasse conduta diversa daquela que adotou, bem como por ser ele, não só
potencialmente, mas também efetivamente consciente da ilicitude de suas condutas. Em razão disso,
incide sobre a conduta do réu um juízo de reprovabilidade que tem como conseqüência a imposição
de uma sanção, de uma pena, como resposta estatal ao desvio de conduta por ele praticado.
III - DISPOSITIVO
40. Tendo em conta estarem devidamente preenchidos os requisitos objetivos e subjetivos arrolados
no art. 44 do Código Penal Brasileiro, SUBSTITUO a pena privativa de liberdade fixada por duas
penas restritivas de direito, nos termos do referido art. 44, § 2º, 2ª parte, do Código Penal,
consistentes em:
a) Prestação de serviços, durante 02 (dois) anos, na razão de 05 (cinco) horas semanais, à
entidade filantrópica (art. 43, inciso IV, do Código Penal) a ser definida em audiência admonitória,
quando será fixado o horário e o tipo de serviço, além do envio ao juízo de comunicação trimestral,
até o dia 10 de cada mês, informando as suas atividades; e
b) Doação mensal de cesta básica, em valor a ser definido em audiência admonitória,
durante o período de 02 (dois) anos, à entidade a ser definida na fase da execução da presente
sentença.
41. Fica advertida este réu de que o não cumprimento injustificado das medidas ensejará conversão
em pena privativa de liberdade (art. 44, § 4º, do C.P.), com imediata expedição de mandado de
prisão.
42. Em atenção ao art. 387, inciso IV, do Código de Processo Penal, com a redação determinada
pela Lei nº. 11.719, de 20 de junho de 2008, deve constar, da sentença condenatória, a fixação de
valor mínimo para a reparação dos danos causados pela infração, devendo o julgador levar em
consideração os prejuízos sofridos pelo(s) ofendido(s).
43. No caso sob exame, tendo em vista que o valor referente aos prejuízos financeiros causados pela
prática do crime não estão devidamente especificados nos autos, deixo de fixar o valor mínimo para
a reparação dos danos causados pela infração.
44. Em razão do disposto no parágrafo único do art. 387 do Código de Processo Penal, o juiz
decidirá (na sentença condenatória), fundamentadamente, sobre a manutenção ou, se for o caso, a
imposição de prisão preventiva ou de outra medida cautelar, sem prejuízo do conhecimento da
apelação que vier a ser interposta. No presente caso, faculto a ré o direito de recorrer em liberdade,
por não vislumbrar a presença dos pressupostos e fundamentos legitimadores da decretação da
prisão preventiva, nos termos do art. 312 do Código de Processo Penal.
III.4 Da Inelegibilidade
45. A Constituição Federal determina a suspensão dos direitos políticos de quem seja criminalmente
condenado por sentença irrecorrível, enquanto durarem os efeitos da condenação. Além disso, o art.
1º, inciso I, alínea "e", da Lei Complementar nº 64, de 1990 (Lei das Inelegibilidades), considera
inelegíveis por oito anos após o cumprimento da pena, os que hajam sido condenados pelos crimes
nela previstos.
47. Assim, depois do cumprimento da pena imposta em caso de condenação por algum dos crimes
previstos no art. 1º, inciso I, alínea "e", da LC 64/90, segue-se o prazo de oito anos de
inelegibilidade, não ocorrendo, todavia, quando se tratar de crimes culposos, crimes sujeitos à ação
penal privada ou em caso de infrações penais de menor potencial ofensivo.
48. No presente caso, vislumbra-se que a acusada deverá permanecer inelegível pelo período de oito
anos após o cumprimento da pena, tendo em vista que foi condenado por crime contra a fé pública
(art. 304 c/c art. 297, todos do Código Penal).
IV - Providências Finais
SENTENÇA
I - RELATÓRIO
12. O acusado ROBERTO CARLOS NUNES, à fl. 251/260, em sede de alegações finais,
alegou, em síntese, que:
a. Considerando a data da publicação do edital da licitação, já se operou a pretensão punitiva do
delito;
b. Não há nos autos provas suficientes para a sua condenação, vez que: (i) o laudo pericial de fls.
237/255 não trouxe conclusões que imputassem o cometimento do delito em tela; (ii) os demais
acusados em nenhum momento informam que o mesmo formulou ajuste voltado a fraudar a
licitação, inexistindo nos autos provas da existência de qualquer combinação ou vantagem
pecuniária por ele obtida; (iii) não teve qualquer ingerência no procedimento licitatório, até mesmo
porque a análise do cumprimento das formalidade era realizada pela CPL, consignando, ainda, que
as licitações já chegavam para ele com o Relatório de regularidade emitido pela CPL juntamente
com o Parecer de regularidade emitido pela Assessoria Jurídica; (iv) o simples fato de conhecer a ré
ANA MARIA MORAES MACHADO, pessoa bastante conhecida nesta Cidade de Guarabira, não
pode levar a presunção de que o certame foi realizado com o intuito de favorecê-la ;
c. Não houve qualquer dano ao erário público, e, diante da ausência de provas do cometimento do
delito, pugnou pela sua absolvição.
13. Em suas alegações finais, os réus FABRÍCIO LIMA ALMEIDA e ANA MARIA
MORAES MACHADO, apresentaram as suas alegações finais, às fls. 262/268 e 270/279,
respectivamente, por meio de petições autônomas, porém assemelhadas, ocasião em que alegaram,
resumidamente:
a. Ausência de dolo nas condutas, não sendo cabível a condenação de ambos pelo delito previsto no
art. 90 da Lei nº 8.666/93: (i) pois as provas carreadas aos autos demonstram que não houve conluio
entre os sócios das empresas licitantes e os agentes públicos, voltado à fraudar a licitação; (ii) o que
houve, na verdade, foi uma completa desorganização da Prefeitura e da CPL nos trâmites legais do
certame, de forma que as irregularidades ocorridas não foram ocasionadas propositalmente;
b. As condutas não acarretaram nenhum dano ao erário público, pois o objeto licitado foi
devidamente entregue, assim como foi comprovada a qualidade das obras e a compatibilidade dos
preços com os praticados no mercado;
c. As alegações do MPF não passam de meras conjecturas desprovidas do acervo probatório
necessário à condenação, pelo que deve ser aplicado o princípio do in dubio pro reo, com a
absolvição dos acusados;
d. Quanto à acusada ANA MARIA MORAES MACHADO, nas suas alegações finais, constou,
ainda, que em relação ao delito de uso de documento falso: (i) não fez qualquer alteração no
Certificado de Regularidade do FGTS da empresa; (ii) a falsificação perpetrada é grosseira,
destituída de qualquer potencialidade lesiva, de forma a caracterizar crime impossível; (iii) o
documento falsificado não é o documento que a mesma apresentou quando da licitação, não tendo o
MPF se desincumbido do ônus de comprovar que a falsificação foi por ele perpetrada.
15. Os antecedentes criminais dos réus, ROBERTO CARLOS NUNES, JOSÉ SERAFIM
BEZERRA, HERÁCLITO DO NASCIMENTO PINTO, EDMILSON DE PAULA, FABRÍCIO
LIMA ALMEIDA e ANA MARIA MORAES MACHADO, foram acostados: fls. 154/163 (Justiça
Federal); fls. 148/155 (Justiça Eleitoral); fls. 166/174 (Justiça Estadual) e fls. 201/221 (Polícia
Federal).
16. Era o que bastava relatar.
II - FUNDAMENTAÇÃO
Preliminar de prescrição
17. O acusado ROBERTO CARLOS NUNES, em suas alegações finais (fl. 251/260),
sustenta a ocorrência da prescrição da pretensão punitiva estatal, considerando, para tanto, a data da
publicação do edital da Carta Convite nº 17/2008.
18. No entanto, não procede a referida exceção. Contata-se que a pena máxima
cominada ao delito tipificado no art. 90 da lei nº 8.666/93 é de 04 (quatro) anos de detenção, logo, o
seu prazo prescricional, a teor do art. 109, inciso IV, do Código Penal, é de 08 (oito) anos.
19. Com efeito, verifica-se que, conforme documentação dos autos, a licitação em foco
foi realizada no ano de 2008 (entre 10/06/2008 a 26/06/2008) e a denúncia foi recebida no dia
07/05/2013, portanto, dentro do prazo prescricional de 08 (oito) anos fixado para o delito em
comento.
Mérito
21. Não havendo outras questões prévias pendente de apreciação, passo ao exame das
imputações.
22. O Ministério Público Federal imputou aos acusados ROBERTO CARLOS NUNES,
JOSÉ SERAFIM BEZERRA, HERÁCLITO DO NASCIMENTO PINTO, EDMILSON DE
PAULA, FABRÍCIO LIMA ALMEIDA e ANA MARIA MORAES MACHADO condutas que, em
tese, configuram o delito tipificado no artigo 90 da Lei nº 8.666/93; atribuindo, ainda, a esta última,
a prática de conduta que, em tese, caracteriza o crime previsto no artigo 304 do Código Penal.
23. Os documentos acostados aos autos demonstram que para a execução das obras
pactuadas no Contrato de Repasse n° 0200949-85/20063 foi realizado, dentre outros, o
procedimento licitatório Carta Convite nº 17/20084, cujo objetivo foi a aquisição de materiais de
construção.
24. Segundo relata a inicial, na realização do referido certame, houve conluio entre os
agentes públicos municipais (Prefeito e membros da Comissão Permanente de Licitações) e as
empresas licitantes (PAULO TOMAZ CONSTRUÇÕES LTDA, COMERCIAL DE FERRAGENS
PAULO TOMAZ e FABRÍCIO LIMA ALMEIDA), cuja finalidade foi o direcionamento do
resultado da licitação, para que o seu objeto fosse adjudicado à empresa previamente escolhida, qual
seja, a Pessoa jurídica PAULO TOMAZ CONSTRUÇÕES LTDA, que foi a vencedora (fl. 200 -
Volume III, do apenso).
25. Nesse passo, aponta o MPF que as irregularidades consistiram nos seguintes fatos: a)
das três empresas convidadas pela Comissão Permanente de Licitação, duas - a PAULO TOMAZ
CONSTRUÇÕES LTDA e a COMERCIAL DE FERRAGENS PAULO TOMA - pertenciam a um
mesmo grupo econômico/familiar, o que poderia ter sido prontamente percebido pelos membros da
CPL, diante da semelhança nas suas denominações e com a análise dos instrumentos de constituição
das mesmas, vez que possuíam como sócia comum a denunciada ANA MARIA MORAES
MACHADO; b) embora a Carta Convite não tenha definido nenhum modelo de proposta de preços,
foram constadas inúmeras e improváveis coincidências a demonstrar que as propostas de preços
apresentadas pelas empresas da denunciada ANA MARIA MORAES MACHADO foram
efetivamente combinadas, conforme atestou a Perícia realizada pela Polícia Federal, conclusiva no
sentido de que "foi utilizado um arquivo digital como base para a obtenção das planilhas
orçamentárias"; c) As evidências demonstram que a empresa FABRÍCIO LIMA DE ALMEIDA
participou da licitação somente para compor o número mínimo de licitantes exigido, vez que outro
não seria o seu propósito ao comparecer à sessão da CPL sem ter elaborado sequer a proposta de
preço e estando ciente de que sua situação estava irregular.
26. No que concerne ao delito de uso de documento falso (art. 304 do CP), imputado à
acusada ANA MARIA MORAES MACHADO, aduz o MPF que o mesmo se deu com a
apresentação, pela empresa COMERCIAL DE FERRAGENS PAULO TOMAZ, de
responsabilidade da mesma, de Certificado de Regularidade do FGTS (nº
2008051411500706688096) cuja inautenticidade foi comprovada pela perícia da Polícia Federal.
27. Realizadas tais considerações, passo a análise da materialidade delitiva dos fatos em
discussão.
28. A materialidade delitiva dos fatos está devidamente comprovada pelos seguintes
elementos constantes dos autos:
31. No que concerne ao delito previsto no art. 304 do Código Penal a materialidade
delitiva também ficou evidenciada, tendo em vista que foi utilizado documento público
falsificado/adulterado, qual seja, o Certificado de Regularidade do FGTS (nº
2008051411500706688096), o qual foi considerado inautêntico pelo Laudo Pericial nº 132/12-
SETEC/SR/DPF/PB (fls. 243/255 - Volume II, do apenso).
33. Em que pese o MPF, em suas alegações finais, ter requerido a condenação dos réus
JOSÉ SERAFIM BEZERRA, HERÁCLITO DO NASCIMENTO PINTO, EDMILSON DE
PAULA, à época membros da Comissão Permanente do Município de Duas Estradas/PB, não
vislumbro nos autos a existência de provas inequívocas de que estes, de forma consciente e
mediante prévio ajuste com o gestor municipal e as empresas licitantes, tinham autonomia
suficiente para agir com a intenção de beneficiar a empresa vencedora. As provas demonstram
que, na verdade, eles foram instrumentalizados pelo prefeito Roberto Carlos Nunes para conferir
um aspecto de legalidade a uma licitação de fachada.
35. Quando ouvidos em juízo, todos os acusados de forma uníssona, declararam que
quem dava todas as diretrizes a respeito da organização e direção dos trabalhos desenvolvidos pela
Comissão de Licitação era o senhor Antônio Pereira, funcionário antigo da Prefeitura de Duas
Estradas, sendo conhecido ainda como Antônio Davi. É o que se depreende dos seguintes trechos
extraídos dos seus interrogatórios:
HERÁCLITO DO NASCIMENTO PINTO: (...) Antônio, ele coordenava lá a parte da licitação, nos
orientava com relação a isso, porque nós não tínhamos conhecimentos, ele uma pessoa que desde a
fundação de Duas Estradas trabalhou lá nessa parte de licitação, né em outras gestões, então ele nos
orientava lá com relação a licitação (03'04"/03'23" - gravação de mídia em disco de fl. 189).
JOSÉ SERAFIM BEZERRA: (...) era um funcionário da Prefeitura, eu acho, desde o ano da
fundação da cidade até os dias que ele faleceu ele era funcionário da Prefeitura (....) era, toda a
experiência era dele, ele era quem orientava (...) é o Antônio Davi, Antônio Pereira da Silva, mais
conhecido como Antônio Davi (02'50"/03'20" - gravação de mídia em disco de fl. 189).
EDMILSON DE PAULA: (...) era o que comandava o setor de licitação, ele quem dava as
orientações e quem sabia tudo sobre licitação. (03'10"/03'18 - gravação de mídia em disco de fl.
195, referente ao depoimento do acusado prestado nos autos da ação penal n° 0000208-
77.2013.4.05.8204 e acostada aos presentes autos).
36. As referidas declarações dos acusados foram corroboradas pelo acusado ROBERTO
CARLOS NUNES, haja vista que em seu interrogatório declarou, também, que o senhor Antônio
Pereira organizava o setor de licitações, participava da comissão orientando os membros e
organizando toda a documentação pertinente. Declarou, ainda, que o referido senhor não integrou a
comissão porque era possuidor de cargo comissionado na Prefeitura e a lei exige que sejam
funcionários efetivos (01'38"/02'05" - gravação de mídia em disco de fl. 189).
37. Assim, o que se conclui dos elementos probatórios carreados aos autos é que, como é
corriqueiro nas prefeituras de pequeno porte como a do município de Duas Estradas/PB, o gestor,
em suposta observância às determinações contidas na Lei 8.666/93, convocou os acusados para
compor a Comissão Permanente de Licitações tão somente em razão da condição de
servidores públicos municipais, quando, na verdade, eles não possuíam os conhecimentos
técnicos necessários para executar corretamente as atribuições que, frise-se, não são de baixa
complexidade.
39. Necessário considerar, ainda, que essa relação de subordinação entre funcionários de
pequenas prefeituras do interior em relação ao Prefeito é bastante acentuada, tendo em vista as
represálias a que podem estar sujeitos se não seguirem as determinações do alcaide.
40. Ressalto, por ser pertinente, que outro não foi o entendimento aplicado pelo TRF da
5ª Região a caso análogo ao dos presentes autos, conforme se verifica do excerto do julgado que
passo a transcrever:
41. É bom frisar que, milita, ainda, em favor dos acusados a existência de Parecer
Jurídico no sentido de que o procedimento da Carta Convite nº 17/2008 foi realizado
conformidade com os princípios que norteiam a atuação da Administração Pública (fl. 170 -
volume III, do apenso I), o qual, diante do despreparo dos membros da Comissão de Licitação, pode
lhes ter conferido alguma segurança quanto à legalidade ao procedimento.
42. Ante o exposto, não havendo provas suficientes de que os acusados JOSÉ
SERAFIM BEZERRA, HERÁCLITO DO NASCIMENTO PINTO e EDMILSON DE PAULA
concorreram, de forma livre e consciente, para fraudar o caráter competitivo do
procedimento de licitação em questão, não podem ser condenados nas penas do art. 90 da Lei nº
8.666/93, sendo caso de absolvição com fundamento no art. 386, VII, do Código de Processo Penal.
43. No que concerne ao réu FABRÍCIO LIMA ALMEIDA, alega o MPF que as provas
produzidas demonstram que a firma individual FABRICIO LIMA ALMEIDA de que é titular
participou do procedimento licitatório somente para compor o número mínimo de licitantes exigido
pela Lei, pelas seguintes razões: a) foi inabilitada antes do recebimento das propostas, por
apresentar certidões de regularidade de FGTS e da Secretaria da Receita do Estado da Paraíba com
de validade vencidos; b) a Perícia realizada pela Polícia Federal contatou que "o comprovante de
entrega da Carta Convite, relativo à empresa FABRÍCIO LIMA ALMEIDA, com data de
13/06/2008, possuiu uma marca de sulcagem coincidente com o aspecto formal do lançamento
aposto na Declaração de Renúncia de Recurso de Habilitação, datada de 19/06/2008, à guisa de
assinatura do representante da empresa COMERCIAL DE FERRAGENS PAULO TOMAZ", o que,
segundo o MPF, sinaliza que o Convite 17/2008 foi "montado", pois possui documentos
pertencentes a empresas supostamente concorrentes, dos quais constam datas distintas, mas que,
provavelmente, foram assinados numa mesma ocasião de maneira sobreposta.
44. Na verdade, tais provas não são suficientes para formar um juízo de certeza sobre a
participação, livre e consciente, do réu FABRÍCIO LIMA ALMEIDA na fraude perpetrada no
procedimento de licitação. Com efeito, após a instrução processual, não foram obtidas provas
robustas de forma a convalidar os elementos indiciários obtidos durante o procedimento
inquisitorial de que o acusado efetivamente teve participação na prática delitiva,
principalmente se considerarmos que não ficou claro qual seria seu interesse em garantir uma
vantagem em favor da empresa vencedora do certame.
45. Com efeito, meros elementos indicativos da participação na prática delitiva não
podem ensejar a responsabilização penal do agente, sendo hábil somente para autorizar o início da
persecução penal, notadamente no delito em questão que exige para sua configuração a existência
de finalidade especial consubstanciada na vontade dirigida para a obtenção de vantagem, para si ou
para outrem, decorrente da adjudicação do objeto licitado.
46. Nesse passo, em observância ao princípio do in dubio pro reo, deve o acusado
FABRÍCIO LIMA ALMEIDA ser absolvido, por não haver nos autos provas suficiente para a sua
condenação, nos termos do art. 386, VII, do CPP.
48. É exatamente isso que se percebe no caso dos autos. O réu ROBERTO CARLOS
NUNES tinha o controle total sobre todos os procedimentos licitatórios e contratações
realizadas pelo município, conforme se verifica dos vários documentos referentes às licitações
realizadas e anexados aos presentes autos (fls. 05/212 - Volume III, do apenso).
50. Como visto, as diversas irregularidades estão devidamente comprovadas nos autos, e
o acusado ROBERTO CARLOS NUNES não se desincumbiu do ônus de desconstituir a sua
existência, resultando insuficiente sua mera alegação, no exercício da autodefesa, porém destituída
de qualquer suporte fático-probatório, de que não teve qualquer ingerência no procedimento
licitatório em foco, bem, como de que não há nos autos provas de que houve ajuste e que
inexistiram prejuízos ao erário municipal. É que, como autoridade superior à Comissão de
Licitação, detinha o dever legal de, antes de homologar o resultado da licitação, verificar se o
procedimento foi realizado dentro da legalidade.
51. As provas constantes dos autos confirmam que o acusado ROBERTO CARLOS
NUNES, na qualidade de prefeito, foi o responsável pela abertura da licitação (fl. 142 - volume
III, apenso I), pela homologação do resultado e adjudicação do objeto à empresa PAULO TOMAZ
CONSTRUÇÕES LTDA (fls. 204/206 - volume III, do apenso I), bem como pela assinatura do
contrato nº 17/2008 (fls. 207/212 - volume III, do apenso I).
52. Nesse contexto, resta indene de dúvida de que ao proceder de tal maneira fraudou o
caráter competitivo do certame, em nítida afronta os princípios norteadores da Administração
Púbica, e, especial o da legalidade e da isonomia, acarretando o recebimento de vantagem indevida
à empresa PAULO TOMAZ CONSTRUÇÕES LTDA, que foi beneficiada com a adjudicação do
objeto da licitação.
53. É preciso ressaltar que, em nenhum momento, houve a acusação de o contrato não
foi cumprido ou de que teria havido superfaturamento ou qualquer outro tipo de ilícito na execução
do contrato. Com efeito, a acusação se restringe ao procedimento de licitação, e não à fase seguinte
de contratação.
54. Feita essa observação, cumpre registrar que o Prefeito municipal, ou qualquer outro
administrador público, não pode escolher a empresa que será contratada pela Administração
Pública, mesmo que movido pelas melhores intenções. Com efeito, a obrigatoriedade da
licitação é regra positivada na Constituição5, cuja finalidade é garantir, de forma impessoal e
observando a estrita igualdade entre os licitantes, a proposta mais vantajosa para a Administração
Pública.
57. A ré é sócia de duas das empresas que participaram do certame, sendo que uma
delas, como já vimos, sagrou-se vencedora - PAULO TOMAZ CONSTRUÇÕES LTDA.
Aliado a tal fato, as provas produzidas nos autos demonstram que esta teve inequívoco
conhecimento de que as duas empresas das quais é sócia e administradora participavam uma
mesma licitação, qual seja, a Carta Convite n° 17/2008, tendo em vista que: a) reconheceu em
juízo que responde pela administração das duas empresas em foco, o que reforça, ainda, tal
afirmação (01'23"/01'38" - gravação de mídia em disco de fl. 195, referente ao depoimento do
acusado prestado nos autos da ação penal n° 0000208-77.2013.4.05.8204 e acostada aos presentes
autos); b) a Ata de Reunião designada para o recebimento, abertura e julgamento das propostas
referentes à Carta Convite nº 17/2008 (fls. 193/194 - volume III, do apenso I), demonstra que a
acusada compareceu ao ato como Diretora Administrativa da empresa PAULO TOMAZ
CONSTRUÇÕES LTDA, quando entregou a documentação pertinente (fl. 171 - volume III, do
apenso I), o que, também, indubitavelmente demonstra a sua ciência de que a outra empresa da qual
é sócia, a COMERCIAL DE FERRAGENS PAULO TOMAZ, também estava participando do
certame.
58. Em reforço, friso, ainda, que quem figurou como representante da empresa
COMERCIAL DE FERRAGENS PAULO TOMAZ foi o gerente José Flavio Sales6, numa
clara tentativa de encobrir a sua verdadeira representante, a ré ANA MARIA MORAES
MACHADO, que já estava representando a sua outra empresa a Pessoa Jurídica PAULO
TOMAZ CONSTRUÇOES LTDA.
59. Assim, diante das provas colacionadas aos autos, conclui-se que está devidamente
comprovado que a acusada ANA MARIA MORAES MACHADO teve participação na fraude do
caráter competitivo da licitação que acarretou o direcionamento do resultado do certame, vez que é
sócia comum das empresas PAULO TOMAZ CONSTRUÇOES LTDA e COMERCIAL DE
FERRAGENS PAULO TOMAZ LTDA.
60. No que tange ao delito previsto no art. 304 do Código Penal, consistente na
apresentação de Certificado de Regularidade do FGTS, cuja inautenticidade foi atestada pelo
Laudo Pericial n° 132/12-SETEC/SR/DPF/PB (fls. 243/255 - Volume II, do apenso), apresentado
pela empresa COMERCIAL DE FERRAGENS PAULO TOMAZ, com base nos elementos dos
autos verifica-se que tal conduta delitiva foi praticada com o nítido propósito de possibilitar a
participação da referida empresa no certame e assegurar o cometimento do delito de fraude à
licitação nele se esvaindo a sua potencialidade lesiva.
62. Em tal contexto, vislumbra-se que, no presente caso, inexistem delitos autônomos,
vez que o uso de documento adulterado foi praticado para fraudar o procedimento de
habilitação na licitação, de forma a configura apenas crime-meio para a consecução do delito-fim,
qual seja, o de fraude ao procedimento de licitação previsto no art. 90 da lei nº 8.9666/93, devendo
ser por este absorvido, diante da aplicação do princípio da consunção.
63. Destaque-se, ainda, que o uso do documento adulterado teve a sua potencialidade
lesiva exaurida no cometimento da fraude à licitação, não havendo nos autos notícias de que tal
documento foi utilizado para a prática de outras condutas delitivas.
64. Logo, a ré ANA MARIA MORAES MACHADO deve responder por um só crime,
tendo em vista que o delito de uso de documento falso encontra-se absorvido pelo crime previsto no
art. 90 da lei nº 8.666/93.
Art. 90 - Frustrar ou fraudar, mediante ajuste, combinação ou qualquer outro expediente, o caráter
competitivo do procedimento licitatório, com o intuito de obter, para si ou para outrem, vantagem
decorrente da adjudicação do objeto da licitação:
Pena - detenção, de 2 (dois) a 4 (quatro) anos, e multa.
Art. 304 - Fazer uso de qualquer dos papéis falsificados ou alterados, a que se referem os arts. 297 a
302:
Pena - a cominada à falsificação ou à alteração.
67. Acrescente-se que, por ser o delito do art. 90 da Lei 8.666/93 crime formal,
independe para a sua consumação, da obtenção da vantagem indevida ou da existência de
dano ao ente público (STJ entende que se trata de crime material). Contudo, para a sua tipificação,
exige a demonstração do dolo específico consistente no "intuito de obter, para si ou para outrem,
vantagem decorrente da adjudicação do objeto da licitação.
68. As condutas perpetradas pelos réus, ROBERTO CARLOS NUNES e ANA MARIA
MORAES MACHADO mostraram-se materialmente lesiva aos bens jurídicos penalmente
protegidos (a moralidade administrativa, em especial os princípios da legalidade e isonomia) e
transbordante ao âmbito da normalidade social (inadequeção social da conduta, razão pela qual se
encontra demonstrada a tipicidade formal (correspondência entre a conduta da vida real e o tipo
legal do crime) e material (lesividade a bem jurídico penalmente tutelado e inadequação social da
conduta) de sua atuação finalística.
69. A defesa do acusado ROBERTO CARLOS NUNES sustenta que não houve prejuízo
ao erário público; assim como que não há nos autos provas de que houve prévio ajuste para a
escolha da empresa vencedora e que não lhe cabia a análise das formalidades do procedimento
licitatório.
70. Contudo, conforme já explanado, não trouxe o acusado aos autos nenhum elemento
hábil a afastar as conclusões obtidas através da análise conjunta das provas produzidas que
demonstram a ocorrência de fraude do caráter competitivo da Carta Convite nº 17/2008.
71. Quanto à alegação de que não era seu dever analisar as formalidades do
procedimento, a mesma deve ser de pronto rechaçada, vez que, como autoridade superior à
Comissão de Licitação, detinha o dever legal de, antes de homologar o resultado da licitação,
verificar se o procedimento foi realizado dentro da legalidade, sendo-lhe, perfeitamente possível, se
assim fosse da sua vontade, verificar a existência de máculas tão graves, vez que dado o seu grau de
instrução - Bacharel em Direito (00'42"/00'48"- gravação de mídia em disco de fl. 195, referente ao
depoimento do acusado prestado nos autos da ação penal n° 0000208-77.2013.4.05.8204 e acostada
aos presentes autos), detinha os conhecimentos jurídicos necessários para tanto.
72. Já a defesa da acusada, ANA MARIA MORAES, argumenta que não houve dolo nas
condutas perpetradas pela acusada, e que as irregularidades apontadas ocorreram em razão da
completa desorganização da Prefeitura e da Comissão de licitação, inexistindo nos autos provas da
existência de qualquer conluio entre os acusados e de qualquer prejuízo ao erário público municipal.
Todavia, tais alegações, também, não merecem prosperar, vez que, conforme já delineado, a
participação da acusada na frustração do caráter competitivo do certame ficou cabalmente
comprovada nos autos, não passando as teses defensivas de meras ilações desprovidas do
necessário acervo probatório para o seu acolhimento.
74. Desse modo, restam rechaçadas as alegações ventiladas pelas defesas dos acusados.
Evidencia-se em contrário, que os acusados ROBERTO CARLOS NUNES e ANA MARIA
MORAES MACHADO agiram com dolo (consciência + vontade) em relação ao delito cometido,
tendo a intenção de praticar os comportamentos típicos (art. 89, da Lei nº 8.666/93) e sabendo que
os estava praticando, tudo com a intenção de que o objeto da licitação fosse adjudicado à empresa
PAULO TOMAZ CONSTRUÇÕES LTDA, estando devidamente configurado o elemento subjetivo
específico exigido para a configuração do delito.
75. Inexistem nos autos quaisquer indícios de que venham a esboçar a presença de
causas que justifiquem seus atos.
76. No que toca à culpabilidade, enquanto juízo de reprovação (censura) que se faz ao
autor de um fato criminoso, tal instituto tem como um de seus elementos a exigibilidade de
comportamento conforme o Direito, que nada mais é do que a possibilidade concreta e real de o
agente do fato delituoso ter, nas circunstâncias em que ocorrido este, agido de acordo com a norma
aplicável ao caso.
III - DISPOSITIVO
79. Ante o exposto, julgo parcialmente procedente a pretensão punitiva estatal deduzida
na denúncia para:
a) absolver os acusados JOSÉ SERAFIM BEZERRA, HERÁCLITO DO NASCIMENTO
PINTO e EDMILSON DE PAULA das imputações referentes à prática de condutas referentes ao
tipo penal capitulado no art. 90 da Lei nº 8.666/93, com fundamento no art. 386, V, do CPP, por não
haver provas de que tiveram participação na prática delitiva;
b) absolver o acusado FABRÍCIO LIMA ALMEIDA das imputações referentes à prática de
condutas referentes ao tipo penal capitulado no art. 90 da Lei nº 8.666/93, com fundamento no art.
386, VII, do CPP, por não existir prova suficiente para a sua condenação;
c) absolver a acusada ANA MARIA MORAES MACHADO da acusação referente ao crime
do art. 304 do CP, por considerá-lo absorvido pelo crime do art. 90 da Lei nº 8.666/93, com base no
art. 386, III, do CPP;
c) condenar os acusados ROBERTO CARLOS NUNES e ANA MARIA MORAES
MACHADO nas sanções do art. 90, da Lei nº 8.666/93.
DOSIMETRIA
80. O preceito secundário do art. 90 da Lei nº 8.666/93, comina ao delito praticado pelo
réu pena de detenção (de 02 a 04 anos), além da multa.
81. Examino as circunstâncias judiciais elencadas no caput do art. 59 do CP, para, após
análise de possíveis agravantes/atenuantes e causas de aumento ou diminuição da pena, fixar a pena
definitiva.
a. Culpabilidade - deve ser considerada em grau médio em virtude do nível de reprovabilidade da
conduta perpetrada pelo acusado, tendo em vista que a sua qualidade de gestor, que foi essencial
para a frustração do caráter competitivo do certame, visto que tal condição lhe impunha o dever
legal de pautar as suas condutas na legalidade, na ética e na probidade administrativa, cabendo-lhe
zelar pela lisura nos procedimentos licitatórios realizados por sua gestão;
b. Antecedentes - o réu não possui maus antecedentes;
c. Conduta social - não há elementos nos autos que permitam a valoração de sua conduta social;
d. Personalidade - não há informações que permitam a valoração de sua personalidade;
e. Motivos - os motivos do crime são de ordem financeira, normais ao tipo delituoso praticado;
f. Circunstâncias do crime - as circunstâncias do crime são comuns às espécies delituosas
examinadas, não havendo peculiaridades que mereçam exame e que já não tenham sido utilizadas
para fins de tipificação das condutas respectivas;
g. Conseqüências do crime - são as normais ao tipo penal;
h. Comportamento da vítima - a vítima do delito, o Estado, em nada contribuiu para a ocorrência do
fato.
82. Assim, havendo uma circunstância desfavorável (culpabilidade), considero
necessária e suficiente à reprovação e prevenção do crime praticado pelo réu a imposição da pena-
base em 02 (dois) anos e 03 (três) meses de detenção.
83. Não há circunstâncias agravantes nem atenuantes.
84. Ausentes quaisquer causas de diminuição ou aumento da pena.
85. Portanto, torno definitiva a pena privativa de liberdade fixada acima, condenando o
réu ROBERTO CARLOS NUNES à pena privativa de liberdade de em 02 (dois) anos e 03 (três)
meses de detenção.
86. Nos termos do art. 60 do Código Penal, e em decorrência do resultado obtido na
dosagem da pena privativa de liberdade, que deve guardar exata proporcionalidade com a pena de
multa, fixo-a em 112 (cento e doze) dias-multa, no valor equivalente a 1/5 do salário mínimo
vigente ao tempo do fato delituoso, tendo em conta a situação econômica regular do réu (art. 72 do
Código Penal), e corrigida monetariamente desde a prática do crime (06/2008) com base no IPCA-E
até a data do pagamento.
87. Assim, fica o réu ROBERTO CARLOS NUNES, condenado, definitivamente, a 02
(dois) anos e 03 (três) meses de detenção, além de 112 (cento e doze) dias-multa, pela prática do
crime previsto no art. 90 da Lei n.º 8.666/93.
88. Examino as circunstâncias judiciais elencadas no caput do art. 59 do CP, para, após
análise de possíveis agravantes/atenuantes e causas de aumento ou diminuição da pena, fixar a pena
definitiva.
a. Culpabilidade - deve ser considerada em grau médio em razão do nível de reprovabilidade da
conduta perpetrada, principalmente em virtude da responsabilidade e da função social que as
empresas representam, devendo os seus dirigentes atuar dentro da legalidade e pautados na boa-fé,
principalmente quando contratam com o poder público;
b. Antecedentes - o réu não possui maus antecedentes;
c. Conduta social - não há elementos nos autos que permitam a valoração de sua conduta social;
d. Personalidade - não há informações que permitam a valoração de sua personalidade;
e. Motivos - os motivos do crime são os comuns para este tipo de delito contra a administração
pública;
f. Circunstâncias do crime - as circunstâncias do crime são comuns às espécies delituosas
examinadas, não havendo peculiaridades que mereçam exame e que já não tenham sido utilizadas
para fins de tipificação das condutas respectivas;
g. Conseqüências do crime - são as normais ao tipo penal;
h. Comportamento da vítima - o comportamento da vítima em nada contribuiu para a conduta do
agente, pelo que não há o que valorar.
89. Assim, havendo uma circunstância desfavorável (culpabilidade), considero
necessária e suficiente à reprovação e prevenção do crime praticado pelo réu a imposição da pena-
base em 02 (dois) anos e 03 (três) meses de detenção.
90. Não há circunstâncias agravantes nem atenuantes.
91. Ausentes quaisquer causas de diminuição ou aumento da pena.
92. Portanto, torno definitiva a pena privativa de liberdade fixada acima, condenando a
ré ANA MARIA MORAES MACHADO à pena privativa de liberdade de em 02 (dois) anos e 03
(três) meses de detenção.
93. Nos termos do art. 60 do Código Penal, e em decorrência do resultado obtido na
dosagem da pena privativa de liberdade, que deve guardar exata proporcionalidade com a pena de
multa, fixo-a em 112 (cento e doze) dias-multa, no valor equivalente a 1/5 do salário mínimo
vigente ao tempo do fato delituoso, tendo em conta a situação econômica regular da ré (art. 72 do
Código Penal), e corrigida monetariamente desde a prática do crime (06/2008) com base no IPCA-E
até a data do pagamento.
96. Sendo as penas privativas de liberdade impostas aos réus ROBERTO CARLOS
NUNES e ANA MARIA MORAES MACHADO, não superiores a 04 (quatro) anos de reclusão,
não tendo o crime sido cometido com violência ou grave ameaça, não sendo eles reincidentes em
crime doloso e tendo em vista que seus antecedentes, sua conduta social e sua personalidade, já
anteriormente examinadas, indicam a suficiência da imposição de penas alternativas para as
finalidades de ressocialização, reprovação da conduta criminosa e prevenção da prática de novas
infrações, tem os acusados, em face do preenchimento dos requisitos do art. 44, caput e incisos, do
CP, o direito público subjetivo à substituição das penas privativas de liberdade por uma pena
restritiva de direitos e multa, ou por duas penas restritivas de direito, na forma da parte final do § 2.º
do art. 44 do CP.
97. Desse modo, e observando a proporcionalidade entre a pena aplicada aos réus,
substituo as penas privativas de liberdade impostas, cumulativamente, por duas restritivas de
direitos:
a. uma pena restritiva de direitos, consistente em prestação pecuniária, para cada um dos acusados,
no valor correspondente a R$ 17.036,48 (dezessete mil, trinta e seis reais e quarenta e oito
centavos), considerando que este foi o valor da licitação fraudada (planilha de fl. 154 - volume III,
do apenso I). Esta importância será corrigida monetariamente com base no IPCA-E a partir de
junho de 2008 (época do cometimento do delito) até a data do efetivo pagamento da prestação
pecuniária, a qual deve ser revertida em favor da UNIÃO, nos termos do art.45, §1º, do Código
Penal;
b. Pena de multa substitutiva - no mesmo valor da pena de multa fixada aos réus ROBERTO
CARLOS NUNES e ANA MARIA MORAES MACHADO, com correção monetária a partir de
06/2008 com base no IPCA-E até a data do pagamento).
98. Em face da substituição da pena privativa de liberdade por duas restritivas de direito
no parágrafo anterior, resta prejudicada a concessão da suspensão condicional da pena em sua
modalidade comum (art. 77, inciso III, do CP).
99. Nos termos do art. 387, §1º, do CPP, os réus devem aguardar o trânsito em julgado
em liberdade, na medida em que não se vislumbra necessidade de decretação de prisão preventiva
ou de qualquer outra medida cautelar.
102. Após o trânsito em julgado, quanto aos réus ROBERTO CARLOS NUNES e ANA
MARIA MORAES MACHADO:
a. Comunique-se ao TRE a condenação imposta para os efeitos do art. 15, III, da CF/88;
b. Cumpra-se o disposto no art. 809, § 3.º, do CPP;
c. Remetam-se os autos à Distribuição para que se procedam às alterações pertinentes;
d. Lancem-se seus nomes no Rol dos Culpados;
e. Instaure-se o processo de execução penal.
AÇÃO PENAL
Processo nº: 0007205-75.2010.4.05.8400
Autor: Ministério Público Federal
Réus: Jose Moreno Gomez, Ceferino Valero Gonzalez, Jose Manuel Caeiro Otero, Abraham Soler
Franch e Cristiane Ferreira da Silva Tinoco
Sentença Tipo D
SENTENÇA
1. RELATÓRIO
Trata-se de Ação Penal proposta pelo MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL contra JOSE
MORENO GOMEZ, CEFERINO VALERO GONZALEZ (vulgo FINO), JOSE MANUEL
CAEIRO OTERO, ABRAHAM SOLER FRANCH e CRISTIANE FERREIRA DA SILVA
TINOCO, já devidamente qualificados nos autos, no afã de vê-los condenados, em concurso
material (art. 69), às sanções capituladas no art. 231, "caput" e §§ 2º, IV, e 3º (Tráfico Internacional
de Pessoas, mediante grave ameaça ou fraude, com o fim de obter vantagem econômica), em
continuidade delitiva (art. 71) - por nove vezes, no art. 149, § 1º, I e II (Redução à condição análoga
à de escravo), em continuidade delitiva (art. 71) - por nove vezes, e no art. 288 (Quadrilha ou
Bando), todos do Código Penal.
Segundo a peça acusatória (fl. 03/16), datada de 13/10/2010, com amparo no IPL nº
837/2008 (que contém o relatório síntese da Operação Celestial, deflagrada pela Polícia da Espanha,
quando foi descortinada, naquele país, uma rede de prostituição de estrangeiras, inclusive
brasileiras), pelo menos a partir do mês de março do ano de 2007, os denunciados, sob a direção de
JOSE MORENO GOMEZ, se associaram em quadrilha com a finalidade de promover ou facilitar a
saída de mulheres do território nacional para exercer a prostituição nas boates "El Éden" e
"Eclipse", situadas na província de Gerona, na Espanha.
Alega o parquet que os denunciados, por meio da organização criminosa em tela, pelo
menos a partir do mês de março do ano de 2007, promoveram ou facilitaram a saída de diversas
mulheres do território nacional, dentre as quais Silvanir Lidiane Ferreira, Kátia de Medeiros Rocha,
Rossiane Aguiar Cavalcante, Sandra Maria Medeiros da Silva, Amanda Araújo de Oliveira, Maise
França Correia da Costa, Ana Luiza Santos Lúcio, Amanda de Melo Campos e Ângela Maria de
Andrade.
Afirmou que a investigação deflagrada pela polícia federal evidenciou a existência da citada
organização criminosa destinada a selecionar e ludibriar jovens mulheres para serem exploradas
sexualmente na Espanha, sob o falso argumento de trabalharem em clubes de "alternes"1 e/ou
mediante a ilusória proposta de enriquecimento fácil mediante a prostituição.
Segundo a denúncia, por intermédio da acusada CRISTIANE FERREIRA DA SILVA
TINOCO, o grupo criminoso ora denunciado providenciou que brasileiras fossem encaminhadas
para trabalhar em casas noturnas na Espanha como prostitutas, sob a falsa promessa de que iriam
ganhar, no mínimo, 800 euros por noite.
Narra que as vítimas normalmente eram recepcionadas pelos denunciados JOSE MORENO
GOMEZ ou por CEFERINO VALERO GONZALEZ "FINO", sendo logo em seguida surpreendidas
com a informação de que tinham contraído uma dívida com o grupo criminoso de aproximadamente
2.500 euros, sob o argumento de se tratar de ressarcimento dos valores referentes à compra de suas
passagens aéreas, bem como o aviso de que seriam responsáveis por todas as despesas com sua
manutenção básica, como hospedagem e alimentação, que se davam, no mesmo ambiente onde
ocorria sua exploração.
Afirmou que nas boates as mulheres residiam, trabalhavam e permaneciam em verdadeiro
cárcere, em constante monitoramento, sendo submetidas a constantes ameaças caso resolvessem
fugir sem pagar a dívida assumida com o seu ingresso e manutenção no ambiente de trabalho, que
aumentava dia a dia, tendo em vista que eram cobrados valores diários relativos à hospedagem e
alimentação, lavagem de roupas, energia elétrica, uso de lençóis, toalhas, preservativos e sabão.
Pela denúncia, as mulheres eram obrigadas a trabalhar todos os dias do mês, necessitando
pagar a quantia de trezentos euros se quisessem usufruir de um dia de folga. Além disso, indica que
apenas as danças eróticas e os "alternes" não lhes garantiam o mínimo necessário para cobrir as
despesas com sua sobrevivência, sendo assim forçadas a exercer a prostituição.
Ademais, indica o órgão ministerial, que os denunciados JOSE MORENO GOMEZ,
CEFERINO VALERO GONZALEZ, JOSE MANUEL CAEIRO OTERO e ABRAHAM SOLER
FRANCH, na qualidade de responsáveis (o primeiro sendo o proprietário dos estabelecimentos; o
segundo, seu braço direito; os outros dois, gerentes) pelas boates onde ocorria a exploração sexual,
obtinham lucros assemelhados aos de uma atividade empresarial, enquanto a brasileira CRISTIANE
FERREIRA DA SILVA TINOCO era a responsável por captar as mulheres para trabalhar nos
clubes.
Segundo o Ministério Público Federal, as vítimas encaminhadas à Espanha tiveram suas
liberdades de locomoção tolhidas pelo grupo criminoso, pois tinham seus passaportes retidos e eram
proibidas de saírem dos clubes até quitar a dívida adquirida com a organização, além de serem
constantemente ameaçadas e vigiadas por seguranças e câmeras, sendo-lhes facultada a saída do
clube apenas de forma limitada e vigiada.
Em razão da dívida, as vítimas eram submetidas à exploração sexual em uma jornada
extenuante, sem direito a folga, sendo possível se livrar daquela situação, apenas excepcionalmente,
através da fuga ou após o pagamento integral da dívida ao grupo, o que caracteriza a redução à
condição análoga à de escravo. Tal crime teria ocorrido nos anos de 2007 e 2008.
Salienta a denúncia que a acusada CRISTIANE FERREIRA DA SILVA TINOCO tinha
conhecimento das condições a que eram submetidas as brasileiras posto que as vítimas relatavam a
ela o que lhes acontecia e pediam sua ajuda, sem que fosse tomada qualquer medida para resgatá-las
do local. Ao contrário, outras mulheres eram remetidas para serem vitimadas pelo sistema.
Afirmou ainda que na citada quadrilha havia clara hierarquia estrutural, sendo o seu líder
JOSE MORENO GOMEZ, dono dos clubes "El Éden" e "Eclipse", auxiliado por CEFERINO
VALERO GONZALEZ (FINO), o braço direito do proprietário, responsável por receber as
mulheres traficadas no aeroporto, dar conhecimento das normas do prostíbulo, assim como também
gerenciar os clubes.
Por sua vez, os denunciados JOSE MANUEL CAEIRO OTERO e ABRAHAM SOLER
FRANCH se responsabilizavam pelo funcionamento e administração das boates, ao passo que
CRISTIANE FERREIRA DA SILVA TINOCO (que mantinha relacionamento afetivo com o
acusado FINO) ficava incumbida de aliciar as vítimas do esquema.
A denúncia foi recebida em 19.10.2010 (fl. 17). Os réus responderam ao processo em
liberdade.
Citado, JOSE MORENO GOMEZ apresentou defesa escrita nas fls. 272/283, onde sustentou
preliminarmente, a inépcia da petição inicial por esta não descrever os fatos tidos por criminosos
com todas as suas circunstâncias, estando, ainda, ausente a narrativa individualizada do
comportamento de cada agente nos crimes imputados.
Em relação ao mérito, aduz o acusado que é proprietário de duas boates na Espanha, onde
exerce legalmente sua atividade empresarial em estrito cumprimento à legislação local. Suscita que
as boates têm administradores, que as normas trabalhistas são respeitadas e que os trabalhadores se
apresentam de forma espontânea para trabalhar no local, sendo certo que se existiu algum excesso
ou atitude não condizente com o regular funcionamento do estabelecimento, tal fato não pode ser
imputado ao acusado, posto que a legislação penal exige que a conduta seja realizada de maneira
dolosa. Ao final, requereu o trancamento da ação penal, em face do reconhecimento da inépcia da
inicial e, subsidiariamente, a improcedência do pedido autoral, por não caracterização da conduta
típica, a ser demonstrada durante a instrução criminal.
Citados, JOSE MANUEL CAEIRO OTERO e ABRAHAM SOLER FRANCH
apresentaram defesa escrita nas fls. 285/297, onde sustentaram preliminarmente, a inépcia da
petição inicial por esta não descrever os fatos tidos por criminosos com todas as suas circunstâncias,
estando, ainda, ausente a narrativa individualizada do comportamento de cada agente nos crimes
imputados.
Em relação ao mérito, aduzem os acusados que eles trabalham na Espanha em estrito
cumprimento à legislação local. Suscitam que se existiu algum excesso ou atitude não condizente
com o regular funcionamento do estabelecimento, tal fato não pode ser imputado aos acusados,
posto que a legislação penal exige que a conduta seja realizada de maneira dolosa. Ao final,
requereram o trancamento da ação penal, em face do reconhecimento da inépcia da inicial e,
subsidiariamente, a improcedência do pedido autoral, por não caracterização da conduta típica, a ser
demonstrada durante a instrução criminal.
Citados (fls. 114 e 117), CEFERINO VALERO GONZALEZ e CRISTIANE FERREIRA
DA SILVA TINOCO não apresentaram defesa escrita. Ante a ausência de manifestação, este Juízo
remeteu (fl. 299) os autos à Defensoria Pública da União, que apresentou resposta à acusação
acostada às fls. 304/306, onde refutaram em sua totalidade a prática das condutas delituosas
narradas na peça de acusação e se reservaram no direito de deduzir as demais questões de mérito
nas Alegações Finais, oportunidade em que demonstrarão a inocência dos acusados.
Este Juízo não acolheu a preliminar argüida pelos acusados, confirmou o recebimento
anterior da denúncia e determinou, às fls. 314/316, a realização de audiência de instrução e
julgamento.
A defesa dos acusados JOSE MORENO GOMEZ, JOSE MANUEL CAEIRO OTERO e
ABRAHAM SOLER FRANCH afirmou (fls. 607/693) que os acusados responderam a processo
criminal na Espanha pelos mesmos fatos apurados nos presentes autos, sendo absolvidos de parte
dos delitos e condenados por outros, já tendo inclusive cumprido a pena imposta pela Justiça
Espanhola. Diante de tal fato, a defesa afirma que não estão preenchidas as condicionantes legais
para aplicação da Lei Penal Brasileira aos envolvidos nos fatos praticados na Espanha, bem como,
já houve condenação e absolvição pelos mesmos fatos na Espanha.
Foi realizada audiência de Instrução e Julgamento, ocasião em que foram ouvidas
testemunhas arroladas, bem como interrogados os acusados JOSE MORENO GOMEZ, CEFERINO
VALERO GONZALEZ, JOSE MANUEL CAEIRO OTERO, ABRAHAM SOLER FRANCH e
CRISTIANE FERREIRA DA SILVA TINOCO, conforme termos de audiência de fls. 700/703 e
717/720 e mídias acostadas às fls. 704 e 720v.
Na fase do art. 402 do CPP, a defesa dos acusados JOSE MORENO GOMEZ, JOSE
MANUEL CAEIRO OTERO e ABRAHAM SOLER FRANCH requereu (fl. 718) a juntada da
documentação referente ao processo que tramitou junto à justiça espanhola envolvendo quatro
(quatro) réus desse mesmo processo. Este Juízo deferiu a diligência requerida, determinando a
juntada dos referidos documentos até o dia 13 de janeiro de 2014.
A defesa dos acusados apresentou em 14 de janeiro de 2014 a documentação constante das
fls. 738/919 em cumprimento à diligência supra referida.
Por fim, foram apresentadas alegações finais pelo Órgão Ministerial, constantes das fls.
1085/1102, ocasião em que requereu, ante o argumento de comprovação da materialidade e da
autoria dos delitos, a condenação dos acusados.
Na oportunidade, contudo, o Ministério Público Federal entendeu pela impossibilidade de
condenação dos acusados pelo delito tipificado no art. 149 do Código Penal (Redução à Condição
Análoga à de Escravo), alegando, primeiramente, que não existem provas que corroborem a
materialidade do delito e, em segundo lugar, que tal crime teria sido cometido integralmente na
Espanha e os acusados não ingressaram em território nacional, não estando assim preenchidos os
requisitos para que a lei penal brasileira fosse aplicada ao delito cometido no exterior, nos termos do
art. 7º, § 2º, alínea "a", do Código Penal.
Em relação à acusada CRISTIANE FERREIRA DA SILVA TINOCO, o parquet afirma que,
embora a acusada tenha retornado ao Brasil em julho de 2008, permanecendo aqui até setembro de
2009, o citado crime de Redução à Condição Análoga à de Escravo não pode ser imputado à
denunciada, haja vista que nenhuma das mulheres que residiam nos clubes relata que ela as tenha
submetido a trabalhos forçados ou a jornada exaustiva.
Ao final, afirma que o acusado ABRAHAM SOLER FRANCH não foi mencionado nos
autos como incurso em nenhuma das sanções já analisadas, sendo imperiosa sua absolvição.
Os acusados CEFERINO VALERO GONZALEZ e CRISTIANE FERREIRA DA SILVA
TINOCO, assistidos pela Defensoria Pública da União, apresentaram suas alegações finais (fls.
1106/1115), requerendo a absolvição por estar provado que não concorreram para a prática dos
crimes, posto que CEFERINO VALERO GONZALEZ era apenas um empregado das boates, não
tendo conhecimento da prática de qualquer crime em relação às mulheres que trabalhavam nos
clubes, enquanto CRISTIANE FERREIRA DA SILVA TINOCO apenas ajudou duas amigas a
ingressarem na Espanha para que lá pudessem trabalhar.
Aduz a DPU que não ficou comprovado, ao longo da instrução processual, que as mulheres
que foram trabalhar na Espanha tiveram, de qualquer forma, sua liberdade restringida ou tenham
sido sujeitas a condições degradantes de trabalho, submetidas a trabalhos forçados ou a jornadas
exaustivas. A defesa dos acusados corroborou o entendimento do Ministério Público Federal de que
CRISTIANE FERREIRA DA SILVA TINOCO não teria concorrido para a prática do crime do art.
149 do Código Penal, enquanto em relação a CEFERINO VALERO GONZALEZ não estariam
preenchidos os requisitos para que a lei penal brasileira fosse aplicada ao delito cometido no
exterior, nos termos do art. 7º, § 2º, alínea "a", do Código Penal.
No que diz respeito à imputação do crime de quadrilha ou bando, afirma a defesa dos
acusados que o máximo que se pode extrair dos autos é que houve concurso de pessoas, não
havendo como caracterizar o delito de quadrilha ou bando, pois para tal exige-se um fim associativo
permanente entre os agentes para caracterizar o delito.
Ademais, alega que não existem provas aptas a embasar um pleito condenatório, bem como
a impossibilidade de condenação pelo delito de redução à condição análoga à de escravo diante do
pedido de absolvição feito pelo Ministério Público Federal. Assim, requer a absolvição dos
acusados CEFERINO VALERO GONZALEZ e CRISTIANE FERREIRA DA SILVA TINOCO e,
subsidiariamente, em caso de condenação, que a pena seja fixada no mínimo legal.
Os acusados JOSE MORENO GOMEZ, JOSE MANUEL CAEIRO OTERO e ABRAHAM
SOLER FRANCH apresentaram suas alegações finais (fls. 1136/1150), requerendo a absolvição,
alegando, inicialmente, que não concorreram para a prática dos crimes que lhes são imputados.
Aduz que a defesa juntou aos autos documentos que comprovam que o funcionamento dos clubes
de propriedade de JOSE MORENO GOMEZ era regular e que os acusados responderam a processo
criminal na Espanha pelos mesmos fatos apurados nos presentes autos, sendo absolvidos de parte
dos delitos e condenados por crime referente a imigração ilegal, já tendo inclusive cumprido a pena
imposta pela Justiça Espanhola.
Sustenta que o acusado JOSE MORENO GOMEZ exerce legalmente sua atividade
empresarial em estrito cumprimento à legislação local, que as boates têm administradores, que as
normas trabalhistas são respeitadas e que os trabalhadores se apresentam de forma espontânea para
trabalhar no local, sendo certo que se existiu algum excesso ou atitude não condizente com o
regular funcionamento do estabelecimento, tal fato não pode ser imputado ao acusado, posto que a
legislação penal exige que a conduta seja realizada de maneira dolosa.
A defesa dos acusados indica, ainda, que os depoimentos prestados em Juízo não permitem
que o julgador possa julgar com certeza, impondo-se a absolvição dos acusados, em face do in
dúbio pro reo ou actore non probante absolvitur reos, por não estar demonstrada a autoria delitiva e
por não existir prova da materialidade.
Em relação ao crime descrito no art. 231 do Código Penal, a defesa dos acusados JOSE
MORENO GOMEZ, JOSE MANUEL CAEIRO OTERO e ABRAHAM SOLER FRANCH afirma
que, conforme ficou demonstrado através do depoimento das testemunhas Kátia de Medeiros Rocha
e Ana Luiza Santos Lúcio, não existem provas da materialidade do delito ou indícios de autoria
atribuídos aos acusados.
Em relação ao crime descrito no art. 149 do Código Penal, a defesa dos acusados afirma
que não ficou demonstrada, ao longo da instrução, a materialidade do delito. Indica que, além de
não existir prova do cometimento do ilícito, o caso dos autos trata de hipótese de
extraterritorialidade condicionada da lei brasileira e não estariam preenchidos os requisitos
necessários para aplicação da lei brasileira ao caso, nos termo do art. 7º, § 2º, do Código Penal.
Em relação ao crime descrito no art. 288 do Código Penal, a defesa dos réus alega que o
máximo que se pode extrair dos autos é que houve a prática de crimes em concurso de pessoas,
posto que para a caracterização do crime de quadrilha ou bando se exige um fim associativo
permanente entre os agentes, e não a mera reunião de pessoas como no caso em análise. Aduz,
ainda, que os acusados estavam reunidos através de uma relação empregatícia lícita.
A defesa pugna pela absolvição dos acusados em face da ausência de provas suficientes para
embasar um pleito condenatório, haja vista que as provas produzidas em juízo, sob o crivo do
contraditório, não foram capazes de indicar a participação dos acusados nos fatos delituosos.
Ao final, sustenta a impossibilidade de condenação pelo delito de redução à condição
análoga à de escravo, em face do pedido de absolvição dos acusados apresentado pelo Ministério
Público Federal.
Era o que importava relatar. Passo à fundamentação e posterior decisão.
2. FUNDAMENTAÇÃO
2.0 PRELIMINARES
Non bis in idem
Em sede de preliminares, os acusados JOSE MORENO GOMEZ, JOSE MANUEL
CAEIRO OTERO e ABRAHAM SOLER FRANCH dizem haver respondido a processo criminal na
Espanha pelos mesmos fatos apurados nos presentes autos, sendo absolvidos de parte dos delitos e
condenados por crime referente à imigração ilegal, já tendo inclusive cumprido a pena imposta pela
Justiça Espanhola. Por conseguinte, com amparo na vedação à dupla punição ou persecução,
pugnam pela inviabilidade do presente feito.
De fato, salvo em situações excepcionais (v.g., condenações referentes a tráfico de
entorpecentes, em que cada delito cometido em países distintos deve ser considerado e punido
autonomamente2), a existência de processo anterior, no Brasil ou no exterior, constitui impedimento
à abertura de nova persecução penal. Confiram-se os ensinamentos de BARJA DE QUIROGA3:
"El principio 'non bis in idem' tiene dos ámbitos de aplicación: el material e y el procesal. En el
ámbito material implica que está prohibido sancionar dos veces por el mismo hecho a la misma
persona. En el ámbito procesal supone que no puede someterse a un segundo juicio a una persona
por los mismos hechos, incluso el principio actúa impidiendo la doble persecución."
No mesmo sentido, é a jurisprudência:
E M E N T A: (...) A QUESTÃO DO "DOUBLE JEOPARDY" COMO INSUPERÁVEL
OBSTÁCULO À INSTAURAÇÃO DA "PERSECUTIO CRIMINIS", NO BRASIL, CONTRA
SENTENCIADO (CONDENADO OU ABSOLVIDO) NO EXTERIOR PELO MESMO FATO -
PACTO INTERNACIONAL SOBRE DIREITOS CIVIS E POLÍTICOS - OBSERVÂNCIA DO
POSTULADO QUE VEDA O "BIS IN IDEM". - Ninguém pode expor-se, em tema de liberdade
individual, a situação de duplo risco. Essa é a razão pela qual a existência de hipótese configuradora
de "double jeopardy" atua como insuperável obstáculo à instauração, em nosso País, de
procedimento penal contra o agente que tenha sido condenado ou absolvido, no Brasil ou no
exterior, pelo mesmo fato delituoso. - A cláusula do Artigo 14, n. 7, inscrita no Pacto Internacional
sobre Direitos Civis e Políticos, aprovado pela Assembléia Geral das Nações Unidas, qualquer que
seja a natureza jurídica que se lhe atribua (a de instrumento normativo impregnado de caráter
supralegal ou a de ato revestido de índole constitucional), inibe, em decorrência de sua própria
superioridade hierárquico-normativa, a possibilidade de o Brasil instaurar, contra quem já foi
absolvido ou condenado no exterior, com trânsito em julgado, nova persecução penal motivada
pelos mesmos fatos subjacentes à sentença penal estrangeira. (...) (Ext 1223, Relator(a): Min.
CELSO DE MELLO, Segunda Turma, julgado em 22/11/2011, ACÓRDÃO ELETRÔNICO DJe-
042 DIVULG 27-02-2014 PUBLIC 28-02-2014)
Importante enfatizar que tal exame deve voltar-se para os fatos, sendo irrelevante a
qualificação jurídica que lhes houverem outorgado os órgãos de acusação. É que, como consabido, a
causa de pedir no processo penal circunscreve-se aos fatos alegados - e sobre eles atuam as teses
defensivas -, não ao enquadramento normativo, tarefa reservada aos julgadores. Em reforço:
1. HABEAS CORPUS IMPETRADO EM SUBSTITUIÇÃO AO RECURSO PREVISTO NO
ORDENAMENTO JURÍDICO. NÃO CABIMENTO. MODIFICAÇÃO DE ENTENDIMENTO
JURISPRUDENCIAL. RESTRIÇÃO DO REMÉDIO CONSTITUCIONAL. MEDIDA
IMPRESCINDÍVEL À SUA OTIMIZAÇÃO. EFETIVA PROTEÇÃO AO DIREITO DE IR, VIR E
FICAR. 2. ALTERAÇÃO JURISPRUDENCIAL POSTERIOR À IMPETRAÇÃO DO PRESENTE
WRIT. EXAME QUE VISA PRIVILEGIAR A AMPLA DEFESA E O DEVIDO PROCESSO
LEGAL. 3. CRIME DE DESACATO. 4. FUNDAMENTAÇÃO E DISPOSITIVO DO ACÓRDÃO
INCOMPATÍVEIS. NULIDADE. 5. RECONHECIMENTO DA ATIPICIDADE. EFEITOS SOBRE
TODA A COMPLEXIDADE FÁTICA. 6. RENOVAÇÃO DA DENÚNCIA. MESMO FATO
CONTENDO NARRATIVA DIVERSA. IMPOSSIBILIDADE. 7. ORDEM NÃO CONHECIDA.
HABEAS CORPUS CONCEDIDO DE OFÍCIO. 1. (...) 4. In casu, o cotejo das denúncias revela
que apesar da maior riqueza de detalhes, as narrativas da primeira e da segunda exordial, relatam
exatamente o mesmo fato, apoiados, inclusive, nos mesmos depoimentos e rol de testemunhas. 5. O
reconhecimento da atipicidade da conduta induz a certeza de que não se voltará a enfrentar nova
persecução penal pelo mesmo fato que ensejou o processo anterior. 6. Na hipótese, imperioso
reconhecer a impossibilidade de nova denúncia, em homenagem a proibição do sistema processual
penal brasileiro à dupla persecução penal. 7. As nuanças trazidas pelo órgão acusador na segunda
exordial, não são aptas à abertura de uma nova persecução penal, pois os efeitos da coisa julgada
devem incidir sobre toda a complexidade fática, independentemente, do acerto ou erro da imputação
apresentada pelo Parquet na primeira oportunidade. 8. A percuciente valoração da tese defensiva
revela o justo pleito do impetrante de proteger o réu do ne bis in idem, ou seja, de uma nova
acusação por fato idêntico, contendo narrativa diversa. 9. (..) (HC 200901248741, MARCO
AURÉLIO BELLIZZE, STJ - QUINTA TURMA, DJE DATA: 26/10/2012)
Assentadas essas premissas, passo à análise do caso concreto, com o registro, desde logo,
que não assiste razão aos acusados.
O cotejo entre a denúncia ora em apreciação (fls. 03/16) e as informações do processo que
tramitou na Espanha (fls. 740/919) permite concluir, sem dúvida, que os fatos atribuídos aos
acusados nos presentes autos são diferentes dos apreciados pela justiça estrangeira.
A denúncia no Brasil versa sobre a promoção ou facilitação, com o intuito de serem
exploradas sexualmente, a partir de março de 2007, da saída de diversas mulheres do território
nacional, dentre as quais Silvanir Lidiane Ferreira, Kátia de Medeiros Rocha, Rossiane Aguiar
Cavalcante, Sandra Maria Medeiros Silva, Amanda Araújo de Oliveira, Maise França Correia da
Costa, Ana Luiza Santos Lúcio, Amanda de Melo Campos e Ângela Maria de Andrade. Também
aborda as condições de trabalho (análogas à de escravo) a que foram submetidas, nos anos de 2007
e 2008, aquelas brasileiras.
O processo no exterior, por seu turno, examinou a entrada ilegal de brasileiras na Espanha e
a exploração da prostituição. As mulheres-vítimas, referidas na sentença espanhola (fl. 868 e 869),
foram Silvanir Lidiane Ferreira, Kátia de Medeiros Rocha, Amanda Araújo de Oliveira, Maise
França Correia da Costa e Ana Luiza Santos Lúcio.
Como visto acima, não bastasse a existência de vítimas diversas na denúncia brasileira
(Rossiane Aguiar Cavalcante, Sandra Maria Medeiros Silva, Amanda de Melo Campos e Ângela
Maria de Andrade), as condutas são distintas, a despeito de ostentarem relação de
complementaridade. O crime de promover ou facilitar, para o fim de prostituição, a saída de
mulheres do Brasil não se confunde (mormente pela diversidade dos bens jurídicos tutelados) com o
de ingresso irregular naquele país europeu. De igual modo, o lenocínio no exterior não traz todos os
caracteres da submissão à condição análoga à de escravo (v.g., ameaças).
Quanto à imputação do cometimento do crime de quadrilha ou bando, como se detalhará
adiante, a pretensão não será acolhida, de modo que é irrelevante examinar se os acusados foram ou
não processados no exterior por idêntico fundamento.
Destarte, não há risco de os acusados serem processados ou punidos duas vezes pelas
mesmas condutas, o que impõe a rejeição da preliminar.
Extraterritorialidade condicionada
Ainda em preliminares, aventou-se a impossibilidade de condenação dos acusados pelo
delito tipificado no art. 149 do Código Penal (Redução à Condição Análoga à de Escravo), por
haver sido cometido o crime integralmente no exterior e porquanto não atendidos os requisitos do
art. 7º, § 2º, do Código Penal, em especial o de ingresso no território nacional. Quanto à acusada
CRISTIANE, todavia, aponta o "Parquet" que ela retornou ao Brasil em julho de 2008 e aqui
permaneceu até setembro de 2009.
De fato, como assente na doutrina4, o ingresso no território nacional, nos casos de
extraterritorialidade condicionada, é condição específica da ação penal, denominada de condição de
procedibilidade, de sorte que sua ausência tem como corolário a impossibilidade de início da
persecução criminal. Contudo, no caso em exame, conquanto parcela da conduta tenha ocorrido
longe do solo pátrio, não se cuida de delito cometido no estrangeiro.
Como relatado na denúncia - e foi comprovado na instrução, consoante exposto abaixo -, as
mulheres-vítimas eram aliciadas no Brasil e já saíam daqui com dívidas, referentes às passagens
aéreas custeadas pelo grupo criminoso. Sob a escusa de que necessitavam quitar integralmente o
débito, tinham sua liberdade de locomoção restringida.
Ou seja, os primeiros atos executórios (aliciamento e imposição de dívidas) ocorriam em
território brasileiro. Nesses momentos já se configurava a lesão ao bem jurídico protegido pelo art.
149 do CP, que, como bem esclarece Rogério Greco, é "a liberdade da vítima, que se vê, dada a sua
redução a condição análoga à de escravo, impedida do seu direito de ir e vir ou mesmo de
permanecer onde queira" (Código Penal Comentado. Niterói: Impetus, 2008, p. 567).
Mais uma vez, iniciou-se a "coisificação" das vítimas - característica da redução à condição
análoga à de escravo, também conhecido como crime de plágio -, com o aliciamento e a imposição
da dívida, no momento da compra das passagens aéreas para viajar até a Espanha, onde elas seriam
submetidas aos trabalhos forçados e às condições degradantes de trabalho. Não se pode esquecer
que a escravidão, na atualidade, apresenta-se principalmente na modalidade de servidão por
dinheiro, situação em que pessoas são atraídas por promessa de trabalho e contraem dívidas com o
empregador para custear despesas com a viagem até o local do trabalho, sendo forçadas a trabalhar
até quitar o débito, como no caso em tela.
Assim, ainda que as vítimas tenham sido submetidas aos trabalhos forçados e às condições
degradantes de trabalho apenas na Espanha, os primeiros atos executórios ocorreram em território
nacional. Mister notar que o aliciamento e o custeio das passagens não constituem atos
preparatórios, mas sim integrantes do "iter criminis", por já ofenderem o bem jurídico tutelado. Em
reforço, colham-se os ensinamentos de Bitencourt5:
"6. Tentativa. Como crime material, admite a tentativa, que se verifica com a prática de atos de
execução, sem chegar à condição humilhante da vítima, por exemplo, quando conhecido infrator
desse tipo penal é preso em flagrante ao conduzir trabalhadores para sua distante fazenda, onde o
serviriam, sem probabilidade de retornar."
Demonstrado, então, que foram praticados atos executórios no território nacional, impõe-se,
em consonância com a teoria da ubiqüidade (CP, art. 6º), fixar como lugar do crime o Brasil,
porquanto aqui ocorreu, ainda que em parte, a ação. Portanto, de extraterritorialidade não se cuida,
de sorte que, irrelevante se os acusados ingressaram ou não no território nacional, desacolho a
preliminar.
Passo ao mérito.
2.1 DO TRÁFICO INTERNACIONAL DE PESSOAS PARA FINS DE EXPLORAÇÃO SEXUAL
O Ministério Público Federal imputou aos réus conduta que se subsumiria à descrita no art.
231 do Código Penal. Entre as várias redações do citado dispositivo, destacam-se as dadas pelas leis
nºs 11.106/2005 e 12.015/2009, sendo essa última a atualmente em vigor, "in verbis":
Lei nº 11.106/2005 (Tráfico internacional de pessoas)
Art. 231. Promover, intermediar ou facilitar a entrada, no território nacional, de pessoa que venha
exercer a prostituição ou a saída de pessoa para exercê-la no estrangeiro: (Redação dada pela Lei nº
11.106, de 2005)
Pena - reclusão, de 3 (três) a 8 (oito) anos, e multa. (Redação dada pela Lei nº 11.106, de 2005)
§ 1º - Se ocorre qualquer das hipóteses do § 1º do art. 227:
Pena - reclusão, de 4 (quatro) a 10 (dez) anos, e multa. (Redação dada pela Lei nº 11.106, de 2005)
§ 2º - Se há emprego de violência, grave ameaça ou fraude, a pena é de reclusão, de 5 (cinco) a 12
(doze) anos, e multa, além da pena correspondente à violência. (Redação dada pela Lei nº 11.106,
de 2005)
Art. 231. Promover ou facilitar a entrada, no território nacional, de alguém que nele venha a
exercer a prostituição ou outra forma de exploração sexual, ou a saída de alguém que vá exercê-la
no estrangeiro. (Redação dada pela Lei nº 12.015, de 2009)
Pena - reclusão, de 3 (três) a 8 (oito) anos. (Redação dada pela Lei nº 12.015, de 2009)
§ 1o Incorre na mesma pena aquele que agenciar, aliciar ou comprar a pessoa traficada, assim
como, tendo conhecimento dessa condição, transportá-la, transferi-la ou alojá-la. (Redação dada
pela Lei nº 12.015, de 2009)
§ 2o A pena é aumentada da metade se: (Redação dada pela Lei nº 12.015, de 2009)
I - a vítima é menor de 18 (dezoito) anos; (Incluído pela Lei nº 12.015, de 2009)
II - a vítima, por enfermidade ou deficiência mental, não tem o necessário discernimento para a
prática do ato; (Incluído pela Lei nº 12.015, de 2009)
III - se o agente é ascendente, padrasto, madrasta, irmão, enteado, cônjuge, companheiro, tutor ou
curador, preceptor ou empregador da vítima, ou se assumiu, por lei ou outra forma, obrigação de
cuidado, proteção ou vigilância; ou (Incluído pela Lei nº 12.015, de 2009)
IV - há emprego de violência, grave ameaça ou fraude. (Incluído pela Lei nº 12.015, de 2009)
§ 3o Se o crime é cometido com o fim de obter vantagem econômica, aplica-se também multa.
(Incluído pela Lei nº 12.015, de 2009)
Embora a nova lei tenha endurecido a repressão ao crime de plágio (v.g., elastecendo o
conceito de intermediador para aquele que transporta ou aloja a vítima), reduziu as penas aplicáveis.
Na redação anterior, à forma qualificada eram cominadas as penas mínima e máxima de 5 (cinco) e
12 (doze) anos, além das correspondentes à violência. Atualmente, já considerado o aumento da
metade pela violência, grave ameaça ou fraude (§2º, IV), os limites são 4,5 (quatro e meio) anos e
12 (doze) anos. Nota-se, portanto, ser o caso de "novatio in mellius" (CP, art. 2º, par. ún.), o que
implica a adoção, na dosimetria, dos novos patamares.
O delito insculpido no art. 231 do Diploma Legal em exame perfaz a conduta do tráfico
internacional de pessoa para fins de exploração sexual. Os objetos podem ser a entrada ou a saída de
pessoa do território nacional com vistas ao exercício da prostituição. O objeto material é a pessoa
prostituída ou a se prostituir. Os objetos jurídicos são a liberdade sexual e a moralidade sexual.
Trata-se de crime comum (aquele que não demanda sujeito ativo qualificado ou especial),
material (delito que exige resultado naturalístico, consistente no efetivo exercício da prostituição) e
comissivo (implica ação). O sujeito passivo é a pessoa traficada. O dolo constitui elemento
subjetivo do tipo, não existindo a forma culposa do crime.
É irrelevante o consentimento da vítima, como bem pontua a jurisprudência:
PENAL. APELAÇÃO CRIMINAL. TRÁFICO INTERNACIONAL DE PESSOAS PARA
EXPLORAÇÃO SEXUAL. TIPICIDADE DOS FATOS NARRADOS. APELAÇÃO DO MPF
PROVIDA. I - (...) VI - A presença do consentimento prévio das mesmas antes da viagem não é
causa suficiente para excluir a responsabilidade dos exploradores, pois ainda que tenham
consciência das atividades que serão exercidas, as mulheres não têm idéia das condições em que a
exercerão e, menos ainda, do valor da dívida que contraem antes de chegar ao destino. VII - Não há
dúvidas a respeito da situação de vulnerabilidade das mulheres arregimentadas. Tinham todas um
grau de instrução baixo e se encontravam em situação de pobreza no Brasil. A vontade de cada uma
era mitigada pela necessidade e por causa dessa necessidade aceitaram ter seu corpo objeto de
exploração sexual. O intuito da lei e do Protocolo Internacional foi proteger aqueles que não tem
como optar pela proteção. VIII - A vulnerabilidade das pessoas traficadas pode ser social,
econômica ou educacional. Em regra, a vulnerabilidade social é o que induz as vítimas a
consentirem com uma das formas de exploração acima enumeradas, porquanto, estas se atraem pela
possibilidade de uma vida melhor e abrem mão de sua liberdade em nome daquele objetivo. Em
decorrência da vulnerabilidade, as vítimas do tráfico de pessoas não se vêem como tal, torna ainda
mais imprescindível a atuação do Estado na prevenção e repressão ao tráfico e assistência às
mesmas. IX - Isto posto, clara a materialidade do delito previsto no artigo 231, caput, do Código
Penal em continuidade delitiva. No entanto, não se observa prova nos autos do cometimento do
crime previsto no artigo 288 do Código Penal (quadrilha ou bando), uma vez que não logrou o
Ministério Público Federal a comprovar a estabilidade do vínculo entre os dois denunciados e
algum terceiro para o fim de cometer crimes. X - A autoria quanto ao crime reconhecido está bem
comprovada. O papel de FERDINANDO BRITO era, mediante pagamento, recrutar, arregimentar e
aliciar as mulheres em território nacional, providenciando, ainda, a documentação necessária à
concessão do visto italiano. Já a MARIANO LORETI cabia suprir a demanda de mulheres das casas
noturnas italianas, agindo da seguinte forma: repassava as fotografias delas enviadas por
FERDINANDO BRITO aos donos dos estabelecimentos onde elas iriam trabalhar - e, após a
escolha desses e o trâmite da documentação do visto no Brasil, promovia a recepção delas naquele
país, encaminhando-as às boates respectivas. XI - Dosimetria da pena pouco acima do mínimo
legal. Pena definitiva para FERDINANDO BRITO fixada em 5 (cinco) anos e 10 (dez) meses de
reclusão. Pena definitiva para MARIANO LORETI fixada em 6 (seis) anos e 8 (oito) meses de
reclusão. XII - Apelação do MPF parcialmente provida. (ACR 00022405420104058400,
Desembargadora Federal Cíntia Menezes Brunetta, TRF5 - Primeira Turma, DJE - Data:
27/03/2014 - Página: 79.)
2.1.1 Da Materialidade
A materialidade do delito está comprovada nos autos. Com efeito, a partir da análise dos
documentos constantes do Inquérito Policial nº 0837/2008 e do conjunto probatório produzido, em
especial os depoimentos prestados à autoridade policial e os depoimentos e interrogatórios perante
este Juízo, resta provado o cometimento do crime, por 6 (seis) vezes, em continuidade delitiva,
conforme detalhado abaixo.
(I) O expediente oriundo da Coordenação Geral de Polícia de Imigração do Departamento
de Polícia Federal (fl. 85 do IPL nº 0837/2008) indica que, em 26.09.2008, a brasileira Ana Luiza
Santos Lúcio saiu do território nacional tendo retornado em 11.01.2009, por motivo de deportação.
Conforme aponta o termo de depoimento prestado por Ana Luiza Santos Lúcio perante a autoridade
policial (fls. 99/102 do IPL nº 0837/2008), corroborado pelo depoimento prestado perante este
Juízo, em 02.11.2013, que se encontra gravado na mídia acostada à fl. 704, a saída do território
nacional tinha por objetivo submeter a brasileira à prostituição na boate Éden, situada na província
de Gerona, na Espanha.
Como atesta o depoimento prestado perante este Juízo, em 02.11.2013, que se encontra
gravado na mídia acostada à fl. 704:
"no trecho com início em 01:50 e término em 02:10, que em 26/09 empreendeu viagem com destino
a Barcelona na Espanha; no trecho com início em 14:32 e término em 14:51, que CRISTIANE foi
na casa dela e lhe ofertou uma proposta de trabalho numa discoteca espanhola; no trecho com início
em 15:20 e término em 15:57, que elas já sabiam o que iam fazer lá, que não foram obrigadas, que
CRISTIANE não as obrigou a viajar que foram porque quiseram; no trecho com início em 16:27 e
término em 17:03, que logo de cara ela não falou que a gente ia para se prostituir, porque ela não
queria que ficassem nervosas, mas sabia o que iam fazer lá, porque ninguém vai para uma boate só
para consumir bebidas, então ela falou que elas iam ficar a vontade, que se quisessem fazer
programas elas fariam"
A saída da brasileira do território nacional para exercer a prostituição na Espanha foi
ocultada sob o falso pretexto de que ia fazer turismo na Europa. Para tanto a vítima foi orientada
sobre como proceder perante as autoridades de imigração, conforme aponta o depoimento prestado
nos presentes autos:
"no trecho com início em 18:29 e término em 19:05, que CRISTIANE lhe deu 500 euros para a
viagem, que o dinheiro era para ser devolvido ao MARIDO DE CRISTIANE quando ela chegasse à
Espanha, que CRISTIANE lhe orientou a como proceder junto a imigração"
Assim sendo, conclui-se que a brasileira Ana Luiza dos Santos Lúcio, sob o falsa aparência
de que ia fazer turismo na Europa, foi traficada do Brasil para a Espanha, onde exerceu a
prostituição na boate Éden, situada na província de Gerona.
(II) No mesmo sentido, o expediente oriundo da Coordenação Geral de Polícia de Imigração
do Departamento de Polícia Federal (fl. 87 do IPL nº 0837/2008) indica que, em 26.09.2008, a
brasileira Kátia de Medeiros Rocha saiu do território nacional, não havendo indicação de quando
tenha retornado. Conforme aponta o termo de depoimento prestado por Kátia de Medeiros Rocha
perante a autoridade policial (fls. 141/143 do IPL nº 0837/2008), corroborado pelo depoimento
prestado perante este Juízo, em 02.11.2013, que se encontra gravado na mídia acostada à fl. 704, a
saída do território nacional tinha por objetivo submeter a brasileira à prostituição na boate Éden,
situada na província de Gerona, na Espanha.
Como atesta o depoimento prestado perante este Juízo, em 02.11.2013, que se encontra
gravado na mídia acostada à fl. 704:
"no trecho com início em 01:25 e término em 01:35, que o convite para ir a Espanha partiu de uma
pessoa chamada CRISTIANE; no trecho com início em 02:14 e término em 02:50, que a proposta
de trabalho era para acompanhar clientes em boates na Espanha durante a noite, que CRISTIANE
chegou a mencionar o trabalho com prostituição mas isso ficaria a critério de cada garota; no trecho
com início em 10:02 e término em 11:16, que se realizasse copa, consistente em influenciar os
clientes ao consumo de bebidas, receberia uma comissão, que quanto aos programas o valor
recebido pelo primeiro programa seria para a casa e os demais para a garota, que em regra não
poderiam ser feitos programas fora do clube a exceção de clientes indicados pelo clube, que
recepcionava os clientes no próprio quarto que estava hospedada; no trecho com início em 12:12 e
término em 12:28, que nos dias de maior movimento fazia cerca de oito a nove programas por
noite"
A saída da brasileira do território nacional para exercer a prostituição na Espanha foi
ocultada sob o falso pretexto de que ia fazer turismo na Europa. Para tanto a vítima foi orientada
sobre como proceder perante as autoridades de imigração, conforme aponta o depoimento prestado
nos presentes autos:
"no trecho com início em 03:12 e término em 03:48, que no dia da viagem CRISTIANE deu a ela e
a Ana Luiza a quantia de 500 euros para cada, que esse dinheiro seria para sustentar a história na
imigração de que iam fazer turismo na Espanha"
Deste modo, conclui-se que a brasileira Kátia de Medeiros Rocha, sob a falsa aparência de
que ia fazer turismo na Europa, foi traficada do Brasil para a Espanha, onde exerceu a prostituição
na boate Éden, situada na província de Gerona.
(III) De modo semelhante, foi promovida a saída do território nacional da brasileira Ângela
Maria de Andrade para exercer a prostituição na Espanha durante o período de 05 (cinco) meses.
Perante a autoridade policial (fls. 17/20 do IPL nº 0837/2008), Ângela Maria de Andrade
declarou:
"que foi para a Espanha em 06/03/2007, acompanhada da amiga de nome Amanda de Melo Campos
(...), que permaneceu na Espanha durante o período de cinco meses(...), que nos três primeiros
meses morou no clube "ECLIPSE", que logo após morou no clube "EL EDEN", durante
aproximadamente um mês e meio(...), que o dinheiro do primeiro programa era do clube, que se
fizesse algum programa a mais ficava com o dinheiro do cliente".
Como atesta o depoimento prestado perante este Juízo, em 03.11.2013, que se encontra
gravado na mídia acostada à fl. 720v:
"no trecho com início em 00:40 e término em 00:45, que confirma o teor dos depoimentos
prestados perante a Polícia Federal de fls. 17/20 e 74/76 do Inquérito Policial".
Perante a autoridade policial (fls. 17/20 do IPL nº 0837/2008), Ângela Maria de Andrade
declarou:
"que foi para a Espanha em 06/03/2007, acompanhada da amiga de nome Amanda de Melo
Campos, que no mês de Janeiro de 207 conheceu a mulher chamada por CÍNTHIA em Mossoró(...),
que CÍNTHIA recebeu dinheiro de ROSSE e conseguiu a emissão dos passaportes da depoente e de
AMANDA, reserva de hotel, deu quatrocentos e setenta euros para cada uma e deu dinheiro para
comprar duas malas (...), que o dinheiro do primeiro programa era do clube, que se fizesse algum
programa a mais ficava com o dinheiro do cliente".
Mister concluir, portanto, que a brasileira Amanda de Melo Campos, sob a falsa aparência
de que ia fazer turismo na Europa, foi traficada do Brasil para a Espanha, onde exerceu a
prostituição nas boates Eclipse e El Éden. Destaque-se que não se trata de convicção formada
exclusivamente nos elementos informativos colhidos na investigação, o que encontraria óbice no
art. 155 do CPP, porquanto o tráfico da vítima em questão foi apontado pela testemunha Ângela
Maria de Andrade, consoante depoimento prestado em juízo sob o crivo do contraditório.
(V) Igualmente, o expediente oriundo da Coordenação Geral de Polícia de Imigração do
Departamento de Polícia Federal (fl. 78 do IPL nº 0837/2008) indica que, em 08.10.2008, a
brasileira Maíse França Correia da Costa saiu do território nacional, retornando em 28.10.2008.
Conforme aponta o termo de depoimento prestado por Maíse França Correia da Costa perante a
autoridade policial (fls. 97/98 do IPL nº 0837/2008), corroborado pelo depoimento prestado perante
este Juízo, em 03.11.2013, que se encontra gravado na mídia acostada à fl. 720v, a saída do
território nacional tinha por objetivo submeter a brasileira à prostituição na boate El Éden, situada
na província de Gerona, na Espanha.
Como atesta o depoimento prestado perante este Juízo, em 03.11.2013, que se encontra
gravado na mídia acostada à fl. 720v:
"no trecho com início em 01:14 e término em 01:20, que foi à Espanha a convite de uma brasileira
chamada CRISTIANE; no trecho com início em 15:32 e término em 15:36, que CRISTIANE
deixou ciente de que ia trabalhar em casas noturnas"
A saída da brasileira do território nacional para exercer a prostituição na Espanha foi
ocultada sob o falso pretexto de que ia fazer turismo na Europa. Para tanto a vítima foi orientada
sobre como proceder perante as autoridades de imigração, conforme aponta o depoimento prestado
nos presentes autos:
"no trecho com início em 06:05 e término em 06:15, que CRISTIANE lhe orientou de como se
portar diante dos funcionários da imigração"
Deste modo, conclui-se que a brasileira Maíse França Correia da Costa, sob a falsa
aparência de que ia fazer turismo na Europa, foi traficada do Brasil para a Espanha, onde exerceu a
prostituição na boate Éden, situada na província de Gerona.
(VI) Por sua vez, Silvanir Lidiane Ferreira em depoimento perante a autoridade policial (fls.
123/127 do IPL nº 0837/2008) declarou:
"que no mês de novembro do ano de 2008, realizou viagem com destino a Barcelona, que realizou
essa viagem em companhia de sua amiga MAIZE a qual tinha a mesma finalidade de trabalho, em
um "night club" na Catalúnia (...),que CRISTIANE falou que o trabalho se trataria de prostituição
(...) que recebeu das mãos de CRISTIANE passagem internacional, seguro-saúde, reserva em hotel
e 500 (quinhentos) euros, que é do seu conhecimento que MAIZE também recebeu da mesma
forma, que os 500 (quinhentos) euros fornecidos deveriam ser utilizados para sustentar uma falsa
finalidade de estadia na Espanha, caso as autoridades de imigração perguntassem".
O depoimento prestado por Maíse França Correia da Costa perante este Juízo, em
03.11.2013, que se encontra gravado na mídia acostada à fl. 720v, por sua vez, indica:
"no trecho com início em 01:14 e término em 01:20, que foi à Espanha a convite de uma brasileira
chamada CRISTIANE; no trecho com início em 06:23 e término em 06:26, que viajou juntamente
com Lidiane."
Mister concluir, portanto, que a brasileira Silvanir Lidiane Ferreira, sob a falsa aparência de
que ia fazer turismo na Europa, foi traficada do Brasil para a Espanha, onde exerceu a prostituição
na boate El Éden, situada na província de Gerona. Destaque-se que não se trata de convicção
formada exclusivamente nos elementos informativos colhidos na investigação, o que encontraria
óbice no art. 155 do CPP, porquanto o tráfico da vítima em questão foi apontado pela testemunha
Maíse França Correia da Costa, consoante depoimento prestado em juízo sob o crivo do
contraditório.
Em síntese, as brasileiras (I) Ana Luiza dos Santos Lúcio, (II) Kátia de Medeiros Rocha,
(III) Ângela Maria de Andrade, (IV) Amanda de Melo Campos, (V) Maíse França Correia da Costa
e (VI) Silvanir Lidiane Ferreira, nos anos de 2007 e 2008, tiveram sua saída do território nacional
promovida (por meio de convites e com o pagamento de passagens aéreas e/ou antecipação de
dinheiro, a ser apresentado perante a imigração) com o intuito de exercer a prostituição na Espanha,
o que efetivamente ocorreu. É irrelevante, na linha da jurisprudência transcrita anteriormente, se as
referidas pessoas já se prostituíam anteriormente ou se tinham conhecimento de que exerceriam tal
atividade no exterior.
Destaque-se que os clubes EL EDEN e ECLIPSE, casas de prostituição, funcionavam como
verdadeiras empresas que prestam serviços ou expõem à venda um produto qualquer, visto que
tarifavam o preço do programa sexual, estipulando inclusive o tempo máximo que cada garota
deveria permanecer com o cliente, como frisado por Ângela Maria de Andrade (fls. 17/20 do IPL nº
0837/2008) em seu depoimento prestado perante a Polícia Federal, o qual foi ratificado em Juízo,
conforme depoimento gravado na mídia acostada à fl. 720v:
"que cada programa custava sessenta e quatro euros e durava trinta minutos, que o dinheiro do
primeiro programa era do clube, que se fizesse algum programa a mais ficava com o dinheiro do
cliente, que todo programa custava sessenta e quatro euros obrigatoriamente".
Cumpre ressaltar que o crime de tráfico de mulheres foi cometido mediante fraude, posto
que, conforme restou demonstrado nos autos, as vítimas aliciadas ao aderirem à proposta de
trabalho nas boates EDEN e ECLIPSE não sabiam o valor da dívida contraída, tampouco que teriam
que arcar com valores diários para custear sua estadia e alimentação no local de trabalho.
Neste sentido, indica o depoimento prestado por Maíse França Correia da Costa perante este
Juízo, em 03.11.2013, que se encontra gravado na mídia acostada à fl. 720v, por sua vez, indica:
"no trecho com início em 20:26 e término em 20:28, que a dívida era de dois mil e quinhentos
euros; no trecho com início em 20:46 e término em 20:50, que quando saiu do Brasil sabia que tinha
uma dívida mas não sabia que era tão grande; no trecho com início em 21:10 e término em 22:10,
que tinha um controle que ela fazia da dívida, mas que todo dia era um valor diferente pois tinham
multas se conseguisse trabalhar ou não, que as multas eram aplicadas em caso de atraso ou negativa
de trabalho."
De igual modo, Ângela Maria de Andrade (fls. 17/20 do IPL nº 0837/2008) em seu
depoimento prestado perante a Polícia Federal, o qual foi ratificado em Juízo, conforme depoimento
gravado na mídia acostada à fl. 720v, afirmou:
"que suas passagens aéreas de ida e volta custaram o valor de novecentos e setenta e sete euros; que
perguntou a CINTHIA se pagaria apenas esse valor ao Sr. ROSSE, quando esta disse que pagaria
pouca coisa a mais; que quando chegou a Espanha foi comunicada pelo Sr. ROSSE que a dívida de
cada uma era de dois mil e quinhentos euros; que ele não explicou o motivo daquele valor tão alto;
que ROSSE disse que cada garota deveria pagar o valor de sessenta e quatro euros por dia para
trabalharem nos clubes".
Em face do exposto, patente a fraude em detrimento das vítimas, incide na presente
demanda a causa de aumento prevista no art. 231, § 2º, IV, do Código Penal. Como o crime foi
cometido com o fim de obter vantagem econômica, aplica-se igualmente a multa do §3º do mesmo
dispositivo.
Quanto às demais supostas vítimas traficadas, não foi possível, com os elementos presentes
nos autos (mormente aqueles produzidos sob o crivo do contraditório judicial), concluir pela
ocorrência da conduta delituosa em análise.
Resta, assim, devidamente comprovada, por seis vezes, a materialidade do crime tipificado
pelo art. 231, §§2º e 3º, do Código Penal.
2.1.2 Da Autoria
Amanda de Melo Campos em depoimento perante a autoridade policial (fls. 13/16 do IPL nº
0837/2008) declarou:
"que CÍNTHIA disse para Angela que se esta desejasse ir até a Espanha trabalhar em um clube que
explorava a prostituição, poderia "facilitar as coisas", que CÍNTHIA disse que conhecia o dono de
um clube, chamado por ROSSE, e que este enviaria dinheiro para as passagens e hospedagem"
Importante notar que os esclarecimentos prestados perante a autoridade policial são
corroborados pelos depoimentos colhidos em juízo. Ainda, que as transcrições acima mencionam o
nome "ROSSE", que vem a ser a forma como se pronuncia "JOSE" na língua espanhola.
O acusado CEFERINO VALERO GONZALEZ (FINO) em depoimento perante este Juízo,
em 03.11.2013, que se encontra gravado na mídia acostada à fl. 720v, afirmou:
"no trecho com início em 03:00 e término em 03:15, que trabalhou nas boates ECLIPSE e EL
EDEN e que o dono das boates era o Sr. JOSE MORENO; no trecho com início em 03:00 e término
em 03:15, que foi pegar algumas brasileiras no aeroporto mas não sabem quem as convidava a
trabalhar no clube."
Por outro lado, o réu JOSE MORENO GOMEZ em depoimento perante este Juízo, em
03.11.2013, que se encontra gravado na mídia acostada à fl. 720v, afirmou:
"no trecho com início em 00:40 e término em 01:10, que é dono das boates ECLIPSE e EL EDEN
em Gerona, na Espanha; no trecho com início em 10:10 e término em 10:45, que as garotas que
freqüentavam o hotel, se hospedavam ali com em um hotel qualquer, que nesse espaço tinha uma
discoteca em baixo, onde eles fazem shows para clientes e que as garotas podiam ficar em baixo
consumindo com os clientes e subir aos quartos para fazer programa e que eles tinham licença das
autoridades para trabalhar com prostituição como qualquer lugar; no trecho com início em 11:25 e
término em 11:30, que existem garotas de todas as partes do mundo; no trecho com início em 14:25
e término em 14:35, que ele nunca tratou de convidar ninguém que as pessoas vem através de
amigas que trabalham lá; no trecho com início em 16:20 e término em 16:35, que sobre a compra
das passagens ele nunca participou que elas iam por conta própria; no trecho com início em 24:52 e
término em 25:25, que cobra das mulheres que freqüentam, que funciona como um hotel, que elas
tem que pagar diária porque tomam café, almoçam e jantam, que as obriga a pagar a diária, nada
mais, que não estão como presas que tem livre arbítrio para sair e para entrar que no dia que não
querem trabalhar não as obriga a descer; no trecho com início em 29:35 e término em 29:45, que o
passaporte é pedido às garotas unicamente para fazer uma cópia e informar às autoridades e em
seguida devolvido às mesmas; no trecho com início em 39:13 e término em 39:17, que as mulheres
não eram vigiadas; no trecho com início em 43:08 e término em 43:20, que as garotas
eventualmente uma foi embora devendo alguma coisa a mas unicamente a título de diária; no trecho
com início em 01:05 (parte dois) e término em 01:25 (parte dois), que no caso de alguma garota que
se foi sem pagar ele pessoalmente nunca mandou cobrar, mas quando uma garota passava dois, três
dias sem pagar ele já avisava que ou trabalhasse para pagar ou fosse embora."
O acusado, mesmo sendo o dono das boates onde as brasileiras traficadas exerciam a
prostituição na Espanha e apontado como financiador das despesas com locomoção das brasileiras
para os clubes, insiste, em seu interrogatório, em negar a participação no crime, atribuindo os fatos
exclusivamente às vítimas traficadas que, segundo o acusado, se apresentavam espontaneamente
para trabalhar no local, tese esta reforçada em suas alegações finais (fls. 1136/1150).
No entanto, a tese da defesa não encontra respaldo nos depoimentos transcritos acima,
colhidos em juízo e na esfera policial, que atribuíram de forma veemente ao acusado a participação
no tráfico de mulheres brasileiras para exploração sexual nos clubes de sua propriedade, na
Espanha. Tal fato é corroborado pelo depoimento do acusado CEFERINO VALERO GONZALEZ
(FINO) que afirmou que pegava as mulheres no aeroporto e levava até os clubes.
A defesa alega (fls. 1136/1150) que o acusado, exerce legalmente sua atividade empresarial
em estrito cumprimento à legislação local, que as boates têm administradores, que as normas
trabalhistas são respeitadas e que os trabalhadores se apresentam de forma espontânea para
trabalhar no local, sendo certo que se existiu algum excesso ou atitude não condizente com o
regular funcionamento do estabelecimento, tal fato não pode ser imputado ao acusado, posto que a
legislação penal exige que a conduta seja realizada de maneira dolosa.
Verifica-se, no entanto, que o conjunto probatório produzido nos autos aponta que o
acusado não só tinha conhecimento do tráfico de mulheres para trabalhar nos clubes de sua
propriedade como providenciou a reunião das condições necessárias para assegurar que as mulheres
não fugissem do local antes de quitar todas as dívidas oriundas da aquisição das passagens aéreas
usadas pelas vítimas e financiadas pelo acusado. Mais uma vez, como bem esclarecido pelas
testemunhas Ângela Maria de Andrade e Amanda de Melo Campos, o dinheiro era oriundo de
"ROSSE", ou seja, de JOSE MORENO.
Diante do exposto, é possível concluir que JOSE MORENO GOMEZ concorreu, por seis
vezes, para os crimes descritos no tópico materialidade.
A atuação não pode ser tida como de menor importância, haja vista que o acusado é quem
financiava a compra das passagens aéreas das vítimas para depois cobrar que a dívida contraída
fosse paga com a atividade de prostituição exercidas nas boates de sua propriedade.
Pela denúncia, o Sr. CEFERINO VALERO GONZALEZ (FINO) seria uma espécie de braço
direito do proprietário dos clubes EL EDEN e ECLIPSE e figuraria como um dos principais
articuladores do tráfico internacional de pessoas para fins de exploração sexual. De fato,
compulsando os autos, em especial as oitiva das testemunhas, é possível verificar que o acusado
possuía atuação destacada no crime em questão. Era o responsável pela logística para recepção no
exterior das mulheres traficadas e pelo recebimento na Espanha dos valores entregues às vítimas no
Brasil que serviriam para sustentar a falsa informação, junto às autoridades de imigração, de que
viajavam para fazer turismo.
Merece destaque o fato de o acusado CEFERINO VALERO GONZALEZ (FINO) ser
apontado como autor das ameaças dirigidas às vítimas caso fugissem dos clubes sem pagar as
dívidas que tinham adquirido com o grupo criminoso.
Neste sentido, a testemunha Ana Luiza Santos Lúcio, em depoimento prestado perante este
Juízo, em 02.11.2013, que se encontra gravado na mídia acostada à fl. 704, afirmou:
"no trecho com início em 18:29 e término em 18:32, que CRISTIANE lhe deu 500 euros para a
viagem; no trecho com início em 18:35 e término em 18:45, que o dinheiro era para ser devolvido
ao marido de CRISTIANE quando chegassem à Espanha; no trecho com início em 19:40 e término
em 19:45, que o marido de CRISTIANE, conhecido por FINO, chegou ao hotel e as levou ao clube
EDEN"
Do mesmo modo, a testemunha Kátia de Medeiros Rocha, em depoimento prestado perante
este Juízo, em 02.11.2013, que se encontra gravado na mídia acostada à fl. 704, afirmou:
"no trecho com início em 05:58 e término em 06:25, que no aeroporto manteve contato com o
marido de CRISTIANE, que foi orientado por FINO a ir de taxi até o hotel onde havia reserva; no
trecho com início em 07:00 e término em 07:12, que FINO levou ela e Ana Luíza até uma boate nas
proximidades de Gerona"
Por sua vez, a testemunha Ângela Maria de Andrade, conforme atesta o depoimento
prestado perante este Juízo, em 03.11.2013, que se encontra gravado na mídia acostada à fl. 720v,
declarou:
"no trecho com início em 02:55 e término em 03:10, que o Sr. FINO era responsável pelo clube,
tomava conta do dinheiro, ia lá ver se estavam trabalhando; no trecho com início em 03:56 e
término em 03:59, que confirma que recebeu ameaças do Sr. FINO que falava que se as meninas
fugissem sem pagar seriam mortas, mesmo aqui no Brasil; no trecho com início em 04:16 e término
em 04:20, que sempre ele avisava que se uma das garotas fugissem ele vinha aqui matar; no trecho
com início em 04:38 e término em 04:47, que em conversas com a gente e com as meninas se uma
falasse que queria ir embora ou alguma coisa assim ele dizia que tinha que pagar a dívida se sair
sem pagar a dívida a gente vai matar".
Por outro lado, o réu CEFERINO VALERO GONZALEZ (FINO), em depoimento perante
este Juízo, em 03.11.2013, que se encontra gravado na mídia acostada à fl. 720V, afirmou:
"no trecho com início em 03:00 e término em 03:15, que trabalhou nas boates ECLIPSE e EL
EDEN e que o dono das boates era o Sr. JOSE MORENO; no trecho com início em 03:00 e término
em 03:15, que foi pegar algumas brasileiras no aeroporto mas não sabem quem as convidava a
trabalhar no clube; no trecho com início em 12:15 e término em 12:20, que na sua vida não
ameaçou ninguém; no trecho com início em 13:05 e término em 13:10, que não é certo que tenha
ameaçado Ângela Maria em caso de fugir da Espanha."
Frise-se que o acusado assume que levava as brasileiras traficadas do aeroporto até os clubes
ECLIPSE e EL EDEN. No entanto, mesmo tendo trabalhando nas boates onde as brasileiras
traficadas exerciam a prostituição na Espanha e sendo apontado como braço direito do proprietário
das boates e pessoa que ameaçava as brasileiras em caso de fuga, insiste em negar a participação no
crime, tese esta reforçada em suas alegações finais (fls. 1106/1115). A tese da defesa não encontra
respaldo nos depoimentos transcritos acima, colhidos em juízo e na esfera policial, que atribuíram
de forma veemente ao acusado a participação no tráfico de mulheres brasileiras para exploração
sexual nos clubes EL EDEN e ECLIPSE, na Espanha.
A defesa alega (fls. 1106/1115) que o acusado, era apenas um empregado das boates, não
tendo conhecimento da prática de qualquer crime em relação às mulheres que trabalhavam nos
clubes. Do mais, alega que não existem provas aptas a embasar um pleito condenatório
Verifica-se, no entanto, que o conjunto probatório produzido nos autos aponta que o acusado
não só tinha conhecimento do tráfico de mulheres para trabalhar nos clubes em que trabalhava
como era responsável pela logística de recepção das mulheres na Espanha, agindo em inteira
consonância com sua companheira CRISTIANE FERREIRA DA SILVA TINOCO que aliciava as
vítimas no Brasil. Do mais, restou evidenciado que o acusado se encarregava de proferir ameaças de
morte para intimidar as vítimas para assegurar que as mulheres não fugissem do local antes de
quitar todas as dívidas oriundas da aquisição das passagens aéreas usadas para chegar aos clubes.
Diante do exposto, é possível concluir que CEFERINO VALERO GONZALEZ (FINO)
concorreu, por seis vezes, para os crimes descritos no tópico materialidade.
A atuação do acusado não pode ser tida como de menor importância, haja vista que a ação
do réu era fundamental para que as mulheres traficadas, ao desembarcar na Espanha, fossem
imediatamente levadas às boates ECLIPSE e EL EDEN para exercer a prostituição, onde eram
constantemente ameaçadas pelo acusado caso tentassem fugir sem pagar as dívidas contraídas junto
à organização criminosa.
Por sua vez, a testemunha Maise França Correia da Costa, conforme atesta o depoimento
prestado perante este Juízo, em 03.11.2013, que se encontra gravado na mídia acostada à fl. 720v,
declarou:
"no trecho com início em 01:14 e término em 01:20, que foi à Espanha a convite de uma brasileira
chamada CRISTIANE; no trecho com início em 05:20 e término em 05:21, que foi CRISTIANE
que deu o dinheiro para viajar à Espanha; no trecho com início em 06:05 e término em 06:15, que
CRISTIANE lhe orientou de como se portar diante dos funcionários da imigração; no trecho com
início em 15:32 e término em 15:36, que CRISTIANE deixou ciente de que ia trabalhar em casas
noturnas"
Por fim, Silvanir Lidiane Ferreira em depoimento perante a autoridade policial (fls. 123/127
do IPL nº 0837/2008) declarou:
"que no mês de novembro do ano de 2008, realizou viagem com destino a Barcelona, que realizou
essa viagem em companhia de sua amiga MAIZE a qual tinha a mesma finalidade de trabalho, em
um "night club" na Catalúnia (...), que uma pessoa chamada CRISTINA ou CRISTIANE teria
enviado quatro brasileiras a este mesmo destino (...), que CRISTIANE falou que o trabalho se
trataria de prostituição (...), que todas as despesas da viagem internacional foram financiadas
através de CRISTIANE, que recebeu das mãos de CRISTIANE passagem internacional, seguro-
saúde, reserva em hotel e 500 (quinhentos) euros, que é do seu conhecimento que MAIZE também
recebeu da mesma forma, que os 500 (quinhentos) euros fornecidos deveriam ser utilizados para
sustentar uma falsa finalidade de estadia na Espanha, caso as autoridades de imigração
perguntassem".
O depoimento prestado por Maíse França Correia da Costa perante este Juízo, em
03.11.2013, que se encontra gravado na mídia acostada à fl. 720v, por sua vez, indica:
"no trecho com início em 01:14 e término em 01:20, que foi à Espanha a convite de uma brasileira
chamada CRISTIANE; no trecho com início em 05:20 e término em 05:21, que foi CRISTIANE
que deu o dinheiro para viajar à Espanha; no trecho com início em 06:23 e término em 06:26, que
viajou juntamente com Lidiane; no trecho com início em 15:32 e término em 15:36, que
CRISTIANE deixou ciente de que ia trabalhar em casas noturnas."
Mister concluir, portanto, que a acusada também teve participação na saída do território
nacional da brasileira Silvanir Lidiane Ferreira para exercer a prostituição na Espanha. Destaque-se
que não se trata de convicção formada exclusivamente nos elementos informativos colhidos na
investigação, o que encontraria óbice no art. 155 do CPP, porquanto o tráfico da vítima em questão
foi apontado pela testemunha Maíse França Correia da Costa, consoante depoimento prestado em
juízo sob o crivo do contraditório.
Por outro lado, a ré CRISTIANE FERREIRA DA SILVA TINOCO, em depoimento perante
este Juízo, em 03.11.2013, que se encontra gravado na mídia acostada à fl. 720V, afirmou:
"no trecho com início em 03:25 e término em 03:30, que saiba nenhuma brasileira exercia
prostituição nos clubes; no trecho com início em 04:20 e término em 04:23, que não sabe quem
convidava as brasileiras a ir ao clube; no trecho com início em 05:15 e término em 05:23, que não
convidou mas ajudou duas amigas a ir trabalhar na Espanha; no trecho com início em 06:40 e
término em 06:50, que as garotas não tinham uma dívida de dois mil e quinhentos euros com Jose
Moreno"
A acusada nega qualquer participação nos fatos a ela atribuídos, bem como, que tinha
ciência de qualquer atividade relacionada à prostituição nos clubes ECLIPSE e EL EDEN, tese
reforçada em suas alegações finais (fls. 1106/1115). No entanto, a tese da defesa não encontra
respaldo nos depoimentos transcritos acima, colhidos em juízo e na esfera policial, que atribuíram
de forma veemente à acusada a participação no tráfico de mulheres brasileiras para exploração
sexual nos clubes EL EDEN e ECLIPSE, na Espanha.
O conjunto probatório produzido nos autos aponta que a acusada não só tinha conhecimento
do tráfico de mulheres para trabalhar nos clubes da Espanha como era a principal responsável pelo
aliciamento de mulheres para se prostituir no exterior. Do mais, restou evidenciado que a acusada é
quem entregava (a mando de outras pessoas da quadrilha) às vítimas as passagens aéreas para a
viagem, bem como dinheiro para sustentar a falsa alegação de que iam fazer turismo na Espanha.
Diante do exposto, é possível concluir que CRISTIANE FERREIRA DA SILVA TINOCO
concorreu, por seis vezes, para os crimes descritos no tópico materialidade.
A atuação da acusada não pode ser tida como de menor importância: ela era quem aliciava
as vítimas brasileiras para exercer a prostituição nas boates ECLIPSE e EL EDEN até que
conseguissem pagar as dívidas contraídas junto à organização criminosa.
O delito insculpido no art. 149 do Diploma Legal em exame perfaz a conduta da redução à
condição análoga à de escravo. Reduzir, no prisma deste tipo penal, significa subjugar, transformar
à força, impelir a uma situação penosa, consistente em submissão a trabalhos forçados ou jornadas
exaustivas, bem como a condições degradantes de trabalho ou restringindo, por qualquer meio, sua
locomoção em razão de dívida contraída com o empregador ou preposto.
O objeto material é a pessoa aprisionada como se escravo fosse; o objeto jurídico é a
liberdade do indivíduo de ir, vir e querer.
Trata-se de crime comum (aquele que não demanda sujeito ativo qualificado ou especial),
material (delito que exige resultado naturalístico, consistente na privação da liberdade ou de
qualquer situação degradante ou abusiva na atividade laborativa), de forma vinculada (podendo ser
cometido pelos meios descritos no tipo), comissivo (implica ação) e permanente (cujo resultado se
prolonga no tempo). O sujeito passivo é a pessoa que, vinculada à relação de trabalho, é reduzida a
condição análoga à de escravo. O dolo constitui elemento subjetivo do tipo, não existindo a forma
culposa do crime. Admite-se a forma tentada.
2.2.1 Da materialidade
A materialidade do delito está fartamente documentada nos autos. Com efeito, a partir da
análise dos documentos constantes do Inquérito Policial nº 0837/2008 e do conjunto probatório
produzido, em especial dos depoimentos perante a autoridade policial, bem como dos depoimentos
e interrogatórios prestados em Juízo, resta provado o cometimento do crime, por 6 (seis) vezes, em
continuidade delitiva, conforme detalhado abaixo.
Antes, todavia, mister registrar o modus operandi utilizado para perpetrar os crimes. Como
demonstram os depoimentos prestados em Juízo, como será destacado a seguir, as vítimas eram
aliciadas para trabalharem com a prostituição nas boates ECLIPSE e EL EDEN na Espanha. No
entanto, para custear as despesas com a viagem até a Espanha, onde exerceriam a prostituição,
contraíam, ainda no Brasil, dívidas com o grupo criminoso que seriam posteriormente pagas através
do trabalho nos clubes.
Em razão de tal dívida com o grupo criminoso, as vítimas tinham sua liberdade de
locomoção restringida até que quitassem integralmente o débito que, saliente-se, aumentava dia a
dia devido as despesas com alimentação e hospedagem que as vítimas tinham nos clubes.
Frise-se que, em razão de obterem ganhos variáveis com a atividade de prostituição, a dívida
poderia aumentar ao invés de diminuir, estendendo-se o vínculo obrigacional entre a vítima e o
grupo criminoso indefinidamente, até que a dívida fosse quitada. Para que as dívidas fossem pagas,
o grupo criminoso valia-se de todas as formas de artifícios para garantir que as vítimas não
fugissem do local de trabalho sem quitar a dívida, o qual, saliente-se, era o mesmo onde residiam.
Assim, os agentes se utilizavam da retenção de passaportes e malas, controle do horário de saída,
vigilância às vítimas, além de todo tipo de intimidações, incluindo ameaças de morte, para impedir
que as vítimas fugissem.
(I) Conforme depoimento prestado perante este Juízo, em 02.11.2013, que se encontra
gravado na mídia acostada à fl. 704, a liberdade de locomoção da brasileira Ana Luiza dos Santos
Lúcio foi restringida em razão de dívida contraída com a organização criminosa responsável pelo
tráfico de mulheres para exercer a prostituição na boate El Éden, situada na província de Gerona, na
Espanha. No citado depoimento Ana Luiza dos Santos Lúcio declarou:
"no trecho com início em 02:49 e término em 03:10, que teve suas despesas de viagem custeadas
pelo empresário espanhol chamado "ROSSE" dono dos clubes Eclipse e Éden; no trecho com início
em 26:00 e término em 26:15, que eles nunca ameaçaram a gente eles só falaram que a gente ficasse
lá que tínhamos que pagar nosso bilhete; no trecho com início em 32:35 e término em 32:40, que
sabia da existência da dívida referente a passagem"
Assim sendo, verifica-se que a brasileira Ana Luiza dos Santos Lúcio contraiu uma dívida
com os agentes para propiciar sua viagem do Brasil para a Espanha, onde exerceria a prostituição na
boate Éden até conseguir quitar totalmente sua dívida. Assim, em razão de tal dívida, teve sua
liberdade de locomoção restringida pelo grupo criminoso.
(II) Por sua vez, o depoimento prestado perante este Juízo, em 02.11.2013, que se encontra
gravado na mídia acostada à fl. 704, a liberdade de locomoção da brasileira Kátia de Medeiros
Rocha foi restringida em razão de dívida contraída com a organização criminosa responsável pelo
tráfico de mulheres para exercer a prostituição na boate El Éden, situada na província de Gerona, na
Espanha. No citado depoimento Kátia de Medeiros Rocha declarou:
"no trecho com início em 01:25 e término em 01:35, que o convite para ir a Espanha partiu de uma
pessoa chamada CRISTIANE; no trecho com início em 02:14 e término em 02:50, que a proposta
de trabalho era para acompanhar clientes em boates na Espanha durante a noite, que CRISTIANE
chegou a mencionar o trabalho com prostituição mas isso ficaria a critério de cada garota; no trecho
com início em 02:55 e término em 03:11, que os gastos da viagem com exceção do passaporte
foram custeados por CRISTIANE; no trecho com início em 09:30 e término em 10:00, que foi
informada sobre o valor da dívida que era de cinco mil euros, que quando saiu do Brasil já sabia que
ia ter uma dívida e já sabia o valor; no trecho com início em 15:16 e término em 15:30, que seu
passaporte e suas malas ficaram retidas no clube mas não sabe por quem; no trecho com início em
24:40 e término em 24:45, que eles falavam que iam entregar o passaporte depois porque a gente
poderia fugir"
Do exposto, verifica-se que a brasileira Kátia de Medeiros Rocha contraiu uma dívida com
os agentes para propiciar sua viagem do Brasil para a Espanha, onde exerceria a prostituição na
boate Éden até conseguir quitar totalmente sua dívida. Assim, em razão de tal dívida (e tendo tido
seu passaporte e bagagem retidos no clube), teve sua liberdade de locomoção restringida pelo grupo
criminoso.
(III) De modo semelhante, a liberdade de locomoção da brasileira Ângela Maria de Andrade
foi restringida em razão de dívida contraída com a organização criminosa responsável pelo tráfico
de mulheres para exercer a prostituição na boate Eclipse e El Éden, situada na província de Gerona,
na Espanha. No depoimento prestado perante a autoridade policial (fls. 17/20 do IPL nº 0837/2008),
Ângela Maria de Andrade declarou:
"que CÍNTHIA recebeu dinheiro de ROSSE e conseguiu a emissão dos passaportes da depoente e
de AMANDA, reserva de hotel, deu quatrocentos e setenta euros para cada uma e deu dinheiro para
comprar duas malas (...), que o dinheiro do primeiro programa era do clube, que se fizesse algum
programa a mais ficava com o dinheiro do cliente(...) que suas passagens aéreas de ida e volta
custaram o valor de novecentos e setenta e sete euros; que perguntou a CÍNTHIA se pagaria apenas
aquele valor ao Sr. ROSSE, quando esta disse que pagaria pouca coisa a mais; que quando chegou
na Espanha foi comunicada pelo Sr. ROSSE que a dívida de cada uma era de dois mil e quinhentos
euros; que ele não explicou o motivo daquele valor tão alto (...), que FINO disse que se não pagasse
a dívida ele iria atrás da depoente cobrá-la, que FINO disse que se a depoente voltasse para o Brasil
e não pagasse a dívida ele tinha gente neste país que a mataria em sua casa".
Como atesta o depoimento prestado por Ângela Maria de Andrade perante este Juízo, em
03.11.2013, que se encontra gravado na mídia acostada à fl. 720v:
"no trecho com início em 00:40 e término em 00:45, que confirma o teor dos depoimentos
prestados perante a Polícia Federal de fls. 17/20 e 74/76 do Inquérito Policial; no trecho com início
em 03:56 e término em 03:59, que confirma que recebeu ameaças do Sr. FINO que falava que se as
meninas fugissem sem pagar seriam mortas, mesmo aqui no Brasil; no trecho com início em 04:16 e
término em 04:20, que sempre ele avisava que se uma das garotas fugissem ele vinha aqui matar; no
trecho com início em 04:38 e término em 04:47, que em conversas com a gente e com as meninas se
uma falasse que queria ir embora ou alguma coisa assim ele dizia que tinha que pagar a dívida se
sair sem pagar a dívida a gente vai matar; no trecho com início em 08:00 e término em 08:08, que o
passaporte ficava com eles".
Deste modo, conclui-se que a brasileira Ângela Maria de Andrade contraiu uma dívida com
os agentes para propiciar sua viagem do Brasil para a Espanha, onde exerceria a prostituição nas
boates Eclipse e El Éden até conseguir quitar totalmente sua dívida. Assim, em razão de tal dívida
(e em face das ameaças de morte recebidas), teve sua liberdade de locomoção restringida pelo grupo
criminoso.
(IV) Amanda de Melo Campos em depoimento perante a autoridade policial (fls. 13/16 do
IPL nº 0837/2008) declarou:
"que foi para a Espanha em 07/03/2007, acompanhada da garota Ângela Maria de Andrade (...), que
CÍNTHIA disse para Ângela que se esta desejasse ir até a Espanha trabalhar em um clube que
explorava a prostituição, poderia "facilitar as coisas", que CÍNTHIA disse que conhecia o dono de
um clube, chamado por ROSSE, e que este enviaria dinheiro para as passagens e hospedagem(...),
que morava no próprio clube e fazia os programas no quarto em que dormia(...), que tinha que pagar
ao clube a quantia de 60 euros por noite, independente de trabalhar ou não".
O depoimento prestado por Ângela Maria de Andrade perante este Juízo, em 03.11.2013,
que se encontra gravado na mídia acostada à fl. 720v, por sua vez, indica:
"no trecho com início em 00:40 e término em 00:45, que confirma o teor dos depoimentos
prestados perante a Polícia Federal de fls. 17/20 e 74/76 do Inquérito Policial".
Perante a autoridade policial (fls. 17/20 do IPL nº 0837/2008), Ângela Maria de Andrade
declarou:
"que foi para a Espanha em 06/03/2007, acompanhada da amiga de nome Amanda de Melo
Campos, que no mês de Janeiro de 207 conheceu a mulher chamada por CÍNTHIA em Mossoró".
Mister concluir, portanto, que a brasileira Amanda de Melo Campos contraiu uma dívida
com os agentes para propiciar sua viagem do Brasil para a Espanha, onde exerceria a prostituição na
boate Éden até conseguir quitar totalmente sua dívida. Assim, em razão de tal dívida, teve sua
liberdade de locomoção restringida pelo grupo criminoso. Destaque-se que não se trata de
convicção formada exclusivamente nos elementos informativos colhidos na investigação, o que
encontraria óbice no art. 155 do CPP, porquanto o tráfico da vítima em questão foi apontado pela
testemunha Ângela Maria de Andrade, consoante depoimento prestado em juízo sob o crivo do
contraditório.
(V) Igualmente, a brasileira Maíse França Correia da Costa teve sua liberdade de
locomoção restringida pelo grupo criminoso em razão da dívida contraída para custeio das despesas
com o deslocamento para trabalhar na boate El Éden na Espanha. Conforme aponta o depoimento
prestado perante este Juízo, em 03.11.2013, que se encontra gravado na mídia acostada à fl. 720v:
"no trecho com início em 09:04 e término em 09:24, que era sessenta euros meia hora de programa,
que tudo era pago lençóis, preservativos, lavagem de roupa, que depois de certa hora não podia sair
tinha que ficar presa; no trecho com início em 10:40 e término em 10:50, que após o final do
expediente, por volta das quatro da manhã até as oito horas, os portões eram fechados e não podiam
sair, tinham que ficar presas no quarto; no trecho com início em 11:50 e término em 11:58, que num
certo horário da manhã até certo horário da tarde podiam sair mas eram seguidas; no trecho com
início em 19:09 e término em 19:13, que no período que ficou no clube Éden teve suas malas
retidas, mas o passaporte não; no trecho com início em 20:26 e término em 20:28, que a dívida era
de dois mil e quinhentos euros; no trecho com início em 20:46 e término em 20:50, que quando saiu
do Brasil sabia que tinha uma dívida mas não sabia que era tão grande; no trecho com início em
25:25 e término em 25:40, que não sofreu agressões mas se sentiu acuada sem ter opção para vir
embora pois tinha uma dívida; no trecho com início em 26:00 e término em 26:28, que teria que
trabalhar nas condições que ofereciam pois, se não, não voltaria ao Brasil; no trecho com início em
30:20 e término em 30:36, que um dia à noite sua amiga estava sem diasepan, que ela vivia a base
de diasepan e convivia com ela no mesmo quarto, então implorou para o rapaz que estava na
portaria para deixar levar ela no médico, então foram duas vezes que ela saiu do clube."
Do exposto, verifica-se, de forma incontestável, que a brasileira Maíse França Correia da
Costa teve restringida a sua liberdade de locomoção em razão da dívida contraída junto ao grupo
criminoso para custeio das despesas de locomoção até a Espanha, onde exerceu a prostituição no
clube El Éden. Outrossim, teve sua liberdade restringida pela impossibilidade de sair após uma certa
hora do dia, bem como por ser acompanhada nas eventuais idas à rua.
(VI) Por sua vez, Silvanir Lidiane Ferreira em depoimento perante a autoridade policial (fls.
123/127 do IPL nº 0837/2008) declarou:
"que no mês de novembro do ano de 2008, realizou viagem com destino a Barcelona, que realizou
essa viagem em companhia de sua amiga MAIZE a qual tinha a mesma finalidade de trabalho, em
um "night club" na Catalúnia (...), que uma pessoa chamada CRISTINA ou CRISTIANE teria
enviado quatro brasileiras a este mesmo destino (...), que CRISTIANE falou que o trabalho se
trataria de prostituição (...), que todas as despesas da viagem internacional foram financiadas
através de CRISTIANE, que recebeu das mãos de CRISTIANE passagem internacional, seguro-
saúde, reserva em hotel e 500 (quinhentos) euros, que é do seu conhecimento que MAIZE também
recebeu da mesma forma (...), que foi FINO quem levou a depoente e sua amiga MAIZE ao "night
club", que durante a viagem de carro até o "night club" FINO informou à depoente sobre problemas
ocorridos em sua reserva e que, em razão disso, as despesas seriam suportadas pela depoente, que
em razão disso, refutou a dívida proposta por FINO, afirmando que já devia dois mil e quinhentos
euros e que não iria arcar com mais despesas (...); que nunca foi agredida fisicamente, porém,
moralmente, se sentiu agredida por "FINO" e "JOSE".
O depoimento prestado por Maíse França Correia da Costa perante este Juízo, em
03.11.2013, que se encontra gravado na mídia acostada à fl. 720v, por sua vez, indica:
"no trecho com início em 01:14 e término em 01:20, que foi à Espanha a convite de uma brasileira
chamada CRISTIANE; no trecho com início em 05:20 e término em 05:21, que foi CRISTIANE
que deu o dinheiro para viajar à Espanha; no trecho com início em 06:23 e término em 06:26, que
viajou juntamente com Lidiane; no trecho com início em 30:20 e término em 30:36, que um dia à
noite sua amiga estava sem diasepan, que ela vivia a base de diasepan e convivia com ela no mesmo
quarto, então implorou para o rapaz que estava na portaria para deixar levar ela no médico, então
foram duas vezes que ela saiu do clube."
Mister concluir, portanto, que a brasileira Silvanir Lidiane Ferreira contraiu uma dívida com
os agentes para propiciar sua viagem do Brasil para a Espanha, onde exerceria a prostituição na
boate El Éden até conseguir quitar totalmente sua dívida. Assim, em razão de tal dívida (e por haver
restrições à saída do clube, inclusive para ida ao médico), teve sua liberdade de locomoção
restringida pelo grupo criminoso. Destaque-se que não se trata de convicção formada
exclusivamente nos elementos informativos colhidos na investigação, o que encontraria óbice no
art. 155 do CPP, porquanto o tráfico da vítima em questão foi apontado pela testemunha Maíse
França Correia da Costa, consoante depoimento prestado em juízo sob o crivo do contraditório.
Em síntese, as brasileiras (I) Ana Luiza dos Santos Lúcio, (II) Kátia de Medeiros Rocha,
(III) Ângela Maria de Andrade, (IV) Amanda de Melo Campos, (V) Maíse França Correia da Costa
e (VI) Silvanir Lidiane Ferreira, nos anos de 2007 e 2008, foram reduzidas a condição análoga à de
escravo, por terem a liberdade de locomoção restringida em virtude de dívidas contraídas junto ao
grupo criminoso para propiciar o deslocamento das vítimas até as boates ECLIPSE e EL ÉDEN na
Espanha, onde exerceriam a prostituição. As restrições, para várias delas, foram além, consistindo
em ameaças de morte se não quitassem as dívidas ou em limitações à saída dos clubes.
O montante da dívida contraída junto ao grupo criminoso variava dia a dia, tendo em vista
que o valor do débito sofria acréscimos diários devido a despesas com a estadia, a alimentação e
gastos diversos, como energia elétrica, lençóis, preservativos, além de multas aplicadas em caso de
atraso das vítimas ou em caso de se negarem a trabalhar. Neste sentido, aponta o depoimento de
Maíse França Correia da Costa prestado perante este Juízo, em 03.11.2013, que se encontra gravado
na mídia acostada à fl. 720v:
"no trecho com início em 09:06 e término em 09:24, que tudo era pago, lençóis, preservativos, para
lavar roupa, que depois de certa hora não podia sair tinha que ficar presa; no trecho com início em
21:10 e término em 22:10, que tinha um controle da dívida que ela fazia, mas que todo dia era um
valor diferente pois tinham multas e se conseguisse trabalhar ou não, que as multas eram aplicadas
em caso de atraso ou negativa de trabalhar."
Como frisado pela testemunha Maíse França Correia da Costa, a dívida variava, podendo
aumentar caso a vítima pudesse ou não trabalhar. Assim, a mulher traficada poderia ficar submetida
ao controle do grupo criminoso por tempo indeterminado, posto que não lhe era assegurada uma
remuneração mínima diária. Do contrário, sua dívida evoluía diariamente.
Neste sentido, destaque-se que os clubes EL EDEN e ECLIPSE tarifavam o preço do
programa sexual, estipulando inclusive o tempo máximo que cada garota deveria permanecer com o
cliente, além de recolher o valor do primeiro programa realizado a título de pagamento de diária,
como frisado por Ângela Maria de Andrade (fls. 17/20 do IPL nº 0837/2008) em seu depoimento
prestado perante a Polícia Federal, o qual foi ratificado em Juízo, conforme depoimento gravado na
mídia acostada à fl. 720v:
"que cada programa custava sessenta e quatro euros e durava trinta minutos, que o dinheiro do
primeiro programa era do clube, que se fizesse algum programa a mais ficava com o dinheiro do
cliente, que todo programa custava sessenta e quatro euros obrigatoriamente".
Quanto às demais supostas vítimas traficadas, não foi possível, com os elementos presentes
nos autos (mormente aqueles produzidos sob o crivo do contraditório judicial), concluir pela
ocorrência da conduta delituosa em análise.
Frise-se que o delito tipificado no art. 149 do Código Penal caracteriza-se como crime misto
alternativo, em que há fungibilidade entre os diversos núcleos do tipo, sendo indiferente a
realização de qualquer um deles, pois o delito continua único. A prática de mais de um deles não
agrega maior desvalor ao fato, bem como não é necessária a realização de todas as condutas
descritas no tipo penal.
Neste sentido, é a jurisprudência:
PROCESSO PENAL. HABEAS CORPUS . TRABALHO ESCRAVO. 1. Constitui crime (CP,
art.149) sujeitar o trabalhador a condições degradantes, infamantes, aviltantes de trabalho . Sujeitar-
se, isto é, o trabalhador permite que seja tratado como escravo; ele se conforma que o tratem assim.
2. Não se exige para configuração do tipo de estarem presentes concomitantemente: a segregação da
liberdade de locomoção e a utilização de violência ou grave ameaça para impedir a saída do
trabalhador. (Processo: HC 0005110-92.2012.4.01.0000/PA; HABEAS CORPUS, Relator:
DESEMBARGADOR FEDERAL TOURINHO NETO, TERCEIRA TURMA, Publicação:
30/03/2012 e-DJF1 P. 307, Data Decisão: 19/03/2012)
Assim, existindo prova de que se restringiu a locomoção das vítimas em razão de dívida
contraída com o empregador (e por ameaças etc.), consuma-se o crime, independentemente de as
vítimas terem sido ou não submetidas a trabalhos forçados e a condições degradantes de trabalho.
Não merece acolhimento a tese, apresentada pela defesa dos acusados em suas alegações
finais (fls. 1106/1116 e 1136/1150), de impossibilidade de condenação pelo delito de redução à
condição análoga à de escravo, em face do pedido de absolvição apresentado pelo Ministério
Público Federal. Na verdade, a manifestação do Ministério Público Federal não vincula o julgador:
estando devidamente configuradas materialidade e autoria delitivas, o Juiz poderá condenar o
acusado, ainda que o Ministério Público tenha opinado pela absolvição.
Neste sentido, decidiu o Supremo Tribunal Federal:
"Alegação de falta de interesse do MP para recorrer da sentença absolutória, porque, nas alegações
finais, o Promotor de Justiça que interveio pedira a absolvição. Recurso interposto por outro
membro do Ministério Público, que foi provido, com a condenação do ora paciente, em
fundamentado aresto. Hipótese em que não cabe ver violação ao parágrafo único do art. 577 do
CPP. Independência funcional dos membros do Ministério Público. Funções de custos legis e
dominus litis. A manifestação do MP, em alegações finais, não vincula o julgador, tal como sucede
com o pedido de arquivamento de inquérito policial, nos termos e nos limites do art. 28 do CPP.
Habeas corpus indeferido." (HC nº 69957 - Segunda Turma do STF - Relator Ministro Néri da
Silveira - RT 410/377).
Na realidade, equivoca-se o eminente "parquet" ao pretender afastar a materialidade do
crime em tela sob a alegação de inexistência de comprovação de jornadas exaustivas ou de
trabalhos forçados (fl. 1101). Como já pontuado em vários momentos desta sentença, há
"coisificação", típica do crime de plágio, quando, por qualquer meio, impõem-se restrições à
liberdade das vítimas (v.g., por dívidas ou ameaças, no caso). Destarte, ainda que elas concordassem
com a atividade ou não estivessem expostas a condições degradantes (se a venda da própria
dignidade assim não fosse), restaria configurado o crime de redução à condição análoga à de
escravo. Quanto à comprovação da autoria, será analisada mais adiante.
Diante do exposto, afastadas as teses defensivas, está devidamente comprovada, por seis
vezes, a materialidade do crime tipificado pelo art. 149 do Código Penal.
2.2.2 Da autoria
JOSE MORENO GOMEZ
Os depoimentos perante a autoridade policial, bem como os depoimentos e interrogatórios
prestados em Juízo, revelam que JOSE MORENO GOMEZ concorreu, por seis vezes, para o crime
redução à condição análoga à de escravo.
É importante frisar que o acusado, na condição de proprietário dos clubes EL EDEN e
ECLIPSE, financiava a viagem de mulheres brasileiras para exercerem a prostituição nas boates de
sua propriedade, situadas na província de Gerona na Espanha. Ao ali chegarem, tinham sua
liberdade de locomoção restringida, em razão das dívidas e por meios diversos (ex. ameaças de
morte).
Em reforço - e sem necessidade de transcrever todos, porque já presentes no exame da
materialidade -, confiram-se os depoimentos das vítimas:
"no trecho com início em 02:49 e término em 03:10, que teve suas despesas de viagem custeadas
pelo empresário espanhol chamado "JOSE" dono dos clubes ECLIPSE e EDEN; no trecho com
início em 13:04 e término em 13:14, que o dinheiro para viagem foi enviado por uma brasileira de
nome CRISTIANE; no trecho com início em 26:00 e término em 26:15, que eles nunca ameaçaram
a gente eles só falaram que a gente ficasse lá que tínhamos que pagar nosso bilhete; no trecho com
início em 32:35 e término em 32:40, que sabia da existência da dívida referente a passagem" (Ana
Luiza Santos Lúcio, depoimento prestado em Juízo, em 02.11.2013, que se encontra gravado na
mídia acostada à fl. 704)
"no trecho com início em 15:16 e término em 15:30, que seu passaporte e suas malas ficaram
retidas no clube mas não sabe por quem; no trecho com início em 24:40 e término em 24:45, que
eles falavam que iam entregar o passaporte depois porque a gente poderia fugir" (Kátia de Medeiros
Rocha, depoimento prestado em Juízo, em 02.11.2013, que se encontra gravado na mídia acostada à
fl. 704)
"no trecho com início em 30:20 e término em 30:36, que um dia à noite sua amiga estava sem
diasepan, que ela vivia a base de diasepan e convivia com ela no mesmo quarto, então implorou
para o rapaz que estava na portaria para deixar levar ela no médico, então foram duas vezes que ela
saiu do clube." (Maíse França Correia da Costa, depoimento prestado em Juízo, em 03.11.2013, que
se encontra gravado na mídia acostada à fl. 720v)
Do mesmo modo, a testemunha Ângela Maria de Andrade, perante a autoridade policial (fls.
17/20 do IPL nº 0837/2008), declarou:
"que CÍNTHIA disse a depoente que esta deveria ir para a Espanha, pois lá era muito bom de
ganhar dinheiro (...), que CÍNTHIA disse que falaria com seus amigos espanhóis que estes
mandariam dinheiro para a ida da depoente àquele país (...), que CÍNTHIA recebeu dinheiro de
ROSSE e conseguiu a emissão dos passaportes da depoente e de AMANDA, reserva de hotel, deu
quatrocentos e setenta euros para cada uma e deu dinheiro para comprar duas malas (...), que
quando chegou na Espanha foi comunicada pelo Sr. ROSSE que a dívida era de dois mil e
quinhentos euros; que ele não explicou o motivo daquele valor tão alto (...), que FINO disse que se
não pagasse a dívida ele iria atrás da depoente cobrá-la, que FINO disse que se a depoente voltasse
para o Brasil e não pagasse a dívida ele tinha gente neste país que a mataria em sua casa".
Como atesta o depoimento prestado perante este Juízo, em 03.11.2013, que se encontra
gravado na mídia acostada à fl. 720v:
"no trecho com início em 00:40 e término em 00:45, que confirma o teor dos depoimentos prestados
perante a Polícia Federal de fls. 17/20 e 74/76 do Inquérito Policial".
"no trecho com início em 05:58 e término em 06:25, que no aeroporto manteve contato com o
marido de CRISTIANE, que foi orientado por FINO a ir de taxi até o hotel onde havia reserva; no
trecho com início em 07:00 e término em 07:12, que FINO levou ela e Ana Luíza até uma boate nas
proximidades de Gerona; no trecho com início em 15:16 e término em 15:30, que seu passaporte e
suas malas ficaram retidas no clube mas não sabe por quem; no trecho com início em 24:40 e
término em 24:45, que eles falavam que iam entregar o passaporte depois porque a gente poderia
fugir" (Kátia de Medeiros Rocha, depoimento prestado em Juízo, em 02.11.2013, que se encontra
gravado na mídia acostada à fl. 704)
"no trecho com início em 02:55 e término em 03:10, que o Sr. FINO era responsável pelo clube,
tomava conta do dinheiro, ia lá ver se estavam trabalhando; no trecho com início em 03:56 e
término em 03:59, que confirma que recebeu ameaças do Sr. FINO que falava que se as meninas
fugissem sem pagar seriam mortas, mesmo aqui no Brasil; no trecho com início em 04:16 e término
em 04:20, que sempre ele avisava que se uma das garotas fugissem ele vinha aqui matar; no trecho
com início em 04:38 e término em 04:47, que em conversas com a gente e com as meninas se uma
falasse que queria ir embora ou alguma coisa assim ele dizia que tinha que pagar a dívida se sair
sem pagar a dívida a gente vai matar" (Ângela Maria de Andrade, depoimento em Juízo, em
03.11.2013, que se encontra gravado na mídia acostada à fl. 720v)
Silvanir Lidiane Ferreira em depoimento perante a autoridade policial (fls. 123/127 do IPL
nº 0837/2008) declarou:
"que no mês de novembro do ano de 2008, realizou viagem com destino a Barcelona, que realizou
essa viagem em companhia de sua amiga MAIZE a qual tinha a mesma finalidade de trabalho, em
um "night club" na Catalúnia (...), que uma pessoa chamada CRISTINA ou CRISTIANE teria
enviado quatro brasileiras a este mesmo destino (...), que CRISTIANE falou que o trabalho se
trataria de prostituição (...), que todas as despesas da viagem internacional foram financiadas
através de CRISTIANE, que recebeu das mãos de CRISTIANE passagem internacional, seguro-
saúde, reserva em hotel e 500 (quinhentos) euros, que é do seu conhecimento que MAIZE também
recebeu da mesma forma (...), que foi FINO quem levou a depoente e sua amiga MAIZE ao "night
club", que durante a viagem de carro até o "night club" FINO informou à depoente sobre problemas
ocorridos em sua reserva e que, em razão disso, as despesas seriam suportadas pela depoente, que
em razão disso, refutou a dívida proposta por FINO, afirmando que já devia dois mil e quinhentos
euros e que não iria arcar com mais despesas (...); que nunca foi agredida fisicamente, porém,
moralmente, se sentiu agredida por "FINO" e "JOSE".
O depoimento prestado por Maíse França Correia da Costa perante este Juízo, em
03.11.2013, que se encontra gravado na mídia acostada à fl. 720v, por sua vez, indica:
"no trecho com início em 01:14 e término em 01:20, que foi à Espanha a convite de uma brasileira
chamada CRISTIANE; no trecho com início em 05:20 e término em 05:21, que foi CRISTIANE
que deu o dinheiro para viajar à Espanha; no trecho com início em 06:23 e término em 06:26, que
viajou juntamente com Lidiane; no trecho com início em 30:20 e término em 30:36, que um dia à
noite sua amiga estava sem diasepan, que ela vivia a base de diasepan e convivia com ela no mesmo
quarto, então implorou para o rapaz que estava na portaria para deixar levar ela no médico, então
foram duas vezes que ela saiu do clube."
Destaque-se que, apesar de a vítima Silvanir Lidiane Ferreira não ter sido ouvida em juízo,
seu depoimento na esfera policial foi corroborado pela testemunha Maíse França Correia da Costa,
consoante depoimento prestado em juízo sob o crivo do contraditório.
Por outro lado, o réu CEFERINO VALERO GONZALEZ (FINO), em depoimento perante
este Juízo, em 03.11.2013, que se encontra gravado na mídia acostada à fl. 720v, afirmou:
"no trecho com início em 03:00 e término em 03:15, que trabalhou nas boates ECLIPSE e EL
EDEN e que o dono das boates era o Sr. JOSE MORENO; no trecho com início em 03:00 e término
em 03:15, que foi pegar algumas brasileiras no aeroporto mas não sabe quem as convidava a
trabalhar no clube; no trecho com início em 12:15 e término em 12:20, que na sua vida não
ameaçou ninguém; no trecho com início em 13:05 e término em 13:10, que não é certo que tenha
ameaçado Ângela Maria em caso de fugir da Espanha."
Frise-se que o acusado assume que levava as brasileiras reduzidas à condição análoga à de
escravo do aeroporto até os clubes ECLIPSE e EL EDEN. No entanto, insiste, em seu
interrogatório, em negar a participação no crime, tese esta reforçada em suas alegações finais (fls.
1106/1115). A tese da defesa não encontra respaldo nos depoimentos transcritos acima, colhidos em
juízo e na esfera policial, que atribuíram de forma veemente ao acusado a participação no crime.
A defesa alega (fls. 1106/1115) que o acusado, era apenas um empregado das boates, não
tendo conhecimento da prática de qualquer crime em relação às mulheres que trabalhavam nos
clubes. Do mais, alega que não existem provas aptas a embasar um pleito condenatório
Verifica-se, no entanto, que o conjunto probatório produzido nos autos aponta que o
acusado, não só tinha conhecimento da condição análoga à de escravo a que as mulheres foram
reduzidas, como era responsável pela logística de recepção das mulheres na Espanha. Do mais,
restou evidenciado que o acusado se encarregava de proferir ameaças de morte para intimidar as
vítimas e assegurar que as mulheres não fugissem do local antes de quitar todas as dívidas oriundas
da aquisição das passagens aéreas usadas para chegar aos clubes.
Diante do exposto, é possível concluir que CEFERINO VALERO GONZALEZ (FINO)
concorreu, por seis vezes, para os crimes descritos no tópico materialidade.
A atuação não pode ser tida como de menor importância, haja vista ser o acusado a pessoa
que proferia ameaças às vítimas em caso de fuga sem pagamento da dívida, um dos principais
meios empregados para restrição da liberdade de locomoção das vítimas, e de assegurar o
pagamento da dívida contraída com o grupo criminoso.
"no trecho com início em 01:25 e término em 01:35, que o convite para ir a Espanha partiu de uma
pessoa chamada CRISTIANE; no trecho com início em 02:14 e término em 02:50, que a proposta
de trabalho era para acompanhar clientes em boates na Espanha durante a noite, que CRISTIANE
chegou a mencionar o trabalho com prostituição mas isso ficaria a critério de cada garota; no trecho
com início em 02:55 e término em 03:11, que os gastos da viagem com exceção do passaporte
foram custeados por CRISTIANE; no trecho com início em 12:12 e término em 12:28, que nos dias
de maior movimento fazia cerca de oito a nove programas por noite; no trecho com início em 15:16
e término em 15:30, que seu passaporte e suas malas ficaram retidas no clube mas não sabe por
quem; no trecho com início em 24:40 e término em 24:45, que eles falavam que iam entregar o
passaporte depois porque a gente poderia fugir" (Kátia de Medeiros Rocha, depoimento em Juízo,
em 02.11.2013, que se encontra gravado na mídia acostada à fl. 704)
"no trecho com início em 01:14 e término em 01:20, que foi à Espanha a convite de uma brasileira
chamada CRISTIANE; no trecho com início em 05:20 e término em 05:21, que foi CRISTIANE
que deu o dinheiro para viajar à Espanha; no trecho com início em 06:05 e término em 06:15, que
CRISTIANE lhe orientou de como se portar diante dos funcionários da imigração; no trecho com
início em 10:40 e término em 10:50, que após o final do expediente, por volta das quatro da manhã
até as oito horas, os portões eram fechados e não podiam sair, tinham que ficar presas no quarto; no
trecho com início em 11:50 e término em 11:58, que num certo horário da manhã até certo horário
da tarde podiam sair mas eram seguidas; no trecho com início em 15:32 e término em 15:36, que
CRISTIANE deixou ciente de que ia trabalhar em casas noturnas; no trecho com início em 19:09 e
término em 19:13, que no período que ficou no clube Éden teve suas malas retidas, mas o
passaporte não; no trecho com início em 20:26 e término em 20:28, que a dívida era de dois mil e
quinhentos euros; no trecho com início em 20:46 e término em 20:50, que quando saiu do Brasil
sabia que tinha uma dívida mas não sabia que era tão grande; no trecho com início em 25:25 e
término em 25:40, que não sofreu agressões mas se sentiu acuada sem ter opção para vir embora
pois tinha uma dívida; no trecho com início em 26:00 e término em 26:28, que teria que trabalhar
nas condições que ofereciam pois, se não, não voltaria ao Brasil; no trecho com início em 30:20 e
término em 30:36, que um dia à noite sua amiga estava sem diasepan, que ela vivia a base de
diasepan e convivia com ela no mesmo quarto, então implorou para o rapaz que estava na portaria
para deixar levar ela no médico, então foram duas vezes que ela saiu do clube." (Maise França
Correia da Costa, depoimento em Juízo, em 03.11.2013, que se encontra gravado na mídia acostada
à fl. 720v)
Por fim, Silvanir Lidiane Ferreira em depoimento perante a autoridade policial (fls. 123/127
do IPL nº 0837/2008) declarou:
"que no mês de novembro do ano de 2008, realizou viagem com destino a Barcelona, que realizou
essa viagem em companhia de sua amiga MAIZE a qual tinha a mesma finalidade de trabalho, em
um "night club" na Catalúnia (...), que uma pessoa chamada CRISTINA ou CRISTIANE teria
enviado quatro brasileiras a este mesmo destino (...), que CRISTIANE falou que o trabalho se
trataria de prostituição (...), que todas as despesas da viagem internacional foram financiadas
através de CRISTIANE, que recebeu das mãos de CRISTIANE passagem internacional, seguro-
saúde, reserva em hotel e 500 (quinhentos) euros, que é do seu conhecimento que MAIZE também
recebeu da mesma forma, que os 500 (quinhentos) euros fornecidos deveriam ser utilizados para
sustentar uma falsa finalidade de estadia na Espanha, caso as autoridades de imigração
perguntassem(...), que foi FINO quem levou a depoente e sua amiga MAIZE ao "night club", que
durante a viagem de carro até o "night club" FINO informou à depoente sobre problemas ocorridos
em sua reserva e que, em razão disso, as despesas seriam suportadas pela depoente, que em razão
disso, refutou a dívida proposta por FINO, afirmando que já devia dois mil e quinhentos euros e que
não iria arcar com mais despesas (...); que nunca foi agredida fisicamente, porém, moralmente, se
sentiu agredida por "FINO" e "JOSE".
O depoimento prestado por Maíse França Correia da Costa perante este Juízo, em
03.11.2013, que se encontra gravado na mídia acostada à fl. 720v, por sua vez, indica:
"no trecho com início em 01:14 e término em 01:20, que foi à Espanha a convite de uma brasileira
chamada CRISTIANE; no trecho com início em 05:20 e término em 05:21, que foi CRISTIANE
que deu o dinheiro para viajar à Espanha; no trecho com início em 06:23 e término em 06:26, que
viajou juntamente com Lidiane; no trecho com início em 15:32 e término em 15:36, que
CRISTIANE deixou ciente de que ia trabalhar em casas noturnas."
Destaque-se que, apesar de a vítima Silvanir Lidiane Ferreira não ter sido ouvida em juízo,
seu depoimento prestado na esfera policial foi corroborado pela testemunha Maíse França Correia
da Costa, consoante depoimento prestado em juízo sob o crivo do contraditório.
Por outro lado, a ré CRISTIANE FERREIRA DA SILVA TINOCO, em depoimento perante
este Juízo, em 03.11.2013, que se encontra gravado na mídia acostada à fl. 720v, afirmou:
"no trecho com início em 03:25 e término em 03:30, que saiba nenhuma brasileira exercia
prostituição nos clubes; no trecho com início em 04:20 e término em 04:23, que não sabe quem
convidava as brasileiras a ir ao clube; no trecho com início em 05:15 e término em 05:23, que não
convidou mas ajudou duas amigas a ir trabalhar na Espanha; no trecho com início em 06:40 e
término em 06:50, que as garotas não tinham uma dívida de dois mil e quinhentos euros com Jose
Moreno"
Frise-se que a acusada nega qualquer participação nos fatos a ela atribuídos, bem como ter
ciência de qualquer atividade relacionada a prostituição nos clubes ECLIPSE e EL EDEN, tese esta
reforçada em suas alegações finais (fls. 1106/1115). No entanto, a tese da defesa não encontra
respaldo nos depoimentos transcritos acima, colhidos em juízo e na esfera policial, que atribuíram
de forma veemente à acusada a participação no crime de redução à condição análoga à de escravo
das brasileiras enviadas para trabalhar nos clubes EL EDEN e ECLIPSE, na Espanha, tendo em
vista que sofreram restrição na liberdade de locomoção em virtude de dívida adquirida com o grupo
criminoso.
A defesa alega (fls. 1106/1115) que a acusada, apenas ajudou duas amigas a ingressarem na
Espanha para que lá pudessem trabalhar, não tendo conhecimento da prática de qualquer crime em
relação às mulheres que iam aos clubes. Do mais, alega que não existem provas aptas a embasar um
pleito condenatório.
Verifica-se, no entanto, que o conjunto probatório produzido nos autos aponta que a acusada
não apenas tinha conhecimento das condições a que eram submetidas as mulheres traficadas, como
era a pessoa responsável pelo aliciamento das mulheres que seriam reduzidas à condição análoga à
de escravo. Do mais, restou evidenciado que era perante a acusada (embora a mando de terceiros,
que lhe enviavam dinheiro) que as vítimas contraíam a dívida com o grupo criminoso, que seria o
motivo para restrição da liberdade de locomoção imposta, para assegurar que as vítimas não
fugissem sem pagar a dívida. Enfatize-se, ademais, que a acusada mantinha relacionamento
amoroso com o braço direito (FINO) do proprietário das boates, o que reforça a convicção de seu
envolvimento no crime.
Diante do exposto, é possível concluir que CRISTIANE FERREIRA DA SILVA TINOCO
concorreu, por seis vezes, para os crimes descritos no tópico materialidade.
A atuação não pode ser tida como de menor importância, haja vista ser a acusada apontada
como a agente aliciadora das vítimas reduzidas à condição análoga à de escravo, perante a qual elas
assumiam as dívidas para propiciar o deslocamento até a Espanha para exercer o trabalho que a
acusada lhes oferecera, qual seja, a prostituição.
Não há, pois, comprovação de que os dois acusados tenham, de alguma forma, contribuído
para a redução à condição análoga à de escravo. Diferentemente do que ocorreu em relação aos
acusados JOSE MORENO GOMEZ, CEFERINO VALERO GONZALEZ e CRISTIANE
FERREIRA DA SILVA TINOCO (proprietário das boates e financiador das viagens, seu braço
direito e peça chave na prostituição forçada e a principal aliciadora, respectivamente), aqui, se algo
restou provado, foi apenas a vinculação como empregados.
Assim, impõe-se, por ausência de provas de participação na empreitada criminosa (CPP, art.
386, V), a absolvição.
A redação acima, anterior à dada pela Lei nº 12.850/2013, deixa claro que o cometimento do
crime pressupõe a existência de 4 (quatro) ou mais agentes. Contudo, no caso em exame, foram
absolvidos da totalidade das imputações dois dos acusados, restando apenas outros 3 (três). Por
conseguinte, não há de se cogitar do crime em tela, por ausência do número mínimo de
participantes.
Impõe-se, portanto, a absolvição dos acusados, nos termos do art. 386, III, do CPP.
2.4 CONSIDERAÇÕES FINAIS
O acusado JOSE MORENO GOMEZ será condenado nas sanções do art. 231, §§2º e 3º (por
seis vezes, em continuidade delitiva - art. 71) e do art. 149 (por seis vezes, em continuidade delitiva
- art. 71), todos do CP. Em consonância com o art. 69 do CP, devem ser-lhe aplicadas
cumulativamente as penas privativas de liberdade.
O acusado CEFERINO VALERO GONZALEZ será condenado nas sanções do art. 231,
§§2º e 3º (por seis vezes, em continuidade delitiva - art. 71) e do art. 149 (por seis vezes, em
continuidade delitiva - art. 71), todos do CP. Em consonância com o art. 69 do CP, devem ser-lhe
aplicadas cumulativamente as penas privativas de liberdade.
A acusada CRISTIANE FERREIRA DA SILVA TINOCO será condenada nas sanções do
art. 231, §§2º e 3º (por seis vezes, em continuidade delitiva - art. 71) e do art. 149 (por seis vezes,
em continuidade delitiva - art. 71), todos do CP. Em consonância com o art. 69 do CP, devem ser-
lhe aplicadas cumulativamente as penas privativas de liberdade.
Por não vislumbrar, quanto a cada acusado acima, penas diversas para os delitos cometidos
em continuidade delitiva, será realizada a dosimetria apenas para um dos crimes.
Por sua vez, serão absolvidos os acusados:
a) JOSE MANUEL CAEIRO OTERO e ABRAHAM SOLER FRANCH, com fundamento
no CPP, art. 386, V, das imputações referentes aos crimes do art. 231, §§2º e 3º, e do art. 149, ambos
do CP;
b) JOSE MORENO GOMEZ, CEFERINO VALERO GONZALEZ, CRISTIANE
FERREIRA DA SILVA TINOCO, JOSE MANUEL CAEIRO OTERO e ABRAHAM SOLER
FRANCH, nos termos do art. 386, III, do CPP, da imputação referente ao crime do art. 288 do CP.
3. DISPOSITIVO
Diante do exposto, JULGO PARCIALMENTE PROCEDENTE a pretensão deduzida na
denúncia para:
a) absolver JOSE MANUEL CAEIRO OTERO e ABRAHAM SOLER FRANCH, com
fundamento no CPP, art. 386, V, das imputações referentes aos crimes do art. 231, §§2º e 3º, e do
art. 149, ambos do CP;
b) absolver JOSE MORENO GOMEZ, CEFERINO VALERO GONZALEZ, CRISTIANE
FERREIRA DA SILVA TINOCO, JOSE MANUEL CAEIRO OTERO e ABRAHAM SOLER
FRANCH, nos termos do art. 386, III, do CPP, da imputação referente ao crime do art. 288 do CP;
c) condenar JOSE MORENO GOMEZ nas sanções do art. 231, §§2º e 3º (por seis vezes, em
continuidade delitiva - art. 71) e do art. 149 (por seis vezes, em continuidade delitiva - art. 71), nos
termos do art. 69 (concurso material), todos do Código Penal;
d) condenar CEFERINO VALERO GONZALEZ nas sanções do art. 231, §§2º e 3º (por seis
vezes, em continuidade delitiva - art. 71) e do art. 149 (por seis vezes, em continuidade delitiva -
art. 71), nos termos do art. 69 (concurso material), todos do Código Penal;
e) condenar CRISTIANE FERREIRA DA SILVA TINOCO nas sanções do art. 231, §§2º e
3º (por seis vezes, em continuidade delitiva - art. 71) e do art. 149 (por seis vezes, em continuidade
delitiva - art. 71), nos termos do art. 69 (concurso material), todos do Código Penal.
Passo a DOSAR A PENA, obedecendo aos ditames do art. 68 do Código Penal e analisando
as circunstâncias judiciais do art. 59 do mesmo diploma, a eventual existência de circunstâncias
agravantes e atenuantes ou causas de aumento ou diminuição de pena, bem como, ao final, a
possibilidade de substituição da pena privativa de liberdade aplicada por pena(s) restritiva(s) de
direito.
3.1 JOSE MORENO GOMEZ
3.1.1 Dos Crimes de tráfico internacional de pessoas para fim de exploração sexual,
mediante fraude e com o fim de obter vantagem econômica (art. 231, §§2º e 3º, CP, por seis vezes,
em continuidade delitiva).
Examinando as circunstâncias judiciais previstas no Código Penal, art. 59, pode-se constatar
que não são integralmente favoráveis ao réu. É que, no que tange às circunstâncias e culpabilidade
do crime, entendo que devam ser sopesadas em seu desfavor: o condenado é empresário e
proprietário de duas boates na Espanha, de sorte que poderia manter-se sem a necessidade de
promover o tráfico de mulheres, oriundas de famílias pobres de um dos estados mais carentes do
Brasil (o Rio Grande do Norte). Por conseguinte, fixo a pena-base em 04 (quatro) anos de reclusão.
Não se verifica a ocorrência de atenuantes ou agravantes.
Reconhecendo a inexistência de causa de diminuição e incidindo a causa de aumento
prevista no art. 231, §2º, inciso IV (fraude), CP, aumento a pena em 1/2 (metade), chegando à pena
definitiva, para cada um dos crimes, de 06 (seis) anos de reclusão.
Em decorrência da continuidade delitiva (art. 71, do CP), por seis vezes, aplico apenas uma
das penas, aumentada em 1/2 (metade), chegando à pena de 09 (nove) anos de reclusão, que
TORNO CONCRETA E DEFINITIVA.
O tipo contempla a sanção de multa, individualizada em conformidade com o art. 49 do CP.
Partindo das circunstâncias judiciais já aferidas quando da individualização da pena privativa de
liberdade, fixo a pena de multa em 95 (noventa e cinco) dias-multa. Em face do entendimento
predominante no âmbito do Superior Tribunal de Justiça (HC 132351/DF, Rel. Ministro FELIX
FISCHER, QUINTA TURMA, julgado em 19/08/2009, DJe 05/10/2009), que desconsidera as
agravantes/atenuantes e as causas de aumento/diminuição, incabível a majoração da quantidade de
dias-multa em decorrência da causa de aumento de pena do art. 231, §2º, inciso IV, CP. Por outro
lado, sendo inaplicável à continuidade delitiva o art. 72 do CP (HC 201102471522, VASCO
DELLA GIUSTINA (DESEMBARGADOR CONVOCADO DO TJ/RS), STJ - SEXTA TURMA,
DJE DATA: 11/04/2012), acresço a multa da 1/2 (metade), passando a totalizar 142 (cento e
quarenta e dois) dias-multa. Atento à condição sócio-econômica do réu (empresário dono de duas
boates na Espanha), faço corresponder cada dia-multa a 1 (um) salário mínimo vigente à época dos
fatos (31/12/2008 - R$ 415,00), devendo ser atualizado monetariamente quando da execução do
julgado (art. 49, § 2º, do Código Penal).
3.1.2 Dos Crimes de redução à condição análoga à de escravo (art. 149 do Código Penal).
Examinando as circunstâncias judiciais previstas no Código Penal, art. 59, pode-se constatar
que não são integralmente favoráveis ao réu. É que, no que tange às circunstâncias e culpabilidade
do crime, entendo que devam ser sopesadas em seu desfavor: o condenado é empresário e
proprietário de duas boates na Espanha, de sorte que poderia manter-se sem a necessidade de
promover a "coisificação" de mulheres, oriundas de famílias pobres de um dos estados mais
carentes do Brasil (o Rio Grande do Norte). Por conseguinte, fixo a pena-base em 03 (três) anos de
reclusão.
Em relação ao réu, não se verifica a ocorrência de atenuantes ou agravantes, bem como
causas de aumento ou diminuição de pena. Assim, a pena definitiva, para cada um dos crimes, é
fixada em 03 (três) anos de reclusão.
Em decorrência da continuidade delitiva (art. 71, do CP), por seis vezes, aplico apenas uma
das penas, aumentada da 1/2 (metade), chegando à pena de 04 (quatro) anos e 06 (seis) meses de
reclusão, que TORNO CONCRETA E DEFINITIVA.
O tipo contempla a sanção de multa, individualizada em conformidade com o art. 49 do CP.
Partindo das circunstâncias judiciais já aferidas quando da individualização da pena privativa de
liberdade, fixo a pena de multa em 95 (noventa e cinco) dias-multa. Sendo inaplicável à
continuidade delitiva o art. 72 do CP (HC 201102471522, VASCO DELLA GIUSTINA
(DESEMBARGADOR CONVOCADO DO TJ/RS), STJ - SEXTA TURMA, DJE DATA:
11/04/2012), acresço a multa da 1/2 (metade), passando a totalizar 142 (cento e quarenta e dois)
dias-multa. Atento à condição sócio-econômica do réu (empresário dono de duas boates na
Espanha), faço corresponder cada dia-multa a 1 (um) salário mínimo vigente à época dos fatos
(31/12/2008 - R$ 415,00), devendo ser atualizado monetariamente quando da execução do julgado
(art. 49, § 2º, do Código Penal).
3.1.3 Crimes Praticados em Concurso Material
Em decorrência do concurso material de crimes (art. 69, do Código Penal), por ter o
acusado, mediante mais de uma ação, praticado mais de um delito, devem ser aplicadas
cumulativamente as penas privativas de liberdade. Como no caso foram impostas duas penas de
reclusão (09 anos e 04 anos e 06 meses), devem ser somados os montantes. Isso posto, fixo em
definitivo a pena privativa de liberdade em 13 (treze) anos e 06 (seis) meses de reclusão.
O réu deverá (art. 33, §2º, alínea "a", do CP) iniciar o cumprimento no regime fechado.
Deixo, pelo fato de a soma das penas extrapolar o patamar de 4 (quatro) anos, de proceder à
substituição das penas privativas de liberdade por restritivas de direitos (CP, art. 44).
Incabível a suspensão condicional das penas (sursis), por superado o patamar de 2 (dois)
anos (CP, art. 77, "caput").
As multas deverão ser pagas no prazo de 10 (dez) dias após o trânsito em julgado desta
sentença.
3.2 CEFERINO VALERO GONZALEZ (FINO)
3.2.1 Dos Crimes de tráfico internacional de pessoas para fim de exploração sexual,
mediante fraude e com o fim de obter vantagem econômica (art. 231, §§2º e 3º, CP, por seis vezes,
em continuidade delitiva).
Examinando as circunstâncias judiciais previstas no Código Penal, art. 59, pode-se constatar
que não são integralmente favoráveis ao réu. É que, no que tange às circunstâncias do crime,
entendo que devam ser sopesadas em seu desfavor: o condenado atuou para promover o tráfico de
mulheres, oriundas de famílias pobres de um dos estados mais carentes do Brasil (o Rio Grande do
Norte). Por conseguinte, fixo a pena-base em 03 (três) anos e 06 (seis) meses de reclusão.
Em relação ao réu, não se verifica a ocorrência de atenuantes ou agravantes.
Reconhecendo a inexistência de causa de diminuição e incidindo a causa de aumento
prevista no art. 231, §2º, inciso IV (fraude), CP, aumento a pena em 1/2 (metade), chegando à pena
definitiva, para cada um dos crimes, de 05 (cinco) anos e 03 (três) meses de reclusão.
Em decorrência da continuidade delitiva (art. 71, do CP), por seis vezes, aplico apenas uma
das penas, aumentada em 1/2 (metade), chegando à pena de 07 (sete) anos, 10 (dez) meses e 15
(quinze) dias de reclusão, que TORNO CONCRETA E DEFINITIVA.
O tipo contempla a sanção de multa, individualizada em conformidade com o art. 49 do CP.
Partindo das circunstâncias judiciais já aferidas quando da individualização da pena privativa de
liberdade, fixo a pena de multa em 80 (oitenta) dias-multa. Em face do entendimento predominante
no âmbito do Superior Tribunal de Justiça (HC 132351/DF, Rel. Ministro FELIX FISCHER,
QUINTA TURMA, julgado em 19/08/2009, DJe 05/10/2009), que desconsidera as
agravantes/atenuantes e as causas de aumento/diminuição, incabível a majoração da quantidade de
dias-multa em decorrência da causa de aumento de pena do art. 231, §2º, inciso IV, CP. Por outro
lado, sendo inaplicável à continuidade delitiva o art. 72 do CP (HC 201102471522, VASCO
DELLA GIUSTINA (DESEMBARGADOR CONVOCADO DO TJ/RS), STJ - SEXTA TURMA,
DJE DATA: 11/04/2012), acresço a multa da 1/2 (metade), passando a totalizar 120 (cento e vinte)
dias-multa. Atento à condição sócio-econômica do réu (não demonstrado nos autos que ostente
situação favorável), faço corresponder cada dia-multa a 1/30 (um trinta avos) do salário mínimo
vigente à época dos fatos (31/12/2008 - R$ 415,00), devendo ser atualizado monetariamente quando
da execução do julgado (art. 49, § 2º, do Código Penal).
3.2.2 Dos Crimes de redução à condição análoga à de escravo (art. 149 do Código Penal).
Examinando as circunstâncias judiciais previstas no Código Penal, art. 59, pode-se constatar
que não são integralmente favoráveis ao réu. É que, no que tange às circunstâncias do crime,
entendo que devam ser sopesadas em seu desfavor: o condenado atuou para promover a
"coisificação" de mulheres, oriundas de famílias pobres de um dos estados mais carentes do Brasil
(o Rio Grande do Norte). Por conseguinte, fixo a pena-base em 02 (dois) anos e 06 (seis) meses de
reclusão.
Em relação ao réu, não se verifica a ocorrência de atenuantes ou agravantes, bem como
causas de aumento ou diminuição de pena. Assim, a pena definitiva, para cada um dos crimes, é
fixada em 02 (dois) anos e 06 (seis) meses de reclusão.
Em decorrência da continuidade delitiva (art. 71, do CP), por seis vezes, aplico apenas uma
das penas, aumentada da 1/2 (metade), chegando à pena de 03 (três) anos e 09 (nove) meses de
reclusão, que TORNO CONCRETA E DEFINITIVA.
O tipo contempla a sanção de multa, individualizada em conformidade com o art. 49 do CP.
Partindo das circunstâncias judiciais já aferidas quando da individualização da pena privativa de
liberdade, fixo a pena de multa em 80 (oitenta) dias-multa. Sendo inaplicável à continuidade
delitiva o art. 72 do CP (HC 201102471522, VASCO DELLA GIUSTINA (DESEMBARGADOR
CONVOCADO DO TJ/RS), STJ - SEXTA TURMA, DJE DATA: 11/04/2012), acresço a multa da
1/2 (metade), passando a totalizar 120 (cento e vinte) dias-multa. Atento à condição sócio-
econômica do réu (não demonstrado nos autos que ostente situação favorável), faço corresponder
cada dia-multa a 1/30 (um trinta avos) do salário mínimo vigente à época dos fatos (31/12/2008 -
R$ 415,00), devendo ser atualizado monetariamente quando da execução do julgado (art. 49, § 2º,
do Código Penal).
3.2.3 Crimes Praticados em Concurso Material.
Em decorrência do concurso material de crimes (art. 69, do Código Penal), por ter o
acusado, mediante mais de uma ação, praticado mais de um delito, devem ser aplicadas
cumulativamente as penas privativas de liberdade. Como no caso foram impostas duas penas de
reclusão (07 anos, 10 meses e 15 dias e 03 anos e 09 meses), devem ser somados os montantes. Isso
posto, fixo em definitivo a pena privativa de liberdade em 11 (onze) anos, 07 (sete) meses e 15
(quinze) dias de reclusão.
O réu deverá (art. 33, §2º, alínea "a", do CP) iniciar o cumprimento no regime fechado.
Deixo, pelo fato de a soma das penas extrapolar o patamar de 4 (quatro) anos, de proceder à
substituição das penas privativas de liberdade por restritivas de direitos (CP, art. 44).
Incabível a suspensão condicional das penas (sursis), por superado o patamar de 2 (dois)
anos (CP, art. 77, "caput").
As multas deverão ser pagas no prazo de 10 (dez) dias após o trânsito em julgado desta
sentença.