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002,891:3 Para conversar sobre pesquisa Talking about research RIVA SATOVSCHI SCHWARTZMAN + Este artigo discute a questo do empo- brecimento da pesquisa em Ciénelas Socials, tomando » Psicologia como exemplo. Analisa propostas feites por Amedeo Giorgi, na direcso de uma metodologia qualitativa de pesquisa, com base nas diretrizes da Fllosofla Fenomeno- Jogiea. Conclui que se devern levantar quosttes referentes néo apenas 20 método de pesquisa, mas também se investigarem ss dificuldades enfrentadas pelos pesquisadores no cultiva de ‘sua propria curiotidade. A necessidade sempre renovada de discussAc e avaliacdo do trabalho de pesquisa traz para mim a idéia, que julgo natural, de que algo pode ir melhor com a pesquisa, a idéia de que ela se acha empobrecida. Pro- Ponho aqui, contudo, uma reflex4o nJo somente sobre o que hd com a pesquisa, mas sobre o que h4 com o pes- quisador. Antecipo, desde j4, que meu diagnéstico ¢ que © pesquisador — muito especialmente o pesquisador em Ciéncias Sociais — sofre de agorafobia. Antes porém que eu seja acusada de estar psiquiatrizando a questéo da Professors adjunto do Departamento de Pricologia a+ UFMG. '» Duquesne Unversity (Piesburgh, Pa), USA. Mostra R. Ese, Bibliotecon, UFMG, B. Horizonte, 16(1):7-18, mar, 1987 pesquisa, vamos refletir sobre os caminhos que ela tem percorrido. Meu pensamento pessoal a esse respeito baseia-se fundamentalmente em meu trabalho em Psico- logia. Imagino contudo que as idéias que trago sejam amplamente generalizéveis para outras areas das Ciéncias Humanas. Como @ de conhecimento de todos, as primeiras ciéncias bem sucedidas — e inveladas — so as Ciéncias Naturais. Os textos de Histéria das Ciéncias sdo pré- digos em revelar-nos como 0 nascimento da ciéncia mo- derna deu-se 2 partir de uma busca angustiada de cer- teza, contra os perigos acarretados pela ilusdo a que pode levarnos a subjetividade. Descartes, com a cons: trugo de seu sistema filosofico, encamna a reagao dos de seu tempo em face do trauma de constatar-se que aquilo que aparece como verdadeiro aos sentidos, nem sempre 0 é O exempho mais marcante e famoso disso 6 a descoberta, longamente negada, de que a Terra gira em torno do Sol, e no o contrério, £ na sistematizacao da desconfianca nas informagaes dos sentidos que surge uma Giéncia Natural muita bem sucedide, como define, por exemplo, R. D, Romanyshyn (1973). Vejamos alguns dos pressupostos basicos das ciéncias assim construidas: 1, 0 método cientifico deve ser empirico: os fenémenos observados dever ser passiveis de definicao opera: cional, traduzivel, em altima instancia, em varidveis quantiticaveis. 2. 0 método clentifico deve tomar possivel o estabele- cimento das leis que regem os fendmenos (mais frequentemente, leis causais), 0 que deve traduzir-se em relacSes quantificdveis entre variaveis. 3. 0 método cientifico deve proporcionar condigées para o estabelecimento de previsdes. R. Ese. Bibliotecon. UFMG, B, Horizonte, 16(1):7-18, mar. 1987 4. 0 método cientifico deve propiciar a repetibilidade: por seu intermédio, os fenémenos devem ser det nidos de forma a poderem ser duplicados por qualquer ‘outro pesquisador. 5. © método deve ser descrito de forma tal a poder ser utilizado por qualquer investigador, sem que as idiossincrasias dessa ou daquela pessoa influenciem a observacéo do fendmeno sob investigacao, ou seja, deve ser independente do pesquisador. Tomo essa pequena lista de postulagdes sobre 0 método cientifico-natural, de uma lista mais ampla, de autoria de Amedeo Giorgi (1973). Escolho justa- mente esses itens por consideré-los os mais indicativos do que afirmava acima: a preocupagao da Ciéncia Natural em defender-se das incertezas da subjetividade. minha escolha de postulados das Ciéncias Naturals re- exercicio da praxis cientifica como uma dificuldade de Método e ceduzir-se, dal, que a solugdo consistiria, por exemplo, na criacfo de uma maior variedade metodo: logica, ‘Ao falar acima da consagragao da praxis cit fico-natural, tenho muito presente que, para a nossa discussao, 6 fundamental o reconhecimento de que foi justamente nessa trilha que as nossas ciéncias, as cién- R. Esc, Bibliotecon. UFMG, B, Horizonte, 16(1):7-18, mer. 1987 10 cias humanas, ensaiaram seus primeiros pasos. Seria impréprio e impreciso dizermos que nada foi conseguido nessa diregdo, N8o é essa a queixa em tort wat organizam-se as discussées sobre pesqui A lembranga de que o nascimento da Filosofia Fenomenolégica, a partir do trabalho de Edmund Husserl, deu-se justamente pela identificagéo de uma das clencias européias (Husseri, E., 1970) & sempre revivida. Quando esse filésofo incita-nos a uma «volta as coisas mesmasy, seu diagnéstico da ‘a ser conhecido como. do pensamento ocidental: pode resumir em poucas palavras toda a riqueza da reflexéo que a Fenomenologia faz sobre o pensamento ocidental e, mais especificamente, sobre 2 producdo de conhecimento. Nao cabe a presente discussio, por esse motivo, um prolongamento nessa direcao; parece-me mais interessante examinarmos a promessa implicita nessa énfase que a Fenomenologia coloca na critica a atitude natural: a promessa de retomada da questo da relacao entre observador e coisa observada, entre pesquisador coisa pesquisada, A postulagao fenomenolégica da intencionalidade 10s _depositar boas esperancas nessa _direcao: permi Nao € de minha competéncia tecer uma avaliagio do cumprimento ou nao, pela Fenomenologia, de suas pro- messas, O que pretendo fazer 6 uma reflexo, mais uma R. Esc. Bibliotecon, UFMG, B. Horizonte, 16(1):7-18, mer. 1987 vez com base em meu estudo em Psicologia, sobre algumas possibilidades de uso, no trabalho de pesquisa, das postulagdes fundamentais da Fenomenologia. Foca: lizarei o trabalho desenvolvido por Amedeo Giorgi, a0 longo de mais de quinze anos, com vistas & construdo de uma Psicologia como Ciéncia Humana, a partir dos indicadores que se podem captar na obra de Edmund Husserl e, muito especialmente, de Maurice Merleau- Ponty (ver Giorgi, A. 1970; 1973b; 1973¢; 19752; 1975b). Giorgi constroi a base de seu trabalho sobre dois pontos-chave: um diagnéstico das raizes das dificuldades pelas quais passa a Psicologia, ¢ a indicagao da diregdo da solugo de tais dificuldades peta integracdo da com: preensdo dac lo que ele denomina a abordagem do pes: Guisodor, A ifuliads central ca Pleloia (mando (adie de um cokes 20 etrrmas ue fazer sires @ aplicagSo sobre os fendmenos de um tratamento quantitative, por exemplo, recortamas no universo @ elegemos como pesquisdveis apenas aquela gama de ferémenos que seja passivel de quantificagso. Isso acar- reta, evidentemente, uma grande redugdo no universo do que € pesquisdvel. Se observarmos com cuidado, vere- mos que 0 recorte que se faz a partir dos postulados iniciais da compreensao cientifico-natural resulta na busca de relagbes entre varidveis, cujo objetivo 6 em Ultima instancia, medir essa relagao. As perguntas assim . Esc, Biblistecon, UFMG, B. Horizonte, 16(1):7-18, mar. 1987 il 12 feitas tomam genericamente o modelo de «qual 6 a relagao entre isso e aquilo»?, onde se vislumbra uma causalidade ou, pelo menos, uma concomitancia, S80 feitas, por exempto, perguntas do tipo «qual é a relagao entre tal estimulo e tal resposta»? ou «qual ¢ a relacdo entre o nimero de tentativas e a aquisigo deste ou daquele comportamenton? Uma variago desse tipo de pergunta seria: «qual 6 @ freqiéncia com que isso e aquilo ocorrem simultaneamente, ou sofrem variagdes simult&neas e paralelas»? Por exemplo: qual é a relagao entre nivel sécio-econdmico ¢ freqiiéncia de uso de uma biblioteca? ‘Ao postular 0 conceito de abordagem, Giorgi traz para o territério mais restrito da pesquisa aquilo que a Filosofia Fenomenolégica aponta como «atitude naturab> do pensamento em geral. Diz ele: «Ao estabelecer a cate- goria de «abordagem» queremos levar em conta o préprio Pesquisador na produco cientifica. Entende-se por abor- dagem o ponto de vista fundamental em relacdo 20 homem e zo mundo que o cientista traz, ou adota, com respeito a seu trabalho como cientista, seja esse ponto de vista explicitado ou permanecendo implicita» (1970, 126) R Exc, Biblotecon, UFMG, B. Horizonte, 16(1):7-18, mar, 1987 0 grande mérito do trabalho de Giorgi parece-me estar mais no Ambito de uma atitude geral do que no dos procedimentos metodolégicos concretos. Nessa dire- 80, seguindo as reflexbes da Filosofia Fenomenol6gica, 1nd todo um esforgo no sentido do resgate da confianca naquilo que os processos perceptuais naturals — des: pidos de qualquer superposicao de instrumentos arti cialmente construidos — possam oferecer ao conheci mento. © que se busca € a reconquista da confiana em ‘que os fendmenos que despertam o nosso desejo de conhesimento revelam-se em sua natureza € significados bésices, tal qual sA0, Basta que seibamos relacionar-nos com eles de forma sistematica — ou seja, identificando e neutratizando a atuacdo de nossos préprios precon- ceitos — para que eles se nos oferecam ao conhecimento a nivel confidvel ¢ transmissivel. Ainda no Ambito dessa atitude geral, parece-me fundamental a busca de uma retomada do (Besqulsadar como japente jativeldoljeonhece mente, e no posiciond-lo como mero coletador (supos- tamentesneutroysdendados0 trabalho de Giorgi resultou na criacéo de umd metodologia qualitativa de pesquisa. Busca-se através dela alcancar toda uma gama de fend- menos impossiveis de serem interrogados pelos procedi- mentes habituais da abordagem cientifico.natural. (Ao invés de poderse questionar to somente a relacao entre varidvels, questiona-se o niicleo constitutive das fend. menos, Faz-se ent3o perguntas do tipo «o que é isso ou ‘aquilon? Como se(BUsea) reszata |e ll uBar (da /suBjetividade no conhecimento, pergunta-se também qual € a expe: riéneia vivida disso ou daquilo, exatamente do ponto de staydaqueleyquelalvive, Abre-se assim 0 caminho para ‘@-conhecimento sistemético de fendmenos antes despre: zados sob 8 alegagdo de serem «puramente subjetivos». Fendmenos cotidianos do tipo citimes, ou a experiéncia de ser vitima de uma agdo criminal (ver Fischer, C.T3 R. Es, Biblictecon. UFMG, B. Horizonte, 16(1):7-18, mar. 1987 13 14 Wertz, F.J., 1979), ou ainda «a experiéncia de si proprio @ de outro como velho» (Bors, D.A., 1983) passam a ser objetos de investigagao cientifica. Olhemos no entanto mais de perto 0 uso que se fez da postulagao da abor- dagem do pesquisador. © concelfo de abordagem, inicialmente t80 pro- missor, acabou por ser usado de forma limitante, embora reconhecidamente produtiva. Se focalizo o trabalho de Giorgi mais detidamente @ porque acho que seu destino nao tem sido um cacidente de percurso». Pelo contrario, considero-o um bom exemplo daquilo que chamei acima de «agorafobia do pesquisadon. A ampliagao do ter- ritéric pesquisével e a riqueza de formas de fazé-lo n’o ocorreu na radicalidade que se poderia desejar. A explici- tagao dos pressupostes a partir dos quais 0 pesquisador trabalha tomou quase sempre a colorado de uma con- fiss8o, onde o pecado revelado era quase sempre o de

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